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8 | | março de 2016<br />
as peças, você depende dos atores e diretores.<br />
Isso pode ser frustrante, mas também é parte<br />
da atração e do charme de escrever uma peça.<br />
• O experimento com Het bestand foi<br />
uma tentativa de entender o processo<br />
criativo. O que você descobriu?<br />
Isso é algo que você deveria perguntar<br />
aos neurocientistas e eles ainda estão trabalhando<br />
nos resultados. Em outras palavras,<br />
seja paciente. [Enquanto escrevia o romance<br />
Het bestand (que significa o arquivo, mas<br />
ainda sem tradução) em seu apartamento,<br />
cientistas mediam sua atividade cerebral, suas<br />
emoções e sensações subjetivas. Usando exames<br />
de imagem e medidas fisiológicas como<br />
ECG, resposta galvânica da pele e EEG, e<br />
questionários subjetivos para o autor, pesquisadores<br />
correlacionaram a escrita de passagens<br />
de alta carga emocional à atividade fisiológica.<br />
A segunda fase do experimento ocorreu<br />
no Laboratório Grunberg na Universidade<br />
de Amsterdã, onde a atividade cerebral de voluntários<br />
era medida enquanto eles liam o romance<br />
em condições controladas.]<br />
• Você menciona Isaac Babel com um de<br />
seus autores favoritos. Entre as características<br />
em comum, vocês compartilham<br />
a experiência jornalística e o fato que isso<br />
contribuiu de forma importante ao<br />
trabalho com ficção. Que outros traços<br />
comuns você vê?<br />
Vejo a melancolia, a violência, a melancolia<br />
da violência, e a violência da melancolia.<br />
• O papel do romancista é o de segurar o<br />
espelho para a sociedade, ou a literatura<br />
só responde a si própria?<br />
Houellebecq disse que você deve colocar<br />
o dedo na ferida. Não sei se ele sempre<br />
coloca na ferida certa, mas em geral, ele tem<br />
razão. Você, o autor, deve procurar a ferida e<br />
cutucar bem aí.<br />
• Seu trabalho recebeu importantes prêmios<br />
e reconhecimento pela forma de tratar<br />
de temas altamente sensíveis, como<br />
anorexia, incesto, herança nazista, etc.<br />
Você parece dedicar artesania considerável<br />
ao incluir humor ou violência no texto,<br />
em medida precisa. Há algum lugar<br />
onde a literatura não deva ir?<br />
Se o autor tiver talento, a literatura<br />
pode ir a qualquer lugar, mas naturalmente<br />
talento consiste em também estar consciente<br />
das limitações do seu material. No entanto,<br />
não há regras gerais.<br />
• O politicamente correto exerce uma<br />
pressão confinadora sobre a criatividade?<br />
É mais presente agora do que no passado?<br />
Não sou de forma alguma contra o<br />
politicamente correto (p.c.). É algo que pode<br />
tornar-se extremo, mas o movimento<br />
contra o p.c. em geral é grosseiro e, às vezes<br />
mais, às vezes menos, abertamente racista.<br />
Ser humano significa também estar consciente<br />
das sensibilidades de outras pessoas.<br />
Um romance é um veículo complexo, diferente<br />
de um editorial — literatura e arte em<br />
geral existem, entre outras coisas, para brincar<br />
com tabus. Mas eu não sou confinado<br />
pelo p.c., e nas colunas que escrevo para um<br />
jornal holandês, procuro defender o p.c.<br />
• Você ainda crê que “tudo é literatura,<br />
a busca da verdade”, como afirmou em<br />
uma entrevista há alguns anos?<br />
Sim, literatura busca a verdade, se não<br />
eu iria procurar outro trabalho. Não é só a<br />
verdade que a literatura busca, ou seria a filosofia,<br />
mas a verdade é importante.<br />
Leia ao lado a resenha de Tirza.<br />
Arnon Grunberg<br />
por Ramon Muniz<br />
Paternidade:<br />
modo de usar<br />
Em Tirza, de Arnon Grunberg, um pai fracassa<br />
sucessivamente no amor pela filha<br />
Vivian Schlesinger | São Paulo - SP