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38 | | março de 2016<br />

Mundo alienado de mim<br />

És a gaivota que canta<br />

A natureza alheia das coisas<br />

A outra face<br />

Leandro<br />

Jardim<br />

Céu à mesa<br />

A cabeça erguida<br />

e um entorno de construções<br />

de baixas estaturas<br />

nos dá dimensão<br />

da altura do céu<br />

(devolve-o à cidade,<br />

como um entre nós).<br />

Nos apresenta também<br />

suas textura e idade.<br />

E o edifício de concreto<br />

Erguido noutro século<br />

És o silêncio das árvores<br />

Acomodadas ao vento<br />

E o passo dos velhinhos<br />

Veloz através do tempo<br />

És o frio imperceptível<br />

No audível murmúrio de tudo<br />

E o mais que ainda me escondes<br />

Mundo alienado de mim<br />

És a sombra no chão que esquenta<br />

E o esquecimento acima de tudo<br />

O choro do meu filho<br />

E alguma paz que surpreende<br />

És o trigo a negar o joio<br />

E o joio a despeito disso<br />

O poema que atravessa<br />

O que nunca se pensou<br />

Eu sou a face<br />

Face à face<br />

Da vitória<br />

Mas sou derrota e liberdade<br />

Autonomia<br />

Em meio à farra de excluídos<br />

Eu me incluí<br />

Do feto à foice<br />

Ou pelo instante de uma festa<br />

Onde encarei<br />

Frente a frente<br />

O rosto maleável<br />

E severo da verdade<br />

Que me mentiu solenemente.<br />

Um prédio que some<br />

Um prédio que some<br />

Quase em curva<br />

Por trás de outro prédio<br />

Como se dobrasse<br />

A esquina<br />

Quase em fuga<br />

Ser de humores que é,<br />

está mais pálido hoje,<br />

embora cinza eu o veja.<br />

Um velho à beira da noite.<br />

Faço, então, um convite<br />

pra que se sente comigo.<br />

Temos climas parecidos.<br />

Ofereço uma cerveja,<br />

mas ele prefere um vinho.<br />

Eu pago, logo. E calo,<br />

me basta ouvi-lo.<br />

Entretanto, ele sussurra<br />

em ventos de volume tão baixo,<br />

e chora lágrimas tão serenas,<br />

— ainda que frias —<br />

que não o ouço.<br />

Mas é por isso que me comovo.<br />

O que mais ainda me escondes<br />

Mundo alienado de mim?<br />

Esquecido da minha existência<br />

Não sabes, mundo, quem eu sou<br />

É daí que não me exiges glória<br />

E me liberto de tua vã regência<br />

Não me obrigas mais à gravidade<br />

Nem à consciência sã da finitude<br />

E daí me faço todo o resto<br />

Das coisas que também não percebes<br />

Me torno a fala do objeto inanimado<br />

A vida das ideias jamais postas em papel<br />

A ruidosa ausência do estrondo<br />

E a chama no oceano profundo eu sou<br />

Me pode um chapéu vestir o ventre<br />

E dele saberei parir a soma equívoca<br />

Serei, pois, tudo que de ti escapa<br />

Mundo alienado de mim<br />

Um edifício partindo<br />

Com suas toneladas<br />

De concreto decorado<br />

E fundações profundas<br />

Que aponta para o longe<br />

Aponta um horizonte<br />

Que ele mesmo esconde<br />

Um amontoado em si<br />

De residências fixas<br />

Com a leveza de uma criança<br />

Que amadurece<br />

Sem perceber<br />

E cresce para o distante<br />

Noutro lugar<br />

Uma construção singular<br />

Como essa — pelo menos<br />

Desse ponto<br />

De vista —<br />

Nos fala muito pouco<br />

Estática, exibe apenas<br />

Uma beleza daquelas<br />

Tão belas<br />

Que não se entende como pode<br />

Leandro Jardim<br />

É poeta, letrista e compositor. Autor dos livros de<br />

poesia Todas as vozes cantam e Peomas.<br />

Publicou também a antologia de contos de<br />

Rubores. Vive no Rio de Janeiro (RJ).<br />

Serei, pois, tudo que em ti não se entende<br />

Mundo alienado de mim<br />

E o que mais ainda assim me escondes<br />

Mundo alienado de mim<br />

Leia mais<br />

www.rascunho.com.br

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