“Não consigo dizer se há <strong>um</strong> sentidoprimário na <strong>nossa</strong> música”, diz BrentKnopf ao telefone <strong>de</strong> Colónia, <strong>um</strong> certotom <strong>de</strong> hesitação na voz. Depois <strong>de</strong><strong>um</strong> “h<strong>um</strong>” que redobrou essa impressão<strong>de</strong> dúvida. “Vejamos: não fazemoscanções <strong>de</strong> amor, não fazemos canções<strong>de</strong> rock tout court” e a fraseper<strong>de</strong>-se em reticências... “Talvez sejamcanções on<strong>de</strong> o coração encontraa cabeça”, diz por fim, interrompendo<strong>um</strong> silêncio vagamente incómodo.Depois, como quem já se esforço<strong>um</strong>ais do que está habituado, acaba oseu micro-pensamento: “Há <strong>um</strong> pouco<strong>de</strong> tristeza, mas não sei dizer maisque isto”.A incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brent Knopf em<strong>de</strong>finir a música dos Menomena nãoé pose nem se <strong>de</strong>ve a qualquer dificulda<strong>de</strong>na articulação <strong>de</strong> palavrassob a forma <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias. Este trio <strong>de</strong> Portland(que se completa com JustinHarris e Danny Seim, sendo os trêsmulti-instr<strong>um</strong>entistas) carrega <strong>de</strong>s<strong>de</strong>há seis anos, aquando da estreia com“I Am the Fun Blame Monster!”, oepíteto <strong>de</strong> banda indie-rock. Masquem ouvir “Mines”, o quarto e maisrecente álb<strong>um</strong> (e <strong>um</strong> dos objectos bizarrosmais cativantes <strong>de</strong> 2010), facilmenteconclui que a <strong>de</strong>signação éredutora.Caos e or<strong>de</strong>mA música dos Menomena, não sendopropriamente <strong>um</strong> labirinto sem saídaou o jardim <strong>de</strong> Alice, é, pelo menos,<strong>um</strong>a casa com muitos quartos, portassecretas, janelas que dão para pare<strong>de</strong>stapadas e uns quantos alçapões.Um riff à Led Zepellin po<strong>de</strong> dar lugara <strong>um</strong>a melodia <strong>de</strong>licada ao piano antes<strong>de</strong> metais dispararem pela cançãoa<strong>de</strong>ntro como o tráfego no Marquêsà hora <strong>de</strong> ponta.E isto é o disco mais “certinho” dotrio. Aquele em que a melodia é maispresente e, por consequência, a dicotomiaentre caos e or<strong>de</strong>m se tornamais explícita. A i<strong>de</strong>ia, note-se, não é<strong>nossa</strong>, é <strong>de</strong> Knopf.“Por mais imprevisíveis que as <strong>nossa</strong>scanções sejam”, avança com h<strong>um</strong>ilda<strong>de</strong>,“acho que há nelas <strong>um</strong> padrãoperceptível: vão-se tornandointensamente mais caóticas, <strong>de</strong>poishá <strong>um</strong>a ameaça <strong>de</strong> perigo e finalmenteregressa-se à or<strong>de</strong>m”. E é isso quelhes interessa – “e muito”, acrescentao músico: “Essa dicotomia entre caose or<strong>de</strong>m”.Podiam ser as palavras <strong>de</strong> <strong>um</strong> progrockerdos anos 70, <strong>de</strong> <strong>um</strong> miúdo comacne apaixonado pelos Faust ou <strong>de</strong><strong>um</strong> poseur a armar ao pingarelho artisteiro.Mas há sincerida<strong>de</strong> nas palavras– e dá-se o caso <strong>de</strong> não só a <strong>de</strong>scriçãoser correcta como ele não fazergala <strong>de</strong>ssa “paixão” por fazer cançõesque não obe<strong>de</strong>cem ao ritual versoponte-refrão.“Acho, honestamente, que pelo menosconscientemente não nos passapela cabeça fazer música para surpreen<strong>de</strong>rquem quer que seja. Agora,damos por nós a pôr mais coisas emais coisas n<strong>um</strong>a canção porque temos<strong>de</strong> as ouvir muitas vezes e queremos,ao ouvir várias vezes a mesmacanção, que nos pareça a cada vezestar a ouvir <strong>um</strong>a canção diferente,porque se não torna-se insuportavelmenteaborrecido”.Estamos agora em território bemmais prosaico, totalmente <strong>de</strong>spido <strong>de</strong>grandiosas ambições vanguardistas.Knopf começa a alinhavar hipótesespara a geometria cambaleante queestrutura as canções dos Menomena.Primeira hipótese, quase caricata:“Eu acho que temos défice <strong>de</strong> atenção.Esse nosso lado <strong>de</strong> surpresa, <strong>de</strong>composição sempre em mudança,tem a ver com a facilida<strong>de</strong> com quenos aborrecemos”.Segunda hipótese, quase, digamos,Com os Menomena“Acho que em vez<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>rmosa tocar bemapren<strong>de</strong>mos a tocarmal. O quetem vantagens”adulta: “O nosso som tem muito a vercom a combinação das <strong>nossa</strong>s personalida<strong>de</strong>s– ou as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> combinação,o que seria mais correcto <strong>de</strong>dizer. Antes, os nossos gostos erammuito próximos, mas com o tempo,com a ida<strong>de</strong>, os nossos gostos começarama afastar-se: o Justin gosta <strong>de</strong>rock mais clássico, é <strong>de</strong>le que vêm osriffs, o Danny ouve sobretudo hip-hope eu gosto <strong>de</strong> T-Rex mas também <strong>de</strong>Zombies. E acabo por ser quem trazos acor<strong>de</strong>s mais escuros, os arranjosmais estranhos”.É difícil traduzir aquilo que Knopf<strong>de</strong>fine como “os acor<strong>de</strong>s mais escuros,os arranjos mais estranhos”, mas digamosque há sempre na música dosMenomena <strong>um</strong>a sombra em fundo,algo que prenuncia que a qualquermomento a melodia solar que agoraecoa será nublada e ventos vindos nãose sabe <strong>de</strong> on<strong>de</strong> eclodirão – <strong>um</strong> sopro<strong>de</strong> metais, <strong>um</strong>a rabanada <strong>de</strong> riffs, apercussão aos trambolhões ou tudoisto ao mesmo tempo on<strong>de</strong> antes estava<strong>um</strong> piano em sorrisos. Se quiserem:a dita “harmonia”, nos Menomena,é algo <strong>de</strong> pouco pacífico, maispróxima <strong>de</strong> <strong>um</strong> choque entre cabeçasn<strong>um</strong>a formação or<strong>de</strong>nada norugby do que <strong>de</strong> passarinhos a chilrarn<strong>um</strong> campo primaveril.O que leva à terceira teoria sobrea incerteza na música dos Menomena:a importância do erro (tese <strong>de</strong>Brent Knopf ). “Usamos todas aslínguas que sabemos falar”, começapor afirmar, em jeito <strong>de</strong> explicaçãodo modus operandi da banda,para rapidamente chegar a <strong>um</strong>auto-<strong>de</strong>preciativo “o que na realida<strong>de</strong>é muito pouco”. Depois vema honestida<strong>de</strong>: “Para ser sinceroacho que em vez <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>rmosa tocar bem apren<strong>de</strong>mos a tocarmal. O que tem vantagens: as minhasmelhores i<strong>de</strong>ias vêm <strong>de</strong> erros.Engano-me a tocar qualquercoisa e gosto mais do erro do quedo que estava a fazer. Acredito– e se calhar estou a ser ingénuo– que a ingenuida<strong>de</strong> é melhorque ser virtuoso. A virtuosida<strong>de</strong>faz-me adormecer”.E finalmente, <strong>de</strong> forma simpática,Knopf oferece <strong>um</strong> res<strong>um</strong>odo que subjaz à estranha músicados Menomena: “Basicamentenós gostamos <strong>de</strong> coisas que funcionam<strong>de</strong> modo que não erasuposto funcionarem”.É isso a música dos Menomena:põe-se <strong>um</strong>a fatia <strong>de</strong> pão nofrigorífico e sai <strong>de</strong> lá <strong>um</strong>a torrada.Não há melhor que isto.Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 43e segs.O trioPortland:Brent Knopf,Justin Harrise Danny Seimo errado é que está certoO quarto disco dos Menomena, “Mines”, é <strong>um</strong> dos mais bizarros objectos rock do ano:melodias cândidas, metais <strong>de</strong>svairados, portas secretas e uns quantos alçapões. João Bonifácio24 • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • Ípsilon
Dave Sitekbrinca norecreio da popO membro dos TV on the Radio meteu-se n<strong>um</strong> estúdioem LA com “as melhores vozes do mundo”. Nasceu oprojecto Maxim<strong>um</strong> Balloon e <strong>um</strong> disco a solo que não ébem <strong>um</strong> disco a solo. Pedro Rios“Maxim<strong>um</strong> Balloon” é <strong>um</strong>aponte entre a carreira <strong>de</strong>produtor <strong>de</strong> Sitek e a suaexperiência <strong>de</strong> banda nos TV onthe Radio.Dave Sitek é <strong>um</strong> homem ocupado. Émembro dos TV on the Radio, produziudiscos <strong>de</strong> gente tão diferentescomo os Yeah Yeah Yeahs, ScarlettJohansson e artistas <strong>de</strong> menor dimensão,fez remisturas para Beck ou NineInch Nails, é pintor e fotógrafo. Em2008, o “New Musical Express” foiao ponto <strong>de</strong> lhe dar o posto cimeiro<strong>de</strong> <strong>um</strong>a lista das 50 pessoas mais visionáriasda indústria.Como se a sua agenda fosse pequena,Sitek <strong>de</strong>cidiu meter-se n<strong>um</strong>a empreitadaque lhe faltava: <strong>um</strong> disco asolo.Na verda<strong>de</strong>, o primeiro álb<strong>um</strong> <strong>de</strong>Sitek, que escolheu a <strong>de</strong>signação Maxim<strong>um</strong>Balloon, não é bem <strong>um</strong> álb<strong>um</strong>a solo. Experimentou trabalhar sozinhon<strong>um</strong>a versão dos Troggs para acompilação “Dark Was the Night”, em2009, mas em “Maxim<strong>um</strong> Balloon”preferiu calar-se e ce<strong>de</strong>r o microfonea velhos cúmplices (como os companheiros<strong>de</strong> banda Kyp Malone e Tun<strong>de</strong>A<strong>de</strong>bimpe ou Karen O, dos YeahYeah Yeahs) e a nomes inéditos napágina <strong>de</strong> colaborações do seu currículo(David Byrne, ex-Talking Heads,e Ambrosia Parsley, dos Shivaree).Mais do que <strong>um</strong> disco a solo, “Maxim<strong>um</strong>Balloon” é <strong>um</strong>a ponte entre acarreira <strong>de</strong> produtor <strong>de</strong> Sitek e a suaexperiência <strong>de</strong> banda nos TV on theRadio. Ele confirma-o, ao telefonecom o Ípsilon, em Los Angeles. “Éexactamente como dizes. Foi <strong>um</strong>aoportunida<strong>de</strong> para fazer o que façocom outros tipos <strong>de</strong> música, mas também<strong>de</strong> incorporar elementos da músicados TV on the Radio. Foi <strong>um</strong>atransição natural”. Foi <strong>um</strong>a oportunida<strong>de</strong>,como explicou ao “site”Brooklyn Vegan, <strong>de</strong> “usar 35 sintetizadores”porque não os terá que levarem digressão, algo impossível nos TVon the Radio. Uma utopia <strong>de</strong> <strong>um</strong> bicho<strong>de</strong> estúdio.Equipa <strong>de</strong> sonhoO álb<strong>um</strong> coincidiu com a mudança<strong>de</strong> Dave Sitek <strong>de</strong> Nova Iorque para amais l<strong>um</strong>inosa Los Angeles, on<strong>de</strong> agoravive. Foi no <strong>novo</strong> estúdio caseirona californiana, a que chamou Fe<strong>de</strong>ralPrism, que gravou o disco, n<strong>um</strong>cenário diferente do estúdio sem janelason<strong>de</strong> produziu trabalhos dosLiars, Yeah Yeah Yeahs e dos própriosTV on the Radio. “Nova Iorque tambémpo<strong>de</strong> ser optimista, mas quisexperimentar algo diferente. Achoque foi o sol, mais do que a cida<strong>de</strong> -aqui tenho muito mais sol”, diz aoÍpsilon.“Tiger”, com Aku, dos Dragons ofZynth, foi o ponto <strong>de</strong> partida para <strong>um</strong>disco que é, sobretudo, <strong>um</strong> conjunto<strong>de</strong> canções, sem gran<strong>de</strong> ligação entresi. Coube aos vocalistas escolher oque queriam cantar. O mentor <strong>de</strong> Maxim<strong>um</strong>Balloon <strong>de</strong>u <strong>um</strong>a ajuda, insistindo,por exemplo, com o “rapper”Theophilus London para fazer outra“Foi <strong>um</strong>aoportunida<strong>de</strong>para fazer o que façocom outros tipos<strong>de</strong> música,mas também <strong>de</strong>incorporar elementosda música dos TVon the Radio. Foi <strong>um</strong>atransição natural”coisa que não “rappar” - pô-lo a cantarem “Groove Me”.“Já ia a mais <strong>de</strong> meio do disco quando<strong>de</strong>cidi que ia ser <strong>um</strong> disco”, refereDave Sitek, para quem estas são “asmelhores vozes do mundo”. “Limiteimea fazer <strong>um</strong>as canções e em juntálas.Parecia-me lógico fazê-las compessoas que conhecesse”, explica.Mas não se ficou pelos cúmplices docost<strong>um</strong>e. Um amigo ouviu “ApartmentWrestling”, <strong>um</strong>a “funkalhada”a lembrar os Talking Heads, e pensou:“‘Meu Deus, o Byrne ficaria muitobem aqui’”. “Dei-lhe a faixa, elepô-la a tocar para o David e ele gostou.Foi tudo muito simples, não háqualquer mistério”.Sitek diz que quis “experimentarcom a música <strong>de</strong> dança”, mas reconheceque também o faz nos TV onthe Radio (“Maxim<strong>um</strong> Balloon” é, porém,bem mais festivo e leve, sem aarquitectura <strong>de</strong> camadas que faz dasua banda <strong>um</strong> caso especial). “Aquifiz as coisas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a maneira diferente”,afirma. Insistimos e lá elaboraque este é <strong>um</strong> disco em que reina a“canção pop, com três ou quatro minutos”.“Normalmente não faço issonos TV on the Radio. Foi sobretudoisso: experimentar a fórmula pop”.A diferença foi que, <strong>de</strong>sta feita, fazerpop “foi o único objectivo”. “Nãotinha a sensação que <strong>de</strong>via estar afazer outra coisa”, res<strong>um</strong>e. “Maxim<strong>um</strong>Balloon” revela <strong>um</strong> Dave Sitekapaixonado por “Let’s hear it for theboy”, clássico <strong>de</strong> Deniece Williams(diz que andou a vida toda a tentarfazer o seu próprio “Let’s hear it forthe boy” e que “Maxim<strong>um</strong> Balloon”foi quando mais se aproximou do objectivo),pelo funk branco <strong>de</strong> “GoodEnough”, <strong>de</strong> Cindy Lauper, por NileRodgers, pelos Chic.Sitek mostra agora, sem subterfúgios,o gosto antigo pelas melodiasperfeitas, que o levou a cantar n<strong>um</strong>grupo vocal “barbershop” nos temposdo liceu e a pertencer à Socieda<strong>de</strong>para a Preservação e Promoção dosQuartetos Barbershop na América –tudo factos que escondia, muito convenientemente,da banda <strong>de</strong> hardcoreque tinha na altura. Em 2010, jánão há nada a escon<strong>de</strong>r: até <strong>um</strong> íconedo indie mo<strong>de</strong>rno po<strong>de</strong> brincar <strong>um</strong>pouco e fazer <strong>um</strong> disco pop.Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 43 e segs.Ípsilon • Sexta-feira 17 Dezembro 2010 • 25