ficam as palavras nesse jogo, se são tão inquietas no romance que abriga o diário <strong>de</strong>Paulo? 6[...] as palavras todas quietas no ca<strong>de</strong>rnonunca mais as solto prometoabre-se a janela e os castanheiros, a vinhanenhuma frase a <strong>de</strong>smentir-me, a escapar-seo quintal mesmo aquinenhuma frase a <strong>de</strong>smentir-me salvo por um instante, um instantezinho não seassuste (ANTUNES, 2001:474-475).Esse modo não habitual <strong>de</strong> tratar a palavra po<strong>de</strong> ser compreendido neste estudo apartir da etimologia da palavra “<strong>a<strong>na</strong>morfose</strong>”, pois “morfose” significa a aquisição <strong>de</strong>uma forma, enquanto <strong>a<strong>na</strong>morfose</strong>, quer dizer “formado <strong>de</strong> novo”. Portanto, todo oprocesso <strong>de</strong> criação do autor culmi<strong>na</strong> em metamorfose, pois esta implica a mudançacompleta da forma. Logo, as vozes que pertencem a essas perso<strong>na</strong>gens cujos “vagosrostos” são informes, fazem parte <strong>de</strong> uma <strong>na</strong>rrativa marcada por uma perspectiva em<strong>a<strong>na</strong>morfose</strong>, cuja escrita in<strong>de</strong>finida se mantém em um processo contínuo <strong>de</strong> mudança,<strong>de</strong>sdobrando-se em metamorfose.Recebido em outubro <strong>de</strong> 2009Aprovado em novembro <strong>de</strong> 2009NOTAS1 O ensaísta Mourão-Ferreira, ao falar sobre a qualida<strong>de</strong> literária dos primeiros romances <strong>de</strong> AntonioLobo Antunes, afirma que eles [...] caracterizam-se por uma extrema <strong>de</strong>senvoltura <strong>de</strong> estrutura e escrita,em que os eventos se vêem convocados através <strong>de</strong> constantes mutações <strong>de</strong> planos temporais e em quemuito livremente funcio<strong>na</strong>m os processos <strong>de</strong> enca<strong>de</strong>amento ou <strong>de</strong> associação, numa linguagem <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>riqueza imagística, por vezes mesmo ofegantemente barroca, que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o uso reiterado da gíria aregistos do mais transbordante lirismo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> certa obsessão escatológica à sugestiva oportunida<strong>de</strong> dasmais variadas alusões culturais (MOURÃO-FERREIRA, 198: 419).2 Na segunda meta<strong>de</strong> do século XX, a revitalização do barroco como um meio <strong>de</strong> expressão dasmanifestações artísticas contemporâneas surge a partir <strong>de</strong> uma proposta <strong>de</strong> autores latino-americanos,
entre os quais Lezama Lima, Alejo Carpentier e Severo Sarduy, este último autor <strong>de</strong> Barroco, obra queteoriza uma nova vertente estética <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>da “neobarroco”.3 Segundo Wölflin, são cinco os pares <strong>de</strong> conceitos fundamentais ao longo da história da arte. Um <strong>de</strong>lesdiz que “do clássico ao barroco a evolução se dá da forma fechada para a forma aberta. Embora toda aobra <strong>de</strong> arte se apresente como uma forma fechada e completa em si mesma, a comparação entre asformas clássicas e barrocas revela o segundo muito mais solto e flexível, enquanto o clássico obe<strong>de</strong>ce àsleis rígidas <strong>de</strong> construção. In: WÖLFFLIN, Henrich. Re<strong>na</strong>scença e Barroco. São Paulo: Perspectiva,2005:16.4 No ensaio “La simulación”, Sarduy diz que “La a<strong>na</strong>morfosis y el discurso <strong>de</strong>l a<strong>na</strong>lizante como forma <strong>de</strong>ocultación: algo que se oculta al sujeto – <strong>de</strong>l allí su malestar – que no se lê revelará más que gracias a umcambio <strong>de</strong> sitio. El sujeto está implicado em la lectura <strong>de</strong>l espectáculo, em el <strong>de</strong>sciframiento <strong>de</strong>l discurso,precisamente porque eso que <strong>de</strong> inmediato no logra oír o ver lo concierne directamente en tanto quesujeto. Lo inquietante es que la relacíon frontal <strong>de</strong>l sujeto al espetáculo no pueda consi<strong>de</strong>rarse como algoadquirido com la certeza <strong>de</strong> uma premisa.”. In: SARDUY, S. Obra Completa. Gustavo Guerrero yFrançois Wahl, coords, Madrid, ALLCA XX, Scipione Cultural, 1999:1276-77.5 Nuno Júdice <strong>de</strong>staca, em ensaio sobre a obra <strong>de</strong> António Lobo Antunes, as palavras do autor: “O quepretendo é transformar a arte do romance, a história é o menos importante [...] a intriga não me interessa,o que queria não é tanto que me lessem mas que vivessem o livro. As emoções são anteriores às palavrase o repto é traduzir essas emoções, tentar que as palavras ‘signifiquem’ essas emoções [...] Como fazemos poetas”. “Os mapas do humano em António Lobo Antunes”. In: A escrita e o mundo em António LoboAntunes. Actas do Colóquio Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Évora. Organização Eunice Cabral, CarlosJ.F. Jorge e Christine Zurbach. Lisboa: Dom Quixote: 2003. (JÚDICE, 2003: 316).6 Acerca <strong>de</strong>sse jogo lúdico entre o autor e o leitor, Barthes diz: “Esse leitor, é mister que eu o procure(que eu o “drague”), sem saber on<strong>de</strong> ele está. Um espaço <strong>de</strong> fruição fica então criado. Não é a “pessoa”do outro que me interessa, é o espaço: a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma dialética do <strong>de</strong>sejo, <strong>de</strong> uma imprevisão do<strong>de</strong>sfrute: que os dados não estejam lançados, que haja jogo. (BARTHES, 2004: 9).REFERÊNCIASANTUNES, António. Não entres tão <strong>de</strong>pressa nessa noite escura. 4ª. ed., Lisboa: DomQuixote, 2000.______. Que farei quando tudo ar<strong>de</strong>? 2ª. Ed., Lisboa: Dom Quixote, 2001.BARTHES, Roland. O prazer do texto. 4ª ed., São Paulo: Editora Perspectiva, 2004.CHIAMPI, Irlemar. Barroco e mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: ensaios sobre literatura latino-america<strong>na</strong>.São Paulo: Perspectiva, 1998.JÚDICE, Nuno. “Os Mapas do humano em António Lobo Antunes”. A escrita e omundo em Antonio Lobo Antunes. Actas do Colóquio Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong>