15.11.2016 Views

Revista Criticartes 3 Ed

Ano I, nº. 3 - 2015

Ano I, nº. 3 - 2015

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>Revista</strong> <strong>Criticartes</strong> | 2º Trimestre de 2016 / Ano I - nº. 03<br />

E as mulheres gritavam,<br />

Dois jogadores de xadrez jogavam<br />

O seu jogo contínuo.<br />

(REIS; PESSOA, 1916).<br />

Assim como os jogadores de<br />

xadrez, Ricardo Reis é um personagem<br />

que tem o olhar apenas no jogo, não se<br />

atentando no que acontece fora dele.<br />

Addis-Abeba está em chamas, as<br />

ruas cobertas de mortos, os salteadores<br />

arrombam as casas, violam,<br />

saqueiam, degolam mulheres e crianças,<br />

enquanto as tropas de Badoglio<br />

se aproximam (...). Addis-Abeba<br />

está em chamas, as ruas cobertas de<br />

mortos (...) (SARAMAGO, 2006, p.<br />

305).<br />

O autor Saramago apropria-se do<br />

poema mais de uma vez, repete para mostrar<br />

que retoma o poema como se fosse o<br />

refrão, e a partir dele começava a contar a<br />

história política naquele momento. Ele<br />

não apenas cita o poema de Ricardo Reis,<br />

mas faz uma nova releitura dizendo que<br />

os jogadores de xadrez agora somos nós.<br />

Ouvi contar que outrora, quando a<br />

Pérsia, esta é a página, não outra,<br />

este o xadrez, e nós os jogadores, eu<br />

Ricardo Reis, tu leitor meu, ardem<br />

casas, saqueadas são as arcas e as<br />

paredes, mas quando o rei de marfim<br />

está em perigo, que importa a<br />

carne e o osso das irmãs e das mães e<br />

das crianças, se a carne e o osso<br />

nosso em penedo convertido, mudado<br />

em jogador, e de xadrez<br />

(SARAMAGO, 2006, p. 307).<br />

Esse trecho é muito rico em informações,<br />

pois o autor o está remetendo ao<br />

poema de Ricardo Reis (Fernando Pessoa)<br />

e se referindo que nós somos os jogadores<br />

de xadrez. É representativo por vários<br />

motivos: um dos tipos é o texto diferente<br />

(discurso dos líderes, os textos de jornais);<br />

poemas de Ricardo Reis (vários poemas);<br />

figura do Adamastor com que ele<br />

compara Ricardo Reis observando o mundo;<br />

cria uma realidade à parte que não se<br />

compromete com o real, mistura poemas<br />

com textos históricos, que na verdade cria<br />

uma escrita nova, provocando no leitor<br />

ser o protagonista do que o autor escreveu,<br />

levando-o a não acreditar em tudo<br />

que esteja escrito.<br />

Assim, mais do que contar a história<br />

de Portugal, o autor Saramago, em O<br />

ano da Morte de Ricardo Reis, através da<br />

sua inteligência, dá uma morte ao heterônimo<br />

de Fernando Pessoa. Sendo assim,<br />

mais do que metaficcional, é também historiográfico,<br />

no sentido em que mapeia a<br />

cidade de Lisboa, com os fatos históricos<br />

criando uma nova versão da história, marcado<br />

de ironia, misturado com poemas,<br />

trechos de jornais, livros, etc. Considerado,<br />

portanto, um romance pósmodernista<br />

e contemporâneo, pois se utilizou<br />

desses temas históricos e combateu<br />

as formas tradicionais da narrativa romanesca,<br />

e fez um jogo com o leitor metaforizando<br />

o jogo de xadrez, etc., instigando a<br />

usar seu conhecimento intertextual e<br />

fazer parte desse jogo.<br />

NOTAS:<br />

(1) Resenha Crítica da obra O ano da Morte de<br />

Ricardo Reis, realizado para obtenção de crédito<br />

da disciplina Narrativas Literárias Contemporâneas<br />

do programa do Mestrado em Letras da<br />

UFGD, em Jun./2015.<br />

(2) Graduado em Letras com ênfase em Literatura<br />

(UFGD); Especializado em <strong>Ed</strong>ucação Especial<br />

(UNIVALE/ ESAP); Pesquisador na área de<br />

memórias, arquivos, autobiografias desde Feve-<br />

- 22 -

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!