ARTIGO Cidadania se constrói com voz e respeito José Augusto Araújo <strong>de</strong> Noronha Presi<strong>de</strong>nte da OAB Paraná A liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão é, ao mesmo tempo, fruto e pilar da <strong>de</strong>mocracia. Só as socieda<strong>de</strong>s verda<strong>de</strong>iramente <strong>de</strong>mocráticas garantem que seus cidadãos possam se manifestar livremente, sem represálias. Ao mesmo tempo, a <strong>de</strong>mocracia se alimenta da multiplicida<strong>de</strong> e da troca <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias proporcionada pela livre agremiação e pela livre expressão. Para nós, brasileiros, o valor da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão não é conceito teórico, aprendido nos livros. A história recente nos mostra o quão caro pagamos para nos livrar da censura típica dos regimes ditatoriais. Dos anos <strong>de</strong> chumbo ficam a memória e a lição daquilo que <strong>de</strong>vemos evitar. Felizmente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1988, o direito <strong>de</strong> cada brasileiro à livre manifestação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, opiniões e pensamentos está garantido pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral, em seu artigo 5.º, inciso IX. Contudo, mesmo na base do Estado Democrático, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão não é um direito absoluto. Ainda no artigo 5.º, inciso XVI, a própria Constituição <strong>de</strong>fine que “todos po<strong>de</strong>m reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> autorização, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autorida<strong>de</strong> competente”. Ou seja, como um conjunto <strong>de</strong> princípios harmônicos, a Constituição garante os atos públicos, mas, por óbvio, não dá margem para que sejam realizados em contextos <strong>de</strong> violência ou <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m. Como em junho <strong>de</strong> 2<strong>01</strong>3 e em fevereiro <strong>de</strong> 2<strong>01</strong>4, assistimos novamente, na capital do Paraná, a cenas <strong>de</strong> <strong>de</strong>predação e vandalismo que nos envergonham, por mostrar que nossa cida- dania não está no grau <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> que imaginávamos ter alcançado, e que colocam em <strong>de</strong>scrédito a garantia constitucional às manifestações. Protestos em vias públicas são um saudável e <strong>de</strong>mocrático recurso para o exercício da cidadania. Contudo, como quaisquer outras situações da vida em socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vem ocorrer <strong>de</strong>ntro dos limites do respeito à or<strong>de</strong>m legal. Quando manifestantes se aproveitam <strong>de</strong> um questionamento legítimo para <strong>de</strong>predar prédios públicos e privados, não apenas praticam atos ilícitos, mas também prestam um imenso <strong>de</strong>sfavor à socieda<strong>de</strong> e muitas vezes <strong>de</strong>sestimulam simpatizantes da causa. Afinal, ao <strong>de</strong>sprezar a livre manifestação e ao usá-la como mero disfarce para a prática <strong>de</strong> atos <strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong>, há um verda<strong>de</strong>iro ataque à própria cidadania, violentando a história <strong>de</strong> muitos que lutaram para que a liberda<strong>de</strong> fosse plena. Desse modo, também confun<strong>de</strong>m os cidadãos <strong>de</strong> bem e colocam em xeque um princípio que tantos anos <strong>de</strong> luta custou aos brasileiros. As manifestações <strong>de</strong> opinião diante <strong>de</strong> medidas tomadas pelo po<strong>de</strong>r público são legítimas, <strong>de</strong>vem ser sempre garantidas e têm o apoio da OAB. São atos bem-vindos, como um lembrete salutar do nosso apreço pela <strong>de</strong>mocracia e uma antítese à apatia que nenhum bem po<strong>de</strong> fazer à socieda<strong>de</strong>. O i<strong>de</strong>al é que em qualquer cida<strong>de</strong> brasileira as vias públicas possam ser espaços para protestos e atos pacíficos, livres <strong>de</strong> vandalismo. A maturida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática se constrói com respeito às instituições e ao Estado <strong>de</strong> Direito, com o rigor da norma constitucional, para que possamos chegar a um país que tanto sonhamos. 6 | OAB / PR SUBSEÇÃO FOZ DO IGUAÇU
REVISTA QUESTÃO DE ORDEM / MARÇO / 2<strong>01</strong>7 | 7