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Há um novo Alain Platel à nossa espera - Fonoteca Municipal de ...

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Cinismo?Essa dúvida metódica sobre a veracida<strong>de</strong>do “ano perdido” <strong>de</strong> JoaquinPhoenix, contudo, abre o flancoa acusações <strong>de</strong> cinismo e sobranceria.A reflexão que sequer instigar nasce <strong>de</strong> <strong>um</strong>agenuína vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> levantarquestões sérias, ou éapenas consequência<strong>de</strong> <strong>um</strong>a partida <strong>de</strong> universitáriosirresponsáveis(<strong>um</strong> “Jackass”teórico, se quisermos)que ganhouvida para lá dai<strong>de</strong>ia original? Enão é <strong>um</strong>a questãocasual: nestesdias emque os “realityshows” televisivos“escrevem”a supostarealida<strong>de</strong>dosseus acontecimentos,será possívelainda olharpara <strong>um</strong> objectocomoeste acreditandona suaveracida<strong>de</strong>?Andy Kaufman (o próprio à esquerdae na interpretação <strong>de</strong> Jim Carreyem “Homem na Lua”, à direita)levava a sua arte ao limite <strong>de</strong> nãose conseguir perceber on<strong>de</strong> terminavaa “performance” e começavaa realida<strong>de</strong>mentiraCasey Affleck sobre a celebrida<strong>de</strong>, chega às salas portuguesas.ainda fará sentido? Jorge MourinhaApós a apresentação fora <strong>de</strong> concursodo filme no festival <strong>de</strong> Veneza,em Setembro, Casey Affleck mostrouserelutante em respon<strong>de</strong>r abertamenteà pergunta. Mas invocou, pelomeio das elipses com que respon<strong>de</strong>u,a presença tutelar <strong>de</strong> Gus van Sant (aquem, aliás, se agra<strong>de</strong>ce no genéricofinal). “As coisas têm <strong>de</strong> se revelar sozinhas”— essa terá sido a gran<strong>de</strong> liçãoque o actor/realizador tirou da rodagem<strong>de</strong> “Gerry” (2001), e isso acaboupor ser <strong>um</strong>a “pista” para quem quisesseolhar para o filme com olhos <strong>de</strong>ver e reconhecer nele os sinais <strong>de</strong> <strong>um</strong>asátira radical levada às últimas consequências.Quando revelou a verda<strong>de</strong> ao jornal“New York Times”, pouco após a estreiaamericana, Affleck confessouque achava óbvio para qualquer espectadoratento que se tratava <strong>de</strong> <strong>um</strong>aficção - “a questão da realida<strong>de</strong> nãoera algo que eu achasse que iria existir<strong>de</strong>pois das pessoas terem visto ofilme”. Mas talvez tenha sido esse oerro <strong>de</strong> cálculo que <strong>de</strong>ita a per<strong>de</strong>r“I’m Still Here”. Para o bem e para omal, a exigência <strong>de</strong> concentração queo cinema coloca, pela própria naturezado seu dispositivo, não se compa<strong>de</strong>cecom a estrutura mais fluida aque nos habituámos na televisão e nainternet. O gran<strong>de</strong> écrã presta-se, naturalmente,a formas narrativas <strong>de</strong>Em vez <strong>de</strong> fazer tudopara sustentara celebrida<strong>de</strong>,recusá-la, abandonara imagem préexistentee partirem busca <strong>de</strong> <strong>um</strong>“segundo acto”(negando, noprocesso, a afirmação<strong>de</strong> F. Scott Fitzgerald:“não existemsegundos actos nasvidas americanas”)maior fôlego, enquanto a televisãoabre espaço a formatos e construçõesmais curtas e económicas.Também por isso, “I’m Still Here”não resulta no gran<strong>de</strong> ecrã porque, àimagem dos “Borat” ou “Brüno”, sentimosque esta sucessão <strong>de</strong> episódiosautónomos não constrói <strong>um</strong> fio condutorlinear que sustente <strong>um</strong>a duração<strong>de</strong> longa-metragem. O essencialdo que aqui se joga não pe<strong>de</strong> o “larger-than-life”da sala <strong>de</strong> cinema, massim o permanente bombar<strong>de</strong>amentoinformativo que permeia o nosso quotidianonos ecrãs do televisor, do computador,do telemóvel. Affleck e Phoenixnão compreen<strong>de</strong>ram que o seuprojecto, pela sua própria natureza,era algo mais multimediático, que viviano constante limbo <strong>de</strong> r<strong>um</strong>ores eincertezas do ciclo noticioso <strong>de</strong> 24horas do que na limitação do gran<strong>de</strong>écrã. Não porque este tipo <strong>de</strong> experiênciasnão tenha espaço no cinema,apenas porque se sente que quer anatureza quer o pormenor do seuprojecto não foram pensadas às últimasconsequências.Não por acaso, a produtora formadapor Affleck e Phoenix para efeitosdo filme chama-se They Are Going ToKill Us Productions – como quem sabeà partida que o resultado vai fazêlosser “persona non grata” junto do“establishment” que se preten<strong>de</strong> satirizar.Mas a maior <strong>de</strong>cepção <strong>de</strong> “I’mStill Here” não é que o filme fiqueaquém dos seus propósitos: é que,enquanto a dúvida sobre a sua veracida<strong>de</strong>existia, o lema <strong>de</strong> Andy Kaufmansobre “testar o modo como osoutros lidam com a realida<strong>de</strong>” faziatodo o sentido. A partir do momentoem sabemos que nada é verda<strong>de</strong>, comose po<strong>de</strong> <strong>de</strong>safiar o espectador alidar com <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> que nãoexiste?Casey Afflecke o seu actorROBERT GALBRAITH/ REUTERSÍpsilon • Sexta-feira 17Dezembro em2010• 31

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