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PAIS HUMILHADOS, FILHOS PERVERSOS* - novosestudos.com.br

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ISMAIL XAVIERo encaixando na tradição de desafios do Cinema Novo, <strong>com</strong>o em Todanudez, <strong>com</strong> o adendo, em O casamento, da forte inclinação para o grotescoe o abjeto do Cinema Marginal.O ponto de encontro entre o cinema político dos jovens cineastas e odramaturgo conservador foi esta tônica do desagradável, esta consciênciado caráter agressivo de uma intervenção no espaço da cultura que assumeo seu lado de "diatribe moral" 2 , advertência. Ao <strong>com</strong>entar estes dois filmes,me detive no momento mais profícuo do diálogo, ponto em que talconsciência moral se mostrou menos engessada, uma vez que radicalizou olado <strong>com</strong>édia dos textos, a ironia. Deslocamento de ênfase na representaçãoda experiência — do debate das questões do poder na esfera pública paraa dissecação da vida privada — que não abandona a vontade de umdiagnóstico geral da nação que marcou a experiência do Cinema Novo aodiscutir a sociedade. Na diatribe, os cineastas não aderem aos termos maisabsolutos do diagnóstico de época avançado pelo dramaturgo nas ocasiõesem que explicitou seu pensamento so<strong>br</strong>e o progresso e o desenvolvimentodo país, para ele simples fatores de inserção do Brasil na "mais cínica detodas as épocas". No entanto, não há dúvida de que o encontro resulta deum movimento do cinema político em direção a um nítido desencanto <strong>com</strong>os termos da modernização <strong>br</strong>asileira a partir do momento em que estapassou a ser gerenciada pelo regime militar instalado em 64 e consolidadoapós o Ato-5 de dezem<strong>br</strong>o de 68. Foi este desencanto que tornou a reflexãoso<strong>br</strong>e o Brasil feita pelos egressos do Cinema Novo mais amarga, pessimista,tendente à agressão. De 1967 em diante, o cinema <strong>br</strong>asileiro colecionoupersonagens paradigma do fracasso — tais <strong>com</strong>o Paulo Martins, o bandidoda luz vermelha, Paulo Honório, os Medeiros, os Santana da Terra, o Matosmodernizador de O dragão da maldade, o Macunaíma de Joaquim Pedro,personagens que criaram o contexto afinado à inserção dos Herculanos, dosSabinos, dos Noronhas. Se não se tratou, obviamente, de um sentimentotradicionalista de solidão nos termos de Nelson Rodrigues — "no Brasil dehoje o verdadeiro católico é um ser em solidão total" —, houve no cinemaessa presença, forte e reiterada, de um sentimento de des<strong>com</strong>passo <strong>com</strong> osrumos da sociedade. Ocasião para uma releitura crítica do imagináriopatriarcal no momento de sua ativação pelo regime autoritário, mas tambémpara a sensação de exílio na modernidade que se fez solo fértil para afloração do diálogo <strong>com</strong> o dramaturgo, Nelson Rodrigues e Arnaldo Jaborsintonizados num particular: o gosto pela dicção apocalíptica 3 .(2) A tendência a um estilohiperbólico, de fundo moralapocalíptico,<strong>com</strong>o ponte entreNelson Rodrigues e certos momentosdo Cinema Novo estáexpressa <strong>com</strong> toda ênfase noseu texto so<strong>br</strong>e Terra em transe,o qual assim termina: "Nósestávamos cegos, surdos e mudospara o óbvio. Terra emtranse era o Brasil. Aquelessujeitos retorcidos em danaçõeshediondas somos nós. Queríamosver uma mesa bem posta,<strong>com</strong> tudo nos seus lugares, pratos,talheres e uma impressãode Manchete. Pois Glauber nosdera um vômito triunfal. Ossertões, de Euclides, tambémfoi o Brasil vomitado. E qualquero<strong>br</strong>a de arte, para ter sentidono Brasil, precisa ser estagolfada hedionda". Ver O reacionário— Memórias e confissões.Rio de Janeiro: EditoraRecord, 1977, pp. 37-8.(3) Há um percurso da falaapocalíptica, indignada, dentrodo trabalho de Jabor, referida,de um lado, a Glauber Rocha e,de outro, a Nelson Rodrigues.A discussão deste percurso exigea observação de outros traçosde Toda nudez e de Ocasamento, bem <strong>com</strong>o a consideraçãodo movimento posteriordo cineasta, de Tudo bemàs crônicas mais recentes dejornal. É o que farei no artigoque segue.Recebido para publicação emoutu<strong>br</strong>o de 1993.Ismail Xavier é professor docurso de Cinema da Escola deComunicações e Artes da USP.Já publicou nesta revista "Olabirinto da inveja" (Vol. 2,N° 1).Novos EstudosCEBRAPN° 37, novem<strong>br</strong>o 1993pp. 59-81NOVEMBRO DE 1993

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