13.07.2015 Views

Há um novo Alain Platel à nossa espera - Fonoteca Municipal de ...

Há um novo Alain Platel à nossa espera - Fonoteca Municipal de ...

Há um novo Alain Platel à nossa espera - Fonoteca Municipal de ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Sexta-feira17 Dezembro 2010www.ipsilon.ptFRANS BROOD ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7561 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTEHá <strong>um</strong> <strong>novo</strong> <strong>Alain</strong> <strong>Platel</strong> à <strong>nossa</strong> <strong>espera</strong>Out of Context - for PinaGünter GrassMGMTFe<strong>de</strong>rico Fellini


FlashS<strong>um</strong>ário<strong>Alain</strong> <strong>Platel</strong> 6Achávamos que oconhecíamos <strong>de</strong> cor, mas“Out of Context- for Pina”mostra-o renovadoGünter Grass 12Vai mudar <strong>de</strong> ferramentasTony Belloto 14O mundo do rock por <strong>um</strong> TitãLuís Sepúlveda 16Tocou-lhe ser a memóriaMGMT 22O concerto, <strong>de</strong>pois do “caso”“Congratulations”Joaquin Phoenix 31Será que ele ainda está aqui?Ficha TécnicaDirectora Bárbara ReisEditor Vasco Câmara,Inês Nadais (adjunta)Conselho editorial IsabelCoutinho, Óscar Faria, CristinaFernan<strong>de</strong>s, Vítor BelancianoDesign Mark Porter, SimonEsterson, Kuchar SwaraDirectora <strong>de</strong> arte Sónia MatosDesigners Ana Carvalho,Carla Noronha, Mariana SoaresEditor <strong>de</strong> fotografiaMiguel Ma<strong>de</strong>iraE-mail: ipsilon@publico.ptLançamentoTwin Shadow, dia 26 <strong>de</strong> Maioem Vila do Con<strong>de</strong>Twin Shadowno “Estaleiro”<strong>de</strong> Vila do Con<strong>de</strong>No total serão mais <strong>de</strong> 60 iniciativasentre filmes, concertos e ateliersque darão corpo ao projecto“Estaleiro”, i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>senvolvida pelamesma equipa do festival Curtas <strong>de</strong>Vila do Con<strong>de</strong>, que tem início emJaneiro e se irá prolongar por doisanos, congregando a realização <strong>de</strong>20 ateliers, 20 concertos e aprodução <strong>de</strong> 20 filmes. O projecto,que ass<strong>um</strong>e <strong>um</strong>a faceta <strong>de</strong>formação e outra <strong>de</strong> programaçãoartística, está dividido em váriasáreas: Animar (educação para asimagens em movimento), Campus(programa <strong>de</strong> educação, formação eprofissionalização na área daimagem digital), CinemaExpandido, Concertos e fór<strong>um</strong>sobre “songwriting”. Este últimointitula-se “Ear the ground” econtará com autores e músicos quevão falar e trabalhar na escrita eprodução <strong>de</strong> canções.O módulo dos concertos funcionaráao longo <strong>de</strong> vários meses, comcerca <strong>de</strong> vinte bandas programadasnacionais e estrangeiras, a maiorparte <strong>de</strong>las ainda por confirmar. Doque já está assente <strong>de</strong>staque para osClã, que irão abrir este conjunto <strong>de</strong>concertos – a 14 e 15 <strong>de</strong> Janeiro noTeatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Vila do Con<strong>de</strong>– e <strong>de</strong>senvolver <strong>um</strong> trabalho <strong>de</strong> raizpara o público infantil; para os BelleChase Hotel (12 Fevereiro) e para oamericano Twin Shadow (26 Maio),ou seja George Lewis Jr, autor <strong>de</strong><strong>um</strong> dos álbuns mais festejados dosúltimos meses, “Forget“, disco <strong>de</strong>canções evocativas, algures entre apop, o rock, a soul e as electrónicasmais lúdicas.No módulo Cinema Expandido, quepropõe o cruzamento entre áreas<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> impacto da culturapopular, a exposição “Stereo”juntará seis duplas <strong>de</strong> criadoresportugueses, entre eles LegendaryTiger Man e Rodrigo Areias, ManuelJoão Vieira e Bruno Almeida, ZéO livro “Atelier Bugio JoãoFavila Menezes” vai serapresentado pelo arquitectoRui Men<strong>de</strong>s no dia 21, às 19h noÀ Margem, em Belém. Ediçãobilingue em português e inglês,contém textos dos arquitectosJoão Belo Ro<strong>de</strong>ia e Paulo Davi<strong>de</strong> do escritor Pedro Paixão,entre outros. Bugio é o nomedo atelier fundado por JoãoLuis Sousa Menezes em 1980e o livro reúne os “trabalhosmais relevantes compreendidosentre 1994 e 2010”, <strong>de</strong> acordocom a editora A+A Books.Havana I love youSão sete cineastas, seis<strong>de</strong>les com muitaexperiência atrás dacâmara e <strong>um</strong> <strong>de</strong>les commuita experiência emfrente à câmara, juntos com<strong>um</strong> objectivo: retratar acapital cubana, Havana.Laurent Cantet (“ATurma”), Gaspar Noé(“Irreversível”), EliaSuleiman (“O Tempo QueResta”), Julio Me<strong>de</strong>m(“Lucia y el Sexo”), PabloTrapero (“FamíliaRodante”) e Juan CarlosTabío (“Lista <strong>de</strong> Espera”)juntam-se ao actor portoriquenhoBenicio Del Torono projecto “7 Days InHavana”.A i<strong>de</strong>ia é simples: reunirsete curtas sobre a cida<strong>de</strong>. Oprojecto foi apresentado asemana passada no HavanaFilm Festival e vai serproduzido pela Full Houseem conjunto com a MorenaFilms. De acordo com arevista “Variety”, citandoDidar Domehri, da FullHouse, “7 Days In Havana”vai “representar a visão queos turistas têm <strong>de</strong> Havana eretratar o dia-a-dia [doshabitantes] da cida<strong>de</strong>”. Arevista avança com sinopses<strong>de</strong> cada <strong>um</strong>a das curtas:Trapero vai contar ahistória <strong>de</strong> <strong>um</strong> actorque visita Havanapara receber <strong>um</strong>prémio; oespanholMe<strong>de</strong>m vairetratar <strong>um</strong>triânguloamoroso;Cantet vaifocar-sen<strong>um</strong>afamíliapraticante<strong>de</strong> <strong>um</strong>aantigareligião e Tabíovai mostrara vida<strong>de</strong> <strong>um</strong> grupo <strong>de</strong> jovenscubanos.Benicio Del Toro vai dirigir<strong>um</strong>a curta sobre <strong>um</strong> turistanorte-americano e as suasprimeiras 24 horas no país.Para o actor-realizador, aparticipação em “7 Days InHavana” será a sua segundatentativa na realização,<strong>de</strong>pois da curta“Submission” (1995).Venceu <strong>um</strong> Óscar paraMelhor Actor Secundárioem “Traffic- Ninguém SaiIleso”, realizado por StevenSo<strong>de</strong>rbergh, com quemtrabalhou há dois anos n<strong>um</strong>biopic sobre a vida <strong>de</strong>Ernesto “Che” Guevara,papel que lhe <strong>de</strong>u o prémio<strong>de</strong> interpretação emCannes.O episódio <strong>de</strong> Gaspar Noé, onome mais controverso dossete (é o autor <strong>de</strong>“Irreversível”), vai mostrar<strong>um</strong> exorcismo. O realizador<strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> francesanascido na Argentinaestreou há pouco “Enter theVoid”, filme que conta atentativa <strong>de</strong> reencarnaçãoda alma <strong>de</strong> <strong>um</strong> jovem,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ser baleado pelapolícia na casa <strong>de</strong> banho <strong>de</strong><strong>um</strong> bar – o espectadoracompanha a alma <strong>de</strong> Oscara voar pela cida<strong>de</strong> e vêmemóriasdosLaurent Cantet e Benicio <strong>de</strong>l Toro estão envolvidos no projecto sobre Havanaacontecimentos que olevaram ao bar on<strong>de</strong> foimorto e da sua relaçãoquase incestuosa comLinda, a irmã.O palestiniano EliaSuleiman, que foi alvo <strong>de</strong><strong>um</strong>a retrospectiva na últimaedição do Estoril FilmFestival, participa com <strong>um</strong>acurta sobre <strong>um</strong> estrangeiroque chega a Havana pelaprimeira vez e <strong>de</strong>ambulapela cida<strong>de</strong> à <strong>espera</strong> quealgo aconteça.Muita curiosida<strong>de</strong>,finalmente, <strong>espera</strong> otrabalho <strong>de</strong> Cantet, ovencedor da Palma <strong>de</strong> Ouro<strong>de</strong> Cannes com “A Turma”.“7 Days In Havana” é <strong>um</strong>a<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> amor a <strong>um</strong>acida<strong>de</strong> como “New York ILove You” (2009) ou “Paris’Je t’aime” (2006), filmesque reuniram realizadorescomo Fatih Akin, Yvan Attal,Shunki Iwai, AlfonsoCuarón, Walter Salles e GusVan Sant. Há <strong>um</strong>aespecificida<strong>de</strong>: em “7 Daysin Havana” as personagensprincipais <strong>de</strong> cadasegmento participam nosoutros filmes comosecundárias.A rodagem <strong>de</strong>ve começar noinício do próximo ano, com<strong>um</strong> orçamento <strong>de</strong> 3 milhões<strong>de</strong> euros.Ípsilon • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • 3


FlashHelen Mirren: “quemfaz os filmes continuaa venerar homensdos 18 aos 25 anosos seus pénis”Scorsese e De Niro, juntos em “Irishman”PASCAL VICTOR/ARTCOMARTPeter Brookencena FlautaMágica em ParisEm Portugal só em Maio do próximo ano -Guimarães (5, Centro Cultural Vila Flor) e Porto(8 e 9, Teatro Nacional S. João) -, mas até ao fim<strong>de</strong>ste mês ainda po<strong>de</strong> ir até Paris ver “Une FlûteEnchantée”, <strong>um</strong>a encenação <strong>de</strong> Peter Brook dacélebre ópera <strong>de</strong> Mozart. De <strong>um</strong>a eficácia a toda aprova, o espectáculo aplica o método <strong>de</strong>encenação <strong>de</strong> Brook, ausente <strong>de</strong> efeitos eexpositivo, reduzindo a ópera, normalmente <strong>de</strong>quatro horas, para <strong>um</strong>a hora e meia semque se sinta que estamos a per<strong>de</strong>raspectos singulares.Usando <strong>um</strong>a versão para piano,alternadamente interpretado porFranck Krawczyk e Matan Porat,a encenação guarda as maiscélebres árias e <strong>de</strong>ixa anarrativa para os diálogos, queo conjunto dos intérpretesgere com h<strong>um</strong>or e sagacida<strong>de</strong>.É o próprio teatro que serve<strong>de</strong> cenário para a floresta, opalácio da Rainha da Noiteou a prisão dos doisamantes, Tamino et Pamina( Jeanne Zaepffel, na foto),no palácio <strong>de</strong> Sarastro.Il<strong>um</strong>inado n<strong>um</strong>intenso vermelho, eusando varas <strong>de</strong> cana comomaterial cenográfico, Brook okestabelece <strong>um</strong> espaço limpoe liberto <strong>de</strong> simbolismos,tanto mais surpreen<strong>de</strong>nte por setratar <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ópera que habita n<strong>um</strong>território onírico.De pés nus, os intérpretes preenchem acena com a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a interpretaçãoon<strong>de</strong> se evi<strong>de</strong>ncia o primado da palavra e,sobretudo, através da concentração daacção, se exploram, sem disfarces, asfragilida<strong>de</strong>s das personagens.A peça integra a programação do Festivald’Automne, estreou no dia 9 <strong>de</strong> Novembro etem prevista <strong>um</strong>a digressão que a levará aindaaos Estados Unidos da América, RepúblicaCheca, Espanha, Itália, Holanda e Alemanha.Tiago Bartolomeu Costa em ParisPedro (Xutos & Pontapés) e DeadCombo com João Louro.Helen Mirrencontra a falocraciaem HollywoodHelen Mirren causou esta semanaespanto em Hollywood ao acusar oscineastas <strong>de</strong> não daremoportunida<strong>de</strong>s às mulheres. “Comtodo o respeito pelas mulheresbrilhantes e bem-sucedidas na sala,muito pouco mudou em Hollywood:quem faz os filmes continua avenerar homens dos 18 aos 25 anosos seus pénis”, disse a actrizbritânica <strong>de</strong> 65 anos no seudiscurso. Falava n<strong>um</strong> pequenoalmoçoanual <strong>de</strong>dicado às 100mulheres mais po<strong>de</strong>rosas daindústria do espectáculo,promovido pela “HollywoodReporter”, e disse sentir-seressentida por ter assistido à“sobrevivência <strong>de</strong> muitos actoresmedíocres e ao<strong>de</strong>saparecimento, a nívelprofissional, <strong>de</strong> muitasactrizes brilhantes”.“Virtualmente todos osdramas escritos para cinema,televisão ou palco têm 20personagens masculinas para<strong>um</strong>a, duas ou talvez trêspersonagens femininas, issocom sorte” acrescentou. Issoterá influenciado a sua<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>participar em“The Tempest”.No filme,adaptação <strong>de</strong>Julie Taymorda peça <strong>de</strong>Shakespeare,MirrenO espectáculo aplica o método<strong>de</strong> encenação <strong>de</strong> Brook, ausente<strong>de</strong> efeitos, reduzindo a ópera,normalmente <strong>de</strong> quatro horas,a <strong>um</strong>a hora e meia <strong>de</strong> duraçãointerpreta Prospera, personagemque na versão original é <strong>um</strong>homem, e se chama Prospero.A actriz <strong>de</strong> 65 anos continua a serconsi<strong>de</strong>rada <strong>um</strong>a das mais sensuais<strong>de</strong> Hollywood, mas preferia que aspessoas focassem as suas atençõesnoutros aspectos da sua carreira.Em entrevista à “HollywoodReporter”, mostrou-se “irritada”com as constantes referências à suabeleza. “Temos que parar com estaporcaria. Isto só cria ainda maispressão nas mulheres e não querofazer parte disso. O facto <strong>de</strong> eu‘parecer bem’ com esta ida<strong>de</strong> écompletamente irrelevante”,acrescentou. “Porque é que nãofalamos do facto <strong>de</strong> eu ter acabado<strong>de</strong> filmar ‘Arthur’ e <strong>de</strong> o director <strong>de</strong>fotografia e operador <strong>de</strong> câmaraserem mulheres? Era a isso que<strong>de</strong>víamos prestar atenção”.“Red - Perigosos”, que conta com aactriz no elenco, juntamente comBruce Willis, John Malkovich eMorgan Freeman, estreou emPortugal no dia 11 <strong>de</strong> Novembro. Nasemana passada chegou às salas “AÚltima Estação”, <strong>de</strong> MichaelHoffman, filme sobre Lev Tolstói(Christopher Pl<strong>um</strong>mer) e a suamulher, Sofya (Mirren), que valeuaos dois actores <strong>um</strong>a nomeaçãopara a edição <strong>de</strong> 2010 <strong>de</strong> osÓscares.Scorsesee De Niro, <strong>de</strong> <strong>novo</strong>bons rapazes“Irishman” vai voltar a reunirMartin Scorsese e Robert De Niro,juntos já oito vezes, em filmes como“Os Cavaleiros do Asfalto”, “TaxiDriver” ou “O Touro Enraivecido”.Uma adaptação do livro “I HeardYou Paint Houses” <strong>de</strong> CharlesBrandt, “Irishman” mostra atransformação <strong>de</strong> Frank “TheIrishman” Sheeran, <strong>de</strong> sindicalistapara assassino. De acordo com o“Hollywood Reporter”, eScorsesepo<strong>de</strong> mesmo começar a filmar nopróximo ano. Steven Zaillian, quefoi nomeado para os prémios daAca<strong>de</strong>mia para Melhor Arg<strong>um</strong>entoOriginal por “Gangs of New York”,vai escrever o guião. O realizador <strong>de</strong>68 anos encontra-se e a filmar“Hugo Cabret”, que marca asua estreia no 3D. O filmetem estreia marcada a nosEUA para 9 <strong>de</strong> Dezembro<strong>de</strong> 2011 e conta ahistória <strong>de</strong> <strong>um</strong> rapazque vive em segredon<strong>um</strong>a estação <strong>de</strong>comboios <strong>de</strong> Paris.Do elenco fazemparte actorescomo BenKingsley, RayWinstone, ChloëMoretz, EmilyMortimer, SachaBaron Cohen e Ju<strong>de</strong> Law. O últimofilme <strong>de</strong> Scorsese, “Shutter Island”,foi protagonizado por LeonardoDiCaprio, que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> DeNiropassou a ser o cúmplice dorealizador. Robert De Niro po<strong>de</strong> servisto nas salas portuguesas em“Machete”, <strong>de</strong> Robert Rodriguez eaté ao final do ano estreiam maisdois filmes com o actor: “Stone -Ninguém é Inocente” e “Não HáFamília Pior!”.Novo “Alien”<strong>de</strong> Ridley Scottjá tem títuloMais <strong>de</strong> 30 anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Alien - O8º Passageiro”, Ridley Scottregressa à “franchise”. A prequela<strong>de</strong> “O 8º Passageiro” vai estardividida em duas partes e vaichamar-se “Paradise”. A “NYMagazine” avança que a história<strong>de</strong>ste regresso, tal como o original,vai centrar-se n<strong>um</strong> grupo <strong>de</strong>viajantes espaciais a tentarsobreviver ao encontro com <strong>um</strong>amonstruosa criatura alienígena.Segundo a revista, a actriz suecaNoomi Rapace (Lisbeth Salan<strong>de</strong>r naadaptação da trilogia Millenni<strong>um</strong>,<strong>de</strong> Stieg Larsson) <strong>de</strong>ve encarnarElizabeth Shaw, a personagemprincipal. Ridley Scott estáinteressado em Michael Fassben<strong>de</strong>r(“Fome”, “Sacanas Sem Lei”) pararepresentar David, <strong>um</strong> andrói<strong>de</strong>,mas a “NY Magazine” adianta que anegociação com os agentes doirlandês <strong>de</strong> origem alemã estádifícil. Para o papel <strong>de</strong> Vickers, <strong>um</strong>apersonagem que a revista <strong>de</strong>screvecomo <strong>um</strong>a “mulher na casa dosquarenta, dura mas sensual”, orealizador inglês quer Michelle Yeoh(“O Tigre e o Dragão” e “MissãoSolar”). A produção do filme <strong>de</strong>vecomeçar já em Março. O últimofilme da série foi “Alien: ORegresso”, <strong>de</strong> 1997, realizado pelofrancês Jean-Pierre Jeunet (“OFabuloso Destino <strong>de</strong> Amélie”).Scott faz a “prequela”ao “O 8º Passageiro”,mas continua a ser<strong>um</strong> grupo <strong>de</strong> homens,<strong>um</strong>a mulhere <strong>um</strong>a criatura4 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


Começar <strong>de</strong> <strong>novo</strong>Peça grandiosa,convida-nos a olhar,como se fosse pelaprimeira vez, para <strong>um</strong>autor que achávamossaber <strong>de</strong> cor. “Out ofContext - for Pina”é <strong>um</strong> <strong>Alain</strong> <strong>Platel</strong>renovado,mais centrado nocorpo do que nunca.E mais silencioso doque imaginávamos.Hoje em Guimarães,no Centro CulturalVila Flor, domingo esegunda-feira,em Lisboa, noTeatro Maria Matos.Tiago BartolomeuCosta, em Paris


com <strong>Alain</strong> <strong>Platel</strong>FRANS BROOD


Com “Out of Context - for Pina” é <strong>um</strong>outro <strong>Alain</strong> <strong>Platel</strong> que se apresenta.Não há efeitos coreográficos vorazes,nem <strong>um</strong>a arqui-estrutura que esmaga.Não há sequer <strong>um</strong> fio que nos conduza.Mas há, como sempre, corposque parecem vir <strong>de</strong> <strong>um</strong> outro mundoe, por virem <strong>de</strong> longe, nos surpreen<strong>de</strong>mpelo modo como se relevam,intensos, presentes, inteiros.Longe das pesadas máquinas cénicasque nos últimos tempos nos trouxe– “Vsprs” (2006), a partir <strong>de</strong> “Vespro<strong>de</strong>lla Beata Vergine” <strong>de</strong> Monteverdi,ou “Pitié!” (2009), a partir da“Paixão segundo <strong>de</strong> São Mateus” <strong>de</strong>Bach –, e antes <strong>de</strong> regressar com “Gardénia”(18 e 19 Fevereiro 2011), divertimentoseríssimo e agridoce sobre otravestismo, eis <strong>um</strong>a peça que, emjeito <strong>de</strong> homenagem a Pina Bausch,se apresenta sem outro mistério quenão seja o do movimento.São corpos praticamente nus, embrulhadosem cobertores, que falampouco e, quando o fazem, citam ridículascanções <strong>de</strong> amor. São corposmudos, ou quase mudos, que usamo movimento não como matéria paraa acção, mas como a própria acção.E, por isso, mais do que corpos, sãoespectros que <strong>de</strong>ambulam n<strong>um</strong> palcovazio, imersos n<strong>um</strong>a paisagem sonorahipnotizante, à <strong>espera</strong> <strong>de</strong> nada. À<strong>espera</strong> <strong>de</strong> nós.<strong>Alain</strong> <strong>Platel</strong>, 51 anos, coreógrafoque se reiventou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> mais <strong>de</strong>vinte anos à procura <strong>de</strong> <strong>um</strong>a or<strong>de</strong>mpara o seu movimento, fala-nos hoje<strong>de</strong> <strong>um</strong> lugar mais sereno, on<strong>de</strong> a urgênciatem mais a ver com o presentedo que com o futuro. E, por isso,quando o questionamos, a respostasó po<strong>de</strong> ser a <strong>de</strong> <strong>um</strong> homem tranquilo.E inquieto, porque tranquilo.Pina Bausch dizia que a alegadaliberda<strong>de</strong> característica do se<strong>um</strong>ovimento vinha do imensotrabalho que nele colocava.A mesma i<strong>de</strong>ia parece estarpresente nesta peça.Existe diferença entre o que se vê e oque se sente porque o que se vê é sempretestemunhado a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> ponto<strong>de</strong> vista diferente. Estamos a falar<strong>de</strong> processos sentimentais e emotivosque ultrapassam as estruturas daspróprias peças. Hoje acho que <strong>um</strong> dosgran<strong>de</strong>s objectivos da dança é conseguirser-se ambicioso nesse sentido eencontrar <strong>um</strong> modo diferente <strong>de</strong> comunicar.Era isso que acontecia entremim e Pina. Das várias vezes em queestivemos juntos nunca falámos <strong>de</strong>dança ou <strong>de</strong> arte no geral. Falávamos<strong>de</strong> outras coisas. E isso é <strong>um</strong>a forma<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o que ela dizia sobre omovimento ter que ser auto-sustentado.Ele não existe por si só.“Out of context - for Pina”explora <strong>um</strong>a tensão entre <strong>um</strong>movimento interior, pertencenteao tempo do intérprete, e <strong>um</strong>movimento colectivo, que surgea partir do confronto entrebailarinos e espectadores...Ouço-o e isso parece lógico, mas nãotinha pensado nisso assim. Não trabalhocom esse género <strong>de</strong> jogos, ascoisas acontecem e vamos <strong>de</strong>scobrindoao longo do processo o que queremosfazer. Claro que me interessaencontrar não <strong>um</strong>a nova forma, mas<strong>um</strong>a forma diferente <strong>de</strong> fazer o quefaço. Mas seria muito difícil conseguilose isso fosse <strong>um</strong>a estratégia.Trabalha mais por intuição doque estratégia?É verda<strong>de</strong> que neste projecto fui maisinsistente, do que em outros, em termos<strong>de</strong> objectivos a traçar. Tentei sermuito menos aberto a compromissos,ainda que goste muito <strong>de</strong>les, porqueexercem influências e po<strong>de</strong>m enriquecertodos os elementos envolvidosna peça. Mas aqui era muito mais“sim” ou “não”, e muito mais “não”do que “sim”.De qualquer forma, é tudo sempremuito mais profundo. Há <strong>um</strong> tempo<strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta, e por vezes não soucapaz <strong>de</strong> falar disso, porque quandoas coisas parecem novas não há muitaspalavras que as possam <strong>de</strong>screver.Talvez por isso, no meu percurso, alinguagem corporal se torne tão forte,porque encontra o seu próprio caminho,faz o seu trabalho.E daí se sentir este diálogoentre o balanço e <strong>de</strong>sequilíbrioque percorre toda a peça e,<strong>de</strong> certa forma, contamina opróprio corpo e movimento dosintérpretes.Acho que foi o [bailarino português]Romeu Runa que disse que em “Outof context” estamos a criar <strong>um</strong> contextoe isso foi muito engraçado <strong>de</strong><strong>de</strong>scobrir, porque não se po<strong>de</strong> estarfora <strong>de</strong> contexto. Há sempre <strong>um</strong> contextoà <strong>nossa</strong> <strong>espera</strong>.Aqui foi <strong>um</strong>a homenagem a PinaBausch?Apesar <strong>de</strong> ter estreado em Outubro<strong>de</strong> 2009 a peça não mudou <strong>de</strong>pois damorte <strong>de</strong>la [três meses antes] porquejá estava a trabalhar antes. Inclusivamenteo subtítulo [“for Pina”] <strong>de</strong>sapareceudurante os ensaios, porquenão queríamos criar <strong>um</strong>a pressão <strong>de</strong>snecessária.Era, sobretudo, <strong>um</strong> presentepara Pina, em resposta ao modosempre tão generoso com que ela serelacionava com os outros. Queriaque se fizessem referências ao trabalho<strong>de</strong>la, mas nunca pensámos n<strong>um</strong>ahomenagem.O que prevaleceu então?Neste formato foi muito fácil aceitarque as coisas acontecessem e <strong>de</strong>ixarque encontrassem o seu lugar. Havia<strong>um</strong>a pré-disposição para fazer estaviagem e, ao mesmo tempo, para perceberaté on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> esticar a corda,e que cordas po<strong>de</strong>m ser esticadas.Quando a peça começa, e para voltarà pergunta inicial, há <strong>um</strong> tempoque se instala e que é com<strong>um</strong> aos espectadorese aos intérpretes. Elesaparecem em palco, <strong>de</strong>spem-se, enrolam-sen<strong>um</strong> cobertor, levam tempoaté conquistarem o espaço. Tudo issopodia ser mais curto, mas se o fosseseria muito artificial, acho. Depoisdisso tudo é possível, porque essetempo da acção, que é <strong>um</strong> tempo real,aproxima os intérpretes do público,que percebe <strong>de</strong> on<strong>de</strong> é que elesvêm. Não há outro contexto, comoem “Pitié!”, on<strong>de</strong> os bailarinos e osmúsicos se relacionavam com a músicaou o tema da peça. Aqui perguntamo-nosquem são estas pessoas quechegam <strong>de</strong>sta forma, formando estamassa, através dos cobertores. Percebemosque estão preparados para<strong>um</strong>a viagem. E se esta vai <strong>de</strong> A a Z,em vez <strong>de</strong> A a B, isso é aparentementepossível. Claro que o meu trabalhoé fazer as ligações, iludindo gran<strong>de</strong>scontrastes. E isso é muito difícil, mastambém muito precioso.Estreada em2009, a peçaexplora <strong>um</strong>movimentomais livre,com menosefeitos.<strong>Alain</strong> <strong>Platel</strong>quis saber atéon<strong>de</strong> podiaesticar a cordaFRANS BROOD8 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


CHRIS VAN DER BURGHT“Há <strong>um</strong>momento napeça em queRomeu Runapergunta sealguém querdançar comele. A primeiravez que otentámos foiem Hamburgo,durante oTanzkongress.Havia milpessoas aassistir, todaselas a viver dadança, fossea escrever, acoreografar,a pensar oua dançar.E, peranteessa simplespergunta,ninguémveio ter comele. Isso foichocante,mesmo paraos bailarinos”Ípsilon • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • 9


ComentárioTiagoBartolomeuCostaUm movimentoque seja seuNo início a cena está vazia. Os intérpretes <strong>de</strong>morarão a chegar aopalco, vindos da plateia, on<strong>de</strong> estavam sentados, iguais aosespectadores. Despirão as roupas casuais que trazem eembrulhar-se-ão em puídos cobertores laranja. E ficarão por ali, a<strong>de</strong>ambular, à <strong>espera</strong> que algo aconteça. À <strong>espera</strong> que seja não otempo coreográfico, mas o tempo emocional a ditar as regras, as frases, osmovimentos e a estrutura.É <strong>um</strong> processo <strong>de</strong> permanente início aquele que se estabelece em “Out ofcontext – for Pina”, peça que <strong>Alain</strong> <strong>Platel</strong> assinou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sse mon<strong>um</strong>entoque foi “Pitié!”, criado a partir da obra <strong>de</strong> Bach, “Paixão segundo São Mateus”(CCB e Teatro Nacional São João, 2009). Aos bailarinos já não lhes é pedidoque se esgotem em cada movimento, como aconteceu em outras peças <strong>de</strong><strong>Platel</strong>. O prazer, mesmo que físico, tem que ser interior antes <strong>de</strong> ser exterior.E é por isso que esta é <strong>um</strong>a peça on<strong>de</strong> não existe lógica pré-<strong>de</strong>terminista quecondicione o significado do que fazem, promovendo, antes, <strong>um</strong>a intençãoexploratória do potencial do movimento sem objectivos.A peça não é tanto <strong>um</strong>a homenagem a Pina Bausch, que morreu no Verão<strong>de</strong> 2009, no sentido <strong>de</strong> referência directa e explícita, como o é enquantoreconhecimento do percurso aberto pela coreógrafa. Percebe-se isso pelomodo como os bailarinos encontram <strong>um</strong> espaço individual <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong>aestrutura que os agrega. E ainda pela capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalharem essaindividualida<strong>de</strong> não apenas no plano físico, mas no plano emocional.A relação <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> e i<strong>de</strong>ntificação que Pina procurava instituir nassuas peças, eventualmente mais evi<strong>de</strong>nte na série criada a partir <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s –on<strong>de</strong> se incluiu Lisboa em “Masurca Fogo” (1998) –, está aqui presente noconvite explícito à observação e à partilha. À observação dos corpos que selibertam nas linhas <strong>de</strong> <strong>um</strong> movimento também ele mais <strong>de</strong>sprendido, maisfísico sem ser gutural, como muitas vezes o foi. À partilha <strong>de</strong> referências,visuais, coreográficas e musicais, iniciadoras <strong>de</strong> <strong>um</strong> processo <strong>de</strong> construçãoreferencial com<strong>um</strong>.<strong>Alain</strong> <strong>Platel</strong> <strong>de</strong>senha linhas que se emaranham a partir dos percursos <strong>de</strong>cada bailarino, <strong>de</strong>volvendo-lhes o que são notórias distinções físicas,diferentes modos <strong>de</strong> intervir e <strong>de</strong> agir perante o movimento. Ass<strong>um</strong>indo essecomo o único material passível <strong>de</strong> ser trabalhado, o coreógrafo belgaabandona as arqui-estruturas que estiveram na base <strong>de</strong> trabalhos anteriorespara apresentar <strong>um</strong>a peça que não é menos política nem menos implicada doque as anteriores. Talvez o seja, até, mais do que as outras.Ao reclamar o primado do movimento como o ponto <strong>de</strong> convergência entreo seu olhar, a funcionalida<strong>de</strong> do intérprete face ao movimento e o significadoque o espectador lhe atribui, <strong>Platel</strong> liberta a peçaA peça vive <strong>de</strong>sseimpon<strong>de</strong>rável, <strong>de</strong>sseambicioso <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>nos fazer acreditarna surpresa<strong>de</strong> qualquer intenção moralista ou <strong>de</strong>finitiva. Eliberta-se também, enquanto autor, <strong>de</strong> <strong>um</strong> peso<strong>de</strong>scritivo que sempre ten<strong>de</strong>u a carregar as suaspeças <strong>de</strong> <strong>um</strong>a “feérie” insana. Essa <strong>de</strong>cisão, maisou menos intuitiva – ou instintiva – ou mais o<strong>um</strong>enos estratégica reclama para o seu discurso odireito à reconstrução. Ou seja: evi<strong>de</strong>ncia o <strong>de</strong>sejo<strong>de</strong> não dar as fórmulas por garantidas.Há, em todo este processo, <strong>um</strong>a dimensão <strong>de</strong>clarificação do próprio significado primário do gesto, obe<strong>de</strong>cendo a estruturaa <strong>um</strong> apaziguamento em relação à suficiência do movimento. Uma suficiênciaque advém <strong>de</strong> <strong>um</strong>a distinção entre o essencial e o acessório, entre asdiferentes camadas <strong>de</strong> leitura que <strong>um</strong> movimento po<strong>de</strong> conter, entre osespaços em branco, propositadamente por preencher, entre <strong>um</strong>a sequência eoutra. Em s<strong>um</strong>a, <strong>um</strong> <strong>de</strong>sejo intrínseco <strong>de</strong> habitar a estrutura em vez <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixara estrutura cons<strong>um</strong>ir o movimento. Será por isso que, ao longo doespectáculo, vamos encontrar zonas que po<strong>de</strong>ríamos apelidar <strong>de</strong> “terra <strong>de</strong>ninguém”, on<strong>de</strong> os bailarinos po<strong>de</strong>m explorar o <strong>de</strong>sequilíbrio sugerido pelaspermanentes ac<strong>um</strong>ulações <strong>de</strong> personagem e realida<strong>de</strong>. Ou ainda quando é aprópria estrutura da peça que se permite <strong>um</strong>a invasão/contaminação poroutros elementos, exteriores, que ocupam a cena e alteram o centro <strong>de</strong> acção.Essa introdução, sempre diferente em cada apresentação, não apenasvalida a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> permanente início, como força <strong>um</strong>a <strong>de</strong>fesa do que se passaem palco naquele momento.E “Out of context - for Pina” vive <strong>de</strong>sse impon<strong>de</strong>rável, <strong>de</strong>sse ambicioso<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> nos fazer acreditar na surpresa. Quando os bailarinos interpretam– na sequência-chave da peça – <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> canções pop, como se fossempoemas que carecem <strong>de</strong> <strong>um</strong>a voz, ou mensagens importantes que nãoquerem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer passar, fazem-no, <strong>de</strong> facto, ass<strong>um</strong>indo não apenas olado paródico, mas o verda<strong>de</strong>iro dramatismo da universalização e dageneralização vazia dos discursos políticos, simbólicos ou amorosos.É pela reclamação <strong>de</strong> <strong>um</strong> outro espaço, não necessariamente <strong>novo</strong> nemoriginal, mas <strong>um</strong> que possam chamar seu, que este espectáculo batalha. Amemória <strong>de</strong> Pina estará presente aí, mais como inspiração do que comoreverência, nesse inconformismo que funciona como atrito no interior damáquina, pesada e po<strong>de</strong>rosa, mas necessariamente mutante.Cada <strong>um</strong> dos bailarinos, <strong>de</strong>senvolvendo <strong>um</strong>a gestualida<strong>de</strong> que, por vezes,se vê espelhada n<strong>um</strong> outro corpo, outras vezes contrariada, muitas vezesampliada, contribui para esse território imaginário on<strong>de</strong> a peça po<strong>de</strong> existir.O convite que é lançado assenta n<strong>um</strong> princípio <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação que é, n<strong>um</strong>aprimeira fase, lúdico, <strong>de</strong>pois se torna mais introspectivo, logo <strong>de</strong>poisespeculativo, e alg<strong>um</strong>as vezes errante. Mas sempre como <strong>um</strong> balão a precisarpermanentemente <strong>de</strong> ser soprado, expectante. E será, talvez, por isso, quecada convite feito em palco não é artificial, não é dramatúrgico, não éficcional. É <strong>um</strong> convite para que, juntos, se possa começar.No fim, como se tudo o que aconteceu não tivesse passado <strong>de</strong> <strong>um</strong>ahipótese, o palco volta a ficar vazio.“Um dosgran<strong>de</strong>sobjectivosda dança éconseguir serseambicioso eencontrar <strong>um</strong>modo diferente<strong>de</strong> comunicar.Era isso queaconteciaentre mim ePina. Nuncafalámos <strong>de</strong>dança ou <strong>de</strong>arte no geral.Falávamos <strong>de</strong>outras coisas”PEDRO ELIASPorque nem sempre éevi<strong>de</strong>nte em que momentose pe<strong>de</strong> ao espectador queacompanhe a viagem...Há <strong>um</strong> momento na peça em que RomeuRuna pergunta se alguém querdançar com ele. A primeira vez queo tentámos foi em Hamburgo, duranteo Tanzkongress [congresso mundial<strong>de</strong> dança que acontece <strong>de</strong> dois emdois anos]. Havia mil pessoas a assistir,todas elas a viver da dança, fossea escrever, a coreografar, a pensar oua dançar. E, perante essa simples pergunta,ninguém veio ter com ele. Issofoi chocante, mesmo para os bailarinos.Ali estavam eles, vivos, em frentea outras pessoas que pugnam por<strong>um</strong>a dança também ela viva, e quandoalguém lhes perguntou, ninguémapareceu. As pessoas com quem falei[noutras apresentações] e que aceitaramir ao palco disseram que o faziamporque não aguentavam queninguém fizesse nada. Em Bruxelashouve <strong>um</strong> espectador que tirou a roupa,ficando igual aos intérpretes.Isso não se po<strong>de</strong> controlar.Não, nunca se sabe. É <strong>um</strong> momentomuito frágil. Mas se ninguém vier, aquestão fica, e fica também a culpa<strong>de</strong> ninguém ir.A peça está cheia <strong>de</strong> momentos<strong>de</strong>sses, quase catárticos...... e a catarse nunca chega.Pois não, mas isso não impe<strong>de</strong>que existam zonas que vivem<strong>de</strong> <strong>um</strong>a relação no presentee, por isso, irrepetível com asexpectativas do espectador,<strong>de</strong>nunciando assim aincompletu<strong>de</strong> do movimento.Assim sendo, quando acha quePina Bauschmorreu noverão <strong>de</strong> 2009.<strong>Alain</strong> <strong>Platel</strong>não quis fazerlhe<strong>um</strong>ahomenagem,mas tê-lacomoreferência10 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


po<strong>de</strong> dizer que <strong>um</strong>a peça estápronta?Neste caso, <strong>de</strong>z dias antes da estreia.Mas, às vezes, só quatro ou cinco diasantes. Quando estreia é porque estáperto do fim, e só sobram <strong>de</strong>talhes.E, <strong>de</strong>pois da estreia, não mudo as coisas.Não vejo que <strong>um</strong>a peça possamudar radicalmente <strong>de</strong>pois da estreia.Mas muda muito em termos <strong>de</strong>presença ao longo das apresentações.E isso não se po<strong>de</strong> prever completamente.E lida como com essaincompletu<strong>de</strong>?Esta peça toca em zonas muito profundasque, na altura da estreia, nãoo sentimos. Hoje, quando olho paraela, percebo que sou responsável por“isto”, sou consciente do que fiz. Maso modo como ela se tornou <strong>um</strong>a entida<strong>de</strong>viva, não sei qual foi.Descobre coisas no seu trabalhoquando o vê?Sim, pelo modo como as pessoas falam<strong>de</strong>le. Tanto interna como externamente.Tenho a minha própriafantasia quando vejo o espectáculo,vejo o que os bailarinos fazem, massó percebo o que querem dizer atravésdo efeito que as pessoas dizemque teve nelas. Por isso, po<strong>de</strong> ser interessanteler, por vezes, sobre o quese fez. Nem sempre, mas às vezes.Ainda se po<strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>r peloque escrevem e dizem sobre oque não tinha pensado fazer ounão tinha previsto?Claro. Durante os ensaios a minhamãe, que tem 80 anos, veio ver a peça.Estávamos a <strong>um</strong> mês da estreia. Eestávamos ainda a trabalhar a paisagemsonora, quando o microfone caiue ouvimos <strong>um</strong> baque, seguido <strong>de</strong> <strong>um</strong>“tic-tic”, e ela disse que se lembrava<strong>de</strong> sons <strong>de</strong> guerra que ouvia durantea noite. Isso fez-me olhar para aquelemomento <strong>de</strong> modo diferente. Eu chamo-lhe“o efeito Iraque”. Algo muitodistante no <strong>de</strong>serto on<strong>de</strong> há <strong>um</strong>aguerra a <strong>de</strong>correr. Era só <strong>um</strong> som <strong>de</strong>que eu gostava e agora tinha <strong>um</strong> significado.Isso foi <strong>um</strong>a surpresa.Mas a peça está cheia <strong>de</strong>zonas <strong>de</strong>ssas, on<strong>de</strong> é ainterpretação do espectadorque activa os sentidos domovimento.FRANS BROODEu gosto muito do modo como a peçacomeça, e os bailarinos também, masera a sequência que mais me assustava.Não tinha <strong>um</strong>a ligação com ela,era muito severo, não me pareciabem. Não sei o que a faz funcionar,mas há <strong>um</strong>a forma muito fria <strong>de</strong> seconstruir, que não cabe em nada doque fiz, nem se compromete com oprazer que se po<strong>de</strong> ter, ou dar, no início<strong>de</strong> <strong>um</strong>a peça.Porque instala <strong>um</strong>a ari<strong>de</strong>z e<strong>um</strong>a frieza no movimento queo vai obrigar a <strong>um</strong>a justificaçãopela acção ao invés <strong>de</strong> seguir<strong>um</strong> esquema formal <strong>de</strong>narrativida<strong>de</strong>?Sim, é <strong>um</strong> movimento muito frio o<strong>de</strong>sta peça. Isso, e o lado técnico,preocuparam-me. O que procureiconstruir foi <strong>um</strong>a paisagem feita apartir dos movimentos <strong>de</strong> cada intérprete,on<strong>de</strong> se produzissem encontros.Cada movimento tem a sua história,<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> quem o faz. Nãoé transmissível, mesmo que em certosmomentos [os bailarinos] possam estara fazer a mesma frase.Ou possam, em momentosmusicais distintos, uns maisclássicos, outros mais pop,reagir da mesma maneiraporque, afinal, são o mesmocorpo.Exactamente. Eu não mo<strong>de</strong>lo aquelescorpos. Dou-lhes liberda<strong>de</strong> para exploraremas i<strong>de</strong>ias, i<strong>de</strong>ias que nemsempre são precisas. Vendo-os vou<strong>de</strong>scobrindo mais e mais. É isso quegostava que acontecesse a quem vê apeça. Não sei se estamos sempre certosdo lugar que cada <strong>um</strong> vai ocupar.Há pessoas com as quais se po<strong>de</strong> irmuito longe e outras não. Alguns po<strong>de</strong>mdar mais que outros, porque têminspiração ilimitada, e outros têm <strong>um</strong>outro tempo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta e exploração.Como escolhe os bailarinos?É frequente as pessoas escreveremme,como aconteceu com RomeuRuna. Mas a maioria das pessoas nestapeça conheci-as através <strong>de</strong> audições,que também não são a melhorforma <strong>de</strong> conhecer pessoas.Mas não procura <strong>um</strong>a coisaespecífica?Têm que ser boas pessoas, simpáticase que não gostam <strong>de</strong> confronto. Têmque ser muito bonitas em palco, etêm que dançar, o que é raro <strong>de</strong> encontrar,especialmente em bailarinoscontemporâneos. As pessoas queremfalar sobre isso, não querem dançar.Eu gosto <strong>de</strong> <strong>um</strong>a certa timi<strong>de</strong>z, <strong>de</strong><strong>um</strong>a certa reserva. Isto combinadocom a alegria criada pelo movimentoé a comunicação perfeita. Já trabalheicom pessoas que gostavam <strong>de</strong> conflitose já não consigo. Há intérpretesque conseguem encontrar inspiraçãoem conflitos, isso não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> meimpressionar, mas entristece-me.Descobri que ser simpático é muitocompensador porque torna toda aatmosfera mais doce, calma e leve.Tenho bailarinos que são muito provocadores,mas <strong>um</strong>a coisa não contradiza outra, porque é feito comamor, porque querem levar toda agente para a frente, e não iniciar <strong>um</strong>abatalha.Desliga-se das peças que faz?Não, é muito difícil. É como lhe dizia:às vezes surpreendo-me com o quefiz. Pergunto-me como cheguei ali.Mas é verda<strong>de</strong> que não as acompanhoem todas as <strong>de</strong>slocações. E mesmoque possa ver alg<strong>um</strong>as coisas erradas,sei que os bailarinos são capazes <strong>de</strong>resolver o problema. Afinal, são elesque ali estão, mesmo quando é muitoaborrecido fazer <strong>um</strong>a peça cinquentaou cem vezes. Quando estou comeles, é muito divertido estarmos juntos.Espero que não pareça que osestou a controlar.MGMT1ª PARTE SMITH WESTERNS18 DEZ CAMPO PEQUENO23 MARÇOCOLISEU LISBOANESTE NATAL TODOS VÃO ACHARO SEU PRESENTE UM ESPECTÁCULOBILHETES: FNAC, WORTEN, CTT, EL CORTE INGLÉS, MEDIA MARKT, AGÊNCIA ABEP,SALAS DE ESPECTÁCULOS, TICKETLINE 707 234 234 | WWW.TICKETLINE.PT | M/6Ípsilon • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • 11


Aos 83 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, o escritor alemãoGünter Grass (n. 1927), Nobel daLiteratura em 1999, <strong>de</strong>u como encerradaa sua obra literária com a publicação,há três meses, do terceiro vol<strong>um</strong>eda autobiografia, “Grimms Wörter.Eine Lieberserklärung” (AsPalavras dos Grimm. Uma <strong>de</strong>claração<strong>de</strong> amor) – cuja edição portuguesaestá prevista para 2011 (Casa das Letras).“Falta-me o ânimo para escrever.Acabou o meu prazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong>.Já escrevi tudo. Na minha ida<strong>de</strong>, já secomeça a ficar surpreendido quandochegamos à próxima Primavera. E eusei o tempo que <strong>um</strong> livro po<strong>de</strong> <strong>de</strong>morara escrever.” Esta confissão foi feitana noite da passada sexta-feira noE.T.A. Hoffmann Theater, em Bamberg– pequena cida<strong>de</strong> do Norte daBaviera –, perante <strong>um</strong> auditório <strong>de</strong>meio milhar <strong>de</strong> pessoas. (os bilhetespara assistir à leitura <strong>de</strong> alguns excertosdo último livro <strong>de</strong> Grass, pela vozdo próprio, e ouvir alg<strong>um</strong>as palavrassobre o autor e as razões que o levarama escrever <strong>um</strong>a autobiografia<strong>de</strong>dicada aos irmãos Grimm, custavamentre 9 e 16 euros; e estavamesgotados havia mais <strong>de</strong> <strong>um</strong>a semana.)Sobre o que vai então fazer, disse:“A ida<strong>de</strong> da reforma nunca chegapara <strong>um</strong> artista. Há sempre <strong>um</strong>a tentativa<strong>de</strong> se fazer <strong>um</strong>a coisa mais perfeita,nunca se fica contente com oresultado e temos sempre o sentimento<strong>de</strong> que o que se fez é insuficiente.Por isso, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tantos anosa escrever, vou mudar <strong>de</strong> ferramentas.Vou voltar a pintar. Quando estendoas mãos, vejo que elas aindanão tremem, por isso vou continuar.Vou começar por <strong>de</strong>senhar e pintarnovas ilustrações, e também a capa,para a reedição <strong>de</strong> <strong>um</strong> romance queme é muito querido e que foi publicadopela primeira vez há quase 50anos, ‘Hun<strong>de</strong>jahre’ [edição portuguesa“O Cão <strong>de</strong> Hitler”, o último vol<strong>um</strong>eda “Trilogia <strong>de</strong> Danzig”, iniciada como famoso “O Tambor <strong>de</strong> Lata”]. Estemeio século que entretanto passoupermite-me ter <strong>um</strong> outro olhar sobreo que então escrevi. Eu tinha 35 anos.Depois talvez vá fazendo o mesmopara os outros que se seguiram.” Emais tar<strong>de</strong>, à pergunta se iria voltara escrever poesia (Grass começou asua activida<strong>de</strong> literária como poeta,no chamado “Grupo 47”), disse aoÍpsilon que sim, que “com a ida<strong>de</strong> apoesia lhe chegava com mais facilida<strong>de</strong>”,que as palavras estavam “maissoltas”.Günter GrassPolítica e os irmãos GrimmA autobiografia <strong>de</strong> Günter Grass iniciou-secom o polémico vol<strong>um</strong>e “Descascandoa Cebola” (Casa das Letras,2007) – que <strong>de</strong>screve o período entre1939 e 1959 (data da publicação <strong>de</strong> “OTambor <strong>de</strong> Lata”) – e on<strong>de</strong> revela queaos 17 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> se alistara voluntariamentenas Waffen-SS (já este ano,n<strong>um</strong>a entrevista à “Spiegel”, disse queo alistamento não foi voluntário, comoaliás aconteceu a muitos jovensalemães à época). O homem que no<strong>de</strong>bate público sempre criticou ferozmenteos <strong>de</strong>feitos da Alemanha – quepreten<strong>de</strong>u ser durante mais <strong>de</strong> trintaanos <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> “consciênciamoral da nação alemã” – não teve coragem,durante décadas, <strong>de</strong> se criticara si próprio. A sua “honestida<strong>de</strong> tardia”quase atingiu a dimensão <strong>de</strong> escândalonacional.A esse primeiro vol<strong>um</strong>e seguiu-se“A Caixa – histórias da câmara escura”(Casa das Letras, 2009), que abrangeo período entre 1959 e 1999 (ano emque lhe foi atribuído o Nobel). Paraeste livro, Grass arquitectou <strong>um</strong>a formanarrativa mais “soft”, <strong>de</strong> maneiraa que os assuntos tratados o <strong>de</strong>ixassema salvo <strong>de</strong> críticas in<strong>de</strong>sejadas, eapontou os focos narrativos, essencialmente,para a vida familiar, paraos seus problemas económicos, paraas mudanças <strong>de</strong> casa, para os casamentos,para os filhos. “A Caixa” encontradapor Grass (e porque é <strong>de</strong> <strong>um</strong>objecto que se trata, <strong>um</strong>a máquinafotográfica antiga) é <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong>instância autoral que il<strong>um</strong>ina as trevasdo seu passado – é <strong>um</strong> objecto bemao seu gosto, que mergulha nas águasturvas da história contemporânea aomesmo tempo que procura auscultaro <strong>de</strong>stino do Homem. Finalmente, oterceiro vol<strong>um</strong>e agora publicado,“Grimms Wörter. Eine Lieberserklärung”(As Palavras dos Grimm.Uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> amor), é sobretudo<strong>um</strong> contar sobre a sua intensa activida<strong>de</strong>política durante várias décadas,sobre a literatura, sobre a línguaalemã e a arte <strong>de</strong> contar histórias.Os irmãos Grimm, Jacob (1785-1863)e Wilhelm (1786-1859), recolheramdurante décadas as antigas narrativasque viviam apenas na memória populare no folclore alemão (apesar <strong>de</strong>muitas <strong>de</strong>las serem comuns, em diferentesversões, <strong>um</strong> pouco por toda aEuropa). A essas fábulas, que escreveramn<strong>um</strong>a linguagem directa, <strong>de</strong>ram<strong>um</strong>a roupagem literária <strong>de</strong> históriasinfantis, com <strong>um</strong>a temáticaexpurgada dos aspectos mais violentos,e sempre em redor <strong>de</strong> acontecimentosmágicos, <strong>um</strong> pouco à maneira<strong>de</strong> Hans Christian An<strong>de</strong>rsen. Ostemas focaram-se sobretudo na solidarieda<strong>de</strong>e no amor ao próximo.Grass confessou que cresceu “envolvidopor essas histórias”, e que foramelas que lhe <strong>de</strong>ram o gosto pela literatura,pela arte <strong>de</strong> contar e pelassubtilezas da língua.“Ainda em Danzig [cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong>Grass nasceu, actual Gdansk, na Polónia]cheguei a assistir, levado pelaminha mãe, a <strong>um</strong>a peça dos irmãosGrimm no teatro da cida<strong>de</strong>, por alturasdo Advento, era a história do ‘TomTh<strong>um</strong>b’. As histórias dos Grimm influenciaramtodo o meu trabalho criativo,e vivem nele. Por exemplo, esseTom Th<strong>um</strong>b que vi quando era aindatão pequeno, vive no Oskar Matzerath[o rapaz que se recusou a crescere que é o herói <strong>de</strong> ‘O Tambor <strong>de</strong> Lata’].E no romance ‘A Ratazana’ elesvai trocar a canetapelosMIGUEL MANSO“Falta-me o ânimopara escrever.Acabou o meuprazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong>.Na minha ida<strong>de</strong>, jáse começa a ficarsurpreendido quandochegamos à próximaPrimavera”pincéisLUIS CORREAS REUTERSO escritor alemão Günter Grass publicou o terceiro vol<strong>um</strong>e da suaautobiografia. E <strong>de</strong>u por terminada a sua activida<strong>de</strong> literária, pelo menosem termos <strong>de</strong> romances. “Acabou o meu prazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong>.”Mas <strong>um</strong> artista não tem ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reforma, por isso vai mudar <strong>de</strong>ferramentas. José Riço Direitinho em Bamberg12 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


estão <strong>de</strong>scritos como <strong>um</strong> ministro e<strong>um</strong> <strong>de</strong>putado que querem parar coma morte das florestas, originada pelaschuvas ácidas.”Mas on<strong>de</strong> é que é feita a ligação dosirmãos Grimm com a activida<strong>de</strong> políticae social da biografia <strong>de</strong> Grass?“Os Grimm viveram <strong>um</strong> período marcadopor mudanças radicais, querpolíticas quer sociais. Como eu, queassisti ao dividir e reunificar a Alemanha,ao erguer e ao cair do Muro <strong>de</strong>Berlim. O Liberalismo dava os primeirospassos no século XIX, havia trezentaspequenas cida<strong>de</strong>s divididas<strong>um</strong>as das outras política e economicamente.Quando eles tiveram a i<strong>de</strong>ia<strong>de</strong> fazer o Gran<strong>de</strong> Dicionário da LínguaAlemã, isso foi <strong>um</strong>a tentativa <strong>de</strong>unificação pela língua. Mas não sabiambem a tarefa a que tinham metidoombros.”Aqui <strong>um</strong> parêntesis: os Grimm começaramo dicionário em 1838, e comtodas as palavras e frases exemplificativas,à data da morte <strong>de</strong> JacobGrimm (1863), este tinha chegado àsexta letra do alfabeto. Foram precisasmais <strong>um</strong>as gerações <strong>de</strong> linguistaspara acabarem o trabalho, cujo últimovol<strong>um</strong>e foi publicado em 1961, 123anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter sido iniciado.“Uma das minhas intenções ao convocaros Grimm para a minha autobiografia”,diz Grass, “foi também a<strong>de</strong> os libertar <strong>de</strong>sta visão muito redutora,que muita gente tem, <strong>de</strong> que elesforam sobretudo uns colectores <strong>de</strong>fábulas do folclore germânico. Não,eles ensinaram-nos a contar históriase, sobretudo, a gostar <strong>de</strong> histórias. Eainda o gosto que tenho pelas palavras,mesmo por aquelas que já nãose usam mas que <strong>de</strong> cada vez que asoiço me parecem ressoar mais pertodo seu significado.”Sobre se o Nobel o tinha limitadona escrita, dando-lhe ainda mais responsabilida<strong>de</strong>social, disse: “De maneiranenh<strong>um</strong>a. Já não era importantepara mim. Esperei-o durante algunsanos, e quando mo <strong>de</strong>ram já não o<strong>espera</strong>va. Foi mais importante <strong>um</strong>prémio alemão, há muitos anos, dadopor colegas escritores, e n<strong>um</strong>a alturaem que eu atravessava momentos <strong>de</strong>dificulda<strong>de</strong>s económicas.” E quantoà responsabilida<strong>de</strong> e intervenção social,queixou-se: “A minha geraçãoparece ser a última que foi activa politicae socialmente. Os escritoresmais jovens, especialmente os da últimageração, parecem já não querersaber. Fazem mal, porque há cada vezmais temas on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>riam ser úteisintervindo. E muitas razões para ofazerem.”Depois do final da sessão, perto das22 horas, seguiu-se a habitual longafila para autógrafos e breves trocas <strong>de</strong>palavras. Tudo isto antes <strong>de</strong> GünterGrass c<strong>um</strong>prir <strong>um</strong>a tradição: comer<strong>um</strong>a sopa <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> todas as sessões,nem que seja quase meia-noite (comoaconteceu), com muitos poucos convidados,oferecida por quem o convidoupara a sessão <strong>de</strong> leitura. O Ípsilontambém esteve presente na InternationalesKünstlerhaus Villa Concordia,on<strong>de</strong> lhe perguntámos sobre o futurodo livro. “Não vai acabar. Vai ter <strong>um</strong>valor diferente, como antigamente.O <strong>de</strong> <strong>um</strong> objecto que po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixaraos nossos filhos.”“Vou voltar a pintar.Quando estendoas mãos, vejo queelas ainda nãotremem, por isso voucontinuar”À pergunta se iria voltar aescrever poesia (Grass começoua sua activida<strong>de</strong> literária comopoeta), disse ao Ípsilon que sim,que “com a ida<strong>de</strong> a poesia lhechegava com mais facilida<strong>de</strong>”,que as palavras estavam“mais soltas”Ípsilon • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • 13


Eureka. Afinal é <strong>de</strong> Frank Zappa“aquela velha tirada” sobre jornalismo<strong>de</strong> rock: “gente que não sabe escreverescrevendo para gente que nãosabe ler sobre gente que não sabe lernem escrever”. E é <strong>de</strong> Mick Jones,guitarrista dos Clash, a frase “não importao ‘que’ se toca, mas ‘quem’ toca”.E foi John Lennon que disse n<strong>um</strong>adas canções que a “vida é o queacontece quando se está ocupadocom outros planos”.Tudo isto nos é dito por Teo Zanquis,ex-guitarrista e narrador <strong>de</strong> “NoBuraco”, o último romance do escritor– e guitarrista do grupo rock brasileiroTitãs – Tony Bellotto. O livro foieditado em Portugal pela Quetzal,quase ao mesmo tempo que saiu naCompanhia das Letras, no Brasil. N<strong>um</strong>adas suas crónicas <strong>de</strong>ste Verão narevista “Veja”, Bellotto escrevia: “Nãoé <strong>um</strong> policial, e fala da vida ‘mui’ atribulada<strong>de</strong> <strong>um</strong> guitarrista <strong>de</strong> rock nãomuito conhecido, Teo Zanquis. Já ouviufalar?”Neste livro, o autor <strong>de</strong> “Um Casocom o Demónio”, abandonou o seu<strong>de</strong>tective Bellini e teve vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> falarsobre a sua experiência na estrada.São histórias <strong>de</strong> rockeiros e <strong>de</strong> outrascoisas que tal. Na verda<strong>de</strong>, o romancenasceu <strong>de</strong> <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> contos que foiarmazenando n<strong>um</strong> arquivo sem sabero que lhes fazer. “Um dia, ao ler essescontos, vi que eles eram narradossempre na primeira pessoa e que quasetodos tinham esse tema do rock,das viagens. Era intencional. Percebique o narrador era o mesmo em todos:era eu”, explica Belloto, na gigantescasala <strong>de</strong> sua casa, no bairro <strong>de</strong>Ipanema, Rio <strong>de</strong> Janeiro.É claro que “esse cara ia virar personagem”.Então começou a imaginar“esse sujeito” <strong>de</strong> 50 anos – <strong>um</strong> guitarrista<strong>de</strong> <strong>um</strong>a banda <strong>de</strong> rock brasileiraque alcançou a fama nos anos 80 como sucesso “Trevas <strong>de</strong> luz”, para <strong>de</strong>poiscair no esquecimento - como alguémque está “naquele vazio existencialque proporciona <strong>um</strong>a avaliação davida”. O romance está cheio <strong>de</strong> h<strong>um</strong>or,sexo, drogas e rock and roll. E jáse está mesmo a ver por que é queeste é o único livro que só o TonyBellotto podia ter escrito.“É muito baseado na minha vivênciapessoal [risos]. Nem tudo aconteceu,nem tudo é verda<strong>de</strong>. [ainda maisrisos] Mas muito aconteceu tambémnessa minha profissão <strong>de</strong> rockeirobrasileiro.” Não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ter presente“essa coisa paradoxal que é fazer-serock n<strong>um</strong> país como o Brasil, on<strong>de</strong> orock não é a música mais apreciada”e on<strong>de</strong> os gran<strong>de</strong>s ídolos do rock dosEUA e da Inglaterra são o único termo<strong>de</strong> comparação.Bellotto fez <strong>um</strong>a primeira versãodo romance e mandou-a à sua editora,Marta Garcia, que na Companhiadas Letras edita outros autores brasileiroscomo Ruy Castro e Daniel Galera.Ela não gostou e disse-lhe: “Istoé <strong>um</strong>a mistura das coisas que você jáfez. Está muito in<strong>de</strong>finido, falta alg<strong>um</strong>acoisa.” Mandou-lhe o manuscrito<strong>de</strong> volta.“‘Que é que eu faço com isto?’ Primeiroguar<strong>de</strong>i. Depois, aos poucos,comecei a tentar ver o que é que erabom no livro. Eram justamente aslembranças <strong>de</strong>le. Peguei as lembrançasdo músico e mu<strong>de</strong>i toda a partedo livro que se passava no presente.”Depois surgiu-lhe <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia, enquantocorria. “O cara iria estar na praiaouvindo as conversas dos outros sementen<strong>de</strong>r direito”. Refez o início econtinuou por ali fora. Quando terminou,ficou com medo <strong>de</strong> enviar omanuscrito e <strong>de</strong> ser rejeitado <strong>de</strong> <strong>novo</strong>.“Eu iria ter <strong>um</strong>a crise, iria parar <strong>de</strong>escrever, fiquei tenso.” Por essa altura,tinha acabado <strong>de</strong> ler “Pornopopeia”,<strong>de</strong> Reinaldo Moraes (<strong>um</strong> dos<strong>de</strong>z finalistas do Prémio Portugal Telecom<strong>de</strong> Literatura 2010) e mandouao amigo <strong>um</strong> e-mail a “parabenizar”.CAROLINE BITTENCOURT“Um dia, ao ler essescontos, vi que eleseram narradosna primeira pessoae que quase todostinham esse temado rock, das viagens.Percebi queo narrador erao mesmo em todos:era eu”Na resposta, Reinaldo Moraes dizialheque se Bellotto tivesse alg<strong>um</strong>a coisaescrita, e quisesse que ele fizesse<strong>um</strong>a leitura crítica, que lhe enviasse.“Mostrei para ele, Reinaldo me fez<strong>um</strong>as sugestões, trabalhei em cimado que ele me disse e só <strong>de</strong>pois é queman<strong>de</strong>i outra vez para a editora.” – oengraçado nesta história é que ReinaldoMoraes é o marido da editoraMarta Garcia.Tudo isto aconteceu,mais ao menosEm “No Buraco”, o guitarrista TeoZanquis recorda a sua vida em quartos<strong>de</strong> hotéis, noites loucas <strong>de</strong> sexo,<strong>de</strong> drogas e <strong>de</strong> álcool. Andar em tournée“é <strong>um</strong>a loucura mesmo. Você viveem hotéis. E vai criando <strong>um</strong> hábito,como se estivesse sempre no mesmohotel, só que cada dia tem <strong>um</strong> diferente.É <strong>um</strong>a sensação estranha emuitas coisas acontecem no hotel”,conta.Ao longo <strong>de</strong> todo o livro fala-se <strong>de</strong>literatura ( Jack Kerouac, Schopenhauer,Bukowski, William Blake,Gabriel García Marquez, Nick Hornby)e da história do rock e das transformaçõesque têm acontecido aolongo dos anos na música. “A gentevive <strong>um</strong> momento muito gritante <strong>de</strong>s-Me enganaque eu gosto“No Buraco” é <strong>um</strong>a divertida emelancólica viagem ao mundo dorock, anos 80 pela estrada fora. TonyBelloto, que é guitarrista dos Titãs,garante, tal como Kurt Vonnegut,que “tudo isto aconteceu, mais aomenos”. Isabel Coutinho,no Rio <strong>de</strong> JaneiroTony Bellotto e <strong>um</strong>a das suas guitarras14 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


sa transformação. Há <strong>de</strong>z anos vendiam-semuitos discos e agora ven<strong>de</strong>m-semuito poucos. O po<strong>de</strong>r queas gravadoras tinham não existe mais.Hoje, no Brasil, o cara que mais ven<strong>de</strong>discos é <strong>um</strong> padre. É estranho. Opaís já foi o quinto maior mercado dodisco do mundo, nos anos 80. Agoraninguém ven<strong>de</strong> nada, <strong>um</strong> padre ven<strong>de</strong>mais do que os próprios músicos.É triste.”A par <strong>de</strong> <strong>um</strong>a enorme ironia surgeneste romance, on<strong>de</strong> alguém <strong>de</strong>ixa acarreira musical porque ficou careca,<strong>um</strong> tom amargo. Reflecte-se sobre ofracasso e o sucesso, como se nãohouvesse muita diferença entre <strong>um</strong>acoisa e outra. “Na minha carreira <strong>de</strong>músico percebi que o sucesso é muitomais <strong>um</strong>a visão que os outros têm<strong>de</strong> quem está fazendo sucesso do queda própria pessoa. Claro que a pessoase ilu<strong>de</strong>, se inebria, em alguns momentoscom aquela situação mas avida pessoal é muito parecida com a<strong>de</strong> qualquer outro.”E <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong>ntro do que se cost<strong>um</strong>achamar sucesso existem sempre ospequenos fracassos. “Você se propõefazer <strong>um</strong>a coisa, não consegue e senteque fracassou. E aos olhos dos outrosvocê está fazendo sucesso ainda.Tudo isso é relativo, dividir as pessoasentre os que vencem, os que fazemsucesso, os que fracassam... Era essaa i<strong>de</strong>ia que estava na minha cabeça”durante a escrita do livro.Aos 50 anos, o narrador começa aolhar para todos “esses processos dosucesso como ilusões”, vê aproximarseo fim da vida e percebe que, afinal,tudo aquilo não significa tanto assim.É o olhar <strong>de</strong> quem avalia, <strong>de</strong> quem jávê a finitu<strong>de</strong> como <strong>um</strong> facto real, <strong>de</strong>quem per<strong>de</strong>u as ilusões da juventu<strong>de</strong>.“Quando se chega nesta ida<strong>de</strong> vocêpercebe que as possibilida<strong>de</strong>s não sãoinfinitas, se vão fechando e que otempo é finito.”Tony Belloto fez 50 anos em Junhoe a personagem Teo Zanquis apresenta-secomo “guitarrista escritor” eescreve contos que têm o rock comotema. Nada disto será por acaso, “NoBuraco” tem referências autobiográficas.Basta ler a epígrafe retirada <strong>de</strong>“Matadouro 5” <strong>de</strong> Kurt Vonnegut:“Tudo isto aconteceu, mais ao menos.”Lá para a página cento e tal é <strong>de</strong>scrito<strong>um</strong> episódio inspirado na vidareal: n<strong>um</strong>a noite fatídica, Teo é presocom <strong>um</strong> saquinho plástico cheio <strong>de</strong>cocaína. O mesmo acontece ao amigoque lhe <strong>de</strong>u a droga mas a este é aplicada<strong>um</strong>a pena mais pesada. O episódiofaz parte da história da música doBrasil. Em 1985, Tony Bellotto e o cantorArnaldo Antunes, dos Titãs, forampresos por posse <strong>de</strong> heroína. O discoque o grupo gravou e lançou a seguira esse episódio, “Cabeça Di<strong>nossa</strong>uro”,transformou-se no primeiro disco <strong>de</strong>ouro da banda.“Foi <strong>um</strong>a coisa tra<strong>um</strong>ática e sempretive vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> dia falar sobre isson<strong>um</strong> livro. Fiz nesse aí. Foi <strong>um</strong>acoisa difícil porque estava lembrando<strong>um</strong>a situação chata pela qual passei”,recorda Bellotto.Naquela época, por causa do escândalo,muitos shows foram canceladose houve pessoas que não quiseramficar atreladas à imagem dabanda. “Ficámos presos <strong>um</strong> tempo.Eu fiquei menos, o Arnaldo fico<strong>um</strong>ais. Isso é que me doeu mais porqueda maneira como a situaçãoaconteceu o <strong>de</strong>legado acabou me enquadrandoa mim como a <strong>um</strong> usuárioe a ele como <strong>um</strong> traficante. Foi injustaa situação que ele viveu. Depois agente respon<strong>de</strong>u o processo em liberda<strong>de</strong>.Enfim.”“Na época foi muito difícil, cadavez que eu ia viajar tinha que pedirautorização e tinha <strong>um</strong> promotor queme perseguia e não queria dar. Esempre que saíamos para o exteriorera <strong>um</strong> problema passar na PolíciaFe<strong>de</strong>ral, os policiais diziam que euficava fazendo músicas contra a polícia...”Também é verda<strong>de</strong>ira a história daguitarra Rickenbacker contada peloprotagonista (os nomes é que são fictícios).“Eu e o Marcello Fromer – ooutro guitarrista da banda, que morreu– comprámos <strong>um</strong>a guitarra queera muito boa, <strong>um</strong>a Rickenbacker.Estávamos fazendo <strong>um</strong> show lá nacida<strong>de</strong> Pru<strong>de</strong>nte, fomos comprardrogas a <strong>um</strong> traficante japonês e elechegou com <strong>um</strong>a guitarra. A gentecomprou e uns dias <strong>de</strong>pois, chegandono aeroporto, encontrámos OsParalamas do Sucesso. Começámosa mostrar e eles disseram que era aguitarra do Lobão [cantor <strong>de</strong> rockdos anos 80] que tinha sido roubada.Será que é? No fim essa guitarra tambémacabou <strong>de</strong>saparecendo, roubaramela da gente em alg<strong>um</strong> momento.Não foi daquela maneira que está<strong>de</strong>scrita no livro, mas s<strong>um</strong>iu.”Brincar com a línguaEntre os jovens Tony Bellotto tambémé conhecido pelo programa “Afinandoa Língua”, no Canal Futura(educativo), que tenta atrair a atençãodos que gostam <strong>de</strong> música paraos livros.A i<strong>de</strong>ia é pegar letras <strong>de</strong> música efazer <strong>um</strong>a ligação com textos <strong>de</strong> literatura,poesia e prosa. E em termos<strong>de</strong> linguagem “No Buraco” está cheio<strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras, referências e gíria.“Interesso-me por essas coisas engraçadasque a língua proporciona.Nos meus livros gosto <strong>de</strong> falar sobreas diferenças regionais, como o cariocafala, o gaúcho, o paulista...”Neste livro, quase do princípio aofim, também teve que <strong>de</strong>screver muitascenas <strong>de</strong> sexo. A <strong>de</strong>terminada alturao protagonista apaixonado diz:“Nos tornamos amigos. Até parece.Como se fosse possível <strong>um</strong> homemmaduro (eu) no <strong>de</strong>sabrochar – semtrocadilhos, por favor – <strong>de</strong> seus cinquentaanos ficar amiguinho <strong>de</strong> <strong>um</strong>aninfetoi<strong>de</strong> coreana <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenove. Meengana que eu gosto.”É assim o h<strong>um</strong>or <strong>de</strong> Bellotto. “Escreversobre sexo é difícil. Ou vocêcai n<strong>um</strong>a coisa vulgar ou n<strong>um</strong>a coisacafona. Acho que ficou legal. Deu trabalhomas fui inspirando-me nos escritoresque fazem isso bem, como oHenry Miller, o Bukowski. Isso tambémé <strong>um</strong>a coisa que acontece muito,essa coisa casual, essa coisa com fã.Está bem representado no livro.”Durante os últimos meses, Bellottotem andado a promover o livro peloBrasil afora e apareceram-lhe “o fantasmada livraria vazia” (“Realmenteeu pego, como a gente diz por aqui,<strong>um</strong>as roubadas. O lançamento do livroem Porto Alegre foi péssimo, foitriste. Cheguei na livraria e não tinhaninguém. Fiquei sentado, n<strong>um</strong>a mesa,com <strong>um</strong>a pilha <strong>de</strong> livros e não tinhaninguém. É muito confrangedor.”)e “o fantasma do esqueci o teunome” na altura <strong>de</strong> assinar o autógrafo.“Esse é pior que o da livrariavazia. Sempre me acontece, eu estouolhando a pessoa e não vem o nome.‘Qual é seu nome mesmo?’” É esta avida <strong>de</strong> <strong>um</strong> guitarrista escritor.FestivalEscrita na PaisagemapresentaMais informações brevemente em:www.escritanapaisagem.netrvalente@escritanapaisagem.netSiga-nos no facebook!Um projecto:Estrutura financiada por:Ípsilon • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • 15


“...tocou-nosser a memória”Dois miúdos <strong>de</strong>saparecidos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a foto antiga, amigos mortos, a casa dos Parra, em Santiago,mandada abaixo por <strong>um</strong>a escavadora, Luís Sepúlveda, cujo dom <strong>de</strong> escrita é <strong>um</strong> po<strong>de</strong>r,ressuscita-os a todos em “Histórias Daqui e Dali”; até a <strong>um</strong> cão que a polícia abandonou e a<strong>um</strong>a ca<strong>de</strong>la que ladrava à ETA. Fernando SousaNo que quer que escreva, Luís Sepúlvedapõe toda <strong>um</strong>a h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong> sejana ficção seja no que mais gosta – oexercício da memória para que ela nãose dilua. Tal e qual assim. E por issoos seus leitores gostam tanto da históriado gato Zorbas como do “Encontro<strong>de</strong> Amor n<strong>um</strong> País em Guerra”, do“Velho que Lia Romances <strong>de</strong> Amor”ou <strong>de</strong> obras on<strong>de</strong> o mais azedo <strong>de</strong> sivem à tona como “O General e o Juiz”,para dar só <strong>um</strong> exemplo – há mais.“Histórias Daqui e Dali” (Porto Editora),que veio lançar a Portugal, é <strong>um</strong><strong>novo</strong> exemplo do que po<strong>de</strong>ria ser<strong>um</strong>a obsessão se não tivesse por trás<strong>um</strong>a história trágica, a do Chile recente,e as provações <strong>de</strong> <strong>um</strong> exilado queanda pelo mundo a explicar sonhose pesa<strong>de</strong>los. “Escrevo porque tenhomemória e cultivo-a escrevendo”, disse<strong>um</strong>a vez.Tão pouco é <strong>um</strong>a questão <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>,não; embora, nascido em 1947, a refiravárias vezes neste acrescento <strong>de</strong>velhos episódios da angústia chilena– “Não, porque <strong>de</strong>ixo que os anos envelheçamcomigo; e até não é mauquando vou à piscina <strong>de</strong> Gijón e <strong>um</strong>ajovenzinha me diz que tenho direitoa <strong>de</strong>sconto”. Nem <strong>de</strong> res<strong>um</strong>os <strong>de</strong> vida– “Não gosto em geral do género memorialístico.Leio poucas biografias,todas as que leio são <strong>de</strong>cepcionantes,omitem muitas coisas ou contam outrasque não me interessam saber”.Mas talvez já seja <strong>de</strong> a<strong>de</strong>uses.Metido n<strong>um</strong> sobretudo, a caminho<strong>de</strong> <strong>um</strong>a noite fria e <strong>de</strong> mais <strong>um</strong> encontrocom alguns dos “mil amigos”e leitores portugueses, admite queescreveu sobre <strong>de</strong>saparecimentos(naturais) e <strong>de</strong>spedidas.“Histórias Daqui e Dali” é <strong>um</strong> saltoa <strong>um</strong> passado <strong>de</strong> coisas, <strong>um</strong>as vividas,outras interrompidas. Um “alb<strong>um</strong>”<strong>de</strong> 25 retratos como o dos garotos quea fotógrafa Anna Petereson não voltoua encontrar em La Victoria (Santiago),do jornalista Augusto Olivares, que sesuicidou na mesma manhã em queSalvador Allen<strong>de</strong> também se matou,<strong>de</strong> velhas máquinas Olivetti, Un<strong>de</strong>rwoodou Adler salvas do lixo, daluta ao lado do comandante Martín,na Nicarágua, do silêncio, agora, <strong>de</strong>Katya Olevskaia, que na Rádio Moscovodizia “Escuta, Chile”, da morte<strong>de</strong> Mario Bene<strong>de</strong>tti, <strong>de</strong> Turquito, dotempo do Equador, <strong>de</strong> Edward, <strong>um</strong>cão polícia adoptado por punks, ou<strong>de</strong> La Negra, <strong>um</strong>a ca<strong>de</strong>la que gostava<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> ciclistas, e que <strong>de</strong>sfilavacontra os crimes da ETA.“É <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a maneira <strong>um</strong> livro íntimo.Foi <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> partilhar comos meus leitores – não sou <strong>um</strong> arroganteneste aspecto, mas sei que tenhomuitos leitores, incluindo <strong>um</strong>FÁBIO TEIXEIRAgrupo <strong>de</strong> uns mil amigos aqui em Portugal– outras amiza<strong>de</strong>s que tive e tenho,<strong>um</strong>a fase bastante terrível daminha vida <strong>de</strong>pois dos 50, prolongando-lhesa memória através da homenagem.”Heróis frágeisMas é <strong>um</strong>a forma também <strong>de</strong> espetardardos em catástrofes como a dosconfins gelados da Patagónia e daTerra do Fogo, que <strong>de</strong>rretem aosolhos dos turistas que se divertemcom as alterações climáticas; em episódios<strong>de</strong> puro <strong>de</strong>sconcerto, como o<strong>de</strong> Edna Espinosa, que por <strong>um</strong> rabomaior morreu n<strong>um</strong>a clínica <strong>de</strong> Bogotá,às mãos <strong>de</strong> Soler, <strong>um</strong> falsário que<strong>de</strong>spiu a bata e fugiu da sala <strong>de</strong> operações;ou <strong>de</strong> pura nostalgia como aredução a escombros da casa dos Parra– Violeta, Isabel e Ângel – on<strong>de</strong>passou horas que lhe ficaram parasempre <strong>de</strong>baixo da pele. À trincheiraintelectual, na Calle Carmen, 340,chamavam-lhe La Peña.“Sim, mas <strong>um</strong>a nostalgia mais como<strong>um</strong> exercício <strong>de</strong> memória. A mime a muitos escritores da minha geraçãotocou-nos ser a memória, conservadoresda memória dos nossos países,para que não se apague, como ahistória oficial tentou fazer, toda <strong>um</strong>aépoca. Isto é para mim importante,porque me sinto muito orgulhoso <strong>de</strong>ssamemória, que foi rica. Porque talcomo disse Eduardo Galleano, estamemória é <strong>um</strong>a memória <strong>de</strong> fogo, egosto <strong>de</strong> manter vivo o seu fogo.”“Quando, no Chile, tínhamos qualquercoisa como 17 ou 18 anos e começávamoso nosso 1968, estavam aacontecer coisas semelhantes noutrospaíses. Estamos a falar da memóriacolectiva. Para mim tão importantecomo Victor Jara, no Chile, é <strong>um</strong> JanPalach, na Checoslováquia, dois homensdiferentes mas da mesma dimensão,ambos assassinados por teremachado que era possível vivern<strong>um</strong> mundo mais <strong>de</strong>cente.”Em dois dos textos, <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong><strong>de</strong>claração: “Nem esquecimento,nem perdão!” Uma frase terrível.“Sim, é. É <strong>um</strong>a frase <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>.Penso que o perdãoLuís Sepúlveda veio a Portugallançar “Histórias Daqui e Dali”“A mim e a muitosescritores da minhageração tocou-nosser a memória,conservadoresda memóriados nossos países,para que nãose apague, comoa história oficialtentou fazer,toda <strong>um</strong>a época”enquanto categoria moral é <strong>um</strong>a dasmanifestações mais altas, pois é a generosida<strong>de</strong>em estado puro. Mas paraque exista tem <strong>de</strong> existir primeiro<strong>de</strong>sculpa <strong>de</strong> quem cometeu a falta.”Tínhamos acabado <strong>de</strong> falar do golpe<strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1973, o mais recorrentedos temas do autor, que foiparte do GAP, o grupo <strong>de</strong> amigos <strong>de</strong>Allen<strong>de</strong>, a sua escolta, todos mortos<strong>de</strong>pois. Está contada n<strong>um</strong> doc<strong>um</strong>entário,“Héros Frágiles”, <strong>de</strong> que seconsi<strong>de</strong>ra <strong>um</strong>. “Sim, sinto-me <strong>um</strong>pouco parte <strong>de</strong>sse colectivo <strong>de</strong> pessoasque tinham <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> durezae ao mesmo tempo <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong>.”E outra vez a lembrança <strong>de</strong>Augusto Olivares, cuja arma era: <strong>um</strong>aOlivetti.O mais português dos escritoreslatino-americanos, como <strong>um</strong>a editoralhe chamou, trabalha agora n<strong>um</strong>a história,passada entre os anos <strong>de</strong> 1967e 1989. É <strong>um</strong>a ficção, on<strong>de</strong> <strong>um</strong> personagem“tem muito” do que o autorviveu. A memória outra vez, pelo punho<strong>de</strong> quem não a quer em água comoos glaciares da Terra do Fogo.16 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


Po<strong>de</strong>-se julgar <strong>um</strong>FERNANDO VELUDO/NFACTOSVivemos tempos estranhos. Em tudoe no mundo dos livros também.Se por <strong>um</strong> lado o panorama é compostopor gran<strong>de</strong>s grupos editoriais,financeiramente po<strong>de</strong>rosos, queenglobam várias editoras (para nãofalar em livrarias, distribuidoras),por outro lado, quase todos os mesesnasce <strong>um</strong>a nova editora. E enquantose vai discutindo e-books,leitores <strong>de</strong> e-books e morte do livroimpresso, as livrarias vão sendoinundadas por <strong>novo</strong>s títulos. Consequentemente,o espaço e o tempo<strong>de</strong> exposição na livraria acaba porse ressentir. Os gran<strong>de</strong>s grupos po<strong>de</strong>musar técnicas <strong>de</strong> marketingmais agressivas, mas o que po<strong>de</strong>mfazer os in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes? Além docritério da escolha dos títulos a publicar,a outra resposta óbvia é apostarna imagem.Talvez seja cedo <strong>de</strong>mais para falar,mas parece que atravessamos<strong>um</strong>a pequena revolução no <strong>de</strong>sign<strong>de</strong> livros em Portugal. Há quemaposte na excelência dos materiaise há quem não se possa dar a essaluxo. Há quem trabalhe com pratada casa e quem encomen<strong>de</strong> capasa especialistas. O Ípsilon foi falarcom alguns daqueles que contribuempara que <strong>um</strong> olhar pelos expositores<strong>de</strong> <strong>um</strong>a livraria possa ser<strong>um</strong>a experiência.1. Coerência <strong>de</strong>spreocupadaA Livros <strong>de</strong> Areia nasceu em 2005,pela mão <strong>de</strong> Pedro Marques e JoãoSeixas, em Viana do Castelo. A quantida<strong>de</strong><strong>de</strong> títulos publicados <strong>de</strong>s<strong>de</strong>então é inversamente proporcional àqualida<strong>de</strong> dos mesmos. Poucos masbons. Com parcos recursos, sem possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> fazer os livros como gostariam,fazem-nos como po<strong>de</strong>m. Enão o fazem mal. Pedro Marques, queé também editor, faz as capas. Comformação em História da Arte, consi<strong>de</strong>ra-se<strong>um</strong> autodidacta nesse ofício.Se às vezes a palavra é olhada comestigma, para Pedro isso não é grave,porque está “em muito boa companhia.Um dos meus <strong>de</strong>signers favoritosé Quentin Fiore, autodidacta, quetrabalhou com o Marshall McLuhanem todos os livrinhos <strong>de</strong>le.”O trabalho é sempre feito a posteriori.Com o texto já em mãos, pensaa capa e executa-a. Tudo feito livro alivro, sem pensar n<strong>um</strong> <strong>de</strong>sign <strong>de</strong> colecção.“Não posso ter <strong>um</strong> <strong>de</strong>sign seriadose tenho apenas dois livros porano.Corro o risco <strong>de</strong> as pessoas se esquecereme essa arma per<strong>de</strong>-se.”No entanto, há <strong>um</strong>a imagem reconhecívelnos Livros <strong>de</strong> Areia. Istoacontece por todas as capas obe<strong>de</strong>ceremapenas ao gosto pessoal <strong>de</strong>Pedro Marques. De influência surrealistae expressionista, como <strong>um</strong>a dassuas referências principais, RomanCieslewicz, o processo é o <strong>de</strong> recorrera bancos <strong>de</strong> imagens, juntar peçascomo n<strong>um</strong> puzzle, mas também distorcê-las,<strong>de</strong> tal forma que o resultadoseja reconhecível apenas enquantocapa da Livros da Areia. “A i<strong>de</strong>ia éservir o melhor possível o título e oautor. Mas se <strong>de</strong> facto há pessoas queacham que há <strong>um</strong>a imagem da editora,tanto melhor.”Os autores não se queixam, pelocontrário. Um caso curioso é o <strong>de</strong>Lázaro Covadlo, escritor argentino,que quis utilizar no seu país natal acapa feita por Pedro Marques para olivro “Criaturas da Noite”.A<strong>de</strong>pto do paperback, do livroportátil que se leva em viagem, quenão pesa, Pedro lamenta ainda assimnão ter possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar <strong>um</strong> melhoracabamento a alguns dos livros.“Se tivesse hipótese, teria feito o livro‘Da Treta’ com <strong>um</strong>a capa duracom sobrecapa, com <strong>um</strong>a fitinha, ouseja, <strong>um</strong> livro à antiga.” E não tempejo em admitir <strong>um</strong> pecado mortal,quando lembra a qualida<strong>de</strong> das ediçõesda Tinta-da-China: “Tenho muitainveja daquelas edições, gostavamuito <strong>de</strong> fazer livros assim, mas nãoposso.”Gosta, mas admite: “Essa não é aminha preocupação. A minha preocupaçãoé fazer livros baratos, como acabamento mais básico, colados,nem sequer têm ca<strong>de</strong>rnos.” Assim<strong>de</strong>scritos, imagina-se algo muito piordo que é. Porque com materiais baratostambém se produzem coisasboas. E a Livros <strong>de</strong> Areia não é o únicoexemplo.O trabalho <strong>de</strong> Pedro Marques nãose esgota na edição e no <strong>de</strong>sign. Emboraa <strong>um</strong>a escala que se po<strong>de</strong> dizeramadora (o que não significa falta <strong>de</strong>Andrew Howard Nos livros <strong>de</strong> ficção da Ahab, Andrew Howard, inglês que trabalha emPortugal <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1993, quis fugir ao facilitismo da tipografia sobre imagem e enveredar antespelo caminho da união. “O texto torna-se imagem, em vez <strong>de</strong> ser <strong>um</strong> elemento separado.”Há quem aposte na excelência dos materiais e há quem não se possa dar a essa luxo. Há quemcontribuem para que <strong>um</strong> olhar pelos expositores <strong>de</strong> <strong>um</strong>a18 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


ENRIC VIVES-RUBIOqualida<strong>de</strong>), é também alguém quepensa e que luta por que se pense o<strong>de</strong>sign <strong>de</strong> livros. Tenta fazê-lo no seublogue (pedromarquesdg.wordpress.com) e nos artigos que vai publicandona Bang!, na Os Meus Livros e na Alice(clubalice.com). Não lhe interessamsó os <strong>de</strong>signers mas também oseditores responsáveis por revoluçõesno <strong>de</strong>sign editorial, como os francesesJean-Jacques Pauvert, MauriceGirodias e Eric Losfeld.“Um dos gran<strong>de</strong>s paradoxos da imprensacultural, no que diz respeitoao livro em Portugal, é que há <strong>um</strong>ainvasão das capas nos jornais e nasrevistas que é inversa à reflexão sobreelas.” É isto que quer combater como seu blogue e com o espaço que lhevão dando nas revistas.2. Do livro ao objectoQuando pensamos em bons exemplos<strong>de</strong> <strong>de</strong>sign <strong>de</strong> livros em Portugalé inevitável que o primeiro nome quenos vem à cabeça não seja o da Tintada-China.O mérito é todo <strong>de</strong>les e <strong>de</strong>Vera Tavares, responsável pelo logotipoe pelas capas da editora, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>o primeiro livro.Também na Tinta-da-China a linhagráfica não surgiu premeditadamente.“As coisas foram-se <strong>de</strong>finindo,”diz-nos Vera. Teve sempre liberda<strong>de</strong>artística e beneficiou <strong>de</strong> <strong>um</strong>a fortecompatibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gostos com a editoraBárbara Bulhosa. O facto <strong>de</strong> haverpessoas que i<strong>de</strong>ntificam <strong>um</strong>a coerênciagráfica virá, <strong>um</strong>a vez mais,do facto <strong>de</strong> ser a mesma pessoa a fazeras capas. Porém, para Vera é maisfácil ver essa coerência nas colecçõesdo que no catálogo geral.Mas se a Tinta-da-China causou tantoimpacto, isso não se <strong>de</strong>ve apenasàs capas. Tendo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> investirnos acabamentos, não hesitouem dar aos livros dignida<strong>de</strong> especial.No catálogo encontram-se muitos livros<strong>de</strong> capa dura, com bons acabamentos,bom papel, <strong>um</strong>a embalagemluxuosa para <strong>um</strong> conteúdo que cost<strong>um</strong>acorrespon<strong>de</strong>r em qualida<strong>de</strong>.“Havia <strong>um</strong>a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> não fazerigual ao que se fazia,” admite Vera,mas o objectivo é o mais básico: queo livro “esteja nas livrarias, que aspessoas o vejam e comprem, porquea capa é bonita e o conteúdo é interessante.”Nesta busca pela capa perfeita,consi<strong>de</strong>ra fundamental a escolha dotipo <strong>de</strong> letra. É importante que a fontetipográfica se a<strong>de</strong>que ao conteúdoe quando a busca não traz resultadossatisfatórios, é a própria Vera que <strong>de</strong>senhaas letras. Por vezes volta a utilizá-las,até porque já tem “<strong>um</strong>a pastacom <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> colecção <strong>de</strong> letras,que não chegam a ser fontes,porque não as sei transformar emfonte. São só letras <strong>de</strong>senhadas.”Embora recuse a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que hálivros que, <strong>de</strong> tão bem trabalhados, setornam objectos, acaba por concordar,reticente, quando se fala na colecção<strong>de</strong> h<strong>um</strong>or dirigida por RicardoAraújo Pereira. Os livros <strong>de</strong>sta colecçãoacabam por ser objectos estranhosnas <strong>nossa</strong>s livrarias, porque não têmlombada. As capas e os ca<strong>de</strong>rnos estãocozidos, com o “esqueleto” à mostra.A i<strong>de</strong>ia foi da editora, Bárbara Bulhosa,que viu algo semelhante n<strong>um</strong> catálogo<strong>de</strong> <strong>um</strong>a feira literária. Fez fincapépara que a i<strong>de</strong>ia se concretizasse,porque é complicada <strong>de</strong> executar. GaranteVera: os livros são resistentes.“Foram feitos monos, que testámos eatirámos ao chão. É tão resistente como<strong>um</strong> livro <strong>de</strong> capa dura normal.” Etêm a vantagem <strong>de</strong>, por não teremlombada, se conseguirem abrir totalmentee manterem-se abertos em cima<strong>de</strong> <strong>um</strong>a mesa.Objectos ou não, os livros da Tintada-Chinasaltam à vista. Mesmo quandoos autores fazem exigências, Veraconsegue executá-las ao seu gosto eterminar com <strong>um</strong> produto que tema sua marca. A marca da Tinta-da-China.Vinda do mundo da publicida<strong>de</strong>,Vera Tavares tem formação em História.Como leitora e compradora,irrita-se quando <strong>um</strong> livro tem <strong>um</strong>acapa má. Mesmo assim, consi<strong>de</strong>raque em Portugal há cada vez maisbons exemplos no <strong>de</strong>sign <strong>de</strong> livros.3. Os profissionaisA par das editoras em que o trabalho<strong>de</strong> <strong>de</strong>sign é feito <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> portas, háoutras que recorrem a ateliers profissionais.São casos disso as editoras dogrupo Almedina, com grafismo a cargoda Ferrand, Bicker & Associados(FBA), ou a editora in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,sediada no Porto, Ahab, com <strong>de</strong>signdo Studio Andrew Howard.Estes <strong>de</strong>signers trabalham por encomenda,mas a responsabilida<strong>de</strong>para com o produto final é a mesma.João Bicker, da FBA, explica-nos:“Trabalhamos sobre as i<strong>de</strong>ias expressaspor outros e procuramos interpretá-lasvisualmente. O essencial é aprocura do entendimento do texto,da maneira que melhor o dá a ler. Aescolha da tipografia a<strong>de</strong>quada, daforma do livro e da página, o processo<strong>de</strong> colocar as palavras e as imagensna forma que melhor as sirva.”Andrew Howard, inglês que trabalhaem Portugal <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1993, vê o processo<strong>de</strong> <strong>de</strong>sign como “a combinaçãoentre o conceptual e o material paracriar <strong>um</strong> objecto que tem <strong>de</strong> satisfazeras <strong>nossa</strong>s sensibilida<strong>de</strong>s intelectuaise tácteis.” E é isso que torna o<strong>de</strong>sign <strong>de</strong> livros, para Andrew, <strong>um</strong>dos mais completos trabalhos <strong>de</strong> <strong>de</strong>signgráfico.O processo começa sempre pelaleitura da obra. E no caso das capaspara a Ahab, livros <strong>de</strong> ficção, “o conteúdonão po<strong>de</strong> ser res<strong>um</strong>ido n<strong>um</strong>simples momento gráfico.”Por isso a leitura é fundamental,para perceber não só a história, maso seu universo e estilo.Para João Bicker “não há nada maisVitor Silva Tavares “Isto é <strong>um</strong>a editora pobre e funcionamos sempre com recursosmuito parcos.” Foi assim que começou a conversa com Vítor Silva Tavares, editor da &etc,editora que sempre se manteve à margem, <strong>de</strong> costas voltadas para o mercado. Há quase 38anos que faz livros com o mesmo formato, com os materiais mais baratos, e que ainda assimnão po<strong>de</strong>m ser ignorados, pelo projecto único que representamimportante do que a escolha da tipografia,das letras que darão a ler otexto. Cada tipo <strong>de</strong> letra carrega noseu <strong>de</strong>senho características formaise históricas que influenciam a leituraporque influenciam a forma do texto.”É importante ter em conta que aFBA, ao trabalhar com o grupo Almedina,tem em mãos muitos livros <strong>de</strong>ensaio, que pe<strong>de</strong>m <strong>um</strong>a abordagemdiferente da ficção.Nos livros <strong>de</strong> ficção da Ahab, AndrewHoward quis fugir ao facilitismoda tipografia sobre imagem e enveredarantes pelo caminho da união. “Otexto torna-se imagem, em vez <strong>de</strong> ser<strong>um</strong> elemento separado,” diz. Ou seja,Andrew Howard e João Bicker têmabordagens distintas, mas ambosconsi<strong>de</strong>ram crucial dar importânciaàs letras.A Ahab, com <strong>um</strong> ainda curto período<strong>de</strong> existência, já ganhou a atençãoda crítica e dos leitores que, alémda inquestionável qualida<strong>de</strong> literária<strong>de</strong> autores que Portugal <strong>de</strong>sconhecia,elogiam também o sólido projectográfico do Studio Andrew Howard. Ea colecção Minotauro, das Edições70, <strong>de</strong>senhada por João Bicker e AnaBoavida, recebeu prémios internacionais<strong>de</strong> <strong>de</strong>sign.Se estes dois ateliers estão a produzirboa parte do melhor <strong>de</strong>sign <strong>de</strong>livros que se faz em Portugal, comoolham para o trabalho dos outros?Andrew Howard acha que a percentagem<strong>de</strong> trabalhos bem feitos emPortugal não andará longe do queacontece pela Europa. Já João Bickeré mais crítico. Se é essencial fazer livrosque se <strong>de</strong>staquem nas livra-livro pela capatrabalhe com prata da casa e quem encomen<strong>de</strong> capas a especialistas. Eis alguns daqueles quelivraria possa ser <strong>um</strong>a experiência. Gonçalo MiraÍpsilon • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • 19


ias, acha que essa tarefa está facilitada“na medida em que o mercadoportuguês se caracteriza por <strong>um</strong>auniformização <strong>de</strong> soluções que tudomistura e tudo confun<strong>de</strong>.”4. Geometria não alinhada“Isto é <strong>um</strong>a editora pobre e funcionamossempre com recursos muitoparcos.” Foi assim que começou aconversa com Vítor Silva Tavares,editor da &etc, <strong>um</strong>a editora que existehá quase 38 anos, que sempre semanteve à margem, <strong>de</strong> costas voltadaspara o mercado. Há quase 38anos que faz livros com o mesmo formato,com os materiais mais baratos,e que ainda assim não po<strong>de</strong>m ser ignorados,pelo projecto único querepresentam.Tudo começou no quadrado. Umdia, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> abandonar o “Diário<strong>de</strong> Lisboa” para se lançar a <strong>um</strong>a aventurapoética, criar a revista &etc, VítorSilva Tavares pôs-se a pensar noformato que a revista ia ter. O quadradojá lhe andava na cabeça.Pegou n<strong>um</strong> papel e n<strong>um</strong> lápis e<strong>de</strong>senhou-o. “Um quadrado imperfeito,claro, feito à mão. E a seguirinscrevi-o <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> rectângulo,porque se era <strong>um</strong>a revista, tinha <strong>de</strong>ser rectangular.”As medidas foram aperfeiçoadas eaquilo parecia harmonioso aos olhosdo seu criador. Fazendo curta a longahistória, o formato foi <strong>de</strong>finido paraa revista e <strong>de</strong>pois foi feito n<strong>um</strong>a escalamenor para os livros da &etc.Assim nasceu este formato único, <strong>de</strong>personalida<strong>de</strong> vincada.ENRIC VIVES-RUBIOFÁBIO TEIXEIRAVera Tavares Na busca pela capa perfeita, consi<strong>de</strong>ra fundamental a escolha do tipo <strong>de</strong>letra. É importante que a fonte tipográfica se a<strong>de</strong>que ao conteúdo e quando a busca não trazresultados satisfatórios, é a própria Vera que <strong>de</strong>senha as letras. Por vezes volta a utilizá-las,até porque já tem “<strong>um</strong>a pasta com <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> colecção <strong>de</strong> letras, que não chegam a serfontes, porque não as sei transformar em fonte. São só letras <strong>de</strong>senhadas.”Pedro Marques Todas as capas da Livros <strong>de</strong> Areia obe<strong>de</strong>cem ao gosto pessoal <strong>de</strong> PedroMarques. De influência surrealista e expressionista, como <strong>um</strong>a das suas referênciasprincipais, Roman Cieslewicz, o processo é o <strong>de</strong> recorrer a bancos <strong>de</strong> imagens, juntar peçascomo n<strong>um</strong> puzzle, mas também distorcê-las, <strong>de</strong> tal forma que o resultado seja reconhecívelapenas enquanto capa da Livros da Areia. “A i<strong>de</strong>ia é servir o melhor possível o título e oautor. Mas se <strong>de</strong> facto há pessoas que acham que há <strong>um</strong>a imagem da editora, tanto melhor.”“O quadrado é quase mítico”, diznosVítor Silva Tavares. Por isso é queé <strong>de</strong>ntro do quadrado que os artistas<strong>de</strong>senvolvem o <strong>de</strong>senho das capas daeditora. E aquilo que podia ser <strong>um</strong>alimitação aos artistas, acaba por ser“<strong>um</strong> <strong>de</strong>safio à inventivida<strong>de</strong> e à criativida<strong>de</strong>.”O que explica, na opiniãodo editor, a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as dascapas da &etc.A utilização dos materiais mais baratosé motivada não só pelos parcosrecursos, mas também pelo “gostopor esses materiais pobres, que aindatêm personalida<strong>de</strong>, que não sãoplastificados, industriais, e que pretendorecuperar dando-lhes <strong>um</strong>anobreza.”Depois, a i<strong>de</strong>ia era “dar tanta ênfaseà ilustração, à pintura, como àmensagem literária. De forma a constituir<strong>um</strong> todo e, se possível, fazer dolivrinho <strong>um</strong> objecto on<strong>de</strong> as artesplásticas e o conteúdo fizessem <strong>um</strong>aunida<strong>de</strong>.” Dentro daquele quadradoque se insere nas capas da &etc passarammuitos artistas. Ilustradores,pintores e também <strong>de</strong>signers. Só que<strong>de</strong>signers é <strong>um</strong>a palavra que não seusa naquela cave da Rua da Emenda.Os <strong>de</strong>signers colaboraram enquanto“<strong>de</strong>senhadores, ou pintores, ou ilustradores.As <strong>nossa</strong>s capas não sãocapas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sign.”A &etc funciona n<strong>um</strong> universo àparte e orgulha-se disso. Será assimaté ao fim. Não po<strong>de</strong>mos falar aquiem <strong>de</strong>sign da editora, mas po<strong>de</strong>moselogiar o projecto gráfico e artístico,que assim Vítor Silva Tavares não sezangará.20 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


CONCERTOS DE NATALCOROINFANTILDO CPO22 DEZ | € 7,519:30 SALA SUGGIAPalmira Troufa direcção musicalwww.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220As mais célebres canções <strong>de</strong> Natal pelo Coroinfantil do Círculo Portuense <strong>de</strong> Ópera – o mesmoé dizer: as mais célebres canções <strong>de</strong> Natal em boasmãos. O formato ajusta-se i<strong>de</strong>almente ao programa,ou não reunisse os elementos primordiais daquadra natalícia: família e crianças. Esperaseque a plateia seja, neste e noutros aspectos,nomeadamente os emocionais, <strong>um</strong> espelho do palco.MECENAS CASA DA MÚSICAAPOIO INSTITUCIONALMECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICAAv. Brasília, Doca <strong>de</strong> Alcântara (Norte) | 1350-352 Lisboa | Tel.: 213 585 200 | E-mail: info@foriente.pt | www.museudooriente.ptSEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITEDUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.CelesteRodrigues65 anos<strong>de</strong> carreiraconvidadosCamanéFábia RebordãoHél<strong>de</strong>r MoutinhoJorge FernandoMafalda ArnauthRaquel TavaresRicardo RibeiroTim e Zé Pedro(Xutos & Pontapés)SÃOLUIZ21 DEZFADOCELESTETERÇA ÀS 21H00 / SALA PRINCIPAL M/3© João Tuna / TNSJSÃO LUIZ TEATRO MUNICIPALRUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOAGERAL@TEATROSAOLUIZ.PT; TEL: 213 257 640BILHETEIRA DAS 13H00 ÀS 20H00TEL: 213 257 650 / BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PTWWW.TICKETLINE.PT E LOCAIS HABITUAISPRODUÇÃO


Eles é quemandam, ok?Amanhã, o Campo Pequeno, em Lisboa, será palco das canções <strong>de</strong>psica<strong>de</strong>lismo pop dos MGMT. Com a banda vêm os sucessos <strong>de</strong> “OracularSpectacular” e as canções menos badaladas <strong>de</strong> “Congratulations”. Ou alembrança <strong>de</strong> que indie, em tempos, vinha <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Gonçalo FrotaJP Morgan Chase, ICBC, HSBC Holdings,BP, BNP Paribas, AT&T: <strong>de</strong>signações<strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as das empresas constantesdos primeiros vintes lugaresdo top 200 realizado este ano pelarevista “Forbes”. São as mais lucrativas,as mais po<strong>de</strong>rosas, praticamentetodas nos negócios da banca e do petróleo.“Atenciosamente, MGMT”,“Com os melhores c<strong>um</strong>primentos,MGMT”: assinaturas dos emails queBen Goldwasser e Andrew VanWyngar<strong>de</strong>ntrocavam nos tempos <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>em que <strong>de</strong>cidiram pôr <strong>um</strong>carimbo <strong>de</strong> quatro maiúsculas (nãoolhe agora, valter hugo mãe) tambémcomo assinatura da sua música, parodiandoo mundo das altas finanças<strong>de</strong> gente quase asfixiada pelos fatosretesados, a mais fina ind<strong>um</strong>entáriapara praticar a mais alta barbárie.Goldwasser e VanWyngar<strong>de</strong>n eram já<strong>de</strong> si nomes pomposos que pareciamgritar por <strong>um</strong>a sigla que lhes abrisseportas no mundo. E o facto é queabriu. Mas o tiro saiu-lhes mais o<strong>um</strong>enos pela culatra.Nessa lendária troca <strong>de</strong> emails enquantoestudantes <strong>de</strong> artes na prestigiadaWesleyan University, os doisamigos almejavam algo <strong>de</strong> tão nobree inocente quanto mostrarem <strong>um</strong> aooutro as suas <strong>de</strong>scobertas musicais.Não havia ainda sonho alg<strong>um</strong> <strong>de</strong> sercapa da “Spin”, da “Black Book”, do“New Musical Express” ou <strong>de</strong> comporo tema que havia <strong>de</strong> ilustrar o final <strong>de</strong>22 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


Houve quemlevasse a malque a banda responsável por “Time toPretend” e “Kids”, canções tão bonitase a pedir ser o código secreto pararecordações românticas <strong>de</strong> tantocasal <strong>de</strong> bom gosto, selembrasse agora <strong>de</strong> fazerimprestáveis músicas<strong>de</strong> 12 minutos2011 vai serano <strong>de</strong> novasgravações e logo severá por que caminhosos dois rapazes + três<strong>de</strong> empréstimoresolverão seguirtemporada <strong>de</strong> <strong>um</strong>a das mais popularesséries teen <strong>de</strong> que há memória –Gossip Girl. Quando no último ano <strong>de</strong>faculda<strong>de</strong> – já os rapazes se tinhamestreado n<strong>um</strong>a festa a tocar circularmenteo tema <strong>de</strong> “Caça-Fantasmas”n<strong>um</strong> corredor <strong>de</strong> <strong>um</strong>a república – tiraramdo forno “Time to Pretend”,mal lhes passava pela cabeça que tinhamacabado <strong>de</strong> <strong>de</strong>senformar <strong>um</strong>aironia perfeita em forma <strong>de</strong> canção.Elevado a caricatura embebida emsarcasmo, o tema imaginava o queseria, na flor da vida, fazer música,ganhar rios <strong>de</strong> dinheiro, casar commo<strong>de</strong>los, comprar casa em Paris, irpara a cama com as estrelas, conduzircarros que custam <strong>um</strong> apartamentomobilado e encher o corpo <strong>de</strong> drogasa partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ban<strong>de</strong>ja nas mãos <strong>de</strong><strong>um</strong> mordomo.A ironia, claro está, é que foi “Timeto Pretend” que os <strong>de</strong>ixou à beira <strong>de</strong>conseguir tudo isso. A piada, mergulhadan<strong>um</strong>a contagiante solução <strong>de</strong>pop psicadélica, parecia ter ganhadovida própria e, qual Aladino, <strong>de</strong>cididolevar à letra cada verso da canção eproporcionar a sua concretização. E,no meio <strong>de</strong> tudo isto, Goldwasser eVanWyngar<strong>de</strong>n assinavam com a Col<strong>um</strong>bia,subsidiária da Sony BMG, eeram engolidos pelo pernicioso mundodas siglas. O que, em gran<strong>de</strong> medida,foi <strong>um</strong> choque e <strong>de</strong>ixou os doismembros originais dos MGMT <strong>de</strong>sorientados.Repentinamente levadosem braçosaté ao altar<strong>de</strong> fenómenoindie,tinhampassado, em cincoanos, dos corredoresdo dormitório da Wesleyanpara os corredoresdo Staples Center, em LosAngeles, na cerimónia dosGrammy 2010, para os quaisestavam nomeados, cruzando-sejá não com o Kip daequipa <strong>de</strong> basquetebol, como Mervyn dos computadoresou a Tracy das aulas <strong>de</strong>história <strong>de</strong> arte, mas comKanye West, Brian Eno ou Lady Gaga.“É muito bom haver reconhecimentoa <strong>um</strong>a escala daquelas”,diz-nos Goldwasser, “e gostariamuito se houvesse mais boa músicae preocupação com o conteúdono mainstream, mas ao mesmotempo há coisas muito repelentesnos Grammy e gran<strong>de</strong> parte é apenasa indústria a comprar favores”. Daíque ganhar o prémio para Melhor Revelaçãoou Melhor Gravação Pop por<strong>um</strong> Duo ou Grupo com Voz (isto sim,já merecia <strong>um</strong>a sigla) fosse coisa parao <strong>de</strong>ixar dividido entre a felicida<strong>de</strong> ea estranheza do circo da indústria. Àentrada para a cerimónia, foram entrevistadosem directo para a “TVGui<strong>de</strong>”. Vestidos a rigor, em modonerd chique, quadriculados e cornucópiasa <strong>de</strong>sfilar na passa<strong>de</strong>ira vermelha,foram óbvio motivo <strong>de</strong> troçado apresentador, que lhes comparouas roupas aos padrões do sofá da avóe <strong>de</strong> cortinas para a banheira. A finalizar,o mesmo galante senhor avisouque, em caso <strong>de</strong> vitória, os Grammymudariam a carreira dos MGMT. Oque <strong>de</strong>ve dado que pensar ao duofundador. E <strong>de</strong>spertado medo daquiloem que po<strong>de</strong>riam estar a tornar-se.A entrada para esta feira <strong>de</strong> vaida<strong>de</strong>straz no bico água com <strong>um</strong> rótulo emque se lê em letras miudinhas: “Perda<strong>de</strong> autonomia”.Declaração<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendênciaLançado meses <strong>de</strong>pois, “Congratulations”soou a <strong>um</strong> violento coice artístico,<strong>um</strong>a tentativa <strong>de</strong> repelir a formarápida e <strong>de</strong>sembestada com que a indústriaforça cada <strong>novo</strong> nome que se<strong>de</strong>staca a encaixar <strong>de</strong>ntro dos mol<strong>de</strong>sautorizados. No caso dos MGMT, eraenfiá-los na categoria indie rock excêntricose o assunto estava arr<strong>um</strong>ado.Se os Flaming Lips tocaram em“Beverly Hills 90210”, os MGMT ilustram<strong>um</strong> dos momentos capitais <strong>de</strong>“Gossip Girl”, não tem nada que saber.Por isso, “Congratulations” tresandaa passo atrás nesta avalanche <strong>de</strong> sucesso,<strong>um</strong> querer ter <strong>de</strong> <strong>novo</strong> as ré<strong>de</strong>asnas mãos e fugir do magnetismoimpiedoso das passa<strong>de</strong>iras vermelhase das festas exclusivas. “Talvez <strong>um</strong> diavenhamos a ter outro sucesso, e serámuito bom, mas não nos vamos esfor-çar muito para que isso aconteça” éaquilo que Goldwasser nos oferecesobre o assunto. “Vamos antes concentrar-nosem fazer boa música”.Mas, como é evi<strong>de</strong>nte, tal <strong>de</strong>claraçãocasmurra <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência sópo<strong>de</strong> conduzir a <strong>um</strong> sentimento <strong>de</strong>traição para quem já tinha os MGMTtão bem emprateleirados <strong>de</strong> acordocom as regras do marketing. Houvequem levasse a mal que a banda responsávelpor “Time to Pretend” e “Kids”,duas canções tão bonitas e a pedirser o código secreto para recordaçõesromânticas <strong>de</strong> tanto casal <strong>de</strong> bom gosto,se lembrasse agora <strong>de</strong> fazer imprestáveismúsicas <strong>de</strong> 12 minutos. E aí,perceberam os dois ex-estudantes universitáriosque gostavam <strong>de</strong> tocar otema <strong>de</strong> Caça-Fantasmas horas a fio,estavam já <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a das gran<strong>de</strong>sarmadilhas do sucesso: a sensação <strong>de</strong>que a banda quase <strong>de</strong>ixara <strong>de</strong> ser sua,<strong>um</strong>a vez que não eram poucos aquelesque se arrogavam o direito <strong>de</strong> lhesimpor <strong>um</strong> r<strong>um</strong>o.A maior fatia <strong>de</strong>ssa reacção, acredita,Goldwasser, “teve que ver comas pessoas quererem ter a primeira“Foi difícil lançarmos<strong>um</strong> disco[Congratulations] quesignificava tanto paranós e ter as pessoas adizer-nos que era <strong>um</strong>suicídio artístico.É ridículo achar quetudo tem <strong>de</strong> ter <strong>um</strong>aresposta imediata, emvez <strong>de</strong> encontrarmosalg<strong>um</strong>a coisa <strong>de</strong> quegostamos mesmo”Ben Goldwasserpalavra sobre o assunto e formarema sua opinião <strong>de</strong>masiado <strong>de</strong>pressa”.“Congratulations” não teve temposequer <strong>de</strong> se sentar ou abrir a boca.Assim que entrou na sala, tiraram-lheas medidas, formularam teorias e <strong>de</strong>spacharamtudo por iPhone para osblogues, os sites, os facebooks <strong>de</strong>stavida. “Quando leio a Pitchfork ou algodo género e fazem <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> alaridoà volta <strong>de</strong> <strong>um</strong> disco, e <strong>de</strong>pois o oiço,consigo perceber a opinião <strong>de</strong>les, masnão são coisas que me imagine a ouvirdaqui por <strong>um</strong> ano. Há discos com 40anos que ainda estou a ouvir, a <strong>de</strong>scobrir.Não sei se alg<strong>um</strong>a vez me interessouo que é ou não hype, mas ascoisas <strong>de</strong> que realmente gosto sãoaquelas que <strong>de</strong>moram alg<strong>um</strong> tempoa crescer em nós”.A vampiresca indústria, por seulado, não per<strong>de</strong>u muito tempo a fincaros seus <strong>de</strong>sgastados caninos naementa que os MGMT lhe servia. Actuoucomo <strong>um</strong> verda<strong>de</strong>iro jogador <strong>de</strong>poker. Fez bluff, taxou o disco como“suicídio artístico” e paga para ver.“Foi difícil lançarmos <strong>um</strong> disco quesignificava tanto para nós e ter as pessoasa dizer-nos que era <strong>um</strong> suicídioartístico. É ridículo achar que tudotem <strong>de</strong> ter <strong>um</strong>a resposta imediata, emvez <strong>de</strong> encontrarmos alg<strong>um</strong>a coisa <strong>de</strong>que gostamos mesmo”.O grupo <strong>de</strong>svaloriza, portanto, oarg<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> que se tratará <strong>de</strong> <strong>um</strong>disco experimental, complicado,cheio alçapões que estão lá só parafazer a vida negra aos ouvintes. Masnão <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser, mesmo que a contragostodos MGMT, o álb<strong>um</strong> que lhes<strong>de</strong>volve a bola para fazerem o quequiserem com ela. 2011 vai ser ano <strong>de</strong>novas gravações e logo se verá porque caminhos os dois rapazes + três<strong>de</strong> empréstimo resolverão seguir. Nosentretantos, fica <strong>um</strong> conselho aoscandidatos presi<strong>de</strong>nciais portugueses:nada <strong>de</strong> pegar em músicas dogrupo para embelezar as caravanas.Em 2009, a União para <strong>um</strong>a MaioriaPopular <strong>de</strong> Sarkozy foi processadapelos MGMT pelo uso não autorizadodo tema “Kids” em acções <strong>de</strong> campanha.“Enquanto banda, queremosestar dissociados da política, apenasporque achamos que não nos cabedizer às pessoas aquilo em que <strong>de</strong>vemacreditar. Mas também ajudou o facto<strong>de</strong> a UMP estar a tentar aprovarlegislação anti-pirataria que achámosser injusta e, ao mesmo tempo, estara piratear a <strong>nossa</strong> música. Parece-me<strong>um</strong>a forma muito autoritária <strong>de</strong> lidarcom a situação, sem ouvir o público,mas sim os lobistas, as editoras e asassociações <strong>de</strong> direitos <strong>de</strong> autor”. Éque, no caso dos MGMT, a proprieda<strong>de</strong>das suas canções tornou-se assunto,enfim, <strong>de</strong> Estado.Ípsilon • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • 23


“Não consigo dizer se há <strong>um</strong> sentidoprimário na <strong>nossa</strong> música”, diz BrentKnopf ao telefone <strong>de</strong> Colónia, <strong>um</strong> certotom <strong>de</strong> hesitação na voz. Depois <strong>de</strong><strong>um</strong> “h<strong>um</strong>” que redobrou essa impressão<strong>de</strong> dúvida. “Vejamos: não fazemoscanções <strong>de</strong> amor, não fazemos canções<strong>de</strong> rock tout court” e a fraseper<strong>de</strong>-se em reticências... “Talvez sejamcanções on<strong>de</strong> o coração encontraa cabeça”, diz por fim, interrompendo<strong>um</strong> silêncio vagamente incómodo.Depois, como quem já se esforço<strong>um</strong>ais do que está habituado, acaba oseu micro-pensamento: “Há <strong>um</strong> pouco<strong>de</strong> tristeza, mas não sei dizer maisque isto”.A incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brent Knopf em<strong>de</strong>finir a música dos Menomena nãoé pose nem se <strong>de</strong>ve a qualquer dificulda<strong>de</strong>na articulação <strong>de</strong> palavrassob a forma <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias. Este trio <strong>de</strong> Portland(que se completa com JustinHarris e Danny Seim, sendo os trêsmulti-instr<strong>um</strong>entistas) carrega <strong>de</strong>s<strong>de</strong>há seis anos, aquando da estreia com“I Am the Fun Blame Monster!”, oepíteto <strong>de</strong> banda indie-rock. Masquem ouvir “Mines”, o quarto e maisrecente álb<strong>um</strong> (e <strong>um</strong> dos objectos bizarrosmais cativantes <strong>de</strong> 2010), facilmenteconclui que a <strong>de</strong>signação éredutora.Caos e or<strong>de</strong>mA música dos Menomena, não sendopropriamente <strong>um</strong> labirinto sem saídaou o jardim <strong>de</strong> Alice, é, pelo menos,<strong>um</strong>a casa com muitos quartos, portassecretas, janelas que dão para pare<strong>de</strong>stapadas e uns quantos alçapões.Um riff à Led Zepellin po<strong>de</strong> dar lugara <strong>um</strong>a melodia <strong>de</strong>licada ao piano antes<strong>de</strong> metais dispararem pela cançãoa<strong>de</strong>ntro como o tráfego no Marquêsà hora <strong>de</strong> ponta.E isto é o disco mais “certinho” dotrio. Aquele em que a melodia é maispresente e, por consequência, a dicotomiaentre caos e or<strong>de</strong>m se tornamais explícita. A i<strong>de</strong>ia, note-se, não é<strong>nossa</strong>, é <strong>de</strong> Knopf.“Por mais imprevisíveis que as <strong>nossa</strong>scanções sejam”, avança com h<strong>um</strong>ilda<strong>de</strong>,“acho que há nelas <strong>um</strong> padrãoperceptível: vão-se tornandointensamente mais caóticas, <strong>de</strong>poishá <strong>um</strong>a ameaça <strong>de</strong> perigo e finalmenteregressa-se à or<strong>de</strong>m”. E é isso quelhes interessa – “e muito”, acrescentao músico: “Essa dicotomia entre caose or<strong>de</strong>m”.Podiam ser as palavras <strong>de</strong> <strong>um</strong> progrockerdos anos 70, <strong>de</strong> <strong>um</strong> miúdo comacne apaixonado pelos Faust ou <strong>de</strong><strong>um</strong> poseur a armar ao pingarelho artisteiro.Mas há sincerida<strong>de</strong> nas palavras– e dá-se o caso <strong>de</strong> não só a <strong>de</strong>scriçãoser correcta como ele não fazergala <strong>de</strong>ssa “paixão” por fazer cançõesque não obe<strong>de</strong>cem ao ritual versoponte-refrão.“Acho, honestamente, que pelo menosconscientemente não nos passapela cabeça fazer música para surpreen<strong>de</strong>rquem quer que seja. Agora,damos por nós a pôr mais coisas emais coisas n<strong>um</strong>a canção porque temos<strong>de</strong> as ouvir muitas vezes e queremos,ao ouvir várias vezes a mesmacanção, que nos pareça a cada vezestar a ouvir <strong>um</strong>a canção diferente,porque se não torna-se insuportavelmenteaborrecido”.Estamos agora em território bemmais prosaico, totalmente <strong>de</strong>spido <strong>de</strong>grandiosas ambições vanguardistas.Knopf começa a alinhavar hipótesespara a geometria cambaleante queestrutura as canções dos Menomena.Primeira hipótese, quase caricata:“Eu acho que temos défice <strong>de</strong> atenção.Esse nosso lado <strong>de</strong> surpresa, <strong>de</strong>composição sempre em mudança,tem a ver com a facilida<strong>de</strong> com quenos aborrecemos”.Segunda hipótese, quase, digamos,Com os Menomena“Acho que em vez<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>rmosa tocar bemapren<strong>de</strong>mos a tocarmal. O quetem vantagens”adulta: “O nosso som tem muito a vercom a combinação das <strong>nossa</strong>s personalida<strong>de</strong>s– ou as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> combinação,o que seria mais correcto <strong>de</strong>dizer. Antes, os nossos gostos erammuito próximos, mas com o tempo,com a ida<strong>de</strong>, os nossos gostos começarama afastar-se: o Justin gosta <strong>de</strong>rock mais clássico, é <strong>de</strong>le que vêm osriffs, o Danny ouve sobretudo hip-hope eu gosto <strong>de</strong> T-Rex mas também <strong>de</strong>Zombies. E acabo por ser quem trazos acor<strong>de</strong>s mais escuros, os arranjosmais estranhos”.É difícil traduzir aquilo que Knopf<strong>de</strong>fine como “os acor<strong>de</strong>s mais escuros,os arranjos mais estranhos”, mas digamosque há sempre na música dosMenomena <strong>um</strong>a sombra em fundo,algo que prenuncia que a qualquermomento a melodia solar que agoraecoa será nublada e ventos vindos nãose sabe <strong>de</strong> on<strong>de</strong> eclodirão – <strong>um</strong> sopro<strong>de</strong> metais, <strong>um</strong>a rabanada <strong>de</strong> riffs, apercussão aos trambolhões ou tudoisto ao mesmo tempo on<strong>de</strong> antes estava<strong>um</strong> piano em sorrisos. Se quiserem:a dita “harmonia”, nos Menomena,é algo <strong>de</strong> pouco pacífico, maispróxima <strong>de</strong> <strong>um</strong> choque entre cabeçasn<strong>um</strong>a formação or<strong>de</strong>nada norugby do que <strong>de</strong> passarinhos a chilrarn<strong>um</strong> campo primaveril.O que leva à terceira teoria sobrea incerteza na música dos Menomena:a importância do erro (tese <strong>de</strong>Brent Knopf ). “Usamos todas aslínguas que sabemos falar”, começapor afirmar, em jeito <strong>de</strong> explicaçãodo modus operandi da banda,para rapidamente chegar a <strong>um</strong>auto-<strong>de</strong>preciativo “o que na realida<strong>de</strong>é muito pouco”. Depois vema honestida<strong>de</strong>: “Para ser sinceroacho que em vez <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>rmosa tocar bem apren<strong>de</strong>mos a tocarmal. O que tem vantagens: as minhasmelhores i<strong>de</strong>ias vêm <strong>de</strong> erros.Engano-me a tocar qualquercoisa e gosto mais do erro do quedo que estava a fazer. Acredito– e se calhar estou a ser ingénuo– que a ingenuida<strong>de</strong> é melhorque ser virtuoso. A virtuosida<strong>de</strong>faz-me adormecer”.E finalmente, <strong>de</strong> forma simpática,Knopf oferece <strong>um</strong> res<strong>um</strong>odo que subjaz à estranha músicados Menomena: “Basicamentenós gostamos <strong>de</strong> coisas que funcionam<strong>de</strong> modo que não erasuposto funcionarem”.É isso a música dos Menomena:põe-se <strong>um</strong>a fatia <strong>de</strong> pão nofrigorífico e sai <strong>de</strong> lá <strong>um</strong>a torrada.Não há melhor que isto.Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 43e segs.O trioPortland:Brent Knopf,Justin Harrise Danny Seimo errado é que está certoO quarto disco dos Menomena, “Mines”, é <strong>um</strong> dos mais bizarros objectos rock do ano:melodias cândidas, metais <strong>de</strong>svairados, portas secretas e uns quantos alçapões. João Bonifácio24 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


Dave Sitekbrinca norecreio da popO membro dos TV on the Radio meteu-se n<strong>um</strong> estúdioem LA com “as melhores vozes do mundo”. Nasceu oprojecto Maxim<strong>um</strong> Balloon e <strong>um</strong> disco a solo que não ébem <strong>um</strong> disco a solo. Pedro Rios“Maxim<strong>um</strong> Balloon” é <strong>um</strong>aponte entre a carreira <strong>de</strong>produtor <strong>de</strong> Sitek e a suaexperiência <strong>de</strong> banda nos TV onthe Radio.Dave Sitek é <strong>um</strong> homem ocupado. Émembro dos TV on the Radio, produziudiscos <strong>de</strong> gente tão diferentescomo os Yeah Yeah Yeahs, ScarlettJohansson e artistas <strong>de</strong> menor dimensão,fez remisturas para Beck ou NineInch Nails, é pintor e fotógrafo. Em2008, o “New Musical Express” foiao ponto <strong>de</strong> lhe dar o posto cimeiro<strong>de</strong> <strong>um</strong>a lista das 50 pessoas mais visionáriasda indústria.Como se a sua agenda fosse pequena,Sitek <strong>de</strong>cidiu meter-se n<strong>um</strong>a empreitadaque lhe faltava: <strong>um</strong> disco asolo.Na verda<strong>de</strong>, o primeiro álb<strong>um</strong> <strong>de</strong>Sitek, que escolheu a <strong>de</strong>signação Maxim<strong>um</strong>Balloon, não é bem <strong>um</strong> álb<strong>um</strong>a solo. Experimentou trabalhar sozinhon<strong>um</strong>a versão dos Troggs para acompilação “Dark Was the Night”, em2009, mas em “Maxim<strong>um</strong> Balloon”preferiu calar-se e ce<strong>de</strong>r o microfonea velhos cúmplices (como os companheiros<strong>de</strong> banda Kyp Malone e Tun<strong>de</strong>A<strong>de</strong>bimpe ou Karen O, dos YeahYeah Yeahs) e a nomes inéditos napágina <strong>de</strong> colaborações do seu currículo(David Byrne, ex-Talking Heads,e Ambrosia Parsley, dos Shivaree).Mais do que <strong>um</strong> disco a solo, “Maxim<strong>um</strong>Balloon” é <strong>um</strong>a ponte entre acarreira <strong>de</strong> produtor <strong>de</strong> Sitek e a suaexperiência <strong>de</strong> banda nos TV on theRadio. Ele confirma-o, ao telefonecom o Ípsilon, em Los Angeles. “Éexactamente como dizes. Foi <strong>um</strong>aoportunida<strong>de</strong> para fazer o que façocom outros tipos <strong>de</strong> música, mas também<strong>de</strong> incorporar elementos da músicados TV on the Radio. Foi <strong>um</strong>atransição natural”. Foi <strong>um</strong>a oportunida<strong>de</strong>,como explicou ao “site”Brooklyn Vegan, <strong>de</strong> “usar 35 sintetizadores”porque não os terá que levarem digressão, algo impossível nos TVon the Radio. Uma utopia <strong>de</strong> <strong>um</strong> bicho<strong>de</strong> estúdio.Equipa <strong>de</strong> sonhoO álb<strong>um</strong> coincidiu com a mudança<strong>de</strong> Dave Sitek <strong>de</strong> Nova Iorque para amais l<strong>um</strong>inosa Los Angeles, on<strong>de</strong> agoravive. Foi no <strong>novo</strong> estúdio caseirona californiana, a que chamou Fe<strong>de</strong>ralPrism, que gravou o disco, n<strong>um</strong>cenário diferente do estúdio sem janelason<strong>de</strong> produziu trabalhos dosLiars, Yeah Yeah Yeahs e dos própriosTV on the Radio. “Nova Iorque tambémpo<strong>de</strong> ser optimista, mas quisexperimentar algo diferente. Achoque foi o sol, mais do que a cida<strong>de</strong> -aqui tenho muito mais sol”, diz aoÍpsilon.“Tiger”, com Aku, dos Dragons ofZynth, foi o ponto <strong>de</strong> partida para <strong>um</strong>disco que é, sobretudo, <strong>um</strong> conjunto<strong>de</strong> canções, sem gran<strong>de</strong> ligação entresi. Coube aos vocalistas escolher oque queriam cantar. O mentor <strong>de</strong> Maxim<strong>um</strong>Balloon <strong>de</strong>u <strong>um</strong>a ajuda, insistindo,por exemplo, com o “rapper”Theophilus London para fazer outra“Foi <strong>um</strong>aoportunida<strong>de</strong>para fazer o que façocom outros tipos<strong>de</strong> música,mas também <strong>de</strong>incorporar elementosda música dos TVon the Radio. Foi <strong>um</strong>atransição natural”coisa que não “rappar” - pô-lo a cantarem “Groove Me”.“Já ia a mais <strong>de</strong> meio do disco quando<strong>de</strong>cidi que ia ser <strong>um</strong> disco”, refereDave Sitek, para quem estas são “asmelhores vozes do mundo”. “Limiteimea fazer <strong>um</strong>as canções e em juntálas.Parecia-me lógico fazê-las compessoas que conhecesse”, explica.Mas não se ficou pelos cúmplices docost<strong>um</strong>e. Um amigo ouviu “ApartmentWrestling”, <strong>um</strong>a “funkalhada”a lembrar os Talking Heads, e pensou:“‘Meu Deus, o Byrne ficaria muitobem aqui’”. “Dei-lhe a faixa, elepô-la a tocar para o David e ele gostou.Foi tudo muito simples, não háqualquer mistério”.Sitek diz que quis “experimentarcom a música <strong>de</strong> dança”, mas reconheceque também o faz nos TV onthe Radio (“Maxim<strong>um</strong> Balloon” é, porém,bem mais festivo e leve, sem aarquitectura <strong>de</strong> camadas que faz dasua banda <strong>um</strong> caso especial). “Aquifiz as coisas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a maneira diferente”,afirma. Insistimos e lá elaboraque este é <strong>um</strong> disco em que reina a“canção pop, com três ou quatro minutos”.“Normalmente não faço issonos TV on the Radio. Foi sobretudoisso: experimentar a fórmula pop”.A diferença foi que, <strong>de</strong>sta feita, fazerpop “foi o único objectivo”. “Nãotinha a sensação que <strong>de</strong>via estar afazer outra coisa”, res<strong>um</strong>e. “Maxim<strong>um</strong>Balloon” revela <strong>um</strong> Dave Sitekapaixonado por “Let’s hear it for theboy”, clássico <strong>de</strong> Deniece Williams(diz que andou a vida toda a tentarfazer o seu próprio “Let’s hear it forthe boy” e que “Maxim<strong>um</strong> Balloon”foi quando mais se aproximou do objectivo),pelo funk branco <strong>de</strong> “GoodEnough”, <strong>de</strong> Cindy Lauper, por NileRodgers, pelos Chic.Sitek mostra agora, sem subterfúgios,o gosto antigo pelas melodiasperfeitas, que o levou a cantar n<strong>um</strong>grupo vocal “barbershop” nos temposdo liceu e a pertencer à Socieda<strong>de</strong>para a Preservação e Promoção dosQuartetos Barbershop na América –tudo factos que escondia, muito convenientemente,da banda <strong>de</strong> hardcoreque tinha na altura. Em 2010, jánão há nada a escon<strong>de</strong>r: até <strong>um</strong> íconedo indie mo<strong>de</strong>rno po<strong>de</strong> brincar <strong>um</strong>pouco e fazer <strong>um</strong> disco pop.Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 43 e segs.Ípsilon • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • 25


Um género,muitas históriasDes<strong>de</strong> a edição da primeira “Biografia doFado”, por ocasião da Lisboa’ 94 e agorareeditada, muitas colectâneas surgiram nomercado. Só os últimos doze meses <strong>de</strong>rammuito que ouvir. E pensar. Nuno PachecoQuando surgiu, em 1994, a“Biografia do Fado” foi <strong>um</strong>ainteressante novida<strong>de</strong>. Em LPe CD, ven<strong>de</strong>u mais <strong>de</strong> 120 milexemplares até que esgotou.Ressurge agora, n<strong>um</strong>a caixacom 5 CD reunindo pela primeiravez não só o duplo CD originalcomo as “biografias” que se lheseguiram: a da guitarra, a dofado <strong>de</strong> Coimbra e a <strong>de</strong>dicadaà nova vaga <strong>de</strong> fadistas, estaúltima integralmente refeitapara acolher <strong>novo</strong>s intérpretes.A sua edição, integrada noseventos da Lisboa’94, <strong>de</strong>uorigem nos anos seguintes a<strong>um</strong>a vaga <strong>de</strong> colectâneas <strong>de</strong>fôlego, das quais se <strong>de</strong>stacam“Um Século <strong>de</strong> Fado” (Ediclube,1999), com vasto conjunto <strong>de</strong>livros, CD e ví<strong>de</strong>os ou “O Fadodo Público”, <strong>um</strong> colecção <strong>de</strong> CDlivroscom coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> RuiVieira Nery (Público, 2004).Mas no último ano surgiramoutros títulos dignos <strong>de</strong> nota.“Os Fados da Alvorada”, <strong>um</strong>notável trabalho <strong>de</strong> pesquisaO primeiro CD duploda “Biografia doFado” ven<strong>de</strong>u 120 milexemplares. Até hoje<strong>de</strong> José Manuel Osório (em 3CD) será dos melhores, comrecuperação <strong>de</strong> muitos títulosnunca antes editados em CD. É<strong>um</strong>a interessante viagem aosarquivos, com muitas históriasa acompanhar. “Fado Capital”,bem mais pobre na concepção,alinha 120 intérpretes da A aZ, cada <strong>um</strong> com <strong>um</strong> tema, <strong>de</strong>Ada <strong>de</strong> Castro a Zélia Lopes,acrescentando-lhe <strong>um</strong> DVD <strong>de</strong>concepção mediana. Tem, noentanto, pelo meio, curiosida<strong>de</strong>sque interessará ouvir.No capítulo das colectâneas,“Divas do Fado” é <strong>de</strong>dicado àsmulheres, com mais <strong>de</strong> <strong>um</strong> temacada <strong>um</strong>a. Tem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> nomesincontornáveis, antigos e <strong>novo</strong>s,até às promessas <strong>de</strong> amanhã.Mas tem falhas e até escolhasdiscutíveis, no contexto a que sepropõe. Falta-lhe, por exemplo,Ana Moura ou Mariza, só paradar dois exemplos…Por fim, “A Origem do Fado”, <strong>de</strong>José António Sardinha”, sendo<strong>um</strong>a obra <strong>de</strong> tese e <strong>de</strong> recolha,inclui quatro CD <strong>de</strong>monstrativos<strong>de</strong> que os horizontes do fado sãomais largos do que se pensa. Atese é: o fado será filiado, nãono lund<strong>um</strong> brasileiro mas “nacanção narrativa tradicional(romances <strong>de</strong> cor<strong>de</strong>l ou <strong>de</strong>cegos).” É <strong>um</strong>a nova pista para<strong>um</strong> <strong>de</strong>bate cada vez mais útil.Biografiasdo FadoVáriosEMI MusicOs Fados <strong>de</strong>ALvoradaVol<strong>um</strong>es 1, 2, 3VáriosMovieplayA Origemdo FadoJosé AntónioSardinhaVáriosTradisomFado CapitalA essência dofado <strong>de</strong> A a ZVáriosOvaçãoDivas doFadoVáriosDifference, IPlay“Houve aopção <strong>de</strong>procurarreportóriosmuitopróximos doscritérios daprópriacomunida<strong>de</strong>”fadista, diz oantropólogoPedro FélixTodos os nomes doEsgotada há muito, a “Biografia do Fado” ressurge agora nas lojasas biografias da guitarra e do fado <strong>de</strong> Coimbra e a “Novaalinhamento e a garantia <strong>de</strong> que o fado veio para ficar. É mais <strong>um</strong>26 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


fadon<strong>um</strong>a caixa com 5 CD e acompanhada das suas três filhas:Biografia do Fado” com <strong>novo</strong>s intérpretes, <strong>novo</strong>passo no longo caminho da Unesco... Nuno PachecoENRIC VIVES-RUBIOAparentemente, a caixa “Biografiasdo Fado” seria a reunião, n<strong>um</strong> só vol<strong>um</strong>e,dos 5 CD que a EMI Music foieditando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1994, com o objectivo<strong>de</strong> traçar <strong>um</strong> retrato o mais fiel possível<strong>de</strong> <strong>um</strong> género e on<strong>de</strong>, ao fadoque se sedimentou em Lisboa se juntaramtrabalhos exclusivamente <strong>de</strong>dicadosfado <strong>de</strong> Coimbra (em 2002),à guitarra portuguesa (em 2005) e aos<strong>novo</strong>s valores do canto fadista (2002).Mas se todos os outros vol<strong>um</strong>es semantiveram tal qual foram editadosda primeira vez, já este último sofreualterações <strong>de</strong> monta e é sobretudonele que resi<strong>de</strong> a novida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta edição.Além do facto <strong>de</strong>, pela primeiravez, todas as “biografias” se encontraremjuntas e <strong>de</strong> <strong>novo</strong> acessíveis.Assim, no vol<strong>um</strong>e “Nova Biografiado Fado”, aos nomes que continuam,embora alguns com outros temas (Camané,Hél<strong>de</strong>r Moutinho, Katia Guerreiro,Ana Sofia Varela, Joana Amendoeira,Maria Ana Bobone, Mísia,Cristina Branco, Mafalda Arnauth eMariza) juntam-se agora Carminho,Raquel Tavares, Ricardo Ribeiro, AldinaDuarte, Cuca Roseta, Ana Moura,Pedro Moutinho e Rodrigo da CostaFélix. Todos no activo. Havia mais?Havia, mas a escolha, entregue ao antropólogoPedro Félix, guiou-se por<strong>um</strong> padrão que ele próprio explica.“A questão começa logo por <strong>de</strong>finir ofado, o limite do fado. E é muito complicado<strong>de</strong>finir isso. Até porque aoexcluirmos alg<strong>um</strong> reportório maispróximo <strong>de</strong> tradições brasileiras, abossa nova, o cool jazz, isso levantanos<strong>um</strong> problema: saber até que pontoeles ainda estão na prática do fado.Mas no momento em que dizemos‘não estão’, estamos também a dizer‘se calhar estamos a fechar portas’.”Isto justifica, por exemplo, a ausência<strong>de</strong> <strong>um</strong> nome com projecção internacionalcomo António Zambujo. “Defacto, <strong>de</strong> entre o reportório que já estavagravado, não havia nada que seenquadrasse n<strong>um</strong>a certa linha queestava nos temas anteriores, sentia-seessa falta. Lá está: as partes cinzentassão as mais complicadas. Se calhar,ao incluir o António Zambujo, teríamos<strong>de</strong> incluir outros intérpretes.”Sem nenh<strong>um</strong> constrangimento porparte da editora, excepto “ser representativo”,o disco começou a ser i<strong>de</strong>alizadocom a procura <strong>de</strong> “nomesincontornáveis” e <strong>de</strong>pois com a audiçãointegral das suas discografias. Nofinal, foram escolhidos os fados “on<strong>de</strong>mais características interpretativas<strong>de</strong> cada pessoa se reflectem”.1994, <strong>um</strong> ano fulcralPedro Félix começou a trabalhar sistematicamentecom a comunida<strong>de</strong> dofado em 2004. E isso fê-lo tornar-se“<strong>um</strong> bocado ortodoxo na maneira <strong>de</strong>abordar o fado. O fado tem <strong>um</strong>a série<strong>de</strong> códigos muitos próprios: interpretativos,<strong>de</strong> escolha <strong>de</strong> reportório edaquilo que se chama <strong>de</strong> criação. Porisso houve a opção <strong>de</strong> procurar reportóriosque estivessem muito próximos<strong>de</strong>ssa interpretação do fado segundoos critérios da própria comunida<strong>de</strong>.”“O fado tem <strong>um</strong>avitalida<strong>de</strong> única,que não está limitadacircunstancialmenteao impacto mediáticoque agora tem.Há <strong>um</strong>a re<strong>de</strong> sópermeável a quemvive muitointensamente o meiodo fado, que é <strong>um</strong>agran<strong>de</strong> escola para os<strong>novo</strong>s intérpretes”Nas aulas, como professor, ele cost<strong>um</strong>ausar o exemplar da “Biografia doFado”. “Porque consigo levar n<strong>um</strong>apequena caixa tudo aquilo que preciso<strong>de</strong> mostrar a qualquer pessoa sobreo fado. Isto po<strong>de</strong> soar a promoção,mas é mesmo assim. Ouve-se aquiloe fica-se com a perfeita noção das dinâmicasda história do fado.” O ano<strong>de</strong> nascimento da “Biografia” foi, segundoPedro, fulcral para o fado. “Lisboa94 foi <strong>um</strong> marco muito importante,mudou radicalmente a história dofado. E esse duplo CD inicial [que saiuem vinil, antes] fez parte <strong>de</strong> <strong>um</strong> conjunto,com <strong>um</strong>a exposição e com <strong>um</strong>catálogo [que vai ser reeditado embreve], e ao articular esses materiaisconsegue-se ter pela primeira vez<strong>um</strong>a reflexão crítica, <strong>de</strong>sapaixonadae muito rigorosa do que é o fado e <strong>de</strong>quais são as suas histórias. Depoisapareceu o Museu do Fado, que foiincorporado pela comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>um</strong>a forma absolutamente extraordinária,em 1998, e em 2004 tivemos oinício da candidatura à Unesco, queé <strong>um</strong> <strong>novo</strong> fôlego.”Daqui para a frente só po<strong>de</strong> melhorar,diz. “O fado tem <strong>um</strong>a vitalida<strong>de</strong>única, que não está limitada circunstancialmenteao impacto mediáticoque agora tem.” Isto não apenas emtermos <strong>de</strong> mercado. “Há <strong>um</strong>a re<strong>de</strong> sópermeável a quem vive muito intensamenteo meio do fado, que passapor casas <strong>de</strong> fado, restaurantes, associaçõesrecreativas, juntas <strong>de</strong> freguesia,pequenos palcos <strong>de</strong> colectivida<strong>de</strong>s,essa re<strong>de</strong> é muito vigorosa. Anoite <strong>de</strong> terça-feira na Mouraria, a <strong>de</strong>quarta em Marvila, <strong>de</strong>pois no Beato.Tudo isto é <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> escola paraos <strong>novo</strong>s intérpretes.”No caso da candidatura apresentadaà Unesco (candidatura a que Pedroestá ligado e no âmbito da qual estasreedições ocorrem), ele acha que oreconhecimento do fado como PatrimónioImaterial da H<strong>um</strong>anida<strong>de</strong> terábons resultados, logo <strong>de</strong> início. “Vaihaver <strong>um</strong> impacto óbvio, imediato.Quando foi feito o anúncio <strong>de</strong> que acandidatura ia ser entregue, houve<strong>um</strong>a semana na televisão em que nãohavia notícias: era a gala do fado, anoite do fado, o espectáculo do fado,o doc<strong>um</strong>entário do fado. Um bocadoterrível. Obviamente quando o resultadosurgir, vai haver <strong>um</strong> mês em que,como se diz, o telefone não vai parar.Depois as coisas vão assentar. Vai havia<strong>um</strong>a maior divulgação internacional,até porque o turismo cultural éque faz as pessoas viajar. E o gran<strong>de</strong><strong>de</strong>safio para as editoras, os investigadores,os museus, é não se <strong>de</strong>ixaremlevar pela superficialida<strong>de</strong>. Se houver<strong>um</strong> cuidado gran<strong>de</strong>, o meio do fadosó beneficia.”Ípsilon • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • 27


ENRIC VIVES-RUBIOFantasiasn<strong>um</strong>acarruagem<strong>de</strong> comboio“Paint me”, primeira ópera <strong>de</strong> LuísTinoco baseada n<strong>um</strong> libreto <strong>de</strong>Stephen Plaice, é <strong>um</strong>a antologia <strong>de</strong>pequenas histórias passadas entreseis passageiros que entram n<strong>um</strong>compartimento <strong>de</strong> comboio. Aacção real e as fantasias imaginadascruzam-se como n<strong>um</strong> filme noGran<strong>de</strong> Auditório da CulturgestCristina Fernan<strong>de</strong>sResultante<strong>de</strong> <strong>um</strong>aencomendada Culturgest,a ópera <strong>de</strong>Luís Tinocoestará emcena nos dias17 e 18e temencenação <strong>de</strong>Rui Horta28 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


O mo<strong>de</strong>lo para “Paint Me” foramos “Contos <strong>de</strong> Canterbury”, coma diferença <strong>de</strong> que os viajantes<strong>de</strong> “Paint Me” não sãoperegrinos com <strong>um</strong> objectivocom<strong>um</strong>, mas estranhosagrupados em virtu<strong>de</strong> daaleatorieda<strong>de</strong> da forma <strong>de</strong>viajar mo<strong>de</strong>rnaViajar <strong>de</strong> comboio po<strong>de</strong> ser <strong>um</strong> exercíciovoyeurista, facilitado pela observaçãodo reflexo do outro no vidro dajanela, sobretudo nos percursos nocturnos.Imaginam-se as vidas das pessoasque estão ali mesmo ao lado casualmentee fantasia-se com elas. Estefoi o ponto <strong>de</strong> partida para “Paint Me”,a primeira ópera <strong>de</strong> Luís Tinoco, escritaa partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> libreto <strong>de</strong> StephenPlaice, autor <strong>de</strong> textos para teatro,musicais e óperas <strong>de</strong> compositorescomo Harrison Birtwistle, RichardTaylor ou Jonathan Gill. O mo<strong>de</strong>lo formalforam os “Contos <strong>de</strong> Canterbury”,escritos por Geoffrey Chaucer no séculoXIV, com a diferença <strong>de</strong> que osviajantes <strong>de</strong> “Paint Me” não são peregrinoscom <strong>um</strong> objectivo com<strong>um</strong>, masestranhos que foram agrupados emvirtu<strong>de</strong> da aleatorieda<strong>de</strong> da forma <strong>de</strong>viajar mo<strong>de</strong>rna. Os seus contos sãonarrados para si próprios, nas suaspróprias fantasias. Luís Tinoco já tinhafeito experiências no teatro musical,com <strong>de</strong>staque para “Evil Machines”,com libreto <strong>de</strong> Terry Jones (<strong>um</strong> doselementos dos Monty Python), masesta é a sua primeira ópera no sentidotradicional, “<strong>um</strong> <strong>de</strong>safio aliciante”, noqual projectou técnicas cinematográficas.Resultante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a encomendada Culturgest, o espectáculo estará emcena nos dias 17 e 18 e tem encenação<strong>de</strong> Rui Horta, direcção musical <strong>de</strong> JoanaCarneiro e <strong>um</strong> elenco <strong>de</strong> seis jovenscantores: Raquel Camarinha(Tula), Eduarda Melo (Ruth), PatriciaQuinta (Stephanie), Hugo Oliveira (Howard),Job Tomé (Padre) e João Rodrigues(Lee).Como surgiu a colaboração como libretista Stephen Plaice?Po<strong>de</strong>mos comparar o papel do libretistaao do guionista no cinema. É <strong>um</strong>trabalho muito específico. Queria <strong>um</strong>libretista com “métier”, alguém quepu<strong>de</strong>sse construir <strong>um</strong> drama e <strong>um</strong>alinha narrativa com <strong>um</strong>a direcçãocontemporânea, mas que fizesse aomesmo <strong>um</strong>a ponte com a história e atradição do género operático. Passei<strong>um</strong> período à procura <strong>de</strong> autores e limuita coisa, até que <strong>um</strong>a amiga mefalou do Stephen Plaice. Ópera é músicae teatro ao mesmo tempo. Umlibretista tem <strong>de</strong> ter intuição musical,mas também intuição <strong>de</strong> palco. O Stephentem essa experiência, escreve<strong>um</strong>uitas peças <strong>de</strong> teatro, é casado com<strong>um</strong>a cantora <strong>de</strong> ópera e canta n<strong>um</strong>coro. Tem <strong>um</strong> enorme conhecimentoda história da música e da ópera, oque lhe permite brincar e ironizarcom o género operático. Li os seuslibretos e em todos os casos senti quegostava <strong>de</strong> fazer música para eles.A i<strong>de</strong>ia do conteúdo da históriafoi <strong>de</strong>le?Antes <strong>de</strong> iniciar o trabalho conversámossobre temáticas e também sobreproblemas práticos da técnica <strong>de</strong> escrita.Depois houve <strong>um</strong> aspecto quepartilhámos a título <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong>.Tratava-se daquela situação que játodos experienciámos quando viajamos<strong>de</strong> comboio e observamos osoutros passageiros através do reflexono vidro. É <strong>um</strong>a forma voyeurista <strong>de</strong>observar as pessoas, <strong>de</strong> fantasiar oque será a vida <strong>de</strong>las ou mesmo <strong>de</strong>imaginar <strong>um</strong>a possível relação comelas. Esse foi <strong>um</strong> ponto <strong>de</strong> partida.Em termos literários há <strong>um</strong>a referênciaaos “Contos <strong>de</strong> Canterbury”, <strong>de</strong>Geoffrey Chaucer. Neste caso, em vez<strong>de</strong> <strong>um</strong>a viagem <strong>de</strong> peregrinos que se“[Andar <strong>de</strong> comboio]É <strong>um</strong>a formavoyeurista<strong>de</strong> observaras pessoas,<strong>de</strong> fantasiar o queserá a vida <strong>de</strong>lasou mesmo<strong>de</strong> imaginar <strong>um</strong>apossível relaçãocom elas. Esse foi <strong>um</strong>ponto <strong>de</strong> partida[para a ópera]entretêm a contar histórias para otempo passar, temos <strong>um</strong>a relação casualentre as pessoas que entram naquelacarruagem.Como geriram a oposição entrea acção real e imaginada?Esse foi <strong>um</strong> aspecto aliciante que mepermitiu trabalhar musicalmente oespaço interior da carruagem e o espaçoda fantasia e também cruzá-los.Há aspectos das fantasias que passampara o som real e sons da vida realque entram no espaço da fantasia.Esse processo tem <strong>um</strong>a componentecinematográfica apelativa. O que acabapor ser importante em termos narrativosé o espaço da fantasia. Seriamais fácil adaptar o texto para cinemapois aí temos o corte, a montagem,os saltos <strong>de</strong> elipse temporal e espacial.Em palco é mais fácil resolver os saltosno tempo do que no espaço. Comonão podíamos ter <strong>um</strong> elenco <strong>de</strong> 12cantores em vez <strong>de</strong> seis, tivemos <strong>de</strong>encontrar soluções musicais, dramatúrgicase <strong>de</strong> cena para conseguirmosque a mesma pessoa tenha tempo <strong>de</strong>andar aos saltos do espaço físico realpara o espaço imaginado.Como fez o tratamento musicaldas personagens?Usar a música para ajudar a caracterizaras personagens é <strong>um</strong> bom princípioque não morreu historicamente.Há materiais musicais recorrentes aolongo da ópera associados a situações,espaços e personagens. Por outro lado,nesta ópera <strong>um</strong>a personagem com<strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> comportamentopo<strong>de</strong> a certa altura passar a ser nãoessa pessoa mas outra que está a serimaginada pelo próprio ou por <strong>um</strong>outro passageiro. Temos, por exemplo,<strong>um</strong>a senhora <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> que tem<strong>um</strong> comportamento muito britânicoe convencional mas a dada alturatransforma-se n<strong>um</strong>a mulher que aolongo da vida andou a <strong>de</strong>struir obras<strong>de</strong> arte em museus e galerias sempreque via pinturas com mulheres nuas!Isso é muito engraçado, posso trabalharmusicalmente esse personagemdurante dois terços da ópera <strong>de</strong> <strong>um</strong>aforma e <strong>de</strong>pois mudar radicalmenteesse tratamento.Que outras histórias nos trazemos restantes passageiros?A primeira passageira a entrar na carruagemé Tula, <strong>um</strong>a rapariga bonitae ingénua, que leva <strong>um</strong> quadro <strong>de</strong>baixodo braço. Como ela traz esse quadromuitas das fantasias giram emtorno das artes plásticas, há <strong>um</strong>a fantasian<strong>um</strong> leilão, outra no atelier <strong>de</strong><strong>um</strong> pintor.Temos <strong>um</strong>a mulher <strong>de</strong> meia ida<strong>de</strong>que teve <strong>um</strong>a casamento falhado eanda à procura <strong>de</strong> <strong>um</strong>a realizaçãoafectiva que ainda não encontrou eque vai projectar noutra passageira,e a tal velhinha que é muito religiosae contida e que tem <strong>um</strong> problema porresolver com a representação do corponu e com a sexualida<strong>de</strong> em geral.Existe também <strong>um</strong> Padre com <strong>um</strong>afantasia <strong>de</strong> exorcismo, que imaginaque está a tirar o Diabo do corpo <strong>de</strong><strong>um</strong>a das passageiras enquanto lê <strong>um</strong>apassagem do Evangelho São Lucas emque se fala <strong>de</strong> porcos que estão possessose <strong>de</strong>pois se afogam...O Revisor é <strong>um</strong> indivíduo gingãocom <strong>um</strong>a fantasia <strong>de</strong>tectivesca — a <strong>de</strong><strong>de</strong>smascarar <strong>um</strong> noivo que passa avida a somar casamentos e apaixonapor mulheres que vê em catálogos <strong>de</strong>moda... — e o Howard, outro passageiro,é cínico, prepotente e dominador.Logo no início tenta convencer a jovemestudante <strong>de</strong> pintura a oferecerlheos seus favores sexuais em troca<strong>de</strong> projecção profissional, fazendo-sepassar por <strong>um</strong> curador <strong>de</strong> <strong>um</strong>a galeria<strong>de</strong> arte. Depois tenta projectar estafantasia <strong>de</strong> prepotência nos outrospassageiros e é muito engraçado porquelhe sai tudo trocado.É <strong>um</strong> compositor português,mas a ópera será cantada eminglês. A escolha da línguatem apenas a ver com anacionalida<strong>de</strong> do libretista ouhá outras razões?Várias vezes me perguntam se tenhoalg<strong>um</strong> problema com a língua portuguesaou com os autores portugueses.Não tenho problema nenh<strong>um</strong>, jáadaptei Camilo Pessanha, FernandoPessoa e vou fazer <strong>um</strong> projecto comAlmeida Faria. Não acho que seja maisou menos português pelo facto <strong>de</strong>trabalhar noutras línguas. Às vezeshá <strong>um</strong> certo bairrismo, <strong>um</strong> certo provincianismona forma como as pessoaslidam com estas questões. Sepensarmos no universo da músicacontemporânea nunca vejo ninguémlevantar esse problema quando ocompositor opta pelo alemão ou pelofrancês. Eu gosto muito do inglês cantado,mas neste caso mais importantedo que saber em que língua ia fazera ópera era encontrar o libretista. Calhouser inglês, se fosse espanhol fariaa ópera em castelhano. Também vejoa questão do ponto <strong>de</strong> vista do “métier”.Só me atrevo a escrever músicae adaptar textos em línguas que consigodominar musicalmente no planoda prosódia ou <strong>de</strong> aspectos como oENCENAÇÃO e REALIZAÇÃO VÍDEOJOÃO LOURENÇOMÚSICAMAZGANICENÁRIOANTÓNIO CASIMIROJOÃO LOURENÇOBERTOLT BRECHTESTRUTURA PATROCINADA PELOQUARTA A SÁBADO 21H30registo vocal e a cor. Teria dificulda<strong>de</strong>em fazer <strong>um</strong>a ópera em alemão.Além dos instr<strong>um</strong>entosacústicos recorre à electrónica,<strong>um</strong>a componente poucopresente noutros trabalhos...É <strong>um</strong>a área que nunca <strong>de</strong>senvolvi individualmente,embora tenha recorridoa ela em colaboração com colegasespecializados. Neste caso recorriao Carlos Caíres. Queria ter o apoioda electrónica não só como elemento<strong>de</strong> sonoplastia (em que pu<strong>de</strong>sse metersons <strong>de</strong> comboios, carris, apitos...),mas também para captar aorquestra em tempo real e interagircom ela através <strong>de</strong> software informático.É outra orquestra em cima daorquestra, outras fronteiras que po<strong>de</strong>mser ultrapassadas. Do ponto <strong>de</strong>vista da instr<strong>um</strong>entação acústica usomuita percussão, <strong>um</strong>a das característicasda minha linguagem em termos<strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> cor e <strong>de</strong> pulsação.Já fez outras incursões noteatro musical mas esta é a suaprimeira ópera. Colocou-lhe<strong>de</strong>safios diferentes?Se pensar na forma como trabalhei avoz h<strong>um</strong>ana nas composições dos últimosanos, as minhas opções estilísticasforam mais <strong>de</strong>finidas pelo texto doque pelo género que ia abordar. A primeirapeça que fiz que me começou apreparar para a ópera foi outra encomendada Culturgest, <strong>um</strong> projecto <strong>de</strong>homenagem aos gran<strong>de</strong>s bailados.Calhou-ne “Le Jeune Homme et laMort”, com texto do Cocteau, e na alturao António Pinto Ribeiro pediu-meque fosse <strong>um</strong>a homenagem puramentemusical, sem coreografia. Enviou-me<strong>um</strong> artigo que o Jean Cocteau tinha escritono dia a seguir à estreia e eu fiz<strong>um</strong> melodrama a partir <strong>de</strong>sse textousando <strong>um</strong> narrador. Depois fiz os“Contos Fanstáticos” e as “Evil Machines”,obra a meio caminho entre a ópera,o musical e a música para cinema.Sabia que esses trabalhos eram <strong>um</strong>aaprendizagem para <strong>um</strong>a futura ópera,mas não fiquei <strong>de</strong>masiado ansioso.Acho que os compositores não <strong>de</strong>vemter pressa para chegar à ópera.FIGURINOSBERNARDO MONTEIROCOREOGRAFIACLÁUDIA NÓVOASUPERVISÃO AUDIOVISUALAURÉLIO VASQUESLUZMELIM TEIXEIRA[ m/12 ]DOMINGO-MATINÉE 16H00VERSÃO JOÃO LOURENÇO | VERA SAN PAYO DE LEMOSDRAMATURGIA VERA SAN PAYO DE LEMOSCOMANTÓNIO PEDRO LIMA | CÁTIA RIBEIROCARLOS MALVAREZ | CRISTÓVÃO CAMPOSFRANCISCO PESTANA | JOÃO FERNANDEZLUIS BARROS | MAFALDA LENCASTREMAFALDA LUÍS DE CASTRO | MARTA DIASMIGUEL GUILHERME | MIGUEL TAPADASPATRÍCIA ANDRÉ | RUI MORISSONSARA CIPRIANO | SÉRGIO PRAIASOFIA DE PORTUGALVASCO SOUSAÍpsilon • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • 29


“O que é verda<strong>de</strong>? O que não é? É issoque faço: testo o modo como os outroslidam com a realida<strong>de</strong>.”Podia ser Joaquin Phoenix (ou o seurealizador, Casey Affleck) a falar <strong>de</strong>“I’m Still Here”, o falso doc<strong>um</strong>entáriosobre a muito falada “retirada” do cinemado actor para se <strong>de</strong>dicar a <strong>um</strong>acarreira musical <strong>de</strong> “rapper”. Masnão: é <strong>um</strong>a citação <strong>de</strong> Andy Kaufman,o lendário comediante <strong>de</strong>sconstrucionistaamericano que, na transiçãodos anos 1970 para os anos 1980, levoua “stand-up comedy” às fronteirasdo <strong>de</strong>sconforto. Kaufman – biografadosob os traços <strong>de</strong> Jim Carreyno filme <strong>de</strong> Milos Forman “Homemna Lua” (1999) - levava a sua arte aolimite <strong>de</strong> não se conseguir perceberon<strong>de</strong> terminava a “performance” eon<strong>de</strong> começava a realida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> estavamos limites (ou a essência) dapiada.Joaquin Phoenix seria, então, omais recente sucessor das experiênciasconceptuais <strong>de</strong> Kaufman, ao ponto<strong>de</strong> levar as suas explorações à possível<strong>de</strong>struição da sua carreira, emnome da reflexão sobre a natureza dacelebrida<strong>de</strong> e do <strong>de</strong>lírio mediáticoque a ro<strong>de</strong>ia. Durante quase doisanos, Phoenix retirou-se do olhar públicopara trabalhar n<strong>um</strong>a carreira <strong>de</strong>“rapper”, anunciada como modo <strong>de</strong>expressão verda<strong>de</strong>iro da sua arte, escapeda “persona” pública <strong>de</strong> “JoaquinPhoenix”, o actor <strong>de</strong> sucessonomeado para o Óscar.Nas primeiras imagens <strong>de</strong> “I’m StillHere”, o actor diz estar cansado <strong>de</strong>representar essa “personagem” queseria a versão “social” <strong>de</strong> si mesmo.As escassas aparições em público duranteeste período – inchado, barbudo,<strong>de</strong>sgrenhado, incoerente – culminaramn<strong>um</strong>a presença no “talk-show”<strong>de</strong> David Letterman (retomada no filme)que, para o bem e para o mal,marcou o actor como excêntrico, friqueganzado que se <strong>de</strong>ixara per<strong>de</strong>rna megalomania que a fama e o estrelatopermitiam. Subenten<strong>de</strong>ndo-se(mesmo que nunca dizendo-o publicamente)que Joaquin po<strong>de</strong>ria repetiro <strong>de</strong>stino trágico do irmão River, falecidoem 1993 sem nunca ter c<strong>um</strong>pridoo seu potencial.Ora, era precisamente essa fama eessa megalomania que Phoenix e oseu co-conspirador (e cunhado), CaseyAffleck, ele próprio actor aclamado,queriam <strong>de</strong>nunciar. O seu projectoperformativo <strong>de</strong> Phoenix e Affleckimplicava inverter os dados da situação.Em vez <strong>de</strong> fazer tudo para sustentara celebrida<strong>de</strong>, recusá-la, abandonara imagem pré-existente e partirem busca <strong>de</strong> <strong>um</strong> “segundo acto” (negando,no processo, a afirmação <strong>de</strong>F. Scott Fitzgerald: “não existem segundosactos nas vidas americanas”).N<strong>um</strong>a paisagem mediática dominadapela curiosida<strong>de</strong> insaciável evoyeurista das revistas cor-<strong>de</strong>-rosa,pelo ciclo noticioso imparável doscanais <strong>de</strong> notícias <strong>de</strong> cabo e da internet<strong>de</strong> banda larga permanentementeligada, n<strong>um</strong> mundo on<strong>de</strong> os “reality-shows”televisivos fazem ponto<strong>de</strong> honra <strong>de</strong> explorar o <strong>de</strong>sl<strong>um</strong>bramento<strong>de</strong> concorrentes capazes <strong>de</strong>tudo por 15 minutos <strong>de</strong> fama, comoseria encarada a sua recusa ass<strong>um</strong>ida,a sua tentativa <strong>de</strong> fugir ao mundo real?Falso doc<strong>um</strong>entárioA adaptação das técnicas <strong>de</strong> guerrilhaperformativa <strong>de</strong> Kaufman espelha<strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>ira vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> reflectirsobre o que significa ser famoso hoje,o tipo <strong>de</strong> escrutínio que isso implica,a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escapar a esseolhar. E esse <strong>de</strong>sejo reflecte-se no “tudoou nada” que viu Phoenix pôr emrisco a sua carreira, sem re<strong>de</strong> <strong>de</strong> segurança,sem a certeza <strong>de</strong> que <strong>um</strong>avez revelada a verda<strong>de</strong>ira natureza daexperiência, houvesse retorno possível.(E só isso já merece que tiremoso chapéu a Phoenix.)Apresentar o resultado da experiênciasob a forma <strong>de</strong> doc<strong>um</strong>entárioé <strong>um</strong>a outra prova <strong>de</strong> inteligência,jogando com o facto <strong>de</strong> o género játer há muito <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> ser garantia<strong>de</strong> “realida<strong>de</strong>”/”veracida<strong>de</strong>”. A i<strong>de</strong>iado “falso doc<strong>um</strong>entário” não é nova– alguns dos exemplos pioneiros sãofilmes como “Coming Apart” (1969)<strong>de</strong> Milton Moses Ginsberg, ou “ThisIs Spinal Tap” (1984) <strong>de</strong> Rob Reiner -mas ao longo dos últimos anos tem-setornado n<strong>um</strong> elemento recorrente dagramática narrativa e visual do cinema“mainstream” e da televisão. Depoisdos múltiplos falsos doc<strong>um</strong>entários<strong>de</strong> Christopher Guest (“Waitingfor Guffman”, 1996, “Donos <strong>de</strong> Estimação”,2000, “A Mighty Wind”,2003), os filmes <strong>de</strong> Larry Charles comSacha Baron Cohen (“Borat”, 2006,e “Brüno”, 2009) trabalharam essagramática n<strong>um</strong>a linhagem directamenteherdada <strong>de</strong> Kaufman, diluindoas fronteiras entre ficção e realida<strong>de</strong>.Por seu lado, quase todos os “realityshows” rodados em exteriores(<strong>de</strong> “Survivor” às “Real Housewives”<strong>de</strong> on<strong>de</strong> quer que seja) explorama forma, e séries <strong>de</strong>ficção como “Uma FamíliaMuito Mo<strong>de</strong>rna” usam a estéticacomo parte integrantedo seu conceito.Mas tem sido <strong>de</strong>ntro docinema <strong>de</strong> género que aaparência formal <strong>de</strong> doc<strong>um</strong>entáriotem sidomelhor trabalhada. “OProjecto Blair Witch”(1999) <strong>de</strong> Daniel Myricke Eduardo Sánchezserviu como “matriz”retomada em filmescomo “Activida<strong>de</strong> Paranormal”(2009), <strong>de</strong>Oren Peli, “REC”(2007), <strong>de</strong> Ja<strong>um</strong>e Balagueróe Paco Plazaou “Diário dos Mortos”(2007), <strong>de</strong> GeorgeA. Romero, usando asconvenções do doc<strong>um</strong>entáriocomo amplificadorda lógica narrativado filme, mas sempre<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> quadroass<strong>um</strong>idamente ficcional.Ora, a partir do momentoem que o próprio formato dodoc<strong>um</strong>entário po<strong>de</strong> ser manipuladopara apresentar <strong>um</strong>aficção, isso levanta nos espectadoresa dúvida metódica sobre averacida<strong>de</strong> daquilo a que estão aassistir. O que Affleck e Phoenix fazemé transpô-lo para <strong>um</strong> plano puramentedramático e realista, ass<strong>um</strong>idamentesério, mais próximo <strong>de</strong><strong>um</strong>a experiência radical como “Morte<strong>de</strong> <strong>um</strong> Presi<strong>de</strong>nte” (2006), <strong>de</strong> GabrielRange, jogando com a percepçãopública <strong>de</strong> que <strong>um</strong> doc<strong>um</strong>entário nãoé, já, <strong>um</strong> mero registo da realida<strong>de</strong>(como foi durante muito tempo entendido)mas apenas <strong>um</strong> outro tipo<strong>de</strong> mediação/tradução da realida<strong>de</strong>.A verda<strong>de</strong> da“I’m Still Here”, a experiência performativa <strong>de</strong> Joaquin Phoenix eMas, agora que sabemos que tudo é ficção,30 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


Cinismo?Essa dúvida metódica sobre a veracida<strong>de</strong>do “ano perdido” <strong>de</strong> JoaquinPhoenix, contudo, abre o flancoa acusações <strong>de</strong> cinismo e sobranceria.A reflexão que sequer instigar nasce <strong>de</strong> <strong>um</strong>agenuína vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> levantarquestões sérias, ou éapenas consequência<strong>de</strong> <strong>um</strong>a partida <strong>de</strong> universitáriosirresponsáveis(<strong>um</strong> “Jackass”teórico, se quisermos)que ganhouvida para lá dai<strong>de</strong>ia original? Enão é <strong>um</strong>a questãocasual: nestesdias emque os “realityshows” televisivos“escrevem”a supostarealida<strong>de</strong>dosseus acontecimentos,será possívelainda olharpara <strong>um</strong> objectocomoeste acreditandona suaveracida<strong>de</strong>?Andy Kaufman (o próprio à esquerdae na interpretação <strong>de</strong> Jim Carreyem “Homem na Lua”, à direita)levava a sua arte ao limite <strong>de</strong> nãose conseguir perceber on<strong>de</strong> terminavaa “performance” e começavaa realida<strong>de</strong>mentiraCasey Affleck sobre a celebrida<strong>de</strong>, chega às salas portuguesas.ainda fará sentido? Jorge MourinhaApós a apresentação fora <strong>de</strong> concursodo filme no festival <strong>de</strong> Veneza,em Setembro, Casey Affleck mostrouserelutante em respon<strong>de</strong>r abertamenteà pergunta. Mas invocou, pelomeio das elipses com que respon<strong>de</strong>u,a presença tutelar <strong>de</strong> Gus van Sant (aquem, aliás, se agra<strong>de</strong>ce no genéricofinal). “As coisas têm <strong>de</strong> se revelar sozinhas”— essa terá sido a gran<strong>de</strong> liçãoque o actor/realizador tirou da rodagem<strong>de</strong> “Gerry” (2001), e isso acaboupor ser <strong>um</strong>a “pista” para quem quisesseolhar para o filme com olhos <strong>de</strong>ver e reconhecer nele os sinais <strong>de</strong> <strong>um</strong>asátira radical levada às últimas consequências.Quando revelou a verda<strong>de</strong> ao jornal“New York Times”, pouco após a estreiaamericana, Affleck confessouque achava óbvio para qualquer espectadoratento que se tratava <strong>de</strong> <strong>um</strong>aficção - “a questão da realida<strong>de</strong> nãoera algo que eu achasse que iria existir<strong>de</strong>pois das pessoas terem visto ofilme”. Mas talvez tenha sido esse oerro <strong>de</strong> cálculo que <strong>de</strong>ita a per<strong>de</strong>r“I’m Still Here”. Para o bem e para omal, a exigência <strong>de</strong> concentração queo cinema coloca, pela própria naturezado seu dispositivo, não se compa<strong>de</strong>cecom a estrutura mais fluida aque nos habituámos na televisão e nainternet. O gran<strong>de</strong> écrã presta-se, naturalmente,a formas narrativas <strong>de</strong>Em vez <strong>de</strong> fazer tudopara sustentara celebrida<strong>de</strong>,recusá-la, abandonara imagem préexistentee partirem busca <strong>de</strong> <strong>um</strong>“segundo acto”(negando, noprocesso, a afirmação<strong>de</strong> F. Scott Fitzgerald:“não existemsegundos actos nasvidas americanas”)maior fôlego, enquanto a televisãoabre espaço a formatos e construçõesmais curtas e económicas.Também por isso, “I’m Still Here”não resulta no gran<strong>de</strong> ecrã porque, àimagem dos “Borat” ou “Brüno”, sentimosque esta sucessão <strong>de</strong> episódiosautónomos não constrói <strong>um</strong> fio condutorlinear que sustente <strong>um</strong>a duração<strong>de</strong> longa-metragem. O essencialdo que aqui se joga não pe<strong>de</strong> o “larger-than-life”da sala <strong>de</strong> cinema, massim o permanente bombar<strong>de</strong>amentoinformativo que permeia o nosso quotidianonos ecrãs do televisor, do computador,do telemóvel. Affleck e Phoenixnão compreen<strong>de</strong>ram que o seuprojecto, pela sua própria natureza,era algo mais multimediático, que viviano constante limbo <strong>de</strong> r<strong>um</strong>ores eincertezas do ciclo noticioso <strong>de</strong> 24horas do que na limitação do gran<strong>de</strong>écrã. Não porque este tipo <strong>de</strong> experiênciasnão tenha espaço no cinema,apenas porque se sente que quer anatureza quer o pormenor do seuprojecto não foram pensadas às últimasconsequências.Não por acaso, a produtora formadapor Affleck e Phoenix para efeitosdo filme chama-se They Are Going ToKill Us Productions – como quem sabeà partida que o resultado vai fazêlosser “persona non grata” junto do“establishment” que se preten<strong>de</strong> satirizar.Mas a maior <strong>de</strong>cepção <strong>de</strong> “I’mStill Here” não é que o filme fiqueaquém dos seus propósitos: é que,enquanto a dúvida sobre a sua veracida<strong>de</strong>existia, o lema <strong>de</strong> Andy Kaufmansobre “testar o modo como osoutros lidam com a realida<strong>de</strong>” faziatodo o sentido. A partir do momentoem sabemos que nada é verda<strong>de</strong>, comose po<strong>de</strong> <strong>de</strong>safiar o espectador alidar com <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> que nãoexiste?Casey Afflecke o seu actorROBERT GALBRAITH/ REUTERSÍpsilon • Sexta-feira 17Dezembro em2010• 31


Um cineasta inglês vaià Transilvânia rodar <strong>um</strong>ahistória <strong>de</strong> vingança <strong>de</strong>mulher influenciada por...Paradjanov e CharlesLaughton? Peter Stricklan<strong>de</strong>xplica que “Katalin Varga”é, no melhor sentido dapalavra, <strong>um</strong> filme amador.Jorge MourinhaO elogiodo amadorPeterStrickland,realizadorFaz agora dois anos, “Katalin Varga”era <strong>um</strong> ovni que não surgia em nenh<strong>um</strong>radar cinéfilo ou cinematográfico:<strong>um</strong>a primeira longa rodada naTransilvânia por <strong>um</strong> realizador inglêsestreante e financiada por <strong>um</strong>a herança<strong>de</strong> família, que <strong>de</strong>pois ficoudois anos e meio à <strong>espera</strong> que alguéminvestisse o dinheiro necessário paraa pós-produção.Depois, houve a selecção para acompetição do festival <strong>de</strong> Berlim 2009– e, diz Strickland ao telefone ao Ípsilon,“foi muito estranho. Andámostanto tempo a ser ignorados e <strong>de</strong>poisaterramos em Berlim e recebemos<strong>um</strong>a avalanche <strong>de</strong> atenção...”“Katalin Varga” saiu <strong>de</strong> Berlim como prémio <strong>de</strong> melhor contribuição artística(entregue ao <strong>de</strong>sign <strong>de</strong> som <strong>de</strong>Gabor Er<strong>de</strong>lyi e Tamas Székely), e oestatuto <strong>de</strong> surpresa do festival e aaclamação da crítica colocaram o filme,que estreia esta semana a Portugal,no mapa. Nick James, editor darevista inglesa “Sight & Sound”, escreveua seu respeito que “Stricklandtem o potencial <strong>de</strong> se tornar n<strong>um</strong> dosnossos melhores cineastas”.Strickland, 37 anos, natural <strong>de</strong> Rea-ding, autor <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as curtasmetragense ex-membro dogrupo musical Sonic Cate-ring Band, reconhece queexiste <strong>um</strong> <strong>novo</strong> floresci-mento do cinema inglês– mas do qual não se sentepróximo. “Sobretudo nosúltimos dois anos, tem ha-vido gente que fez coisaspessoais – Gi<strong>de</strong>on Ko-ppel, o casal Joe Lawlor/Christine Molloy, SteveMcQueen... E se pensarmoscomo o cinemainglês era horrível nosanos 1990, com o GuyRitchie e toda essagente, agora pareceter regressado <strong>um</strong>cinema mais pessoal– com a tecno-logia a ficar mais acessível, existe <strong>um</strong>apossibilida<strong>de</strong> muito séria das pessoaspo<strong>de</strong>rem propor projectos mais pessoaise conseguir financiá-los. Ditoisto, não sinto especial parentesco comos outros – gosto <strong>de</strong> ver o que eles fazem,mas nunca me senti parte <strong>de</strong> nenh<strong>um</strong>grupo, nunca fui para os coposcom outros realizadores...”“Uso a palavraamador tambémpor raiva, por causado snobismo queexiste na indústriaà volta da palavra‘profissional’, quesempre me transmitiu<strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> frieza...Por isso, que se lixem,somos amadores”Que se lixem...A verda<strong>de</strong> é que Strickland está “àparte” dos seus compatriotas. Por <strong>um</strong>lado, “Katalin Varga”, história da vingança<strong>de</strong> <strong>um</strong>a mulher que se revoltacontra o seu lugar n<strong>um</strong>a Transilvâniarural e patriarcal, não teve financiamentoinglês. “Quase o tive, mas assimque ouviram que o filme ia serfalado em húngaro ficaram chocados,disseram que tinha <strong>de</strong> ser falado eminglês – e isso nunca me tinha passadopela cabeça. Isto não é futebol,isto é cinema – <strong>um</strong> filme não tem <strong>de</strong>ter forçosamente <strong>um</strong>a nacionalida<strong>de</strong>,e do modo como o mundo está hojeem dia, tão fluido, o filme não tem <strong>de</strong>ser húngaro ou romeno ou inglês. Ofilme é o que é.”Por outro, as influências ass<strong>um</strong>idasnão vêm em nada do cinema inglês– Strickland fala entusiasmado do georgianoSerguei Paradjanov e sobretudo<strong>de</strong> “Sombras dos AntepassadosEsquecidos” (1964), pela sua capacida<strong>de</strong><strong>de</strong> sintetizar e amalgamar tradiçõesfolclóricas n<strong>um</strong> todo visionário,mas cita também “A Sombra do Caçador”(1955), o único filme dirigidopor Charles Laughton.“Uma das coisas <strong>de</strong> que mais gostono Quentin Tarantino é o entusiasmoque ele tem por nomes que cost<strong>um</strong>amestar nas margens da história do cinema.Adoro que os cineastas façamquestão <strong>de</strong> citar as suas influências– não tenho nada contra o Scorsese,mas há mais cineastas para lá <strong>de</strong>le!Há tantas i<strong>de</strong>ias a flutuar no cinemaque nunca são aproveitadas... Porexemplo, no cinema experimental,os filmes do Stan Brakhage ou do JordanBelson são impenetráveis, mastêm i<strong>de</strong>ias espantosas que ainda nãoforam usadas no cinema ‘mainstream’.Se olharmos para os Sonic Youth,eles pegaram em i<strong>de</strong>ias da vanguardamusical e usaram-nas na música rock– porque não po<strong>de</strong>mos nós pegar emelementos do cinema marginal e usálosno ‘mainstream’?”Seja como for, há algo que Stricklandreivindica: o seu amadorismo.Os 17 dias <strong>de</strong> rodagem <strong>de</strong> “Katalin Varga”(“<strong>um</strong> momento mágico, a melhormemória do filme”) foram suportadospor <strong>um</strong>a herança <strong>de</strong> família e peloemprego diurno do realizador, e amontagem prolongou-se por doisanos e meio, à medida que o dinheiroaparecia e <strong>de</strong>saparecia. “Temos todosoutros empregos, mas é isto que nosalimenta, que nos faz querer sair dacama <strong>de</strong> manhã. Uso a palavra amadortambém por raiva, por causa dosnobismo que existe na indústria àvolta da palavra ‘profissional’, quesempre me transmitiu <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>frieza... Por isso, que se lixem, somosamadores. Um amador faz as coisaspor amor, e por isso uso essa palavraquase como <strong>um</strong>a medalha. Mas nãoconsigo dar <strong>um</strong> passo atrás, olhar para‘Katalin Varga’ e dizer por que éque o filme resulta. Quem sabe?”Ver crítica <strong>de</strong> filme págs.41 e segs.Os 17 dias <strong>de</strong>rodagem <strong>de</strong>“KatalinVarga” foramsuportadospor <strong>um</strong>aherança <strong>de</strong>família e peloempregodiurno dorealizador32 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


Foi Fellini queinventou os“paparazzi”em “A DoceVida”, nomeque <strong>de</strong>pois seadoptou narealida<strong>de</strong> – <strong>um</strong>mecanismo <strong>de</strong>vai-e-vementre o real e asua criaçãoque estápresente naobra dorealizadorAo contrário <strong>de</strong> autores que chegaramao cinema pela sua cinefilia, por <strong>um</strong>interesse académico ou <strong>um</strong> vincado<strong>de</strong>sejo profissional, Fe<strong>de</strong>rico Fellinisurge como <strong>um</strong> autodidacta que seguiu<strong>um</strong> gosto popular pelas imagens. Assim,a exposição “O circo das ilusões”,apresentada no CaixaFor<strong>um</strong> <strong>de</strong> Madrid,mostra-nos, por <strong>um</strong> percurso <strong>de</strong>fotografias e testemunhos <strong>de</strong> Fellini ecolaboradores, que o interesse do italianoultrapassava <strong>um</strong> mero gosto pessoal,mostrando, pelo seu toque único,a forma como o homem criou <strong>um</strong>aplataforma para fantasiar os seus heróise reviver os seus <strong>de</strong>sejos na projecçãodas imagens.“As várias temáticas do séc. XX estãopresentes no cinema <strong>de</strong> Fellini”,diz-nos Sam Stourdzé, comissário daexposição sobre o realizador italiano,“a questão mediática, a imprensa etelevisão, a representação. Para ele,a cultura popular é <strong>um</strong>a fonte <strong>de</strong> inspiração,algo que vai das novelas gráficasao rock’n’roll, passando pelosjantares <strong>de</strong> rua, os <strong>de</strong>sfiles e as paradas<strong>de</strong> circo”, afirma. “Fellini alimenta-se<strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong> e, através do seuprocesso criativo muito particular,transforma-a e coloca-a em cena nosseus filmes.”Na exposição, os inícios <strong>de</strong> Fellinisão mostrados por <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> cari-Eu soucaturas feitas para jornais: as diferençasentre sexos e as suas formas exageradas,o tom cómico da postura dasestrelas do entretenimento contra odia-a-dia do homem com<strong>um</strong>. Na verda<strong>de</strong>,são os primeiros resultadoscriativos da observação <strong>de</strong> Fellini sobreo que alimenta o olhar do homem,através do seu interesse pelo formatoda BD (e o seu herói Mandrake). Orealizador diria <strong>de</strong>sses tempos:“Aprendi a essência da comédia coma banda <strong>de</strong>senhada.”A realida<strong>de</strong> e as suas ilusõesMas é na escrita que Fellini viria a <strong>de</strong>senvolver<strong>um</strong>a vertente mais incisivada sua observação <strong>de</strong> personagens ecost<strong>um</strong>es. Ao mudar-se da sua Rimininatal para Roma (a fuga <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>sperdício<strong>de</strong> vida retratada em “Os Inúteis”,<strong>de</strong> 1953), irá passar do <strong>de</strong>senhopara funções editoriais em publicações,algo que abrirá as portas da escritaromana e permitir chegar, maistar<strong>de</strong>, à escrita para cinema. É aí queconhece Roberto Rossellini, seu mestree protector, <strong>de</strong> quem será co-arg<strong>um</strong>entistaem “Roma, Cida<strong>de</strong> Aberta”(1945), “Libertação” (“Paisà”, 1946)— obras-primas do neo-realismo italiano—, e também actor em “Il Miracolo”(1948) com Anna Magnani. Com Rossellini,afirmará ter encontrado o<strong>um</strong>fellini“Fe<strong>de</strong>rico Fellini: o circo das ilusões” é“o pretexto i<strong>de</strong>al para falar da segunda meta<strong>de</strong>do séc. XX”, diz Sam Stourdzé, comissário daexposição apresentada no CaixaFor<strong>um</strong><strong>de</strong> Madrid. Retrato <strong>de</strong> <strong>um</strong>a obra que nosrevela como existimos enquantoespectadores. Francisco Valente, em MadridÍpsilon • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • 33


seu meio <strong>de</strong> expressão no cinema,a plataforma i<strong>de</strong>al para criar a sua projecçãoda realida<strong>de</strong>.Dentro <strong>de</strong>ssa matriz, cria, durantea década <strong>de</strong> 50, filmes cujos contextossociais não estarão longe dos da durarealida<strong>de</strong> italiana, em que a sua tocantecapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>espera</strong>nça e revalidaçãoespiritual perante as dificulda<strong>de</strong>saproximam-no <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vertentecatólica do movimento. Contudo, seráainda neles que Fellini começará aser contestado como <strong>um</strong> dissi<strong>de</strong>nte eacusado, nas palavras do arg<strong>um</strong>entistae teórico Cesare Zavattini (n<strong>um</strong> testemunhopresente na exposição), <strong>de</strong><strong>de</strong>struir o neo-realismo ao abdicar <strong>de</strong>qualquer análise política em “A Estrada”(1954), obra-prima que revela oenorme talento cómico da sua mulher,Giuletta Masina, n<strong>um</strong> filme focado nas<strong>de</strong>sventuras <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vertente pobre eru<strong>de</strong> do espectáculo <strong>de</strong> rua. “Existetoda <strong>um</strong>a ambiguida<strong>de</strong> no cinema <strong>de</strong>Fellini”, diz-nos Sam Stourdzé, “alguémformado na escola do neo-realismoe que trabalhará durante <strong>de</strong>zanos com todas as suas figuras. Maspor fim, acabará por guardar <strong>um</strong>a relaçãoambígua com a realida<strong>de</strong>.”O interesse <strong>de</strong> Fellini, mais do quen<strong>um</strong> mero retrato <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vivêncialigada a <strong>um</strong> contexto histórico e político,estará no fascínio do olhar h<strong>um</strong>anopelas formas <strong>de</strong> celebração doprazer e do entretenimento, tanto nosseus espectáculos como na recriaçãomediática <strong>de</strong> imagens para o olharpúblico — algo logo anunciado em “OSheik Branco” (1952), o seu primeirofilme (a história <strong>de</strong> <strong>um</strong>a jovem perdidaem Roma que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> conhecer arealida<strong>de</strong> por trás da sua estrela preferida),e que atinge o seu ponto altoem “A Doce Vida” (1960).Para Stourdzé, Fellini surge nessefilme como “o observador privilegiadodo período da vida romana entre1950 e 1960, em que as maiores ve<strong>de</strong>tasmundiais <strong>de</strong> cinema vivem emRoma e os fotógrafos vêm fotografálasn<strong>um</strong> ambiente <strong>de</strong> <strong>de</strong>boche e festapermanente.” Através da imprensada época apresentada na exposição,vemos que vários episódios do filmesão retirados da realida<strong>de</strong> romana: opasseio <strong>de</strong> Jesus-Cristo <strong>de</strong> helicópterosobre a cida<strong>de</strong>, <strong>um</strong>a sessão fotográfica<strong>de</strong> Anita Ekberg na Fonte <strong>de</strong> Trevi,o polémico striptease <strong>de</strong> <strong>um</strong>a actrizno bar “Rugantino”, ou os casos <strong>de</strong>aparições milagrosas nos arredoresda cida<strong>de</strong>. N<strong>um</strong>a das cenas mais marcantes,Fellini reproduz a coberturatelevisiva <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>sses falsos milagres,o retrato da agitação e do circomediático <strong>de</strong> <strong>um</strong>a imagem que secomprova inexistente. O realizadormarca, então, o absurdo do fascínioh<strong>um</strong>ano por ilusões fictícias, validadaspor <strong>um</strong>a plataforma mediáticaque <strong>de</strong>fine, no seu vazio, a <strong>nossa</strong> percepçãoda realida<strong>de</strong>.Para Stourdzé, “Fellini alimenta-sedirectamente da realida<strong>de</strong> para criaras suas personagens e as cenas dosfilmes, sendo que a sua criação acabapor ultrapassar a realida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>poisalimentá-la <strong>de</strong> <strong>novo</strong>.”Um caso paradigmático do retornodo espectáculo felliniano sobre a vidaé a adopção do termo “paparazzi”.“No caso dos ‘paparazzi’, foi Fellinique os colocou no filme com esse nomee que <strong>de</strong>pois se adoptou na realida<strong>de</strong>.É <strong>um</strong> mecanismo <strong>de</strong> vai-e-vementre a realida<strong>de</strong> e a sua criação.”O interesse pela agressivida<strong>de</strong> dos“paparazzi” como centro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a indústria<strong>de</strong> ilusões revelou-se tambémno interesse pela sua estética. “FelliniPara ele, a culturapopular é <strong>um</strong>a fonte<strong>de</strong> inspiração,algo que vai dasnovelas gráficasao rock’n’roll,passando pelosjantares <strong>de</strong> rua,os <strong>de</strong>sfilese as paradas <strong>de</strong> circo”Sam Stourdzé,comissáriotinha <strong>um</strong> fascínio pela criação da estética<strong>de</strong> fotografias roubadas queaparece então nos fotógrafos em Roma,<strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>ira revolução quequebrou todos os códigos”, diz o comissário.A personagem fellinianaDesencantado com a sua realida<strong>de</strong>, àsemelhança das suas personagens,Fellini vê-se perdido e <strong>de</strong>sinspirado.A partir daí, inaugura o que Stourdzéapelida <strong>de</strong> “<strong>um</strong> cinema mais introspectivo,<strong>um</strong> mundo fantasista e imaginárioque qualificamos <strong>de</strong> ‘felliniano’”.“8 1/2” (1963), o filme que vemda crise, acabou por ser a tábua <strong>de</strong>salvação pessoal do realizador, obraprimaon<strong>de</strong> irá expor as dúvidas sobreo seu papel na vida e no cinema, colocandosonho e realida<strong>de</strong> no mesmoplano. Mastroianni, o seu alter-ego, éo veículo <strong>de</strong> Fellini como estrela dosseus próprios filmes, ro<strong>de</strong>ado das projecçõesque irão criar <strong>um</strong> cinema <strong>de</strong>visões fora <strong>de</strong> qualquer tempo.Começa então o <strong>de</strong>sfile das suaspersonagens, o espelho das fantasiasdo realizador e das suas i<strong>de</strong>alizaçõesdramáticas. Na exposição, testemunhamosas cartas e os rostos <strong>de</strong> milhares<strong>de</strong> pessoas chamadas por Fellinie que seriam mais tar<strong>de</strong> escolhidaspara as participações nos seus filmes.O realizador recebe-as no seu estúdio,enquanto estas tentam comprovar oque dizem pela sua aparência: “eu sou<strong>um</strong> Fellini”. Segundo Stourdzé, “sabemosque, nos filmes, existem <strong>um</strong>asérie <strong>de</strong> personagens fellinianas, masnão sabíamos que as personagensexistiam, a esse ponto, na realida<strong>de</strong>,e que iam ter espontaneamentecom Fellini.” Daí, o cineastaimporá a sua direcção: <strong>um</strong>a psicologiaunicamente reflectidan<strong>um</strong>a marcada caracterização e<strong>um</strong>a interpretação focada nasexpressões faciais e corporais.É a montagem final do circofelliniano, vista nas experiênciasalucinogénias <strong>de</strong> “Julietados Espíritos” (1965), na recriaçãobarroca <strong>de</strong> “Fellini - Satyricon”(1969), no <strong>de</strong>sfile <strong>de</strong>“Roma” (1972) ou na recriação<strong>de</strong> memórias em“Amarcord” (1973) — Fellinibuscando outra dimen-Váriosepisódios <strong>de</strong>“A Doce Vida”foramretirados darealida<strong>de</strong>romana: opasseio <strong>de</strong>Jesus-Cristo<strong>de</strong> helicópterosobre Roma,Anita Ekbergna Fonte <strong>de</strong>Trevi (foto), ostriptease <strong>de</strong><strong>um</strong>a actriz nobar“Rugantino”...são, visões que parecem vir da viagem<strong>de</strong> G. Mastorna, a história do homemque <strong>de</strong>scobriu o além e que Fellininunca conseguiu adaptar ao cineman<strong>um</strong> filme só.Dentro <strong>de</strong>sse universo, a exposiçãodá <strong>de</strong>staque a <strong>um</strong>a das obsessões dorealizador: a mulher felliniana, <strong>um</strong>aalternância entre a mulher doce e <strong>um</strong>corpo animalesco. “‘A Cida<strong>de</strong> das Mulheres’(1980) é <strong>um</strong> filme <strong>de</strong>le quepassou <strong>de</strong>spercebido”, diz Stourdzé,“mas é on<strong>de</strong> vemos Fellini a mostrarsemuito, alguém cuja obsessão cinematográficaé refazer o mesmo filme,mas dando sempre à mulher <strong>um</strong> lugaressencial.” As formas super-h<strong>um</strong>anasdas mulheres <strong>de</strong> Fellini (<strong>de</strong>senhadasnos esboços dos seus sonhos por sugestãodo seu psicanalista) encontrarama sua personificação i<strong>de</strong>al emAnita Ekberg, actriz <strong>de</strong> “A Doce Vida”,e mais tar<strong>de</strong> exploradas nas figuras<strong>de</strong> mulheres maternais, amantes ouprostitutas. Segundo Fellini: “A prostitutaé o contraponto essencial damãe italiana. Não se po<strong>de</strong> conceber<strong>um</strong>a sem outra.” O seu papel masculinoseria posteriormente confessadono rídiculo <strong>de</strong> “Casanova” (1976), <strong>um</strong>homem que não consegue amar asmulheres por amar, por sua vez, <strong>um</strong>aimagem que criou <strong>de</strong>las.Fellini, hojeO espectáculo das imagens <strong>de</strong> Fellininão marcou apenas as possibilida<strong>de</strong>sda expressão cinematográfica, mastambém <strong>um</strong> reconhecido público quesempre se alimentou da sua fantasia.Contudo, e por os seus filmes serem,como poucos, encenações pessoais<strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vida, a sua influêncianoutros autores ainda se mostra difícil<strong>de</strong> clarificar. Um resultado trágicoe fértil da adopção do seu universorevelou-se em “Nove” (2009) <strong>de</strong> RobMarshall, recriação musical <strong>de</strong> “8 1/2”.“Trata-se mais <strong>de</strong> <strong>um</strong>a recriação históricaque pega na comédia musicalfeita na Broadway”, diz Stourdzé. “Ésempre difícil fazer remakes, sobretudofilmes tão majestosos e complicadoscomo ‘8 1/2’, ou tentar transformá-lon<strong>um</strong> sucesso popular <strong>de</strong>2010.” Quanto à influência noutrosrealizadores: “Begnini cresceu com apresença <strong>de</strong> Fellini mas o seu cinemanão é exactamente felliniano, tal comoo lado barroco <strong>de</strong> Almodóvar émais espanhol que italiano. Julgo quenão encontraremos a herança <strong>de</strong> Fellinin<strong>um</strong> só cineasta, mas sentimosque, em todos eles, houve <strong>um</strong> momentoem que <strong>um</strong> filme <strong>de</strong> Fellini osmarcou particularmente, como ‘81/2’, ‘A Doce Vida’, ‘Roma’, ou filmesmais académicos como ‘A Estrada’.São obras que marcaram a história docinema.”Um dos realizadores mais interessantesda actualida<strong>de</strong>, o tailandêsApichatpong Weerasethakul, vencedorda Palma <strong>de</strong> Ouro <strong>de</strong>ste ano, afirmourecentemente à revista britânica“Sight & Sound” a sua admiração porFellini, cuja cassete <strong>de</strong> “8 1/2” viu repetidamentenos seus inícios. “É verda<strong>de</strong>que a sua relação com o onirismoencontra-se sempreancorada n<strong>um</strong>a certarealida<strong>de</strong>, tal como Fellini”,afirma Stourdzé.“Os seus filmes surgemsempre na forma <strong>de</strong> <strong>um</strong>afábula, remexendo-a entreo doc<strong>um</strong>entário e aficção, <strong>de</strong> forma ténue,através do sonho.” Umafórmula que ainda se encontrarána base da arteque melhor encarna a expressãodos nossos sonhos,e à qual Fellinisoube dar <strong>um</strong>a efusiva,sentida e tocante representaçãoda vida.34 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


E nos cofres nasceram sementesCódigos, fechaduras que só se abrem com duas chaves – a sala dos cofres do edifício do BNU,na Baixa lisboeta, vai abrir hoje como o <strong>novo</strong> espaço <strong>de</strong> exposições do MUDE. On<strong>de</strong> até há poucoesteve dinheiro estão agora sementes. Alexandra Prado Coelho (texto) e Enric Vives-Rubio (fotografia)No dia em que choveu tanto que aBaixa <strong>de</strong> Lisboa inundou, os donosdos restaurantes andavam aflitos atentar salvar ca<strong>de</strong>iras e mesas, a retirarágua com a ajuda <strong>de</strong> bal<strong>de</strong>s, e afalar para a televisão, lamentando osestragos. Ali ao lado, na Rua Augusta,longe das câmaras <strong>de</strong> televisão, alg<strong>um</strong>aspessoas entravam noutra cave.Mas o que vinham era muito diferente,e não tinha nada a ver com a inundação– alg<strong>um</strong>as saíam da cave comdinheiro, outras com jóias, outrascom objectos <strong>de</strong> valor, doc<strong>um</strong>entosimportantes, outras com coisas cujovalor só elas percebiam.Raras vezes a sala dos cofres do antigoedifício do Banco Nacional Ultramarinotinha assistido a tanta azáfama.Mas naquele dia do final <strong>de</strong> Outubrochegava ao fim <strong>um</strong> ciclo, e a Caixa Geral<strong>de</strong> Depósitos, ainda utilizadora doespaço, comprometera-se a esvaziá-loe a entregá-lo aos <strong>novo</strong>s proprietários,a Câmara Muncipal <strong>de</strong> Lisboa e o Museudo Design e da Moda (MUDE).Hoje a sala forte, <strong>de</strong> grossas portascom códigos que têm que ser introduzidosà mão e que permitem rodaras gran<strong>de</strong>s manivelas, a sala que guardoutantas riquezas e segredos, reabrecom os cofres novamente cheios– só que <strong>de</strong>sta vez não terão dinheiro,títulos do Tesouro ou barras <strong>de</strong> ouro.Desta vez vão ter sementes.“Sabendo que a Caixa iria sair, começámosa pensar como é que reabriríamosos cofres”, conta BárbaraCoutinho, a directora do MUDE. “Comjoalharia, moda, peças mais espectaculares<strong>de</strong> <strong>de</strong>sign? Pareceu-nos queeste lugar exigia da <strong>nossa</strong> parte <strong>um</strong>aafirmação mais forte.” O que é quehoje tem tanto valor como o dinhei-O que é que hojetem tanto valorcomo o dinheiro?O que é que é tãoimportante quemereça ser guardadon<strong>um</strong> cofre? Foi comperguntas comoestas que BárbaraCoutinho chegouà i<strong>de</strong>ia das sementese à exposição quehoje inauguraHoje a salaforte, <strong>de</strong>grossasportas comcódigos quetêm que serintroduzidos àmão, a salaque guardoutantasriquezas esegredos,reabre com oscofresnovamentecheios – só que<strong>de</strong>sta vez nãoterão dinheiroÍpsilon • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • 35


o? O que é que é tão importanteque mereça ser guardado n<strong>um</strong> cofre?Foi com perguntas como estas queBárbara Coutinho foi chegando à i<strong>de</strong>iadas sementes e à exposição que hojeinaugura, “Sementes Valor Capital”(até 20 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 2011).Dois homens, duas chavesMas antes <strong>de</strong> a explicarmos melhor,vamos conhecer a sala dos cofres.Quem nos guia é António Carneiro,funcionário da Caixa, que trabalhouaqui durante perto <strong>de</strong> dois anos, masque conhece há muito esta sala paraon<strong>de</strong> vinha muitas vezes substituir, nasférias, o colega que aqui trabalhava.Quem <strong>de</strong>scia as escadas <strong>de</strong>paravaem primeiro lugar com <strong>um</strong>a porta <strong>de</strong>vidro com elegantes gra<strong>de</strong>s <strong>de</strong> metal.Passada essa porta, n<strong>um</strong>a pequenamesa estava António Carneiro. Ocliente tinha já sido i<strong>de</strong>ntificado lá emcima, à entrada, mas ali voltava ai<strong>de</strong>ntificar-se, e seguiam então, clientee funcionário, cada <strong>um</strong> segurandoa sua chave, para a sala dos cofres.Pare<strong>de</strong>s e chão são <strong>de</strong> mármoreesver<strong>de</strong>ado. A luz vem <strong>de</strong> quadradosl<strong>um</strong>inosos encastrados no tecto. Tudoé rigoroso. Metálico. Ao fundo há<strong>um</strong> relógio negro e quatro portas comjanelas redondas – como se fossemsalas <strong>de</strong> interrogatório <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a políciasecreta do Leste da Europa. Eraaí que os clientes “podiam ter maisprivacida<strong>de</strong>, para contar os Títulosdo Tesouro ou ver doc<strong>um</strong>entos”, explicaAntónio Carneiro.A porta imensa da sala dos cofres,ao lado esquerdo <strong>de</strong> quem entra, estavaaberta <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, <strong>de</strong> manhã cedo,António chegava e introduzia ocódigo. Havia clientes habituais. “Osdonos das casas <strong>de</strong> penhores vinhamtodos os dias. Alguns tinham aqui<strong>um</strong>a série <strong>de</strong> cofres”.Dois homens, duas chaves. A salados cofres reluz. Al<strong>um</strong>ínio a toda aaltura. 3500 cofres, cada <strong>um</strong> com doispequenos olhos – as fechaduras paraas duas chaves. Depois o cliente retiravaa caixa que se encontrava nointerior e sentava-se n<strong>um</strong>a das mesasa ver o conteúdo. António afastava-sediscretamente.A história do BNUA segurança aqui era absoluta. Quandoencomendou a casa-forte à empresabritânica Chubb, em 1964, por ocasiãodas obras que realizou no edifíciopara celebrar o seu centenário, o BNUquis o melhor: segurança, elegância,sofisticação. “Este é <strong>um</strong> lugar absolutamentesingular a nível internacional”,escreve Bárbara Coutinho n<strong>um</strong>texto <strong>de</strong> apresentação, “<strong>um</strong> exemplo<strong>de</strong> bom <strong>de</strong>sign que vamos preservarna sua integrida<strong>de</strong> e que abrimos agoraao público, tornando-o acessível atoda a cida<strong>de</strong> e a quem a visita.”Passada a porta gran<strong>de</strong> do cofre,existe à direita outra porta que dáacesso à zona <strong>de</strong> cofres maiores. “Sãocofres tipo dispensa, mais usados pelosmarchands <strong>de</strong> arte para guardarquadros ou peças <strong>de</strong> arte”, diz António.À esquerda, outra porta. “Aqui<strong>de</strong>positavam os vol<strong>um</strong>es”. Os clientestraziam as caixas – louças <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>valor, espólios <strong>de</strong> artistas – e <strong>de</strong>ixavam-nasnas prateleiras.Aí <strong>de</strong>ntro, na pare<strong>de</strong>, há mais <strong>um</strong>amanivela que abre <strong>um</strong>a pequena porta(há outra equivalente no lado dos cofresusados pelos marchands). É <strong>um</strong>asaída <strong>de</strong> emergência para quem, eventualmente,ficasse fechado na sala-forte.Não se dá por nada para, mas escon<strong>de</strong>ressas saídas, vinte dos cofres dapare<strong>de</strong> da sala-forte são falsos.Atravessamos a sala principal, saímospor <strong>um</strong>a portinha ao fundo eAntónio conduz-nos agora a <strong>um</strong>a zonaescura, on<strong>de</strong>, por entre cabos emaquinaria, se vê a entrada <strong>de</strong> maisalguns antigos cofres do tamanho <strong>de</strong>pequenas divisões <strong>de</strong> <strong>um</strong>a casa. Eraaqui que estavam guardados os valorespertencentes ao Estado, e reservas<strong>de</strong> ouro e bens das antigas colónias(o MUDE vai aproveitá-las como salas<strong>de</strong> reservas para as colecções <strong>de</strong> moda).O BNU, criado em 1864, foi durantemuitos anos o banco emissor<strong>de</strong> moeda para todas as provínciasultramarinas e tinha <strong>de</strong>pendênciasem África, na Índia, em Macau, e tambémem Londres e Paris.Abrindo os cofres como espaço <strong>de</strong>exposições, Bárbara Coutinho quervalorizar essa história. “Há aqui <strong>um</strong>ariqueza patrimonial que espelha a<strong>nossa</strong> história recente, a história dafinança e da própria Baixa. Percebe-seaqui a tercialização da Baixa, a importânciados bancos e do próprio BNU,sobretudo entre os anos 30 e os anos70 [o banco foi nacionalizado em 1974e em 1988 a Caixa Geral <strong>de</strong> Depósitostornou-se o principal accionista].”Des<strong>de</strong> a primeira hora que a intençãofoi a <strong>de</strong> preservar a sala dos cofres,“transformando-a n<strong>um</strong> lugar que contassea própria história, não <strong>de</strong> <strong>um</strong>aforma didáctica mas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a formamais plástica, <strong>um</strong> lugar que servissecomo <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> jóia da coroa”.António Carneiro conduz-nos agorapor <strong>um</strong> labirinto – <strong>um</strong> corredorlongo e estreito, <strong>um</strong> caminho <strong>de</strong> rondaque permite dar a volta a toda azona dos cofres. Olhamos para o fundoe os corredores parecem-nos intermináveis,mas é <strong>um</strong>a ilusão causadapelos espelhos colocados em cadaesquina e que nos permitem ver quemvem atrás <strong>de</strong> nós mesmo quando apessoa ainda não dobrou a esquina.Percorremos o caminho <strong>de</strong> rondaaté sairmos mais <strong>um</strong>a vez na entradaprincipal para a zona dos cofres. Atrás<strong>de</strong> nós, na escadaria, está outro pedaçoda história do edifício que durantealg<strong>um</strong> tempo a própria Bárbara Coutinhonão sabia que estava ali. “Sabíamosque este painel existia, tínhamosvisto imagens <strong>de</strong>le, mas não tínhamosa certeza <strong>de</strong> on<strong>de</strong> estaria.”Estava aqui, atrás <strong>de</strong> <strong>um</strong>a pare<strong>de</strong>falsa que terá sido feita durante asobras <strong>de</strong> <strong>de</strong>molição do interior doedifício (que, em 2007, na altura daprimeira visita <strong>de</strong> Bárbara Coutinho,antes <strong>de</strong> a CML o ter comprado parainstalar o MUDE, estava n<strong>um</strong> estado<strong>de</strong> “abandono e ruína”). O painel apareceagora em toda a sua glória. É <strong>um</strong>apeça do pintor Guilherme Camarinha(1913-1994) em mosaico Donà, <strong>de</strong> Murano,que conta a Epopeia dos DescobrimentosMarítimos. Do lado esquerdo,do pequeno rectângulo querepresenta Portugal, partem caravelas,n<strong>um</strong> movimento que parece o <strong>de</strong><strong>um</strong>a banda <strong>de</strong>senhada, avançandopara a direita do painel, à medida queos navegadores avançam pelo mundo,encontram <strong>novo</strong>s povos, trocamofertas e conhecimentos. Quando apare<strong>de</strong> falsa saiu, o trabalho <strong>de</strong> Camarinhaestava impecável – e, aqui eali, a folha <strong>de</strong> ouro que cobre algunsdos mosaicos continua a brilhar.Sementes em riscoSementes, portanto. Os últimos dias<strong>de</strong> Outubro foram os da saída do dinheiro,das barras <strong>de</strong> ouro, dos valores.A semana que passou foi a da entradadas sementes (500 varieda<strong>de</strong>s),que estarão expostas em caixas <strong>de</strong>acrílico mandadas fazer especialmentepara caberem <strong>de</strong>ntro dos cofres.O MUDE teve dois parceiros principaispara a exposição – in<strong>espera</strong>dos sepensarmos que este é <strong>um</strong> museu <strong>de</strong><strong>de</strong>sign e moda: o Banco Português <strong>de</strong>Germoplasma Vegetal (BPGV) e a AssociaçãoColher para Semear – Re<strong>de</strong>Portuguesa <strong>de</strong> Varieda<strong>de</strong>s Tradicionais.São eles que fornecem as sementespara a exposição. Quando os contactoupela primeira vez, BárbaraCoutinho fez <strong>de</strong>scobertas que a surpreen<strong>de</strong>ram.Tinha <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início aintenção <strong>de</strong> mostrar não as sementesmais exóticas, mas as mais banais, <strong>de</strong>alimentos comuns. E percebeu queestas são raras. “Pensei que cada sementeexistisse em gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>mas não é assim. As associações explicaram-meque daquela semente sóTapado durante vários anos,<strong>um</strong> painel do pintor GuilhermeCamarinha (1913-1994) emmosaico Donà, <strong>de</strong> Murano, queconta a Epopeia dos DescobrimentosMarítimos, apareceagora em todo o seu esplendor“Hoje a prática<strong>de</strong> guardar sementesestá praticamente<strong>de</strong>saparecida”,lamenta. A maiorparte dos agricultoresusa sementeshíbridas, as que seven<strong>de</strong>m nas lojas eque, explica GraçaRibeiro da Colherpara Semear, exigemprodutos químicospara crescerem, e têm<strong>um</strong> ciclo <strong>de</strong> vida maiscurto. “Ao fim <strong>de</strong> <strong>um</strong>aou duas gerações jánão po<strong>de</strong>m serutilizadas, enquantoas das varieda<strong>de</strong>stradicionaissobrevivem muitotempo e era isso quegarantia antigamentea in<strong>de</strong>pendência dosagricultores”tinham <strong>de</strong>terminada quantida<strong>de</strong>.”É precisamente isso, confirma GraçaRibeiro da Colher para Semear. Aassociação in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, que existe<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2006, procura os agricultoresmais antigos, aqueles que ainda têmsementes das varieda<strong>de</strong>s tradicionaisportuguesas. “Hoje a prática <strong>de</strong> guardarsementes está praticamente <strong>de</strong>saparecida”,lamenta. A maior parte dosagricultores, sobretudo os mais jovens,usa sobretudo sementes híbridas,as que se ven<strong>de</strong>m nas lojas e que,explica Graça, exigem produtos químicospara crescerem, e têm <strong>um</strong> ciclo<strong>de</strong> vida mais curto. “Ao fim <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ouduas gerações já não po<strong>de</strong>m ser utilizadas,enquanto as das varieda<strong>de</strong>stradicionais sobrevivem muito tempoe era isso que garantia antigamente ain<strong>de</strong>pendência dos agricultores”.A experiência do Banco <strong>de</strong> Germoplasma(integrado no Ministério daAgricultura) é mais antiga. Nasceu em1977 e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então tenta também recolhero maior número possível <strong>de</strong>espécies e <strong>de</strong> varieda<strong>de</strong>s. “Gran<strong>de</strong>parte dos materiais que temos no banco[mais <strong>de</strong> 100 espécies] já não estãoem produção. Antigamente haviamuito mais agricultores a usar varieda<strong>de</strong>stradicionais do que os que existemneste momento”, afirma AnaBarata, do BPGV.A substituição das varieda<strong>de</strong>s tradicionaispelos híbridos levou a que a<strong>nossa</strong> alimentação ficasse mais limitada.“Hoje as <strong>nossa</strong>s sementes estão aser procuradas por restaurantes e chefsque promovem <strong>um</strong>a dieta mais variada”,garante Graça Ribeiro. “Actualmentea população tem <strong>um</strong>a dietamuito restrita, e isso é negativo para asaú<strong>de</strong>.” Só <strong>de</strong> feijões nacionais existem400 varieda<strong>de</strong>s. “Se for ao supermercadoencontra cinco ou seis, na melhordas hipóteses. Está a ver a perda enormeque isso representa do ponto <strong>de</strong>vista do nosso património?”Quando se pôs a investigar o assunto,Bárbara Coutinho foi-se apercebendo<strong>de</strong> cada vez mais ligações. “Assementes estão na origem do cálculoe do próprio dinheiro.” E hoje, o facto<strong>de</strong> muitas <strong>de</strong>las se estarem a tornarraras faz com que sejam preservadasem bancos como o BPGV em Portugalou como o banco financiado por BillGates na Noruega, <strong>um</strong> autênticobunker que preten<strong>de</strong> preservar a origemda vida para o caso <strong>de</strong> <strong>um</strong> cenário<strong>de</strong> catástrofe mundial.Mas cada vez mais a tendência épara a preservação das sementes insitu, ou seja na terra, on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m sercultivadas e mantidas no seu ciclo natural<strong>de</strong> vida. É isso que faz a Colherpara Semear, no seu terreno e com aajuda dos sócios, que plantam em terrenosagrícolas mas também em pequenashortas, quintais, jardins.O BPGV, que conserva muitas sementesem câmara <strong>de</strong> frio, começou tambéma seguir essa tendência. “O objectivoé tentar que os agricultores voltema produzir as varieda<strong>de</strong>s tradicionais,e eles estão abertos a isso”, diz Ana Barata.Há mesmo produtos que já renasceram,como a broa <strong>de</strong> milho <strong>de</strong> Arcos<strong>de</strong> Val<strong>de</strong>vez ou o feijão tarrestre.O MUDE organiza amanhã e domingo<strong>um</strong>a feira <strong>de</strong> produtos biológicos,com produtores que usam varieda<strong>de</strong>stradicionais e a partir <strong>de</strong> Janeiro vaiter painéis <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate “sobre <strong>um</strong> leque<strong>de</strong> assuntos que se abrem a partir daquie que entroncam em coisas tãodiferentes como a slow food.”Em Março, quando a Primavera começar,a exposição encerra, as sementesvoltarão para a terra, e oscofres que guardaram jóias, dinheiro,barras <strong>de</strong> ouro, segredos e sementes,ficarão à <strong>espera</strong> <strong>de</strong> novas riquezas –fiéis guardiões do que, na altura, oshomens acharem que é, no mundo,o valor mais importante.36 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


RETNA LTD./CORBISCormac McCarthyVinte e cinco anos <strong>de</strong>pois da publicação, “Meridiano <strong>de</strong> Sangue” (em segunda tradução <strong>de</strong>Paulo Faria) permanece <strong>um</strong> dos mais <strong>de</strong>stemperados repositórios <strong>de</strong> violência na ficçãoamericana. Pág. 38SARA MATOSKen Van<strong>de</strong>rmarkUm álb<strong>um</strong>arrasador Pág. 43B Fachada“Pra Meninos” é paraacordar adultos Pág. 43www.casino-lisboa.pt2010todas as segundas-feiras às 22h30Entrada LivreClub <strong>de</strong>s Belugas Orchestrafeat. Brenda Boykin& Anna Luca20 <strong>de</strong> DezembroVisite a página CasinoRed Carpet no Facebooke aceda a passatemposexclusivos, bilhetes paraespectáculos e muitosoutros prémios.Programa sujeito a alteraçõesInformações:info@arenalounge.ws | T: 91 635 08 38Ípsilon • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • 37


LivrosFicçãoSanguena arenaVinte e cinco anos <strong>de</strong>poisda publicação, “Meridiano<strong>de</strong> Sangue” permanece <strong>um</strong>dos mais <strong>de</strong>stemperadosrepositórios <strong>de</strong> violência naficção americana. RogérioCasanovaMeridiano <strong>de</strong> SangueCormac McCarthy(trad. Paulo Faria)Relógio D’ÁguammmmmVe<strong>de</strong> o tradutor. Épálido e malnutrido.O seu nome vem emletras pequenas, oseu cheque emalgarismos anões.Especialmente noscasos do inglês e dofrancês - querequerem especialização mínima - oprocesso <strong>de</strong> tradução segue <strong>um</strong>curso <strong>de</strong> bocejante monotonia: otradutor lê o livro, consulta odicionário, c<strong>um</strong>pre o prazo, queixasedo pagamento, volta ao princípio.Depois temos os escalões superiores,em que <strong>um</strong> impulso vocacionalprece<strong>de</strong> o acto, em que as exigências(e a competência) são maiores, emque o trabalho <strong>de</strong> sapa envolve lermais do que o livro, em que oproduto final c<strong>um</strong>pre mais do que osmínimos olímpicos. E ainda <strong>de</strong>pois -não acima, mas ao lado, n<strong>um</strong>extremo paralelo <strong>de</strong> intransigentemarginalida<strong>de</strong> - temos os animaisraros, que encaram a tradução damesma forma que os discípulos <strong>de</strong>Stanislavsky encaram arepresentação: as pessoas que nãose limitam a ler toda as fontessecundárias e a visitar todos os sítiospertinentes, mas que tambémengordam quarenta quilos ou vivemseis meses n<strong>um</strong>a gruta, conforme asnecessida<strong>de</strong>s.Paulo Faria, cuja relação com aobra <strong>de</strong> Cormac McCarthy po<strong>de</strong> sereufemisticamente qualificada como“especial”, é <strong>um</strong> dos mais curiososrepresentantes nacionais datradução pelo “Método”. Depois <strong>de</strong>“Suttree” o ter levado a Knoxville,Tennessee (on<strong>de</strong> jogou bilhar comamigos <strong>de</strong> infância do autor), nãosurpreen<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>scobrir que apesquisa para “Meridiano <strong>de</strong>Sangue” envolveu passar <strong>um</strong> ano nosudoeste americano, a aprimorarcom diligência a arte <strong>de</strong> domarcavalos e chacinar índios.Esta é, na verda<strong>de</strong>, a sua segundatradução do mesmo livro. N<strong>um</strong>RETNA LTD./CORBISprefácio tipicamente idiossincrático,sugere a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o acto setransformar n<strong>um</strong>a cerimóniaperiódica, “até que a minha palavrae a <strong>de</strong> McCarthy sejam <strong>um</strong>a só”. Ajulgar pela mais recente encenaçãodo ritual, as perspectivas sãoanimadoras. A tradução melhora aanterior, não através <strong>de</strong> ajustesdiscretos mas <strong>de</strong> tranformaçãoradical. Poucas frases permanecemiguais. Parece ter havido <strong>um</strong>aintenção <strong>de</strong>liberada <strong>de</strong><strong>de</strong>sformalizar a dicção, tornando osaMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelentecoloquialismos mais ásperos, menosafectados (talvez a única falha datradução <strong>de</strong> 2004). Um “diabos melevem” é promovido a “rais mepartam”; <strong>um</strong> “on<strong>de</strong> é quevossemecê faz tenções <strong>de</strong>”transforma-se em “adondé que ‘tása pensar”; <strong>um</strong> “Vossemecê per<strong>de</strong>usenas trevas, disse o velhote” éagora <strong>um</strong> “Per<strong>de</strong>ste-te nas trevas,disse o velho” (houve, aliás, <strong>um</strong>afirme, mas não total, purga <strong>de</strong>“vossemecês”). O balanço final dasalterações é claramente positivo,ainda que a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vírgulascontinue a exce<strong>de</strong>r a do original, eque alguns refinamentos pareçamsupérfluos, como a expansão <strong>de</strong>“mariquinhas” para “mariquinhaspé-<strong>de</strong>-salsa”.Convém salientar que osmariquinhas pé-<strong>de</strong>-salsa são a pioraudiência possível para “Meridiano<strong>de</strong> Sangue”, que permanece, vinte ecinco anos <strong>de</strong>pois da publicação, <strong>um</strong>dos mais <strong>de</strong>stemperadosrepositórios <strong>de</strong> violência da ficçãoamericana. O romance percorre o38 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


Na sua segunda tradução<strong>de</strong> “Merediano <strong>de</strong> Sangue”,Paulo Faria sugerea possibilida<strong>de</strong>, n<strong>um</strong> prefáciotipicamente idiossincrático,<strong>de</strong> o acto se transformarn<strong>um</strong>a cerimónia periódica:“até que a minha palavra e a<strong>de</strong> McCarthy sejam <strong>um</strong>a só”trilho caótico <strong>de</strong> <strong>um</strong> rapaz semnome, convenientemente chamado“o rapaz”, que nas primeiras páginasé alvejado, assaltado e encarcerado,antes <strong>de</strong> se juntar a <strong>um</strong> gangue <strong>de</strong>mercenários li<strong>de</strong>rados por JohnGlanton e pelo juiz Hol<strong>de</strong>n,contratado pelas autorida<strong>de</strong>smexicanas para exterminar osapaches que aterrorizam a região. Oprojecto é executado comexorbitante entusiasmo, e o ganguesemeia <strong>um</strong> pequeno holocausto àsua passagem, ac<strong>um</strong>ulando escalpesnão apenas <strong>de</strong> índios, mas <strong>de</strong> tudo oque mexa.Começamos brandamente,encontrando alguém “com o crâniofracturado n<strong>um</strong>a poça <strong>de</strong> sangue”, econtinuamos n<strong>um</strong>a gincanaprogressiva <strong>de</strong> cães mortos, olhosvazados, raparigas violadas,peregrinos castrados, árvores <strong>de</strong>crianças mortas, e garrafas <strong>de</strong>mescal com cabeças a boiar. Temostambém <strong>um</strong> massacre comanche:“passavam as lâminas em volta docrânio <strong>de</strong> vivos e mortos semdistinção e erguiam ao alto asperucas sanguinolentas e acutilavama esmo os cadáveres <strong>de</strong>spidos,arrancavam membros, cabeças,esventravam os estranhos torsosbrancos e seguravam nas mãosalçadas gran<strong>de</strong>s punhados <strong>de</strong>vísceras, orgãos genitais, algunsselvagens tão lambuzados <strong>de</strong> sangueque quase parecia terem-se espojadona sangueira que nem cães, e algunslançavam-se sobre os moribundos esodomizavam-nos com altos bradospara os companheiros”. Temosalg<strong>um</strong> intrépido materialenvolvendo bebés: “<strong>um</strong> dos<strong>de</strong>lawares emergiu do f<strong>um</strong>o com <strong>um</strong>bebé <strong>de</strong>spido a baloiçar <strong>de</strong> cadapunho e acocorou-se junto a <strong>um</strong>anel <strong>de</strong> pedras que <strong>de</strong>limitava <strong>um</strong>monturo e ergueu-os peloscalcanhares, primeiro <strong>um</strong>, <strong>de</strong>pois ooutro, e bateu-lhes com a cabeçacontra as pedras, <strong>de</strong> modo que osmiolos jorraram pela fontanela n<strong>um</strong>vómito sanguinolento”. Eencontramos <strong>um</strong> insólito churrascoh<strong>um</strong>ano: “tinham-lhes trespassadoos tendões dos calcanhares comlança<strong>de</strong>iras afiadas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>iraver<strong>de</strong>, e eles pendiam, cinzentos enus, acima das cinzas mortas dasbrasas on<strong>de</strong> os tinham assado até ascabeças ficarem carbonizadas e oscérebros lhes borbulharem noscrânios e o vapor lhes jorrar dasnarinas em jactos sibilantes. Viamse-lhesas línguas puxadas para forada boca e presas com pausaguçados, cravados <strong>de</strong> lado a lado, etinham-lhes cortado as orelhas eaberto rasgões no tronco com lascas<strong>de</strong> siléx, até as entranhas lhespen<strong>de</strong>rem sobre o peito”.O que fazer com tudo isto? Asinterpretações críticas <strong>de</strong> McCarthyten<strong>de</strong>m a concentrar-se na suavisível, e visivelmente circunscrita,colecção <strong>de</strong> influências retóricas (aIlíada, o Antigo Testamento, “MobyDick”, Faulkner), a especular sobredúbios alicerces filosóficos(gnosticismo, niilismo) e a encaixarnervosamente tudo o resto à sombra<strong>de</strong> <strong>um</strong> conveniente pessimismoantropológico.Um foco na prosa parecea<strong>de</strong>quado, porque apesar <strong>de</strong> algunsdifusos transportes líricos soarem asocasionais notas falsas, ela continuaa ser o gran<strong>de</strong> e incontestável trunfo<strong>de</strong> McCarthy: <strong>um</strong>a prosa <strong>de</strong>amplitu<strong>de</strong> épica, capaz <strong>de</strong> adulterarmesmerizantes cadências bíblicascom <strong>um</strong> barbudo lirismo sulista, ecapaz <strong>de</strong> inspirados momentos <strong>de</strong>observação - o cavalo que <strong>de</strong>sfalece“com <strong>um</strong> suspiro pne<strong>um</strong>ático”, osabutres “em posturas <strong>de</strong> exortação,como pequenos bispos escuros”.Visl<strong>um</strong>bram-se alguns sinais datendência para a imprecisão que seagravou nas obras mais recentes - a“carcaça <strong>de</strong> <strong>um</strong> qualquer animalmorto”, “<strong>um</strong>a qualquer criaturamisteriosa”, “<strong>um</strong>a qualquer regiãoinferior do mundo”, etc. - mas essaimprecisão parece aqui <strong>um</strong>anecessida<strong>de</strong> estrutural, a únicaforma <strong>de</strong> captar o que a narraçãochama a “<strong>de</strong>mocracia óptica” <strong>de</strong><strong>um</strong>a paisagem <strong>de</strong>solada, informe eprovisória, em que “ toda apreferência se torna fruto docapricho”.Mas qualquer diálogo sobre“Meridiano <strong>de</strong> Sangue” estácon<strong>de</strong>nado a traçar círculosconcêntricos à volta do seu fulcro, ojuiz Hol<strong>de</strong>n. Harold Bloom chamoulhea “mais aterradora criação daliteratura americana” e, por <strong>um</strong>a vezna vida, a sua histeria hierarquizanteparece justificada. Como Ahab, ojuiz vai anexando lentamente <strong>um</strong>romance que pertencia a terceiros,submetendo a narrativa a <strong>um</strong>aespécie muito particular <strong>de</strong>possessão <strong>de</strong>moníaca. As suasorigens estão envoltas em nevoeiromístico, e McCarthy ac<strong>um</strong>ula osportentos até ao limite daambiguida<strong>de</strong>: com mais <strong>de</strong> doismetros <strong>de</strong> altura, sem <strong>um</strong> únicocabelo no corpo, exímio dançarino,tocador <strong>de</strong> rabeca, fazedor <strong>de</strong>pólvora, geólogo, jurista,multilingue, albino, pedófilo erigorosamente amoral, o juiz é <strong>um</strong>acriatura que não <strong>de</strong>via sobreviverdois segundos fora dos limitesseguros <strong>de</strong> <strong>um</strong> medíocre filme <strong>de</strong>terror sobre o Diabo na Terra. Mas aprosa vai suportando os exageros edistorções, até que o juiz a usurpa, eo coração violento <strong>de</strong> “Meridiano <strong>de</strong>Sangue” começa a pulsar ao seuritmo. No <strong>de</strong>serto, entre os bárbarosque o seguem, vai pregando <strong>um</strong>evangelho marcial: “Antes <strong>de</strong> ohomem surgir, a guerra já estava à<strong>espera</strong> <strong>de</strong>le. O ofício supremo à<strong>espera</strong> do seu supremo artífice”. Ojuiz apresenta a sua teologia como<strong>um</strong>a verda<strong>de</strong> que prece<strong>de</strong> todas asfalsida<strong>de</strong>s morais, <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>sobre a única a verda<strong>de</strong>ira religiãoh<strong>um</strong>ana.A intenção <strong>de</strong> McCarthy pareceser a construir <strong>um</strong>a mitologiainvertida. “Meridiano <strong>de</strong> Sangue” éblasfemo, no sentido literal dotermo; é <strong>um</strong>a anti-Bíblia. A Bíblia émencionada por alg<strong>um</strong>aspersonagens, mas o único exemplaré transportado brevemente por <strong>um</strong>analfabeto, como <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong>talismã: <strong>um</strong>a âncora moral no meioda <strong>de</strong>solação, mesmo para quemnão tenha acesso ao conteúdoverbal. “Meridiano <strong>de</strong> Sangue”, pelocontrário, apropria e <strong>de</strong>ssacraliza aretórica do Livro Sagrado,utilizando-a para pregar <strong>um</strong> caoseterno, n<strong>um</strong> Universo pré<strong>de</strong>terminadopara a <strong>de</strong>vastação.Entre massacres e sermões, o juiz<strong>de</strong>monstra <strong>um</strong>a insólita curiosida<strong>de</strong>naturalista, doc<strong>um</strong>entandopacientemente a fauna e flora locais,e preenchendo <strong>um</strong> ca<strong>de</strong>rno comesboços <strong>de</strong> relíquias e artefactosrecuperados (que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>strói).Quando questionado sobre esteprocesso, justifica-o com <strong>um</strong>a<strong>de</strong>formada versão do métodocientífico “Tudo o que existe nacriação sem o meu conhecimentoexiste sem o meu consentimento”. Éo manifesto <strong>de</strong> <strong>um</strong> psicopatavisionário, mas também a confissão<strong>de</strong> <strong>um</strong> autor omnipotente que, comoMilton, não resistiu à tentação <strong>de</strong>entregar ao diabo as melhores frases.Apercebemo-nos que o juizHol<strong>de</strong>n é o centro do romance,porque o romance age como o juizHol<strong>de</strong>n: equilibrado entre oratóriainflacionada e brusca brutalida<strong>de</strong>,preservando esteticamente aquiloque vai <strong>de</strong>struindo, <strong>de</strong>sprezandoqualquer forma <strong>de</strong> autonomia, nãopermitindo existência semconsentimento. E quando nasúltimas páginas, encontramos o juiza dançar no palco <strong>de</strong> <strong>um</strong> saloon,“colossal e pálido e glabro, qualenorme criança”, afirmando cominteira plausibilida<strong>de</strong> que “nunca vaimorrer”, sabemos que não está afalar <strong>de</strong> mera imortalida<strong>de</strong>; está afalar <strong>de</strong> posterida<strong>de</strong>.Um livro estruturalmenteru<strong>de</strong> (somos mergulhadose arrancados dos episódios<strong>um</strong> pouco como quem levacom bal<strong>de</strong>s <strong>de</strong> água frianas costas), sem <strong>um</strong>a únicapágina medianaAté quea morteos separaA velhice, a perversida<strong>de</strong>,a graça e a tortura familiarpor <strong>um</strong>a católica convertida,contemporânea <strong>de</strong> Greene eWaugh. Rui CatalãoMuriel SparkMemento MoriRelógio d’ÁguaTradutor: Miguel Serras PereirammmmmPara a época emque viveu, MurielSpark (1918-2006)tomou alg<strong>um</strong>as<strong>de</strong>cisõesestarrecedoras e<strong>de</strong>sconcertantes.Nascida emEdimburgo, <strong>de</strong> paiju<strong>de</strong>u e mãe anglicana, casa-se aos19 anos com <strong>um</strong> homem que mesesmais tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobre ser maníaco<strong>de</strong>pressivo.Três anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ixa ofilho Robin, o pai do seu filho,Sidney Spark, e a Rodésia, on<strong>de</strong>viviam os três. De regresso aInglaterra, trabalha para os serviçossecretos no último ano da IIÍpsilon • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • 39


LivrosaMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelenteGuerra Mundial. Em 1947 torna-seeditora da revista “Poetry Review” eem 1954, na sequência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<strong>de</strong>pressão nervosa, converte-se aocatolicismo. Publica o seu primeiroromance em 1957, “The comforters”,e na década seguinte instala-se emItália, on<strong>de</strong> passa a viver comPenelope Jardine, sua companheiraaté à hora da morte.Muriel Spark (<strong>de</strong> quem estãodisponíveis em português“Raparigas <strong>de</strong> escassos recursos”,também na Relógio d’Água, e “Oapogeu <strong>de</strong> Miss Jean Brodie”, naAhab Edições) tem 41 anos quandopublica “Memento Mori”, o seuterceiro livro. A velhice, a morte, a<strong>de</strong>crepitu<strong>de</strong> da vida familiar com osseus segredos & mentiras são temasabordados com a mesmaestarrecedora e <strong>de</strong>sconcertantefrontalida<strong>de</strong> que caracterizavam aautora, chegando a fazer esquecerque “o escândalo, nesses tempos,era <strong>um</strong>a coisa séria”.À excepção <strong>de</strong> duas personagenssecundárias que se encontram nameia ida<strong>de</strong> (e a meia ida<strong>de</strong> é pior doque ser velho: “o envelhecimento<strong>de</strong>stroça-nos os nervos, a velhicepropriamente dita é mil vezespreferível!”), as restantespersonagens <strong>de</strong> “Memento Mori” sãomuito velhas. Estão a morrer <strong>de</strong> <strong>um</strong>amaneira que apavora tanto quemassiste como a elas próprias. O quemais afecta esta gente não é aproximida<strong>de</strong> da sua própria morte,mas a proximida<strong>de</strong> dos outros quetambém estão a morrer! Os casais,quem convive n<strong>um</strong>a casa, sãosimultaneamente vítimas e algozes<strong>de</strong>sta tortura diária. São anos e anos<strong>de</strong> rancores, invejas, ciúmes, muitomedo e muitos segredos. Miss Taylor,a personagem mais benigna do livro,talvez por estar em paz com a velhiceinvasora, diz que “ter-se mais <strong>de</strong>setenta anos é como estar em guerra.Todas as pessoas <strong>nossa</strong>s amigas estãoà beira <strong>de</strong> partir ou já partiram, e nósvamos sobrevivendo entre mortos emoribundos, como n<strong>um</strong> campo <strong>de</strong>batalha.” Mas esse não é o piorcenário que a autora <strong>de</strong>screve.Comparam-se as ida<strong>de</strong>s, aparecença com a ida<strong>de</strong> real, osbenefícios da cremação. Ostestamentos são usados como<strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira ameaça perante aindiferença alheia, per<strong>de</strong>-se amobilida<strong>de</strong> e a memória. Hápersonagens que se comportamcomo crianças e outras que sãoinfantilizadas. Há quem leia ohoróscopo. Há os seniseufemisticemente apelidados <strong>de</strong>pacientes “geriátricos” que<strong>de</strong>ambulam como almas penadasn<strong>um</strong>a enfermaria que é também <strong>um</strong>eufemismo para o purgatório. Háquem cace heranças, quem atravessea cida<strong>de</strong> para ver <strong>um</strong>a faixa <strong>de</strong> perna,quem gaste quase todo o dinheiroque tem para enviar <strong>um</strong> telegramacom <strong>um</strong>a <strong>de</strong>scompostura literária, etambém quem esteja tão obcecadocom a perspectiva <strong>de</strong> ser assaltado aoponto <strong>de</strong> criar as condições perfeitaspara se tornar n<strong>um</strong>a vítima. Para nãoenfrentar a morte que se aproxima háainda <strong>um</strong> investigador que anota oscomportamentos <strong>de</strong> quem é velhocomo ele, e lhes dá informaçõesperturbadoras para <strong>de</strong>pois medirlhesa pulsação e a temperatura...também há quem trate dos netos,mas este livro é sobre o medo aogran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconhecido. Uma daspersonagens do livro tem porpassatempo cortar os fósforos emduas meta<strong>de</strong>s com <strong>um</strong>a lâmina para“tornar em duas cada caixa”. Hátambém <strong>um</strong> inspector aposentadoque investiga <strong>um</strong> caso como quempersegue a própria morte e <strong>um</strong>a série<strong>de</strong> telefonemas que atormentam todaesta gente com <strong>um</strong> assustador lugarcom<strong>um</strong>. Acima <strong>de</strong> tudo há o imensotalento <strong>de</strong> Muriel Spark que consegueser mais incisiva e directa do quePatricia Highsmith sem precisar <strong>de</strong>criar <strong>um</strong> psicopata assassino.Dir-se-ia que a proximida<strong>de</strong> damorte, ou a escrita da autora, é o Mr.Ripley <strong>de</strong>sta história. Sabemos queas personagens estão apavoradas,mas o leitor é convidado acomportar-se com a friezainclemente do psicopata: não nutrirqualquer pieda<strong>de</strong> por quem está amorrer, mas antes divertir-se, comon<strong>um</strong> entretém.Poucas coisas são mais engraçadasdo que a <strong>de</strong>sgraça (alheia) e tambémse po<strong>de</strong> ganhar malícia na <strong>de</strong>sgraça.A já citada Miss Taylor,<strong>de</strong>spromovida a avó Taylor na cama<strong>de</strong> <strong>um</strong> hospital para idosos, passa apreferir o “regresso do sofrimentofísico” à “dor <strong>de</strong>solada dah<strong>um</strong>ilhação” <strong>de</strong> não sentir: “Extraiu<strong>de</strong>sse estado <strong>de</strong> espírito <strong>um</strong>adignida<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada e visível, aomesmo tempo que abandonava asua atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> resistência estóicaperante a dor. Queixava-se mais,pedia com mais frequência aarrasta<strong>de</strong>ira, e não hesitou, em certaocasião, quando a enfermeiratardara, em molhar a cama, como asoutras avós tantas vezes faziam.”N<strong>um</strong> livro estruturalmente ru<strong>de</strong>(não há cenas <strong>de</strong> apresentação nemtransição; somos mergulhados earrancados dos episódios <strong>um</strong> poucocomo quem leva com bal<strong>de</strong>s <strong>de</strong> águafria nas costas), sem <strong>um</strong>a únicapágina mediana, o episódio do chá(páginas 139-140) é o meu favorito: aantiga romancista Charmian Piper,até aí aparentemente imobilizada ecom <strong>um</strong>a <strong>de</strong>mência que só lhepermite pensar por associações, ficasozinha em casa à hora do chá e<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> tratar sozinha da suapreparação. A tarefa é <strong>um</strong> suplício,mas à semelhança <strong>de</strong>ssas patéticasdigressões <strong>de</strong> fé que anos mais tar<strong>de</strong>dariam fama aos filmes <strong>de</strong> Tarkovski,torna-se grandiosa. Lembram-se dacena da vela na piscina, no fim <strong>de</strong>“Nostalgia”, <strong>de</strong> Tarkovsky? Aqui há“a chama incerta” <strong>de</strong> <strong>um</strong> fósforo aser transportado por “<strong>um</strong>a mãotrémula” e o vai-vem entre a cozinhae a sala da biblioteca atinge o estado<strong>de</strong> graça quando é transportado <strong>um</strong>prato com biscoitos Garibaldi!Para quem prefere o erotismoherético <strong>de</strong> Buñuel à graça cultivadapelos amigos católicos <strong>de</strong> Spark(Graham Greene, Evelyn Waugh),cito o parágrafo em que <strong>um</strong>aseptuagenária faz <strong>um</strong>a mostra a <strong>um</strong>octogenário a troco <strong>de</strong> <strong>um</strong>a libra:“ficou imóvel, <strong>de</strong> pé, com os braçoscaídos e as pernas afastadas, com oar <strong>de</strong> <strong>um</strong> camponês <strong>de</strong> comédia, aobservá-la. Sem alterar a suapostura, ela levantou <strong>um</strong> dos ladosda saia até <strong>de</strong>ixar que aparecessem,bem visíveis, o remate superior dameia e a ponta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a liga. Feitoisto, continuou a fazer malha e aolhar para a televisão. Durante cerca<strong>de</strong> dois minutos, Godfreycontemplou em silêncio o remate dameia e o metal luzente da liga. E, porfim, endireitando os ombros, comose quisesse reaver a sua composturahabitual, sempre em silêncio, voltoua sair”.SonhocorrompidoPatchwork <strong>de</strong> memóriasdo pós-guerra espanhol,com passagem por Xangai.Eduardo PittaO Feitiço <strong>de</strong> XangaiJuan MarséTrad. Cristina Rodriguez e ArturGuerraDom QuixotemmmnnO catalão JuanMarsé (n. 1933)tinha seis anosquando acabou aguerra civilespanhola. Cresceun<strong>um</strong> dos bairrosmais pobres <strong>de</strong>Barcelona, o <strong>de</strong>Guinardó, palco <strong>de</strong> tantos livrosseus. Sem educação formal, torna-seescritor aos 25 anos. Recebe em 1958o primeiro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vasta série <strong>de</strong>prémios: o penúltimo foi oCervantes, em 2008. “Encerradoscon un solo juguete” (1960), livro <strong>de</strong>estreia, suscita a atenção da crítica eo respeito <strong>de</strong> autores como Jaime Gil<strong>de</strong> Biedma, José Agustín Goytisolo eManuel Vázquez Montalbán. Empouco tempo fará parte da<strong>de</strong>nominada Geração <strong>de</strong> 50, a dosher<strong>de</strong>iros da resistência antifranquista.Se estabelecermos <strong>um</strong>alinha <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> entre “Si tedicen que caí” (1973) e “O Feitiço <strong>de</strong>Xangai”, po<strong>de</strong>mos admitir que alenda e proezas <strong>de</strong> Francesc SabatéLlopart, guerrilheiro anarquistaCom “O Feitiço <strong>de</strong> Xangai” Juan Marsé recebeu em 1994o Prémio Europeu <strong>de</strong> Literatura Aristeion e o Prémio da Críticada Associação Espanhola <strong>de</strong> Críticos Literáriosconhecido por El Quico, alimentamo imaginário <strong>de</strong> Marsé.Des<strong>de</strong> criança ouviu falar do“maquis” catalão, a frente <strong>de</strong>guerrilheiros que os falangistasperseguem sem trégua. A geração aque pertence não esqueceu a facturada guerra: fome, proibição da línguacatalã, meio milhão <strong>de</strong> exilados, cemmil execuções s<strong>um</strong>árias, populações<strong>de</strong>slocadas. O pendor autobiográficodos textos faz jus a esse caldo <strong>de</strong>cultura.Autor <strong>de</strong> <strong>um</strong>a obra muito extensa,várias vezes adaptada ao cinema, “OFeitiço <strong>de</strong> Xangai” (1993; filme <strong>de</strong>Fernando Trueba em 2002), agorareeditado, é <strong>um</strong> dos quatroromances <strong>de</strong> Marsé traduzidos emPortugal, <strong>um</strong> dos quais o fabuloso“Rabos <strong>de</strong> Lagartixa” (2000).Guinardó está no centro da intriga.Logo a abrir, sem ro<strong>de</strong>ios: “Ossonhos juvenis corrompem-se naboca dos adultos”. Estamos em 1948,Barcelona ferve <strong>de</strong> inquietação paralibertar-se do jugo opressor. Daniel, oprotagonista, apren<strong>de</strong>rá à sua custaque toda a maturida<strong>de</strong> será castigada.De certo modo, “O Feitiço <strong>de</strong> Xangai”é <strong>um</strong> romance com romance <strong>de</strong>ntro,sendo Daniel e Nandu Forcat osnarradores <strong>de</strong> cada <strong>um</strong>a das partesda história. Os capítulos (nove, comsubsecções n<strong>um</strong>eradas) estãoenca<strong>de</strong>ados na primeira e terceirapessoa, modos que correspon<strong>de</strong>m aDaniel e Nandu Forcat. O primeirocola-se à realida<strong>de</strong>. O segundo, apartir <strong>de</strong> Xangai, introduz Kim: “Aoentar<strong>de</strong>cer, quando se acen<strong>de</strong>m asprimeiras luzes da cida<strong>de</strong>, Kim estáno seu quarto ajeitando sobre acamisa branca recém-estreada ossuspensórios da sovaqueia com aBrowning.” Com enfoque noi<strong>de</strong>alismo <strong>de</strong> Daniel e nas efabulações<strong>de</strong> Nandu Forcat, o perfil daspersonagens cobre todas aspossibilida<strong>de</strong>s.Sem prejuízo do domínionarrativo, diria que há <strong>de</strong>sfasamentoentre o interesse do “plot”(medíocre) e a prosa escalorada doautor: “Enquanto avançava pelopequeno e <strong>de</strong>scuidado jardim, on<strong>de</strong>os arbustos <strong>de</strong> cevadilha languesciamà sombra do chorão e os húmidosrecantos <strong>de</strong> lírios apodreciam porfalta <strong>de</strong> sol, interroguei-me como éque estes dois xarnegos mortos <strong>de</strong>fome tinham podido adquirir aquelaestranha autorida<strong>de</strong> ao falarem datísica.” Xarnego é como chamam aosimigrantes não adaptados à cultura elíngua catalã.No capítulo cinco surge o famosopoema “A Cida<strong>de</strong>” (1910), <strong>de</strong> Kavafis.Atentos os aci<strong>de</strong>ntes biográficos <strong>de</strong>Marsé e o contexto ficcional, o“insert” faz todo o sentido. Fica poresclarecer a escolha da versão livre e“inédita” <strong>de</strong> Ángel González (tãolivre que lhe acrescentou <strong>um</strong> verso),n<strong>um</strong>a altura em que a obra <strong>de</strong>Kavafis fora vertida (1982) do gregopara castelhano por Pedro Bá<strong>de</strong>nas<strong>de</strong> la Peña. Não obstante, a pulsãonómada encontra nesses versos aepígrafe perfeita: “A cida<strong>de</strong> seguirte-á.De volta pelos caminhos errarás/ os mesmos. [...] Sempre a estacida<strong>de</strong> chegarás.”Em 1994, “O Feitiço <strong>de</strong> Xangai”recebeu o Prémio Europeu <strong>de</strong>Literatura Aristeion e o prestigiadoPrémio da Crítica da AssociaçãoEspanhola <strong>de</strong> Críticos Literários.40 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


CinemaSexta,24 Dezembro,TAKESHIKITANOpor mais 1,95€.“Mammuth”: <strong>um</strong>a espantosa sensação <strong>de</strong> optimismoEstreiamO homem damotocicletaGérard Depardieu recordanos<strong>de</strong> como po<strong>de</strong> ser <strong>um</strong>extraordinário actor, n<strong>um</strong>agentil comédia surreal àmedida do seu talento maiorque a vida. Jorge MourinhaMammuthDe Gustave Kervern, Benoît Delépine,com Gérard Depardieu, Yolan<strong>de</strong>Moreau, Isabelle Adjani, Miss Ming.M/16MMMnnLisboa: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª20h, 22h 6ª Sábado 2ª 20h, 22h, 00h15; Me<strong>de</strong>iaSaldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 5: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 15h50, 17h50, 19h50,21h50, 00h20;Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo2ª 14h20, 16h30, 18h55, 21h25, 24h 3ª 4ª 16h30,18h55, 21h25, 24h;Dois primos que não se vêem hávinte anos e se <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m masturbarmutuamente. Uma sobrinha artistaque enterrou o pai no jardim semdizer nada a ninguém. Um amorperdido que morreu n<strong>um</strong> aci<strong>de</strong>nte<strong>de</strong> moto e cujo fantasma persegue oherói. Uma ladra que aten<strong>de</strong> ostelemóveis que rouba. Três caixeirosviajantes que se <strong>de</strong>sfazem emlágrimas n<strong>um</strong> restaurante <strong>de</strong> hotel.Não é exactamente <strong>um</strong> res<strong>um</strong>o doque se passa em “Mammuth”: o filmenão se consegue res<strong>um</strong>ir, <strong>de</strong>screverou explicar, vindo como vem dadupla francesa Benoît Delépine eGustave Kervern, autores do road-movie em ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> rodas “Aaltra” eda negríssima sátira económica“Louise-Michel”, especialistas emcomédias absurdas e surreais quefalam <strong>de</strong> coisas muito sérias com <strong>um</strong>sentido <strong>de</strong> h<strong>um</strong>or muito fora docom<strong>um</strong>.Com “Mammuth”, à partida filmemuito próximo dos anteriores (nassuas preocupações sociais e na suaestrutura fluida, quase episódica), osrealizadores e arg<strong>um</strong>entistas viramsecontudo obrigados a “subir onível” graças à presença <strong>de</strong> GérardDepardieu e Isabelle Adjani, mesmoque enquadrados por “habitués” docinema da dupla como Yolan<strong>de</strong>Moreau ou Benoît Poelvoor<strong>de</strong>.Depardieu é <strong>um</strong> recém-reformadodo seu emprego n<strong>um</strong>a fábrica <strong>de</strong>enchidos, que <strong>de</strong>scobre que, parareceber a reforma por inteiro,precisa <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>que estão em falta no seu processo.Parte então em viagem na sua velhamotocicleta – a Munch Mammuth <strong>de</strong>“Katalin Varga”: nem <strong>de</strong>liberadamente ásperonem agilmente fluido, não é <strong>um</strong> filme <strong>de</strong>sagradávelaMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente1973 que dá o nome ao filme e aalcunha à personagem – parareencontrar os sítios on<strong>de</strong> trabalhouao longo dos anos.O que se segue ao longo <strong>de</strong> hora emeia é <strong>um</strong>a viagem pelo passado dapersonagem que Delépine e Kervernfilmam em super-16 ampliado eretrabalhado e constroem como <strong>um</strong>asucessão <strong>de</strong> episódiosaparentemente espontâneos e<strong>de</strong>sconexos. Um reencontro com ai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mammuth/Depardieu,<strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> porta <strong>de</strong> entradapara o que a vida ainda lhe po<strong>de</strong>trazer agora que tem tempo para agozar. Mas essa aleatorieda<strong>de</strong>,intercalada com momentos maisoníricos trazidos pela presençafantasmática <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Adjaniensanguentada (creditada nogenérico apenas como “o amorperdido”), é meticulosamente geridae organizada pela dupla para maiorglória <strong>de</strong> <strong>um</strong> Depardieu notáveln<strong>um</strong>a personagem que se exprimeexclusivamente pela sua presençafísica. É <strong>um</strong> daqueles papéis que nosrecorda aquilo <strong>de</strong> que o actor ainda écapaz — a par do “Bellamy” que foi oúltimo filme <strong>de</strong> Clau<strong>de</strong> Chabrol e quecontinua à <strong>espera</strong> <strong>de</strong> estreia em salaentre nós (alô, Lusomundo?).“Mammuth” po<strong>de</strong> não seconseguir verda<strong>de</strong>iramente explicarnem <strong>de</strong>screver, mas <strong>de</strong>ixa-nos com<strong>um</strong>a espantosa sensação <strong>de</strong>optimismo: <strong>um</strong> misto <strong>de</strong> “mas queraio foi isto?” e “que fixe que istofoi!”. E isso já chega.Como <strong>um</strong>episódiobíblico“feminista”...A Katalin Varga <strong>de</strong>ste filmeé <strong>um</strong>a mulher <strong>de</strong> força. Deforça e <strong>de</strong> vingança. LuísMiguel OliveiraKatalin VargaDe Peter Strickland,com Hilda Péter, Tibor Pálffy, NorbertTankó, Melinda Kantor. M/12MMnnnLisboa: CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 2: 5ªDomingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 15h35, 17h20, 19h20,21h45 6ª Sábado 13h45, 15h35, 17h20, 19h20, 21h45,23h55;“Katalin Varga” é <strong>um</strong>a primeiraobra, a estreia na realização <strong>de</strong> <strong>um</strong>inglês, Peter Strickland, que antesfizera sobretudo trabalho teatral. Oque é singular é que – como o título<strong>de</strong> ressonância húngara, nome daprotagonista, logo indica – Stricklandnão se estreou em casa, mas naTransilvânia e nos Cárpatos, comactores e contributos romenos ehúngaros.Uma pesquisa na Internet diz-nosque, no século XIX, houve <strong>um</strong>aKatalin Varga que li<strong>de</strong>rou <strong>um</strong>movimento <strong>de</strong> mineiros daTransilvânia. Deve ser coincidência,mas também a Katalin Varga <strong>de</strong>stefilme é <strong>um</strong>a mulher <strong>de</strong> força. Deforça e <strong>de</strong> vingança – há alg<strong>um</strong>asressonâncias bíblicas no filme <strong>de</strong>Strickland, <strong>de</strong> resto explicitadas naparte final, e a história <strong>de</strong> “KatalinVarga” podia vir <strong>de</strong> <strong>um</strong> episódio(“feminista”, digamos) do AntigoTestamento. Impressão que ésalientada pelo carácterrelativamente inusitado do filme,espacialmente (sabemos que é aTransilvânia mas não porque o filmeo diga) e temporalmente (se nãofosse por <strong>um</strong>a cena com <strong>um</strong>telemóvel não teríamos a certeza <strong>de</strong>que se trata da épocacontemporânea). Seja como for, naal<strong>de</strong>ia on<strong>de</strong> a acção começa éÍpsilon • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • 41


CinemaAs estrelas do públicoJorgeMourinhaLuís M.OliveiraMárioJ. TorresVascoCâmaraO Americano mmmnn mnnnn nnnnn mnnnnAniki-Bobó nnnnn mmmmm nnnnn mmmmmDouro Faina Fluvial nnnnn mmmmm nnnnn mmmmmA Tempo e Horas nnnnn nnnnn nnnnn mmnnnCela 211 nnnnn nnnnn mmmnn mmnnnI’m Still Here mnnnn mnnnn nnnnn mnnnnJogo Limpo nnnnn nnnnn mmnnn mnnnnKatalin Varga mmmnn mmnnn nnnnn nnnnnMammuth mmmnn nnnnn nnnnn nnnnnA Última Estação nnnnn nnnnn mmnnn nnnnncomo se o tempo e a moralida<strong>de</strong> nãopassassem há séculos – e quando setorna público o segredo <strong>de</strong> Katalin (oseu filho pequeno não é do marido,antes foi o resultado <strong>de</strong> <strong>um</strong>aviolação perpetrada por doismânfios), repudiada e <strong>de</strong>sonrada,resta-lhe pegar no miúdo eembrenhar-se na floresta, emviagem mais ou menos <strong>de</strong>s<strong>espera</strong>da,com <strong>um</strong> objectivo principal:encontrar os dois tipos e vingar-se.Encontra-los-á, <strong>de</strong> facto, ajudadapelo acaso, mas também a vingançatem as suas ironias, <strong>de</strong> proporçõesbíblicas ou, como <strong>um</strong> conto doimprevisto, britânicas.Algo limitado, e sempre <strong>um</strong>bocadinho meias tintas (nem<strong>de</strong>liberadamente áspero nemagilmente fluido), não é <strong>um</strong> filme<strong>de</strong>sagradável. Gostamos daprotagonista (Hilda Peter), <strong>de</strong>presença forte e ambígua q.b.,gostamos sobretudo do trabalho <strong>de</strong>“<strong>de</strong>s-naturalização” da próprianatureza, que passa sobretudo pelosom, “tridimensional”, a transformaros ruídos da floresta, dos rios, dovento, n<strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> coro para as<strong>de</strong>sventuras da personagem. Se nãoper<strong>de</strong>r esta capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar <strong>um</strong>sentido muito específico, e muitointegrado, à observação (ou à escuta)da paisagem, não há razão para quenão se venha a ter alg<strong>um</strong>acuriosida<strong>de</strong> pelos futuroscometimentos <strong>de</strong> Strickland, nosCárpatos ou aon<strong>de</strong> for.Cidadão JoaquinI’m Still HereDe Casey Affleck,com Joaquin Phoenix. M/16MnnnnLisboa: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª13h10, 15h15, 17h25, 19h35, 21h45 6ª Sábado 2ª13h10, 15h15, 17h25, 19h35, 21h45, 00h30;“I’m Still Here” é <strong>um</strong>a piada. Ou orelatório <strong>de</strong> <strong>um</strong>a piada, ou, aindamais aborrecido, o certificado <strong>de</strong><strong>um</strong>a piada, o “doc<strong>um</strong>ento” que vemdizer que a piada já aconteceu e queo que aconteceu era <strong>um</strong>a piada.Tudo começou, se bem se recordam(pelo menos aqueles que se <strong>de</strong>ramao trabalho <strong>de</strong> prestar alg<strong>um</strong>aatenção a tão <strong>de</strong>sinteressanteassunto), há cerca <strong>de</strong> dois anos,quando Joaquin Phoenix, mais o<strong>um</strong>enos por altura da estreia do “TwoLovers” <strong>de</strong> James Gray (<strong>um</strong> filmemagnífico em que Phoenix é, elepróprio, magnífico), anunciou que iaabandonar a profissão <strong>de</strong> actor e(talvez não tenha dito isto logo masvai dar ao mesmo) converter-se ao“hip hop”. Sobressalto nos “media”que no mundo inteiro se <strong>de</strong>dicam a<strong>um</strong>a cobertura exaustiva do“espectáculo” e das “celebrida<strong>de</strong>s”:Phoenix isto, Phoenix aquilo, estáparvo, está louco, e só <strong>de</strong> vez emquando <strong>um</strong>a ligeira dúvida sobre seele não estaria mas era a gozarconnosco. O ponto alto disto foi <strong>um</strong>aparticipação <strong>de</strong> Phoenix no “talkshow” <strong>de</strong> David Letterman (não poracaso integralmente incluída em“I’m Still Here”), que suscitou asmais intensas discussões: estavabêbedo, estava charrado, estava nãosei quê. Bastava ver dois segundosdaquilo para se perceber que eratudo <strong>um</strong>a “practical joke”, mas todaa gente preferiu pensar outra coisa.Na sua profunda credulida<strong>de</strong>, osmedia contemporâneos, para seremmanipulados, já dispensam os OrsonWelles, chega-lhes <strong>um</strong> JoaquinPhoenix (e isto sem <strong>de</strong>sprimor paraele, bem pelo contrário).“Do we care?”, ouve-se dizer n<strong>um</strong>dos muitos “clips” televisivosmontados em “’I’m Still Here”. Éobvio que eles “care”, ou não teriamperdido tanto tempo com isto. E sãoeles o alvo, e ao mesmo tempo, oalimento, <strong>de</strong> <strong>um</strong> filme como este e<strong>de</strong> <strong>um</strong>a piada como esta. No quetoca ao filme, é mesmo a única coisaválida e, em termos <strong>de</strong> comentárioda “contemporaneida<strong>de</strong>”, bastanteaflitiva: aqueles momentos em que amontagem sobrepõe as mesmasfrases, ditas em programas <strong>de</strong>televisão ou <strong>de</strong> rádio, repetidas aoinfinito, como se fossem todas o eco<strong>um</strong>a das outras (a Internet tambémestá assim, basta ver qualquer“agregador <strong>de</strong> notícias”, o sonho dopropagandista, que já não precisa <strong>de</strong>dizer <strong>um</strong>a mentira mil vezes: diz<strong>um</strong>a, e há logo 999 voluntários paraperfazer o número). A função dofilme que Phoenix congeminou como seu cunhado Casey Affleck é sóesta, fazer <strong>de</strong> “punchline”, objectoque vem pôr os pontos nos ii,<strong>de</strong>smascarar o conceito, dizer queeram eles, Phoenix e Affleck, afinal,quem estava a olhar para os “media”e não o contrário. Previsivelmente(e <strong>de</strong> certa maneira coerentemente),c<strong>um</strong>prida essa função pelo simplesfacto <strong>de</strong> existir, “I’m Still Here” épuro “n’importe quoi”: Phoenix, tãoalucinado quanto po<strong>de</strong>, a grunhirincoerências e banalida<strong>de</strong>s sobre oestrelato, a vida, a expressãoartística, acompanhado porparceiros que po<strong>de</strong>m ou não estar ajogar o mesmo jogo que ele (há <strong>um</strong>parentesco entre este filme e os <strong>de</strong>Sacha Baron Cohen, certamente).Phoenix arrisca alg<strong>um</strong>a coisa – se“I’m Still Here”: do we care?calhar até a carreira – nesta piada,mas é coerente com o seu propósito:enquanto finge autenticida<strong>de</strong>,compõe a perfeita paródia da“celebrida<strong>de</strong> atormentada” (outroeco remoto é o “Last Days” <strong>de</strong> vanSant). Um vazio laboriosamenteconstruído, <strong>um</strong>a peça conceptualque precisa <strong>de</strong> ser absurdamente<strong>de</strong>sinteressante para relevar oconceito. Missão c<strong>um</strong>prida. Phoenix“ainda aqui está”, mas não está maisnada. Luís Miguel OliveiraContinuamOs Miúdos Estão BemThe Kids Are All RightDe Lisa Cholo<strong>de</strong>nko,com Annette Bening, Julianne Moore,Mark Ruffalo, Mia Wasikowska, JoshHutcherson. M/16MMnnnLisboa: CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 10: 5ª 6ª2ª 3ª 4ª 13h30, 17h50, 19h55 Sábado Domingo17h50, 19h55; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 4:5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 19h15;Porto: Arrábida 20: Sala 17: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 3ª 4ª 19h15;Já vimos muitas vezes esta comédiasobre <strong>um</strong> casal em crise, com a saída<strong>de</strong> casa da filha mais velha para irpara a faculda<strong>de</strong> a abrir fissuras nonúcleo familiar. Mas a aposta <strong>de</strong> LisaCholo<strong>de</strong>nko (“Laurel Canyon”) é a<strong>de</strong> subverter essa convenção, aofazer <strong>de</strong>ste casal em crise <strong>um</strong> casalhomossexual com dois filhosadolescentes, sublinhando como osproblemas do casamento, do amor,da educação dos filhos sãoexactamente os mesmosin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do casal ser domesmo sexo ou <strong>de</strong> sexos opostos.Paradoxo: é nessa visão <strong>de</strong> <strong>um</strong>adomesticida<strong>de</strong> normal,in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do sexo, quealimenta a subversão e a diferença dofilme que resi<strong>de</strong> também a suafraqueza. Cholo<strong>de</strong>nko é tão tolerantee tão programática que “Os MiúdosEstão Bem” acaba por não sedistinguir <strong>de</strong> qualquer outra comédiafamiliar sobre <strong>um</strong> casamento emcrise, a não ser na atenção prestadaaos actores, e na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mostrar muito sem precisar <strong>de</strong>recorrer a diálogo expositivo. AnnetteBening e Julianne Moore sãonotáveis, Mark Ruffalo (no papeldo pai “biológico” dos miúdos,cuja aparição vem <strong>de</strong>spoletar odrama) é excelente, mas “OsMiúdos Estão Bem” nunca<strong>de</strong>scola para lá do amável,quando há momentos emque se percebe que <strong>um</strong>bocadinho mais <strong>de</strong>incorrecção política lhedaria o “cheirinho” parair mais longe. J. M.Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200Sexta, 17Salón MexicoDe Emilio Fernán<strong>de</strong>z. Com MargaLópez, Manuel Inclan, RodolfoAcosta. 91 min.15h30 - Sala Félix RibeiroA Águia FugitivaThe One That Got AwayDe Roy Ward Baker. Com HardyKrüger, Colin Gordon, MichaelGoodlife. 106 min.19h - Sala Félix RibeiroFilm ist a Girl & a GunDe Gustav Deutsch. 93 min.19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> PinaMerci Pour Le ChocolatDe Clau<strong>de</strong> Chabrol. Com IsabelleHuppert, Jacques Dutronc, AnnaLugalis. 99 min.21h30 - Sala Félix RibeiroChamada para a MorteDial M for Mur<strong>de</strong>rDe Alfred Hitchcock. Com RobertC<strong>um</strong>mings, Grace Kelly, Ray Milland. 100 min.22h - Sala Luís <strong>de</strong> PinaSábado, 18O ApartamentoThe ApartmentDe Billy Wil<strong>de</strong>r. Com FredMacMurray, Jack Lemmon, ShirleyMacLaine. 125 min. M12.15h30 - Sala Félix RibeiroA Rua da VergonhaAkasen ChitaiDe Kenji Mizoguchi. Com AikoMimasu, Ayako Wakao, Machiko Kyo.94 min. M16.19h - Sala Félix RibeiroNasci, Mas..Umarete wa mita keredoDe Yasujiro Ozu. Com Hi<strong>de</strong>oSugawara, Takeshi Sakamoto, TomioAoki. 89 min.19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> PinaEnsaio <strong>de</strong> <strong>um</strong> CrimeEnsayo <strong>de</strong> un CrimenDe Luis Buñuel. Com ErnestoAlonso, Miroslava Stern, RitaMacedo. 90 min. M12.21h30 - Sala Félix RibeiroStrange ImpersonationDe Anthony Mann. Com BrendaMarshall, William Gargan, HillaryBrooke. 68 min.22h - Sala Luís <strong>de</strong> PinaSegunda, 20Uma Mulher InternacionalInternational LadyDe Tim Whelan. Com Ilona Massey,George Brent, Basil Rathbone, GeneLockart. 102 min.15h30 - Sala Félix RibeiroA Tragédia do TitanicA Night to RememberDe Roy Ward Baker. Com HonorBlackman, Kenneth More, RobertAyres, Ronald Allen. 120 min.19h - Sala Félix RibeiroMerci Pour Le ChocolatDe Clau<strong>de</strong> Chabrol. Com IsabelleHuppert, Jacques Dutronc, AnnaLugalis. 99 min.19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> PinaLa Fleur du MalDe Clau<strong>de</strong> Chabrol. Com BenoîtMagimel, Nathalie Baye, MélanieDoutey. 104 min.21h30 - Sala Félix RibeiroÀ Flor do MarDe João César Monteiro. ComManuela <strong>de</strong> Freitas, Sérgio Antunes,Teresa Villaver<strong>de</strong>. 143 min. M12.22h - Sala Luís <strong>de</strong> PinaQuarta, 22DráculaDraculaDe Tod Browning. Com Bela Lugosi,David Manners, Dwight Frye, HelenChandler. 73 min.15h30 - Sala Félix RibeiroForty GunsDe Samuel Fuller. Com BarbaraStanwyck, Barry Sullivan, DeanJagger, John Ericson. 80 min. M12.19h - Sala Félix RibeiroA Dama <strong>de</strong> HonorLa Demoiselle d’ HonneurDe Clau<strong>de</strong> Chabrol. Com BenoîtMagimel, Laura Smet. 111 min. M16.19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> PinaA Esperança Nunca MorreThe Singer Not The SongDe Roy Ward Baker. Com DirkBogar<strong>de</strong>, John Mills, MylèneDemongeot. 132 min.21h30 - Sala Félix RibeiroLa Fleur du MalDe Clau<strong>de</strong> Chabrol. Com BenoîtMagimel, Nathalie Baye, MélanieDoutey. 104 min.22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina42 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


Van<strong>de</strong>rmark 5 Special Edition:o futuro do jazz passa por aquiBommmmmmExcelenteB Fachada: não é pra meninos, não senhorJazztrazer nova dimensão à música dosV5, assim como as extraordináriascapacida<strong>de</strong>s solistas <strong>de</strong> Broo (o maisAo rubro,po<strong>de</strong>roso trompetista do momento)fazem implodir o edifício harmónicoe rítmico do grupo. Com <strong>um</strong> primeiro<strong>de</strong> <strong>novo</strong>tema, “Friction”, quase violento,incan<strong>de</strong>scente, como que a servir <strong>de</strong>Com dois convidados <strong>de</strong> aviso aos mais incautos, o álb<strong>um</strong>revela <strong>um</strong>a abertura surpreen<strong>de</strong>nte,excepção, o mais celebradonão se ficando por <strong>um</strong>a previsívelgrupo do saxofonista Ken linguagem free-bop. Logo no temaVan<strong>de</strong>rmark edita álb<strong>um</strong> seguinte, “Some not all”, sobre <strong>um</strong>swing intenso surge o primeiro <strong>de</strong>arrasador. Rodrigo Amadomuitos solos brilhantes <strong>de</strong> Lonberg-Van<strong>de</strong>rmark 5 Special EditionHolm, confirmando em absoluto oacerto da sua escolha para substituirThe Horse J<strong>um</strong>ps and The Ship Jeb Bishop no grupo. Após <strong>um</strong>aGoneNot Tworeviravolta súbita, <strong>um</strong> riff “metal” dovioloncelo e <strong>um</strong> vamp do barítono <strong>de</strong>mmmmmRempis dão lugar a <strong>um</strong> explosivo soloDiscosaMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito <strong>de</strong> Van<strong>de</strong>rmark. É então queDe todos os <strong>novo</strong>s subitamente, n<strong>um</strong> exercício notávelprojectos do <strong>de</strong> contenção e dinâmica, todo osaxofonista norteamericanoKen <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> – como se rodassem ogrupo diminui <strong>de</strong> vol<strong>um</strong>e (mas nãoVan<strong>de</strong>rmark são já botão do vol<strong>um</strong>e) para dar lugar a<strong>espera</strong>das<strong>um</strong> solo extraordinário <strong>de</strong> Wiik.habitualmente duas coisas; <strong>um</strong> Ainda antes do final, Rempis noequilíbrio notável entre forma e barítono e Van<strong>de</strong>rmark no tenorimprovisação e <strong>um</strong>a atitu<strong>de</strong> “take-noprisoners”que dá origem a <strong>um</strong>a composição. No terceiro tema, “Newpegam fogo ao que resta damúsica orgânica e visceral com weather”, parece-nos ouvir Mingus, eimprovisações <strong>de</strong> <strong>um</strong>a urgência rara, até ao final do álb<strong>um</strong> surgem aindacomo se o mundo fosse realmente improvisações “parkerianas”acabar amanhã.(Rempis), música serialista, thirdstream,free jazz dos infernos,Neste <strong>novo</strong> registo, gravado para apolaca Not Two, Van<strong>de</strong>rmarksecções <strong>de</strong> uníssono que parecemconvida dois nomes <strong>de</strong> peso – retiradas do melhor jazz sul- africano,Magnus Broo e Havard Wiik - parase entre muitas outras coisas que nosjuntarem à actual formação dos transportam e inspiram. O futuro docelebrados Van<strong>de</strong>rmark 5 – Davejazz passa, com toda a certeza, porRempis (saxs barítono e alto), Fredaqui.Lonberg-Holm (violoncelo), KentKessler (contrabaixo) e Tim Dasy(bateria). Gravado ao vivo (comexcelente qualida<strong>de</strong> audio) no clubeGreen Mill <strong>de</strong> Chicago, este registoexpan<strong>de</strong> tudo aquilo que faz <strong>de</strong>Van<strong>de</strong>rmark <strong>um</strong>ícone do jazz <strong>de</strong>vanguarda mundial eexpõe <strong>um</strong> septetoem pleno pico <strong>de</strong>forma e inspiração,tendo comoparticular atractivo ofacto <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong><strong>um</strong> duploCD, comduashoras <strong>de</strong>música exploratóriae inspiradora.A inclusão dopiano, presentecom contençãoe absolutarelevância, vemPopFachada paracrianças crescidasB FachadaÉ Pra MeninosMbari Músicammmmn“É pra meninos”,contextualiza BFachada. “É prameninos”, diz otítulo, e parecemconfirmar ossonzinhos <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>entos <strong>de</strong>brincar – as baterias, os teclados – quese ouvem nas <strong>de</strong>z canções do álb<strong>um</strong>.B Fachada a cantar para crianças,portanto. E, dada a suaprodutivida<strong>de</strong>, porque não? EmDezembro <strong>de</strong> 2009, editou o “BFachada”, álb<strong>um</strong> da <strong>de</strong>finitivaemancipação e maravilha da músicaportuguesa dos últimos muitos anos.No último Verão, baralhou tudo comsom agreste e boa ginga veraneanteem “Há Festa Na Moradia”. Umálb<strong>um</strong> para crianças? Venha ele.Mas, se Fachada é Fachada, entãonão o tomemos pelo valor facial.Claro que não po<strong>de</strong>ria seguir ocaminho fácil, pintar céus com arcoírise contar histórias com moral bemmedida e <strong>de</strong>finida, explicando comoo “petiz” tem <strong>de</strong> ser bom cristão naterra da infância para assegurar quecrescerá como adulto respeitado (e orespeitinho, como sabemos, é muitobonito) e bem-sucedido (e o sucessotem sorriso <strong>de</strong> marfim reluzente,várias contas em bancosrecomendáveis e fica sempre bem agente <strong>de</strong> bem).“É Pra Meninos” nasceu sob ocontexto que o título aponta, mas é otrabalho <strong>de</strong> alguém que, no seu aindatão curto quanto infatigável eimpressionante percurso, semprelidou com <strong>um</strong>a questão fundamental:a moralida<strong>de</strong>, ou melhor, a ditadurada moralida<strong>de</strong> – as suas crónicas <strong>de</strong>cost<strong>um</strong>es são, <strong>um</strong>a a <strong>um</strong>a e sob osmais variados e surpreen<strong>de</strong>ntespontos <strong>de</strong> vista, reflexões sobre essai<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> rectidão, fachada sob a qualtudo fica na mesma para que, enfim,tudo fique na mesma.“É Pra Meninos”, o seu primeiroálb<strong>um</strong> <strong>de</strong> banda (Martim no baixo,Mariana na bateria), não <strong>de</strong>mora aapresentar-se: “Tó-Zé tu tem cuidado/ Não sejas pau-mandado / Anteslouco e malcriado que pensar só <strong>de</strong>emprestado / Toda a vida te vão dar omundo já bem mastigado / Tucomeça a praticar para não ficaresmoralizado”. Estes versos, cantadosenquanto <strong>um</strong>a melodia <strong>de</strong> vozrodopia sobre o piano eléctrico e oritmo se insinua como na música <strong>de</strong>Pascal Comela<strong>de</strong> (que seráinevitavelmente citado em referênciaao álb<strong>um</strong>), hão-<strong>de</strong> ecoar até ao finaldas <strong>de</strong>z canções. Naturalmente, não éacaso ser a primeira <strong>de</strong> <strong>um</strong> ciclo quepassará por pedidos natalícios <strong>de</strong>“babygrow <strong>de</strong> cabebal” e “cds <strong>de</strong>metal” – “mas se a mãe é que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>sobre o meu comportamento, que selixe o Pai Natal” -, que passará peloquerido mês <strong>de</strong> Agosto dos amores<strong>de</strong> <strong>um</strong> mês para toda a vida, peloaborrecimento das férias e das fériasque acabaram, que terminará a olharpara a “gente gran<strong>de</strong>”: “vejo em todaa gente gran<strong>de</strong> / o que o tempo tempara mim / as pessoas que eu vou ser/ <strong>de</strong>s<strong>de</strong> agora até ao fim”.A música, <strong>de</strong> arranjos meticulososmas <strong>de</strong>sembaraço na interpretação,on<strong>de</strong> sintetizadores sobrevoammelodias on<strong>de</strong> o popular portuguêsse embala em balanço brasileiro(“Conselhos <strong>de</strong> avô”, marcada pelosax <strong>de</strong> Desidério Lázaro), feita <strong>de</strong>baladas a duas vozes (na ternura <strong>de</strong>“Primeiro dia”, com Minta, e naarrebatadora “Barrigão”, com LulaPena) e com a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Fachada, <strong>um</strong>a vez mais, inscrever asua marca autoral em novas estéticas(a perversida<strong>de</strong> serve-se aqui emprato <strong>de</strong>licodoce, ora “brincalhão”,ora melancólico), a música, dizíamos,oferece <strong>um</strong>a nova dimensão àspalavras cantadas. Porque o álb<strong>um</strong>para crianças <strong>de</strong> B Fachada, que ascrianças trautearão, sim senhor, eque até lhes ensinará <strong>um</strong> par <strong>de</strong>coisas sobre a vida, é, na realida<strong>de</strong>,<strong>um</strong> álb<strong>um</strong> para acordar adultos. Nãoé pra meninos, não senhor. MárioLopesGala DropOvercoat HeatGolf ChannelmmmmnPo<strong>de</strong> sercoincidência – paraquem acredita noPai Natal – mas nãoparece que o seja.Os dois discosportugueses mais estimulantes doano são EPs com quatro temas cada<strong>um</strong>. Falamos <strong>de</strong> “É <strong>um</strong>a água“ dosPAUS e <strong>de</strong>ste “Overcoat Heat” dosGala Drop, que se segue ao óptimoálb<strong>um</strong> <strong>de</strong> estreia <strong>de</strong> 2008. E não écoincidência porque ambos osprojectos – sonicamente diferentes –fazem parte <strong>de</strong> <strong>um</strong>a geração que jáassistiu à fragmentação da indústria erevela <strong>um</strong>a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> operar e <strong>de</strong>comunicar <strong>de</strong> forma diferente, não sepreocupando se as opções <strong>de</strong> basecorrespon<strong>de</strong>m às normas maisconvencionais. No álb<strong>um</strong> <strong>de</strong> estreiaos Gala Drop (Afonso Simões, NelsonGomes, Guilherme Gonçalves e TiagoMiranda, com <strong>um</strong> máxi-singleeditado em nome próprio mesmoagora na DFA dos LCD Soundsystem)apresentavam <strong>um</strong>a música expansivae cósmica, mescla <strong>de</strong> electrónicas eritmos percussivos construídos sobre<strong>um</strong> manto sonoro dolente, on<strong>de</strong>encontrávamos alusões ao dub ou aokrautrock alemão. Agora nesteregisto para a americana GolfChannel, adicionam a essascaracterísticas nucleares dinamismorítmico e palpitações “neo-disco”,criando quatro temas <strong>de</strong>envolvimento dançante, feitos <strong>de</strong>percussões, ecos, guitarras,sintetizadores, psica<strong>de</strong>lismos e <strong>de</strong><strong>um</strong> tipo <strong>de</strong> calor tropical lisboeta quesó po<strong>de</strong> ser pós-efeito-estufa. Em2008 escrevíamos que traduziam<strong>um</strong>a Lisboa tropicalista, africanizada,miscigenada, mas era ainda qualquercoisa <strong>de</strong> mais <strong>de</strong>sejado do que real.Gala Drop: magníficoÍpsilon • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • 43


DiscosCom “Overcoat Heat” aquilo queeram indícios e ecos remotos adquire<strong>um</strong>a forma sensível e comunicante,capaz <strong>de</strong> ultrapassar resistências.Magnífico. Vítor BelancianoMenomenaMinesCity Slang; distri. PopstockmmmmnFalar <strong>de</strong> indie-rock apropósito dosMenomena é comochamar arvoredo a<strong>um</strong>a floresta cheia<strong>de</strong> árvores <strong>de</strong>genealogia <strong>de</strong>sconhecida, espinhos,lianas, pequenos animais e cascatassecretas que criam constantesencruzilhadas. Tal como a capa <strong>de</strong>“Mines” ostenta, a beleza <strong>de</strong>stamúsica resi<strong>de</strong> no encontro entremateriais opostos, no quebrado doapolíneo: guitarras que surgem e<strong>de</strong>saparecem, linhas <strong>de</strong> baixosibilantes que logo se enleiam como<strong>um</strong>a serpente ao redor da presa, <strong>um</strong>apercussão que recusa o simplesmarcar passo e impõe a suapresença. Experimentemoscomparar “Taos” com “Five littlerooms”. A primeira vive <strong>de</strong> <strong>um</strong> rifftal como oMenomena: <strong>um</strong> pequeno puzzleSenhor Jimmy Page nosensinou, bateria pujante e músculo.Isto antes da paragem – <strong>de</strong>pois vêmcordas em fundo, <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong>guitarra esquizói<strong>de</strong> sufocante, <strong>um</strong>aparte só ao piano, coros e aindametais, em cinco minutos quelembram uns Spiritualized sem Deusnem droga (pensando bem, estaúltima <strong>de</strong>scrição não soa bem). “Fivelittle rooms” tem como âncoracentral espasmos <strong>de</strong> saxofone, <strong>um</strong>baixo obsessivo, percussões quepingam e pingam, antes <strong>de</strong> cadainstr<strong>um</strong>ento resolver esquecer a suafunção e – como dizia a velha piada– tocar cada <strong>um</strong> para seu lado à modado jazz (n<strong>um</strong> magnífico momento).Tudo se torna mais complicado sereferirmos que em “Queen blackacid” a voz lembra Damon Albarn. OsMenomena conseguem ser sinfónicossem serem pomposos, fragmentadossem parecerem <strong>um</strong>a manta <strong>de</strong>retalhos, melódicos sem seremchoninhas e rockam sem seremgrunhos. É <strong>um</strong> pequeno puzzle queusa vez após vez as mesmas peças(coros, riffs, pianos martelados,metais, cordas, linhas <strong>de</strong> baixocomplexas, paragens, muito trabalho<strong>de</strong> timbalões) mas nunca na mesmaor<strong>de</strong>m. No fim nada encaixa, masninguém se importa. João BonifácioMaxim<strong>um</strong> BalloonMaxim<strong>um</strong> BalloonDGC, distri. Nuevos MediosmmmnnO disco <strong>de</strong> estreia <strong>de</strong>Dave Sitek – músiconos TV On TheRadio e produtorrequisitado (ScarlettJohansson, YeahYeah Yeahs, etc.) – a solo é <strong>um</strong>objecto que não se enquadra notípico álb<strong>um</strong> em nome próprio. Sitekjá experimentou cantar, mas nestascanções preferiu entregar omicrofone a vozes que vão do“rapper” Theophilus London aomonstro sagradoDavid Byrne, passandopelos companheiros <strong>de</strong>banda. O método temméritos e <strong>de</strong>svantagens.Sem este espírito<strong>de</strong>scomprometido,seria difícil ter nomesmo disco Byrne,n<strong>um</strong>a “funkalhada”esguia a lembrar osseus (extintos)Talking Heads n<strong>um</strong>a“jam” com TomJones (“ApartmentWrestling”), KarenO, dos Yeah YeahYeahs, doce,docíssima, em“Communion”,canção paraaninhar nainvernia, e o festimrítmico <strong>de</strong> “Groove me”.Estes são os méritos,mas há <strong>de</strong>svantagens. Adiversida<strong>de</strong> resulta n<strong>um</strong>objecto algo incoerente, oque se perdoar-se-ia se ascanções estivessem todasao nível das já citadas.Não estão: Kyp Malone,dos TV On The Radio,entra no funk emimplosão (e com alg<strong>um</strong>do negr<strong>um</strong>e da banda <strong>de</strong>origem) <strong>de</strong> “Shakedown”,mas não impressiona, eas canções com HollyMiranda e AmbrosiaParsley são inofensivas o<strong>um</strong>esmo soporíferas (paraalém <strong>de</strong> não encaixaremna toada festiva doálb<strong>um</strong>). Com estesConcertosMaxim<strong>um</strong> BalloonJazzDowntownno PortoJazz intenso, exploratório,aberto e espiritual.Rodrigo AmadoDaniel Carter + William Parker+ Fe<strong>de</strong>rico UghiCom Daniel Carter (saxofonee piano), William Parker(contrabaixo), Fe<strong>de</strong>rico Ughi(bateria).Porto. Culturgest. Avenida dos Aliados, 104 - Edifícioda CGD. 6ª às 22h00. Tel.: 222098116. 5€.Comissariado pelos imparáveis FilhoÚnico, este espectáculo junta trêsdas mais genuínas e <strong>de</strong>stacadasfiguras do downtown nova-iorquino;o saxofonista Daniel Carter, ocontrabaixista William Parker e obaterista Fe<strong>de</strong>rico Ughi. DanielCarter (saxofone alto e piano) é <strong>um</strong>daqueles raros músicos que sedistancia <strong>de</strong> tudo o que não tenharealmente a ver com a música. Paraele só isso interessa – tocar, partilharo momento com outros músicos ecomunicar através da música. É <strong>um</strong>saxofonista extraordinário, capaz <strong>de</strong>comunicar a mais extrema e puraemoção, e as suas participaçõesalargam-se a projectos tão variadoscomo Anti-Pop Consorti<strong>um</strong> ou Yo LaTengo.William Parker (contrabaixo)quase dispensa apresentações,sendo <strong>um</strong> dos mais po<strong>de</strong>rosos eversáteis improvisadores emactivida<strong>de</strong>. Fe<strong>de</strong>rico Ughi, o mais<strong>novo</strong> dos três, divi<strong>de</strong>-se entre aactivida<strong>de</strong> da sua editora, a 577records, e <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> interessantesprojectos em que participa comobaterista. Juntos, gravaram em 2006“The Dream”, registo que nos dá aspistas para o que iremos ouvir noauditório da Culturgest – jazzintenso, exploratório, aberto eespiritual.Três das mais <strong>de</strong>stacadas figurasdo downtown nova-iorquino; o saxofonista DanielCarter, o contrabaixista William Parkere o baterista Fe<strong>de</strong>rico UghiClássicaConcertocoreográficonaGulbenkianEm “Quatro Elementos-Quatro Estações”, commúsica <strong>de</strong> Rebel e Vivaldi,os instr<strong>um</strong>entistas daAka<strong>de</strong>mie für Alte MusikBerlin são parte activa dacoreografia <strong>de</strong> Juan <strong>de</strong>Garaio Esnaola.Cristina Fernan<strong>de</strong>sQuatro Elementos-QuatroEstaçõesAka<strong>de</strong>mie für Alte Musik BerlinAdriadne Daskalakis (violino)Juan Kruz Diaz <strong>de</strong> Garaio Esnaola(coreógrafo, bailarino)Lisboa, Gran<strong>de</strong> Auditório Gulbenkian, dia 21, às 21h.N<strong>um</strong> dos seus discos recentes aAka<strong>de</strong>mie für Alte Musik Berlin, <strong>um</strong>adas orquestras barrocas <strong>de</strong> topo doactual panorama internacional, e aexímia violinista Midori Seilercombinam as “Quatro Estações”, <strong>de</strong>Vivaldi, com a música <strong>de</strong> “OsElementos”, bailado composto porJean-Féry Rebel em 1737. A gravaçãosurgiu na sequência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a série <strong>de</strong>concertos com coreografia einterpretação do bailarino Juan Kruz44 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


NicholasKraemerdirige oMessias,<strong>de</strong> Han<strong>de</strong>lFrancisca aCortesão, o,acompanhada adas fieis isTroutsMariana aRicardoe ManuelDordioVERA MARMELODiaz <strong>de</strong> Garaio Esnaola produzidospelo Radialsistem Berlim (espaçocriativo para as artes aberto em2006) e registados pela HarmoniaMundi n<strong>um</strong> DVD <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> sucesso.No dia 21, às 21h, este espectáculofora do com<strong>um</strong>, intitulado “QuatroElementos-Quatro Estações”,po<strong>de</strong>rá ser visto na Gulbenkian,contando com a participação daviolinista grega Adriadne Daskalakis,que substitui a anteriormenteanunciada Midori Seiler. Estarecriação musical da Natureza e dosseus ciclos inicia-se com a criação domundo evocada pelo “Caos”retratado com ousadia no primeiroandamento da obra <strong>de</strong> Rebel etermina com a sua <strong>de</strong>cadência. Osinstr<strong>um</strong>entistas da orquestra sãoparte activa da coreografia e daconstrução do espaço cénico e arelação entre o movimento e amúsica e entre o bailarino e osinstr<strong>um</strong>entistas culmina n<strong>um</strong>a forteinteracção teatral entre Esnaola e aviolinista solista.Nascido em 1966 em Legazpi(Espanha), Juan Garaio <strong>de</strong> Esnaola émembro da companhia Sasha Waltzand Guests, na qual colabora comobailarino, assistente, ensaiador,coreógrafo e director musical <strong>de</strong>vários projectos. A sua formaçãoparalela na área da dança e damúsica (estudou no ConservatórioSuperior <strong>de</strong> San Sebastián e naAca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Música Antiga <strong>de</strong>Amesterdão, tendo também <strong>um</strong>acarreira como contratenor ecompositor) tem conduzido adiversas experiências que combinama voz, o movimento e a criaçãomusical como suce<strong>de</strong> em “ArsMelancholiae”, espectáculo estreadoem Berlim em 2008, no qual dirige ecoreografa cinco bailarinos quecantam ao vivo canções compostaspelo próprio Esnaola a partir <strong>de</strong>textos <strong>de</strong> Shakespeare, Bau<strong>de</strong>laire,Rilke, Pessoa e Cioran, entre outros.O regressodo MessiasMessias, <strong>de</strong> Han<strong>de</strong>lOrquestra Metropolitana <strong>de</strong> LisboaCoro Sinfónico Lisboa CantatJoana Seara, Martin Oro, ThomasWalker, Hugo Oliveira (cantoressolistas), Nicholas Kraemer(direcção musical)Lisboa, Centro Cultural <strong>de</strong> Belém, dia 19, às 17h.Pela sua temática e por tradição, aoratória “Messias”, <strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l, é<strong>um</strong>a obra recorrente em concertosalusivos ao Natal e à Páscoa. No dia19, no Centro Cultural <strong>de</strong> Belém, aOrquestra Metropolitana <strong>de</strong> Lisboa(OML) e o Coro Sinfónico LisboaCantat apresentam a sua versão<strong>de</strong>sta partitura em colaboração com<strong>um</strong> criterioso conjunto <strong>de</strong> solistas,que inclui dois jovens cantoresportugueses actualmente a fazercarreira internacional (a sopranoJoana Seara e o barítono HugoOliveira) e os conceituados MartínOro (contratenor) e Thomas Walker(tenor). Com direcção <strong>de</strong> NicholasKraemer, o concerto dá seguimentoao projecto <strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong> trêsobras maiores do século XVIII pelaOML e pelo Coro Lisboa Cantat,iniciado com “A Criação” <strong>de</strong> Haydnno ano passado. Em Março <strong>de</strong> 2011prosseguirá com “As Estações”,também <strong>de</strong> Haydn.Quando o Han<strong>de</strong>l morreu, o“Messias” já tinha sido interpretadopelo menos 56 vezes e a obra nuncasaiu do repertório <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então. Foi aoratória que mais contribuiu para afama do seu autor ainda que a suaherança interpretativa nos séculosXIX e na primeira meta<strong>de</strong> do séculoXX não coincida com as visões quetemos hoje graças às práticashistóricas da música antiga. O“Messias” era sobretudo conhecidoatravés da orquestração <strong>de</strong> Mozart eassociado a <strong>um</strong> estilo pomposo quefazia uso <strong>de</strong> opacas massas vocais einstr<strong>um</strong>entais. Antes das abordagenshistoricamente informadas não teriatalvez sido possível a afirmação domaestro Paul McCreesh, que<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que “o Top 10 das oratórias<strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l é tão grandioso e variadocomo as nove sinfonias <strong>de</strong>Beethoven.” A OML usará,obviamente, instr<strong>um</strong>entosmo<strong>de</strong>rnos, e o Coro Lisboa Cantatapresenta-se na sua dimensãosinfónica (com <strong>um</strong> tamanhocomparável aos gran<strong>de</strong>s coros quecantavam a obra no século XIX e nãoàs formações mais reduzidas dotempo <strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l), mas oconhecimento estilístico da músicabarroca da parte do maestroNicholas Kraemer, cuja formaçãoinicial foi a <strong>de</strong> cravista, promete <strong>um</strong>asolução <strong>de</strong> compromisso. C.F.PopA aventura<strong>de</strong> Tim no circoTim & Companheiros<strong>de</strong> AventuraLisboa. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão, 96.6ª às 22h00 (portas abrem às 21h). Tel.:213240580.22,5€ a 30€. Camarotes: 100€ a 150€.M/3.Primeiro foi no Coliseu do Porto,hoje chegam ao <strong>de</strong> Lisboa. Tim, dosXutos, e os seus Companheiros <strong>de</strong>Aventura (Rui Veloso, Vitorino eCeleste Rodrigues, essa mesma, afadista, que é irmã <strong>de</strong> Amália)fecham com <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> concerto nacapital a primeira fase <strong>de</strong> <strong>um</strong>aaventura que começou há três anos,que foi preciso “remontar a banda. Etambém havia <strong>de</strong> a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que eutivesse <strong>um</strong> espectáculo mais pertodo público.” Para isso, Tim quisfazer “<strong>um</strong> estágio”. Arranjaram <strong>um</strong>sítio, que foi o Braço <strong>de</strong> Prata. “Nãoqueria <strong>um</strong> solo completo, queriatocar com <strong>um</strong> músico ou outro,<strong>de</strong>pois logo se via o que acontecia. Eaí aparecem os vários músicos quese vão juntando e que <strong>de</strong> há trêsanos para cá fazem a banda”, vindos<strong>de</strong> grupos como os Sétima Legião,Madre<strong>de</strong>us, Trovante e outros. Umano <strong>de</strong>pois, quando se juntaram <strong>de</strong><strong>novo</strong> no Braço <strong>de</strong> Prata para festejar,viram que faltava qualquer coisa. “Oque faltava era o nervoso, porque acoisa estava feita.” Lembrou-seentão <strong>de</strong> <strong>de</strong>safiar Rui Veloso, <strong>de</strong>poiso Mário Laginha (“temo-nos cruzadovárias vezes e a sala tem <strong>um</strong> pianobom”) e o grupo acabou porcompor-se com Vitorino e comCeleste Rodrigues (“o baterista, queé o filho do Kalú, cost<strong>um</strong>a dizer queela é a mais punk <strong>de</strong> todos”). Quatronomes mais a juntar a <strong>um</strong> grupo <strong>de</strong>músicos que já ganhara coesão notempo. “Companheiros <strong>de</strong>Aventura”, o nome, veio da canção“A<strong>de</strong>us ó Serra da Lapa”, <strong>de</strong> JoséAfonso. E assim gravaram <strong>um</strong> disco,<strong>de</strong> nome homónimo, e fizeram-se àestrada. “Em si”, diz Tim, “isto po<strong>de</strong>não ter <strong>um</strong> objectivo estético muitomarcado, mas tem <strong>um</strong> objectivoconcreto que é usufruir do facto <strong>de</strong>estarmos vivos, tocarmos juntos,gostarmos uns dos outros,po<strong>de</strong>rmos tocar músicas que não as<strong>nossa</strong>s <strong>de</strong> todos os dias, po<strong>de</strong>rmostrocar <strong>de</strong> lugar no palco.” Essa trocajá começou a alargar-se e po<strong>de</strong> vir aAgendaSexta 17Mísia + Guilla<strong>um</strong>e & The CoutuD<strong>um</strong>onts + Rui Vargas & AndréCascais + Leonaldo <strong>de</strong> Almeida +Mário Valente & Zé Pedro MouraLisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique -Armazém A (Cais da Pedra a Santa Apolónia). 6ª às22h00. Tel.: 218820890. 15€.Inicialmente previsto para 5Novembro.Orquestra Sinfónica do PortoCasa da MúsicaDirecção Musical: Neil Thomson.Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong>Albuquerque. 6ª às 21h00.Sáb. às 18h00. Tel.:220120220. 17€. Jantar-concerto: 30€.Na Sala Suggia. Fantasia <strong>de</strong> Natal.Paint MeDe Stephen Plaice (libreto).Encenação: Rui Horta.Coreografia: Rui Horta. DirecçãoMusical: Joana Carneiro. ComRaquel Camarinha, EduardaMelo, João Rodrigues, Job Tomé,Patricia Quinta, Hugo Oliveira.Com Orquestra SinfónicaPortuguesa. Compositor:Luís Tinoco.Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício daCGD. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 217905155. 25€(sujeito a <strong>de</strong>sconto).No Gran<strong>de</strong> Auditório. M/12.Ver texto págs. 28 e segsDead Combo & Royal Orquestradas CaveirasLisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais doSodré. 6ª às 00h00. Tel.: 213430107. 10€.Apresentação <strong>de</strong> “LusitâniaPlayboys”.ENRIC VIVES-RUBIOter mais nomes e mais discos. Parajá, juntou-se ao grupo TeresaSalgueiro, que esteve no Porto eestará hoje em Lisboa, n<strong>um</strong> palcoon<strong>de</strong> cada <strong>um</strong> tem direito a quatrotemas, alguns partilhados. “Aqui vaiser quase único porque o coliseu jáestá preparado para o circo e nósvamos estar no meio da arena. Porisso acho que este espectáculo aindavai ser mais compartilhado pelopúblico.” Nuno PachecoMinta & The Brook Trout19 <strong>de</strong> Dezembro, 18h Teatro da Luz, Largo da Luz,Carni<strong>de</strong>; tel.: 217 120 600. Bilhetes a 7 euros (vendaantecipada, nas lojas Flur e Matéria Prima) e 10euros no próprio dia.Minta & The Brook Trout, ou seja,Francisca Cortesão, acompanhadadas fieis Trouts Mariana Ricardo eManuel Dordio. Ou seja, a autoraem2009 <strong>de</strong> “Minta & The BrookTrout”, álb<strong>um</strong> <strong>de</strong> melodiasoutonais, coração quente eatenção tão terna quantoobsessiva àquilo que marca a<strong>nossa</strong> vidaSábado 18MGMTLisboa. Praça <strong>de</strong> Touros do Campo Pequeno. CampoPequeno. Sáb. às 21h00 (portas abrem às 20h). Tel.:217820575. 30€ a 33€.Apresentação <strong>de</strong> “Congratulations”. ns”.Ver texto págs. 22 e segsJean-Guihen QueyrasLisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. Sáb. às 19h00. Tel.:217823700.15€ a 25€.No Gran<strong>de</strong> Auditório.The Legendary TigermanGuarda. Teatro <strong>Municipal</strong> da Guarda. Rua BatalhaReis, 12. Sáb. às 21h30. Tel.: 271205241. 10€.No Gran<strong>de</strong> Auditório. Apresentação<strong>de</strong> “Femina”.Mão Morta + Talamasca + TechTwist + TamirisPorto. Hard Club. Praça do Infante, 95 - MercadoFerreira Borges. Sáb. às 22h00. 15€.Na Sala 1. Apresentação <strong>de</strong> “Pesa<strong>de</strong>lo<strong>de</strong> Peluche”.MazganiMaia. Tertúlia Castelense. R. Augusto Nogueira daSilva, 779. Sáb. às 23h30. Tel.: 229829425. 6€.Apresentação <strong>de</strong> “Song of Distance”.Bernardo SassettiLisboa. Trem Azul Jazz Store. R. do Alecrim 21 A. Sáb.às 21h30. Tel.: 213423141. 10€.Ébano e Marfim Piano Festival.Domingo 19Coro e Orquestra Barroca Casa daMúsicaDirecção Musical: Paul Hillier.Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong>reflectida na vida do outro (questão<strong>de</strong> sempre, esta das glórias e dasdores do amor).Domingo, no Teatro da Luz, emCarni<strong>de</strong>, Lisboa, a Minta que vivero<strong>de</strong>ada <strong>de</strong> Laura Viers, GillianWelch ou Tom Waits mostrarácanções do álb<strong>um</strong> <strong>de</strong> estreia ecanções <strong>de</strong> álbuns futuros. Mostraráa sua música em ambientenecessariamente diferente.Chamam-lhe <strong>um</strong> concerto especial etêm fundadas razões para isso. Minta& The Brook Trout não estarãosozinhos. Com eles, chegarão obaterista Nuno Pessoa e <strong>um</strong>a rodaviva<strong>de</strong> companheiros em estúdio eestética como Márcia Santos,Noiserv, João Cabrita, WalterBenjamin e BlackBambi. Umamatiné (o início está marcadopara as 18h) que não seesgotará na memóriados presentes: oconcerto serágravado paraposterior edição nasérie OptimusDiscos. M.L.A primeiraópera <strong>de</strong>Tinoco naCulturgestAlbuquerque.ue Dom. às 18h00. Tel.: 220120220. 11€.Na Sala Suggia. Concerto <strong>de</strong> Natal- obras <strong>de</strong> Monteverdi, Buxtehu<strong>de</strong>,Corelli e Mozart.Mafalda ArnauthAlmada. Fnac (Almada Fór<strong>um</strong>). Caminho<strong>Municipal</strong> 1101 - Vale <strong>de</strong> Mourelos. Dom. às 17h00.Tel.: 707313435. Entrada livre.Apresentação <strong>de</strong> “Fadas”.Segunda 20Harlem Gospel ChoirLisboa. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão,96. Sáb. às 21h30 (portas abrem às 20h30). Tel.:213240580. 18€ a 35€. Camarotes: 180€ a 198€.M/6.Já cantaram com Paul McCartney,Gorillaz, Diana Ross. Já cantarampara Barack Obama. E jáencantaram Portugal, que no anopassado esgotou salas para os ver. Aespiritualida<strong>de</strong> das vozes do HarlemGospel Choir abre alas para aquadra que aí vem, com concertosem Ílhavo (18 <strong>de</strong> Dezembro), Lisboa(20) e Porto (21).David FonsecaLisboa. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz. R. Antº MariaCardoso, 38-58. 2ª, 3ª, 4ª e 5ª às 18h30. Tel.:213257650. 15€.No Jardim <strong>de</strong> Inverno. “U KnowWho I Am - one man, a thousandinstr<strong>um</strong>ents and a Polaroid”.Terça 21Harlem Gospel ChoirPorto. Coliseu do Porto. R. Passos Manuel, 137. 3ªàs 21h30. Tel.: 223394947.25€ a 28€.M/6.Ípsilon • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • 45


ExposiçõesA generosida<strong>de</strong>n<strong>um</strong>aexposiçãoAmbiciosa e imperfeita,é <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> exposiçãoque belisca, sem temor,a autonomia da arte e aconsciência do espectador.José MarmeleiraÀs Artes, Cidadãos!De Ahlam Shibli, Ahmet Ögüt, AndréRomão, Carlos Motta, Chto Delat,João Sousa Cardoso, Nicoline vanHarskamp, Rigo 23, entre outros.Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. Rua Dom João <strong>de</strong> Castro,210. Tel.: 226156500. Até 13/03. 3ª, 4ª, 5ª e 6ª das10h às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h.mmmmmComecemos pelos <strong>de</strong>feitos. Todas asexposições os têm e “Às ArtesCidadãos!”, que no Museu <strong>de</strong>Serralves lida com as intersecçõesentre a arte e a política, não éexcepção: com obras novas erecentes <strong>de</strong> 30 artistas, esten<strong>de</strong>ndoseà capela da Casa <strong>de</strong> Serralves, aoAuditório e à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Porto, raia a<strong>de</strong>smesura. Para perceber a suaambição, basta entrar no hall on<strong>de</strong>“Às Artes, Cidadãos!”: afacilida<strong>de</strong> com que, atravésdas obras <strong>de</strong> arte, <strong>de</strong>spertaa consciência do mundo,da história, do “político” eenreda o espectador n<strong>um</strong>a“encantamento” furiosoconvivem, entre outros, aInternacional Situacionista, asGuerrilla Girls ou Emory Douglas e<strong>um</strong> saco <strong>de</strong> Barbara Kruger. É <strong>um</strong>prólogo ruidoso (a arte a ameaçarsaltar a barricada para o lado doactivismo) com cartazes, livros <strong>de</strong>artista, panfletos, material gráfico.Depois, precipita-se incontrolávelpelo museu a<strong>de</strong>ntro. Um alvoroço.N<strong>um</strong>a sala há trabalhos que parecemincomodados com a presença <strong>de</strong>outros, nos tectos, palavras obrigamnosa levantar a cabeça ou emestreitas escadarias, a interromper a<strong>de</strong>scida. E a meio da corrida, a<strong>de</strong>sorientação instala-se. Há <strong>de</strong> factomuitas obras no Museu, masestranhamente, poucas <strong>de</strong> artistasnacionais. Contam-se apenas cinconomes – André Romão, MarianaSilva, Rigo 23 António <strong>de</strong> Sousa e JoãoSousa Cardoso –, número tíbio,envergonhado, <strong>de</strong>limitado porcritérios <strong>de</strong> selecção que emboralivres e legítimos pecam por rigi<strong>de</strong>z.Então o que redime “Às ArtesCidadãos!”? Um surpreen<strong>de</strong>nteparadoxo: a sua intensa generosida<strong>de</strong>.Ou melhor: a facilida<strong>de</strong> com que,através das obras <strong>de</strong> arte, <strong>de</strong>sperta aconsciência do mundo, da história,do “político” e enreda o espectadorn<strong>um</strong>a “encantamento” furioso, porvezes pungente. Privilegia-se o legadoda arte conceptual e das vanguardasdos anos 60 e dominam a instalação,as intervenções na pare<strong>de</strong>, afotografia e, sobretudo, a palavra.FILIPE BRAGAaMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelenteEsta é <strong>um</strong>a exposição, sublinhe-se,tomada, pela palavra. Arepresentação dos acontecimentosou da história é <strong>de</strong>ixada àrememoração <strong>de</strong> quem chega.N<strong>um</strong> capítulo da série “SpiralLands” <strong>de</strong> Andrea Geyer (Freiburg,Alemanha 1971), lemos textos <strong>de</strong>alguém que recorda o seu passadoíndio. E à medida que lemos, vemosno fundo, sob as letras, fotografias <strong>de</strong>paisagens, <strong>de</strong> sítio sagrados, <strong>de</strong>planaltos. Nada nos diz se sãoimagens antigas ou feitas pela artista.O que interessa é a simultaneida<strong>de</strong> daexperiência, a aliança entre texto eimagem, que revela <strong>um</strong>a História semHistória (a do povo nativo norteamericano).E há mais palavras,frases no museu. Nos sloganspoéticos do colectivo francês ClaireFontaine, que do tecto e das pare<strong>de</strong>sexortam à greve h<strong>um</strong>ana (greve aosexo, à produção, ao quotidiano, aoamor), nos manuscritos <strong>de</strong> Dahan Voque alu<strong>de</strong>m ao colonialismo e àreligião, na provocação às políticasda arte <strong>de</strong> Stefan Brüggemann: “Tobe political it has to look nice”.Avançam-se alguns passos e apalavra ce<strong>de</strong> lugar à participação.Entre 1999 e 2001, o artistaaustraliano Tom Nicholsonfotografou os títulos dos livros queele próprio ajudou a doar à novabiblioteca <strong>de</strong> Díli, incendiada pelasmilícias pró-Indonésia logo após oreferendo. E com esses títulos criou<strong>um</strong> livro que qualquer visitante po<strong>de</strong>levar para casa. Com <strong>um</strong>a condição:em troca <strong>de</strong>ve doar outro para aUniversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Díli. Assim, nomuseu, <strong>um</strong>a pilha diminui <strong>de</strong>tamanho, enquanto outra cresce paraforjar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a jovemnação. A proposta do colombianoCarlos Motta, concebida a partir daacção “Deus Pobre”, consiste emgrupos <strong>de</strong> puzzles <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong>religiosos que na América Latinalutaram e morreram em <strong>de</strong>fesa dospobres e dos povos índios. Oexercício <strong>de</strong> combinar as peças ganha<strong>um</strong> sentido menos lúdico quandoouvimos nos auscultadores o relatoda opressão da Igreja Católica pelavoz <strong>de</strong> <strong>um</strong> padre do século XVII.A história dos vencidos (no caso <strong>de</strong>Motta, a Teologia da Libertação) étambém <strong>um</strong>a sucessão <strong>de</strong> catástrofesna comovente série fotográfica“Tra<strong>um</strong>a” da palestiniana AhlamShibli. Ou <strong>um</strong>a narrativa empermanente reconstrução, entre opassado e o presente, como sugere oarquivo-instalação <strong>de</strong> SimonWachsmuth sobre a antiguida<strong>de</strong>clássica. Po<strong>de</strong>r-se-ia pensar que ÀsArtes e os Cidadãos encerra <strong>um</strong>a notapessimista ou nostálgica. Não. Háespaço para celebrações: do corpo do“outro” na instalação <strong>de</strong> AntónioSousa Cardoso, da participaçãopolítica, segundo o colectivo russoChto Delat? ou <strong>de</strong> <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> povona instalação <strong>de</strong> Rigo 23. Esta é <strong>um</strong>aexposição generosa on<strong>de</strong> as obras seoferecem para <strong>de</strong>ixar o museu.AgendaInauguramEncomendas Namban.Os Portugueses no Japãoda Ida<strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rnaLisboa. Museu do Oriente. Av. Brasília - EdifícioPedro Álvares Cabral - Doca <strong>de</strong> Alcântara Norte.Tel.: 213585200. De 17/12 a 31/05. 6ª das 10h às22h. 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, Sáb. e Dom. das 10h às 18h.Inaugura 17/12 às 18h30.Objectos, Outros.ContinuamBes Revelação 2010De Carlos Mesquita,Eduardo Guerra, Miguel Ferrão,Mónica Baptista.Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. Rua Dom João <strong>de</strong>Castro, 210. Tel.: 226156500. De 26/11 a 16/01.3ª a 6ª das 10h às 17h. Sáb., Dom. e Feriadosdas 10h às 19h.Fotografia.Os ProfessoresDe Álvaro Lapa, Ângela Ferreira,Eduardo Batarda, João Queiroz,Manuel Botelho, Miguel Branco,Pedro Morais, Rui Sanches.Lisboa. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> AzeredoPerdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:217823474. Até 02/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.Pintura, Escultura, Outros.Res Publica - 1910 e 2010Face a FaceDe Adriano <strong>de</strong> Sousa Lopes,Ângela Ferreira, Armanda Duarte,Bruce Na<strong>um</strong>an, Eurico Linodo Vale, Nuno Maya, GabrielOrozco, Guillermo Kuitca,Joana Vasconcelos,Rodrigo Oliveira, entre outros.Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até 16/01.3ª a Dom. das 10h às 18h.Pintura, Fotografia, Ví<strong>de</strong>o, Outros.João QueirozLisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício daCGD. Tel.: 217905155. Até 09/01. 2ª, 4ª, 5ª e 6ªdas 11h às 19h (última admissão às 18h30). Sáb.,Dom. e Feriados das 14h às 20h (última admissãoàs 19h30).MontageDe Filipa César.Vila do Con<strong>de</strong>. Solar - Galeria <strong>de</strong> Arte Cinemática.Solar <strong>de</strong> S. Roque. Tel.: 252646516. Até 26/12. 3ª a6ª das 14h30 às 18h. Sáb. e Dom. das 10h às 18h.Un<strong>de</strong>rdogsDe OBEY, Alexandre Fartoaka VHILS, Mar, Ram, Sphiza,Tosco, Adres, entre outros.Lisboa. Vera Cortês - Agência <strong>de</strong> Arte.Avenida 24 <strong>de</strong> Julho, 54 - 1ºE. Tel.: 213950177.De 26/11 a 15/01. 3ª a Sáb. das 14h às 19h.Pintura, Outros.Falemos <strong>de</strong> Casas:Entre o Norte e o SulDe vários autores.Lisboa. Museu ColecçãoBerardo. Praça do Império- Centro Cultural <strong>de</strong> Belém.Tel.: 213612878. Até 16/01.Sáb. das 10h às 22h 2h (últimaadmissão às 21h30). 2ª aDom. das 10h às 19h (últimaadmissão às 18h30).Trienal <strong>de</strong> Arquitectura<strong>de</strong> Lisboa.Arquitectura,Outros.João Queirozna CulturgestDANIEL ROCHA46 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon


EXPOSIÇÃO *09Jack presents BESart/// DE 25 DE NOVEMBRO A 17 DE FEVEREIROANDRÉ PRÍNCIPE // CHRISTOPHER WILLIAMS // HIN CHUA //HANS-PETER FELDMANN // JOAO FELINO // JOAO SIMOES //JOÃO FERRO MARTINS // MARTHA ROSLER // JONATHAN LEWIS //LOUISE LAWLER // THOMAS STRUTH // STEPHEN SHORE //WOLFGANG TILMANS //// MORADAPraça Marquês <strong>de</strong> Pombalnº3, 1250-161 Lisboa// TELEFONE21 359 73 58// HORÁRIOSegunda a Sextadas 9h às 21h// EMAILbesarte.financa@bes.pt

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!