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e “Maria-Rapaz”, que têm sido<br />
os filmes mais aclamados deste<br />
Ciclo. São dois filmes que tocam<br />
em questões que, atualmente,<br />
começam a ser mais faladas pela<br />
sociedade e que, muitas vezes pela<br />
mediatização, despertam mais<br />
curiosidade e interesse. “Intersexion”<br />
é um filme documentário<br />
que apresenta testemunhos reais<br />
de pessoas que nascem com uma<br />
variação de cromossomas sexuais<br />
que não são nem XX nem XY e/ou<br />
que nascem com um órgão genital<br />
que seja uma variação do que<br />
se considera ser o sexo masculino<br />
e o sexo feminino. O principal factor<br />
que faz gerar tanto interesse<br />
nesta temática é o facto de, muitas<br />
vezes, estas pessoas sejam alvo<br />
de cirurgias à nascença de forma<br />
a adaptar o orgão sexual ao sexo<br />
masculino ou ao sexo feminino,<br />
possibilitando conflitos de identidade<br />
de género na adolescência.<br />
Quanto ao filme “Maria-Rapaz”,<br />
é um filme francês premiado que<br />
nos fala sobre a descoberta do<br />
género na infância. É um filme<br />
interessante que toca no assunto<br />
da identidade e expressão de género<br />
de uma forma subtil e inteligente.<br />
Um filme inserido num ciclo de<br />
cinema LGTBI não tem necessariamente<br />
que ser visto ou dirigido<br />
a um homosexual ou lésbica ou<br />
outro...<br />
E.C.: É claro que não. Os filmes do<br />
Ciclo de Cinema LGBTI, ou mesmo<br />
os filmes com estas temáticas, não<br />
são apenas para pessoas LGBTI. A<br />
importância destes eventos e destes<br />
filmes é principalmente o factor pedagógico<br />
que têm para a sociedade em<br />
geral. O que acontece é que, muitas<br />
vezes, as pessoas têm medo de frequentar<br />
estes eventos com medo de<br />
serem percecionadas como lésbicas,<br />
gays, bissexuais, trans ou intersexo...<br />
A curiosidade é grande mas o medo e<br />
receio também. Ou seja, a homofobia<br />
e a transfobia afeta não só a comunidade,<br />
como se pode ver.<br />
O cinema pode ser um importante<br />
veículo de esclarecimento e de<br />
desmitificação da realidade LGBTI?<br />
E.C.: É relativo. Existem filmes<br />
que não abordam estas questões da<br />
melhor forma e, quando abordadas,<br />
existem estereótipos e preconceitos<br />
embutidos. Daí ser importante haver<br />
e frequentar eventos como o Ciclo de<br />
Cinema LGBTI da rede ex aequo, que<br />
permite a visualização de filmes que<br />
abordam temáticas LGBTI de uma<br />
forma exemplar e pedagógica, partindo<br />
então o esclarecimento e a desmitisficação<br />
da realidade LGBTI.<br />
Qual é a realidade do cinema LGBTI<br />
em Portugal? Há público e apoios?<br />
E.C.: Há alguns realizadores independentes<br />
portugueses que têm interesse<br />
nesta temática, como o Luís Filipe<br />
Rocha que realizou em 2006, ‘A<br />
outra margem’. Mas continua a haver<br />
uma sub-representação da população<br />
LGBTI e há muitos filmes de temática<br />
que não chegam a passar no cinema<br />
como o Freeheld, Danish Girl e Carol,<br />
que não passaram em nenhuma das<br />
salas de cinema da <strong>Madeira</strong>.<br />
Como é que descreve a realidade<br />
LGBTI, a nível geral, e que desafios<br />
enfrenta?<br />
E.C.: A visibilidade atenua os casos<br />
de discriminação mas estes continuam<br />
presentes, tanto em contextos<br />
sociais, escolares, profissionais como<br />
familiares. A juventude LGBTI está<br />
numa situação de particular fragilidade<br />
devido à dependência económica,<br />
que se prolonga cada vez mais na idade<br />
adulta e que é muitas vezes fator<br />
de inibição e repressão. No entanto,<br />
têm sido alcançados marcos legislativos<br />
de extrema importância, sendo<br />
Portugal um dos países com mais proteção<br />
legal para a população LGBTI,<br />
mas as leis não são tudo e a discriminação<br />
continua a existir. Questões<br />
que ultrapassam as projeções legais já<br />
estão previstas. Por exemplo, a utilização<br />
do espaço público e o coming<br />
out no trabalho e na família. O próximo<br />
passo é existirmos sem que isso<br />
traga qualquer tipo de repercussões,<br />
sejam olhares, comentários ou qualquer<br />
tipo de agressão física e psicológica.<br />
Note-se que, o atentado à discoteca<br />
de Orlando, para além de um<br />
exemplo de homofobia internalizada,<br />
foi sem dúvida um crime de ódio direcionado<br />
à população LGBTI, e o facto<br />
de não ter sido reconhecido como<br />
tal, transparece todo o trabalho social<br />
e cultural que ainda há a fazer para<br />
reconhecer as agressões que sofremos.<br />
Este atentado aconteceu num<br />
espaço que se pensava ser seguro e<br />
inclusivo para a população LGBTI e<br />
é uma prova de que é necessário conquistar<br />
o espaço público e combater a<br />
segregação.<br />
E na <strong>Madeira</strong>, qual é realidade<br />
LGBTI? Como é que vivem e<br />
sentem numa realidade como a<br />
<strong>Madeira</strong> e que trabalho têm vindo a<br />
desenvolver?<br />
E.C: O único espaço dedicado à comunidade,<br />
verdadeiramente, foi encerrado<br />
recentemente, e a grande maioria<br />
dos espaços presentes no chamado<br />
roteiro gay não são espaços assim<br />
tão abertos quanto se pode pensar. As<br />
únicas alturas de verdadeira liberdade<br />
para alguns de nós encontram-se em<br />
alturas como o Carnaval ou a Noite<br />
das Bruxas, ou dentro de uma casa<br />
exclusivamente nossa, para aqueles<br />
que possuem esse privilégio. Sermos<br />
abertos, termos orgulho, muitas<br />
vezes não é uma escolha que possamos<br />
fazer, não sem represálias. Muito<br />
menos sem um espaço para sermos<br />
quem somos sem complexos. Mas talvez<br />
não serão nossos os complexos.<br />
Apenas sofremos com eles. A <strong>Madeira</strong><br />
não dispõe ainda de uma associação<br />
LGBTI legalmente assumida mas<br />
achamos ser algo importante, assim<br />
como o ciclo de cinema. A nossa prioridade<br />
é dar uma rede de apoio e uma<br />
comunidade aos jovens que precisam<br />
disso. Discutir ideias e assuntos que<br />
ainda não tinham sido considerados<br />
pelos mesmos. Uma associação provavelmente<br />
acontecerá na <strong>Madeira</strong>,<br />
a seu tempo. Vamos focarmo-nos nas<br />
atividades do grupo ex aequo funchal,<br />
nomeadamente os encontros que fazemos<br />
de duas em duas semanas e que<br />
prestam apoio à juventude LGBTI.<br />
Fora isso, voltaremos a trazer o Ciclo<br />
de Cinema LGBTI ao Funchal, maior<br />
e melhor do que foi desta vez. Há<br />
também a vontade de realizar iniciativas<br />
que venham a promover a visibilidade<br />
LGBTI e a informação, de uma<br />
forma geral, para a sociedade e acreditamos<br />
que isso será traduzido em<br />
mais eventos no futuro.<br />
A terminar, o que é ser LGBTI?<br />
E.C.: É uma característica de personalidade<br />
como tantas outras que é de<br />
forma discriminatória sobrevalorizada<br />
em certos casos. Tem de ser uma<br />
característica como as outras que, no<br />
seu conjunto, constituem a pessoa.<br />
O percurso de coming out e vivência<br />
da orientação sexual e identidade<br />
e expressão de género nem sempre<br />
é fácil mas mesmo quando pensamos<br />
que não o ultrapassaremos, existem<br />
outras pessoas como nós, que já<br />
passaram pelo mesmo e que sabem<br />
que viver em plenitude, respeitando a<br />
pessoa que és, é muito mais digno do<br />
que escondermo-nos. Sempre que este<br />
percurso apresentar maiores dificuldades,<br />
a rede Ex aequo e o grupo Ex<br />
aequo Funchal está cá como uma plataforma<br />
para conheceres pessoas com<br />
dicas, opiniões e experiências sobre o<br />
processo que estás a passar. ><br />
saber | Setembro | 2016 15