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Saber Madeira

Revista Saber Madeira 232

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e “Maria-Rapaz”, que têm sido<br />

os filmes mais aclamados deste<br />

Ciclo. São dois filmes que tocam<br />

em questões que, atualmente,<br />

começam a ser mais faladas pela<br />

sociedade e que, muitas vezes pela<br />

mediatização, despertam mais<br />

curiosidade e interesse. “Intersexion”<br />

é um filme documentário<br />

que apresenta testemunhos reais<br />

de pessoas que nascem com uma<br />

variação de cromossomas sexuais<br />

que não são nem XX nem XY e/ou<br />

que nascem com um órgão genital<br />

que seja uma variação do que<br />

se considera ser o sexo masculino<br />

e o sexo feminino. O principal factor<br />

que faz gerar tanto interesse<br />

nesta temática é o facto de, muitas<br />

vezes, estas pessoas sejam alvo<br />

de cirurgias à nascença de forma<br />

a adaptar o orgão sexual ao sexo<br />

masculino ou ao sexo feminino,<br />

possibilitando conflitos de identidade<br />

de género na adolescência.<br />

Quanto ao filme “Maria-Rapaz”,<br />

é um filme francês premiado que<br />

nos fala sobre a descoberta do<br />

género na infância. É um filme<br />

interessante que toca no assunto<br />

da identidade e expressão de género<br />

de uma forma subtil e inteligente.<br />

Um filme inserido num ciclo de<br />

cinema LGTBI não tem necessariamente<br />

que ser visto ou dirigido<br />

a um homosexual ou lésbica ou<br />

outro...<br />

E.C.: É claro que não. Os filmes do<br />

Ciclo de Cinema LGBTI, ou mesmo<br />

os filmes com estas temáticas, não<br />

são apenas para pessoas LGBTI. A<br />

importância destes eventos e destes<br />

filmes é principalmente o factor pedagógico<br />

que têm para a sociedade em<br />

geral. O que acontece é que, muitas<br />

vezes, as pessoas têm medo de frequentar<br />

estes eventos com medo de<br />

serem percecionadas como lésbicas,<br />

gays, bissexuais, trans ou intersexo...<br />

A curiosidade é grande mas o medo e<br />

receio também. Ou seja, a homofobia<br />

e a transfobia afeta não só a comunidade,<br />

como se pode ver.<br />

O cinema pode ser um importante<br />

veículo de esclarecimento e de<br />

desmitificação da realidade LGBTI?<br />

E.C.: É relativo. Existem filmes<br />

que não abordam estas questões da<br />

melhor forma e, quando abordadas,<br />

existem estereótipos e preconceitos<br />

embutidos. Daí ser importante haver<br />

e frequentar eventos como o Ciclo de<br />

Cinema LGBTI da rede ex aequo, que<br />

permite a visualização de filmes que<br />

abordam temáticas LGBTI de uma<br />

forma exemplar e pedagógica, partindo<br />

então o esclarecimento e a desmitisficação<br />

da realidade LGBTI.<br />

Qual é a realidade do cinema LGBTI<br />

em Portugal? Há público e apoios?<br />

E.C.: Há alguns realizadores independentes<br />

portugueses que têm interesse<br />

nesta temática, como o Luís Filipe<br />

Rocha que realizou em 2006, ‘A<br />

outra margem’. Mas continua a haver<br />

uma sub-representação da população<br />

LGBTI e há muitos filmes de temática<br />

que não chegam a passar no cinema<br />

como o Freeheld, Danish Girl e Carol,<br />

que não passaram em nenhuma das<br />

salas de cinema da <strong>Madeira</strong>.<br />

Como é que descreve a realidade<br />

LGBTI, a nível geral, e que desafios<br />

enfrenta?<br />

E.C.: A visibilidade atenua os casos<br />

de discriminação mas estes continuam<br />

presentes, tanto em contextos<br />

sociais, escolares, profissionais como<br />

familiares. A juventude LGBTI está<br />

numa situação de particular fragilidade<br />

devido à dependência económica,<br />

que se prolonga cada vez mais na idade<br />

adulta e que é muitas vezes fator<br />

de inibição e repressão. No entanto,<br />

têm sido alcançados marcos legislativos<br />

de extrema importância, sendo<br />

Portugal um dos países com mais proteção<br />

legal para a população LGBTI,<br />

mas as leis não são tudo e a discriminação<br />

continua a existir. Questões<br />

que ultrapassam as projeções legais já<br />

estão previstas. Por exemplo, a utilização<br />

do espaço público e o coming<br />

out no trabalho e na família. O próximo<br />

passo é existirmos sem que isso<br />

traga qualquer tipo de repercussões,<br />

sejam olhares, comentários ou qualquer<br />

tipo de agressão física e psicológica.<br />

Note-se que, o atentado à discoteca<br />

de Orlando, para além de um<br />

exemplo de homofobia internalizada,<br />

foi sem dúvida um crime de ódio direcionado<br />

à população LGBTI, e o facto<br />

de não ter sido reconhecido como<br />

tal, transparece todo o trabalho social<br />

e cultural que ainda há a fazer para<br />

reconhecer as agressões que sofremos.<br />

Este atentado aconteceu num<br />

espaço que se pensava ser seguro e<br />

inclusivo para a população LGBTI e<br />

é uma prova de que é necessário conquistar<br />

o espaço público e combater a<br />

segregação.<br />

E na <strong>Madeira</strong>, qual é realidade<br />

LGBTI? Como é que vivem e<br />

sentem numa realidade como a<br />

<strong>Madeira</strong> e que trabalho têm vindo a<br />

desenvolver?<br />

E.C: O único espaço dedicado à comunidade,<br />

verdadeiramente, foi encerrado<br />

recentemente, e a grande maioria<br />

dos espaços presentes no chamado<br />

roteiro gay não são espaços assim<br />

tão abertos quanto se pode pensar. As<br />

únicas alturas de verdadeira liberdade<br />

para alguns de nós encontram-se em<br />

alturas como o Carnaval ou a Noite<br />

das Bruxas, ou dentro de uma casa<br />

exclusivamente nossa, para aqueles<br />

que possuem esse privilégio. Sermos<br />

abertos, termos orgulho, muitas<br />

vezes não é uma escolha que possamos<br />

fazer, não sem represálias. Muito<br />

menos sem um espaço para sermos<br />

quem somos sem complexos. Mas talvez<br />

não serão nossos os complexos.<br />

Apenas sofremos com eles. A <strong>Madeira</strong><br />

não dispõe ainda de uma associação<br />

LGBTI legalmente assumida mas<br />

achamos ser algo importante, assim<br />

como o ciclo de cinema. A nossa prioridade<br />

é dar uma rede de apoio e uma<br />

comunidade aos jovens que precisam<br />

disso. Discutir ideias e assuntos que<br />

ainda não tinham sido considerados<br />

pelos mesmos. Uma associação provavelmente<br />

acontecerá na <strong>Madeira</strong>,<br />

a seu tempo. Vamos focarmo-nos nas<br />

atividades do grupo ex aequo funchal,<br />

nomeadamente os encontros que fazemos<br />

de duas em duas semanas e que<br />

prestam apoio à juventude LGBTI.<br />

Fora isso, voltaremos a trazer o Ciclo<br />

de Cinema LGBTI ao Funchal, maior<br />

e melhor do que foi desta vez. Há<br />

também a vontade de realizar iniciativas<br />

que venham a promover a visibilidade<br />

LGBTI e a informação, de uma<br />

forma geral, para a sociedade e acreditamos<br />

que isso será traduzido em<br />

mais eventos no futuro.<br />

A terminar, o que é ser LGBTI?<br />

E.C.: É uma característica de personalidade<br />

como tantas outras que é de<br />

forma discriminatória sobrevalorizada<br />

em certos casos. Tem de ser uma<br />

característica como as outras que, no<br />

seu conjunto, constituem a pessoa.<br />

O percurso de coming out e vivência<br />

da orientação sexual e identidade<br />

e expressão de género nem sempre<br />

é fácil mas mesmo quando pensamos<br />

que não o ultrapassaremos, existem<br />

outras pessoas como nós, que já<br />

passaram pelo mesmo e que sabem<br />

que viver em plenitude, respeitando a<br />

pessoa que és, é muito mais digno do<br />

que escondermo-nos. Sempre que este<br />

percurso apresentar maiores dificuldades,<br />

a rede Ex aequo e o grupo Ex<br />

aequo Funchal está cá como uma plataforma<br />

para conheceres pessoas com<br />

dicas, opiniões e experiências sobre o<br />

processo que estás a passar. ><br />

saber | Setembro | 2016 15

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