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~ 1 ~
<strong>Cora</strong> <strong>Reilly</strong><br />
<strong>#5</strong> <strong>Bound</strong> <strong>by</strong> <strong>Vengeance</strong><br />
Série Born in Blood Mafia Chronicles<br />
Tradução Mecânica: Anne Pimenta<br />
Revisão Inicial: Anne, Bia, Nicole, Sil, Ju, Tami, Nic e Day<br />
Revisão Final: Sil<br />
Data: 01/2017<br />
<strong>Bound</strong> <strong>by</strong> <strong>Vengeance</strong> Copyright © 2017 <strong>Cora</strong> <strong>Reilly</strong><br />
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SINOPSE<br />
Growl<br />
Ele nunca tinha tido algo para si mesmo, nunca ousou sonhar em<br />
possuir algo tão precioso. Ele era o filho bastardo indesejado que<br />
sempre teve que se contentar com as sobras dos outros. E agora eles<br />
haviam lhe dado o que apenas algumas semanas atrás estava fora de<br />
seu alcance, alguém que nem sequer lhe permitia admirar de longe,<br />
uma de suas mais preciosas posses. Atiraram a seus pés, porque ele era<br />
quem ele era, porque estavam certos de que ele iria quebrá-la. Ele era o<br />
castigo dela, um destino pior do que a morte, uma forma de entregar o<br />
castigo final a seu pai, que tanto os tinha desagradado.<br />
Cara<br />
Ela sempre fora a boa menina. Isso não a protegeu.<br />
Ela não sabia o verdadeiro nome dele. As pessoas o chamavam de<br />
Growl na cara dele, e de Bastardo por trás das costas. Ambos eram<br />
nomes que ele não poderia ter escolhido para si mesmo. Os olhos dele<br />
eram vazios, um espelho devolvia seu próprio medo para ela. Ele era<br />
uma mão brutal da Camorra de Las Vegas.<br />
E agora ela estava à sua mercê.<br />
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A SÉRIE<br />
Série Born in Blood Mafia Chronicles<br />
<strong>Cora</strong> <strong>Reilly</strong><br />
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Prólogo<br />
GROWL<br />
Olhos arregalados. Lábios separados. Bochechas coradas. Pele<br />
pálida. Ela parecia uma boneca de porcelana: Grandes olhos azuis,<br />
cabelos cor de chocolate e pele branca e cremosa; beleza quebrável, algo<br />
que ele não estava destinado a tocar com suas cicatrizes e mãos letais.<br />
Seus dedos encontraram seu pulso; Seus batimentos cardíacos<br />
pulsando rápido como um pássaro. Ela tentou lutar, tentou ser<br />
corajosa, tentou machucá-lo, talvez até mesmo matá-lo. Teria ela<br />
realmente esperado que pudesse ter sucesso?<br />
Esperança; Deixam as pessoas tolas, as fazem acreditar em algo<br />
além da realidade. Ele tinha desistido da esperança há muito tempo.<br />
Sabia do que era capaz. Ela tinha esperança que ela poderia matá-lo.<br />
Ele sabia que poderia matá-la, sem dúvida.<br />
Sua mão rastejou a pele macia da sua garganta, então seus dedos<br />
enrolaram em torno dela. Suas pupilas dilataram, mas ele não colocou<br />
pressão em seu toque. Seu pulso batia contra a palma da mão calejada<br />
dele. Ele era um caçador, e ela rezava. O fim era inevitável. Ele viera<br />
reinvidicar seu prêmio. Foi por isso que Falcone a deu a ele.<br />
Growl gostava de coisas que doíam. Ele gostava de causar dor.<br />
Talvez até amasse; Se ele fosse capaz desse tipo de emoção. Ele se<br />
inclinou até que seu nariz estivesse a centímetros da pele abaixo de sua<br />
orelha e respirou fundo. Ela cheirava a floral com uma pitada de suor.<br />
Medo. Ele imaginou que ele podia cheirar assim também. Ele não podia<br />
resistir e ele não precisava, não mais, nunca mais com ela. Dele. Ela era<br />
dele.<br />
Ele baixou os lábios para sua pele quente. Seu pulso pulsava sob<br />
sua boca onde ele beijou sua garganta. O pânico e o terror batiam em<br />
um ritmo frenético sob sua pele. E isso o deixou fodidamente duro.<br />
Seus olhos procuraram os dele, esperansosos, ainda<br />
esperansosos, mulher estúpida, e implorando por misericórdia. Ela não<br />
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o conhecia, não sabia que a parte dele que não tinha nascido um<br />
monstro, tinha morrido há muito tempo. A misericórdia era a coisa<br />
mais distante da sua mente enquanto seus olhos reivindicavam seu<br />
corpo.<br />
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Capítulo um<br />
CARA<br />
A primeira vez que o encontrei, ele estava disfarçado, vestido com<br />
um elegante terno preto, fazendo parecer que ele era um de nós. Mas<br />
enquanto as camadas de tecido fino cobriam suas muitas tatuagens,<br />
elas não podiam esconder sua verdadeira natureza. Ela transpareceu,<br />
perigosa e assustadora. Naquela época eu nunca teria pensado que eu<br />
iria conhecer ele, e o monstro dentro dele melhor do que eu conhecia<br />
qualquer outra pessoa, e que iria virar toda a minha vida de cabeça<br />
para baixo. Que isso mudaria todo o meu ser para a própria essência.<br />
* * *<br />
— Eu não posso acreditar que eles te deixaram ir com eles, —<br />
Talia murmurou. Eu me afastei do espelho para olhar para ela. Ela<br />
sentou-se de pernas cruzadas na minha cadeira da escrivaninha,<br />
vestida com suas calças gastas de corrida, e seus longos cabelos<br />
castanhos estavam empilhado em cima de sua cabeça em um bolo<br />
desarrumado. Sua camiseta, uma coisa cinzenta e desbotada, cheia de<br />
buracos e manchas, levaria nossa mãe a um colapso. Talia sorriu<br />
sombriamente quando ela seguiu meu olhar. — Não é como se eu<br />
precisasse me vestir para qualquer um, você sabe.<br />
— Há uma diferença entre não se vestir e entre o que você está<br />
fazendo, — eu disse com uma pitada de desaprovação. Eu não estava<br />
realmente irritada com minha irmã por usar suas roupas mais<br />
surradas, mas eu sabia que seu único propósito era irritar a nossa mãe,<br />
e era um cenário provável dada à tendência da nossa mãe para o<br />
perfeccionismo e exageros. Eu realmente não queria que seu humor<br />
azedasse tão pouco tempo antes da reunião. Eu seria a única a sofrer<br />
desde que papai estava definitivamente fora de questão quando se<br />
tratava de se tornar alvo favorito da nossa mãe. Ela tinha uma<br />
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tendência em torna-lo pessoal se Talia ou eu não estivéssemos<br />
perfeitas.<br />
— Estou fazendo um ponto, — disse Talia com um pequeno<br />
encolher de ombros.<br />
Suspirei. — Não, você está sendo mesquinha e infantil.<br />
— Você é uma criança, muito jovem para uma reunião social na<br />
mansão do Falcone, — Talia entoou em sua melhor imitação do tom<br />
repreensivo de nossa Mãe.<br />
— Este é um evento para adultos. A maioria das pessoas terá<br />
mais de dezoito anos ou muito além. A mamãe está certa. Você não<br />
teria ninguém para conversar e alguém teria que ficar de olho em você a<br />
noite toda.<br />
— Tenho quinze anos, não seis. E você é apenas quatro anos mais<br />
velha do que eu, então não banque a adulta — disse ela, indignada,<br />
levantando-se da cadeira, deixando-a girar em torno de si mesma,<br />
cambaleando para mim. Ela me olhou de frente, me desafiando. — Você<br />
provavelmente disse à nossa mãe para não me levar com você porque<br />
você estava preocupada que você teria que me vigiar e que eu iria<br />
envergonhá-la na frente de seus amigos oh-tão-perfeitos.<br />
Eu arqueei a sobrancelha. — Você está sendo ridícula. — Mas um<br />
lampejo de culpa me invadiu mediante com as palavras de Talia. Eu<br />
não tinha falado com nossa mãe para deixar Talia ficar em casa, mas eu<br />
realmente não tinha me esforçado para minha irmã se juntar a nós<br />
também. Talia estava certa. Eu estava preocupada que eu ficaria presa<br />
a ela durante toda a noite. Meus amigos a toleraram quando nós<br />
ficávamos em casa, mas ser vista com uma menina quatro anos mais<br />
jovem em um encontro oficial não iria cair bem. Uma festa nos Falcone<br />
sempre significou a melhor chance de conhecer bons partidos, e ter que<br />
cuidar da irmã realmente não ajudaria com esse esforço. Queria que<br />
esta noite fosse especial.<br />
Algo na minha linha de pensamentos deve ter mostrado em meu<br />
rosto, porque Talia zombou. — Eu sabia. — Ela girou sobre os<br />
calcanhares e saiu do quarto, fechando a porta com tanta força que eu<br />
não pude evitar de estremecer.<br />
Eu soltei um pequeno suspiro, depois voltei para o meu reflexo,<br />
verificando minha maquiagem e meu penteado uma última vez. Eu<br />
assisti a incontáveis tutoriais de beleza para me certificar de que eu<br />
tinha os olhos esfumaçados. Tudo precisava estar perfeito. Minha mãe<br />
~ 8 ~
era crítica, mas Trish e Anastásia eram ainda piores. Elas perceberiam<br />
se eu combinasse o tom errado da sombra dos olhos com o meu vestido<br />
ou se a minha mão estivesse tremula enquanto segurava o meu<br />
delineador, mas suas fiscalizações tinham feito meus preparativos<br />
serem meticulosos. Elas eram a razão pela qual eu nunca me descuidei.<br />
E era para isso que os amigos serviam.<br />
Meu vestido era verde escuro, e minha sombra dos olhos apenas<br />
alguns tons mais claros. Perfeito. Eu verifiquei minhas unhas uma<br />
última vez, mas elas também pareciam impecáveis em seu brilho verde<br />
escuro. Eu alisei o meu vestido algumas vezes até que fiquei satisfeita<br />
com a forma como a bainha roçou em meus joelhos, então verifiquei<br />
meu cabelo novamente, virando-me para ver se os grampos ainda<br />
estavam todos no lugar segurando minha mecha marrom do cabelo<br />
para cima.<br />
— Cara, você está pronta? Precisamos ir — disse a minha mãe do<br />
andar de baixo.<br />
Eu verifiquei meu reflexo e alisei meu vestido novamente,<br />
examinei minha meia-calça, e finalmente me forcei a sair correndo do<br />
quarto antes que minha mãe perdesse a paciência. Mas poderia ter<br />
passado horas verificando minha roupa para possíveis erros se eu<br />
tivesse tempo.<br />
Mamãe estava parada na porta quando desci, deixando o ar fresco<br />
do outono entrar na casa. Ela estava verificando seu relógio dourado,<br />
mas no momento em que me viu, ela agarrou seu casaco de inverno<br />
favorito, uma coisa esplêndida que custou a vida de muitos arminhos 1 e<br />
o colocou sobre seu vestido longo. Mesmo com a temperatura sendo<br />
excepcionalmente fria em novembro para Las Vegas, um casaco de pele<br />
estava completamente exagerado, mas desde que minha mãe tinha<br />
comprado há muitos anos na Rússia e o amava, ela o usava em todas<br />
as chances que tinha, não importa o quão inapropriado fosse.<br />
Caminhei na direção dela, ignorando Talia, que se apoiava no<br />
corrimão da escada, com um mau humor estampado no rosto. Eu senti<br />
pena dela, mas eu não queria que ninguém ou nada arruinasse esta<br />
noite. Meus pais quase nunca me permitiram participar de festas e esta<br />
noite era o maior evento do ano em nossos círculos sociais. Todo mundo<br />
que desejava ser alguém em Las Vegas tinha tentado conseguir um<br />
convite para a festa de Ação de Graça de Falcone. Este seria o primeiro<br />
1 Arminho é um carnívoro mustelídeo de pequeno porte pertencente ao grupo das<br />
doninhas. A espécie ocupa todas as florestas temperadas, árticas e sub-árticas da<br />
Europa, Ásia e América do Norte.<br />
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ano que eu frequentaria. Trish e Anastásia tiveram a sorte de ter estado<br />
lá no ano passado também, e se meu pai não tivesse me proibido de ir,<br />
eu teria ido também. Eu me sentia pequena e deixada de fora sempre<br />
que Trish e Anastásia falavam sobre a festa nas semanas antes e<br />
depois, e depois, e elas tinham feito isso sem parar, provavelmente<br />
porque isso lhes dava a chance de se divertir.<br />
— Mostre a Trish e Anastásia seu melhor, e a Cosimo um beijo, —<br />
Talia disse docemente.<br />
Eu ruborizei. Cosimo. Ele estaria lá também. Eu só o encontrei<br />
duas vezes antes e nossa interação tinha sido mais do que um pouco<br />
estranha.<br />
— Talia, coloque esses trapos horrendos no lixo. Eu não quero<br />
encontrá-los em qualquer lugar dessa casa quando voltarmos.<br />
Talia levantou seu queixo teimosamente, mas mesmo do outro<br />
lado da sala pude ver o brilho de lágrimas em seus olhos. Mais uma vez<br />
a culpa inundou-me, mas eu fiquei parada ao lado da porta da frente.<br />
Minha mãe hesitou, como se ela também percebesse o quanto Talia<br />
estava magoada. — Talvez no próximo ano você venha junto. — Ela fez<br />
soar como se não tivesse sido sua decisão de excluir Talia da festa.<br />
Embora, para ser honesta, eu realmente não tinha certeza se Falcone<br />
ficaria feliz se as pessoas começassem a trazer seus filhos mais jovens,<br />
considerando que Falcone não era conhecido por sua paciência ou<br />
senso familiar. Até mesmo seus próprios filhos foram enviados para<br />
internatos na Suíça e na Inglaterra, de modo a não lhe causarem<br />
problemas. Pelo menos, se alguém acreditasse nos rumores.<br />
— Vista um casaco — disse minha mãe. Agarrei um que não era<br />
de pele, o que não era uma façanha fácil no guarda-roupa da minha<br />
mãe, e a segui para fora de casa. Não olhei para Talia quando fechei a<br />
porta. Papai já estava esperando no banco do motorista da Mercedes<br />
preta em nossa entrada. Atrás dele, outro carro com nossos guardacostas,<br />
estava estacionado. Eu me perguntava como era para as<br />
pessoas que não eram seguidas.<br />
Mãe abriu o casaco um pouco mais. Era Vegas, e não a Rússia,<br />
eu queria dizer a ela. Mas se ela preferisse derreter para que ela<br />
pudesse andar por aí com seu casaco de pele, então esse era seu<br />
problema. Sem dor, sem ganho, eu supus. Anos de aulas de balé me<br />
ensinaram isso.<br />
Ela afundou no assento do passageiro enquanto eu deslizava na<br />
parte de trás do carro. Eu fiz outra varredura rápida em minha meia-<br />
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calça, mas elas estavam impecáveis. Eu pensei que as empresas<br />
deveriam colocar uma advertência em suas embalagens, como 'Somente<br />
para ficar de pé, movimentos não permitido', considerando o quão fácil<br />
era puxar fio, enquanto não fazia nada além de andar. É por isso que eu<br />
coloquei duas meias novas em minha bolsa, apenas no caso de precisar.<br />
— Apertem os cintos, — disse papai. Mamãe inclinou-se e<br />
acariciou sua cabeça calva com um lenço de papel, absorvendo as gotas<br />
de suor que haviam se reunido ali. Eu não conseguia me lembrar de<br />
papai com cabelo.<br />
voz.<br />
— Cara, — disse papai, com um ar de irritação entrando em sua<br />
Eu rapidamente afivelo o cinto, e ele desliza o carro fora de nossa<br />
entrada.<br />
— Cosimo e eu tivemos uma pequena conversa esta tarde — disse<br />
ele com naturalidade.<br />
— Oh? — Eu disse. Um nó de preocupação se formou em meu<br />
estômago. E se Cosimo tivesse mudado de ideia? E se ele não tivesse?<br />
Eu não tinha certeza de qual opção causou ao meu estômago uma<br />
contração mais forte. Eu forcei meu rosto em uma expressão neutra<br />
quando notei minha mãe me observando por cima do ombro.<br />
— O que ele disse? — Eu perguntei.<br />
— Ele sugeriu que vocês se casassem no próximo verão.<br />
Engoli em seco. — Tão cedo?<br />
Um pequeno olhar franzido apareceu entre as sobrancelhas do<br />
meu pai, mas mamãe falou primeiro. — Você tem dezenove anos, Cara.<br />
Você vai ter vinte no próximo verão. É uma boa idade para se tornar<br />
esposa e mãe.<br />
Minha cabeça girou. Enquanto eu poderia de alguma forma<br />
envolver minha mente em torno de ser a esposa de alguém, eu me<br />
sentia muito jovem para ser mãe de alguém. Quando eu teria a chance<br />
de ser eu mesma? Para descobrir quem eu realmente era e queria ser?<br />
— Cosimo é um homem decente e isso não é uma coisa fácil de<br />
encontrar, — disse papai. — Ele é responsável, e ele é consultor<br />
financeiro de Falcone há quase cinco anos. Ele é muito inteligente.<br />
~ 11 ~
— Eu sei, — eu disse calmamente. Cosimo não foi uma má<br />
escolha, não por qualquer padrão. Ele nem sequer era mau. Só que não<br />
havia a vibração que eu esperava quando encontrasse o homem com<br />
quem eu teria que me casar. Talvez esta noite. Ocasiões como uma festa<br />
não eram o melhor lugar para cair de cabeça por alguém? Eu só<br />
precisava estar aberta a esta possibilidade.<br />
* * *<br />
Entramos nas instalações da mansão Falcone quinze minutos<br />
mais tarde e dirigimos por mais dois minutos até a garagem, finalmente<br />
chegando a uma majestosa casa e a uma enorme fonte em frente a ela.<br />
A estátua romana jorrava água em tons azul, vermelho e branco.<br />
Aparentemente, um artesão da Itália tinha criado a coisa para Falcone.<br />
Isso deveria ter custado mais do que o carro do papai. Foi apenas uma<br />
das muitas razões pelas quais eu não gostava do Falcone. Pelo que<br />
papai havia me dito sobre o homem, ele era um exibicionista sádico.<br />
Fiquei feliz que minha família e eu estivéssemos do lado dele. Ninguém<br />
queria Falcone como seu inimigo. Onde quer que você olhasse, carros<br />
luxuosos estavam estacionados. A partir do grande número de pessoas,<br />
eu me perguntava como todos os convidados caberiam na casa sem<br />
pisar nos pés um do outro. Diversos manobristas correram em direção<br />
ao carro no momento em que ele parou e abriu as portas para nós. Um<br />
tapete vermelho subia as escadas e atravessava a porta da frente. Eu<br />
balancei a cabeça, mas rapidamente parei no olhar de minha mãe. Ela e<br />
o papai me fizeram caminhar entre eles enquanto nos dirigíamos para a<br />
porta da frente. Lá, outro criado estava esperando por nós com um<br />
sorriso profissional em seu rosto. Nem Falcone, nem sua esposa,<br />
estavam em qualquer lugar para nos receber. Por que eu não estava<br />
surpresa?<br />
O hall de entrada era maior do que qualquer outro que eu já vira.<br />
Uma miríade de figuras de cristal de todos os tamanhos estava de<br />
encontro às paredes e nos armários, e vários retratos enormes de<br />
Falcone e de sua esposa decoravam o topo da parede.<br />
— Seja educada, — sussurrou minha mãe em voz baixa enquanto<br />
éramos conduzidos para as portas duplas que se abriam para o salão de<br />
baile com lustres de cristal e mesas altas com babados que cercavam a<br />
pista de dança. Uma das paredes era delineada por uma longa mesa<br />
cheia de canapés, pilhas de lagostins e lagostas, tigelas cheias de gelo<br />
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triturado que estavam cobertas com as maiores ostras que eu já tinha<br />
visto, latas com caviar Ossetra 2 e cada peça de luxo que eu poderia<br />
imaginar. O mordomo se desculpou no momento em que chegamos<br />
dentro do salão do baile e apressado se encaminhou para os próximos<br />
convidados.<br />
Uma vez lá dentro, deixei meu olhar deslizar sobre os convidados<br />
à procura de meus amigos. Eu estava ansiosa para me juntar a eles e<br />
deixar os meus pais procurem suas próprias companhias, mas minha<br />
mãe não me deu uma chance de procurar por muito tempo. Ela tocou<br />
meu antebraço levemente e sussurrou em meu ouvido. — Comporte-se.<br />
Teremos de agradecer primeiro ao Sr. Falcone pelo convite.<br />
Olhei por ela para onde papai já estava falando com um homem<br />
alto de cabelos negros. Ele segurou seus ombros em uma suposição,<br />
como se estivesse tentando curvar-se diante de seu chefe sem se curvar.<br />
A visão deixou um sabor amargo em minha boca. Com a palma da mão<br />
da minha mãe descansando contra as minhas costas, eu me aproximei<br />
de meu pai e de seu chefe. Paramos um par de passos atrás deles,<br />
esperando que eles se virassem para nós. Os olhos escuros de Falcone<br />
me encontraram primeiro antes que papai percebesse nossa presença. A<br />
frieza deles me fez tremer. Sua camisa branca e gravata preta fez com<br />
que ele parecesse ainda mais intimidante, o que era incomum,<br />
considerando que as gravatas borboletas geralmente deixam seus<br />
usuários parecerem engraçados para mim.<br />
Depois da troca de algumas gentilezas sem sentido, fui finalmente<br />
liberada e corri em direção a um dos garçons equilibrando uma bandeja<br />
cheia de taças de champanhe em sua palma. Ele estava vestido com um<br />
smoking branco e sapatos branco polidos. Pelo menos seu traje o<br />
tornou mais fácil reconhece-los.<br />
Um de nossos guarda-costas seguiu alguns passos atrás de mim,<br />
enquanto eu andava para longe dos meus pais, o outro se posicionou<br />
na beira perto dos convidados reunidos e manteve um olho em meus<br />
pais. Eu me perguntava por que era mesmo necessário ter nossos<br />
guarda-costas conosco em uma festa de nossos supostos amigos. Eu<br />
empurrei o pensamento para o lado, querendo aproveitar esta noite, e<br />
tomei uma taça de champanhe com um agradecimento rápido, então<br />
tomei um longo gole do líquido, fazendo uma careta ao gosto azedo.<br />
2 Os caviar de Ossetra são as mais populares e procuradas variedades de caviares.<br />
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— Como você pode fazer uma careta enquanto bebe Dom<br />
Perignon, a melhor bebida deste mundo, — disse Trish, aparecendo ao<br />
meu lado do nada e pegando uma taça de champanhe para si mesma.<br />
— É a bebida dos deuses, — entoou Anastásia, e era irritante que<br />
eu não sabia se ela estava fazendo uma piada ou estava sendo honesta.<br />
— Estou tentando me acostumar — admiti, abaixando a taça de<br />
meus lábios. O álcool estava começando a fazer sua mágica e por isso<br />
fiquei grata depois da curta conversa com Falcone. Ambas as minhas<br />
amigas estavam vestidas de forma impecável. Anastásia em um vestido<br />
longo prata, e Trish em um vestido de cocktail verde claro que escovava<br />
seus joelhos. Não que eu tivesse esperado nada menos delas. Elas me<br />
contaram cada detalhe sobre sua viagem as compras dos novos vestidos<br />
para a ocasião. Claro que eu não tinha sido permitida a ir com elas<br />
apesar de minhas melhores tentativas de convencer meus pais. Em vez<br />
disso, minha mãe me fez usar um vestido que eu tinha comprado para o<br />
Natal no ano passado. Meu único consolo era que ninguém, a não ser<br />
minha família, tinha me visto usá-lo, então eu não me constrangeria na<br />
frente de meus amigos.<br />
— Ouvi dizer que é um gosto adquirido. — Acrescentou Trish,<br />
pensativa. Ela tomou um pequeno gole de seu copo, sua expressão<br />
transformando em um tom de felicidade. — Suponho que sempre tive<br />
um dom para Dom Perignon e no ano passado eu certamente tive<br />
chances suficientes para me acostumar ao seu gosto, e eu pretendo<br />
beber ainda mais vezes no futuro. — Ela e Anastásia compartilharam<br />
um riso, e eu amaldiçoei meus pais novamente por me protegerem tanto<br />
quanto eles poderiam. Se Trish e Anastásia pudessem enfrentar os<br />
supostos perigos do nosso mundo, eu também poderia.<br />
Trish me deu um sorriso provocante, então me abraçou com um<br />
braço, com cuidado para não arruinar os nossos penteados e nem a<br />
maquiagem. Anastásia apenas sorriu. Seu corpete era uma obra-prima<br />
de pérolas e bordados. — Estou preocupada que vá puxar fio se nos<br />
abraçarmos, — disse ela em meia desculpa.<br />
— Isso é razoável, — eu disse, tomando outro gole de minha<br />
bebida e forçando meu rosto em prazer em vez de repulsa com o gosto.<br />
Eu sabia que para a maioria das pessoas este champanhe era o auge de<br />
suas fantasias de bebida, mas eu simplesmente não poderia desfrutar.<br />
Eu teria que me esforçar mais se eu não quisesse ver a expressão de<br />
piedade de Anastásia novamente.<br />
— Uma de suas mechas de cabelo está solta, — disse ela.<br />
~ 14 ~
Minha mão livre voou até o ponto que ela estava olhando e eu<br />
tentei encontrar o grampo antes que isso pudesse arruinar meu<br />
penteado. Outros convidados estavam jogando olhares na minha<br />
direção de qualquer maneira, já que esta era a minha estreia em uma<br />
festa. Eu não poderia arriscar aparecer nada menos do que impecável.<br />
— Permita-me, — Trish disse, simplesmente empurrando o<br />
grampo alguns centímetros para trás. — Feito, tudo pronto. — Seu<br />
sorriso era amável.<br />
Isso é tudo? Pela reação de Anastásia poderia ter pensado que eu<br />
tinha cometido um pecado imperdoável.<br />
— Há uma boa seleção hoje à noite. — Disse Anastásia. Seus<br />
olhos persistentes em um grupo de homens em frente de nós deixando<br />
claro que ela não estava falando sobre o aparador de comida.<br />
Os homens que estavam em seu foco eram todos pelo menos dez<br />
anos mais velhos do que nós, e enquanto eu examinava o resto da sala,<br />
eu constatei que nós estávamos entre os convidados mais novos. A<br />
maioria dos convidados trabalhava para Falcone. Era uma festa para<br />
seus súditos; Eu duvidava que ele tivesse algum amigo. Homens como<br />
ele não podiam pagar por esse luxo.<br />
— Mas, claro, você não tem mais olhos para os outros homens<br />
agora que está noiva de Cosimo, — continuou Anastásia, arrastando-me<br />
de volta à realidade.<br />
Eu não sabia o que dizer a isso. Sua voz tinha sido estranha. Ela<br />
estava com ciúmes? Seu pai provavelmente já estava procurando um<br />
partido apropriado para ela, assim logo ela estaria comprometida<br />
também.<br />
— Vamos nos casar em breve. — Falei em tom apaziguador.<br />
— Você colocou as mãos no solteiro mais cobiçado, isso é certo, —<br />
ela disse com um sorriso tenso. Então ela soltou uma gargalhada e<br />
bateu sua taça contra a minha. — Estou brincando, não pareça tão<br />
chocada.<br />
Eu ri, aliviada. Eu realmente não queria brigar com Anastásia por<br />
Cosimo. Todas nós casaríamos com bons partidos.<br />
A música começou e eu tomei outro gole da minha bebida. Eu<br />
estava começando a relaxar graças ao álcool se espalhando em meu<br />
sangue e quase não percebendo os olhares curiosos ocasionais dos<br />
outros convidados. Na próxima festa, eu já seria uma deles e alguém<br />
~ 15 ~
estaria no centro das atenções. Trish batia o pé no chão de madeira no<br />
ritmo da música e cantarolava alguns trechos antes que Anastásia lhe<br />
lançasse um olhar. Eu tive que reprimir uma risada. A dinâmica entre<br />
elas era ridícula às vezes.<br />
Para minha surpresa, eu percebi que meu guarda-costas tinha<br />
desaparecido de vista para me dar privacidade com meus amigos.<br />
Lentamente mas certamente, esta noite estava ficando boa.<br />
Eu sabia que Talia me escutaria contar detalhes sobre a festa<br />
quando eu voltasse esta noite, mas nossos pais tinham razão quando<br />
insistiram que ela era muito jovem para um evento social na casa de<br />
Falcone. Claro que não lhe diria isso novamente. Seria difícil o<br />
suficiente fazê-la me perdoar, embora alguns sutis rumores<br />
provavelmente a amansaria. Não que eu fosse uma socialite experiente.<br />
Eu teria que confiar em Trish e Anastásia para isso. O aborrecimento<br />
com meu pai ressuscitou em mim. Talvez ele tenha se recusado a me<br />
levar a uma reunião social até agora, porque ele pensou que eu o<br />
envergonharia na frente de seu chefe. Eu o ouvi dizer a minha mãe<br />
várias vezes o quão terrível e brutal era Falcone, por isso não era<br />
exagero que meu pai pensou que eu poderia me acovardar com medo<br />
diante daquele homem, o que era ridículo. Ele ainda era humano, não o<br />
monstro que papai sempre o fazia parecer, e mesmo que fosse, duvidava<br />
muito que ele odiasse me ver encolher de medo. Provavelmente o<br />
excitaria se fosse o homem que papai descrevera.<br />
— Eles são um pouco velho demais para o meu gosto, — disse<br />
Trish, então tomou outro gole de seu champanhe, voltando ao nosso<br />
tópico anterior.<br />
— Eu não me importo. Eu quero ser tratada como uma princesa<br />
pelo meu marido e homens mais velhos são mais propensos a isso, do<br />
que rapazes mais novos, — disse Anastásia. Ela me deu um sorriso. Por<br />
alguma razão, ele parecia falso. — Pelo que ouvi dizer o acordo entre<br />
sua família e Cosimo está quase concluído, sua festa de noivado será<br />
em breve.<br />
Eu fiz uma careta ao ouvir a palavra — Acordo — quando me veio<br />
à possibilidade de me casar com Cosimo. Mas com toda a honestidade,<br />
era provavelmente o termo que se encaixava melhor em todo o arranjo.<br />
Eu dei um pequeno encolher de ombros, tentando agir indiferente. Eu<br />
não queria falar sobre ele esta noite, especialmente porque o tema<br />
parecia irritar Anastásia.<br />
~ 16 ~
— Oh meu Deus, Falcone convidou o monstro, — sussurrou<br />
Trish, segurando meu braço e quase me fazendo derramar o<br />
champanhe sobre seu vestido. Eu segui seus olhos castanhos em<br />
choque para um canto do salão onde um homem alto e musculoso se<br />
apoiava contra uma parede. Ele estava vestido com uma camisa branca<br />
que se esticava perfeitamente contra seu enorme peito, um terno preto e<br />
sapatos pretos. Na verdade ele não parecia tão diferente dos outros<br />
homens na sala, exceto pela falta da gravata, se você levasse apenas o<br />
seu traje em consideração. Mas o resto dele, Deus tenha misericórdia.<br />
Ele parecia muito domesticado para alguém como ele. Ou pelo<br />
menos ele tentou. Não enganava ninguém com sua natureza. Parecia<br />
irradiar como uma nuvem escura de perigo sobre ele. Era quase<br />
palpável, mesmo de longe.<br />
Papai o mencionara uma ou duas vezes em voz baixa, mas eu<br />
nunca o tinha visto, e ele definitivamente não era do tipo que aparecia<br />
nas reportagens do jornal. Eu duvidava que qualquer jornalista fosse<br />
louco o suficiente para arriscar a ira de um homem como ele.<br />
— O Bastardo, é como a maioria das pessoas o chamam, —<br />
acrescentou Anastásia. Ela parecia um gato que tinha visto um<br />
pássaro. Eu sabia por que ela estava tão animada. Até agora nada de<br />
interessante tinha acontecido, mas Anastásia provavelmente esperava<br />
que isso tivesse o potencial para algumas fofocas.<br />
— Qual é o nome verdadeiro dele? — Perguntei. Tentei uma vez,<br />
mas o olhar que ela me deu não me fez perguntar outra vez.<br />
— Eu não sei seu nome verdadeiro. Ninguém sabe. As pessoas o<br />
chamam de — Growl 3 — na sua frente, e — O bastardo — pelas costas.<br />
Eu dei a ela um olhar. Sério? Ambos eram nomes que ele não<br />
poderia ter escolhido para si mesmo. Alguém tinha que saber seu nome.<br />
Pelo menos, Falcone. Ele sabia tudo sobre seus súditos. — Por que as<br />
pessoas o chamariam assim?<br />
Anastásia encolheu os ombros, mas não olhou para mim. — Há<br />
algo errado com suas cordas vocais desde o acidente horrível. É por isso<br />
que ele tem aquela grande cicatriz.<br />
Eu não conseguia ver a cicatriz na posição que estávamos.<br />
Estávamos muito longe. Presumi que Anastácia tivesse obtido esta<br />
informação através de fofocas também. — Que tipo de acidente?<br />
3 Similar a um rosnado, devido sua rouca voz enquanto ele falava, causada pelo<br />
acidente.<br />
~ 17 ~
— Eu não sei. Algumas pessoas dizem que a máfia russa fez isso,<br />
outros dizem que ele tentou se matar porque não está bem da cabeça,<br />
mas ninguém sabe ao certo, — Anastácia respondeu em voz baixa.<br />
Quem tentaria se matar assim? E Growl não parecia ser um cara<br />
que cometeria suicídio. A primeira história com a máfia soou muito<br />
mais provável. — Então eles o chamam de Growl, porque é o como se<br />
parece quando ele fala? — Perguntei.<br />
Anastácia mal parecia registrar minhas palavras, mas Trish<br />
assentiu com a cabeça em confirmação.<br />
Não perguntei por que o chamavam de bastardo. Isso eu poderia<br />
presumir. As pessoas em nosso mundo não olhavam de bom grado para<br />
as crianças que nasciam fora do casamento. Era antiquado e ridículo,<br />
mas algumas coisas nunca mudam. Eu não sabia quem eram seus<br />
pais. Não podiam ser membros do alto escalão da sociedade, isso era<br />
certo.<br />
Eu dirigi meus olhos novamente para o homem. Ele parecia<br />
completamente indiferente ao que estava acontecendo ao seu redor,<br />
como se essa festa fosse apenas mais um de seus deveres. Mas algo me<br />
dizia que apesar do tédio aparente, ele estava em alerta. Eu duvidava<br />
que algo passasse despercebido de sua atenção. Ele estava segurando<br />
uma taça de champanhe em suas mãos, mas ainda estava cheia. O<br />
cristal elegante parecia pequeno comparado a ele e eu estava<br />
maravilhada que ele ainda não a tivesse esmagado na mão. Como se ele<br />
pudesse ler minha mente, ele virou a cabeça e olhou diretamente para<br />
nós. Trish soltou um suspiro e tremeu ao meu lado, derramando<br />
algumas gotas de sua bebida no chão de madeira caro. Ela realmente<br />
não poderia ter agido de forma mais suspeita se ela tivesse tentado.<br />
Depois de um momento, Trish e Anastácia baixaram a cabeça,<br />
quebrando o contato visual. Talvez para fazê-lo acreditar que não<br />
estavam o observado, ou talvez simplesmente não pudessem suportar o<br />
poder de seu olhar. Agora eu entendia por que meus pais e até meus<br />
amigos pareciam tão aterrorizados quando conversavam sobre ele.<br />
Mesmo a distância, seus olhos quase fizeram meus joelhos se curvarem.<br />
Não foi só o medo que fez meu coração acelerar; Havia algo perto<br />
da emoção também. Era como assistir a um tigre através do vidro do<br />
seu recinto e se maravilhar com seu poder. Só que aqui a única coisa<br />
que o impedia de atacar, era as regras sociais, mesmo que alguém como<br />
ele fosse obrigado. A coleira que Falcone colocava não era física ou<br />
visível, mas estava ali.<br />
~ 18 ~
Eu me perguntava o que estava acontecendo em sua cabeça.<br />
Como ele se sentia rodeado de pessoas com as quais quase não tinha<br />
nada em comum? Ele era um deles, mas ainda assim, não realmente.<br />
Um homem das sombras porque ninguém o queria na luz. Quando<br />
percebi o quanto eu estava olhando, desviei o olhar, mas a palpitação<br />
no meu pulso continuou errática tempos depois. Eu não tinha certeza<br />
de quando tempo eu não me sentia assim... Viva pela última vez. Minha<br />
vida sempre serpenteava em caminhos predeterminados, mas esta noite<br />
parecia uma aventura.<br />
— Oh meu Deus, isso foi assustador, — Anastácia sussurrou. —<br />
Ele deveria ter ficado no buraco de onde ele saiu.<br />
Eu não podia dizer nada. Minha língua parecia estar presa no céu<br />
da minha boca.<br />
— Ele ainda está olhando? — Eu perguntei eventualmente, meus<br />
olhos fortemente fixados sobre as bolhas da minha taça.<br />
— Não, ele se foi, — Anastácia disse sem alívio. — Eu não posso<br />
acreditar que ele veio aqui. Pessoas como ele devem ficar entre si e não<br />
fingir que pertencem ao nosso meio.<br />
Olhei para o canto onde ele tinha estado antes, mas como<br />
Anastácia havia dito, ele tinha ido embora. Por alguma razão, eu fiquei<br />
incomodada porque não sabia para onde ele tinha ido. Ele era uma das<br />
pessoas que você gostaria de acompanhar porque temia que pudessem<br />
chegar furtivamente perto de você. E eu poderia jurar que ainda podia<br />
sentir seus olhos sobre minha pele. Eu tremi. A paranoia geralmente<br />
não era meu estilo.<br />
Procurei ao redor, mas ele estava longe de ser visto. Eu afastei a<br />
ridícula sensação de ser vigiada. Não era de meu feitio começar a agir<br />
como paranoica. Se eu fizesse algo para se envergonhar aqui, este seria<br />
um dos poucos lugares que eu seria convidada novamente. Ou pior,<br />
Cosimo decidiria que eu não estava apta para se tornar sua esposa.<br />
Mamãe e papai nunca me perdoariam se isso acontecesse.<br />
— Olha quem está vindo, — disse Trish em voz baixa, e por um<br />
momento, meu coração parou, eu realmente pensei que fosse Growl.<br />
Eu virei para ver de quem ela estava falando e senti o calor subir<br />
em minhas bochechas. Cosimo estava a caminho. Ele estava vestido<br />
com um terno cinza, cabelos loiros escuros e óculos sob o nariz.<br />
— Parece um corretor. — Comentou Trish em voz baixa.<br />
~ 19 ~
Ele conseguiu o dinheiro de Falcone, então isso não estava muito<br />
longe. O terno era sua segunda pele. Eu nunca o tinha o visto em outra<br />
coisa. Era um forte contraste do homem que eu estava espionando há<br />
poucos segundos atrás.<br />
Trish e Anastásia deram um passo para o lado, amontoando-se e<br />
fingindo dar a Cosimo e eu um pouco de privacidade, o que realmente<br />
era apenas fingimento, pois eu sabia que elas estariam observando<br />
nossos lábios, memorizando nossas palavras.<br />
Eu duvidava que elas fossem usá-las contra mim. Elas eram<br />
minhas amigas, afinal, mas eu não queria arriscar.<br />
Cosimo parou um pouco perto demais e levou a mão aos lábios.<br />
Quase revirei os olhos para o gesto, embora uma pequena parte de mim<br />
saboreou os olhares apreciativos que Trish e Anastásia trocaram.<br />
— Você quer dançar? — ele perguntou, com voz suave e uniforme.<br />
Que, assim como o terno, sempre foi o mesmo. Trish o havia comparado<br />
a uma máquina bem lubrificada uma vez. O termo se encaixava muito<br />
bem. Seus olhos corriam para minhas amigas, mas ele não disse nada.<br />
Eu não segui o seu olhar, preocupada que Anastásia ficasse chateada.<br />
Às vezes eu não tinha certeza do que diabos estava acontecendo com<br />
ela.<br />
Deixei que ele me guiasse em direção à pista de dança, consciente<br />
dos olhares curiosos das minhas amigas em nós, e elas não eram as<br />
únicas nos olhando. Meus pais também tinham voltado a sua atenção<br />
para nós. Eu quase me encolhi com tanta atenção.<br />
Não tropece, eu disse a mim mesma uma e outra vez quando nós<br />
começamos a nos mover conforme a música.<br />
Como nós dançávamos intimamente, eu esperei por uma<br />
vibração, por algo, uma pequena palpitação no meu pulso, mas nada<br />
aconteceu. Não que Cosimo parecesse que estava loucamente<br />
apaixonado por mim. Não que o amor era necessário para um<br />
casamento, mas teria sido bom, no entanto. Cosimo tentou uma<br />
conversa. Sobre o tempo, como adorável meu vestido parecia, isso e<br />
aquilo que ele pensou que eu talvez possa estar interessada. Ele não<br />
poderia ter ido mais longe.<br />
Minhas amigas ainda estavam observando Cosimo e eu. Embora<br />
'observar' não fosse o termo certo para o olhar que Anastásia estava me<br />
dando. Eu realmente esperava que ela encontrasse um bom homem<br />
para ela em breve. Conhecendo-a como conhecia, ela provavelmente<br />
~ 20 ~
estava apenas chateada que pela primeira vez eu estava na liderança,<br />
mesmo que eu não teria me importado se meu pai tivesse tido mais<br />
tempo para encontrar alguém para mim. Eu forcei meu olhar longe de<br />
sua cara feia e deixei meus olhos se estabelecerem no canto onde Growl<br />
estava. Ele não estava mais lá.<br />
— Minhas amigas e eu notamos um homem encostado ali mais<br />
cedo, — eu disse, nem mesmo tendo certeza do que Cosimo tinha<br />
estado divagando antes que eu o interrompesse. — Minhas amigas me<br />
disseram que seu nome era Growl. Ele parecia...<br />
Cosimo aumentou seu aperto nas minhas costas. — Ele não deve<br />
ficar onde ele não pertence, — disse Cosimo com uma rispidez e isso me<br />
surpreendeu, então ele me deu um olhar encorajador. — Não se<br />
preocupe. Você está segura. Ele sabe que não é permitido chegar perto<br />
de mulheres como você.<br />
Eu abri minha boca para mais perguntas, mas Cosimo balançou<br />
a cabeça. — Vamos falar de outra coisa.<br />
Não havia mais nada que eu quisesse falar, mas Cosimo e eu<br />
continuamos uma pequena conversa. Mas eu não parava de olhar o<br />
lugar onde Growl havia estado.<br />
Cosimo levou-me de volta para as minhas amigas e um olhar<br />
passou entre Anastásia e ele. Sua carranca, obviamente, não tinha<br />
passado despercebido por mim. Se eu fosse mais corajosa, eu a teria<br />
confrontado e lhe perguntado qual era o problema, mas eu<br />
definitivamente não queria nenhum problema em minha primeira festa.<br />
Cosimo desculpou-se e foi em direção a um grupo de homens,<br />
incluindo Falcone. Trish me entregou uma taça de champanhe. —<br />
Como foi?<br />
— Bom, — eu disse automaticamente, sem querer admitir a elas<br />
que eu não poderia me importar menos sobre meu noivado.<br />
— Vocês pareciam bonitos juntos, — Anastásia disse docemente.<br />
Pegando-me de surpresa, e eu me senti relaxar na mesma hora.<br />
Aparentemente, Anastásia tinha percebido que não havia razão para ela<br />
estar com ciúmes de mim e Cosimo.<br />
~ 21 ~
Capítulo dois<br />
CARA<br />
Eu me perdi no meio do caminho; As três taças de champanhe<br />
que tinha bebido, realmente não ajudaram muito. Esta casa era um<br />
labirinto, obviamente construído para impressionar e intimidar, e não<br />
tanto como um lugar para se sentir confortável e atualmente viver. Pelo<br />
menos eu nunca poderia imaginar me sentir confortável em um lugar<br />
como este, mas talvez a pintura quase em tamanho natural de Falcone<br />
tinha algo a ver com isso também. Seus olhos assombrados pareceu me<br />
seguirem onde quer que eu fosse.<br />
Eu me atrapalhei com meu celular na minha bolsa e o puxei para<br />
fora, mas hesitei no último instante. Quão embaraçoso seria se eu<br />
chamasse Anastásia ou Trish e lhe dissesse à verdade, que eu consegui<br />
me perder ao ir procurar o banheiro feminino? A atmosfera entre nós<br />
tinha sido tensas desde a minha dança com Cosimo de qualquer<br />
maneira. Não havia necessidade lhes dar mais munição contra mim.<br />
Pela primeira vez, eu desejei que Talia estivesse aqui. Nós iriamos<br />
rir sobre isso juntas, e ela me zoaria sobre isso por um longo tempo,<br />
mas nunca fora de sua malícia. Ela não contaria para outras pessoas.<br />
Fiz uma pausa, percebendo que eu nem sequer confiava nas<br />
minhas duas melhores amigas. Eu balancei minha cabeça. Este era o<br />
mundo em que eu vivia. Você não pode confiar nas pessoas, nem<br />
mesmo nas pessoas que você chamava de seus amigos, isso é o que<br />
meu pai sempre disse. Eu sempre fui relutante em acreditar nele. Eu<br />
coloquei meu telefone de volta na minha bolsa. Eu não ia ligar para<br />
elas, de maneira nenhuma.<br />
Mamãe também estava fora de questão de qualquer forma.<br />
E Cosimo. Não, eu não preciso de outra razão para que seja<br />
estranho entre nós. E não havia diferenças entre ele e um estranho. Eu<br />
tinha um pressentimento que isso não mudaria até dia do nosso<br />
casamento e talvez muito tempo depois.<br />
~ 22 ~
Com um suspiro, eu continuei. Em algum momento eu teria que<br />
ver algo que eu reconheceria e encontraria o meu caminho de volta para<br />
a festa.<br />
Virei em outro corredor desconhecido – eles realmente pareciam<br />
ser todos iguais – foi quando vi alguém no corredor apenas alguns<br />
passos a minha frente. Finalmente, alguém que poderia ser capaz de me<br />
apontar à direção certa!<br />
Minha alegria se transformou em choque, então em medo quando<br />
eu percebi quem eu tinha encontrado.<br />
Growl.<br />
Ele não se moveu. Apenas ficou lá. Era como se ele já estivesse<br />
neste corredor por um tempo.<br />
À espera de uma vítima, talvez, minha mente hiperativa sugeriu.<br />
Mas tanto quanto eu queria zombar interiormente da ideia, eu<br />
tinha a sensação de que não era assim tão distante. Medo e fascínio<br />
começaram uma batalha em mim, e eu me lembrei de que ele não iria<br />
me tocar. Meu pai era muito importante para Falcone, e isso significava<br />
que eu era também. Talvez Growl fosse um assassino implacável, pouco<br />
mais do que uma máquina de matar e um monstro, mas ele era<br />
definitivamente um monstro inteligente ou ele não teria chegado tão<br />
longe. E ainda assim eu esperava que meus guarda-costas viriam me<br />
encontrar em breve. Mesmo que eles tivessem me visto deixando à<br />
festa? Eles tentaram dar liberdade as minhas amigas e eu. Mas agora<br />
eu queria que eles não tivessem feito isso.<br />
Os olhos de Growl não demonstraram nada enquanto me<br />
observavam. Uma de suas muitas tatuagens espreitou fora. Eu nunca<br />
tinha visto elas, mas você não pode ser uma parte da sociedade e não<br />
ouvir as histórias. Mesmo vestido com um terno, disfarçado como um<br />
de nós, ele não conseguia esconder quem ele era. Suas tatuagens a<br />
mostra era uma pequena dica do monstro debaixo do traje caro. Eu me<br />
perguntava como ele ficaria sem o terno. Calor subiu em minhas<br />
bochechas com o pensamento ridículo. Eu definitivamente tinha bebido<br />
muito.<br />
Uma carranca atravessou seu rosto antes dele desaparecer e eu<br />
perceber quanto tempo eu estava olhando para ele de novo, julgando-o.<br />
Eu provavelmente não tinha conseguido esconder meus pensamentos<br />
muito bem. Um erro que poderia arruinar tudo em nosso mundo. Meus<br />
pais me ensinaram como funcionavam as coisas.<br />
~ 23 ~
A porta atrás dele, parecia vagamente familiar. Levava ao lob<strong>by</strong><br />
principal. Eu não me movi. Fazer o caminho de volta para a festa,<br />
significava ir para perto dele.<br />
Era ridículo. Eu não era qualquer uma. E não estávamos em<br />
qualquer lugar. Ele não faria nada. Mesmo que ele tivesse regras uma<br />
delas era que eu estava fora dos limites, assim como todas as meninas<br />
de famílias como a minha. Não importa o quanto absurda à declaração<br />
de Anastásia soou, era verdadeira.<br />
Eu inclinei meus ombros e dei alguns passos determinados em<br />
direção a Growl. Chegando mais perto meu pulso acelerou. Growl era o<br />
caçador e eu era a presa, o que não fazia sentido desde que ele não<br />
tinha se movido desde a minha chegada ao corredor. Estou a pensar<br />
sobre isso, ele nunca chegou a falar quando eu estava me aproximando.<br />
— Eu sou Cara, — eu disse com voz apressada. Talvez se eu<br />
pudesse fazê-lo falar, ele não pareceria tão perigoso, mas ele não reagiu<br />
só me olhou com uma expressão ilegível, e depois a porta se abriu atrás<br />
dele, e minha mãe apareceu.<br />
Seus olhos pousaram em mim, em seguida, mudou-se para<br />
Growl, e sua expressão tornou-se rígida.<br />
— Cara, eu e seu pai estávamos procurando por você. Volte para<br />
o salão, — disse ela, ignorando completamente o homem no corredor<br />
com a gente.<br />
Eu balancei a cabeça e corri passando por Growl. Seus olhos,<br />
âmbar escuro me seguiram, mas ele permaneceu em silêncio. Quando<br />
olhei de volta para ele, uma emoção percorreu meu corpo e eu tive que<br />
parar de olhar por cima do ombro.<br />
No momento em que eu e minha mãe estávamos fora do corredor<br />
e em uma sala deserta, ela agarrou meu braço em um aperto<br />
esmagador. — O que você estava pensando em ficar sozinha com<br />
aquele... Aquele homem, — ela praticamente cuspiu a última palavra.<br />
Seus olhos estavam arregalados e quase frenéticos. — Eu não posso<br />
acreditar que eles o deixaram entrar. Seu lugar é em uma gaiola com<br />
algemas, longe de qualquer pessoa decente.<br />
Suas unhas cravaram em meu braço.<br />
— Mãe, você está me machucando.<br />
Ela me soltou e eu finalmente reconheci a emoção no seu rosto.<br />
Não era raiva, mas preocupação.<br />
~ 24 ~
— Eu estou bem, — eu disse com firmeza. — Eu me perdi e me<br />
deparei com ... — Eu procurei em minha mente por um nome diferente<br />
de Growl, um que não parecesse muito com um apelido, ao redor da<br />
minha mãe, mas fiquei de mãos vazias.<br />
— Cara, você não pode sair andando por aí, sem pensar nas<br />
consequências de suas ações.<br />
— Eu estava procurando o banheiro. Eu não estava passeando<br />
por aí, — eu disse.<br />
— Cosimo é um bom partido. Não vá estragar tudo agora.<br />
Pisquei, incapaz de acreditar nos meus ouvidos. — É com isso<br />
que você está preocupada?<br />
Mamãe respirou fundo e colocou sua mão no meu rosto. — Estou<br />
preocupada com você. Mas isso também inclui a sua reputação. Neste<br />
mundo, uma mulher não é nada sem uma boa reputação. Para um<br />
homem, isso é uma questão diferente. Eles podem fazer o que eles<br />
quiserem e isso ainda vai ajudar a sua reputação, mas somos obrigadas<br />
a seguir diferentes padrões. Precisamos ser tudo o que eles não são.<br />
Precisamos compensar as suas falhas. Isso é o que significamos para<br />
eles. Nós, você, precisa ser gentil e dócil e virtuosa. Os homens querem<br />
tudo e devemos manter nossos desejos firmemente trancados, Mesmo<br />
que os homens não possam.<br />
Não era a primeira vez que ela dizia algo assim para mim, mas a<br />
maneira como ela acentuou a palavra — desejo — em seu discurso me<br />
deixou preocupada de que ela sabia da reação do meu corpo com a<br />
proximidade de Growl.<br />
Ela não precisava ter se preocupado. Meu medo sobre esse<br />
homem, de tudo o que ele representava e do que ele era capaz, superou<br />
qualquer pequena arrepio de excitação que meu corpo poderia ter<br />
sentido ao seu redor.<br />
GROWL<br />
Growl as assistiu sair do corredor. A porta se fechou e ele estava<br />
sozinho novamente. Seu aroma de baunilha ainda permanecia no ar.<br />
~ 25 ~
Doce. As meninas gostavam sempre de escolher aromas doces. Ele não<br />
entendia por que elas tentavam parecer ainda mais inofensivas por<br />
cheirar como uma flor delicada.<br />
Ele puxou o colarinho. Muito apertado. O tecido contra sua<br />
cicatriz, que ele tanto odiava. Este terno, esta camisa, não eram ele.<br />
O olhar no rosto de sua mãe tinha o lembrado do porque ele<br />
odiava eventos como este. As pessoas não o queriam por perto. Eles<br />
queriam que ele fizesse o trabalho sujo, e eles apreciavam falar merdas<br />
sobre ele, mas eles não o queriam ele próximo.<br />
Ele não dava à mínima.<br />
Eles não eram nada para ele.<br />
Ele sabia que eles o viam como um animal de circo. Ele foi o<br />
escândalo da noite. A menina com cheiro doce, também, tinha estado a<br />
observá-lo. Ele tinha visto ela e suas amigas o observando do outro lado<br />
do salão.<br />
Mas a menina com cheiro doce o surpreendera. Ele sabia sobre<br />
sua família. É claro. Falcone tinha falado sobre seu pai e sua família<br />
com muita frequência nas últimas semanas. Cara.<br />
Ela não tinha fugido gritando, apesar de ter ficado sozinha no<br />
corredor com ele. Ela ainda não parecia muito assustada. É claro que<br />
tinha estado com medo; havia sempre o medo, mas tinha havido um<br />
‘que’ de curiosidade também. Porque ele era um monstro que eles<br />
temiam e os fascinavam também.<br />
Ele não se importava. Ela era apenas uma menina. Uma menina<br />
da sociedade com um vestido bonito e um rosto ainda mais bonito. Ele<br />
não deu a mínima para sua beleza. Não significou nada. Foi fugaz,<br />
poderia ser levada em um piscar de olhos. Mas seus olhos haviam a<br />
procurado várias vezes durante a noite. Ele tinha imaginado rasgando<br />
seu vestido bonito fora de seu corpo, imaginou também passar as mãos<br />
não dignas sobre suas curvas. Em seguida, ele forçou o olhar e deixou o<br />
salão do baile antes que ele pudesse fazer algo muito estúpido. Ela era<br />
alguém que ele não deveria ter. Alguém que não deveria sequer<br />
imaginar ter. Ela era alguém para admirar de longe. E era melhor<br />
assim.<br />
CARA<br />
~ 26 ~
Naquele dia, pouco depois de voltarmos para casa e eu estava<br />
deitada na cama, meus dedos encontraram o ponto ideal entre as<br />
minhas pernas, respondendo à necessidade que tinha me atormentado<br />
desde que eu tinha visto Growl. O manto da escuridão lavou minha<br />
resistência e minha preocupação em ser pega. Até mesmo quando as<br />
palavras de minha mãe ecoaram na minha cabeça isso não foi capaz de<br />
me parar. — Seja adequada, seja virtuosa. Isso é pecado. — A imagem<br />
do temível homem tinha causado um formigamento doce no meu<br />
núcleo, e eu era incapaz de resistir. Errado, minha mente gritava, mas<br />
eu bani o pensamento até que finalmente meu corpo estremeceu com a<br />
liberação.<br />
Mas segundos depois, uma sensação familiar de estar suja tomou<br />
conta de mim. Este era o pecado. Minha mãe não tinha parado de dizer<br />
essas palavras para mim desde o dia em que ela me pegou tocando-me<br />
há dois meses. Eu não tinha caído em tentação as minhas necessidades<br />
pecadoras desde então, até esta noite.<br />
Eu respirei fundo, desejando que meu coração parasse de tremer.<br />
Desejando que meu corpo parasse de me lembrar o que eu tinha feito.<br />
Desde que minha mãe me pegou havia uma tensão entre nós. Eu<br />
mal podia suportar. Ela evitou meus olhos enquanto eu evitava os dela.<br />
Eu estava quase feliz que meu casamento estava se aproximando<br />
rapidamente, assim eu finalmente poderia escapar do seu julgamento.<br />
Eu ainda sentia uma onda de vergonha quando me lembrava daquele<br />
dia do flagrante e de seu olhar em choque. Não tinha sido a primeira vez<br />
que eu tinha me tocado, mas a primeira vez que eu realmente entendi<br />
que era errado. Eu tinha jurado a mim mesma naquela época nunca<br />
deixar meu corpo se sobrepor sobre meu cérebro novamente e agora eu<br />
tinha quebrado essa promessa. Na proteção da noite, eu ousei deixar<br />
meus dedos vaguearem de novo, tudo por causa de um homem a quem<br />
eu não deveria sequer pensar, muito menos fantasiar. Era errado.<br />
Eu era fraca e pecadora, mas nos breves momentos de prazer, eu<br />
me senti mais viva do que em qualquer outro momento da minha vida.<br />
~ 27 ~
Capítulo três<br />
CARA<br />
Eu sabia que algo de errado estava acontecendo quando eu olhei<br />
para meu pai durante o jantar. Ele tinha a energia nervosa de um<br />
animal enjaulado. Os olhos de Talia se lançaram para mim, as<br />
sobrancelhas escuras arqueando-se em uma pergunta silenciosa. Ela<br />
sempre tentou agir como se ela fosse crescida, e ainda assim ela ainda<br />
parecia pensar que eu sempre sabia mais do que ela. Mas sempre houve<br />
mais perguntas do que respostas em nossa casa.<br />
Eu dei de ombros e lancei um olhar para nossa mãe, mas sua<br />
atenção estava voltada para papai, lá estava à mesma expressão curiosa<br />
em seu rosto que de Talia estava me dando. Nenhuma de nós parecia<br />
ter respostas; Papai olhou fixamente para baixo em seu iPhone, mas a<br />
tela permaneceu apagada. Tudo o que ele estava esperando e<br />
esperando, não estava acontecendo. Seus os dedos tamborilando em<br />
um ritmo irregular no mogno da nossa mesa da sala de jantar. Papai<br />
normalmente usava as unhas meticulosamente curta, mas o que o<br />
transformou na pilha de nervos antes de nós, o fez esquecer a sua<br />
higiene pessoal.<br />
— Brando, você mal tocou o seu jantar. Você não gostou do<br />
roastbeef? — perguntou mamãe. Ela passou duas horas na cozinha<br />
preparando a nossa comida de domingo. Em todos os outros dias da<br />
semana tínhamos nosso cozinheiro responsável pela culinária.<br />
Papai saltou na cadeira. Seus olhos injetados arregalados<br />
encontraram os de mamãe, então ele olhou para Talia e eu. Uma<br />
inquietação embrulhou a boca do meu estômago. Eu nunca tinha visto<br />
ele assim. Papai era calmo e analítico. Pouco lhe fazia perder a<br />
paciência. Mas desde a festa no Falcone, ele parecia um pouco<br />
sobrecarregado.<br />
— Eu não estou com fome, — papai disse antes de seu olhar<br />
voltar diretamente para o seu telefone celular.<br />
~ 28 ~
Olhei para a barriga caída sobre o cinto. Pai gostava de comer, e<br />
ele nunca deixava o roastbeef da mamãe ir para o lixo.<br />
A tela do seu telefone acendeu com uma mensagem e seu rosto<br />
empalideceu. Pousei meu garfo, já sem fome. Mas eu não tive a chance<br />
de lançar outro olhar interrogativo para mamãe porque ele se atirou a<br />
seus pés. Sua cadeira tombou e caiu no chão de madeira em um<br />
estrondo. Minha mãe se levantou também, mas Talia e eu ficamos<br />
congeladas em nossos lugares. O que estava acontecendo?<br />
— Brando, o que...<br />
Papai correu antes que nossa mãe pudesse terminar sua frase.<br />
Mamãe o seguiu atrás dele e depois de um momento eu também me<br />
levantei. Talia ainda estava colada à sua cadeira. Ela piscou para mim.<br />
Meus olhos dispararam para a porta, dividida entre correr atrás de<br />
nossos pais para descobrir o que estava acontecendo ou seguir as<br />
regras. Nós não devíamos levantar da mesa de jantar sem permissão.<br />
Eu não gostava dessa regra, mas eu sempre a seguia. Jantares era a<br />
única vez que nossa família tinha a chance de realmente passar algum<br />
tempo de qualidade juntos, depois de tudo.<br />
A porta da sala de jantar se abriu novamente e Papai estava de<br />
volta, com duas armas nas mãos. Ele colocou uma para baixo, apenas<br />
para retirar o telefone do bolso e o pressionar contra seu ouvido. Olhei<br />
para a arma na nossa mesa. Eu sabia que papai estava fazendo para<br />
ganhar a vida, o que ele era. Eu o conhecia por tanto tempo quanto eu<br />
poderia lembrar, Mesmo assim, Mamãe, Talia e eu, vivíamos uma vida<br />
bem normal apesar de tudo. Mesmo se você se fizesse de cego para a<br />
verdade, às vezes ela lhe batia na cara, sem convite. Mas até agora<br />
Papai tinha tentado manter a ilusão de normalidade ao nosso redor.<br />
Não tinha sido exatamente difícil para ele porque, até alguns meses,<br />
Talia e eu estávamos ambas em um internato e só íamos para casa nos<br />
fins de semana e durante as férias de verão. E logo eu iria embora para<br />
a faculdade e Talia iria voltar para a escola. Eu nunca tinha visto ele<br />
abertamente exibir uma arma. Eu nunca tinha visto uma arma tão<br />
perto de qualquer forma. Papai estava envolvido no crime organizado,<br />
mas muitas pessoas se envolviam com jogos de azar em Las Vegas; Eu<br />
não tinha certeza do que exatamente ele estava metido, exceto que ele<br />
conseguiu a maioria dos casinos da Camorra.<br />
Mamãe entrou na sala de jantar, parecendo completamente fora<br />
de si, mas papai não olhou em nossa direção. — Quando você vai estar<br />
aqui? — Pai assobiou ao telefone. Ele balançou a cabeça depois de um<br />
momento. — Estaremos prontos então. Apresse-se.<br />
~ 29 ~
Finalmente, ele se virou para nós. Ele estava tentando parecer<br />
calmo, mas falhando miseravelmente. — Talia, Cara, por favor,<br />
arrumem a mala. Coisas que vocês realmente precisam para sobreviver<br />
por alguns dias.<br />
Mãe tornou-se um pilar imóvel.<br />
— Estamos saindo de férias? — Perguntou Talia com esperança e<br />
ingenuidade que eu desejava para mim.<br />
Papai sempre nos oferecia uma risada quando dizíamos algo<br />
bobo. Não hoje. — Não seja ridícula, Talia, — ele explodiu. Ela pulou em<br />
sua cadeira, obviamente surpresa com o tom áspero.<br />
— Estamos em apuros? — Perguntei com cuidado.<br />
— Eu não tenho tempo para discutir os detalhes com você. Tudo<br />
que vocês precisam saber agora é que não temos muito tempo, por isso,<br />
vá pegar algumas coisas.<br />
O telefone brilhou com uma mensagem. Os ombros de papai<br />
relaxaram em alívio. Ele correu para fora da sala de jantar. Desta vez,<br />
todas as três de nós o seguiu para o hall de entrada da casa. Papai<br />
abriu a porta e vários homens que eu nunca tinha visto antes entraram.<br />
Eles pareciam fortes em seus jeans, jaquetas de couro e tênis.<br />
Parecia o tipo de caras que eu não gostaria de encontrar no<br />
escuro - ou em qualquer outro lugar. Eles eram o tipo de homens que<br />
faziam você atravessar a rua para evitá-los.<br />
Eu tive que me impedir de passar os braços de forma protetora<br />
em volta do meu peito. Se papai tinha os convidado a entrar, eles não<br />
podiam ser perigosos.<br />
Papai tirou um envelope do bolso do casaco e estendeu-o para um<br />
dos homens. O braço de Talia escovava os meus quando ela se moveu<br />
um pouco mais perto. Eu gostaria de poder dar-lhe o conforto que ela<br />
estava obviamente procurando, mas meus próprios nervos estavam<br />
temerosos.<br />
O homem olhou dentro. — Onde está o resto? — Ele disse com<br />
um sotaque pesado. Eram os russos? Eles pareciam ligeiramente Slavic<br />
para mim, mas eu não tinha considerado a opção deles realmente sendo<br />
russos. Meu pai trabalhava para a Camorra, e não era segredo que os<br />
russos eram inimigos. Não era cometer traição por ter aqueles homens<br />
dentro de nossa casa? Minha cabeça estava girando, mas eu guardei as<br />
perguntas para mim mesma, por medo de tornar as coisas ainda piores.<br />
~ 30 ~
— Vou te dar assim que minha família e eu estivermos seguros<br />
em Nova York. Esse foi o acordo, Wladimir, — disse papai.<br />
Talia me lançou um olhar confuso, mas eu não ousei tirar os<br />
olhos do que estava acontecendo. Por que estávamos indo para Nova<br />
York? E o que ele fez que ele necessitasse dos russos para protegê-lo?<br />
Ele raramente falava sobre o negócio em nossa presença, mas já tinha<br />
ouvido alguns trechos ocasionalmente sobre Nova York ou russos que<br />
não tinha sido positivos.<br />
Wladimir trocou um olhar com seus companheiros, em seguida,<br />
deu um aceno rápido. — Isso não será um problema. Amanhã você vai<br />
estar em Nova York.<br />
Papai se virou para nós. — O que vocês ainda estão fazendo aqui?<br />
Eu lhes disse para arrumar suas malas. Andem.<br />
Hesitei, mas mamãe agarrou a mão de Talia e a arrastou para a<br />
escada. Depois de um momento, eu segui, mas não sem olhar por cima<br />
do meu ombro novamente. Os russos estavam falando entre si. Papai<br />
parecia confiar neles, ou pelo menos confiava que eles queriam o resto<br />
do dinheiro o suficiente para chegar a Nova York. Isso me assustou. Eu<br />
conversando com mãe e Talia, sussurrei. — Porque Nova York? Eu<br />
pensei que nós não poderíamos ir lá porque a família de lá não se dá<br />
bem com o chefe do papai.<br />
Mamãe suspirou. — Onde você ouviu isso?<br />
— Eu não sei. Às vezes escuto umas coisas aqui e ali. É a<br />
verdade, certo?<br />
— Nova York é um tema difícil. Eu não vou para lá há muito<br />
tempo.<br />
Havia anseio em sua voz. Eu abri minha boca para lhe perguntar<br />
sobre isso quando um estrondo soou no andar de baixo, então os<br />
homens estavam gritando.<br />
— Nós precisamos nos esconder, — Mamãe sussurrou enquanto<br />
ela arrastou Talia em direção ao quarto principal. Eu estava prestes a<br />
segui-las. Quando passos trovejaram até a escada. Eu rapidamente me<br />
escondi na sala o mais próxima, Talia, e se escondeu em seu armário<br />
superlotado. Havia uma pilha de roupas descartadas no chão e eu usei<br />
para me esconder ainda mais. Eu ainda podia ver a maior parte da sala<br />
através da fenda na porta, mas apenas com a luz fraca do corredor, era<br />
difícil fazer muito. Eu quase não tive tempo de me abaixar antes da<br />
~ 31 ~
porta se abrir. Alguém cambaleou dentro. Por um momento, a luz<br />
atingiu o rosto do homem e eu o reconheci como um dos russos. Ele<br />
estava sangrando com um ferimento em seu braço. Moveu-se para a<br />
janela. Ele iria pular? Ele tentou empurrar a janela para cima, mas ele<br />
ficou preso por causa de seus movimentos frenéticos.<br />
Prendi a respiração e me enterrei mais fundo na pilha de roupas<br />
Outro homem, muito mais alto e musculoso que o primeiro, entrou e<br />
agarrou o russo. Tudo aconteceu muito rápido para ver, mas algo<br />
parecia familiar sobre o segundo homem. Houve uma pequena luta. O<br />
russo puxou uma faca, mas nunca chegou a usá-la. O outro homem o<br />
agarrou pelo pescoço e torceu. Eu engasguei um suspiro enquanto o<br />
russo caiu, colidiu com a porta de modo que ela abrisse, e acabou<br />
caindo no chão sem vida. A luz agora encheu todo o centro do quarto.<br />
Meus olhos se voltaram para o assassino. Suas costas se voltaram para<br />
mim. Mas eu o conhecia. Eu tinha sonhado com ele várias vezes nas<br />
últimas duas semanas desde a festa.<br />
Growl, é claro.<br />
~ 32 ~
Capítulo quatro<br />
CARA<br />
Sua camiseta preta colada à sua pele de suor, e seus braços<br />
estavam cobertos de tatuagens. Sem o terno e o comportamento frio,<br />
isso para mim sinalizava puro perigo. Nada o controlava agora. Tudo<br />
nele gritava morte. Meu coração batia forte no meu peito enquanto eu<br />
esperava ele se virar e me achar. Será que ele iria me matar também?<br />
Ele não faria isso. Ele não podia. O estatuto da minha família<br />
ainda tinha que contar para alguma coisa, certo?<br />
Mas ele saiu do quarto sem olhar para o homem que ele matou –<br />
ou para o guarda-roupa que eu estava escondida.<br />
Só quando ele tinha ido embora e eu não ouvi mais seus passos<br />
eu me atrevi a respirar. E, em seguida, um novo medo se instalou. Onde<br />
estava papai e o que tinha acontecendo com ele? E o que dizer da<br />
minha mãe e Talia? Eu tinha que ir a procura delas, mesmo que cada<br />
fibra do meu corpo gritava para eu ficar onde estava. Precisávamos ficar<br />
juntas, mas deixar meu esconderijo era um risco enorme. Olhei para o<br />
corpo morto no meio do quarto novamente. Era esse o nosso destino<br />
também?<br />
Então, um pensamento esperançoso passou pela minha cabeça.<br />
Talvez nós fôssemos poupados. Não foi uma surpresa que os soldados<br />
da Camorra, eram como Growl, matavam membros da Bratva, seu<br />
arqui-inimigo. Talvez houvesse uma forma, poderíamos convencer a<br />
todos que os russos não tinham vindo até aqui para nossa proteção,<br />
mas sim para nos matar. Gritos e tiros soaram lá embaixo. Ouvi uma<br />
voz familiar, a voz do papai, mas ela não estava entre os gritos, nem<br />
eram de Talia ou da nossa mãe. Elas estavam, provavelmente, ainda<br />
escondidas no quarto principal.<br />
Fechei os olhos. Eu não estava acostumada a este mundo, mesmo<br />
que eu tivesse crescido em torno de pessoas que faziam parte do<br />
mesmo. Mas eu sempre me mantive ás margens das maldades que meu<br />
~ 33 ~
pai estava envolvido. Agora que eu fui jogada de cabeça, eu não tinha<br />
certeza de como agir. Esperar como um rato em uma armadilha não era<br />
uma solução. Em algum momento eles iriam procurar pelos quartos<br />
corretamente, e então eu não queria tornar isso mais fácil para eles. Eu<br />
empurrei meus pés e lentamente abri a porta, em seguida, sai. Embora<br />
eu soubesse, eu agachei ao lado do russo e pressionei os dedos contra o<br />
pescoço dele. Ele ainda estava quente, mas não havia pulso. Eu cogitei<br />
a ideia de ajuda-lo, mas então percebi a maneira como seu pescoço<br />
estava torcido e empurrei para longe.<br />
Um tremor violento esmagou o meu corpo e por um momento eu<br />
tinha certeza que eu iria ter um ataque de pânico, mas o som de vozes<br />
me trouxe de volta à realidade. Fiquei de pé, o meu olhar caindo para<br />
faca que o russo tinha deixado cair durante sua luta. Eu estava prestes<br />
a pega-la quando as palavras do instrutor de autodefesa que tinha dado<br />
um seminário de fim de semana em nossa escola surgiu na minha<br />
mente: 'A arma que você não pode controlar é outra vantagem para o<br />
seu inimigo'.<br />
Eu não tinha dúvidas de que eu estaria desarmada em algum<br />
momento. Eu nunca tinha aprendido a lutar com armas, ou a lutar.<br />
Meus amigos e eu não tínhamos levado o seminário de Autodefesa<br />
muito a sério. Agora eu gostaria de ter. Mas nós tínhamos estado tão<br />
ocupadas cobiçando o nosso instrutor que não tínhamos tido tempo<br />
para mais nada.<br />
Quanto tempo se passou?<br />
Talia gritou em algum lugar da casa, e eu comecei a me mover<br />
sem pensar. Eu saí da sala. Eu não tinha certeza de como ajudá-la,<br />
mas eu sabia que precisava para chegar até ela. Eu não fui muito longe<br />
embora. Eu bati em alguém, minha cabeça colidiu com um ombro duro.<br />
Minha visão ficou preta e eu cambaleei para trás, ofegante. Eu caí de<br />
joelhos. A dor subiu pelas minhas pernas com o impacto. Depois de um<br />
momento, eu olhei para cima e me vi olhando para o homem que tinha<br />
matado um cara bem na frente dos meus olhos, o homem que eu tinha<br />
medo e que me fascinara desde o nosso primeiro encontro. Ele era mais<br />
alto de perto, e pude ver uma longa cicatriz desbotada, localizada em<br />
torno de sua garganta. Growl. Sempre Growl. Meu fascínio deu lugar a<br />
nada menos do que o medo, quando seus olhos encontraram os meus.<br />
Ele não parecia humano naquele momento.<br />
Um assassino, um monstro - nada de humano em sua expressão,<br />
ou em seus olhos, ou nele.<br />
~ 34 ~
Ele agarrou meu braço e me puxou para os meus pés. Minha<br />
visão nadou novamente. — Leve-a com os outros, — respondeu<br />
asperamente. Aquela voz, tão profunda e áspera, enviou um arrepio nas<br />
minhas costas.<br />
Outro homem me pegou pelo braço e me levou para longe. Eu<br />
joguei outro olhar por cima do meu ombro, mas, Growl, o homem com a<br />
cicatriz e sem piedade, foi embora. Eu quase não prestava atenção ao<br />
meu redor e quase caí das escadas quando meu captor me arrastou<br />
para baixo até chegarmos a sala onde meu pai, mãe e Talia já estavam<br />
reunidos. Papai ajoelhou-se no chão, na frente de Falcone, que estava<br />
vestido com um terno de listradas e uma camisa branca. Talia e mamãe<br />
ficaram alguns passos para trás, parecendo tão aterrorizadas quanto eu<br />
me sentia. Eu fui empurrada para eles e minha mãe imediatamente<br />
envolveu um braço ao meu redor. O outro já estava segurando Talia. Eu<br />
dei um olhar questionador para ela, mas ela estava observando Falcone<br />
com olhos aterrorizados. Finalmente, eu me virei para ele também. Ele<br />
tinha sido assustador em sua festa, mas hoje ele parecia realmente<br />
assustador.<br />
Benedetto Falcone, chefe do meu pai e chefe da máfia em Las<br />
Vegas, estava em nossa casa e o olhar em seus olhos transformou meu<br />
estômago em gelo. Ele estar em nossa sala de estar, era um sinal<br />
horrível. Isso só poderia significar que o papai havia se enganado. E<br />
esse pai que estava suando profusamente, só confirmou minhas<br />
preocupações.<br />
Em algum lugar da casa eu ainda podia ouvir os sons reveladores<br />
de uma briga brutal. Eu tremi. Os homens reunidos naquela sala<br />
pareciam todos estar procurando sangue. O homem morto no canto e<br />
no andar de cima no quarto de Talia não parecia ser suficiente.<br />
Passos pesados desceram a escada, e alguns instantes depois,<br />
Growl apareceu. Suas mãos e antebraços estavam cobertos de sangue.<br />
Eu não tinha certeza se era o seu próprio, mas eu duvidava.<br />
Falcone olhou para ele. — Tudo certo, Growl? — Ele perguntou<br />
com leve curiosidade, como se ele já soubesse a resposta e eu supus<br />
que sim. Todas as histórias que eu tinha ouvido em vozes sussurradas<br />
atravessaram minha mente.<br />
Growl era invencível.<br />
O homem na minha frente tinha pouco a ver com o homem que<br />
eu vira na festa de Falcone. Naquele momento, Growl estava disfarçado.<br />
Enquanto outras pessoas tinham que colocar máscaras, ele naquele<br />
~ 35 ~
terno e em sua limpa aparência, tinha o transformado em um de nós,<br />
mas debaixo dele o mesmo monstro estava deitado em vigília. Agora não<br />
havia dúvida de quem ou o que ele realmente era. O melhor soldado nas<br />
linhas de frente da Camorra de Las Vegas, e um monstro. Isso é o que<br />
as pessoas sempre diziam pelas suas costas e que agora eu também via.<br />
Ele era uma máquina de lutar sem emoções, uma mão brutal de<br />
Benedetto Falcone.<br />
— Tudo certo, — Growl disse naquele profundo murmúrio que era<br />
sua voz. Pela primeira vez pude ver a longa cicatriz em torno de sua<br />
garganta. Suas cordas vocais tinham sido feridas pelo acidente que lhe<br />
tinha dado a longa cicatriz em torno de sua garganta. Growl não deveria<br />
ter sobrevivido a uma ferida como aquela, mas de alguma forma ele<br />
tinha, e talvez ele o tivesse transformado no monstro que era agora, ou<br />
talvez ele tivesse sobrevivido apenas porque ele era um monstro.<br />
Falcone se afastou de seu soldado e Growl desvaneceu-se no<br />
fundo. Eu não tinha certeza de como ele conseguiu fazê-lo; Um homem<br />
com seu tamanho e aura não deveria ter sido capaz de se misturar no<br />
nosso ambiente tão facilmente, para fazer você esquecer que ele estava<br />
lá. Essa era provavelmente uma das habilidades que o tornaram um<br />
lutador tão temido.<br />
Falcone aproximou-se mais de papai, forçando-o a inclinar a<br />
cabeça para trás.<br />
— Ouvi dizer que você esteve ocupado nestes últimos meses, —<br />
Falcone começou em um sotaque, que fez os cabelos na parte de trás do<br />
pescoço arrepiar. Seu sorriso era desagradável e mal-intencionado. Que<br />
prometia punição.<br />
O pai engoliu, mas não disse nada. Por que ele não estava<br />
dizendo nada?<br />
— Quanto do meu dinheiro você guardou para si mesmo, Brando?<br />
— Falcone perguntou ainda naquela voz terrivelmente agradável.<br />
Meu estômago se contraiu. Eu não podia acreditar que o papai<br />
tinha roubado seu chefe. Ele não teria sido tão estúpido. Todo mundo<br />
sabia o que acontecia com as pessoas que enganavam Falcone.<br />
O sorriso de Falcone se alargou e ele deu um pequeno aceno para<br />
um de seus homens, que imediatamente saiu e voltou alguns momentos<br />
depois, com Cosimo nos calcanhares, como de costume impecável. O<br />
que ele estava fazendo aqui?<br />
~ 36 ~
Talvez ele daria o seu testemunho para papai.<br />
Mas papai ficou pálido ao ver meu futuro marido e eu sabia que<br />
minha esperança era em vão. Papai parecia querer dizer algo, mas ele<br />
permaneceu em silêncio.<br />
Eu tentei pegar os olhos de Cosimo, mas seu olhar não me<br />
procurou uma única vez. Por que ele estava me ignorando? Estávamos<br />
praticamente noivos; Nossa festa de noivado estava marcada para o Ano<br />
Novo. Ele não deveria cuidar de mim?<br />
Ele estava olhando para o pai com uma expressão que fez meu<br />
estômago revirar. Isso ia acabar mal.<br />
— Por que você não me conta mais o que você me disse há alguns<br />
dias? — Falcone disse a Cosimo, sem tirar os olhos do meu pai.<br />
— Depois que chegamos a um acordo sobre o noivado com sua<br />
filha, Brando veio até mim e me perguntou se eu queria ganhar algum<br />
dinheiro extra. Ele me contou sobre o negócio que ele fez com a Bratva,<br />
e que ele estava tirando dinheiro de você.<br />
Papai não disse nada. Eu queria sacudi-lo, queria fazê-lo negar as<br />
acusações escandalosas de Cosimo. Com cada segundo que ele não fez,<br />
minhas esperanças para um final misericordioso para esta noite<br />
desapareceram. Eu tentei pegar o olhar de Cosimo novamente, ainda<br />
esperando, e quando ele finalmente olhou para mim, meu coração<br />
afundou. Não havia emoção em seus olhos. Ele não seria meu cavaleiro<br />
em armadura brilhante hoje.<br />
Falcone virou-se para minha mãe com uma expressão de tubarão.<br />
Mamãe ficou rígida, mas manteve a cabeça erguida. Era uma mulher<br />
orgulhosa; Uma das coisas que eu mais admirava nela. Eu fiquei<br />
preocupada que Falcone pudesse querer quebrá-la. Ele era desse tipo.<br />
Ele avançou sobre mamãe, e finalmente meu pai entrou em ação.<br />
— Ela não sabe nada. Minha família não estava envolvida em nada<br />
disso. Eles são inocentes. — Sua voz soou com medo alarmante. Vendo<br />
seu terror, ouvindo-o, aterrorizou-me sem fim. Isso não era um jogo.<br />
Talia olhou para mim novamente. Deus, e como eu queria saber<br />
como ajudá-la, como ajudar a minha família, mas eu era inútil.<br />
Falcone parou bem na frente de minha mãe, mais perto do que<br />
era socialmente aceitável. Minha mãe não recuou, embora a maioria das<br />
pessoas tivesse feito isso sob seu olhar, e eu esperava ter a mesma força<br />
se Falcone me confrontasse. Ele estendeu a mão para sua garganta e<br />
~ 37 ~
por um momento louco eu pensei que ele iria estrangulá-la. Papai fez<br />
um movimento para se levantar, mas o homem de Falcone o empurrou<br />
para baixo.<br />
Falcone enrolou os dedos em torno do colar de Mãe. — Mas eles<br />
estão colhendo as recompensas de sua traição, não é?<br />
Pai sacudiu a cabeça. — Eu não comprei aquele colar com esse<br />
dinheiro... — Ele parou, com uma expressão dolorosa em seu rosto. Isso<br />
parecia um apelo culpado se eu já tivesse ouvido um. Eu queria chorar.<br />
Papai tinha realmente roubado. Isso significava sua morte, e talvez a<br />
nossa também. Falcone não era conhecido por sua bondade.<br />
— Não? — Disse Falcone com uma curiosidade falsa. Ele<br />
arrancou o colar de garganta da minha mãe. Ela suspirou e se encolheu<br />
e sua mão voou para tocar sua pele. Quando ela puxou os dedos para<br />
longe, eles estavam ensanguentados. A corrente de ouro atinha cortado.<br />
Em seguida, ele apontou para os brincos de Talia. Talia deu um<br />
passo para trás. — E isso? — Ele pegou um brinco.<br />
— Deixe-a em paz, — Eu disse antes que pudesse me conter.<br />
Papai e mamãe olharam para mim como se eu tivesse perdido a cabeça.<br />
Falcone lentamente virou-se para mim, seus olhos se estreitando. Ele<br />
deu um passo para trás de Talia e veio em minha direção. Levou tudo<br />
de mim para ficar firme quando tudo que eu queria fazer era correr o<br />
mais rápido que meus pés pudessem me carregar.<br />
Eu não estava usando qualquer joia que ele pudesse segurar<br />
contra mim, ou meu pai, mas eu sabia que isso não iria me proteger.<br />
Seus olhos cruéis pareciam me perfurar até o cerne. Eu tentei não<br />
mostrar minha repulsa e meu medo. Eu não tinha certeza se estava<br />
conseguindo. Eu não tinha experiência em enfrentar o verdadeiro mal.<br />
— Você é um bravo, não é? — Falcone disse. Tive a sensação de<br />
que não era um elogio. Esperei que ele fizesse algo comigo, para me<br />
castigar por minha insolência, mas ele apenas me olhou antes de se<br />
virar e voltar para papai. De alguma forma, sua clemência me<br />
preocupava. Isso me fez pensar que talvez ele tivesse algo pior em mente<br />
para mim mais tarde. Isso ainda não terminou.<br />
— Eu me pergunto se você realmente acreditou que você iria fugir<br />
com isso, Brando? — Falcone perguntou. Ele tocou o ombro do papai<br />
em um gesto amável e amigável.<br />
~ 38 ~
— Eu sempre ganhei mais dinheiro do que qualquer um de seus<br />
outros gerentes. Vou trabalhar de graça, enquanto você quiser. Eu vou<br />
fazer isso por você, eu juro.<br />
— Você quer trabalhar para mim? — Falcone repetiu. — Você me<br />
traiu. Você roubou de mim e deu o meu dinheiro para os russos<br />
imundos. Meus inimigos. Como você vai trabalhar para mim?<br />
— Farei qualquer coisa — disse o pai.<br />
Falcone tocou o queixo em contemplação. Parecia como se tivesse<br />
praticado o movimento inúmeras vezes na frente do espelho. — Há algo<br />
que você pode fazer por mim.<br />
Pai assentiu ansiosamente, mas eu não estava tão otimista. O<br />
olhar nos olhos de Falcone não prometiam nada de bom. Falcone puxou<br />
uma arma fora do coldre sob o paletó e segurou-a contra a cabeça de<br />
papai. — Você pode morrer.<br />
Ele puxou o gatilho.<br />
Eu gritei, dando um passo em frente para ajudar meu pai, assim<br />
fez mamãe, mas nossos guardas nos seguraram de volta. Talia gritou<br />
um som agudo que fez os pelos na minha nuca se levantarem. Mas<br />
papai não se machucou. Ele estava ileso. Não havia uma bala na arma.<br />
Eu tremi, minhas emoções mudaram de choque para alívio.<br />
Papai fechou os olhos por um momento. Depois olhou para<br />
Falcone. Havia definitivamente alívio em seu olhar, mas também<br />
trepidação.<br />
Falcone sorriu. — Mas primeiro precisamos saber tudo o que você<br />
sabe sobre os russos e tudo o mais que possa prejudicar meu negócio,<br />
não concorda?<br />
Falcone não esperou a resposta do meu pai, ele apontou para<br />
Growl. — Fale com ele. E faça isso rápido. Tenho coisas melhores a<br />
fazer. — Growl não hesitou. Agarrou papai pelo braço, levantou-o e<br />
arrastou-o para a sala de jantar ao lado.<br />
Mãe, Talia e eu fomos conduzidos a um canto e tivemos que<br />
esperar enquanto escutamos os gritos e gemidos abafados do meu pai.<br />
Talia pressionou suas palmas contra suas orelhas e fechou os olhos<br />
com força. Mãe apertou sua mão sobre nós duas. Eu queria tampar<br />
meus ouvidos aos sons da tortura de papai, mas se ele tinha que<br />
suportar a dor, eu poderia pelo menos suportar isso.<br />
~ 39 ~
Ficou quieto na sala ao lado. A preocupação roeu meu interior. E<br />
se o silêncio significasse que papai havia perdido a consciência? Ou<br />
pior.<br />
A porta rangeu. Minha mãe ficou rígida. Papai foi levado para<br />
dentro por Growl. Ele mal conseguia manter-se ereto e sem o aperto<br />
firme do outro homem que o pai teria derrubado. Falcone levantou-se<br />
da cadeira. — Tudo feito?<br />
Growl assentiu com a cabeça. Ele levou papai para o centro da<br />
sala, depois o soltou. Ele caiu de joelhos. Growl voltou ao fundo da sala<br />
quando Falcone pisou na frente de papai. — Você me decepcionou<br />
muito, Brando. É uma pena, realmente. Deveria ter pensado na sua<br />
família antes de decidir me ferir.<br />
Papai tossiu, depois soltou. — Não... Não os castigue pelo meu...<br />
Falcone não lhe deu a chance de terminar a frase. Ele virou as<br />
costas para meu pai. — GROWL, — disse ele.<br />
Growl avançou, esperando ordens. Ele ia matar meu pai, não<br />
havia outra opção.<br />
— Você fez bem, Growl. — Os lábios de Falcone se alargaram. —<br />
É por isso que eu tenho um presente para você.<br />
Growl parou, pingando sangue e suor, olhos frios e vazios, como<br />
se não houvesse nada atrás deles, um vazio escuro que consumia<br />
qualquer coisa ao redor. Eu tremi. Eu não me lembro de seu olhar ser<br />
tão horrível na festa. Matar e mutilar deve ter trazido o monstro à<br />
superfície.<br />
Pai começou a sacudir a cabeça. — Você não pode!<br />
Eu me assustei.<br />
Growl mal olhou para o seu caminho, mas então seus olhos me<br />
encontraram, e eles não se moveram. Deus no céu tenha misericórdia.<br />
~ 40 ~
Capítulo cinco<br />
CARA<br />
— Eu posso e eu vou. — Falcone acenou com a cabeça para o<br />
captor do meu pai, que o golpeou no estômago, fazendo-o balbuciar e<br />
tossir.<br />
Falcone abriu os braços. — Você foi um bom soldado, e você<br />
merece uma recompensa. — Ele gesticulou para mim e eu pensei que<br />
meu mundo estava caindo. Eu podia ver minha vida desmoronando bem<br />
diante dos meus olhos. Mas tudo ficou muito pior. O dedo de Falcone se<br />
moveu de mim para a minha irmã. Os olhos de Growl correram em direção a<br />
ela. — É a sua escolha.<br />
— Não, — eu gritei, fugindo do meu captor. Minha nova liberdade<br />
foi de curta duração, no entanto, quando suas mãos me agarraram<br />
pelos braços, me marcando. Eu estremeci com a dor disparando através<br />
do meu corpo.<br />
Talia estava congelada de medo e choque.<br />
— Por favor — disse meu pai, com as mãos unidas num gesto de<br />
mendicância. — Elas são inocentes. Me puna, mas não as machuque.<br />
Falcone mal olhou para ele. — Oh, eu vou te punir, não se<br />
preocupe. Mas não será tão fácil. — Era óbvio que ele estava se<br />
divertindo tremendamente. Esta sala estava cheia de muitos monstros,<br />
mas eu tinha a sensação de que ele era o pior deles.<br />
— Você escolhe, Growl. Pegue quem quiser. Tenho certeza que<br />
você vai gostar de qualquer uma delas — Falcone disse com um sorriso<br />
desagradável. Eu não queria nada além de tirar esse sorriso do seu<br />
rosto, pegar a pesada escultura de mármore de um deus grego nu, que<br />
minha mãe amava tanto, e esmagá-la contra o rosto feio de Falcone. Eu<br />
não sabia de onde vinham aquelas noções brutais. Eu nunca fui do tipo<br />
violenta, mas eu supus que alguém poderia ser levado ao pior em uma<br />
situação como esta.<br />
~ 41 ~
Os olhos do Growl pararam em meu rosto. Eu pensei que ele<br />
verificaria o meu corpo, mas seu olhar nunca se afastou do meu rosto.<br />
Eu quase desejei que fosse diferente. Seus olhos eram como lagos de<br />
âmbar vazios. Eu não queria descobrir os segredos horríveis que se<br />
abrigavam em sua profundidade.<br />
— Oh, eu acho que a escolha está feita, — Falcone disse com uma<br />
risada.<br />
Growl deu um pequeno aceno de cabeça. — Ela, — ele grunhiu, os<br />
olhos ainda colados em mim.<br />
Horror, medo e desespero caíram sobre mim. Deveria ter sido<br />
alívio também. Alívio, porque Talia tinha sido poupada, mas, ao mesmo<br />
tempo, em que eu não queria minha irmã em meu lugar, eu não poderia<br />
sentir alívio quando minha própria vida estava desmoronando bem<br />
diante dos meus olhos.<br />
— Muito bem então — falou Falcone em tom condescendente. —<br />
Ela é sua.<br />
— Você não pode fazer isso, — rugiu meu pai. Eu não esperava<br />
que ainda restassem forças nele.<br />
— Leve-me. Ela é apenas uma criança, — Minha mãe implorou,<br />
tentando fugir de seu captor mais uma vez.<br />
Falcone riu de novo, um som ameaçador. — Quem quer uma<br />
ameixa velha quando pode ter um pêssego suculento?<br />
— Cuidado com a boca — sibilou meu pai. Talvez eu tivesse<br />
admirado mais a sua bravura repentina se ele não fosse o motivo de<br />
nossa morte. — Eu não vou ficar por perto enquanto você insulta minha<br />
esposa e dá a minha filha para… — Ele olhou para Growl com desgosto.<br />
— Aquele monstro.<br />
Falcone assentiu com a cabeça. — Você está certo. Você não<br />
deveria ter que assistir isso. — Antes que qualquer um de nós pudesse<br />
reagir, ele apontou sua arma para o pai e puxou o gatilho. Desta vez<br />
não foi apenas uma demonstração. A bala rasgou a têmpora do pai. Sua<br />
cabeça girou violentamente, os olhos arregalados em choque. Depois de<br />
um segundo, seu corpo caiu para trás. Suas pernas ficaram presas sob<br />
suas costas em um ângulo estranho.<br />
Um grito rasgou da minha garganta. Eu não conseguia entender o<br />
que tinha acontecido. Parecia muito surreal, como algo de um filme,<br />
algo que não poderia acontecer bem na frente dos meus olhos.<br />
~ 42 ~
— Não, — mamãe gritou. Desta vez, ela conseguiu afastar-se do<br />
seu captor. Ela chegou no pai e caiu de joelhos. Ela acariciou seu peito,<br />
impotente, como se isso o fosse acordar. Parecia que ela estava<br />
procurando por sua carteira, e por um momento horrível, algo como<br />
uma gargalhada queria sair, mas, ao mesmo tempo, minha garganta<br />
estava tão apertada que parecia impossível trazer oxigênio suficiente<br />
para os meus pulmões e talvez isso não teria sido a pior coisa agora. A<br />
mãe embalou a cabeça do pai em seu colo, mas quando ela tirou as<br />
mãos, elas saíram cobertas de sangue e algo branco.<br />
Minha visão borrou e bile viajou até a minha garganta. Eu engoli<br />
em seco, me obrigando a enfrentar as criaturas horríveis que cercam a<br />
mim e a minha família. Por alguma razão, olhei para as minhas próprias<br />
mãos como se elas também pudessem estar cobertas de sangue. Elas<br />
não estavam e depois de um momento de alívio, eu não pude deixar de<br />
me perguntar como me sentiria se o sangue de Falcone cobrisse minhas<br />
mãos, como seria a sensação de acabar com sua vida, como ele tinha feito com o pai.<br />
Eu suspeitava que me sentiria maravilhosa, e me assustou que eu<br />
tivesse esses pensamentos.<br />
— Seu trabalho aqui está feito, Growl. Mike e Mimo cuidarão do<br />
resto. Leve sua recompensa para casa e desfrute dela. Tenho certeza<br />
que ela vai mantê-lo entretido por um tempo.<br />
Demorou um momento antes de eu perceber que ele estava<br />
falando sobre mim. Antes que eu pudesse reagir, Growl apareceu na<br />
minha frente, maciço e alto. Meu olhar voltou para seu rosto, mas o<br />
olhar em seus olhos me fez recuar e eu olhei para seu peito em vez<br />
disso. Ele segurou meu braço. Seu aperto era forte, à beira do doloroso,<br />
mas eu não me afastei. Atrás dele, minha mãe ainda estava ajoelhada<br />
ao lado de pai, uma expressão horrivelmente vazia em seu rosto que eu<br />
nunca tinha visto antes. Growl me orientou na direção da porta e<br />
quando eu não reagi, ele começou a me puxar. Os olhos cheios de<br />
lágrimas de Talia encontraram os meus. Eu tentei sair do aperto de<br />
Growl, mas era como se ele nem fosse humano. Ele mal parecia notar a<br />
minha resistência. Eu era uma mosca irritante atacando um leão.<br />
— Espere! — Eu gritei e para minha surpresa, Growl realmente<br />
parou, uma expressão incompreensiva em seu rosto. Eu virei até que eu<br />
pudesse ver Falcone novamente. — E minha irmã e minha mãe? O que<br />
acontece com elas?<br />
— Isso não é da sua conta, — disse ele com aquele sorriso<br />
malicioso. Depois olhou para Growl. — Tire-a de minha vista. Estou<br />
ficando cansado dela.<br />
~ 43 ~
Growl me apertou mais e me arrastou apesar de meus protestos.<br />
Talia tentou correr até mim, mas foi interrompida por outro dos homens<br />
de Falcone. Mamãe estava além de nosso alcance, presa em sua<br />
tristeza.<br />
— Cara! — Talia gritou, seus olhos implorando para eu fazer algo,<br />
para ajudá-la. Mas como?<br />
Growl abriu a porta e, em seguida, estávamos lá fora. Talia gritou<br />
de novo, mas suas palavras não se perderam.<br />
A porta se fechou entre nós, e os gritos aterrorizados de Talia<br />
desapareceram. Eu andei no piloto automático. Não que mudasse uma<br />
coisa se minhas pernas tivessem parado. Growl teria apenas me<br />
arrastado. Eu finalmente afastei meus olhos de minha casa. Eu não<br />
podia suportar olhar para ela mais um segundo sabendo que eu nunca<br />
mais poderia vê-la novamente. Quando o meu olhar fixou-se no homem<br />
alto puxando-me em direção a um Hummer preto, enorme, que era<br />
muito adequado a ele, o medo pela minha irmã e mãe tornaram-se<br />
secundários devido ao medo do meu próprio destino. Falcone tinha me<br />
dado a seu soldado mais cruel. Se eu sobrevivesse hoje, eu ainda<br />
quereria viver? Talvez a morte parecesse a mais doce misericórdia<br />
depois de Growl ter terminado comigo.<br />
~ 44 ~
Capítulo seis<br />
GROWL<br />
A mente de Growl estava a mil quando ele puxou Cara em direção<br />
ao carro dele. Muitas vezes pensara na primeira vez em que a vira na<br />
festa de Falcone. Ele tinha se arrependido de estar presente na festa,<br />
especialmente porque sua imagem tinha assombrado seu sono nas<br />
semanas seguintes.<br />
Sentia-se como um macaco de terno, e sabia que também parecia<br />
isso. Ele sabia que seu chefe só o convidava quando as pessoas tinham<br />
algo para conversar. Mesmo depois de todos esses anos, eles ainda o<br />
consideravam o monstro a temer.<br />
Ele era um monstro, sem dúvida. Mas ele não era o único monstro<br />
naquela sala. Ele nem sabia se era o pior. Ele tinha matado a maioria<br />
das pessoas com suas próprias mãos, isso ele não podia negar. E ele<br />
não queria. Ele estava orgulhoso do que tinha feito. A maior parte, pelo<br />
menos. Era a única coisa no que era bom, matar. Ele era o melhor. E<br />
talvez seu talento para matar o fizesse um dos piores monstros, mas ele<br />
sabia o quão facilmente a ordem de matar e mutilar rolava para fora<br />
das línguas de muitos homens reunidos nesta sala, e como eles<br />
saboreavam o seu poder para fazê-lo. Ele não tinha certeza se isso não<br />
os tornava tão ruins. Mas não era ele quem deveria decidir, de qualquer<br />
maneira. Talvez um dia, todos eles incluindo Growl, teriam que<br />
enfrentar um poder maior. Esse dia não terminaria bem para nenhum<br />
deles.<br />
Growl não estava muito preocupado, no entanto. Ele viveu no<br />
inferno, ainda vivia. Ele não tinha nada a temer. Nada que o esperasse, além<br />
da morte, poderia fazer danos piores do que já tinha sido feito. Não<br />
havia nada nele que não tivesse sido quebrado, nada para destruir,<br />
exceto seu corpo talvez, mas ele não estava preocupado com isso<br />
também. Ele conhecia a dor, até a agonia. Era a única constante em sua<br />
vida. Chegava a vê-la quase como uma amiga. Algo com o que ele podia<br />
contar, algo previsível.<br />
~ 45 ~
Não, ele não tinha medo da dor, nem da morte. Falcone sempre<br />
disse que isso o tornava um bem tão valioso. E isso era algo de que<br />
Growl estava orgulhoso, mesmo que as palavras vindas da boca de<br />
Falcone deixassem um sabor amargo.<br />
Eles o consideravam um idiota, pensavam nele como um<br />
cachorrinho estúpido que fazia aquilo sem a menor ideia do que<br />
estavam tramando. Como um dos muitos cães de briga de Falcone e dos<br />
outros homens mantidos para entretenimento.<br />
Mas muitas pessoas tinham cometido o mesmo erro, confundiam<br />
o silêncio equivocado com estupidez, igualavam a falta de palavras com<br />
falta de compreensão e conhecimento. Era um erro pelo qual eles<br />
poderiam pagar por um dia. Ele conhecia a maior parte de seus<br />
segredos mais profundos e escuros, simplesmente porque eles não<br />
mantinham suas bocas fechadas quando ele estava por perto. Eles<br />
pensavam que ele não estava ouvindo, e mesmo se ele estivesse, como<br />
ele poderia entender o que eles estavam dizendo?<br />
Ele os desprezava, mas pagavam bem e o respeitavam por sua<br />
força e brutalidade, isso era o suficiente para ele. Ele não tinha intenção<br />
de usar seu conhecimento. Ele não precisava de muito dinheiro para<br />
comprar comida para seus cachorros e para si, e para as mulheres uma<br />
bebida de vez em quando. Ele gostava de uma vida simples. Não queria<br />
complicações. Ele lançou seus os olhos para a menina encolhida no<br />
assento do passageiro. Ele esperava que ela não se tornasse uma<br />
complicação. Ele não poderia devolvê-la. Falcone não gostaria disso.<br />
Não que Growl tivesse qualquer intenção de devolvê-la. Ela era a<br />
sua posse mais valiosa até agora. Ela estava olhando pela janela,<br />
ignorando-o. Como ela tinha feito na festa. Como todos fizeram até que<br />
não pudessem mais ignorá-lo. Ela ainda pensava que estava acima<br />
dele? Voltou o olhar para a estrada. Não importava. Ela era sua agora. A<br />
ideia emitiu uma punhalada de orgulho nele e sua virilha apertou em<br />
antecipação.<br />
CARA<br />
Eu mal podia respirar. Por causa do medo e do fedor. Deus, o fedor<br />
era pior do que qualquer coisa que eu já tinha cheirado antes. Sangue.<br />
Metálico e doce, oprimindo. Eu ainda podia ver a poça de sangue<br />
~ 46 ~
espalhando-se sob o corpo sem vida do pai, podia ver a mãe ajoelhada<br />
no meio do líquido vermelho, e os olhos horrorizados de Talia. Cada<br />
momento da noite parecia estar queimado em minha mente.<br />
Meus olhos voaram para o homem ao meu lado.<br />
Growl. Ele conduzia o carro com uma mão, parecendo relaxado,<br />
quase em paz.<br />
Como alguém podia parecer em paz depois do que tinha<br />
acontecido? Depois do que ele fez?<br />
Suas roupas estavam cobertas de sangue, assim como suas<br />
mãos. Muito sangue. A repulsa me paralisou.<br />
Algumas semanas atrás, meus guarda-costas teriam rapidamente<br />
me levado para longe de um homem como ele. Minha mãe praticamente<br />
me arrastou para longe dele na festa de Falcone.<br />
E agora eu estava à sua mercê.<br />
Ele era a mão brutal e violenta de Falcone. Ele se virou para mim.<br />
Seus olhos estavam vazios, um espelho para jogar meu próprio<br />
medo de volta para mim. Seus braços e peito estavam cobertos com<br />
tatuagens bélicas, facas, espinhos e armas.<br />
Eu não conseguia parar de olhar para ele, mesmo que eu<br />
quisesse. Eu precisava, mas eu estava congelada. Eventualmente ele<br />
voltou sua atenção de volta para a rua. Eu tremi, e deixei minha cabeça<br />
cair para frente até que minha testa descansou contra a janela fria.<br />
Havia um zumbido baixo na minha cabeça. Eu não conseguia pensar<br />
direito. Controle-se.<br />
Eu precisava descobrir uma maneira de sair disto.<br />
Mas nós já estávamos diminuindo quando nós nos aproximamos<br />
de uma área residencial antiga. A pintura tinha descascado da maioria<br />
das fachadas, e o lixo espalhava-se pelas ruas. Alguns carros sem<br />
pneus e com janelas quebradas estavam estacionados. Eles não<br />
andariam para lugar nenhum.<br />
Growl parou o carro em frente a uma garagem, que estava recémpintada,<br />
então ele saiu. Antes que eu pudesse bolar um plano, ele<br />
estava do meu lado e abriu a porta. Ele agarrou meu braço e me puxou<br />
para fora. Minhas pernas dificilmente poderiam me apoiar, mas ele não<br />
parecia se importar. Ele me levou ao redor do carro, passando por uma<br />
~ 47 ~
calçada rachada e um gramado cheio de mato. Um grupo de<br />
adolescentes estava reunido duas casas abaixo ouvindo música e<br />
fumando, e do outro lado da rua uma mulher com uma regata<br />
manchada e tatuagens serpenteando pelos braços tirava o lixo, parecia<br />
que ela daria à luz a qualquer momento.<br />
Abri a boca para pedir ajuda.<br />
Growl soltou uma respiração dura. — Faça. Grite. Eles não vão te<br />
ajudar. Eles têm seus próprios problemas.<br />
Eu hesitei. Os adolescentes e a mulher estavam realmente<br />
olhando para nós, observando enquanto Growl estava me arrastando<br />
para sua casa, e eles nem sequer piscavam. Até mesmo o sangue em<br />
Growl não parecia chocá-los. Havia resignação em suas expressões,<br />
parecia escapar de seus poros. Eles não tinham energia para cuidar de<br />
si mesmos, assumir o controle de suas próprias vidas, ou lutar pelo seu<br />
futuro, muito menos pelo meu. Eu supliquei a eles com os meus olhos<br />
mesmo assim, esperando. Ainda esperando depois de tudo. A mulher foi<br />
a primeira a desviar o olhar e a voltar para sua própria casa, momentos<br />
depois os adolescentes voltaram para o que quer que estivessem<br />
fazendo.<br />
Aquelas pessoas não se importavam com o que estava<br />
acontecendo comigo. Eles não me ajudariam.<br />
Chegamos em frente a uma porta. A pintura tinha descascado,<br />
revelando a madeira branqueada pelo sol. Growl abriu a porta. Não<br />
estava trancada. Meus olhos se voltaram para o grupo de adolescentes.<br />
Não parecia que eles deixariam passar a oportunidade de invadir uma<br />
casa que nem estava trancada. Olhei para o meu captor, para a cicatriz<br />
que percorre toda a sua garganta, o sangue em sua camisa e mãos, as<br />
linhas duras de seu rosto.<br />
Growl olhou para mim e minhas pernas quase dobraram sob a<br />
escuridão em seus olhos ambares. Ele não disse nada.<br />
— Mesmo nesta área ninguém ousa te irritar, — eu sussurrei.<br />
— Isso é verdade. Mas não é por isso que eu não tenho que<br />
trancar minha porta. A maioria das pessoas nessa área são viciados e<br />
não têm nada a perder. — Growl me arrastou para sua casa e fechou a<br />
porta. O interior da casa era ainda pior que seu exterior. O arcondicionado<br />
estava trabalhando no máximo, transformando o pequeno<br />
corredor em que estamos em um freezer.<br />
~ 48 ~
Eu tremi violentamente, mas Growl parecia imune ao frio. Não<br />
haviam fotos nas paredes, nenhuma decoração. Esta casa era um lugar<br />
solitário e escuro. Todas as portas estavam fechadas, mas de trás de<br />
uma delas eu ouvia sons que eu não conseguia reconhecer. Parecia com<br />
um raspar. Ele tinha outra mulher trancada lá?<br />
Lágrimas chegaram em meus olhos. Era isso. Tudo estava<br />
acabado.<br />
Será que eu já tinha desistido de lutar?<br />
Ele me arrastou para um quarto. Seu quarto? As únicas peças de<br />
mobiliário eram uma cama e um guarda-roupa, mas o que faltava em<br />
mobiliário, sobrava com decorações na parede. Punhais e facas<br />
zombavam de todas as direções. Growl me soltou e eu tropecei para<br />
frente. Eu caí de joelhos. A única outra opção teria sido cair na cama, e<br />
eu não iria para qualquer lugar perto dessa coisa. Eu rapidamente me<br />
virei, a garganta apertada com medo enquanto Growl me observava da<br />
porta. Parecia que ele tinha se levantado do inferno; Um homem envolto<br />
em trevas, morte e sangue. Um monstro.<br />
Oh Deus, oh Deus, oh Deus.<br />
— Eu voltarei — ele murmurou antes de se virar e fechar a porta.<br />
~ 49 ~
Capítulo sete<br />
Eu voltarei.<br />
CARA<br />
Eu não ouvi uma tranca. Ele estava tão seguro de si mesmo que<br />
achava que não precisava disso? Seus passos se afastaram até que eu<br />
não podia mais ouvi-los. O que ele estava fazendo?<br />
Eu voltarei.<br />
Isso soou como uma ameaça. Meus olhos encontraram a cama e<br />
eu rapidamente me levantei. Eu não era estúpida. Eu sabia o que ele ia<br />
fazer quando ele voltasse. Como eu ia sair disso?<br />
Eu tentei sufocar meu pânico, mas meu coração não parou de<br />
martelar e minhas mãos estavam úmidas de suor. As facas brilharam<br />
no canto do meu olho. Eu sabia que não era uma lutadora, e eu não<br />
sabia como lidar com uma faca ou qualquer outra arma. Eu nunca tive<br />
que machucar alguém. Eu não tinha certeza se eu era capaz disso. Me<br />
aproximei de uma das adagas. Era a menos chamativa, sem lâmina<br />
curva ou ziguezagueada. Foi o que mais me assustou. Estendi a mão e<br />
enrolei os dedos no cabo. Não me senti mal como eu esperava, mas eu<br />
não me enganei pensando que eu poderia fazer mais com ela do que<br />
segurá-la. Tirei da parede. Ela pesava mais do que eu tinha pensado e<br />
de alguma forma eu estava aliviada por ter algo substancial para<br />
segurar.<br />
Meus olhos se moveram pelo quarto. A adrenalina eliminou o meu<br />
terror por enquanto, pelo menos a maior parte. Eu corri para a janela,<br />
mas havia grades em frente a ela. Uma bolha de riso histérico<br />
borbulhou na minha garganta, mas eu a engoli. Não faz sentido ficar<br />
louca, ainda. As janelas estavam cobertas por uma camada de poeira,<br />
dando a ilusão de que o mundo exterior estava ainda mais distante. Não<br />
que o exterior da casa fosse mais atraente do que o interior. Esse era<br />
um lugar completamente sem esperança.<br />
~ 50 ~
Me afastei da janela e apertei a faca com mais força. Esta era a<br />
minha única chance. Poderia muito bem não ter tido uma. Eu ouvi passos<br />
e, por um instante, fiquei congelada com indecisão e medo. Talvez as<br />
coisas só piorassem se eu atacasse Growl, mas eu não tinha certeza de<br />
como isso era possível. Não havia luz em seus olhos, nenhuma<br />
misericórdia ou bondade, nada que eu pudesse me agarrar e esperar<br />
por um destino aceitável. Talvez houvesse pouca esperança de eu ter<br />
sucesso, mas…<br />
Meus olhos se dirigiram para a cama, apenas uma queen-size, o<br />
que era estranho para um homem do tamanho do Growl. Os cobertores<br />
eram vermelho escuro, provavelmente para esconder manchas de<br />
sangue. Estremeci enquanto imagens floresciam em minha mente, uma<br />
mais horrível do que a outra.<br />
Eu caminhei, o medo agora maior do que a indecisão, e me<br />
escondi atrás da porta. Eu precisava pegar Growl de surpresa se eu<br />
quisesse ter qualquer chance de feri-lo. Mas isso seria suficiente? Tive a<br />
sensação de que Growl era como um touro na corrida. Algumas feridas<br />
não o derrubariam. Uma imagem de Growl com várias facas enterradas<br />
em seu peito fluiu pela minha mente. Eu precisava apontar para matar.<br />
Uma nova onda de pânico tomou conta de mim. Eu não sou assim.<br />
Não era assim que eu queria ser. Pela primeira vez na minha vida eu<br />
odiava meu pai. Ele tinha trazido isso para nós, tinha nos forçado a<br />
uma vida que nenhum de nós tinha escolhido. Deus, o que estava<br />
acontecendo com Talia? Ela estava bem? Ela era muito jovem para isso.<br />
E se ela fosse entregue a outro mafioso? Ela tinha apenas quinze anos.<br />
Eu deveria estar lá para ela, deveria protegê-la, em vez disso eu nem<br />
tinha certeza se eu poderia me proteger.<br />
Os passos do Growl pararam bem em frente ao quarto. Eu<br />
rapidamente tirei meus saltos altos, então segurei minha respiração<br />
para ouvir melhor e levantei a faca. Eu teria que apontar para sua<br />
garganta. Até eu sabia que era o ponto mais vulnerável no corpo de um<br />
ser humano. Mas ele havia sobrevivido a uma lesão naquele ponto uma<br />
vez antes. Como eu poderia esperar ter sucesso em matá-lo quando os<br />
outros tinham obviamente falhado?<br />
Ele era muito mais alto do que eu, então eu teria que dirigir a faca<br />
para cima. Eu me preocupava de não ser capaz de colocar força<br />
suficiente na facada desse jeito. A porta começou a se abrir e então a<br />
forma alta de Growl apareceu. A adrenalina bombeou em minhas veias<br />
quando eu pulei nele.<br />
~ 51 ~
Growl ergueu seu braço nu para afastar meu ataque. A lâmina<br />
cortou ao longo de seu antebraço e o sangue jorrou. Mas seu rosto não<br />
mostrava dor. Ele agarrou meu braço, mas eu o desviei, usando minha<br />
baixa estatura para evitá-lo. Eu apunhalei com a faca para cima<br />
novamente, quase cegamente. Com um som baixo dentro de sua<br />
garganta, Growl segurou meu pulso. Eu gritei de dor por causa da força<br />
e soltei a faca.<br />
Um medo me bateu enquanto eu observava minha única arma<br />
aterrissar no chão com um barulho retumbante. Meus olhos<br />
dispararam para os dele.<br />
O rosto de Growl era uma máscara de nada, mas eu não me<br />
enganei pensando que ele não estava furioso. Esse homem havia<br />
matado pessoas por transgressões menores. Eu tentei me empurrar<br />
para trás, mas seus dedos em torno do meu pulso eram implacáveis.<br />
Mas isso não me impediu. Eu só tinha essa chance. Ele poderia muito<br />
bem decidir que eu não valia a pena e me matar.<br />
Eu o chutei, mas perdi o equilíbrio devido a seus reflexos rápidos.<br />
Ele me empurrou para a cama como se eu não pesasse nada. Eu não<br />
tive chance de evitar a minha queda e aterrissei de barriga em cima do<br />
colchão. O ar saiu dos meus pulmões e por um momento eu tive certeza<br />
de que morreria por falta de oxigênio no meu corpo, então eu respirei<br />
fundo.<br />
Tentei levantar, mas o corpo musculoso de Growl pressionou<br />
contra minhas costas, me prendendo entre ele e a cama. Um pânico<br />
disparou através de mim. Eu sacudi meus quadris em uma tentativa de<br />
me libertar. Quando isso não funcionou, eu agitei meus braços,<br />
tentando bater em Growl. Com um som impaciente, ele me virou e se<br />
esticou sobre meus quadris e agarrou meus dois pulsos com uma mão.<br />
Agora eu não tinha escolha senão olhar em seu rosto, olhar cada<br />
centímetro de seu corpo assustador. Ele tinha trocado sua roupa<br />
coberta de sangue e agora usava uma camisa branca apertada, que<br />
agora estava coberta com sangue da ferida em seu braço.<br />
Suas mãos eram ásperas e cheias de cicatrizes, elas pareciam<br />
estranhas contra a minha pele pálida. Um horrível som aterrorizado<br />
soou entre meus lábios. Os olhos estranhos e sem emoção de Growl<br />
encontraram os meus. Suas maçãs do rosto e queixo eram linhas<br />
afiadas em seu rosto. Não havia nada de suave sobre aquele homem,<br />
muito menos seu coração.<br />
~ 52 ~
Seu aperto em meus pulsos não afrouxou. Ele não fez nada,<br />
exceto me olhar fixamente. Eu sabia que deveria desviar o olhar. Não<br />
era isso o que você deveria fazer se estivesse diante de um cão perigoso?<br />
Mas eu não estava apenas presa pelo poderoso corpo de Growl, mas<br />
também pelo olhar aterrorizante em seus olhos. Sua respiração estava<br />
calma, não havia nenhum sinal de nossa luta. Para ele, isso não era<br />
nada. Uma de suas mãos se moveu para baixo em direção ao meu<br />
estômago. Minha camiseta tinha subido durante a nossa luta e mostrou<br />
a pele abaixo. Eu me retesei quando Growl colocou sua mão contra meu<br />
estômago. O que ele estava fazendo? Ele olhou atentamente para sua<br />
mão descansando contra minha pele mais pálida. A ponta dos seus dedos e<br />
a palma mal me tocando. Lentamente, seu olhar voltou a se juntar ao<br />
meu.<br />
Growl estava me observando como se eu fosse uma espécie<br />
desconhecida, algo que ele não poderia entender. E talvez isso fosse<br />
verdade.<br />
Eu fiz outra tentativa meia boca para me libertar, mas foi quase<br />
ridículo. Talvez se ele fosse capaz desse tipo de emoção, Growl poderia<br />
realmente ter rido de mim.<br />
— Pare, — ele ordenou calmamente.<br />
E por alguma razão eu parei.<br />
GROWL<br />
Ele tinha uma reputação, e ele estava orgulhoso dela. Sua<br />
reputação era temida, respeitada, e isso era muito mais do que<br />
qualquer um esperava de alguém como ele. O filho de uma prostituta. O<br />
bastardo. O garoto que nunca falou.<br />
Ele foi feito para ficar na sarjeta.<br />
Ele nunca tinha tido algo para si mesmo, nunca ousou sonhar em<br />
possuir algo tão precioso. Ele era o filho bastardo indesejado que<br />
sempre teve que contentar-se com as sobras dos outros. E agora<br />
Falcone lhe dera o que há poucas semanas atrás estava fora de seu<br />
alcance, alguém que nem sequer o permitia admirar de longe, uma das<br />
mais valiosas posses da sociedade.<br />
~ 53 ~
Atirada a seus pés, porque ele era quem ele era, porque estavam<br />
certos de que iria quebrá-la. Ele era seu castigo, um destino pior do que<br />
a morte, uma forma de entregar o castigo final a seu pai, que tanto os<br />
tinha desagradado.<br />
E um aviso. Ninguém ousaria se opor a Falcone se isso<br />
significasse que suas preciosas filhas poderiam acabar nas mãos de um<br />
homem como ele.<br />
Cara, um nome adequado para alguém como ela, alguém muito<br />
bonita para um lugar como este, para alguém como ele. Uma princesa e<br />
um monstro, isso é o que eram.<br />
Olhos arregalados. Lábios abertos. Bochechas coradas. Pele<br />
pálida. Ela parecia uma boneca de porcelana: grandes olhos azuis,<br />
cabelos cor de chocolate e pele branca e cremosa; Quebrável, algo que<br />
ele não estava destinado a tocar com suas mãos cicatrizadas e brutais.<br />
Seus dedos encontraram seu pulso, seus batimentos cardíacos<br />
tremulavam como pássaros. Ela tentou lutar, tentou ser corajosa,<br />
tentou machucá-lo, até matá-lo. Teria realmente esperado que poderia<br />
ter sucesso? Esperança, faz das pessoas tolas, as faz acreditar em algo<br />
além da realidade. Ele tinha perdido o hábito de esperar há muito<br />
tempo. Sabia do que era capaz. Tinha esperado poder matá-la. Ele sabia<br />
que podia matá-la, não há dúvida sobre isso.<br />
Sua mão rastejou pela pele macia de sua garganta, então seus<br />
dedos enrolaram em torno dela. Suas pupilas se dilataram, mas ele não<br />
colocou pressão em seu toque. Seu pulso batia contra a palma da sua<br />
mão. Ele era um caçador, e ela orava. O fim era inevitável. Ele viera<br />
pedir seu prêmio. Foi por isso que Falcone a deu a ele.<br />
Growl gostava de coisas que doíam. Ele gostava de ferir. Talvez até<br />
amasse, se ele fosse capaz desse tipo de emoção. Ele se inclinou até que<br />
seu nariz estava a centímetros da pele abaixo de sua orelha e cheirou.<br />
Ela parecia doce como uma flor com uma pitada de suor. Medo.<br />
Imaginou que podia sentir o cheiro também. Ele não podia resistir e ele<br />
não precisava, nunca mais com ela. Dele. Ela era dele.<br />
Ele nunca gostou de coisas doces, mas talvez ela mudasse isso.<br />
Ele baixou os lábios até a sua pele quente. Seu pulso zumbiu sob<br />
sua boca onde ele beijou sua garganta. O pânico e o terror batiam num<br />
ritmo frenético sob sua pele. E isso o deixou fodidamente duro.<br />
Seus olhos procuraram os dele, esperando, ainda esperando a<br />
mulher tola, e pedindo a ele por misericórdia. Ela não o conhecia, não<br />
~ 54 ~
sabia que a parte dele que não tinha nascido um monstro tinha morrido<br />
há muito tempo. A misericórdia era a coisa mais distante de sua mente<br />
enquanto seus olhos reivindicavam seu corpo.<br />
Ele rasgou a sua camisa, revelando polegada sobre polegada de<br />
pele imaculada. Não havia uma única cicatriz ou defeito. Ela não<br />
poderia ser sua. Ela era muito perfeita, simplesmente demais.<br />
Ele enrolou os dedos em seu ombro. Suave. Mais suave do que<br />
qualquer mulher que ele tivesse tocado. Nenhuma delas tinha sido<br />
como ela, nem sequer de perto, nem mesmo a mesma espécie, se você<br />
perguntasse a ele.<br />
Os ossos de seu ombro eram afiados contra sua palma. Tão frágil.<br />
Parecia uma boneca. Quebrável, mas bonita. Nada que ele estivesse<br />
destinado a possuir. Sua pele parecia suja em relação à dela e ele<br />
ergueu a mão alguns centímetros, esperando ela afastar a sua pele do<br />
seu toque.<br />
Ela não era como nada que ele já tivesse pensado em ter sob seu<br />
alcance. Não era para ela estar. Nada que ele estivesse destinado a tocar<br />
com suas mãos cicatrizadas e brutais.<br />
Ele não era digno.<br />
Não vale a pena.<br />
Não vale a pena.<br />
Não vale a pena.<br />
Algo quente e afiado agarrou-se ao seu peito. Ele não gostou, nem<br />
um pouquinho. Ele se empurrou da cama, cambaleando de pé. Ela ficou<br />
de costas, os olhos cheios de confusão e perguntas, e novamente aquela<br />
piscada de esperança. — É melhor parar com isso, — ele rosnou.<br />
— O quê? — Ela sussurrou.<br />
— A esperança. É um desperdício. — Ele a ergueu. Para ele, ela<br />
não pesava nada. Ele precisava que ela saísse, fora de sua visão. Ele a<br />
levou para fora do quarto até o quarto de visitas, que ele nunca tinha<br />
tido que usar antes. Ela tremeu contra ele e por alguma razão isso o<br />
deixou ainda mais irritado. Ele a deixou cair na cama e ela soltou uma<br />
respiração chocada. Ele se virou, cansado de olhá-la, de se perguntar,<br />
de duvidar de si mesmo.<br />
~ 55 ~
Ele não deve… não importava porque Falcone a tinha dado a ele.<br />
Ela era dele para fazer o que ele quisesse. Ele andou para a porta e a<br />
fechou atrás de si mesmo. Amanhã ele a reivindicaria. Valendo a pena<br />
ou não. Ele merecia algo bom em sua vida.<br />
~ 56 ~
Capítulo oito<br />
CARA<br />
Eu estremeci quando a porta se fechou. Surpresa que o som tinha<br />
conseguido penetrar o nevoeiro do medo e o martelar do meu coração.<br />
Senti-me atordoada. Lentamente, sentei-me. Meu corpo doía, e eu não<br />
tinha certeza se era da minha briga com Growl ou se era o terror se<br />
manifestando em forma de dor física. Eu não sabia mais nada. Meu<br />
mundo tinha sido destruído, e logo eu dividiria o mesmo destino. Growl<br />
tinha partido, me poupou por enquanto, mas ele voltaria.<br />
Ele voltaria.<br />
Eu virei minha cabeça muito lentamente e espiei para baixo em<br />
minha camisa rasgada, em meu ombro despido. Lembrei-me de seu<br />
toque ali. As pontas dos meus dedos roçaram a pele, e eu tremi, então<br />
tracei até a minha garganta e o ponto sob minha orelha. Seu toque<br />
ainda estava lá, como uma marca. Fechei os olhos, soltei um suspiro.<br />
Meu batimento cardíaco não diminuiu. Meu coração acelerou, como se<br />
estivesse ansioso para bater fora do meu peito, longe, longe do meu<br />
corpo.<br />
Eu queria que fosse assim tão fácil, esquecer seu corpo, indo para<br />
lugares e tempos melhores. Mas isso era um pensamento idiota. Não<br />
haveria nenhum milagre que me tirasse desse lugar, do alcance de<br />
Growl. A maior parte da minha vida eu vivi em uma bolha, afastada da<br />
realidade que tantas pessoas enfrentavam. Eu não podia me permitir<br />
esse luxo mais. Se eu quisesse fugir do meu destino, teria que me<br />
salvar. Ninguém viria em meu socorro, e não meus guarda-costas que<br />
agora serviam a Falcone, provavelmente sempre serviram. Não meu<br />
noivo traidor. Não meu pai, que provavelmente já tinha sido despejado<br />
em algum lugar que ninguém poderia encontrá-lo, ou Falcone o tinha<br />
jogado para os cães como um lanche. Meu peito apertou, mas eu lutei<br />
com esse sentimento. Não havia sentido em compadecer os mortos. Eles<br />
não tinham mais nada a perder. Mas eu tinha, minha mãe, Talia.<br />
~ 57 ~
Eu soltei um soluço trêmulo e rapidamente apertei minha palma<br />
sobre meus lábios. Eu não queria que Growl me ouvisse, para que não o<br />
excitasse e ele mudasse de ideia em me poupar hoje à noite. Eu rastejei<br />
na direção da borda da cama e coloquei um pé no chão de madeira,<br />
então esperei que meus músculos parassem de tremer antes que eu<br />
ousasse me levantar. Minhas pernas estavam instáveis. Eu estava<br />
instável.<br />
Olhei em volta. Este quarto era ainda mais escasso do que o<br />
último. As paredes estavam vazias. O piso de madeira completamente<br />
arranhado.<br />
Gotas de sangue manchavam minha camisa. Estava arruinada.<br />
Eu não podia suportar continuar com ela nem por um segundo mais.<br />
Eu a arranquei do meu corpo e envolvi meus braços ao meu redor. Não<br />
havia roupa no único armário surrado do ambiente. Tudo o que eu<br />
possuía ainda estava em minha casa. Não havia outra porta exceto a<br />
que Growl tinha saído, então eu não tinha um banheiro para mim. Não<br />
havia nada, exceto os móveis surrados. Afundei-me no colchão. Talvez<br />
eu pudesse tentar escapar da casa depois do anoitecer. Coloquei o<br />
cobertor sobre meus ombros, cobrindo-me. Se Growl voltasse, eu não<br />
estaria usando nada exceto um sutiã. Como se isso o impedisse de fazer<br />
qualquer coisa.<br />
Eu ouvi algo farejando e depois roçando a porta. Meu corpo se<br />
apertou com medo quando eu rastejei em direção a ela. Parecia cães.<br />
Quando cheguei a frente da porta, um latido alto soou e eu pulei de<br />
volta. O cão parecia grande, perigoso. O meu pai não havia mencionado<br />
que Falcone criava cães de briga para se divertir?<br />
Minha cabeça estava abalada. Isso era demais. Eu me afastei e caí<br />
de volta na cama. E se os cachorros conseguissem entrar? Eles<br />
provavelmente me rasgariam em pequenos pedaços. Era para isso que<br />
haviam sido criados e treinados. Os boatos diziam que Falcone<br />
arrecadava milhões com apostas em brigas de cães.<br />
Meu coração afundou. Eu nunca seria capaz de sair da casa sem<br />
que os cães percebessem. Mesmo se eu conseguisse me afastar de<br />
Growl, e até mesmo isso parecia improvável, considerando sua<br />
vigilância, os cães eram um obstáculo intransponível.<br />
Enrolei-me em uma bola apertada na cama e enterrei meu rosto<br />
no travesseiro. Ele cheirava a coisa velha por falta de uso. Growl<br />
provavelmente não tinha muitos hóspedes durante a noite. A ideia<br />
quase me fez rir. Eu envolvi meus braços em torno das minhas pernas e<br />
~ 58 ~
fechei meus olhos. Lá fora um casal estava gritando obscenidades um<br />
para o outro, carros passavam cantando pneus, e portas eram batidas.<br />
Eu não tinha certeza quanto tempo eu estava assim, mas a noite<br />
caiu em torno de mim e com ela veio um silêncio arrepiante. Eu preferia<br />
ouvir os pneus cantando. Esse completo silêncio me fez sentir como se<br />
já estivesse morta.<br />
Eu tentei escutar alguma coisa, mas desejei que eu não tivesse<br />
tentado, porque de repente havia rangidos e farfalhar. Eu não tinha<br />
certeza do que a minha mente tinha inventado e o que era realidade. Eu<br />
estava cansada, com sede e fome. Talvez eu morresse de sede ou fome.<br />
Talvez Growl se esquecesse de mim. Fome não poderia ser tão ruim em<br />
comparação com o que poderia estar para vir no meu futuro, se eu<br />
permanecesse viva.<br />
Pare com isso.<br />
Eu tive que parar esses pensamentos loucos. Ficar louca não me<br />
tiraria daqui. Eu precisava manter meu juízo em perfeitas condições,<br />
precisava bolar um plano. Uma imagem de minha mãe e Talia brilhou<br />
atrás das minhas pálpebras fechadas, tão vivas como se estivessem<br />
bem diante de mim. Felicidade e profunda tristeza se sobrepujaram à<br />
imagem. Essa lembrança seria a única coisa que lhes restava? Eu as<br />
veria novamente?<br />
As lágrimas brotaram em meus olhos e eu não as parei, deixei que<br />
elas escorressem passando por minhas pálpebras e caindo sobre<br />
minhas bochechas. Parecia bom, um alívio depois de fingir ser forte. Eu<br />
não era, não realmente, mas talvez eu pudesse aprender. Minha família,<br />
o que sobrou, eu poderia ser forte por eles. Se não fosse por mim, pelo<br />
menos por eles, conseguiria reunir o pouco de coragem que eu possuía<br />
e lutaria contra o Growl. Mais uma vez. E novamente, até que um dia,<br />
talvez eu escapasse da minha prisão.<br />
GROWL<br />
Ele odiava esse sentimento. Odiava a nitidez e a intensidade do<br />
mesmo. Odiava ser lembrado que ele ainda era humano a esse respeito.<br />
~ 59 ~
Ele precisava ser o monstro que todos esperavam dele, ele queria ser<br />
aquele monstro.<br />
Ele lutou tanto para ser algo, qualquer coisa, mais do que o<br />
bastardo e a cicatriz em torno de sua garganta, mais do que o filho de<br />
uma prostituta, mais do que isso. Sempre mais.<br />
Ele empurrou o pedal do acelerador com força. Talvez ele deveria<br />
ter fugido. Precisava livrar-se daquela energia em excesso, daquele<br />
aperto perigoso que abarcava seu peito. Mas onde ele precisava ir era<br />
muito longe. Ele não podia esperar tanto tempo. Ele precisava liberar<br />
alguma tensão agora. Era preciso se livrar dessa sensação em seu corpo.<br />
Ele precisava ser ele mesmo novamente. Precisava lembrar a si mesmo.<br />
No passado, ele tinha que fazer isso quase diariamente. Se<br />
convencer de seu valor, de quem ele era, mas recentemente ele sentiu<br />
como se isso bastasse, e agora aquela garota tão fora do seu alcance,<br />
estava arruinando tudo.<br />
Ele parou na frente do Baton Rouge na zona proibida estacionar,<br />
ignorando o carro atrás dele buzinando. Ele abriu a porta e saiu do<br />
carro. O segurança não disse uma palavra sobre o perigo de como Growl<br />
tinha estacionado, só deu um passo para trás, quando Growl passava<br />
por ele sem uma palavra de saudação. Growl estava quase triste porque<br />
o imbecil não tinha dito nada a ele. Ele queria quebrar ossos, queria<br />
mutilar alguém, matar.<br />
O interior do bordel estava repleto de prostitutas e seus clientes.<br />
Havia uma risada falsa e um perfume muito doce. Havia suor, sexo e<br />
fumaça no ar. Havia uma tensão tão espessa, você poderia cortá-la com<br />
uma faca.<br />
O aperto no peito de Growl melhorou um pouco. Isso era familiar.<br />
Era disso que ele precisava. Algumas prostitutas para ele, e<br />
rapidamente, ele escolheria outra pessoa. Sua recusa não importava.<br />
Ele nunca se importou com sua opinião. Tinha-os todos e a maioria<br />
deles não valiam a pena. Elas não podiam dar-lhe o que ele queria, o<br />
que ele precisava.<br />
Mas havia alguém que podia, que gostava de arranhar e morder,<br />
que gostava dele duro e impiedoso.<br />
Lola tinha se afastado de seu pretendente potencial, um idiota<br />
gordo em um terno escuro. Growl não conhecia o homem, então não<br />
importava. Growl conhecia todos os que importavam nesta cidade, todos<br />
que não deveriam atravessar sua frente, e a maioria deles era<br />
~ 60 ~
inteligente o bastante para não se meter no caminho dele de qualquer<br />
maneira.<br />
O cara gordo apertou uma mão carnuda na coxa de Lola, mas ela<br />
o sacudiu e abriu as pernas para gritar. Seu vestido se revirou,<br />
revelando uma buceta bem depilada, um piercing cintilando sob a luz.<br />
O cara gordo franziu o cenho e seguiu o olhar de Lola em direção a<br />
Growl. Sua expressão caiu. Ele rapidamente deslizou fora de seu<br />
banquinho e desapareceu de vista, procurando por outra prostituta<br />
talvez.<br />
Growl não se importava. Ele passou pelo bar em direção a parte<br />
de trás antes de entrar no segundo quarto à direita. Estava vazio, mas o<br />
cheiro de sexo, desinfetante e borracha pesava no ar. Ele caminhou em<br />
direção à cama e segundos depois a porta se fechou atrás dele.<br />
— Dia difícil, — Lola disse em uma voz rouca. Nenhuma pergunta,<br />
nenhuma declaração. Ela sabia que era melhor não fazer perguntas. Ele<br />
sabia que ela estava perto quando o cheiro de fumaça obsoleta e fresca<br />
se fechava ao redor dele. Quando ela não tinha uma bebida ou um pau<br />
na boca, ela estava fumando.<br />
Ele virou. Seus lábios estavam cobertos de batom vermelho,<br />
parecendo lustrosos e falsos. Tudo sobre ela parecia falso. Seus cabelos<br />
pretos, tingidos muitas vezes, caíam direto em suas costas. Fixados com<br />
spray de cabelo e tudo o que as mulheres costumavam fazer em seus<br />
cabelos, e não deveriam. Seus lábios se torceram em um sorriso<br />
preguiçoso, seus olhos, enrugados com muita maquiagem tremulavam<br />
com ansiedade. Oh sim, ela gostou.<br />
Ela não estava fora de seu alcance.<br />
Ele agarrou seus braços e torceu-a ao redor, então jogou-a sobre<br />
a cama. Sua mão se enroscou em seu cabelo, puxando com força<br />
enquanto sua outra mão abria seu zíper, então empurrou para cima<br />
sua saia e empurrou nela impiedosamente. Ela gritou, com dor ou<br />
luxúria, ele não sabia, não se importava. Ela torceu os braços para trás,<br />
raspou suas unhas compridas sobre suas coxas, tirando sangue. Ele<br />
assobiou e fodeu-a com mais força, e mais duro até que a imagem de<br />
pele de porcelana deixou sua mente, até que ele estava de volta a ser<br />
quem ele deveria ser.<br />
Um monstro, nada menos.<br />
~ 61 ~
Capítulo nove<br />
CARA<br />
Fui acordada por um som que não consegui distinguir. Como<br />
garras na madeira. Meus olhos se abriram, olhando para um teto<br />
branco, não para minha cama de dossel. Algumas manchas escuras<br />
pontilhavam o branco que era realmente mais cinzento, como se alguém<br />
tivesse matado moscas ou mosquitos e não tivesse se preocupado em<br />
limpar depois. A confusão deslizou através da minha mente sonolenta, e<br />
então tudo o que tinha acontecido veio à tona. Eu me ajeitei em uma<br />
posição sentada. Demorou um momento antes de descobrir de onde<br />
barulho que tinha vindo. Os cachorros. Eles estavam na frente da<br />
minha porta novamente.<br />
Droga. Eu realmente precisava ir ao banheiro, mas com os cães<br />
esperando por mim, isso estava fora de questão. Não que eu soubesse<br />
onde o banheiro ficava.<br />
Levantei-me lentamente, com as pernas trêmulas, e espiei pela<br />
pequena janela. Dava para um pequeno jardim. O gramado não era<br />
cortado em um tempo e como a casa, o jardim, também, estava<br />
desprovido de qualquer decoração. Alguém estava gritando nas casas<br />
vizinhas. Uma mulher, seguida por um homem. O mesmo casal que eu<br />
tinha ouvido ontem à noite.<br />
Eu encostei no parapeito da janela, analisando meu ambiente. Eu<br />
sempre fui boa em matemática. Eu gostava de coisas legais e<br />
previsíveis. E onde todos os meus planos foram parar?<br />
A cerca no jardim era coberta com arame farpado. Posso superar<br />
isso? Provavelmente não sem me machucar feio e, em seguida, Growl só<br />
teria que soltar os cães, e eles seguiriam a trilha atrás de mim. E os<br />
vizinhos? Eles me ajudariam a me esconder ou eles apenas gritariam na<br />
esperança de uma recompensa? Provavelmente o último, considerando<br />
as pessoas que eu tinha encontrado até agora.<br />
~ 62 ~
A porta rangeu. Eu girei ao redor, meu corpo tensionado com<br />
medo. Growl entrou, seus olhos pousando em mim. Eu rapidamente<br />
cobri meu sutiã com meus braços.<br />
Ele parecia menos perturbado do que na noite passada e, embora<br />
seu olhar deslizasse sobre meu corpo meio desnudo, sua expressão não<br />
mostrou nenhuma reação. Seu antebraço direito estava enfaixado onde<br />
eu o cortara. Acima dele havia mais marcas. Arranhões que eu não me<br />
lembro de ter feito, mas eu estava em pânico, então eu não tinha<br />
certeza do que exatamente eu tinha feito. Ele seguiu meu olhar<br />
brevemente, mas não reagiu. Ele não parecia se ressentir de mim por<br />
machucá-lo. Eu esperava que isso fosse um bom sinal.<br />
— Você está acordada, — ele disse em voz baixa. Ele nunca havia<br />
levantado a voz nas poucas vezes que eu o ouvira falar, mas suas<br />
palavras emanavam poder suficiente de qualquer maneira.<br />
Eu bufei em sua declaração, mas não disse nada. A pressão na<br />
minha bexiga estava crescendo perto de se tornar insuportável. Atrás de<br />
Growl, dois cães aterrorizantes apareceram. Eles chegavam a seus<br />
joelhos, mas considerando a estatura de Growl, era mais do que<br />
intimidante. O que era pior: eles estavam ofegante e me dando uma boa<br />
olhada em seus dentes afiados. Eles eram definitivamente um tipo de<br />
cães de briga. E a julgar pelas cicatrizes em seus rostos e pelo rasgo no<br />
ouvido do cachorro preto, eles haviam lutado algumas batalhas. Growl<br />
colocou uma mochila que eu não tinha notado antes, no chão entre nós.<br />
— Eu trouxe algumas coisas para você de sua casa.<br />
Minha casa. Eu tentei evocar uma imagem da minha casa<br />
acolhedora, bonita, mas as imagens da noite passada, era tudo que<br />
passava na minha cabeça, e eu prefiro não me lembrar de minha casa,<br />
estando presa aqui. Eu me aproximei. — Você viu minha mãe e minha<br />
irmã? Como elas estão?<br />
Ele rosnou franziu o cenho. — Não. Não me preocupo com elas.<br />
— Mas você deve saber algo, qualquer coisa. O que Falcone lhe<br />
disse antes de vir para nossa casa?<br />
— Eu não perguntei a Falcone quais eram seus planos. Você não<br />
deve fazer tantas perguntas. Eu não tenho as respostas, — disse ele<br />
simplesmente e estava prestes a se virar.<br />
— Eu preciso ir ao banheiro, — eu balbuciei. Eu me senti<br />
envergonhada por eu ter que perguntar, se eu tinha permissão para ir<br />
ao banheiro.<br />
~ 63 ~
Growl fez uma pausa, franzindo o cenho. — E por que não foi?<br />
Eu quase ri. — Porque eu não sei onde é, e eu pensei que eu<br />
deveria ficar aqui nesse quarto.<br />
— Você pode andar pela casa sempre que quiser. Não vou trancar<br />
você no seu quarto. Você não é uma criança.<br />
— Apenas uma prisioneira.<br />
Uma de suas sobrancelhas castanho escuras se contraiu, mas<br />
não consegui ligar a reação com uma emoção. Eu não o conhecia bem o<br />
suficiente. E eu duvidava que alguém o conhecesse desse jeito. Para ser<br />
honesta, eu não tinha certeza se ele era capaz de ter emoções em tudo,<br />
ou se suas expressões faciais não eram apenas a reação natural do seu<br />
corpo a influências externas ou um comportamento que ele tinha<br />
aprendido ao ficar redor de outras pessoas.<br />
Quando o silêncio tornou-se insuportável, perguntei. — Então eu<br />
posso ir se quiser?<br />
Os olhos âmbar de Growl me perfuraram até o âmago. — Você<br />
pode tentar, — ele disse. — Mas eu vou te encontrar, não importa aonde<br />
você vá. Eu te seguirei até o fim do mundo.<br />
— Que romântico, — eu sussurrei com ironia.<br />
— Você é minha.<br />
— Pare de dizer isso. — Eu estava cansada dele me lembrar disso.<br />
Eu queria bater nele com força, e eu teria orgulho de ter acertado seu<br />
rosto quando ele disse que eu era dele.<br />
— Você terminou? — Ele perguntou sem emoção. — Vamos. —<br />
Ele se virou sem esperar minha reação. Eu não podia acreditar nisso.<br />
Agarrei a mochila do chão e estava prestes a seguir quando vi os<br />
cachorros de pé no corredor em frente ao quarto. Eu parei para olhar.<br />
Ambos me observaram com calma, mas com um interesse definido. Meu<br />
pulso acelerou. E eu pensei que eu estivesse cansada demais para ter<br />
medo. Definitivamente não.<br />
— Eles não vão te machucar. São bons cães — disse Growl,<br />
esperando por mim no estreito corredor. Eu não tinha certeza, mas eu<br />
pensei ter ouvido um tom de diversão em sua voz.<br />
— Eles não parecem bons cães, — eu disse hesitante enquanto<br />
me aproximava deles.<br />
~ 64 ~
— Não julgue as coisas por seus olhares. Isso pode te enganar.<br />
Com minhas costas grudadas contra a parede, passei pelos cães.<br />
Eles me seguiram lentamente, seus olhos afiados nunca se afastando de<br />
mim.<br />
Meu olhar percorreu Growl. Suas tatuagens e cicatrizes. — Às<br />
vezes, o exterior e o interior, se equivalem, — eu disse calmamente.<br />
Sua expressão mudou, mas novamente eu não tive chance de<br />
saber o que estava acontecendo em sua cabeça. Pelo menos ele<br />
percebeu minha dica, então ele não era tão ignorante como algumas<br />
pessoas o consideravam.<br />
Ele apontou para uma porta. — Esse é o banheiro.<br />
— Há apenas um? — Eu perguntei, e então quase encolhi como<br />
isso me fez soar.<br />
— Esta é a sua vida agora, melhor se acostumar com isso, —<br />
disse ele.<br />
Eu corri para o banheiro e tranquei a porta, sentindo uma<br />
inundação de satisfação por ter aquela faixa de controle, mesmo apenas<br />
por um momento. Eu ignorei a preocupação de que Growl pudesse ficar<br />
na frente da porta e escutar o que faria, e fui ao banheiro. Ele tinha<br />
ouvido e visto pior, sem dúvida. Mas eu me certifiquei de me apressar e<br />
estava feliz quando eu acabei.<br />
Eu peguei um vislumbre de mim mesma no espelho sobre o<br />
lavatório, quando eu lavei minhas mãos e quase recuei com meu<br />
próprio reflexo. Meu cabelo era uma bagunça selvagem e o rímel<br />
manchou a pele ao redor dos meus olhos de tanto chorar, mas o pior de<br />
tudo era quão pálido meu rosto estava e quão vazio meus olhos<br />
pareciam. Apenas um dia e não apenas a minha vida tinha mudado,<br />
mas meu corpo também.<br />
Eu não queria imaginar o quanto eu estaria pior em algumas<br />
semanas ou meses. Eu não queria imaginar ter que viver muitos dias<br />
com Growl como meu sequestrador. Eu respirei fundo e mudei a água<br />
para o frio, em seguida, espirrei meu rosto e com isso eu me senti<br />
melhor. Eu tentei esquecer onde eu estava no momento, tentei deixar<br />
movimentos familiares assumir meu corpo. Quando eu olhei para os<br />
armários de banheiro de Growl para uma escova de dentes, fui saudada<br />
pelo mesmo vazio que encontrei em outros lugares da casa. Havia uma<br />
escova de dentes e pasta de dente, uma navalha e um desodorante.<br />
~ 65 ~
Nenhum perfume ou outros produtos de cuidados para o corpo.<br />
Coloquei um pouco de pasta de dentes no meu dedo indicador e usei<br />
para escovar os dentes.<br />
Depois disso me virei para o chuveiro, mas hesitei na frente dele,<br />
debatendo se eu deveria arriscar ficar nua. Mas o cheiro de sangue<br />
ainda permanecia na minha pele, misturado com suor e aroma<br />
almiscarado de Growl. Eu tirei minha roupa. Eu não estava a salvo.<br />
Tomar um banho não mudaria isso. Mais cedo ou mais tarde Growl<br />
faria o que quisesse e não havia nada que eu pudesse fazer para detêlo.<br />
O chuveiro e o box eram antigos, mas impecáveis, a torneira<br />
rangia e levou muito tempo para a água sair de maneira descente e<br />
aconchegante. Eu esfreguei minha pele até que ela parecesse<br />
apresentável e quente, e provavelmente teria continuado a fazê-lo se<br />
uma batida não tivesse me interrompido.<br />
— Você tem mais dois minutos.<br />
Eu desliguei a água. Apesar do meu primeiro instinto ser de<br />
provocar Growl, eu não queria arriscar que ele entrasse no banheiro. Eu<br />
rapidamente me sequei e então abri a mochila. Minha respiração<br />
engatou quando eu avistei minhas roupas. Era estranho como coisas<br />
pequenas de repente significavam tanto.<br />
Peguei cuidadosamente um vestido de algodão cor creme que<br />
abraçava meu corpo. Eu queria doá-lo porque não estava mais na<br />
moda. Agora parecia a coisa mais preciosa que eu possuía. Eu deslizei o<br />
tecido macio sobre o meu corpo e coloquei meias. Vestindo minhas<br />
roupas velhas me senti mal neste lugar, como uma relíquia de velhos<br />
tempos.<br />
Quando saí do banheiro, Growl não estava lá, nem seus cães.<br />
Eu me demorei no corredor, sem saber o que fazer ou para onde<br />
ir. As paredes eram um branco acinzentado como no meu quarto, e o<br />
piso de madeira escuro tinha visto dias melhores.<br />
O cheiro de café passou por mim e eventualmente me atraiu para<br />
uma grande cozinha. Growl inclinou-se contra o balcão da cozinha, uma<br />
xícara de café na mão e seus cachorros deitados em cobertores num<br />
canto da sala. Seu olhar estava em uma mensagem em seu celular. Não<br />
havia cadeiras ou mesa. Aparentemente, Growl preferia fazer suas<br />
refeições enquanto estava de pé.<br />
~ 66 ~
Ele olhou para cima e seus olhos percorreram todo o meu corpo,<br />
permanecendo nas minhas pernas, quadris e seios.<br />
Eu me forcei a manter a calma, a esconder os nervos que o calor<br />
de seu olhar criou.<br />
Ele usava uma camisa branca apertada que não conseguia<br />
esconder seus músculos, nem os contornos das suas tatuagens. Meus<br />
olhos se moveram para a cicatriz em torno de seu pescoço.<br />
— Aqui, — ele disse, empurrando uma xícara de café para mim. —<br />
Beba.<br />
— Eu prefiro meu café com leite, — eu disse.<br />
— Não há leite na casa. É café preto ou nada.<br />
Peguei o copo, saboreando o calor dele, e dei alguns goles no<br />
líquido quente. Sua atenção voltou para o móvel no balcão da cozinha.<br />
— Há ovos na geladeira se você estiver com fome.<br />
Eu olhei para ele. — Você está falando sério? — Eu perguntei,<br />
colocando a xícara com força no balcão. — Ontem Falcone me deu para<br />
você como um presente e agora você fingir como se isso fosse normal,<br />
como se pudéssemos agir normalmente um em torno do outro. Por que<br />
você não nos faz um favor e me deixa ir?<br />
Ele estava na minha frente antes que eu pudesse reagir. Estiquei<br />
meu pescoço para olhar seu rosto. Eu estava presa entre ele e a<br />
cozinha. Ele me agarrou pela cintura e me levantou no balcão, depois<br />
pressionou entre minhas pernas, aproximando nossos rostos. Eu<br />
segurei minha respiração, atordoada por seu movimento repentino.<br />
Meu coração estava batendo freneticamente contra minha caixa<br />
torácica, mas eu tentei esconder o medo dele por trás do meu ódio. Sua<br />
mão segurou a parte de trás da minha cabeça, mantendo-me no lugar e<br />
então sua boca caiu sobre a minha, sua língua deslizando para além de<br />
meus lábios. Eu fiz um som de protesto, mas ele foi engolido pela boca<br />
de Growl.<br />
Eu empurrei minha cabeça para trás, ofegante e olhei para ele. Eu<br />
o odiava. Odiava por quem ele era, mas pior, pelo que ele me fez sentir.<br />
Por um pequeno momento eu tinha me permitido me afogar no beijo,<br />
porque ele conseguiu me fazer esquecer tudo, me ajudou a afogar a<br />
tristeza, medo e preocupação. E nesse curto instante, me senti<br />
maravilhosamente bem. Tão bem, que meu corpo tinha formigado e eu<br />
~ 67 ~
senti isso da ponta dos dedos das mãos até os pés. Em toda parte.<br />
Estava errado. Deus, tão errado. Como o homem na minha frente.<br />
Enxuguei minha boca e então, da mesma forma, o formigamento<br />
desapareceu e o que restava era repulsa. — Não me toque, — eu<br />
assobiei. — Nunca mais.<br />
Ele sorriu sem humor. — Por quê?<br />
— Porque você me repeliu. Você é um monstro e eu não quero<br />
suas mãos em mim, não quando elas estão cobertas de sangue.<br />
GROWL<br />
Emoções, ele nunca tinha entendido bem. A maioria das pessoas<br />
tinha muitas, e lhes deixava ainda mais dispostas. Especialmente as<br />
mulheres pareciam muito despreocupadas em mostrar essa parte de si<br />
mesmas. Cara não era diferente. O ódio, estava claro em seu rosto.<br />
Ela o odiava.<br />
Todos o odiavam.<br />
Ela o temia.<br />
Todos o temiam.<br />
Estava acostumado a esse tipo de reação. Ele não se importava.<br />
Ele não era um homem esperto; Nem sequer perto de ser tão<br />
inteligente quanto ela. Ele sabia disso, e talvez isso o tornasse mais<br />
inteligente do que a maioria dos homens de Falcone. Ele conhecia suas<br />
limitações, as sentia todos os dias e as aceitava, mas nunca as deixava<br />
pará-lo. Mas apesar de sua falta de inteligência, ele sabia que Cara não<br />
era realmente uma recompensa para ele. Não era por isso que lhe fora<br />
dada. Claro, ela era uma recompensa, era o maior presente que alguém<br />
como ele poderia esperar, era mais do que alguém tão sombrio e sujo<br />
merecia, mas não era por isso que Falcone lhe dera como seu presente.<br />
Esta não foi uma recompensa para ele, era um castigo para ela e<br />
seu pai, e se tinha alguma coisa de verdade nisso, era que tudo não<br />
passava de um verdadeiro castigo. Growl sabia disso, e talvez ele deveria<br />
~ 68 ~
ter se sentido revoltado, deveria ter se sentido culpado, deveria ter<br />
recusado um presente como esse, mas ele não era esse tipo de homem,<br />
e foi por isso que Falcone o tinha escolhido sabiamente. Ele era a<br />
punição que ninguém merecia, muito menos ela. Mas agora que ele a<br />
tinha, Cara, seu dom, ele nunca a deixaria ir. O beijo, tinha lhe dado<br />
um gosto do que estava por vir, de Cara, e malditamente, ela tinha um<br />
sabor doce com uma pitada de amargura do café. Mais doce do que<br />
qualquer mulher que ele tinha beijado, mas não tinha havido muitas e<br />
seu último beijo foi há muito tempo. Ele não gostava de beijar as putas.<br />
Não porque tinham o gosto de outros homens em sua boca, embora isso<br />
também contasse se ele fosse perfeitamente honesto consigo mesmo,<br />
mas principalmente porque era muito íntimo. Ele nunca tinha<br />
entendido o valor de beijar, quando o sexo e um bom boquete traziam<br />
uma satisfação mais rápida, mas desde a primeira vez que ele viu os<br />
lábios rosados de Cara, ele se perguntou como seria beijá-la. No<br />
começo, tinha sido uma fantasia ridícula, que nunca se tornaria<br />
realidade, mas então se tornara uma possibilidade.<br />
Ele olhou para baixo para seu rosto furioso, e o duro conjunto de<br />
seus lábios. Ele queria beijá-la de novo, prová-la novamente, mas ele<br />
tinha aprendido a controlar seus desejos. A forma como ela olhava para<br />
ele agora, o fazia lembrar da primeira vez que eles se encontraram, dos<br />
olhares que cada mulher na sociedade lhe deu. Ele deu um passo atrás<br />
antes que sua raiva pudesse tirar o melhor dele, como se tivesse<br />
passado a última vez. Ele não teve tempo para outra visita com Lola. E<br />
se ele fosse honesto, tinha sido tão satisfatório com ela como de<br />
costume.<br />
Então pegue Cara. Ela é sua.<br />
Ela era. Mas ele não podia imaginar tratá-la como tratava Lola.<br />
Não apenas porque Cara não reagiria do jeito que Growl queria, mas<br />
também porque não gostava da ideia de tratá-la dessa maneira. Ela era<br />
muito preciosa.<br />
Ele se afastou dela e pegou seu telefone novamente. Falcone<br />
queria vê-lo à tarde. Growl duvidava que o homem tivesse um trabalho<br />
de verdade para ele. Falcone queria ouvir detalhes terríveis do que<br />
Growl tinha feito com Cara.<br />
Ele olhou para ela. Ela ainda estava sentada no balcão onde ele a<br />
colocou, mas ela cruzou as pernas protetoramente e estava observandoo<br />
cautelosamente. Mesmo assim, ela conseguiu parecer elegante e<br />
absolutamente fora de lugar em sua casa.<br />
~ 69 ~
Talvez Falcone não se limitasse a gritar como uma punição para<br />
Cara. Talvez ele também tivesse esperado colocar Growl em seu lugar,<br />
para mostrar que apesar de seus anos de serviço, ele ainda não era<br />
digno.<br />
~ 70 ~
Capítulo dez<br />
CARA<br />
Meus lábios ainda estão formigando do beijo, apesar do meu nojo<br />
e raiva de Growl. Ele se afasta lentamente, com uma expressão que não<br />
consigo decifrar. Eu pulo do balcão, tentando sair dessa situação<br />
comprometedora, e congelo de medo quando os cachorros saltam de<br />
onde estavam descansando no canto da cozinha.<br />
O único cachorro com que tive contato nos últimos anos foi o<br />
Chihuahua de Anastasia, que ela comprou depois que isso se tornou<br />
um item essencial das fashionistas, de acordo com as revistas que ela<br />
lia. Mas aquele cachorro tinha o tamanho de um porquinho-da-índia, e<br />
seus dentes mal tinham força para arranhar a pele de alguém. Esses<br />
cachorros, no entanto, eram monstros no tamanho e, principalmente,<br />
na personalidade, assim como o seu mestre. Eu puxei uma respiração e<br />
me encostei contra o balcão outra vez. Não havia nenhum outro lugar<br />
que eu pudesse ir, e pelo jeito que eles me olhavam, iam me seguir de<br />
qualquer maneira. Meu coração acelerou e eu congelei completamente.<br />
Os cachorros também não se moveram, mas pareciam tensos,<br />
como se estivessem prontos para me atacar se eu me mexesse de um<br />
jeito errado. Growl me deu um olhar que deixou claro que ele pensava<br />
que eu tinha perdido a cabeça, mas ele obviamente não era alguém em<br />
quem eu confiava quando se tratava de julgar o perigo e<br />
monstruosidade dos seus cães.<br />
— Se você agir com medo, eles vão ficar desconfiados, — ele disse<br />
como se eu fosse uma criança.<br />
Eu olhei para ele. Suas palavras só aumentaram o meu medo me<br />
deixaram mais tensa. Growl largou seu café outra vez e me olhou como<br />
se estivesse tentando descobrir algo. Meus olhos corriam entre ele e os<br />
seus cachorros.<br />
Growl caminhou na minha direção, seu braço vindo para mim. Eu<br />
estremeci e me encolhi, esperando um soco. Ele parecia frustrado.<br />
~ 71 ~
Ele congelou com o braço no ar e a falta de compreensão cresceu<br />
ainda mais em seu rosto.<br />
— O que você está fazendo? — ele retumbou, lentamente<br />
abaixando o braço musculoso. Havia mais arranhões na parte superior<br />
do seu braço que eu notei agora. Com certeza eles não podiam ter vindo<br />
todos de mim. Um círculo vermelho começou a se espalhar lentamente<br />
pelo seu curativo, e eu estremeci. Growl baixou o olhar para o seu braço<br />
machucado e deu um suspiro. — Você é problema demais, — ele disse<br />
simplesmente. Seus olhos encontraram os meus. Eu não conseguia ler<br />
a sua expressão.<br />
— Talvez você devesse ir ver um médico, — eu disse, em vez da<br />
resposta ácida que tinha em mente. Até agora Growl tinha sido mais<br />
civilizado do que eu achei que fosse possível, e não podia arriscar<br />
provocá-lo tanto a ponto de mudar isso.<br />
— Eu não preciso de um médico. Eu costurei os meus ferimentos.<br />
Eu já fiz isso antes. Mas você me cortou muito profundo e eu não<br />
deveria mexer tanto o braço.<br />
Pela sua reação ontem, eu pensei que mal tinha deixado uma<br />
marca nele com a faca, mas ele provavelmente era muito cuidadoso<br />
para mostrar a extensão do seu ferimento durante uma luta. Embora<br />
chamar nossa pequena desavença de luta era algo risível.<br />
— Por que você não se encolheu? — ele perguntou. Eu esperava<br />
que ele tivesse esquecido minha reação à sua aproximação.<br />
Dei de ombros e voltei minha atenção para os cachorros, que<br />
estavam nos olhando. Eles ainda não tinham saído do seu lugar no fim<br />
da cozinha, exceto que o preto tinha agora se sentado. — Pensei que<br />
você ia me bater, — eu finalmente disse.<br />
Silêncio se seguiu, até que eu não pude mais aguentar e levantei<br />
o olhar para encontrar Growl me encarando em flagrante confusão.<br />
— Ah, vamos lá, — eu murmurei, minha raiva crescendo, apesar<br />
das minhas melhores intenções de não o provocar, seu choque era<br />
ridículo. — Não haja como se isso fosse impossível. Eu vi você ontem. Vi<br />
você matar um homem usando apenas suas mãos para quebrar o<br />
pescoço dele.<br />
— Onde você estava? Eu não vi você em lugar nenhum.<br />
— No armário.<br />
~ 72 ~
Growl assentiu. — Ele era o inimigo.<br />
— E eu não sou?<br />
Por alguma razão, ele parecia mais próximo do que antes, e seu<br />
cheiro finalmente chegou até mim. Não o cheiro de suor, sangue e<br />
morte, como na noite passada, mas algo fresco e almiscarado. Parecia<br />
normal demais para alguém como ele.<br />
— Não. Inimigos precisam ser eliminados porque representam<br />
perigoso e, muitas vezes, morte. Você não.<br />
— Eu tentei te matar ontem à noite, — eu disse indignada.<br />
Ele não disse nada, e isso foi pior do que um insulto.<br />
Cruzei os braços. Estava começando a me cansar dessa conversa,<br />
dessa situação, de tudo. Fechei os olhos, mas no momento em que fiz<br />
isso, imagens da noite passada voltam, e eu rapidamente os abri outra<br />
vez.<br />
Eu realmente queria que Growl parasse de me olhar com essa<br />
expressão atenta. Ele parecia um explorador que tinha descoberto uma<br />
nova espécie. — O que vai acontecer agora? — eu perguntei baixinho.<br />
— Eu tenho trabalho a fazer e você vai ficar aqui vendo TV.<br />
Eu ri. Será que me interpretou mal de propósito? — Não foi isso<br />
que eu quis dizer. Você vai continuar a me manter aqui até que eu<br />
morra ou você canse de mim?<br />
— Não pensei muito sobre isso ainda. Eu não sabia que Falcone<br />
ia te dar para mim, ou eu teria feito planos, — ele disse.<br />
Planos para o meu cativeiro, quanta consideração. — Então, e<br />
agora? — tudo parecia tão sem sentido. Minha vida nunca tinha sido<br />
livre. Sempre houve regras e expectativas, mas agora eu não tinha<br />
escolha sobre nada.<br />
— Eu vou trabalhar e você vai ficar aqui.<br />
Eu desisti. Ele não podia ou não queria me entender. — Você vai<br />
levar eles com você? — eu acenei na direção dos cachorros.<br />
Growl balançou a cabeça. — Eles vão ficar aqui com você.<br />
— Você tem certeza que eles não vão me cortar em pedaços?<br />
Growl se virou para os seus cachorros. — Coco, Bandit.<br />
~ 73 ~
Eles não hesitaram. Dentro de segundos eles estavam ao lado de<br />
Growl e olhavam para ele com o que eu só podia descrever como<br />
adoração. — Eles são bem treinados, — ele explicou. — Você pode<br />
chegar perto.<br />
Eu assenti, mas não me movi do meu lugar contra o balcão da<br />
cozinha. Como eles estavam ofegando, pude dar uma boa olhada no<br />
tamanho dos seus dentes.<br />
Ele franziu o cenho. — Você vai ter que se acostumar com eles.<br />
Você vai passar muito tempo com eles no futuro, e eu não vou estar<br />
sempre por perto para te ajudar.<br />
A ideia dele me ajudando era ridícula. Eu certamente não estava<br />
ansiosa pela sua presença.<br />
— Se você quer tocar neles, deve sempre dar a chance deles te<br />
cheirarem primeiro. Pelo menos até que eles te conheçam melhor. Eles<br />
são cães desconfiados. A maioria das pessoas não lhes deu muitas<br />
razões para terem confiança, — ele estende a mão na frente de Coco,<br />
então na frente do nariz de Bandit, antes de dar tapinhas nas suas<br />
cabeças. — Se eles se afastarem, deixe assim. Não tente acariciá-los se<br />
eles não quiserem.<br />
Como eu deveria saber quando eles querem ou não ser<br />
acariciados? Não que eu tenha qualquer intenção de tocar neles sem<br />
uma boa razão, ou sem Growl por perto. Eles me assustam. Não consigo<br />
evitar. Eles parecem saber como rasgar as coisas em pedaços. Eles têm<br />
muitas cicatrizes falando sobre o seu passado difícil.<br />
— Eles são cães de rinha, certo?<br />
Growl assentiu. — Os dois lutaram muitas vezes. Ganharam a<br />
maioria.<br />
— Aposto que você ganhou muito dinheiro com eles naquela<br />
época, — eu murmurei, esperando que ele pudesse ouvir o meu<br />
desprezo. Por que as pessoas gostam de ver cachorros se destroçando?<br />
Mas eu nunca entendi o apelo de lutas de boxe, também; mas os<br />
boxeadores pelo menos escolhem lutar por vontade própria.<br />
Ele dá mais uns tapinhas na cabeça de Coco e Brandit antes de<br />
virar toda sua atenção para mim. — Eu nunca coloquei eles em rinhas.<br />
Eu os comprei quando eles ficaram velhos demais para ganhar, — sua<br />
voz era mais suave quando ele falava sobre os seus cachorros, embora<br />
~ 74 ~
ainda houvesse as bordas afiadas da rouquidão das suas cordas vocais<br />
danificadas.<br />
— Por quê?<br />
— Porque eles seriam mortos, e depois de tudo que eles<br />
passaram, mereciam viver em paz pelo resto dos seus dias.<br />
Isso foi um lampejo de bondade? Parecia improvável, mas pelo<br />
jeito que ele cuidava dos seus cachorros, eu não podia negar a<br />
possibilidade. Talvez ele sentisse uma conexão com os cachorros porque<br />
eles foram forçados a uma vida de violência. Não se sabia muito sobre o<br />
passado de Growl, mas ninguém nascia assim, ninguém nascia mal.<br />
Talvez ele também tenha sido forçado à essa vida. Talvez ele nunca<br />
tenha experimentado uma vida normal. Isso não justificava suas ações,<br />
mas era uma explicação que me ajudava a entendê-lo um pouco<br />
melhor, um entendimento que era sempre o primeiro passo para a<br />
solução. Se eu queria sair dessa situação horrível, primeiro teria que<br />
descobrir mais sobre o meu captor, mesmo que isso significasse passar<br />
algum tempo com ele.<br />
— Então você nunca apostou em rinhas? Ouvi dizer que as<br />
pessoas fazem milhões com isso, — olhando para a sua casa pobre,<br />
pensei que ele certamente poderia usar esse dinheiro.<br />
Ele balançou a cabeça. — Eu não me importo com dinheiro e,<br />
mesmo que me importasse, não gostaria de ganhar deixando cachorros<br />
se comerem vivos.<br />
Esse homem era um enigma.<br />
Ele fez um gesto para que eu me aproximasse outra vez. —<br />
Venha. Vocês precisam se conhecer e eu não tenho muito tempo.<br />
Dei passos hesitantes para me aproximar, e quando os dois<br />
cachorros não saltaram, fechei a distância que faltava entre nós.<br />
— Fique de joelhos, — Growl ordenou, e essas palavras trouxeram<br />
outra imagem à minha mente, uma que me deixou mais agitada do que<br />
os cachorros com dentes grandes, especialmente porque ela fez o meu<br />
corpo esquentar. Rapidamente empurrei essa imagem para longe e me<br />
agachei.<br />
Growl pegou a minha mão, me assustando. Foi no último<br />
segundo que consegui me impedir de me afastar. Sua palma era calosa<br />
e quente. Parei de respirar quando ele estendeu minha mão na frente do<br />
focinho marrom claro do cachorro. Ele cheirou, então balançou o rabo.<br />
~ 75 ~
Growl colocou minha mão no meio das suas costas, a seguir. — Essa é<br />
Coco. Ela tem oito anos, e eu estou com ela há dois, — Coco, parece um<br />
nome tão doméstico para um cachorro como esse.<br />
Corri minha mão para cima e para baixo pelo comprimento das<br />
costas de Coco. Seu pelo era suave, e eu me encantei na sensação dos<br />
seus músculos. Ela era forte, mais forte do que parecia. Eu só podia<br />
imaginar a cadela na arena de lutas, e a pena por ela cresceu em mim<br />
novamente. Seus olhos castanhos eram curiosos e gentis. Eu não podia<br />
ver uma pitada de agressividade.<br />
Growl pegou minha mão outra vez e a levou para o outro<br />
cachorro, Bandit, inspecionar. Ele também me cheirou algumas vezes,<br />
mas não balançou o rabo ou reagiu de qualquer outra forma. Ele não<br />
parecia se importar muito com a minha presença.<br />
Growl deu de ombros. — Ele precisa te conhecer melhor. Dê um<br />
tempo a ele, — ele soltou a minha mão e eu a puxei rapidamente e<br />
levantei. Isso era muito estranho. Growl estava agindo como se nós<br />
fôssemos um tempo de família desconjuntada.<br />
Growl se levantou também, pairando sobre mim. — Eu preciso ir<br />
agora, — ele pegou seu celular no balcão da cozinha e foi para o<br />
corredor.<br />
— Você vai se encontrar com Falcone? — eu perguntei, o<br />
seguindo. O nome se prendeu como ácido na minha língua.<br />
Growl fez uma careta por cima do ombro na minha direção. Ele<br />
não disse nada.<br />
— Você pode perguntar a ele sobre a minha irmã e a minha mãe?<br />
— eu disse, então completei. — Por favor? Eu vou ficar louca se não<br />
souber que elas estão bem.<br />
— Falcone pode ou não me dizer. Se eu perguntar, ele<br />
provavelmente vai manter isso para si, porque significa mais um pedaço<br />
de poder.<br />
— Eu preciso saber se elas estão bem, — eu repeti.<br />
Growl assentiu. — Levei os cachorros para uma longa caminhada<br />
essa manhã, então é o suficiente se você os deixar correrem pelo jardim<br />
por volta do meio-dia. Vou levá-los para passear de novo quando eu<br />
voltar, — ele disse, então adicionou. — Não tente fazer nada. Isso não<br />
vai ser bom para você nem para mais ninguém, — ele me deu um olhar<br />
expectante até que eu finalmente assenti, então ele andou até a porta e<br />
~ 76 ~
a fechou ao passar. Um momento depois, ouvi o som dela sendo<br />
trancada e eu estava sozinha.<br />
Me aproximei da porta, ouvindo o som do seu carro se afastando.<br />
Então eu hesitei outra vez. Talvez isso fosse um truque? Talvez ele só<br />
queria ver se eu ia tentar fugir se tivesse a chance. Talvez ele até mesmo<br />
estivesse ansioso por uma oportunidade de me punir?<br />
Soltei um suspiro e caminhei de novo até a cozinha, tentando<br />
ignorar os cachorros, que voltaram para os seus cobertores. Não havia<br />
cortinas na casa, então eu tinha uma visão perfeita na direção da<br />
estrada. O carro de Growl tinha ido embora, mas eu ainda não<br />
conseguia acreditar que ele realmente tinha me deixado sozinha. Meus<br />
olhos começaram a correr pela vizinhança, procurando algo fora do<br />
comum, mas para mim, nada era. Essa área estava enterrada na<br />
miséria.<br />
Um homem velho sentando junto ao portão da sua casa do outro<br />
lado da rua. Ele estava me observando, ou pelo menos, a casa de Growl.<br />
Será que Growl tinha lhe dado dinheiro para manter um olho na porta<br />
da frente?<br />
Eu me afastei da janela e corri para a portas dos fundos, que<br />
levava ao jardim. Quando coloquei a mão na maçaneta, pude ver que<br />
ela estava aberta. Growl não a trancou. Como o homem era cuidadoso<br />
demais para deixar a porta destrancada por acidente, isso era uma<br />
armadilha ou ele sabia que eu não poderia escapar, mesmo se tentasse.<br />
Os dois cachorros apareceram ao meu lado, me assustando. Mas eles<br />
não estavam interessados em mim. Em vez disso, eles saíram correndo<br />
para o jardim e começaram a correr atrás do outro. Eu dei um passo<br />
para fora e olhei ao redor. A única chance de escapar sobre a cerca alta<br />
era usando uma cadeira ou uma mesa para chegar lá em cima.<br />
Desde que a cozinha era desprovida de um luxo tal como<br />
cadeiras, a mobília do jardim era minha única opção. Mas a mesa não<br />
parecia estável o bastante para suportar o meu peso e as cadeiras eram<br />
muito baixas para me dar a altura que eu precisava. Quando tentei<br />
mover as cadeiras, no entanto, elas não se mexeram. Olhei para o chão<br />
e vi que elas eram presas ao piso de concreto. Será que Growl fez isso?<br />
Mas quando? Na noite passada, enquanto eu estava dormindo? Deixei<br />
escapar uma risada afiada, e afundei em uma das cadeiras. Eu não<br />
conseguia parar de rir. Os cachorros pararam a sua brincadeira e<br />
ficaram me olhando, obviamente incomodados com a minha risada. Até<br />
mesmo eu me assustei com o som. Cada pedaço de mobília, até mesmo<br />
um banco pesado, estava preso ao chão.<br />
~ 77 ~
Parei de rir, fiquei em silêncio e fechei os olhos, então lentamente<br />
deixei minha cabeça cair para frente até que ela descansou em minhas<br />
pernas. Deixei as imagens da noite passada me assaltarem, esperando<br />
que as revivendo, elas parassem de me assombrar. Levaria tempo, eu<br />
sabia disso. Talvez elas nunca fossem embora.<br />
Talia. Mãe. O que elas estavam fazendo agora?<br />
Eu não tinha como encontrar elas, não tinha como lhes dizer que<br />
eu estava bem e que era para elas serem fortes. Talvez isso fosse a pior<br />
parte, pior até do que ser prisioneira de Growl. Algo fungou no meu<br />
pescoço e eu levantei a cabeça para encontrar Coco parada bem ao meu<br />
lado, seu hálito quente de cachorro no meu rosto. Primeiro eu fiquei<br />
com medo, mas então percebi que a cadela estava tentando me<br />
consolar. Não me mexi, com medo de assustá-la. — Obrigada, — eu<br />
sussurrei, embora me sentisse boba por falar com um cachorro. Coco<br />
trotou até onde Bandit estava cavando em um ponto perto da cerca.<br />
Me levantei da cadeira e olhei ao redor mais uma vez, então<br />
cheguei mais perto da cerca para dar outra conferira, mas com o arame<br />
farpado no topo, não havia como eu pular. E o que eu faria se<br />
conseguisse escapar? Para onde eu iria? Eu não tinha dinheiro,<br />
identidade e nem celular. Nada. Eu não tinha nada. E não havia<br />
ninguém para quem eu pudesse correr. Os pais do meu pai morreram<br />
quando eu era pequena, e ele não tinha irmãos. Já a mãe nunca falou<br />
da sua família. Eu supus que ela fugiu para casar com meu pai. Trish e<br />
Anastasia também estavam fora de cogitação. Os pais delas eram leias a<br />
Falcone. No momento em que eles me vissem, eu seria entregue para<br />
Growl.<br />
Eu estava completamente sozinha até encontrar minha mãe e<br />
minha irmã, e não havia como fazer isso sem a ajuda de Growl. Eu não<br />
tinha escolha, além de achar um jeito de trazer Growl para o meu lado.<br />
O casal começou a gritar um com o outro novamente. Esse lugar<br />
era tão deprimente. Eu não conseguia entender como alguém viveria<br />
aqui por opção. Mas a maioria das pessoas provavelmente não tinha<br />
opção.<br />
Voltei para a casa antes que meu mau-humor piorasse ainda<br />
mais. Os cachorros ainda estavam ocupados perto da cerca.<br />
— Bandit, Coco, venham aqui! — eu chamei, e<br />
surpreendentemente os dois obedeceram ao meu comando sem hesitar<br />
e correram para dentro de casa. Eu fechei a porta e tomando uma<br />
respiração profunda, me virei para encarar a casa. Ela era sombria e<br />
~ 78 ~
quase um inimigo por si só. Sem decorações, sem móveis<br />
aconchegantes. Esse lugar estava equipado apenas para as<br />
necessidades mais básicas. Dei uma olhada na geladeira, mas além de<br />
uma dúzia de ovos e algumas latas de Coca, estava tudo vazio.<br />
Considerei preparar uma omelete, embora eu só tivesse feito isso uma<br />
vez antes. Não estava com tanta fome assim, de qualquer forma.<br />
Voltei para a sala de estar e afundei no sofá. Uma mola escavou<br />
na minha bunda e a coisa velha protestou sob o meu peso. Eu nunca<br />
tive que assistir TV o dia todo. Eu sempre estava ocupada com a<br />
faculdade, meus amigos e meus hobbies. Me inclinei para trás<br />
lentamente. Os únicos outros itens na sala eram a TV, o aparador da<br />
TV, que parecia como se Growl o tivesse encontrado na rua, e uma<br />
pequena mesa. Não havia armários, fotos ou qualquer outra coisa.<br />
Growl não podia passar muito tempo aqui.<br />
Precisava achar um jeito de dar o fora daqui o mais rápido<br />
possível.<br />
Peguei o controle remoto da mesa e liguei a TV. Passei através de<br />
muitos canais, mas não havia nada ligeiramente interessante. Larguei o<br />
controle, deixando um canal da natureza como som de fundo enquanto<br />
saí para descobrir os outros cômodos, mas eu já tinha visto todos, na<br />
verdade. Havia um banheiro, o meu quarto e o de Growl. Ele não havia<br />
trancado a porta, apesar das armas decorando as suas paredes.<br />
Não havia sequer um livro na casa. E eu também não vi um<br />
computador em lugar nenhum.<br />
Frustrada, eu me sentei novamente no sofá e, sem mais nada<br />
para fazer, eventualmente acabei adormecendo outra vez.<br />
O som da tranca sendo aberta me acordou e eu me sentei.<br />
Arrepios cobriam minha pele. O ar-condicionado estava gelado demais.<br />
Procurei na sala por um relógio, mas até isso estava faltando.<br />
Ainda tinha luz lá fora, então eu pelo menos sabia que não era<br />
noite.<br />
Os cachorros começaram a latir alegremente e então ouvi os<br />
passos de Growl. Ele apareceu na porta, estudando a sala rapidamente<br />
antes de olhar para mim.<br />
— Está tudo bem? — ele perguntou desconfiado.<br />
— Não, — eu disse. Que pergunta idiota.<br />
~ 79 ~
Growl estendeu uma caixa de leite. — Para o seu café.<br />
Meus lábios se partiram. — Hm, obrigada?<br />
Nós nos encaramos. Ele parecia inseguro quanto eu sobre essa<br />
situação. Comecei a esfregar meus braços para aquecê-los. — Frio?<br />
Eu assenti. Ele se foi e então o ar-condicionado parou de soprar<br />
ar frio na sala. Por que ele estava sendo assim? Eu tinha minhas<br />
suspeitas sobre os seus motivos.<br />
— Alguma novidade? — eu perguntei quando ele voltou.<br />
Sua expressão se apertou. Então ele se virou e andou pelo<br />
corredor na direção da cozinha. Eu saltei do sofá e corri atrás dele. Ele<br />
estava parado em frente à geladeira aberta. — Você não comeu nada.<br />
Ele era surdo? — Não estou com fome, — isso era mentira. — E<br />
sobre a minha pergunta? Você se encontrou com Falcone, ele disse algo<br />
sobre a minha mãe e a minha irmã?<br />
— Você precisa comer, — Growl disse. — Morrer de fome não vai<br />
mudar nada.<br />
— Eu não me importo! Responda a minha pergunta, droga!<br />
Bandit rosnou baixo, mas Growl o silenciou com um movimento<br />
de mão.<br />
Eu endureci. — E você diz que ele não é perigoso, hm?<br />
— O que você espera quando você está gritando com o dono dele?<br />
— Vamos lá, não é como se eu fosse um perigo para você, — eu<br />
disse, zombando.<br />
Ele olhou para o seu braço enfaixado, então deu de ombros. —<br />
Você não é um perigo para mim, mas está sendo desrespeitosa.<br />
— Você não merece o meu respeito.<br />
Growl fechou a geladeira, inclinando a cabeça para me observar.<br />
Novamente eu podia sentir que ele não sabia o que fazer comigo. — Vou<br />
pedir uma pizza. Eu nem almocei. Que sabor de pizza você quer?<br />
Cruzei os braços e me inclinei contra a moldura da porta. — Eu<br />
não vou comer nada até que você responda a minha pergunta.<br />
— E eu não vou responder até que você coma alguma coisa.<br />
~ 80 ~
— Isso quer dizer que você sabe mais?<br />
— Eu sei, — ele disse simplesmente.<br />
~ 81 ~
Capítulo onze<br />
CARA<br />
Meus dedos tremiam ante a perspectiva de notícias sobre minha<br />
mãe e minha irmã. — Está bem. Vou comer a pizza. Apenas me diga o<br />
que você sabe.<br />
— Que tipo?<br />
Soltei um suspiro de exasperação, mas não poderia surtar de<br />
novo, ou ele poderia decidir não me dizer nada. — Atum e cebola,<br />
suponho.<br />
Growl pegou o telefone e pediu a pizza para seis. Isso iria demorar<br />
mais de uma hora.<br />
Ele deve ter visto o desânimo em minha expressão porque ele<br />
disse: — Coco e Bandit precisam caminhar. Se você vir, eu te direi tudo<br />
o que sei.<br />
Eu balancei a cabeça ansiosamente e como o único par de<br />
sapatos que Growl trazia na minha mochila eram meus sapatos de<br />
corrida, eu estava perfeitamente equipada. No momento em que saímos,<br />
eu percebi o quão presa eu me senti dentro daquela casa. Growl não se<br />
incomodou em colocar seus cachorros em uma coleira. Eles começaram<br />
a cheirar os arbustos locais enquanto Growl e eu andávamos lado a<br />
lado. Era estranho. Eu tinha estado com ele por quase vinte e quatro<br />
horas e até agora ele tinha sido muito mais decente comigo do que eu<br />
esperava. Mas eu tinha um sentimento que tinha mais a ver com o fato<br />
de eu o confundi do que com misericórdia ou piedade. — Então? — Eu<br />
comecei, quando ficou óbvio que Growl gostava da calma da<br />
caminhada.<br />
— Falcone parece estar contente com a punição que ele infligiu a<br />
sua família até agora. Com seu pai morto e você comigo, ele não vê<br />
nenhuma necessidade de punir sua mãe e irmã no momento.<br />
~ 82 ~
— Então minha mãe e minha irmã estão bem? — Eu perguntei<br />
aliviada.<br />
— Por enquanto — disse Growl com naturalidade.<br />
— Onde elas estão?<br />
irmã.<br />
— Sua mãe está em sua casa velha. Ainda não sei onde está sua<br />
— O que você quer dizer, você não sabe? O que aconteceu com<br />
ela? Como você pode ter certeza que Falcone não vai machucá-la se<br />
você não sabe qualquer detalhe? E se ele a entregar a alguém como<br />
presente?<br />
Como ele fez comigo, eu adicionei em minha mente. Queria estar<br />
lá para protegê-la. Era meu trabalho fazer isso.<br />
— Falcone não tem recebido muita informação hoje. Depois da<br />
traição de seu pai ele é ainda mais cauteloso. Mas ele tem algum tipo de<br />
plano e parece exigir que sua irmã e sua mãe estejam bem.<br />
— Mas-<br />
— Não, — disse Growl com firmeza. — É o bastante. Eu te disse o<br />
que eu sei. — Suas sobrancelhas se juntaram e ele balançou a cabeça,<br />
mais para si mesmo do que dirigido a mim. Eu ainda me maravilhei<br />
com o quão alto ele era, erguendo uma cabeça sobre mim. Meus olhos<br />
traçaram seus braços musculosos, cobertos de tatuagem até que eu<br />
pude ver. Especialmente o crânio e a cobra travando seus dentes me<br />
davam arrepios. Perguntei-me quanto mais seu corpo estava coberto<br />
assim.<br />
— Devemos voltar ou perderemos a pizza — disse Growl.<br />
Meus olhos se ergueram para seu rosto. Há quanto tempo eu<br />
estava olhando para ele mesmo? Sua mandíbula estava apertada, seus<br />
olhos cheios de um fogo que me deixou nervosa.<br />
Eu rapidamente andei adiante e ele caiu em passo ao meu lado<br />
pouco depois. Não conversamos mais.<br />
~ 83 ~
GROWL<br />
Growl cambaleou para o pátio em direção à sua área de fitness.<br />
Ele precisava deixar escapar algum vapor e ele precisava treinar de<br />
qualquer maneira.<br />
Algo estava mal com ele. Ele tinha Cara em sua casa. Ele tinha<br />
permissão para fazer com ela o que quisesse, e o que ele tinha feito até<br />
agora? Nada. Algo sobre ela o deixava incapaz de apenas agarrá-la e<br />
fazer o que quiser com ela.<br />
Ele nunca forçou uma mulher a dormir com ele. Talvez fosse isso.<br />
Ele gostava quando elas lutavam contra ele, quando elas mordiam e<br />
arranhavam e às vezes até gritavam, mas não porque não queriam, mas<br />
porque sim. Ele não tinha problemas em machucar as pessoas,<br />
machucar mulheres, mas isso era diferente. Esse era seu trabalho. E<br />
ele gostava. Não havia como negar. Mas o sexo era outra coisa. Ele não<br />
queria forçar uma mulher. Queria que a mulher o desejasse.<br />
É claro que muitas das prostitutas que ele teve no passado<br />
provavelmente também não o queriam, mas fizeram isso por escolha,<br />
porque queriam o dinheiro. Ele poderia viver com isso. E Lola, ela<br />
definitivamente gostava dele mais do que os outros.<br />
Ele suspirou e pôs mais peso na barra. Com um grunhido, ele a<br />
pressionou.<br />
O pior foi o modo como ele pegou Cara olhando para ele hoje. Ela<br />
gostava de ver seus músculos. Ele tinha certeza de que ela estava<br />
atraída por ele em algum nível básico. Ela também o odiava, e isso era<br />
mais forte do que qualquer desejo que ela pudesse ou não sentir por ele.<br />
Porra, ele a queria. A porta rangeu e Cara saiu para a varanda.<br />
Quando ela percebeu que ele fazia seu treino, seus olhos se arregalaram<br />
um pouco, então eles percorreram o comprimento dele antes dela olhar<br />
para outro lugar.<br />
Growl gemeu por dentro.<br />
Ele não gostava de jogos. Ou analisar as sutilezas do<br />
comportamento de uma mulher. Isso estava lhe dando uma fodida dor<br />
de cabeça.<br />
O olhar dela se fixou na mesa da varanda. — Você prendeu ao<br />
chão, então eu não poderia usá-la para pular a cerca?<br />
~ 84 ~
Como ela inventou esse tipo de lógica? — Não, — ele disse,<br />
baixando a barra no suporte. — Eu não sabia que você moraria comigo.<br />
Você queria usá-la para pular a cerca? — Ele suspeitava que ela<br />
pudesse tentar escapar. Ele também sabia que ela não conseguiria.<br />
— Por que não há mesas ou cadeiras na sua cozinha? — Ela<br />
perguntou. — E por que não há livros?<br />
Porque, porque, porque. Por que ela sempre tinha que fazer<br />
perguntas?<br />
Growl se levantou do banco e esticou os braços. Mais uma vez.<br />
Aquele olhar. Porra. Ele cruzou a distância entre eles e a apertou contra<br />
a parede. Seu grito de surpresa foi silenciado pela boca dele. Ele<br />
mergulhou sua língua na boca dela, saboreando o gosto doce dela. E ela<br />
se apertou contra ele. Porra. Ela estava atraída por ele. Ele sabia disso.<br />
Ele a beijou com mais força e passou a mão por baixo da saia,<br />
pressionando a palma da mão contra a virilha. Mesmo através da sua<br />
calcinha e suas calças ele podia sentir o calor irradiando da buceta<br />
dela. Ele pressionou um dedo entre suas dobras, esfregando-a através<br />
do tecido. E ela gemeu em sua boca. Sua umidade estava começando a<br />
embeber suas calças, e o pau de Growl ganhou vida. Porra. Ele queria<br />
tomá-la bem ali na varanda até ela gritar seu nome.<br />
As palmas dela começaram a empurrar contra seu peito e ela<br />
rasgou sua boca para longe dos lábios dele. — Pare com isso! — Ela<br />
ofegou, então mais firme. — Pare com isso! — Ela o empurrou com<br />
força, e ele cedeu, dando um passo para trás e soltando a mão de sua<br />
buceta. Os olhos dela estavam atordoados. Ela olhou para o pau que se<br />
esticava contra as calças, depois para as casas vizinhas, e enrubesceu<br />
um tom ainda mais escuro de vermelho. Ela se virou e tropeçou para<br />
dentro da casa.<br />
Growl a deixou, mesmo que fosse uma das coisas mais difíceis<br />
que já fizera. Ele olhou para sua protuberância. O corpo de Cara<br />
respondeu, só que a porra da sua mente ainda estava bagunçando as<br />
coisas. Growl sabia agora que ela estava molhada para ele, não havia<br />
como ser capaz de manter as mãos para si mesmo. Ele queria prová-la,<br />
queria fazer o corpo dela anular sua mente.<br />
~ 85 ~
CARA<br />
Eu não parei de correr até eu ter fechado a porta do meu quarto<br />
atrás de mim. O que eu tinha feito? O que eu deixei Growl fazer? Deus.<br />
Meu coração estava pulsando descontroladamente em meu peito. Eu<br />
podia sentir o baque, até a batida entre minhas pernas. Cobri os olhos<br />
com a mão e respirei profundamente. Eu nunca senti isso antes. Mas,<br />
movida pelos instintos, minha mente estava em silêncio.<br />
Eu queria sentir seus dedos tão desesperadamente, mesmo<br />
através do tecido que o toque tinha me inflamado. Por que meu corpo<br />
fez isso comigo? Eu odiava Growl e ainda assim meu corpo respondeu a<br />
ele. Ele não era muito bonito. Ele era nervoso, sombrio e marcado.<br />
E meu corpo o queria por causa disso.<br />
Estremeci, soltei a mão e cambaleei até minha cama, onde me<br />
deixei cair. Estar perto de Growl me fazia querer me deixar cair<br />
também.<br />
Parte de mim queria voltar para o quintal e deixar Growl terminar<br />
o que ele tinha começado. Eu poderia me arrepender das minhas ações<br />
mais tarde, talvez até pudesse me convencer a culpar Growl por tudo.<br />
Talvez fosse algum tipo de síndrome de Estocolmo?<br />
Isso funcionava também para a atração sexual? Eu engasguei um<br />
riso. Eu estava perdendo a cabeça.<br />
A pulsação entre as minhas pernas ainda não tinha parado. Se<br />
possível, ficara ainda pior. Coloquei minha mão na minha barriga,<br />
depois parei. Isso não estava certo. Mesmo fantasiar sobre alguém como<br />
Growl estava errado, e tocar-me ao fazer isso? Certamente o pecado.<br />
Minha mãe nunca me perdoaria.<br />
Enrolei minha mão em um punho no meu estômago. Eu seria<br />
forte. Eu não deixaria meu corpo ditar minhas ações. Eu era melhor do<br />
que isso.<br />
* * *<br />
As próximas duas manhãs eu não queria enfrentar Growl e<br />
esperei até ouvi-lo sair da casa para sair do meu quarto. Eu não<br />
~ 86 ~
conseguiria me esconder para sempre, mas meu embaraço ainda estava<br />
muito fresco. Pelo menos, ele não procurou a minha companhia.<br />
Como de costume eu primeiro chequei todas as portas e janelas<br />
para encontrar elas trancadas. Os cachorros jaziam em suas camas,<br />
sacudindo as caudas sem se importar quando passei por eles. Pensei<br />
em acariciá-los, mas não ousei sem Growl por perto. O que era meio<br />
divertido, considerando que não fazia muito tempo que eu o considerava<br />
a coisa mais perigosa da minha vida. E provavelmente ainda era. Fui<br />
para o meu lugar habitual no sofá e me assustei com a visão de seis<br />
livros ordenadamente empilhados em cima da mesa da sala. Eu não<br />
conhecia nenhum dos autores, mas era uma mistura de romances e<br />
thrillers. Abaixei-me para o sofá, atordoada pela consideração de Growl.<br />
Eu estava mais confusa do que nunca. Por que ele estava me tratando<br />
com respeito? Peguei o livro no topo e comecei a ler, tentando<br />
mergulhar em outro mundo e silenciar meus pensamentos.<br />
* * *<br />
Quando ele voltou à noite, ele trouxe pizza novamente e a colocou<br />
na mesa da sala ao lado dos meus novos livros. Meu rosto queimou de<br />
vergonha quando seu olhar finalmente se fixou em mim. Ele parecia<br />
completamente não afetado, porém, pelo meu óbvio constrangimento<br />
em relação ao nosso último encontro. — Obrigada pelos livros — eu<br />
disse.<br />
Ele acenou com a cabeça e se acomodou no sofá. Abriu a caixa de<br />
pizza e pegou um pedaço. O perfume picante passou por mim e me<br />
lembrou que eu não tinha comido desde a manhã. Growl tinha<br />
abastecido a cozinha com algumas coisas desde que eu tinha mudado.<br />
— Você descobriu algo mais sobre minha irmã? — Eu perguntei.<br />
Algumas vezes eu me pegava olhando para seus dedos longos e<br />
lembrava como era tê-los em meu corpo.<br />
Eu precisava parar com essa loucura. Concentre-se em outra<br />
coisa, eu disse a mim mesma, e finalmente eu resolvi olhar para sua<br />
cicatriz. Meus olhos traçaram a linha vermelha irritada ao redor de sua<br />
garganta. Era irregular como se tivessem usado uma faca dentada.<br />
Como alguém poderia sobreviver a algo assim? Parecia impossível. Eu<br />
não podia imaginar como deve ter sentido ter o sangue escorrer de você.<br />
~ 87 ~
Eu tremi. Havia tantos rumores sobre como tinha acontecido, e ainda<br />
mais sobre como ele tinha sobrevivido. Eu suspeitava que muitos deles<br />
eram o pilar sobre o qual a notória reputação de Growl tinha sido<br />
fundada. Por que ele estava vivo? Uma ferida assim, uma garganta<br />
cortada, quase sempre significava morte. Por que alguém como ele,<br />
alguém que não merecia viver, sobreviveu, enquanto outros morreram<br />
por menos? Parecia injusto e cruel. Talvez fosse estúpido da minha<br />
parte esperar que a vida fosse justa, dar a todos o que mereciam.<br />
Eu afastei meu olhar, receosa que ele notaria e ficasse irritado.<br />
Mas ele provavelmente estava acostumado a encaradas até agora. Onde<br />
quer que ele fosse, as pessoas observavam com temor e horror. Eu<br />
duvidava que ele gostava da atenção, tão diferente de seu chefe. Eu<br />
tinha visto o orgulho e o prazer no rosto de Falcone sempre que as<br />
pessoas fugiam de seu assassino mais temido.<br />
— Coma, — grunhiu Growl.<br />
Eu pulei e novamente meus olhos encontraram sua garganta.<br />
Esta foi a minha chance de obter respostas, descobrir se havia um<br />
pouco de verdade nos rumores que minhas amigas e eu tínhamos<br />
sussurrado umas para as outras em voz baixa. Minha chance de<br />
descobrir o homem na minha frente, e como influenciá-lo. No entanto,<br />
eu não tinha certeza se eu queria saber mais sobre ele. As pessoas<br />
temem o que não conhecem, essa era uma citação que eu sabia que era<br />
verdade, mas eu tinha um sentimento de que não saber era uma<br />
bênção quando se tratava do homem na minha frente. Com cada<br />
camada que eu descascava, mais horrores estariam expostos.<br />
— Pergunte ou pare de olhar — disse ele. Ele não parecia<br />
zangado.<br />
Eu brilhei. Eu queria perguntar e ao mesmo tempo não. Não<br />
quando ele quase me ordenou, mas minha curiosidade venceu. — O que<br />
aconteceu com você?<br />
Growl empurrou outro pedaço de pizza em sua boca e mastigou<br />
lentamente. Ele engoliu em seco, depois olhou para mim. — Alguém me<br />
queria morto, cortou minha garganta — ele respondeu, os olhos vazios.<br />
— Mas eu sobrevivi.<br />
Eu o encarei. Essa não foi uma resposta, pelo menos não uma<br />
que me permitiu descobrir mais sobre Growl. Era genérica e sem<br />
emoção, mas me mostrou algo. Que eu tinha encontrado um tópico que<br />
Growl estava desconfortável.<br />
~ 88 ~
Ele balançou a cabeça em direção à minha pizza intocada. — Ou<br />
você come ou eu vou dar para os cães.<br />
Eu estava com muita fome para dar a pizza para os cães e então<br />
comecei a comer.<br />
Depois, Growl saiu novamente para trabalhar, e eu decidi me<br />
esconder no meu quarto. Eu não queria arriscar algo como da última<br />
vez. Mas eu não conseguia me conter por muito tempo e olhei pela<br />
janela para o quintal. Growl estava coberto de suor quando ele<br />
empurrou dois gigantescos pesos sobre sua cabeça, o rosto retorcido<br />
com tensão.<br />
Deixei escapar um suspiro e rapidamente me deitei na cama. Se<br />
eu o observasse por um momento, eu só queria me tocar novamente.<br />
~ 89 ~
Capítulo doze<br />
GROWL<br />
Growl sabia que ela estava olhando para ele de seu quarto. Ele a<br />
vira pela janela. Isso estava consumindo seu controle. Não conseguia<br />
mais pensar em nada além de seu corpo.<br />
Growl voltou para a casa depois de uma hora de treino intenso,<br />
mas ele ainda não sentia que isso o tinha acalmado. Foi até o banheiro<br />
e pegou uma toalha para limpar o suor.<br />
Um som chamou sua atenção. Aproximou-se do quarto de Cara. O<br />
barulho estava vindo de dentro. Parecia que ela estava gemendo.<br />
Growl baixou a toalha lentamente, sua virilha apertando. Ele se<br />
aproximou e colocou sua orelha na porta. Mais uma vez, ouviu um<br />
gemido, baixo e prolongado. Rosnando fechou os olhos. Ela estava se<br />
tocando por causa dele. Ele não tinha dúvidas sobre isso.<br />
Porra. Podia sentir-se endurecendo com a mera ideia do que<br />
estava acontecendo atrás daquela porta fechada.<br />
Por que ele ainda estava parado aqui? Ele agarrou a maçaneta e<br />
abriu a porta. Ele se certificou de ser o mais silencioso possível. Ele não<br />
queria que ela o notasse imediatamente. Ele olhou para dentro, e não<br />
podia acreditar em seus olhos. Ela nem estava acordada. Seus olhos<br />
estavam fechados e sua respiração muito baixa. Ele entrou e viu uma<br />
de suas mãos mover-se entre suas pernas.<br />
Seus lábios estavam ligeiramente separados e outro gemido<br />
escorregou para fora. Growl deixou cair a toalha e aproximou-se da<br />
cama. Porra, ele não era um bom homem, e ela estava fazendo isso<br />
difícil para ele. Ele podia praticamente cheirar sua excitação, ou sua<br />
mente já estava começando a enganá-lo.<br />
Growl empoleirou na cama, com cuidado para não acordá-la. Mas<br />
ele não precisava se preocupar. Ela estava perdida em seu sonho. Ela se<br />
~ 90 ~
contorceu, então abriu as pernas sob o cobertor. Growl sufocou um<br />
gemido ao ver. Ele pegou a borda do cobertor e lentamente puxou até os<br />
joelhos. Ela estava usando uma camisola que tinha subido até seus<br />
quadris, deixando sua vagina nua para ele. Ele respirou fundo enquanto<br />
observava um de seus dedos delgados deslizar lentamente sobre seus<br />
lábios inferiores. Foi a primeira vez que ele viu sua vagina. Ela não<br />
estava bem barbeada como a puta que ele tinha no passado. Ela estava<br />
aparada, mas os cabelos castanhos macios cobriam sua montanha. Seu<br />
pau estava tão duro, Growl ficou surpreso por não ter explodido ainda.<br />
Talvez esta fosse a primeira vez que Growl viesse em suas calças. Ela<br />
choramingou novamente, necessitada, mas seu próprio toque não<br />
parecia levá-la mais longe. Growl podia dizer que seu toque não era<br />
praticado. Droga. Ele estava cansado de resistir quando era tão óbvio<br />
que ela o queria tanto quanto ele a queria.<br />
Ele se inclinou sobre ela, deixando que seu cheiro inundasse seu<br />
nariz. Ele deu uma longa lambida sobre seus lábios inchados, e seu<br />
gosto era tão doce, isso o deixou louco. Ela estremeceu e gemeu alto.<br />
Growl não aguentou mais. Afastou a mão dela e deslizou a língua entre<br />
os lábios. Ele lambeu seu buraco apertado e lentamente viajou até a<br />
pequena protuberância no topo. Ela gemeu e depois ficou tensa. Ela<br />
estava acordada, mas Growl estava decidido a não deixar que sua<br />
mente tirasse o melhor dela. Ele puxou o clitóris em sua boca, e sugou<br />
em um ritmo suave.<br />
Ela inalou bruscamente. A tensão em seu corpo permaneceu, mas<br />
ela não o afastou nem disse nada. Ela estava em conflito, ele podia<br />
dizer. Growl usou todas as suas habilidades para convencê-la. Ele<br />
deixou seu clitóris escorregar lentamente para fora de seus lábios e<br />
começou a desenhar círculos suaves antes de lamber seu caminho de<br />
volta para o seu canal estreito novamente.<br />
— Nós não podemos fazer isso, — ela disse trêmula, mas não<br />
havia quase nenhuma convicção em sua voz, e isso era tudo o que ele<br />
precisava. Ele a lambeu mais forte, mergulhou sua língua dentro dela,<br />
então sugou seu clitóris novamente. Ela gritou, e assim já gozou,<br />
inundando sua boca com sua doçura. Ele não parou. Esta tinha sido<br />
apenas a primeira batalha. Ele continuou lambendo, depois a fodeu<br />
com a língua novamente. Ele não lhe deu tempo para se recuperar. Ele<br />
deslizou um dedo nela. Ela estava tão molhada, que não foi encontrado<br />
quase nenhuma resistência.<br />
~ 91 ~
Seu pau estava quase cru de esfregar contra suas calças, mas ele<br />
precisava de mais tempo para ela. Ele precisava prepará-la para o que<br />
estava por vir. Dessa vez ele não iria parar.<br />
CARA<br />
Eu mal podia respirar. Meu corpo estava queimando, meu pulso<br />
acelerado. Tudo parecia tão incrivelmente intenso. Growl estava<br />
praticamente enterrado no meu colo, lambendo e beijando e chupando.<br />
Eu estava tão perto do meu segundo orgasmo. Sua mão serpenteou sob<br />
minha camisola até meu peito. Seus dedos fecharam em torno do meu<br />
mamilo e torceu, e assim outra onda caiu sobre mim, ainda mais difícil<br />
do que antes. O que estava acontecendo? Eu não conseguia entender<br />
um pensamento claro.<br />
Eu mal notei ele sair de suas roupas e só percebi o que iria<br />
acontecer quando ele se agachou sobre mim. Eu não estava pronta para<br />
isso, nunca estaria. Eu precisava detê-lo, precisava acabar com isso<br />
antes que fosse tarde demais.<br />
Ele subiu entre minhas pernas, separando-as. Seus olhos<br />
seguraram os meus. Eu não conseguia me mover, não podia dizer ou<br />
fazer nada. Eu temi esse momento desde quando Falcone me dera para<br />
Growl e agora estava acontecendo, mas tão diferente de como eu tinha<br />
imaginado.<br />
E então ele começou a empurrar, e eu me agarrei a ele com força,<br />
meus dedos escavando a pele cheia de tatuagens de seus braços. Ele<br />
estava me despedaçando. Ele não hesitou, não parou. Mas ele observou<br />
meu rosto. Deixando-me nua de tantas maneiras com seu olhar. Não<br />
era suficiente que eu estivesse deitada nua sob ele? Ele tinha que tirar<br />
as alas sobre a minha alma, ele tinha que me fazer sentir ainda mais<br />
vulnerável do que eu já tinha? Eu engasguei. Isso machucava. De<br />
muitas maneiras. Era assim que perder-se a si próprio parecia?<br />
Meu corpo rendeu, e ainda assim eu estava me despedaçando.<br />
Não fisicamente, embora eu desejasse que meu tumulto interior se<br />
manifestasse de forma física. A dor não era suficiente. Não esta dor, não<br />
quando se misturava com sugestões de prazer. Eu queria abaixar<br />
minhas pálpebras, queria esconder o mundo ao redor e o homem acima<br />
~ 92 ~
de mim, mas eu mantive meus olhos abertos, continuava olhando para<br />
aquele rosto impressionante do meu captor, meu dono, e agora amante.<br />
O ódio deveria estar na vanguarda da minha mente, mas não estava.<br />
Ainda estava lá, ainda forte, mas estava lutando com outras emoções.<br />
Emoções que eu não queria sentir. Compaixão e compreensão.<br />
Agradecimento por sua quase bondade e até mesmo sugestões de<br />
piedade.<br />
Com cada impulso, Growl parecia arrancar um pedaço de mim.<br />
Eu não estava apenas perdendo minha inocência, eu parecia estar<br />
perdendo partes de mim, do que me tinha feito.<br />
Então pare-o. Faça isso, enquanto ainda reste algo de você. Minhas<br />
unhas enterraram mais profundamente nos braços de Growl e ele<br />
grunhiu, os olhos brilhando de prazer. Ele estava gostando. E, por sua<br />
vez, meu próprio corpo zumbiu de prazer. Ele nunca desacelerou, nunca<br />
desviou os olhos de mim. Seu peito musculoso reluzia de suor. A dor<br />
deu lugar a algo mais quente, algo que emocionou meu corpo mais do<br />
que qualquer picada poderia. Eu levantei meus dedos até os ombros de<br />
Growl, arranhando, deixando um caminho vermelho no meu caminho, e<br />
saboreando nele, e nas gotas de sangue que pontilhavam o ponto onde<br />
eu me agarrei a ele.<br />
Growl começou a tremer e soltou um gemido antes de cair no<br />
colchão ao meu lado.<br />
Lâminas vermelhas em forma de meia-lua espalhavam sobre seus<br />
braços, prova do que tinha acontecido. Não prova de luta, de<br />
resistência, de briga. Não prova do que deveria ter sido. Eu não<br />
conseguia tirar consolo dessas marcas. Elas não eram sinais de minha<br />
falta de vontade, de uma luta corajosa contra a tomada de Growl de<br />
mim. Não, eu o deixei me conquistar, até mesmo o tinha saboreado. O<br />
que estava errado comigo? Como eu pude deixar isso acontecer?<br />
Eu só podia imaginar o que Trish e Anastasia diriam se me<br />
vissem agora. Eles ficariam chocados e revoltados, e eles falariam sobre<br />
isso por dias. Mas isso não importava, não mais.<br />
Mas Mãe e Talia sim. E elas me julgariam tão bem se soubessem.<br />
Como não poderiam? Como poderia alguém não me condenar por o que<br />
eu tinha permitido que Growl fizesse?<br />
Era assim que perder-se a si próprio parecia? — Essa pergunta<br />
ainda assombrava em torno do meu cérebro, mas agora uma outra<br />
pergunta tinha sido adicionada à mistura, uma pergunta que me<br />
assustava ainda mais. — Como você pode perder-se a si mesma se você<br />
~ 93 ~
nunca teve a chance de se encontrar? — Eu empurrei o pensamento<br />
para longe, banindo a miríade de pensamentos aglomerando-se no<br />
cérebro. Eu não poderia levá-los mais. Growl estava ofegante ao meu<br />
lado. Seu rosto parecia relaxado, em branco, mais do que nunca, como<br />
se através do ato carnal de sexo, ele conseguira se libertar, conseguisse<br />
banir qualquer demônio que o assombrasse.<br />
Esta não seria a última vez. E eu não fiquei horrorizada com a<br />
ideia. Apesar do estado dolorido e até da dor que latejava entre minhas<br />
pernas, eu queria de novo. Eu admiti para mim mesma esse momento<br />
de realização. O dano já foi feito. Eu não tinha mais nada a perder.<br />
Growl sentou-se e balançou as pernas sobre a borda da cama. Eu<br />
me empurrei em uma posição sentada também. Ele já estava saindo<br />
depois do que acabamos de fazer?<br />
Growl olhou para mim por cima do ombro, e agora seu olhar em<br />
minha pele nua não fazia meu corpo zumbir de prazer e triunfo. Eu<br />
segurei os cobertores sobre meu peito, agarrando-se ao tecido rápido<br />
como eu tinha agarrado os braços fortes de Growl poucos minutos<br />
antes. Eu não dei voz às minhas perguntas, não queria soar<br />
desesperada e necessitada, especialmente quando ele era a última<br />
pessoa que eu deveria precisar. Por um momento nós dois parecíamos<br />
estar congelados, mas então eu desviei meus olhos sob o poder da<br />
minha própria vergonha e Growl levantou-se. Do canto do olho, eu o vi<br />
reunir suas roupas do chão, mas ele não se incomodou em se vestir. Em<br />
vez disso, ele saiu e começou a fechar a porta, mas parou.<br />
— Há algo para a dor no banheiro. — Ele parou e eu esperei por<br />
ele dizer algo mais, mas então ele apenas fechou a porta. Esperei que<br />
seus passos desaparecessem antes de me libertar dos cobertores e<br />
rapidamente saí da cama. Eu não podia suportar estar nela agora.<br />
Estava úmido com nosso suor, e cheirava a sexo. Olhei para o branco<br />
dos lençóis. Ao ver o pequeno ponto rosa, soltei um suspiro trêmulo. A<br />
traição veio em tantas maneiras e formas. Às vezes era um ato<br />
proposital, e às vezes era algo que você deixava acontecer.<br />
~ 94 ~
GROWL<br />
Ele tomou vários goles longos de água gelada. Até agora seu corpo<br />
parecia ferver de luxúria. Seu orgasmo não tinha diminuído nem um<br />
pouco seu desejo por Cara. Não porque o sexo não tinha sido<br />
satisfatório, embora isso fosse verdade também. Ele tinha tido orgasmos<br />
mais fortes, tinha tido sexo melhor, mas o que tinha acontecido entre<br />
ele e Cara tinha sido a coisa mais intensa que ele já tinha<br />
experimentado. Não fazia sentido.<br />
Ela não era alguém que pudesse saciar sua fome, e ela não era<br />
alguém que ele normalmente escolhia para seu desejo, e mesmo assim<br />
neste segundo de merda ele não podia imaginar estar com outra<br />
mulher. Ele queria Cara, queria ver se conseguiria tirá-la de sua<br />
concha, torná-la mais adiante e exigente. Ele queria liberta-la de sua<br />
fome. Ela tentou esconder isso, mas naquela noite ele tinha visto e ele<br />
queria mais.<br />
Antes de Cara, ele estava satisfeito com o que tinha, com as<br />
cartas que recebera, mas ela o fez querer mais e isso não era<br />
exatamente seguro em seu mundo.<br />
O que ela estava fazendo com ele?<br />
A porta de Cara se abriu e fechou. Silenciosamente. Ela não<br />
queria que ele ouvisse tantas vezes quando ela se arrastou pela casa.<br />
Mas se sua vida lhe tivesse ensinado alguma coisa, era vigilância. Não<br />
havia um som que passasse por sua audição. Seus passos eram<br />
cuidadosos e depois pararam e outra porta se abriu e fechou. Growl<br />
tomou outro gole de água e estava prestes a colocá-lo de volta na<br />
geladeira e ir para a cama, mas então o chuveiro saltou para a vida. Ela<br />
estava tomando banho. Ele nunca tomou banho logo após o sexo. Ele<br />
gostava do cheiro dele, e da sensação pegajosa. Ele gostava de ser<br />
lembrado do que ele tinha feito. Mas as mulheres sempre gostam de<br />
coisas limpas, pelo menos mulheres como Cara. As putas com as quais<br />
ele normalmente lidava, também tomavam banho, é claro, mas isso era<br />
por razões práticas. Elas não podiam sair andando fedendo sexo de seu<br />
último cliente quando seu próximo aparecesse.<br />
Growl ficou tenso. Outro ruído perturbou o movimento monótono<br />
de água. Soluços. Afastou-se do balcão da cozinha e entrou no corredor<br />
e parou em frente à porta do banheiro. O soluço era um som baixo,<br />
destinado a ser afogado pelo chuveiro. Não era para ele. Cara estava<br />
chorando.<br />
~ 95 ~
Growl estendeu a mão para a maçaneta da porta, seus dedos<br />
apertando o metal frio até que seus ossos doeram da pressão. Ele soltou<br />
e deu um passo atrás. Por que ela estava chorando?<br />
A raiva surgiu através dele, queimando mais quente do que sua<br />
luxúria. Ele girou sobre o calcanhar e se afastou do som de suas<br />
lágrimas e não parou até que ele estava lá fora na varanda. Ambos os<br />
cães o seguiram e agora o observavam com olhos curiosos.<br />
Growl enrolou as mãos nos punhos e olhou para o céu noturno.<br />
Ele nunca encontrara a visão calmante ou mesmo inspiradora. Para<br />
Growl sempre tinha sido muito vasto, muito incerto. Algo que ele não<br />
podia controlar ou compreender, nem mesmo começar.<br />
Cara, ela, também, era como o céu noturno. Tão linda, não havia<br />
dúvida sobre isso.<br />
Ele podia controlá-la, pelo menos fisicamente, mas o que se<br />
passava por trás daquele rosto perfeito, era que estava completamente<br />
fora de seu alcance. Seu cérebro funcionava de maneiras que ele nunca<br />
seria capaz de entender. Ele gostava de coisas simples. Descomplicadas.<br />
Ela era qualquer coisa menos isso. Compreendendo-a, isso que ele<br />
nunca faria.<br />
Seus olhos encontraram a porta. Se ele entrasse agora, ela ainda<br />
estaria chorando?<br />
— Porra — ele rosnou e chutou o chão. Ambos Coco e Bandit<br />
saltaram para trás e o observaram cautelosamente. Raiva era algo que<br />
ele estava familiarizado, algo que ele mesmo achava consolador. Mas<br />
hoje à noite isso não o fazia se sentir melhor. Ele estava com raiva dela,<br />
mas ele não podia soltar sua fúria sobre ela. Não, ele podia, mas ele não<br />
queria. E isso piorava as coisas.<br />
Ela se divertiu sozinha. Ele a vira se divertir. Seu corpo tinha<br />
respondido a ele. Ela gemeu, entregou-se ao prazer. E agora ela estava<br />
chorando.<br />
Ele também estava bravo com ele. Ele não deveria dar uma merda<br />
sobre seus sentimentos. Ele tinha ouvido as pessoas chorando antes,<br />
ouvido eles implorando e gritando de terror. O que era uma mulher<br />
chorando? Nada. Mas isso não diminuiu sua raiva. Ele chutou o chão<br />
novamente. Coco se escondeu atrás das cadeiras e Bandit se afastou<br />
ainda mais longe dele.<br />
~ 96 ~
Ele ficou de joelhos e fez um barulho reconfortante. Seus<br />
cachorros nunca tiveram medo dele. Depois de um momento de<br />
hesitação, primeiro Coco e, em seguida, Bandit aproximaram-se dele e<br />
apertaram-lhe o corpo. Ele os acariciou por um longo tempo e,<br />
finalmente, parte do fogo debaixo de sua pele desapareceu. É por isso<br />
que ele preferia a companhia de cães. Eles não eram complicados. Eles<br />
mostravam o que eles estavam sentindo.<br />
Ele se levantou e voltou para a casa. Ele não permitiria que nada<br />
ou alguém o expulsasse de sua própria casa. Coco e Bandit o seguiram<br />
de perto. Growl fechou a porta do terraço e depois ouviu. O chuveiro<br />
não estava mais ligado. Ele esperou mais um momento, mas ficou em<br />
silêncio. Nenhum soluço, nada. Coco saiu de seu lado e trotou em<br />
direção à porta de Cara, cheirando antes de se sentar. Growl suspirou.<br />
Especialmente Coco tinha se afeiçoado a Cara, mas mesmo Bandit, que<br />
nunca gostou de ninguém, parecia gostar da presença da mulher.<br />
Growl seguiu em direção a Coco e escutou ainda mais de perto,<br />
mas o silêncio reinava atrás da porta. Ele agarrou a maçaneta, e antes<br />
que ele pudesse parar, empurrou para baixo e abriu a porta. Seus olhos<br />
encontraram a cama onde Cara estava encolhida, suas pernas<br />
apertadas contra seu peito. Seu rosto estava afastado dele, e se ele fosse<br />
honesto consigo mesmo, ele estava agradecido por esse fato. Ele não<br />
queria ver seu rosto molhado com lágrimas. Sua respiração era<br />
uniforme, e ela não tinha ficado tensa quando a luz se acendeu. Ela<br />
estava realmente dormindo.<br />
Isso não o fez se sentir melhor. Ele não devia ter sentido nada à<br />
vista.<br />
~ 97 ~
Capítulo treze<br />
CARA<br />
Eu considerei ficar no meu quarto, mas então eu decidi que seria<br />
estúpido fazer isso. Eu me odiava pelo que acontecera na noite passada,<br />
mas talvez eu pudesse usar isso para minha vantagem. Eu queria ficar<br />
no lado bom do Growl, então ele iria ajudar a mim e a minha família.<br />
Dormir com ele talvez fosse o primeiro passo na direção certa, por mais<br />
louco que isso fosse.<br />
Quando entrei na cozinha, Growl não estava lá, mas a porta do<br />
pátio estava aberta. Eu saí para encontrar Growl sentado em uma das<br />
cadeiras olhando para o céu. Seus olhos se voltaram para mim, e<br />
minhas bochechas se aqueceram, mas eu lhe devolvi o olhar.<br />
Havia um piscar de surpresa em seu rosto quando me aproximei<br />
dele. Eu me afundei na cadeira em frente a ele, estremecendo<br />
ligeiramente.<br />
— Você está bem? — Ele resmungou, as sobrancelhas juntas.<br />
Eu balancei a cabeça. — Estou bem, — eu disse. Eu não queria<br />
discutir minha dor com Growl.<br />
— Há café para você lá dentro — disse Growl. Então ele se<br />
levantou e eu pensei que ele queria me evitar, mas ele voltou alguns<br />
minutos depois com uma xícara de café. Ele colocou muito leite no café,<br />
mas eu estava feliz por sua consideração. Eu tomei um gole, então fiz<br />
uma pergunta que estava me incomodando por um tempo.<br />
— Qual é o seu verdadeiro nome? Growl foi o nome dado a você<br />
depois dessa coisa com suas cordas vocais.<br />
— Foi? — perguntou ele calmamente.<br />
Eu fiz uma careta. De repente insegura, mas ninguém se chamava<br />
Growl ao nascer. — Sim, por causa de como sua voz soa.<br />
~ 98 ~
— Growl, — ele repetiu e ouvi-lo dizer o nome, se encaixou ainda<br />
melhor.<br />
— Qual era o seu nome verdadeiro?<br />
— O que isso importa?<br />
— Eu só quero saber, — eu disse calmamente.<br />
Ele olhou para fora novamente, como se estivesse perdido no<br />
passado. — Eu tenho sido chamado de Growl por um longo tempo. Esse<br />
outro nome, não importa mais.<br />
você.<br />
— Por que você diz isso? É o nome que sua mãe escolheu para<br />
— Mas o menino que recebeu esse nome não existe mais. Ele foi<br />
apagado para sempre.<br />
— Então você não se importa que as pessoas te chamem de<br />
Growl? Não é frustrante ser reduzido a essa pequena parte de você?<br />
— Growl é um nome que assusta as pessoas. É o nome que me<br />
encaixa agora. É um nome que tem poder e significado porque eu<br />
trabalhei duro.<br />
— Mas seu antigo nome não é melhor do que um nome que<br />
lembra todos os dias do que aconteceu com você? — Eu queria<br />
perguntar a ele sobre os eventos, mas ele já estava tenso e eu tinha a<br />
sensação de que ele não estaria aberto a dar mais informações se eu<br />
perguntasse a ele agora.<br />
— Eu não preciso de um lembrete. Eu nunca vou esquecer. Está<br />
aqui — ele apontou para a cicatriz em sua garganta, — E aqui —<br />
acrescentou, apontando para sua testa.<br />
Só conseguia imaginar que tipo de imagens o assombravam à<br />
noite. Talvez por isso ele pudesse lidar com suas próprias ações com<br />
tanta facilidade, porque os horrores de seu passado ocultavam qualquer<br />
outra coisa.<br />
* * *<br />
Ele parecia ansioso quando voltou naquela noite. Eu baixei o meu<br />
livro. Era o terceiro que eu tinha terminado até agora. Growl<br />
~ 99 ~
imediatamente se juntou a mim na sala de estar, mas ele não se sentou<br />
e ficou na porta em vez disso. Sempre cauteloso para não chegar muito<br />
perto, exceto quando éramos íntimos.<br />
— Tenho notícias — disse ele calmamente. — Falcone tomou<br />
algumas bebidas hoje e isso sempre o faz falar. Ele me contou mais<br />
sobre sua irmã. Ela está escondida em uma das propriedades dele.<br />
— Ele não disse onde? E por que ele a está escondendo? O que ele<br />
quer com ela? E se eles a estão machucando? — Eu apertei meus<br />
joelhos, a mera ideia da minha irmã estar machucada de alguma forma<br />
me rasgou.<br />
Growl se aproximou, obviamente incomodado com a minha<br />
aflição. — Eu duvido muito. Sua irmã é muito valiosa como alavanca<br />
para machucá-la. Isso não quer dizer que Falcone não vai fazer isso se<br />
ele ver isso como benéfico para seu objetivo.<br />
— Eu não entendo. Que objetivos? O que isso significa?<br />
— Falcone precisa controlar a sua mãe. E ele a está ameaçando<br />
com o que ela fez com Talia. Dê a ela alguém que a machucaria. Sua<br />
mãe não está em um bom estado mental agora. Aparentemente ela se<br />
sente culpada por causa do que aconteceu com você e faria qualquer<br />
coisa para proteger pelo menos sua irmã quando ela não pode te<br />
proteger.<br />
— Não é culpa dela.<br />
Growl sorriu de forma torcida. Talvez porque falássemos dele<br />
como se ele fosse uma maldição, mas para ser honesta, foi exatamente<br />
por isso que Falcone me deu a ele, porque todo mundo temia Growl.<br />
— O que eu não entendo é como minha mãe poderia ser útil a<br />
Falcone de qualquer maneira. Ela nunca esteve envolvida nos negócios<br />
do pai. Ela sempre foi apenas uma dona de casa. A única coisa que ela<br />
sabe é como organizar um jantar e onde comprar os melhores sapatos.<br />
Eu me encolhi com o quão horrível isso parecia, mas era a<br />
verdade. Eu não podia ver como Falcone poderia usar qualquer uma<br />
dessas coisas.<br />
— Sua mãe não precisa saber nada sobre negócios. Seu sangue é<br />
o que importa.<br />
Eu congelo. — O que você quer dizer?<br />
~ 100 ~
Growl procurou meu rosto como se ele não pudesse acreditar que<br />
eu não soubesse. — Sua mãe não é de Las Vegas. Ela nasceu em Nova<br />
York, mas fugiu com seu pai.<br />
Eu suspeitava que a mãe tivesse fugido com o pai. Ela sugeriu<br />
algo assim. Mas em Nova York? Pensei nas poucas vezes em que<br />
conversei sobre Nova York com minha mãe. Ela sempre evitava o<br />
assunto. Eu nunca tinha pensado muito, mas tudo fazia sentido agora.<br />
No entanto, ainda não explicava por que isso a tornava um trunfo para<br />
Falcone.<br />
Olhei para Growl, mais confusa do que nunca.<br />
— Sabe quem é Salvatore Vitiello? — perguntou ele, pousando no<br />
apoio de braço do sofá. A coisa rangeu sob seu peso.<br />
Salvatore Vitiello? Todo mundo conhecia aquele homem. Mesmo<br />
as pessoas que não tinham nada a ver com a máfia, sabiam quem ele<br />
era. Sua morte tinha estado em todos os jornais. — Claro. Ele era o<br />
chefe da Família de Nova York. Mas ele está morto agora.<br />
Growl assentiu. — Ele está. E sua mãe é a irmã dele.<br />
Meus olhos se arregalaram de surpresa. — Minha mãe está ligada<br />
ao chefe da Família de Nova York?<br />
— Está. Suponho que ela e seu irmão nunca se deram muito bem,<br />
essa foi outra razão pela qual ela deixou Nova York.<br />
— Ok, mas por que Falcone se importaria se minha mãe fosse<br />
parente de Salvatore Vitiello?<br />
— Porque isso significa que ela é a tia do atual chefe da Família, e<br />
isso a torna a pessoa perfeita para fazer contato com eles.<br />
— Eu pensei que Las Vegas não queria nada com Nova York. Eles<br />
se odeiam. Foi o que meu pai sempre disse.<br />
— Isso é verdade — concordou Growl. — Falcone quer a Família<br />
morta, e a Chicago Outfit também. Mas seu poder está diminuindo. Os<br />
russos ficaram muito fortes em Las Vegas. E agora que Chicago e Nova<br />
York estão trabalhando juntos, Falcone teme que os russos perderão o<br />
interesse nessas cidades e vão concentrar toda a sua energia em<br />
assumir o controle sobre Las Vegas. Se Falcone quiser manter sua<br />
cidade, ele precisa do apoio das outras famílias. E isso não será fácil.<br />
Ele fez muitos inimigos ao longo dos anos.<br />
~ 101 ~
Eu bufei. — Eu não estou surpresa. Ele é um bastardo sádico, e<br />
nunca se importava em trabalhar com ninguém. Por que os Vitiellos<br />
deveriam considerar ajudar a Camorra?<br />
— Por causa de sua mãe. Ao que parece, Luca Vitiello é muito<br />
voltado a família. Ou pelo menos desde que se casou com Aria. Se sua<br />
mãe, como sua tia, entrar em contato com ele e pedir ajuda, as chances<br />
de Falcone são muito melhores do que sem ela.<br />
— Por que Falcone não pediu a minha mãe antes? Porque agora?<br />
— Falcone tem tentado resolver as coisas por conta própria, como<br />
sempre fez, mas agora que até seu pai o traiu com a ajuda da Bravta,<br />
até mesmo Falcone percebeu que precisa fazer alguma coisa logo ou Las<br />
Vegas está perdida.<br />
— Eu digo que os Bratva tomem a cidade. Eles não podem ser<br />
pior do que os Falcone. A cidade ficará melhor sem o bastardo.<br />
— Talvez — disse Growl encolhendo os ombros. — Mas essa é a<br />
sua resposta. E enquanto Falcone espera o apoio de Nova York e<br />
enquanto sua mãe fizer como ele diz, sua irmã e ela estarão seguras.<br />
— Mas e se Nova York se recusasse a ajudar Falcone?<br />
— Então Falcone provavelmente ameaçará matar sua mãe e sua<br />
irmã. Isso poderia fazer Luca Vitiello mudar de ideia. Embora eu duvide<br />
que arrisque Nova York por uma tia que ele não conhecia, apenas<br />
porque Falcone ameaça matá-la. Luca tem quase tanto sangue em suas<br />
mãos como eu. Ele pode tomar decisões difíceis.<br />
— Mas se isso acontecer, minha mãe e minha irmã morrerão!<br />
— É uma possibilidade.<br />
— E mesmo se Luca concordar em ajudar, Falcone manterá<br />
minha mãe como prisioneira e minha irmã como alavanca. Elas não<br />
estarão melhor do que eu.<br />
O rosto de Growl apertou, mas ele concordou com a cabeça. — A<br />
única chance delas é escapar de Las Vegas. Se elas forem para Nova<br />
York, Luca provavelmente aceitar em protegê-las. A esposa dele vai<br />
certamente convencê-lo.<br />
Nova York. Essa era a solução para tudo.<br />
— Quando posso ver minha mãe? Quero falar com ela para ter<br />
certeza de que ela está bem.<br />
~ 102 ~
Growl ergueu as sobrancelhas. — Você acha que eu menti para<br />
você? Ela está bem, considerando tudo, acredite em mim.<br />
— Sim, — eu disse. — Mas eu preciso vê-la. Por favor.<br />
Growl suspirou. — Não é tão fácil. Falcone mantém um olhar<br />
atento sobre ela. Ele não ficará feliz com isso.<br />
— Tem que haver um jeito, — eu disse implorando.<br />
Growl suspirou. — Eu nem mesmo sei por que eu estou dizendo<br />
tudo isso. Isso poderia ser traição. Estou trabalhando para Falcone.<br />
— Ou talvez ele achou que você me diria e ele espera que isso me<br />
faça ficar fácil de ser controlada. Ele não pode acreditar que você não<br />
mencionará nada a mim, — eu disse. Ele parecia duvidoso. Ele estava<br />
escorregando novamente. Eu não sabia como ligá-lo a mim. A única vez<br />
que baixou a guarda foi quando tínhamos feito sexo.<br />
Eu me aproximei um pouco mais perto dele, mas eu nunca tive<br />
que usar meu corpo para conseguir o que eu queria. Eu poderia dizer<br />
que Growl não tinha parado de admirar meu corpo desde o momento<br />
em que ele entrou. Ele ainda me queria, então na noite passada não<br />
tinha sido suficiente. Se eu soubesse como seduzi-lo. Eu não tinha<br />
certeza do que fazer. Meu corpo definitivamente já estava imaginando<br />
como seria sentir seu toque novamente. Eu tentei não deixar os<br />
pensamentos do que era certo ou errado arruinar isso para mim. Mas<br />
sempre me ensinaram a agir como uma moça. Seduzir alguém não era<br />
algo que minha mãe teria tolerado. Eu vacilei, meus olhos rastreando os<br />
músculos de Growl visíveis através de sua camiseta fina e suas coxas<br />
fortes. Minha barriga encheu de calor pela visão. Eu já tinha dormido<br />
com ele. Isso era fácil agora, eu tentei me dizer.<br />
Growl deve ter visto algo na minha expressão, porque ele soltou<br />
um gemido baixo e me puxou para ele, alegando a minha boca para um<br />
beijo. Quando ele se afastou, ele murmurou: — Você sabe o que está<br />
fazendo?<br />
~ 103 ~
Capítulo catorze<br />
CARA<br />
Eu sabia que estava fazendo? Deus, não, eu não sabia. A única<br />
coisa de que eu tinha certeza era o que meu corpo o queria, o desejava<br />
desde o primeiro momento em que nos vimos, e agora eu podia<br />
justificar meu desejo com outra coisa. Ele era minha única chance de<br />
conseguir o que eu queria e se isso exigisse usar meu corpo para obtêlo,<br />
eu estava disposta a fazê-lo. Ele me beijou novamente, mais forte<br />
desta vez e começou a rasgar a minha camisa. Eu queria protestar, mas<br />
antes que eu pudesse, ele já tinha rasgado, me deixando só de sutiã. E<br />
então isso também se foi e ele chupou meu mamilo em sua boca. Eu<br />
gritei de surpresa e luxúria, e mal tive tempo de recuperar o fôlego<br />
quando Growl cambaleou em seus pés. Fiquei confusa. Ele estava indo<br />
embora? Eu tinha feito algo errado? Eu pensei que ele me queria mais<br />
do que eu o queria.<br />
Olhei para ele, sentindo uma vergonha tomar conta de mim, mas<br />
então eu o vi tateando seu cinto e empurrando suas calças para baixo.<br />
Seu pênis saltou pra fora, já grande e brilhando na ponta. Um calor se<br />
espalhou entre minhas pernas só de olhar, apesar da dor que eu ainda<br />
estava sentindo.<br />
Com seu pênis de pé, em alerta, ele se aproximou. Estava no nível<br />
dos meus olhos e eu finalmente tive uma ideia do que ele tinha em<br />
mente. Os nervos vibravam em meu estômago. Eu não tinha certeza se<br />
eu poderia fazer isso, e se eu gostaria. Growl não me deu muito tempo<br />
para ter dúvidas. Ele parou bem na minha frente, seu pênis apenas<br />
alguns centímetros do meu rosto. Ele cheirava limpo e parte de mim me<br />
perguntava como ele gostaria. Growl tinha aparentemente apreciado o<br />
que ele tinha feito para mim ontem, especialmente o meu gosto. Olhei<br />
para ele novamente.<br />
Sua mão raspou meu cabelo e veio descansar na parte de trás da<br />
minha cabeça. Ele me empurrou para a frente levemente até que meus<br />
lábios roçaram a ponta. Isso era errado, não era? Growl não via nada<br />
~ 104 ~
em mim senão uma coisa para lhe dar prazer. Por um instante meus<br />
instintos me disseram para travar a mandíbula, mas então deixei que<br />
ele deslizasse em minha boca. Ele era um pouco salgado, mas não de<br />
forma ruim.<br />
A luxúria brilhava em seus olhos.<br />
Meu próprio corpo corou de alegria, e uma nova onda de calor se<br />
acumulou entre minhas pernas. Eu não deveria querer, não deveria<br />
gostar disso. Isso estava errado em tantos níveis, mas quando os<br />
movimentos de Growl se tornaram mais duros, quando seu<br />
comprimento deslizou dentro e fora da minha boca mais rápido, minhas<br />
mãos agarraram sua bunda aparentemente por sua própria vontade.<br />
Seus músculos se dobraram sob meus dedos, duros e implacáveis.<br />
Seus empurrões se tornaram espasmódicos e então ele me soltou<br />
com um gemido baixo. Eu tive dificuldade em engolir em torno dele,<br />
mas ele não parou de empurrar em mim. Ele diminuiu gradualmente,<br />
ainda tremendo. Seus olhos encontraram os meus e eu tremi. Eu tentei<br />
puxar para trás, mas suas mãos me mantiveram no lugar. Depois de<br />
um momento, ele deslizou seu comprimento para fora da minha boca<br />
centímetro por centímetro. Ainda estava duro, mas menos do que antes.<br />
Ele deu um passo para trás e meu rosto tornou-se insuportavelmente<br />
quente quando a vergonha tomou conta de mim pelo o que ele tinha me<br />
feito fazer, no que eu tinha feito, e tinha até gostado de fazer. Deus. Se<br />
minha mãe soubesse. Se alguém soubesse. Eu sabia o que Trish e<br />
Anastasia diriam sobre mim. Elas me chamam de uma puta suja.<br />
Minhas emoções conflituosas me fizeram sentir como se tivesse uma<br />
dupla personalidade.<br />
De repente o gosto dele me fez sentir suja. Eu mal conseguia<br />
parar de cuspir no chão. Mãos ásperas puxaram-me para os meus pés e<br />
enrubesci contra seu corpo. Antes que eu tivesse uma chance de reagir,<br />
ele enfiou a língua na minha boca, provando-me, saboreando a si<br />
mesmo.<br />
Meus joelhos ficaram fracos enquanto ele explorava minha boca.<br />
Ele não se importava em sentir seu próprio gosto? Pensei que os homens<br />
achavam isso nojento. Ele sugou meu lábio inferior em sua boca, então<br />
o soltou com um estalo. — Sua boca fica com um gosto perfeito com a<br />
minha porra nela, — ele rosnou.<br />
O constrangimento me invadiu de novo, mas Growl não teve<br />
misericórdia. Ele enfiou um dedo em mim e eu engasguei primeiro de<br />
desconforto do que algo mais, algo incrível. Ele enrolou seus dedos<br />
~ 105 ~
profundamente em mim e eu podia sentir as minhas terminações<br />
nervosas, que eu nunca tinha sentido antes. Growl começou a deslizar<br />
os dedos para dentro e para fora lentamente, e eu fiquei envergonhada<br />
com o quão fácil era, já que eu estava molhada, quente e ansiosa. Darlhe<br />
prazer tinha me excitado. Era mesmo normal que isso acontecesse<br />
com algo tão sujo? Minha testa caiu contra seu peito forte. Eu não<br />
poderia me segurar mais, não poderia mesmo ficar em minhas próprias<br />
pernas. As sensações me seguraram em sua fortaleza. O polegar de<br />
Growl passou por cima do nó dos meus nervos, novamente na<br />
eminência de ser quase doloroso. Todo o meu corpo reverberava de<br />
desejo.<br />
Um grito se assentou na ponta de minha língua, mas eu a mordi,<br />
apertei meus lábios contra o tecido áspero da camisa de Growl. Eu<br />
podia controlar os sons que eu fazia, mas meu corpo tremia com a onda<br />
de sensações quebrando sobre ele. Tudo estava em silêncio, exceto para<br />
Growl e minha respiração rápida. Engoli em seco, tentando entender o<br />
que tinha acontecido. Mas, novamente, Growl não me deu tempo para<br />
refletir. Ele me soltou e quase perdi o equilíbrio.<br />
— Vou pedir pizza. O que você quer? — sua pergunta me pegou de<br />
surpresa enquanto ele já agarrava o telefone.<br />
Eu senti como se alguém tivesse me jogado um balde de água fria.<br />
Agora que o prazer estava desaparecendo, a culpa, a vergonha e a<br />
solidão erguiam suas cabeças novamente. Os breves momentos de<br />
paixão me fizeram esquecer o tipo de arranjo que era, que tipo de<br />
homem era Growl. Eu não era nada mais do que sua puta, mais barata<br />
do que as que ele usava nas casas de prostituição de Falcone e, ao<br />
contrário delas, eu nem sequer fingira gostar do que ele estava fazendo.<br />
Pare com isso. Você está fazendo o que é necessário, eu me lembrei.<br />
Eu caí de volta no sofá. Minhas pernas tremiam e me senti<br />
esgotada, emocional e fisicamente. Eu precisava tomar uma decisão. Ou<br />
eu passaria por isso e tentaria fazer Growl confiar em mim dessa<br />
maneira, ou eu teria que descobrir um jeito de sair dessa situação sem<br />
ele. Eu precisava dele.<br />
— Cara? — Growl repetiu. Ouvir meu nome de sua boca sempre<br />
enviava um arrepio nas minhas costas. Essa voz, tão profunda e áspera.<br />
— O que devo pedir para você?<br />
Eu dei de ombros. Eu não me importava. Pizza era a última coisa<br />
em minha mente agora. Era óbvio que Growl gostava de estar comigo<br />
fisicamente, mas num nível emocional, eu não estava chegando a lugar<br />
~ 106 ~
nenhum. Ele sempre se retirava depois do sexo. Como se ele não<br />
pudesse suportar a proximidade física após o ato real. Eu não tinha<br />
certeza de como mudar isso. O pior era que eu realmente queria estar<br />
perto dele. A proximidade física do sexo me fazia ansiar por mais<br />
proximidade depois.<br />
Growl suspirou. — Vou pegar de atum, — disse ele. — Você<br />
precisa comer o suficiente ou você vai ficar doente.<br />
Pelo menos ele estava preocupado com o meu bem-estar físico de<br />
certa forma. Embora ele provavelmente só estava cuidando do que era<br />
seu. — Eu não acho que a comida será a razão pela qual eu vou ficar<br />
doente, — eu murmurei.<br />
Growl não disse nada, mas pensei que talvez tivesse percebido a<br />
dica. Era difícil dizer, pois seus olhos estavam sempre vazios ou<br />
desconfiados, e sua expressão era a mesma. Ele pegou seu telefone e<br />
pediu duas pizzas, ainda completamente nu. Eu não conseguia parar de<br />
admirar sua bunda musculosa. Quando ele se virou, eu pude ler o que<br />
estava escrito sobre seu peito pela primeira vez. Até agora eu sempre<br />
estive muito ocupada com outras coisas. As enormes letras negras<br />
diziam: — Vou banhar-me no sangue de meus inimigos e banhar-me-ei<br />
do seu medo também.<br />
Palavras marciais que cruzavam o peito largo inteiro de Growl. Por<br />
que as tinha escolhido? Para se lembrar de quem ele era? Talvez tivesse<br />
algo a ver com a forma como ele tinha conseguido sua cicatriz, mas eu<br />
ainda não tinha certeza de como entrar no assunto sem fazê-lo se<br />
fechar completamente. Era óbvio que ele não gostava de falar sobre o<br />
assunto ou das pessoas que sabiam dos fatos. Growl agarrou suas<br />
calças do chão e as colocou. Minha própria camisa estava rasgada e eu<br />
não estava realmente com vontade de vestir minhas calças justas. —<br />
Você tem uma camisa para mim?<br />
Por um momento Growl pareceu atordoado pelo pedido, mas<br />
então ele foi para seu quarto e voltou com uma camiseta preta. Ele me<br />
ofereceu com uma expressão quase hesitante. Fiquei de pé e puxei a<br />
camisa dele, então passei sobre a minha cabeça. Chegou aos meus<br />
joelhos, mas era muito confortável. Eu podia sentir os olhos de Growl<br />
em mim o tempo todo. Se eu não estivesse enganada, havia nostalgia<br />
em seu rosto. Por quê? O que ele estava pensando?<br />
Sua expressão ficou em branco. Escondi um suspiro e me afundei<br />
no sofá. Growl sentou-se ao meu lado. Perto o suficiente para que eu<br />
~ 107 ~
pudesse sentir seu cheiro almiscarado misturado com sexo, mas sem<br />
me tocar.<br />
— Por que você não compra móveis de cozinha para que<br />
possamos comer lá? — Eu perguntei quando ficou claro que ele não se<br />
importava em ficar sentado em silêncio absoluto. Sua cabeça tinha que<br />
ser um lugar incrivelmente excitante considerando quanto tempo ele<br />
passava lá.<br />
— Eu nunca precisei. Eu não como nada no café da manhã e eu<br />
posso beber café em pé. E podemos sentar na sala de estar, — Growl<br />
disse, apontando para a mesa na nossa frente.<br />
— Eu sei, mas seria mais aconchegante sentar na cozinha do que<br />
na frente de uma TV com uma mesa que mal chega aos joelhos.<br />
Growl encolheu os ombros. — Não preciso de muito.<br />
Isso era verdade.<br />
— Você nunca tem convidados?<br />
— Não tenho convidados.<br />
— E quanto a família? — Eu estava pisando terreno arriscado,<br />
mas era hora de descobrir mais sobre o homem que controlava meu<br />
corpo de uma maneira assustadora.<br />
— Eu não tenho uma família.<br />
Suas palavras me lembraram que minha própria família estava<br />
em risco. Eu não poderia imaginar estar sem família. O mero<br />
pensamento apertava meu peito. Eu faria qualquer coisa para salvar a<br />
família que eu tinha deixado. Me movi um pouco mais perto de Growl e<br />
pressionei minha mão contra seu peito.<br />
Growl olhou para mim, depois para minha mão. Ele parecia não<br />
saber como reagir. Eu podia ver que ele estava desconfortável, mas ele<br />
não me empurrou para longe.<br />
— Você nunca teve uma família? — Eu perguntei para me distrair<br />
da minha preocupação sobre minha própria família, e a maneira que<br />
meu corpo estava saltando para à vida apenas por tocar o peito de<br />
Growl.<br />
Meus dedos localizaram as muitas cicatrizes em seu peito, sempre<br />
encontrando novos caminhos em seu corpo. Rastrear seus músculos e<br />
cicatrizes era uma boa maneira de acalmar minha mente nervosa.<br />
~ 108 ~
Enquanto meus dedos permaneciam em movimento, meu cérebro<br />
parecia desacelerar um pouco.<br />
— Tive uma mãe — disse em voz baixa.<br />
Meus dedos congelaram em sua clavícula, surpreendidos por suas<br />
palavras. Eu pensei que ele iria evitar o assunto. Isso significava que ele<br />
começou a confiar em mim?<br />
Meu olhar foi até seu rosto, mas ele estava olhando para o teto<br />
com uma expressão ilegível. Ele não queria que eu visse seus olhos, e<br />
isso só me deixou mais curiosa para vê-los. — O que aconteceu com<br />
ela?<br />
O silêncio reinou entre nós por muito tempo e eu comecei a me<br />
preocupar que eu tinha estragado a minha chance de ganhar a<br />
confiança de Growl, quando ele finalmente disse: — Ela está morta.<br />
— Como? — Eu perguntei. A mão de Growl subiu até sua<br />
garganta, mas ele não se tocou lá. Ele parecia evitar tocar sua garganta<br />
completamente, não apenas a cicatriz.<br />
— A pessoa que cortou sua garganta a matou? — Eu arrisquei um<br />
palpite.<br />
Por um momento, Growl ficou em silêncio, e ele parecia ter<br />
parado de respirar. — Sim, ele fez isso. Ele a matou bem na minha<br />
frente. Fez-me vê-la sangrar. Ele cortou sua garganta também. Mas<br />
primeiro a minha para puni-la. Ele pensou que eu iria morrer<br />
rapidamente, mas minha mãe estava morta dentro de um minuto e eu<br />
continuava respirando. — Ele parecia quase arrependido, como se ele<br />
desejasse que ele tivesse morrido naquele dia.<br />
Minha boca ficou seca. — E o seu pai? Onde ele estava?<br />
— Ele não está morto. — Por que ele não respondeu a minha<br />
segunda pergunta?<br />
— Não posso acreditar que alguém faria isso a um menino<br />
inocente. — Eu tracei as letras em seu peito. Essas palavras, todas as<br />
tatuagens assustadoras, tudo começou a fazer sentido.<br />
— Eu não era inocente, nem mesmo naquela época. — Suas<br />
palavras ressoaram em seu peito, eu podia sentir contra minha palma.<br />
— Por quê você diria isso? Quantos anos você tinha?<br />
— Cinco.<br />
~ 109 ~
Deus, como poderia alguém machucar uma criança de cinco anos<br />
assim? As pessoas chamavam Growl de monstro, até eu pensava nele<br />
assim, mas quem quer que tivesse tentado matar Growl quando criança<br />
era muito pior. — Todo mundo é inocente nessa idade. Ninguém nasce<br />
mal. Você era tão pequeno. Por que você não tentou caçar a pessoa que<br />
fez isso com você? Você não é o menininho do passado, você tem<br />
conexões e poder agora. Tenho certeza de que Falcone não se importaria<br />
se você vingasse sua mãe.<br />
Uma risada curta vibrou em seu peito. Isso fez os pequenos<br />
cabelos em meus braços ficarem em pé. — Falcone se importaria.<br />
— Por quê? É alguém com quem faz negócios?<br />
Growl encontrou meu olhar e o que ele transmitia, em seus olhos,<br />
levantou uma suspeita assustadora em mim. Mas eu não poderia estar<br />
certa ...<br />
— Falcone foi o homem que fez tudo isso — disse Growl, fazendo<br />
sinal para a garganta.<br />
Eu puxei minha mão longe de seu peito. — Então, — eu disse<br />
lentamente. Foi difícil encontrar as palavras certas, ou quaisquer<br />
palavras, realmente. — Falcone matou sua própria mãe e quis matá-lo<br />
também, e você decidiu trabalhar para ele? — Eu queria entendê-lo,<br />
mas como eu poderia entender algo assim? Isso estava tão longe do<br />
normal. Soprou minha mente.<br />
Growl deu um aceno quase imperceptível. Seu rosto era<br />
impassível, mas havia um piscar de algo em seus olhos que eu não teria<br />
notado há alguns dias. Eu estava me tornando mais perceptiva e<br />
acostumada às pequenas mudanças em suas expressões faciais.<br />
— Por quê? — Eu sussurrei. Por que alguém iria querer trabalhar<br />
para tal homem? Talvez algo tivesse sido irremediavelmente danificado<br />
quando Growl teve que assistir tudo isso ainda tão novo. Parte de mim<br />
queria estender a mão para aquele pequeno menino danificado e apertálo<br />
em um abraço apertado e dizer-lhe que tudo ficaria bem. Mas por um<br />
lado, eu não tinha certeza se aquele garoto ainda estava escondido em<br />
algum lugar em Growl ou se ele tinha murchado com o tempo e os<br />
horrores que ele tinha testemunhado. E segundo, eu soube que eu<br />
estaria mentindo a esse menino. Poucas coisas ficariam bem na vida de<br />
Growl. Aquele menino foi moldado em um monstro através de abuso e<br />
crueldade. Talvez tivesse sido melhor se ele não tivesse sobrevivido. Não<br />
só para poupar-lhe os horrores de sua vida, mas também para salvar os<br />
muitos que ele tinha torturado e matado por Falcone.<br />
~ 110 ~
Eu tinha desistido de dar uma resposta a Growl quando ele disse:<br />
— Porque ele é meu pai.<br />
Eu respirei fundo. — Falcone? — Eu perguntei porque parecia<br />
impossível. Não duvido que Falcone tivesse muitas amantes ao lado de<br />
sua esposa. Um homem como ele não podia ser fiel. Mas simplesmente<br />
parecia impossível que a palavra não tivesse saído. Que as pessoas não<br />
mencionassem o nome de Falcone em uma respiração com Growl, o<br />
bastardo. Meus olhos procuraram o rosto de Growl, mas se havia algo<br />
de Falcone em suas feições, permaneceu escondido para mim.<br />
Ele assentiu novamente. — Essa foi uma das razões pelas quais<br />
ele quis se livrar de mim. E por que ele matou minha mãe. Ela ameaçou<br />
contar às pessoas. Falcone não deixa ninguém ameaçá-lo.<br />
— Ele matou a sua mãe. A mulher com quem ele teve um filho, —<br />
eu disse lentamente.<br />
Growl não reagiu.<br />
— Como ele poderia fazer isso? Que tipo de monstro faria algo<br />
assim? — Eu estremeci, de repente preocupada por ter ido longe<br />
demais. Por alguma razão ridícula, Growl era leal a seu pai cruel.<br />
— Um monstro como eu — murmurou.<br />
— Tal pai tal filho?<br />
Growl encolheu os ombros. Eu poderia dizer que ele estava farto<br />
da nossa conversa, mas eu estava muito agitada para deixar o assunto<br />
morrer tão rapidamente. — Talvez você não devesse tomar a natureza<br />
horrível de seu pai como uma desculpa para ser um monstro também.<br />
Talvez você deva se esforçar para ser melhor.<br />
Ele soltou um suspiro, o que poderia ter sido uma risada, eu não<br />
tinha certeza.<br />
— Eu não estou brincando.<br />
Ele se levantou. — Eu não sou um monstro por causa do meu pai.<br />
Sou um monstro porque escolhi ser.<br />
Eu duvidava que fosse verdade. Ele era um menino quando ele<br />
tinha experimentado horrores, mesmo homens crescidos, mal poderiam<br />
imaginar uma coisa dessas. — Nunca é tarde demais para mudar e para<br />
compensar os seus erros.<br />
~ 111 ~
Growl balançou a cabeça. — Você é ingênua se acha que isso é<br />
uma opção. Eu não vou mudar. Eu não quero. Minha vida é boa assim.<br />
— Você está trabalhando para o homem que matou sua mãe. Eu<br />
não acredito que você possa viver bem com isso.<br />
— Eu tenho vivido assim por muito tempo.<br />
— Se eu fosse você, eu gostaria de me vingar.<br />
Growl sorriu sombriamente. — Mas você não é. E você não me<br />
conhece.<br />
Ele se virou e saiu da sala. Um segundo depois eu ouvi a porta<br />
dos fundos abrir e fechar.<br />
Ele estava certo. Eu não o conhecia. Ainda. Mas hoje ele me<br />
entregou alguns pedaços do quebra-cabeça que era ele, e eu estava<br />
determinada a conseguir as peças restantes também.<br />
~ 112 ~
Capítulo quinze<br />
CARA<br />
Eu decidi não insistir mais com Growl sobre Falcone e o que<br />
aconteceu. Eu tinha a sensação de que ele iria se fechar completamente<br />
se eu tentasse muito cedo novamente. Pelo menos ele não parecia muito<br />
irritado com minhas perguntas para parar de dormir comigo.<br />
Quando ficamos deitados um ao lado do outro na minha cama<br />
depois de Growl ter me lavado a três orgasmos, minha mente estava<br />
trabalhando em bolar uma maneira de fazê-lo ficar comigo. Ele<br />
geralmente sempre se afasta após nós ficarmos juntos, não me dando<br />
chance para conhecê-lo melhor. Nós nem sequer nos tocamos depois.<br />
Ou pelo menos não tinha chegado tão longe.<br />
Agora o braço de Growl estava levemente tocando o meu. Não foi<br />
por acidente. Talvez no fundo ele desejasse a proximidade além do sexo?<br />
Seus olhos estavam meio fechados e sua respiração já estava<br />
diminuindo. Seu peito musculoso reluzia de suor. — O que aconteceu<br />
com meu pai depois que você me levou para sua casa? — Eu perguntei.<br />
Growl abriu os olhos. — Ele estava morto.<br />
— Eu sei, — eu sussurrei duramente. — Isso não foi o que eu quis<br />
dizer. Onde está seu corpo? O que você fez com ele?<br />
Growl virou a cabeça para mim, franzindo o cenho. — O que isso<br />
importa? Ele se foi.<br />
— As pessoas enterram seus mortos por uma razão. Porque eles<br />
precisam de um lugar para se sentir conectado a eles, um lugar onde<br />
eles podem ir dizer adeus ou falar com o que resta das pessoas que<br />
amam. É o que as pessoas fazem.<br />
Growl não parecia entender. — Talvez. Não consigo ver como isso<br />
ajuda.<br />
~ 113 ~
— Você não precisa entender, — eu disse calmamente. — Apenas<br />
aceite. Eu realmente preciso saber onde está o corpo do meu pai.<br />
Preciso dizer adeus a ele para conseguir ter paz.<br />
— Ele foi enterrado fora das fronteiras da cidade.<br />
— Enterrado? Então ele não foi despejado em algum lugar ou<br />
coisa pior?<br />
— Eu não estava lá quando o enterraram. Mas foi o que me<br />
disseram.<br />
— Você sabe onde é? Você pode me levar?<br />
Growl soltou um suspiro. Ele se sentou como eu esperava e<br />
balançou as pernas para fora da cama, virando as costas para mim, que<br />
também estava coberta de tatuagens, espinhos e rosas, crânios e<br />
cobras, e letras negras que diziam — Dor, — nada mais. Havia mais<br />
cicatrizes em suas costas, ombros e pescoço.<br />
— Você tem que seguir em frente.<br />
Eu sufoquei minha frustração. Ele simplesmente não conseguia<br />
entender. As emoções e hábitos humanos eram estranhos para ele. Eu<br />
me sentei e cheguei mais perto. Eu esperava que fosse um bom sinal de<br />
que ele não tivesse se levantado ainda. Talvez algo nele quisesse<br />
conversar comigo?<br />
Minhas pontas dos dedos roçaram as estranhas cicatrizes<br />
redondas que cobriam suas costas e seus braços. Elas não pareciam<br />
feridas, mais como se alguém tivesse queimado Growl. Depois de um<br />
momento de hesitação, perguntei calmamente. — O que é isso?<br />
Growl olhou por cima do ombro. — Queimadura de cigarro.<br />
Meus dedos congelaram. Ele parecia tão despreocupado, como se<br />
não estivéssemos falando sobre seu corpo. — Quem fez isso com você?<br />
— Talvez eu tenha pedido a alguém para fazer isso comigo, —<br />
disse ele.<br />
— Por que alguém pediria para sentir dor?<br />
— Eu gosto de dor. Aprendi a gostar com o tempo.<br />
— Você gosta? — Eu repeti, soltando minha mão de sua pele. Ele<br />
pediu que alguém o queimasse? Será que ele estava confuso? A ideia<br />
parecia não fazer sentido. Alguém que fez isso para si, provavelmente,<br />
~ 114 ~
faria muito pior para os outros. Embora isso ter me surpreendido, era<br />
ridículo. Eu sabia que tipo de homem era Growl. Mais monstro do que o<br />
homem.<br />
Um canto de sua boca se contraiu em um quase sorriso. Esse<br />
pequeno gesto conseguiu mudar todo o seu rosto, fazendo-o parecer<br />
mais acessível, menos perigoso. Mas a linha dura usual deixou seus<br />
lábios muito rapidamente. — Não de ser queimado. Eu não pedi por<br />
essas cicatrizes, — ele disse grosseiramente. — Quando eu era criança,<br />
eu não pedia para sentir dor, ainda.<br />
Meus olhos percorreram as muitas marcas de queimaduras,<br />
contando quase uma dúzia. — Alguém fez isso com você quando você<br />
era criança? — Eu parei, sem ter certeza sobre a próxima pergunta. —<br />
Sua mãe? — Isso pelo menos explicaria por que Growl não queria vingála.<br />
Growl balançou a cabeça. — Ela não era a melhor mãe. Ela<br />
trabalhava como uma prostituta. Seu vício e trabalho não ajudaram<br />
muito na criação de uma criança, mas ela nunca me bateu ou me feriu<br />
fisicamente.<br />
Eu lambi meus lábios. Este era território perigoso que eu estava<br />
pisando. Minha curiosidade me deixou ansiosa por mais, mas ao<br />
mesmo tempo eu estava igualmente assustada dos horrores que eu<br />
ouvia e do que eles me fariam sentir. Com cada parte do passado de<br />
Growl e seu caráter que eu descobri, ficava mais difícil não sentir<br />
compaixão, e muito mais. — Então quem fez? — Eu perguntei apesar<br />
das minhas preocupações.<br />
— Depois que minha mãe morreu e eu fui liberado do hospital,<br />
Falcone me deu a um de seus capangas, Bud, que era responsável por<br />
um dos bordéis. Ele era um cafetão, realmente, e não queria uma<br />
criança por perto. Mas ele não podia recusar se quisesse cair nas graças<br />
de Falcone, e assim ele me manteve. Mas ele era um bastardo sádico e<br />
quando ele estava cansado de bater na merda de suas prostitutas, ele<br />
gostava de me torturar.<br />
— Por que Falcone não o deteve? — Eu balancei a cabeça. — Eu<br />
não sei por que eu estou perguntando. O cara quase o matou. Não é<br />
como se ele fosse um ser humano decente, ou algo parecido com isso.<br />
— Ele não me matou, embora ele pudesse ter matado. E ele nunca<br />
me tocou. Ele deixou um de seus homens cortar minha garganta. E Bud<br />
sempre se assegurou de me bater e me queimar onde ninguém podia<br />
ver.<br />
~ 115 ~
— Então você acha que Falcone não sabia o que estava<br />
acontecendo?<br />
— As putas sabiam e elas gostavam de mim. Poderiam ter contado<br />
a ele sobre isso.<br />
— Mas ele não faria nada — concluí.<br />
Growl encolheu os ombros. — As surras me deixaram mais forte.<br />
Depois de um tempo, você não sente dor como as outras pessoas. Torna<br />
familiar, quase como um amigo. Você para de temer, e até gosta disso.<br />
Isso explicava a tatuagem em suas costas.<br />
Movi-me para que eu pudesse ver seu rosto e fiquei atordoada<br />
pela expressão quase serena nele. Eu esperava que fosse uma máscara<br />
perfeita, porque se ele estivesse realmente tão bem sobre tudo isso,<br />
havia pouca esperança para ele. Quando seus olhos encontraram os<br />
meus, eu vi um lampejo, uma rachadura na máscara perfeita que ele<br />
tinha construído ao longo do tempo e quase exalei em alívio. Eu<br />
coloquei meu queixo para baixo em seu ombro, trazendo meu rosto<br />
mais perto dele. — Há outras coisas que fazem as pessoas fortes, não<br />
apenas dor. É horrível o que aconteceu com você. Alguém deveria ter<br />
protegido você. Todas as pessoas que ficaram de pé enquanto eram<br />
torturadas, podiam apodrecer no inferno.<br />
— Você não deveria se importar, — Growl murmurou.<br />
— Eu sei. — Eu não disse mais. Será que eu realmente me<br />
importo? O homem na minha frente hoje não merecia minha piedade ou<br />
ajuda. Ele não era o garoto indefeso há muito tempo. E ainda uma parte<br />
de mim sentia por ele. Eu não pude evitar.<br />
Durante vários batimentos cardíacos, ficamos olhando um para o<br />
outro e palavras não verbalizadas pareciam pendurar no ar entre nós.<br />
Eu estava tão perto de quebrar as paredes de Growl, tão perto de<br />
ganhar sua confiança.<br />
— Bud está morto agora. Conseguiu o que merecia, — Growl disse<br />
eventualmente.<br />
Levei um momento para me libertar da estranha conexão que<br />
senti antes. — Você o matou?<br />
Era assustador a facilidade com que as palavras deixaram meus<br />
lábios e quão pouco impacto tiveram na minha consciência.<br />
~ 116 ~
— Quando eu tinha dez anos — disse Growl com um tom de<br />
orgulho em sua voz profunda. Talvez isso tivesse me deixado inquieta e<br />
talvez, mesmo que Bud tivesse merecido morrer, se a ideia de se vingar<br />
de Falcone não tivesse dominado meus pensamentos nas últimas<br />
semanas.<br />
— Ele tinha espancado a merda de uma prostituta, mas isso<br />
realmente não dizia nada a ele. Falcone não tinha dado o segundo<br />
bordel que Bud queria, e ele queria desabafar. Quando ele entrou em<br />
meu quarto, eu sabia que ele estava fora de controle. E eu o deixei. Ele<br />
me chutou e me bateu, e eu deixei, mas então eu decidi que era o<br />
suficiente, e eu lutei contra isso. Eu sempre tinha um canivete suíço no<br />
bolso e quando ele fez uma pausa para acender um cigarro e virou-se<br />
para mim, eu cortei o tendão da sua perna em um corte seco.<br />
Meus olhos se arregalaram.<br />
— Ele gritou como um porco no matadouro. Não perdeu o<br />
equilíbrio como eu esperava. Tentei de novo, então, eu o esfaqueei na<br />
parte superior da coxa. Cortei sua artéria por acaso. Ele sangrou<br />
rapidamente. E eu assisti. Eu ainda estava assistindo com a faca na<br />
mão quando uma das prostitutas me encontrou e fugiu gritando. E eu<br />
ainda estava lá quando Falcone chegou algum tempo depois. Eu estava<br />
coberto de sangue da cabeça aos pés. Tinha apunhalado o bastardo<br />
morto mais algumas vezes para liberar um pouco da adrenalina.<br />
As imagens brilharam em minha mente e com o sangue, vieram<br />
mais imagens, imagens de meu pai e como ele havia morrido. Mas eu<br />
não podia me permitir pensar nessa memória agora. Não me ajudaria<br />
em nada, nem a minha mãe ou irmã. — O que Falcone fez? Você matou<br />
um de seus homens. Não devia ter matado você?<br />
— Não, ele decidiu que era hora de me levar sob suas asas e me<br />
mostrar o que eu era capaz de fazer.<br />
— Matar e mutilar e torturar, — eu disse calmamente.<br />
Os olhos de Growl quase se resignaram. — Isso é tudo que eu<br />
posso fazer. Se houvesse mais que isso em mim, eu não sobreviveria.<br />
Ele tinha dito palavras semelhantes antes. E eu comecei a<br />
perceber que ele poderia estar certo.<br />
— Então Falcone te ensinou como matar? Quando você se tornou<br />
seu assassino?<br />
~ 117 ~
Growl pensou sobre isso por um momento. — Eu matei o segundo<br />
homem alguns meses depois de eu ter matado Bud. Falcone me disse o<br />
nome do cara que me cortou a garganta e onde eu poderia encontrá-lo.<br />
— Então ele queria que você matasse o cara?<br />
— Ele não disse, mas eu fui matá-lo. Falcone me disse que esse<br />
era seu presente para mim e que eu nunca mais iria matar sem sua<br />
permissão explícita novamente, e eu nunca fiz.<br />
— Então você se vingou do homem que queimou você e do homem<br />
que cortou sua garganta, mas não o homem que é a razão pela qual isso<br />
aconteceu?<br />
Growl ficou em silêncio.<br />
— Ele é a razão por que você tem isso. — Eu estendi a mão para<br />
tocar a cicatriz em sua garganta, curiosa como ele iria se sentir, mas a<br />
mão de Growl disparou e seus dedos enrolaram em torno de meu pulso.<br />
— Não, — ele disse calmamente, advertindo. Seus olhos estavam<br />
assombrados enquanto eles se fixavam em mim.<br />
Puxei minha mão e coloquei a mão no colo. — Por quê? Não é<br />
como se eu não tivesse tocado as outras cicatrizes. — E cada centímetro<br />
de seu corpo.<br />
— Não, — ele repetiu em uma voz que me fez tremer. — Ninguém<br />
tem permissão para tocar essa cicatriz.<br />
Mais perguntas ficaram na ponta da minha língua, mas Growl<br />
não me deu a chance de expressar nenhuma delas. Desembaraçou-se<br />
dos cobertores e ficou de pé. — Você deveria dormir. — Ele saiu sem<br />
olhar para trás. Suspirando, eu voltei para as cobertas. Eu não me<br />
preocupei em colocar minha camisola novamente. Eu estava exausta.<br />
Sempre exausta. A preocupação me mantinha acordada também muitas<br />
noites. Estiquei os ouvidos, ouvindo Growl, e como sempre ouvi o<br />
rangido da porta dos fundos e os cães antes de ficarem em silêncio<br />
novamente. Rosnar era um hábito. Talvez fosse por isso que os cães<br />
eram leais a ele. Isso dava-lhes uma pitada de normalidade. Eu balancei<br />
minha cabeça na escuridão. Normalidade. Minha vida sempre foi bem<br />
longe do normal, mas agora?<br />
* * *<br />
~ 118 ~
Growl estava mais desligado nos dias que se seguiram. Eu pensei<br />
que finalmente tínhamos uma conexão verdadeira durante nossa última<br />
conversa, mas agora ele estava se afastando novamente. Ele não me<br />
queria perto. E eu não tinha certeza de como mudar isso. Se ele não<br />
confiasse em mim, como eu poderia sugerir que ele ajudasse minha<br />
mãe e minha irmã? E se ele contasse tudo a Falcone? Então tudo<br />
terminaria. E, no entanto, parte de mim tinha certeza de que ele não<br />
contaria a Falcone nada do que conversamos. Growl guardava as coisas<br />
para si mesmo. Ele era esse tipo de cara.<br />
Ele nem chegou a minha cama à noite. Ele estava realmente<br />
tentando ficar longe de mim. Estava preocupado em me aproximar<br />
demais? Isso era mesmo uma possibilidade com ele?<br />
* * *<br />
— Falcone concordou em deixá-la visitar sua mãe — Growl disse<br />
de repente, enquanto tomávamos café em silêncio uma manhã.<br />
Quase deixei cair a xícara. — Sério? Por quê? Porque agora?<br />
— Aparentemente, sua mãe está deprimida e Falcone acha que é<br />
por isso que as negociações com Nova York estão indo mal. Eu disse a<br />
ele que seria bom para sua mãe ver que você estava bem, então ela teria<br />
algo para lutar.<br />
Eu coloquei a xícara no balcão e fechei a distância entre nós. Eu<br />
envolvi meus braços em torno dele e o abracei firmemente, minhas<br />
bochechas pressionaram contra seu peito. Ele ficou tenso, depois<br />
relaxado. Tínhamos dormido um com o outro várias vezes, mas esta foi<br />
a primeira vez que nos abraçamos. Eu percebi que ele nunca me beijou<br />
ou me tocou sem ser para fazer sexo.<br />
— Obrigada, — eu disse, então me afastei e dei alguns passos<br />
para trás.<br />
Ele estava me observando com uma expressão estranha. Havia<br />
nostalgia em seus olhos?<br />
Deus, por que ele tinha que ser tão difícil de ler?<br />
— Vou levá-la até ela agora no meu caminho para o trabalho, —<br />
disse Growl.<br />
~ 119 ~
Eu não podia esperar para vê-la novamente, mas ao mesmo<br />
tempo eu estava aterrorizada de encará-la depois do que eu tinha feito<br />
nas últimas semanas. Eu estava dormindo com Growl, e não porque ele<br />
me forçou, nem mesmo porque eu esperava ganhar sua confiança. Eu<br />
gostava. Não havia como negar. Se minha mãe soubesse, ela nunca<br />
mais me olharia.<br />
* * *<br />
Encostar na frente da minha antiga casa parecia estranho. Eu não<br />
me sentia em casa. Falcone e seus homens arruinaram o lugar para<br />
mim. Minha lembrança do lugar onde eu cresci ficaria para sempre<br />
contaminada com o sangue e a morte de meu pai.<br />
— Eu pensei que você ficaria feliz, — disse Growl enquanto me<br />
conduzia até a porta da frente.<br />
Eu achei que eu estaria feliz também, mas me sentia culpada,<br />
miserável e assustada. Eu forcei um sorriso, preocupada que Growl<br />
poderia decidir que era melhor não me deixar visitar minha mãe, se isso<br />
me deixasse triste. Essa era a última coisa que eu queria, mesmo se<br />
pisar em minha antiga casa fizesse meu estômago revirar. — Estou feliz,<br />
apenas nervosa.<br />
Growl parecia duvidoso, mas ele tocou a campainha de qualquer<br />
maneira. Demorou muito tempo até que finalmente um de nossos<br />
velhos guarda-costas, Daryl, abriu a porta. Então ele estava protegendo<br />
minha mãe? Ele sempre fora o espião de Falcone? Provavelmente. Não<br />
havia lealdade neste mundo. Até meu pai havia traído seu chefe por<br />
qualquer motivo. Não que eu não o entendesse.<br />
Ele recuou, com uma expressão de cautela em seu rosto enquanto<br />
observava Growl. Senti uma satisfação doentia por seu desconforto. Eu<br />
não estava com medo de Growl mais.<br />
Daryl me deu um aceno de cabeça, mas eu o ignorei e<br />
rapidamente passei por ele para o lob<strong>by</strong>. A casa estava em silêncio. Uma<br />
diferença tão grande da última vez que eu estive aqui.<br />
— Cara? — Veio a voz mansa da mãe da sala de estar. Corri para<br />
minha mãe e a encontrei sentada a mesa da sala de jantar, que estava<br />
preparada para o almoço. Eu hesitei no meio da sala. Minha mãe tinha<br />
perdido peso. Suas bochechas estavam afundadas, as maçãs do rosto<br />
~ 120 ~
salientes. Ela não usava maquiagem. Ela sempre usava. E seu vestido<br />
estava enrugado como se ela não se importasse em passá-lo. Mãe nunca<br />
usaria um vestido que não tivesse sido passado. Ela tinha mudado. Eu<br />
tinha mudado. Era ridículo pensar que minha mãe ou irmã não<br />
tivessem. Deus, Talia. Como estava ela?<br />
Minha mãe levantou-se da cadeira e abriu os braços. Eu não<br />
hesitei. Eu voei nos braços da minha mãe. Era bom abraçá-la, sentir<br />
seu cheiro reconfortante. A mãe enterrou o rosto no meu cabelo e<br />
respirou fundo. Fechei os olhos, permitindo-me alguns momentos de<br />
paz.<br />
— Eu preciso sair agora.<br />
A voz de Growl cortou o silêncio. Minha mãe e eu nos separamos.<br />
Mamãe olhou para Growl com desgosto e medo.<br />
Eu balancei a cabeça. — Está bem.<br />
— Volto para buscá-la em duas ou três horas. — Havia um sinal<br />
de aviso em sua voz. Eu não disse nada. Eu queria que ele saísse logo,<br />
preocupada que a minha mãe pudesse notar algo estranho entre nós.<br />
Eu quase suspirei de alívio quando ele partiu.<br />
Daryl ainda estava na sala.<br />
— Você pode dar a minha filha e eu um pouco de privacidade? —<br />
Perguntou minha mãe educadamente. Ela parecia controlada agora.<br />
Daryl parecia despedaçado. — Estou do lado de fora da porta.<br />
Lembre-se de que há câmeras.<br />
A mãe inclinou a cabeça, parecendo digna, mas no momento em<br />
que ele fechou a porta, ela agarrou a borda da mesa e afundou na<br />
cadeira. Puxei uma cadeira para perto da minha mãe e agarrei a mão<br />
dela.<br />
Minha mãe procurou no meu rosto, então olhou meus braços<br />
como se estivesse procurando contusões. — Eu pensei que não iria vê-la<br />
novamente. Eu tinha certeza que esse monstro iria matá-la.<br />
— Growl? — Eu disse. — Ele não me machucou.<br />
Mãe balançou a cabeça. — Não minta para mim. Eu conheço este<br />
mundo. Eu conheço as regras. Eu sei mais do que eu deixei no passado<br />
porque eu queria proteger você e sua irmã. — Ela soltou um riso triste.<br />
— Eu falhei.<br />
~ 121 ~
— Você não falhou. O que você poderia ter feito? Estavam<br />
armados. Não tivemos chance contra eles.<br />
Minha mãe tocou meu rosto, parecendo desesperada. — Eu queria<br />
ser mais forte. Eu sei que devo perguntar o que aconteceu com você,<br />
mas não tenho certeza se posso suportar a verdade. Você é muito mais<br />
forte do que eu, Cara. Como você está aqui, parecendo saudável e<br />
intacta, eu não posso imaginar como isso é possível.<br />
Eu sorri tremulante. — Estou muito bem, mãe. Por favor, não se<br />
preocupe comigo.<br />
A mãe fechou os olhos e sacudiu a cabeça. — Eu não sei como<br />
você pode até mesmo falar comigo depois do que eu fiz.<br />
— O que você fez?<br />
— Estou trabalhando para Falcone, ajudando-o. Depois que ele te<br />
deu a esse monstro, eu não deveria ajudá-lo, não importa o que ele me<br />
ameaça. Se seu pai soubesse, ficaria desapontado. Ele nem sequer<br />
olharia para mim agora.<br />
— O pai é a razão pela qual isso aconteceu. Ele é a razão pela<br />
qual passamos pelo inferno. Foi a sua punição que tivemos de suportar.<br />
Se estivesse vivo, não teria direito de nos julgar. Ele teria que nos<br />
desculpar por ser tão egoísta, e não pensar nas consequências! — eu<br />
estourei. Até agora eu não me permitia ficar com raiva, mas agora eu<br />
percebi que estava. Eu estava furiosa porque meu pai deveria saber. Era<br />
seu trabalho nos proteger e ele falhou.<br />
Minha mãe me observava com os olhos arregalados, sem<br />
perceber. — Não fale assim do seu pai. Ele era o melhor marido que eu<br />
poderia ter imaginado e um pai ainda melhor. Ele merece nada além do<br />
nosso respeito.<br />
Isso era uma mentira. Meu pai não tinha sido um pai ruim, mas<br />
ele estava longe de ser um bom pai. Ele estava muito ocupado com seu<br />
trabalho, e muitas vezes impaciente demais para passar tempo com<br />
suas duas filhas. Eu o amava e sentia falta dele. Eu desejava que ele<br />
ainda estivesse vivo e eu o perdoasse pelo que ele tinha feito, porque ele<br />
certamente não poderia ter imaginado para onde isso nos levaria.<br />
— Eu não quero brigar por isso, — eu disse calmamente,<br />
apertando a mão da minha mãe. — Eu sei que você está sofrendo, mas<br />
eventualmente você vai perceber que o pai fez isso conosco.<br />
~ 122 ~
Minha mãe olhou fixamente. Ela não protestou novamente, mas<br />
eu poderia dizer que ela não estava pronta para admitir as falhas do<br />
meu pai ainda. Sua morte ainda era muito recente.<br />
Eu decidi mudar o tópico. — Eu sei o que você está fazendo, que<br />
você está falando com Nova York em nome de Falcone.<br />
— Como? — Minha mãe sussurrou.<br />
— Growl me disse. Mas isso não é importante. Você está fazendo<br />
progresso?<br />
Mãe balançou a cabeça. — Ainda não falei com Luca Vitiello. É<br />
difícil chegar até ele. Nova York não quer nada com a gente. — Minha<br />
mãe tocou sua testa. — Eu não posso falhar. Se eu fizer, Falcone vai<br />
machucar sua irmã. Não sei o que fazer.<br />
— Continue tentando. Tem de haver uma maneira de chegar até<br />
Luca Vitiello. Tenho certeza.<br />
Minha mãe concordou. — Possivelmente. Mandei uma carta para<br />
sua esposa. Ouvi dizer que ela é gentil. Ela pode ser nossa última<br />
chance.<br />
— Não desista. Nós vamos descobrir algo, — eu disse com firmeza,<br />
tentando transmitir com meus olhos que eu estava trabalhando em um<br />
plano.<br />
As sobrancelhas de mamãe se juntaram, mas ela não perguntou o<br />
que eu queria dizer. Ela era uma mulher inteligente. Tínhamos que ter<br />
cuidado com o que dizíamos em voz alta.<br />
Ela apontou para os sanduíches empilhados na bandeja. — Eu<br />
mesma fiz. Algo para me manter ocupada. E eu sinto falta de cozinhar<br />
para todos vocês.<br />
Peguei um sanduíche de salmão e dei uma mordida, então sorri.<br />
— É delicioso.<br />
Minha mãe se recostou na cadeira e me observou comer outro<br />
sanduíche. Eu engoli a última mordida, então perguntei: — Eu estive<br />
me perguntando, por que você deixou Nova York e sua família? Você era<br />
parte da família principal afinal. Você poderia ter uma grande vida lá.<br />
A minha mãe parecia cansada. — Eu tinha. Mas meu irmão era o<br />
Capo e ele era tão mau quanto Falcone. Claro, naquela época eu não<br />
sabia o quão mal Falcone era em Las Vegas ou talvez eu teria ficado em<br />
~ 123 ~
Nova York. — Então ela sorriu tristemente e balançou a cabeça. —<br />
Embora eu estivesse com a cabeça virada e apaixonada por seu pai e<br />
teria seguido ele em qualquer lugar.<br />
Eu toquei sua mão. — Como vocês dois se conheceram se o pai<br />
era um dos homens de Falcone? Nova York e Las Vegas odiavam um ao<br />
outro também, não é?<br />
Minha mãe concordou. — Oh sim, eles sempre se odiaram. Mas<br />
Falcone tinha acabado de ser nomeado chefe e seu pai ainda tinha algo<br />
a dizer na cidade. E o velho queria tentar ficar paz com Nova York,<br />
então mandaram seu pai, porque ele sempre soube ser diplomático.<br />
Falcone teria arruinado tudo se ele tivesse tentado fazer as negociações<br />
ele mesmo.<br />
— Mas eles não fizeram um tratado de paz, não é?<br />
— Não. Salvatore e Falcone eram muito parecidos. Ambos queriam<br />
ter a última palavra, então, não surtiu efeito a visita de seu pai em Nova<br />
York.<br />
— Vocês dois se apaixonaram.<br />
— Sim, sim. Nas três semanas que ele estava na cidade, ele<br />
capturou completamente meu coração. Eu implorei a meus pais que me<br />
deixassem casar com ele, mas é claro que eles se recusaram e Salvatore<br />
ficou furioso por eu ter sugerido uma coisa tão horrível. Ele escolheu<br />
outra pessoa para mim, mas eu não queria ninguém além de Brando e<br />
assim seu pai me levou com ele, e disse a Salvatore que ele tinha feito<br />
isso como vingança pelos insultos que Salvatore tinha dito sobre<br />
Falcone. Eu não tenho certeza se Falcone acreditou na história, mas ele<br />
estava feliz de insultar Salvatore assim, então seu pai e eu nos casamos<br />
dois dias depois de termos saído de Nova York. A festa foi notícia em<br />
todos os jornais em Las Vegas e por isso, qualquer tipo de paz estava<br />
fora de questão. Então Falcone conseguiu exatamente o que queria,<br />
assim como o seu pai e eu. Parecia a solução perfeita na época.<br />
— Você acha que o chefe da Família, que Luca, nos permitiria<br />
ficar em Nova York? — Eu perguntei sussurrando.<br />
Minha mãe tocou minha bochecha. — Eu não sei. Só vi ele e seu<br />
irmão uma vez quando eram meninos.<br />
— Você os visitou, mas eu pensei que era proibido?<br />
— Oh, era. Mas a esposa de Salvatore e eu realmente gostamos<br />
muito uma da outra. Eu sempre senti pena dela porque ela teve que se<br />
~ 124 ~
casar com meu irmão sádico. E uma vez, quando eu estava grávida de<br />
você, eu estava em Aspen na mesma época que a esposa de Salvatore.<br />
Ela estava lá com as crianças e então nos conhecemos em segredo. Nós<br />
vínhamos nos falando pelo telefone regularmente, mas essa foi a<br />
primeira vez que nos conhecemos desde que fugi. Foi maravilhoso. E os<br />
meninos eram realmente uns fofos, embora fosse inconfundível que<br />
meu irmão era seu pai. Eles eram muito controlados e sérios para<br />
meninos tão jovens. Especialmente Luca, que me deu arrepios algumas<br />
vezes.<br />
— Talvez ele vá se lembrar de você em breve e nos ajudar. É a<br />
nossa melhor chance.<br />
— É, — ela concordou, então sua expressão ficou quase<br />
assustada. — Você sabe onde eles levaram o corpo de seu pai? Eu não<br />
posso suportar o pensamento que Falcone deu ele para seus cães como<br />
alimento. Isso quebra meu coração. Ele não merece isso.<br />
Eu bati no braço dela. — Growl me disse que alguém enterrou o<br />
pai no deserto. Eles não o deram como comida aos cachorros.<br />
Os ombros da mãe caíram aliviados.<br />
Mas de repente me perguntei se o Growl tinha me dito a verdade.<br />
Não havia maneira de eu saber. Eu tinha que confiar em sua palavra.<br />
Quando ouvimos o carro de Growl puxar para cima na garagem,<br />
minha mãe me puxou contra seu corpo e sussurrou em meu ouvido: —<br />
Você é uma menina tão boa. Eu não sei como eu mereço você. Seja<br />
forte, querida. Não deixe esse monstro quebrá-la.<br />
— Eu não vou deixar, — eu prometi automaticamente. Ela me<br />
olhava com amor e piedade, e eu tive que desviar o olhar. Se ela<br />
soubesse, o que eu tinha feito e o que eu estava fazendo ... Eu nunca<br />
poderia dizer a ela.<br />
~ 125 ~
Capítulo dezesseis<br />
CARA<br />
Eu mal olhei em direção a Growl enquanto voltávamos para sua<br />
casa. Ele me deu uma olhada. — O que está errado?<br />
— Nada, — eu disse severamente, então mordi o lábio. Eu não<br />
sabia o que fazer. Eu precisava de Growl para estar do meu lado, e meu<br />
corpo o queria, mas eu estava indo contra tudo o que minha mãe me<br />
ensinara dormindo com ele.<br />
As mãos de Growl no volante apertaram, os tendões em seus<br />
antebraços flexionaram.<br />
Concentrei-me na janela. Minha mente estava zunindo. Eu sabia<br />
que precisava de Growl se eu quisesse ter alguma chance de ajudar<br />
minha mãe e minha irmã.<br />
* * *<br />
Fiquei acordada naquela noite, quando a porta do meu quarto<br />
abriu-se. Eu sabia por que o Growl estava aqui, o que ele queria, mas<br />
eu estava tão confusa.<br />
Ele aproximou-se da cama, iluminado pela luz do corredor. Ele<br />
examinou meu rosto e eu só olhei para ele. Ele não estava usando uma<br />
camisa, e meus olhos traçaram as linhas de seus músculos, a forma<br />
como a luz acentuou seu abdômen. Eu queria esse homem. Vê-lo<br />
sempre fez meu corpo estremecer, não importa o quão conflitante eu<br />
estava. Meu olhar baixou para a protuberância nas calças de Growl.<br />
Deus, por que eu tinha que querê-lo?<br />
Growl ajoelhou-se na cama, mas eu apenas observei. Ele sempre<br />
foi a parte mais ativa na nossa vida sexual, mas geralmente eu pelo<br />
~ 126 ~
menos reagia de alguma forma. Eu podia ver frustração e confusão em<br />
seus olhos, então ele rastejou em minha direção e pairava sobre meu<br />
corpo. Seu cheiro me envolveu. Eu coloquei minhas mãos contra seu<br />
peito, pensando entre empurrando-o para longe e puxa-lo para mais<br />
perto. Growl tomou a decisão por mim. Ele agarrou minhas mãos e as<br />
pressionou no colchão acima da minha cabeça. Então ele baixou a<br />
cabeça para meus seios e sugou um mamilo em sua boca através do<br />
tecido sedoso da minha camisola. Apertei meus lábios, tentando conter<br />
um gemido. Mas isso parecia estimular Growl. Ele moveu sua cabeça<br />
para baixo em direção a minha calcinha. Eu sabia que estaria em suas<br />
mãos se eu o deixasse ir até lá. Eu me esforcei, mas sua outra mão<br />
desceu no meu quadril, me segurando rapidamente. Quando seu rosto<br />
estava a poucos centímetros do meu centro, ele inspirou<br />
profundamente. O calor subiu em minhas bochechas como sempre fazia<br />
quando ele fazia algo assim. Mas, apesar do meu embaraço, meu corpo<br />
inundou de calor.<br />
Growl lambeu minha calcinha e eu acalmei. Meu coração se<br />
apertou e meu corpo começou a formigar. Eu me esforcei ainda mais,<br />
mas Growl me ignorou completamente. Ele cutucou minha calcinha<br />
para o lado com seu nariz e lambeu minha carne nua.<br />
Ele deslizou a língua para cima e para baixo, com lambidas<br />
firmes, uma e outra vez. Uma umidade se agrupou entre as minhas<br />
pernas. Eu odiava meu corpo por isso, por sempre se render a ele.<br />
Ele mergulhou sua língua em minha abertura e soltou um<br />
estrondo profundo. Eu apertei meus olhos fechados, lutando contra a<br />
reação do meu corpo, tentando segurar um gemido. Eu não lhe daria<br />
essa satisfação. Mas ele não parou. Ele parecia desfrutar de cada<br />
momento. Toda vez que ele cantarolava, uma parte estúpida de mim<br />
estava ligada. Eu ainda não podia acreditar que ele gostava do meu<br />
gosto lá, mas ele obviamente apreciava. Ele moveu sua língua para cima<br />
e lambeu meu clitóris. Meus quadris se contraíram, mas desta vez não<br />
estava em uma tentativa de fugir. Growl manteve um ritmo constante.<br />
Eu não tinha chance de resistir a ele. Meu corpo estava sempre ansioso<br />
por seu toque. Ele deve ter sentido a minha rendição, porque ele soltou<br />
meu quadril e levou a mão para baixo entre as minhas pernas. Ele usou<br />
seu polegar e indicador para me separar, permitindo a sua língua ainda<br />
melhor acesso. Eu não pude evitar que um gemido alto escapasse.<br />
Errado, minha cabeça gritou. Mas eu desisti de resistir.<br />
~ 127 ~
Novamente minhas mãos encontraram a cabeça de Growl, mas<br />
então ele enrolou a língua de uma maneira que me fez gritar com a<br />
sensação.<br />
Growl sabia que tinha vencido. Eu poderia praticamente sentir<br />
sua presunção. Sua boca fechou sobre meu centro, mergulhando sua<br />
língua ainda mais fundo em mim, e meus dedos cravaram mais em seu<br />
couro cabeludo. Meu corpo começou a tremer e a língua de Growl<br />
pressionou ainda mais forte contra meu clitóris. Minha última<br />
resistência desmoronou quando uma onda de choque rolou sobre mim,<br />
tornando-me impotente e atordoada enquanto eu ofegava.<br />
Eu não tinha certeza de quanto tempo eu fiquei assim. Eu não<br />
conseguia me mexer, mal podia respirar, meu coração batia forte no<br />
meu peito enquanto eu olhava para a escuridão. Sombras dançavam<br />
nas ruas distantes que atravessavam a janela. Growl pressionou outro<br />
beijo entre as minhas pernas, então ficou de joelhos.<br />
Ele se inclinou sobre mim e beijou meus lábios. Eu podia sentir o<br />
gosto dele, sentir o cheiro de mim mesma. Eu respirei. — Isso é errado,<br />
— eu disse calmamente. Isso era traição? Ficar íntimo assim com o<br />
inimigo, com alguém como Growl, com um monstro, estava errado em<br />
todos os níveis que eu poderia imaginar. Ele tinha ajudado a derrubar o<br />
meu pai. Ele era parte de por que ele estava morto agora. E, no entanto,<br />
aqui estava eu, compartilhando uma cama com ele e desfrutando.<br />
— Pare de pensar demais em todas as merdas, — ele murmurou.<br />
— Você não pode entender, — eu disse duramente. Para ele,<br />
pecado e culpa e vergonha não eram palavras que importavam.<br />
— Talvez — admitiu. — Mas eu entendo seu corpo. — Ele<br />
pressionou dois dedos contra o meu centro úmido e os trouxe para seus<br />
lábios. — E seu corpo gosta disso.<br />
— Você é nojento, — eu disse. Eu tentei me afastar, fugir, mas era<br />
quase impossível com seu corpo pairando acima de mim. — Talvez meu<br />
corpo reaja com você, mas eu nunca sentirei nada além de ódio por<br />
você, seu monstro. — Eu fechei meus lábios com um estalo, incapaz de<br />
acreditar no que eu disse. Como eu poderia dizer-lhe algo assim se eu<br />
queria sua ajuda?<br />
— Eu sou um monstro, você tem esse direito. Sempre fui, sempre<br />
serei. Sou bom em ser um monstro. Poucas pessoas encontram algo que<br />
eles são boas, algo que deveriam ser, — disse ele simplesmente. Ele não<br />
parecia zangado, apenas resignado.<br />
~ 128 ~
— Isso é louco. Ninguém pretende ser um assassino. Ninguém<br />
deve ser como você. Você quer ser assim. Você disse que gostava de<br />
sangue, dor e morte, e fingir que nasceu um monstro é sua desculpa<br />
para justificar os horrores que cometeu.<br />
— Você está certa. Não há nada melhor do que o ímpeto de matar.<br />
É emocionante. É você contra eles. É tudo ou nada. Nada neste mundo<br />
faz com que se sinta mais vivo do que isso. Eu gosto disso. E eu não<br />
dou a mínima para justificar qualquer coisa a ninguém. Eu faria tudo<br />
de novo. Não me arrependo.<br />
Engoli em seco. — Eu não entendo. Como alguém se torna assim.<br />
Não pode ser por causa dessa cicatriz em sua garganta.<br />
Ele saiu da cama. — Eu tenho muitas cicatrizes e todas elas me<br />
fizeram o homem que sou hoje.<br />
Procurei em seu rosto uma pista da humanidade que eu tinha<br />
visto antes, mas ele parecia tão diferente naquele momento. — Isso não<br />
significa que não pode ser diferente. Você age tão forte e imbatível, mas<br />
você deixa seu passado e seu suposto destino ditar sua vida. Por que<br />
você não luta por um futuro melhor?<br />
— Para mim não há futuro.<br />
— Mas poderia haver — sussurrei.<br />
Growl procurou meu rosto novamente. Havia saudade. Ele queria<br />
mais desta vida, mesmo que ele não pudesse admitir isso para si<br />
mesmo ainda. Ele saiu sem mais uma palavra e fiquei acordada,<br />
olhando para a escuridão.<br />
Eu estava muito agitada para dormir e então eu levantei<br />
eventualmente. Por alguma razão eu precisava estar perto de Growl<br />
agora.<br />
Estava em silêncio dentro da casa quando entrei no corredor.<br />
Minha respiração lenta parecia uma intrusa no silêncio. Fui para o<br />
quarto de Growl, mas a porta estava aberta e ele não estava lá dentro.<br />
Onde ele estava? Eu escorreguei através da escuridão quando<br />
meus olhos registraram uma luz fraca saindo dentro da casa do quintal.<br />
Tentei me mover silenciosamente quando me aproximei da porta do<br />
terraço. Growl estava sentado na pequena mesa surrada. Uma vela meio<br />
queimada em um pires mal iluminava a noite, mas conseguiu lançar<br />
sombras misteriosas em seu rosto. Os cães estavam esticados aos seus<br />
pés. Eles não reagiram. Ou eles não tinham me notado, o que realmente<br />
~ 129 ~
não os qualificava como cães de guarda, ou eles me consideravam<br />
muito desinteressante para uma reação. Growl parecia solitário. No<br />
curto espaço de tempo em que o conhecia, aprendi a ler melhor suas<br />
expressões, mas ainda não o entendia.<br />
Ele procurou se aproximar de mim, estava tentando me tratar<br />
bem, mesmo que ele nunca tivesse aprendido como. Alguém já o tratou<br />
bem? Exceto por sua mãe, talvez. Eu pensei em voltar para o meu<br />
quarto, mas algo me manteve enraizada no local.<br />
— Eu sei que você está aí, — Growl disse calmamente.<br />
Caminhei em sua direção hesitante. Ele parecia cansado. — Você<br />
deveria estar dormindo, — disse ele.<br />
— Você também.<br />
— Eu não consigo, — ele admitiu.<br />
— Nem eu.<br />
Nós olhamos um para o outro. — Posso ficar?<br />
Growl assentiu. Dei um passo em direção à cadeira livre, então<br />
mudei de ideia e fui até Growl. Suas sobrancelhas franziram quando ele<br />
me observou. Eu rastejei em seu colo e coloquei minha cabeça para<br />
baixo em seu ombro. Ele soltou um fôlego, mas não fez mais nada.<br />
Ele era quente e forte. Eu inalei seu cheiro. Não demorou muito<br />
para que meus olhos se sentissem pesados. Quando eu estava quase<br />
dormindo, senti os dedos de Growl deslizarem sobre meu cabelo. Para<br />
cima e para baixo. E então eu adormeci.<br />
* * *<br />
Eu estava de volta na minha cama quando eu acordei na manhã<br />
seguinte, e Growl voltou a ser distante como habitual, quando eu entrei<br />
na cozinha e agarrei a xícara de café esperando por mim.<br />
— Vou lhe mostrar onde enterraram seu pai — disse Growl sem<br />
aviso prévio.<br />
Eu congelei. Minha garganta se apertou com emoções e a maior<br />
parte da minha raiva se esvaiu. — Você vai? — Minha voz estava<br />
trêmula.<br />
~ 130 ~
Growl assentiu, com os olhos quase gentis. — Você deveria ter a<br />
chance de dizer adeus. Se isso facilitar as coisas.<br />
Eu não tinha certeza se isso era verdade, mas eu estava grata de<br />
qualquer maneira. Seus atos de bondade ainda me surpreendiam. Eu<br />
não sabia o que fazer com o homem na minha frente. — Você teve a<br />
chance de dizer adeus à sua mãe?<br />
A expressão de Growl tornou-se ainda mais cautelosa. — Eu a vi<br />
morrer, e foi aí que eu disse adeus. Depois disso, eles cortaram minha<br />
garganta, e eu tive que lutar por minha vida.<br />
Eu ruborizei. Claro. Ele era um garotinho que tinha sofrido<br />
horrivelmente. Era difícil imaginar o Growl como qualquer coisa além do<br />
homem poderoso e cruel na minha frente. Que ele tinha sido um<br />
menino inocente era fácil de esquecer.<br />
Eu mudei de assunto. — Quando você vai me mostrar?<br />
— Assim que terminar o seu café. — Ele esvaziou sua própria<br />
xícara e colocou-a de volta no balcão. Eu dei dois longos goles que<br />
queimaram minha língua e garganta, então assenti. — Estou pronta.<br />
* * *<br />
Dirigimos por um longo tempo até que as luzes chamativas e as<br />
ruas lotadas de Las Vegas ficassem bem atrás de nós. A paisagem ficou<br />
mais áspera, e cada vez menos sinais de civilização eram visíveis.<br />
Rochas subiam ao lado da rua, brilhando vermelho e laranja no sol da<br />
tarde. O vale do fogo. Eu só tinha dirigido por ele uma vez antes e foi na<br />
noite em que o poder das cores não era visível mais.<br />
Apesar de ter vivido em Las Vegas toda a minha vida, eu<br />
raramente explorava seus arredores. Minha família nunca tinha sido do<br />
tipo de fazer viagens pelas estradas. Nossas férias eram para Aspen,<br />
México ou Bahamas. Meu peito apertou bruscamente com as<br />
lembranças de nossa última viagem de esqui a Aspen em fevereiro<br />
passado. Até mesmo o pai se permitiu um tempo livre suficiente para<br />
esquiar conosco, e à noite todos nós nos reunimos em frente à lareira<br />
em nosso chalé de esqui.<br />
De repente eu não podia mais apreciar a paisagem. Esta viagem<br />
era um adeus. Nunca mais passaria férias com minha família inteira,<br />
~ 131 ~
nunca viria meu pai esforçar-se para manter o fogo queimando na<br />
lareira, xingando enquanto a mãe o repreendia por isso. Eu nem sequer<br />
tinha certeza se voltaria a ver minha irmã, e se algo acontecesse com<br />
ela, nem minha mãe e nem eu poderíamos viver isso.<br />
Eu tive que me forçar a continuar respirando, apesar da tensão<br />
da minha garganta. Growl olhou para mim, mas eu o ignorei. Eu não<br />
queria falar com ele. Minhas emoções eram um turbilhão, eu mal<br />
conseguia entender. Eu duvidava que ele fosse capaz e eu me<br />
preocupava que ele tentaria me convencer a não visitar a sepultura de<br />
meu pai, afinal.<br />
Eventualmente, ele puxou o carro para fora da rua asfaltada e<br />
dirigiu ao longo de uma estrada de terra. Nossas rodas rodopiaram pó<br />
vermelho que se instalou em uma camada grossa nas janelas. Growl<br />
tentou tirar o pó das janelas com os limpadores de para brisa, mas em<br />
vão. A vibração do carro enquanto nós dirigíamos sobre solavancos e<br />
pedras menores me fez sentir mal, e eu fechei os olhos. Eu não tinha<br />
tanta certeza se isso era uma boa ideia depois de tudo. Mas agora era<br />
tarde demais para voltar sem ter que me explicar para Growl. Eu não<br />
queria parecer fraca.<br />
O carro parou e eu olhei para fora. Estávamos no meio do nada.<br />
Nem sequer havia uma estrada de terra. Não havia absolutamente nada.<br />
— Está aqui — Growl disse com naturalidade. Ele olhou para mim<br />
como se estivesse esperando por algum tipo de resposta, mas não havia<br />
palavras em mim no momento. Eu acenei com a cabeça apenas para<br />
mostrar a ele que eu tinha entendido. Ele abriu a porta e saiu. Eu<br />
respirei fundo e pressionei minha palma contra o meu estômago,<br />
esperando me acalmar. Sem chance.<br />
Saí do carro e o calor bateu em mim como um punho. Como<br />
poderia sobreviver alguma coisa aqui? Meus olhos procuraram no<br />
horizonte qualquer sinal de civilização, mas nós éramos as únicas<br />
pessoas ao redor.<br />
— Venha. Está muito quente aqui.<br />
Ele se afastou, sem sequer verificar se eu estava seguindo. É claro<br />
que ele não precisava se preocupar que eu fosse fugir. Não havia para<br />
onde correr para fora daqui. Eu morreria de sede ou calor antes de<br />
encontrar outra pessoa. Mas eu percebi então que ele tinha sido menos<br />
cauteloso em geral em torno de mim recentemente. Ele começou a<br />
confiar em mim.<br />
~ 132 ~
Enquanto eu seguia Growl através da areia, outro pensamento de<br />
repente me atingiu. E se Growl estivesse cansado de mim e decidisse se<br />
desfazer de mim no deserto? Talvez eu tivesse feito muitas perguntas,<br />
chegado muito perto da sua zona de conforto? Eu não sobreviveria<br />
muito tempo aqui se ele me abandonasse. Ele nem precisava me matar,<br />
o deserto o faria.<br />
Eu balancei a cabeça. Minha imaginação estava fora de controle.<br />
Growl não tinha razão para se livrar de mim. Ele gostava da minha<br />
companhia, mesmo que tentasse esconder.<br />
Growl levou-me a um lugar rodeado por alguns arbustos secos.<br />
Não havia nenhum sinal de uma sepultura. — Ele está lá. — Ele<br />
apontou para o chão empoeirado.<br />
Eu me agachei ao lado do local e coloquei minha palma contra a<br />
areia. Meus olhos chiaram, mas eu não chorei. — Eu realmente pensei<br />
que você o teria alimentado aos cães.<br />
Growl franziu o cenho. — Não é assim que se deve tratar os<br />
mortos.<br />
Eu soltei uma gargalhada. — Sério? Você não se importa de matar<br />
e machucar as pessoas, mas você se importa com seus cadáveres.<br />
— A morte era seu castigo. Não faz sentido contaminar seus<br />
corpos.<br />
— Eu sei que Falcone já fez isso antes. O pai contou à mãe sobre<br />
isso, e até me perguntou quando eu a visitei. Cheguei a ouvir rumores<br />
de que ele alimentava os seus cães de briga com os corpos e fazia com<br />
que as famílias observassem.<br />
— Eu nem sempre concordo com o que Falcone faz.<br />
Isso era pelo menos alguma coisa, eu supus. — Você já o viu fazer<br />
algo assim?<br />
Growl assentiu. — Uma vez. Mas a família não precisava assistir.<br />
Falcone sabe que eu não me importo com violência inútil, então ele<br />
geralmente não me pede para ficar para assistir.<br />
Abaixei meus olhos de volta ao chão. Era difícil imaginar que meu<br />
pai estivesse abaixo de mim. O pai tinha conhecia os riscos de seu<br />
trabalho, tinha ganhado muito dinheiro com ele, e provavelmente era<br />
responsável pela morte de várias pessoas, mas ele não merecia isso. Eu<br />
desejei que ele estivesse aqui, então eu poderia ter uma longa conversa<br />
~ 133 ~
com ele. Eu não conseguia me lembrar quando tivemos a nossa última.<br />
Há muito tempo. — Quando você veio para a nossa casa, você pensou<br />
que era precisaria matar meu pai? — Eu não tinha certeza por que isso<br />
importava. Eu sabia que Growl era um assassino e que ele não hesitaria<br />
em puxar o gatilho.<br />
— Falcone não nos tinha dito quem ia matar seu pai.<br />
— Mas você sabia que ele o queria morto. — Eu levantei meus<br />
olhos para encontrar o dele.<br />
Ele me deu uma olhada. — Seu pai traiu Falcone. A morte é a<br />
punição para isso.<br />
Eu suspirei e me levantei, tirando o pó de minhas calças que<br />
estavam cobertas por uma fina camada de areia vermelha.<br />
— Você vai ao túmulo de sua mãe? — Perguntei.<br />
— Não, — disse ele. Não havia emoção em sua voz. — É apenas<br />
seu corpo lá embaixo. E nem me lembro dela muito. Prefiro não ficar no<br />
passado.<br />
Isso era provavelmente uma necessidade considerando os muitos<br />
aspectos escuros de sua vida. — E, até certo ponto, você sabe.<br />
Confusão encheu o rosto do rosnado. — O que você quer dizer?<br />
— Você deixou o passado determinar quem você é agora, e está<br />
ligado a um homem que fez você quem você é hoje. Há muito passado<br />
em sua vida.<br />
Growl considerou isso. Realmente parecia que minhas palavras<br />
estavam chegando até ele.<br />
Arrisquei o próximo passo. — Você não quer vingança? Você<br />
nunca sonhou em matá-lo? Machucá-lo pelo que ele te fez? Você poderia<br />
terminar tudo. Livre-se do seu passado de uma vez por todas.<br />
Growl balançou a cabeça. — Eu lhe disse, o que ele fez para mim<br />
me fez quem eu sou. Eu não estaria aqui sem ele. Eu não estaria aqui<br />
com você sem ele. Ele me deu você e isso é mais do que eu esperava.<br />
Por um momento eu não conseguia respirar, não conseguia me<br />
mover, não conseguia fazer nada além de olhar fixamente e tentar<br />
chegar a um acordo com o que o Growl acabara de dizer. Como poucas<br />
palavras poderiam significar tanto para mim? Como poderia algo que<br />
~ 134 ~
aquele homem, aquele monstro disse, significar alguma coisa? Parecia<br />
impossível, mesmo agora.<br />
Ele deu um passo mais perto e escovou um fio de cabelo do meu<br />
rosto antes de pegar minha mão na dele. Não era um gesto romântico,<br />
mais como se ele precisasse convencer-se de algo, necessário para<br />
torná-lo tangível para compreender. — Mas ele dar você a mim, não foi<br />
bondade, — disse ele. — Nada como isso. Era cruel e degradante. Ele<br />
queria te punir e ele sabia que eu era o tipo de punição que iria quebrála.<br />
— Ele soltou minha mão. — Basta olhar para a pele. Sem mácula.<br />
Limpa. E olhe para mim. — Ele estendeu os braços, coberto de<br />
tatuagens e cicatrizes, bronzeado e musculoso. Sua vida se mostrava<br />
em seu corpo.<br />
Eu não sabia o que dizer. A auto aversão escorria de todos os<br />
poros de seu corpo, e eu não tinha certeza de como lidar com isso.<br />
— Falcone esperava que eu fizesse com você o que ele fez comigo.<br />
Transformar você em algo horrível. Quebra-la.<br />
Eu agarrei sua mão firmemente. — Você não me quebrou, — eu<br />
disse obstinadamente. Mas eu não tinha certeza se era verdade. Eu não<br />
era a pessoa que eu costumava ser. Alguma parte de mim tinha sido<br />
quebrada, não por violência causada por suas mãos e ainda, eu tinha<br />
mudado.<br />
— Pare de se odiar, — eu disse com raiva. — Você não é<br />
impotente. Você é talvez a única pessoa que pode fazer algo contra<br />
Falcone. Se você se sente tão mal sobre por que Falcone me deu para<br />
você, então me ajude. Você sempre diz que está perdido, que não pode<br />
se redimir. Mas isso não é verdade. Você poderia compensar seus<br />
pecados ajudando a mim e a minha família.<br />
Growl enrolou os dedos sobre a minha mão. — Por exigir vingança<br />
— disse ele, curioso.<br />
Eu hesitei. — Sim. — Eu estava sendo hipócrita por sugerir algo<br />
assim? — Falcone merece a morte. Nós nunca seremos livres com ele<br />
por perto. Não só porque ele pode nos dizer o que fazer, mas porque<br />
controla o nosso passado, ele o moldou, moldou-nos irrevogavelmente.<br />
Growl recuou, soltando minha mão. — Não me peça novamente.<br />
Não posso te ajudar.<br />
Meu coração afundou. Por um momento, ele realmente pensou em<br />
dizer sim. Eu tinha visto isso em seu rosto. Devo continuar tentando<br />
~ 135 ~
mesmo que ele me disse para não continuar? Ou devo apenas aceitar o<br />
que, obviamente, nada poderia ser mudado e esperar que tudo ficasse<br />
bem para minha mãe e irmã de qualquer maneira?<br />
Eu não poderia dizer mais nada.<br />
~ 136 ~
Capítulo dezessete<br />
CARA<br />
Growl afastou-se de mim nos dias depois da minha visita ao<br />
túmulo. Eu o deixei. Eu não sabia o que fazer.<br />
Ele não tinha sequer me visitado no meu quarto e eu estava<br />
começando a sentir falta disso, sentir falta dele.<br />
Deitada acordada em minha cama, eu escutava cada som lá fora.<br />
Growl tinha saído novamente sem uma explicação depois de escurecer,<br />
e eu estava aterrorizada neste bairro assustador em ficar sozinha à<br />
noite.<br />
Eventualmente, quando cada rangido me fazia pular, eu saía da<br />
cama. Saí do quarto e parei no corredor escuro, ouvindo o som de patas<br />
no chão, mas não havia nada. Talvez Growl tivesse deixado os cachorros<br />
dormirem em seu quarto. Eu fui em direção a ele, mas atrás da porta<br />
estava quieto. Eu caminhei na ponta dos pés na sala de estar. Estava<br />
escuro lá também. Somente a luz da lua escura que fluía através das<br />
janelas permitia meus olhos enxergarem qualquer coisa lá fora. Do lado<br />
de fora eu podia ouvir os gritos ocasionais ou uma sirene à distância,<br />
sons que pareciam encher todas as noites nessa área. Eu não tinha<br />
certeza por que Growl escolheu viver aqui. Como ele podia suportar<br />
isso? Ou talvez a desesperança e a brutalidade que enchiam tantas<br />
casas na rua fosse algo familiar para ele, algo que ele podia entender.<br />
Um movimento no canto me deixou tensa. Então meus olhos viram a<br />
cabeça de Coco e, ao lado dela, a de Bandit. Os cães estavam me<br />
observando, mas eles não se mexiam de seus lugares de dormir. Eu não<br />
queria voltar para o meu quarto. Eu estava tão cansada de me sentir<br />
sozinha todo o tempo, de estar sozinha com meus pensamentos, medos<br />
e preocupações. Caminhei até o sofá e afundei-me. Coco levantou-se do<br />
cobertor e trotou em minha direção. Eu não estava exatamente mais<br />
com medo dos cães, mas às vezes eles ainda me deixavam nervosa,<br />
especialmente Bandit, eu não podia ler seus movimentos muito bem,<br />
uma vez que minha família nunca teve animais de estimação. Mas agora<br />
~ 137 ~
Coco não parecia de mau humor. Ela parou ao lado de minhas pernas e<br />
colocou a cabeça grande no meu joelho, olhando para mim com<br />
expectativa. Levantei minha mão com cuidado, não querendo assustála,<br />
e segurei-a em frente ao nariz para que ela pudesse cheirar como<br />
Growl tinha me mostrado no começo.<br />
Coco não fez, entretanto, ela lambeu minha mão. Sua língua era<br />
quente e áspera, mas contra minha expectativa não era nojenta, embora<br />
a ideia de todos os lugares que a língua tinha estado antes não era<br />
reconfortante. A respiração morna do cão na minha pele e aquele sinal<br />
óbvio de ternura trouxeram lágrimas aos meus olhos. Eu gentilmente<br />
passei minha mão por suas macias orelhas e cabeça, e ela deixou<br />
escapar uma respiração profunda. Eu não pude deixar de sorrir.<br />
Estiquei-me no sofá e bati no estofado ao meu lado. Coco não hesitou.<br />
Ela se levantou e se deitou ao meu lado, seu corpo musculoso<br />
pressionado contra mim. Eu acariciei o comprimento de suas costas,<br />
saboreando a sensação de seu corpo quente ao meu lado. O som de<br />
garras na madeira me fez levantar a cabeça, bem a tempo de ver Bandit<br />
pular do chão e pousar no sofá aos meus pés onde ele se enrolou, suas<br />
costas pressionadas contra a curva dos meus joelhos. Eu sabia que<br />
estaria segura com eles, e os ruídos assustadores do lado de fora<br />
deixaram de me incomodar.<br />
mim.<br />
Com seus corpos me aquecendo, o sono rapidamente caiu sobre<br />
* * *<br />
Eu não tinha certeza do que me acordou, mas quando eu abri<br />
meus olhos, o sol tinha acabado de sair do lado de fora. Coco e Bandit<br />
ainda estavam aconchegados em mim; o que era provavelmente a razão<br />
por que eu não estava com frio, embora não tivesse um cobertor.<br />
Eu tinha dormido sem pesadelos, algo que não acontecia em um<br />
tempo. Coco levantou a cabeça para olhar algo atrás de mim. Olhei por<br />
cima do meu ombro e encontrei Growl encostado no batente da porta,<br />
observando-me e os cães.<br />
— Eles geralmente não aquecem as pessoas facilmente. Eles<br />
devem realmente gostar de você para dormirem ao seu lado desse jeito.<br />
~ 138 ~
Sentei-me, o que não era fácil, já que Coco e Bandit estavam tão<br />
perto de mim. Ambos os cães me deram o que eu só poderia chamar<br />
olhares reprovadores, porque eu perturbei o seu sono, mas finalmente<br />
meus pés descalços atingiram o chão e eu estava sentada.<br />
— Talvez eles estivessem solitários.<br />
— Por que eles estariam? Eles não estão sozinhos. Eles têm um ao<br />
outro e eu não os deixo sozinhos muito frequentemente.<br />
— Só porque alguém não está sozinho não significa que ele não<br />
está solitário — eu disse calmamente.<br />
Growl procurou meu rosto. — Você está solitária? — A<br />
intensidade de seu olhar me fez querer se esconder. Em vez disso eu<br />
abaixei meu olhar para Coco e me levantei. Ouvi Growl vir atrás de<br />
mim. Sua mão roçou meu ombro, depois garganta.<br />
— Às vezes, — eu admiti. — Esta casa não é um lugar onde é fácil<br />
se sentir em casa.<br />
As pontas de seus dedos rastrearam minha clavícula e o toque<br />
levantou arrepios em minha pele. Ele não disse nada, nem eu.<br />
Lentamente, sua mão deslizou debaixo da minha camisola até que seus<br />
dedos roçaram meu mamilo. Eu tremi com o formigamento que<br />
percorreu meu corpo.<br />
Sua mão segurou meu peito e apertou levemente. Um pequeno<br />
gemido deslizou para fora da minha boca. Growl fez um movimento com<br />
a outra mão e ambos os cães pularam do sofá. A outra mão de Growl<br />
juntou-se à sua primeira e agarrou meu outro peito. Ele girou meus<br />
mamilos entre as pontas dos dedos. Ele puxou um pouco mais e a dor<br />
se misturou com a luxúria. Minhas pernas se separaram quando a<br />
pressão e o calor entre elas se tornaram quase insuportáveis. Eu queria<br />
que ele me tocasse ali, queria que ele elevasse minha necessidade.<br />
Ele inclinou-se para baixo, enganchando-me entre seus braços<br />
musculosos e deixando uma mão deslizar para baixo sobre o meu<br />
estômago e através de meus cachos. Eu tremi novamente e abri minhas<br />
pernas um pouco mais amplas. Depois de dias sem o seu toque, meu<br />
corpo estava praticamente sedento por isso.<br />
O que eu estava fazendo? Quando eu tinha começado a<br />
choramingar por seu toque? Quando eu tinha abandonado<br />
completamente a resistência? Growl mergulhou um dedo em meu<br />
centro apertado, me fazendo gritar. Ele torceu meu mamilo novamente e<br />
~ 139 ~
eu gemi alto. Minha cabeça caiu para trás e pousou em seu ombro. Eu<br />
já estava tão molhada, e quando Growl puxou meus mamilos no ritmo<br />
com seu dedo empurrando em mim, eu quase desmoronei. Lutei contra<br />
o meu orgasmo. Eu não queria dar a ele a satisfação de me fazer gozar<br />
depois de um minuto de que ele começou a me tocar.<br />
Sua respiração estava quente contra a minha garganta enquanto<br />
lambia o ponto sobre meu pulso cardíaco, então puxou a pele em sua<br />
boca e sugou. Eu mordi meu lábio inferior, esperando que a dor me<br />
acalmasse. Ele soltou minha pele, então deixou seu nariz escovar minha<br />
garganta até o ponto atrás de minha orelha. Ele soltou meu peito e um<br />
baixo som de protesto pressionou entre meus lábios. Growl ronronou<br />
profundamente e o som me fez tremer de prazer. Sua palma segurou<br />
minha bochecha e ele inclinou meu rosto para o dele, então esmagou<br />
seus lábios contra os meus. Sua língua conquistou minha boca. Ele<br />
tinha gosto de café fresco e sua boca estava incrivelmente quente, tudo<br />
sobre ele era.<br />
Ele soltou a mão do meu rosto e a devolveu ao meu peito,<br />
continuando seus cuidados. Meu mamilo se sentiu quase cru de sua<br />
torção, mas ele se sentiu muito vibrante, muito bom para pedir-lhe para<br />
parar. Um segundo dedo juntou-se ao primeiro. Eu exalei,<br />
acostumando-me à plenitude novamente, mas Growl não me deu muito<br />
tempo. Ele estabeleceu um ritmo rápido e forte. Reivindicou minha boca<br />
e peitos e vagina, meu corpo inteiro. Minhas pernas começaram a<br />
tremer enquanto a pressão aumentava cada vez mais, e então eu<br />
explodi. Ondas de luxúria se espalharam pelo meu corpo a partir do<br />
meu núcleo. Arqueei do sofá e chorei na boca de Growl. Ele empurrou<br />
seus dedos ainda mais duro em mim e deu um puxão final do meu<br />
peito. Eu me encostei contra ele, completamente exausta e sem fôlego.<br />
Growl puxou a mão dele e uma sensação de frio me venceu na<br />
falta de seu toque. Mas Growl apareceu ao lado do sofá. Ele desabotoou<br />
suas calças e as deixou escorregar pelas pernas. Seu pênis ereto saltou<br />
livre, já brilhando. Ele segurou a parte de trás da minha cabeça e eu<br />
deixei que ele me guiasse em direção a seu pênis, separando meus<br />
lábios enquanto sua ponta os roçava. Growl segurou-me no lugar<br />
enquanto ele fodia minha boca. De repente, o desejo de ter mais<br />
controle superou-me e eu o empurrei para trás. O aperto na parte de<br />
trás da minha cabeça apertou brevemente, mas então ele me soltou,<br />
confusão piscando em seu rosto antes de ser substituído por uma<br />
expressão neutra. No momento em que ele deixou cair a mão da minha<br />
cabeça, me deixando livre, eu me inclinei para frente e o levei para<br />
minha boca novamente. Surpresa encheu seus olhos, depois pura<br />
~ 140 ~
luxúria. Eu girei minha língua em torno de sua ponta, então puxei de<br />
volta outra vez para correr minha língua de sua base até sua ponta.<br />
Enrolei meus dedos em torno de seu comprimento e movi-o para cima e<br />
para baixo lentamente, tentando descobrir como se mover. Growl me<br />
observou enquanto eu lambia suas bolas. Eles se apertaram e uma nova<br />
gota apareceu na ponta de seu pênis, me encorajando ainda mais. Uma<br />
das minhas mãos cobriu seu traseiro duro. Os músculos se dobraram<br />
sob minha palma. A sensação de sua força me deu uma emoção. Como<br />
poderia seu poder me intimidar em todas as outras situações, mas me<br />
transformar no momento em que fazíamos sexo?<br />
Eu desliguei meu cérebro. Eu não queria pensar, só queria sentir.<br />
O sexo era o único momento em que sentia algo parecido com liberdade<br />
e a felicidade. Talvez estivesse errado, mas eu estava determinada a me<br />
agarrar a qualquer coisa que me ajudasse no futuro próximo. Eu<br />
bombeei seu comprimento rápido e trabalhei a ponta entre meus lábios.<br />
Logo Growl começou a bombear ligeiramente, dirigindo-se mais<br />
profundo em minha boca. Eu o soltei e então ele ficou tenso, deixando<br />
escapar um som gutural. Eu tentei engolir tudo, mas algumas gotas<br />
correram pelo meu queixo. Growl me levantou e reclamou minha boca<br />
para outro beijo. Eu o beijei de volta, querendo que ele se provasse<br />
como eu. Quando ele se afastou, estávamos ambos ofegantes e suando.<br />
Growl soltou meus ombros e deu outro passo para trás, bem<br />
desse jeito construindo uma parede entre nós novamente.<br />
— Vamos tomar o café da manhã. Estou morrendo de fome. —<br />
Sua voz era ainda mais profunda do que o normal. Seus olhos<br />
seguraram os meus por alguns segundos mais. Ele queria dizer algo,<br />
estava claro em seu rosto, mas então ele se virou e foi para a cozinha.<br />
Eu nem sabia o que eu estava esperando exatamente. Às vezes eu não<br />
tinha certeza do que eu queria. No começo tudo tinha sido sobre fazer<br />
Growl confiar em mim para que eu pudesse usá-lo para meus<br />
propósitos, mas agora havia mais.<br />
Eu não deveria esperar por algo que nunca iria acontecer. E o que<br />
era ainda mais importante: eu não deveria desejar algo que era tão<br />
errado. Eu não podia me permitir esquecer por que eu estava aqui,<br />
mesmo se fingir tornasse a vida mais fácil. Mas eu era uma prisioneira.<br />
Growl era praticamente meu dono, e mesmo se ele alguma vez decidisse<br />
me deixar ir, o que eu duvidava que ele alguma vez fizesse, ninguém no<br />
nosso mundo me tocaria depois que eu estive com o Growl, muito<br />
menos casaria comigo. Eu estava manchada. Não servia como um bom<br />
partido. Eu nunca poderia voltar para a sociedade. Las Vegas estava<br />
~ 141 ~
morta para mim. Recostei-me no sofá. Uma onda de solidão estava<br />
prestes a arrancar seu caminho para fora do meu peito novamente.<br />
Eu peguei Coco olhando para mim. Ela parecia confusa.<br />
— Eu também não entendo nada disso — sussurrei. Ela inclinou<br />
a cabeça para o lado. Um pequeno sorriso puxou meus lábios para sua<br />
confusão.<br />
Eu empurrei para fica de pé. Eu não ia me afogar em auto<br />
piedade. Não era como se eu precisasse ou quisesse o carinho ou a<br />
proximidade de Growl. O sexo era um meio para um fim. Isso me ajudou<br />
a me sentir melhor e me ajudou a entender Growl melhor. Se eu<br />
quisesse uma chance de manipulá-lo para me deixar ir e ajudar a<br />
minha família, eu teria que usar todos os truques que eu tinha.<br />
GROWL<br />
Seus cães não gostavam de seres humanos. Mesmo ele teve que<br />
lutar por muito tempo para que confiassem nele. Mas Cara, eles<br />
pareciam amá-la. Se os cães fossem mesmo capazes de ter esse tipo de<br />
emoção. Growl estava certo de que a maioria dos humanos também<br />
não. Eles gostavam da ideia do amor, mas nunca chegaram a esse nível<br />
com alguém.<br />
Amor. Uma noção tola. E perigosa. Coisas horríveis tinham sido<br />
feitas em nome do amor. Ou a ideia disso.<br />
Growl não pensou que ele já tinha sentido algo parecido. Pelo<br />
menos ele não conseguia se lembrar. Talvez ele tivesse amado sua mãe<br />
quando ele era pequeno. Ele tinha conseguido uma cicatriz por isso.<br />
Amor.<br />
Não era algo que pudesse compreender.<br />
Cara. Aquela mulher.<br />
Ele sentiu algo. Mas ele não sabia o que era. Nunca se sentira<br />
assim antes.<br />
~ 142 ~
Ela o fez querer tratá-la bem. Ela o fez querer ser melhor. Ela o fez<br />
querer tantas coisas que ele não deveria querer.<br />
Ela era perigosa para ele, para a vida que tinha construído, para a<br />
pessoa em que se tornara.<br />
Ela queria que ele fosse contra Falcone, contra tudo o que ele<br />
tinha trabalhado tão duro para conseguir. Era por isso que ela deixava<br />
que ele a tocasse e por que ela às vezes sorria para ele, por que ela<br />
falava com ele e aceitava sua proximidade. Não poderia haver outra<br />
explicação.<br />
Ele sabia disso, e ainda assim ele era como uma mariposa atraída<br />
pela luz dela. A única luz que já havia penetrado na escuridão que era<br />
ele e sua vida.<br />
~ 143 ~
Capítulo dezoito<br />
CARA<br />
— Há algo que você precisa saber. — Growl inclinou-se contra o<br />
balcão da cozinha como ele frequentemente fazia. Ele quase nunca se<br />
sentava, como se ele sempre quisesse estar preparado para correr.<br />
Embora em seu caso o ataque fosse provavelmente mais exato. Mas seu<br />
olhar me preocupava. Algo me disse que não gostaria do que ele tinha a<br />
dizer.<br />
— Ok, — eu disse lentamente. — O que é? — Tantas coisas<br />
horríveis haviam acontecido nas últimas semanas, não havia muito que<br />
poderia me devastar, e então o medo me atingiu. — É sobre minha mãe<br />
ou irmã? Falcone decidiu que não precisa mais delas?<br />
Growl franziu a testa como se não pudesse imaginar como eu<br />
poderia ter tirado essa conclusão. Talvez a preocupação com os outros<br />
fosse algo totalmente estranho para ele.<br />
— Não, — ele rosnou. — É sobre o seu noivo.<br />
— Duvido que ele ainda seja meu noivo — murmurei. Quem iria<br />
me querer depois de tudo o que tinha acontecido? Eu era uma piada em<br />
nossa sociedade.<br />
O rosnado de Growl se aprofundou. — Ele não é. Você está certa.<br />
Seu olhar estava começando a me perturbar, o que era<br />
surpreendente considerando que, no começo, tudo sobre ele me<br />
perturbava. Aparentemente agora eu precisava de uma razão adicional<br />
para me sentir desconfortável em sua presença.<br />
— Bom, — eu disse com firmeza. — Eu não gostaria de me casar<br />
com ele de qualquer maneira.<br />
Dúvida cruzou o rosto de Growl. — Por quê? — Ele ressoou. Havia<br />
algo em sua voz que eu não conseguia colocar.<br />
~ 144 ~
Eu bufei. — Por quê? Você realmente precisa perguntar?<br />
Growl permaneceu em silêncio, aquela mesma expressão estoica<br />
em seu rosto.<br />
— Ele traiu meu pai para melhorar sua própria posição. Ele traiu<br />
minha família. Ele me traiu. Eu não quero um homem assim. Um<br />
homem que só olha para seu próprio umbigo, que não se importa com<br />
quem ele destrói para alcançar seus objetivos. Eu não quero um homem<br />
em quem eu não possa confiar. Ele é um porco, e eu gostaria de poder<br />
cuspir em seu rosto.<br />
— Você terá sua chance — disse Growl.<br />
Eu parei. — O que você quer dizer?<br />
Growl ignora a minha pergunta. — O que preciso dizer é que<br />
Cosimo e sua amiga vão se casar.<br />
Eu não tinha certeza se eu tinha ouvido corretamente. — Minha<br />
amiga?<br />
— Aquela menina Anastasia. Falcone me disse ontem à noite. Eles<br />
anunciaram seu noivado ontem.<br />
Eu não conseguia me mexer. Se isso era um pesadelo, eu queria<br />
acordar agora. — Você tem certeza?<br />
Growl assentiu com a cabeça. — Cosimo tem uma posição de<br />
poder agora. Ele precisa de uma esposa e de um herdeiro.<br />
Eu ri com amargura. — Não demorou muito para encontrar uma<br />
nova mulher para se casar. — Eu odiava como a notícia me fez se<br />
sentir. Apesar do meu ódio por Cosimo, senti-me esmagada. Não porque<br />
eu queria casar com ele, mas porque isso fazia minha vida como era<br />
agora, ainda mais de uma realidade. Não havia volta. A mudança era<br />
irrevogável. E Anastasia, como ela pode fazer isso? Eu sempre soube<br />
que Anastasia poderia ser viciosa e egoísta, mas nós éramos amigas<br />
desde que nós poderíamos andar. Tínhamos experimentado tantas<br />
coisas juntas. Isso não significava nada? Como minha amiga pode fazer<br />
isso? Anastasia sabia de tudo? Será que talvez ela já soubesse disso na<br />
festa de Falcone? Talvez isso explicasse por que ela parecia tão puta<br />
quando eu tinha dançado com Cosimo.<br />
Não, não poderia ser.<br />
~ 145 ~
Eu não queria acreditar que minha amiga não teria me avisado.<br />
Parecia cruel. Mais cruel do que o que Anastasia era capaz de fazer. Ela<br />
gostava de conversas fúteis e destruir a reputação das pessoas, mas<br />
este era um assunto diferente.<br />
Talvez Anastasia fosse uma vítima. Talvez seus pais e Falcone a<br />
tivessem obrigado a se casar com meu ex-noivo agora que eu já não era<br />
elegível. Afinal, Anastasia tinha a mesma idade que eu e era de uma boa<br />
família. Eu queria acreditar nisso. Mas o olhar que Cosimo e Anastasia<br />
trocaram na festa brilharam em minha mente. Havia algo como<br />
familiaridade entre eles. Ou eu estava pensando muito nisso agora que<br />
eu sabia de seu noivado. Eu não estava no estado mental adequado<br />
para pensar com clareza, então eu empurrei a imagem para longe. Eu<br />
não era capaz de suportar a ideia da traição horrível da minha amiga.<br />
Não, desde que eu não soubesse todos os fatos. Não fazia sentido eu<br />
percorrer todas as possibilidades.<br />
Growl ainda estava me observando. Eu não tinha certeza de<br />
quanto tempo eu estava perdida em meus pensamentos e eu esperava<br />
que meu rosto não tivesse entregado muito de meu tumulto interior.<br />
— Isso não me preocupa mais, — eu disse. — Não é como se eu<br />
ainda fosse parte de seu círculo.<br />
— Por quê você diria isso?<br />
Ele estava falando sério? — Oh vamos lá. Mesmo você deve<br />
perceber o que está acontecendo em nossa sociedade. Mesmo se você<br />
não se importa com nada disso. Existem regras. E eu sou tão boa<br />
quanto exilada.<br />
— Porque você está comigo. — Havia dor em sua voz. Seu rosnado<br />
constante tornou ainda mais difícil ouvir as nuances de suas emoções.<br />
Eu apertei meus lábios. Eu o ofendi? — Com você? — Eu<br />
perguntei curiosamente. — Você faz parecer que somos um casal<br />
quando eu sou apenas seu presente.<br />
Growl assentiu. — Você era. Mas agora que você é minha, você<br />
tem o mesmo status que eu tenho.<br />
— Isso não é verdade, — eu disse, frustrada por sua falta de<br />
compreensão. Será que ele realmente pensava que qualquer parte da<br />
vida que eu tinha antes poderia sobreviver? Eu tinha feito o melhor do<br />
meu destino, mas isso não significa que eu teria escolhido.<br />
~ 146 ~
Growl parecia frustrado como eu me sentia, mas eu não me<br />
importava. Eu não tinha energia para explicar nada a ele. Às vezes, sua<br />
deficiência para entender os relacionamentos humanos me deixava<br />
louca.<br />
— Talvez você não seja tão especial como antes — disse Growl, a<br />
palavra especial como uma maldição de seus lábios. — Mas você é parte<br />
deste mundo.<br />
Eu olhei para o balcão. — Eu não quero mais fazer parte deste<br />
mundo.<br />
— Isso não depende de você. Somos convidados para a festa de<br />
noivado de Cosimo e sua amiga — disse Growl.<br />
Minha respiração engatou e meus olhos voaram para olhar para<br />
Growl. — Você não pode estar falando sério.<br />
Ele olhou fixamente. Ele obviamente não estava brincando.<br />
— Eu não vou — eu disse, minha voz tremendo. Coco trotou para<br />
mim e descansou a cabeça no meu joelho. Eu coloquei minha palma<br />
sobre sua cabeça macia, mas não consegui me acalmar. Até Bandit<br />
viera da sala para me observar com olhos curiosos.<br />
— Sim, você vai. Falcone nos quer lá, então estaremos lá.<br />
— Eu não me importo com o que ele quer. Eu o odeio. E ele só<br />
quer me humilhar de qualquer maneira. Todo mundo sabe que Cosimo<br />
era meu noivo e que Anastasia é... era minha amiga. Todos vão rir de<br />
mim.<br />
Eu só podia imaginar a humilhação que eu seria submetida. Eu<br />
não pensei que eu poderia suportá-la.<br />
— Ninguém vai rir de você quando estiver ao seu lado, — disse ele<br />
em voz baixa.<br />
Eu parei. — Por que você se importa?<br />
— Você é minha, e eu não vou deixar ninguém falar merda sobre<br />
algo que pertence a mim.<br />
Claro. Era uma coisa do ego. Ele não se importava comigo. Ele só<br />
queria ter certeza de que as pessoas lhe mostraram o respeito<br />
necessário e que incluíam respeitando seus pertences. Eu queria gritar<br />
de frustração, mas eu o mordi de volta. Esta festa era a minha chance<br />
de pedir aos meus amigos por ajuda. Nós nos conhecíamos<br />
~ 147 ~
praticamente por toda as nossas vidas. Agora que Growl tinha deixado<br />
claro que ele não iria me ajudar contra Falcone, eles eram<br />
provavelmente a minha última chance.<br />
* * *<br />
Eu tinha temido este dia desde que Growl tinha me dito há dois<br />
dias, mas eu prometi manter a cabeça erguida. Eu era mais forte do que<br />
costumava ser. Eu passaria por essa festa.<br />
Growl estava de pé na sala, puxando o colarinho da camisa com<br />
uma mão enquanto um laço se enroscava na outra.<br />
Era óbvio que ele se sentia incômodo vestido assim. Não era quem<br />
ele era. Colocá-lo em um terno era como colocar um tigre em uma<br />
gaiola. Na festa de Falcone, ele escondia seu desconforto por trás de<br />
uma máscara de indiferença, mas agora, num momento em que<br />
pensava que estava sozinho, suas defesas estavam perdidas. Não era a<br />
primeira vez que eu via um vislumbre de algo humano. Foi<br />
desconcertante porque eu não queria vê-lo como qualquer coisa além de<br />
um monstro. Ele tornou as coisas mais fáceis. Eu não queria arriscar<br />
realmente esperar por algo que era absolutamente irreal.<br />
Growl colocou a gravata em volta do pescoço dele e depois se<br />
atrapalhou por um minuto com ambas as extremidades até que ele fez<br />
um som de frustração e jogou a gravata no chão. Era provavelmente por<br />
isso que ele não tinha usado gravata na última festa. Um pequeno<br />
sorriso puxou meu lábio e eu me aproximei.<br />
— Você precisa de ajuda?<br />
Os olhos do Growl lançaram-se para mim, parecendo<br />
consternado. Então eles lentamente deslizaram para baixo, me olhando.<br />
Poucos momentos antes eu me senti mal porque o vestido não era novo,<br />
porque todo mundo sabia que eu tinha usado antes, mas agora, com a<br />
maneira que Growl olhou para mim, de repente não importava muito.<br />
Eu rapidamente desviei o olhar, assustada com a forma como sua<br />
expressão me importava, e apontei para a gravata no chão.<br />
— Você pode fazer um nó? — Ele perguntou com uma pitada de<br />
surpresa.<br />
~ 148 ~
— Claro, — eu disse enquanto caminhava em direção a ele. Seus<br />
olhos seguiam cada movimento. Muitas vezes eu tinha problemas para<br />
ler suas expressões, mas agora não havia necessidade de adivinhar:<br />
luxúria e apreço. Isso enviou uma emoção através do meu corpo.<br />
— Você parece uma dama, — ele murmurou.<br />
GROWL<br />
Seus movimentos eram pura graça. Não havia nada mundano,<br />
nada barato sobre Cara. Ela era uma menina nascida para ser uma<br />
princesa e agora ela tinha sido degradada a ser uma simples serva.<br />
Talvez Falcone tivesse querido tirar tudo dela, mas isso, sua educação,<br />
sua beleza e graça, isso ele não podia tirar. Talvez ele tivesse esperado<br />
que a quebrasse tão irrevogavelmente que se tornaria outra pessoa, que<br />
perderia aquela parte de si mesma. Mas ele não fez isso.<br />
Ele era um monstro. Sempre seria. Mas ele podia apreciar algo<br />
precioso, algo tão valioso quanto Cara, e ele nunca iria destruí-la. Ele<br />
não era bom, não havia nada de cinza nele. Ele era todo negro, mas ele<br />
estava tentando ser bom para ela. Nunca seria tão bom quanto ela<br />
merecia, mas tão bom quanto ele era capaz. Não era suficiente, ele<br />
percebia isso todos os dias. Ele nunca seria suficiente.<br />
Ela pegou a gravata e se aproximou dele, seu aroma doce e florido<br />
enchendo seu nariz e fazendo com que ele quisesse enterrar seu rosto<br />
em seus longos cabelos castanhos.<br />
Seus dedos longos e elegantes amarraram delicadamente o nó.<br />
Dedos destinados a segurar copos frágeis de Champanhe e ser decorado<br />
por apenas as melhores joias.<br />
Ela alisou a gravata quando terminou. Não houve hesitação ou<br />
hesitação. Ela foi feita para ser a esposa de um homem que usava<br />
ternos todos os dias. Growl às vezes se surpreendia imaginando se ela<br />
estaria imaginando ser a mulher de Cosimo, amarrando o nó de manhã<br />
e cumprimentando-o com um beijo quando ele voltasse à noite. Ela<br />
admirava seu trabalho, então olhou para ele com seus olhos azuis.<br />
— Feito.<br />
~ 149 ~
Nunca se sentira menos digno do que naquele momento. O<br />
vestido que ela usava era perfeição sobre ela, como se tivesse sido feito<br />
para ela. Ela foi feita para coquetéis e recepções elegantes. Ele foi feito<br />
para pubs sujos e clubes de beco escuro.<br />
Seus caminhos nunca teriam cruzado se não fosse pela vingança<br />
de Falcone. O sofrimento de Cara tinha levado à coisa mais preciosa na<br />
vida de Growl, e ainda assim ele não podia se arrepender. Ele era<br />
egoísta. Ele estava feliz por ter tido a chance de ter alguém como ela.<br />
Ele olhou para o relógio. — Precisamos sair.<br />
Cara bateu um dedo no vidro do relógio. — Eu não teria atrelado<br />
você como um tipo vestindo um Rolex — ela disse curiosamente.<br />
— Eu não sou. O relógio pertencia a Falcone e ele deu-me como<br />
presente por um trabalho bem feito.<br />
A expressão de Cara tornou-se pedra, com os olhos brilhando.<br />
— Como eu. — Um sorriso amargo tirou seus lábios vermelhos<br />
perfeitos. — Mas eu não sou tão valiosa quanto aquele pedaço de metal<br />
em torno de seu pulso.<br />
— Você vale mais do que qualquer coisa que eu algum dia possuí<br />
ou que possua.<br />
CARA<br />
Ele quis dizer isso como um elogio, mas as palavras pungiam<br />
mesmo assim. Ser comparada a um relógio, mesmo se você o ganhou no<br />
final, não era algo que eu gostava. Eu sabia que ele não conseguia<br />
entender o efeito que sua comparação teve comigo. Ele estava tentando<br />
ser gentil comigo, e isso ainda me surpreendia todos os dias.<br />
Houve um momento de silêncio antes de Growl limpar a garganta,<br />
um som áspero e profundo.<br />
— Não devemos nos atrasar.<br />
Eu balancei a cabeça. Eu não me importava se estivéssemos<br />
atrasados. Tudo em mim gritava com a mera ideia de ir àquela festa,<br />
~ 150 ~
mas eu tinha que manter minha calma se eu quisesse passar a noite<br />
sem um completo constrangimento.<br />
Growl dirigiu-se para a porta e destrancou-a. Bandit e Coco nos<br />
acompanharam até o batente e nos viram fechar a porta com olhos<br />
acusadores.<br />
Deixei meu olhar vagar pelo bairro. Um casal de idosos negros<br />
estava sentado na varanda de duas casas. Eu nunca os tinha visto<br />
antes e eles observavam também um acervo considerável para esta<br />
área. Talvez tivessem vivido aqui toda a sua vida e só nos últimos anos<br />
tudo tinha ficado esgotado. Suas cabeças viraram nosso caminho<br />
quando Growl e eu caminhávamos em direção a seu carro. Nós<br />
estávamos provavelmente fazendo uma grande aparição vestidos em<br />
nossos melhores trajes para noite. Pessoas por aqui geralmente não<br />
tinham ocasiões para se vestir. Growl assentiu com a cabeça e eles<br />
balançaram a cabeça, mas depois rapidamente viraram a cabeça para<br />
longe.<br />
Para minha surpresa Growl abriu a porta de seu carro para mim e<br />
eu subi, com cuidado para não atolar a bainha do meu vestido na porta.<br />
Eu juntei minhas mãos no meu colo e comecei a esfregar uma<br />
contra a outra quando Growl saiu da entrada. Meus dedos estavam<br />
gelados apesar do clima ameno. Quando esfregar não ajudou, eu os<br />
levantei para o meu rosto e soprei ar quente em minhas palmas. Growl<br />
virou os olhos para longe da rua para olhar para mim. — O que você<br />
está fazendo?<br />
— Nada, — eu disse rapidamente.<br />
Growl agarrou uma das minhas mãos, me assustando. — Você<br />
está com frio, — ele disse surpreso.<br />
— Tem sido assim o dia todo. Provavelmente nervos. — No<br />
momento em que as palavras saíram da minha boca, lamentei-as. Eu<br />
não queria muito admitir isso para Growl.<br />
— Nervos? — Fiquei feliz quando ele finalmente não teve escolha<br />
senão voltar sua atenção para a rua. — Ninguém vai te machucar.<br />
Eu ri sem humor. Não fisicamente, talvez. — Isso não é o que eu<br />
estou preocupada. Só não quero ver Cosimo e os outros.<br />
— Por quê?<br />
~ 151 ~
Muitas vezes eu esquecia o pouco que Growl sabia da natureza<br />
humana. Ele me lembrou de alguém que cresceu em torno de animais e<br />
agora tinha que descobrir como as interações humanas trabalhavam.<br />
— Porque me lembra tudo o que eu perdi, — eu admiti<br />
finalmente.<br />
Growl franziu o cenho para a rua. — Você o amava? — Seus<br />
lábios se torceram com a palavra, como se ela deixasse um sabor<br />
amargo em sua boca. — Você ama Cosimo?<br />
Havia uma sugestão de algo duro e escuro em sua voz. E desta<br />
vez eu peguei a emoção escondida por trás de sua frieza.<br />
Vulnerabilidade e mágoa. Eu balancei a cabeça. Amor? Eu não sabia<br />
nada de amor.<br />
— Não. Eu nunca quis casar com ele. Mal o conhecia. Meus pais o<br />
escolheram para mim. — Meu pai. Mas dizer seu nome em voz alta era<br />
demais esta noite. Eu não chegaria àquela festa horrível com os olhos<br />
cheios de lágrimas. Eu não daria a nenhum deles essa satisfação.<br />
— Então por que você está triste, por você o ter perdido e que ele<br />
vai se casar com aquela garota?<br />
Eu estava triste? Não por ter perdido Cosimo. Eu não poderia me<br />
importar menos com ele agora, depois de tudo. Fiquei triste embora. Mas<br />
era apenas uma pequena parte das emoções que eu sentia. Com cada<br />
segundo que passava, uma emoção mais sombria, crescia mais forte em<br />
mim. Ódio. E o desejo de vingança. — Eu não estou triste, não sobre<br />
perder ele. Se eu só o tivesse perdido... — Eu ri. — Deus, isso seria<br />
esplêndido. Mas eu perdi tudo.<br />
— E triste? Não. — Eu disse calmamente. — Estou furiosa. Quero<br />
que sofram. Eu quero que eles se arrependam do dia em que decidiram<br />
matar meu pai e destruir minha família. Cosimo, Falcone e todos os<br />
outros que estavam envolvidos nisso.<br />
Growl assentiu, como se fosse uma emoção que ele pudesse<br />
compreender. Ele nem sequer se ofendeu que minha lista possivelmente<br />
o incluísse também. Ele tinha sido parte do ataque à minha família,<br />
mesmo que ele não fosse o chefe da operação, apenas a mão brutal de<br />
Falcone.<br />
— Não diga nada disso na festa — Growl grunhiu.<br />
— Eu não sou idiota. Eu não vou dizer nada disso. — Mas eu me<br />
lembrei da última vez que vi Falcone e como eu o desafiara. Meu ódio<br />
~ 152 ~
por ele só havia crescido desde então. Parar de tentar arranhar seus<br />
olhos para fora ou melhor ainda cortar sua garganta com uma faca de<br />
ostra seria difícil.<br />
— Eu sei que você não é estúpida. Mas a estupidez não tem nada<br />
a ver com isso. As emoções seguem suas próprias regras.<br />
Como você saberia? Eu queria perguntar, mas mantive as<br />
palavras para mim. Por mais ridículo que possa parecer, Growl era<br />
talvez o único refúgio naquela festa de hoje à noite. Eu não tinha<br />
certeza do que esperar de Trish e Anastasia, embora eu esperasse que<br />
ainda seríamos amigas e elas me ajudariam.<br />
* * *<br />
A casa de Cosimo era menor que a de Falcone, mas ele também<br />
tinha uma fonte em sua entrada, embora menor que a de Falcone.<br />
Quando Growl e eu entramos na casa, cada par de olhos nos observava.<br />
A conversa morreu, só para retornar um momento depois, mas desta<br />
vez atrás de mãos levantadas e com olhares roubados em minha<br />
direção. Todo mundo estava falando sobre mim. O calor subiu em<br />
minha cabeça, mas eu me forcei a ficar de pé e parecer relaxada, apesar<br />
da vontade de fugir. Growl colocou a palma da mão contra a parte<br />
inferior das minhas costas e por um momento o gesto realmente<br />
conseguiu me relaxar, mas as pessoas rapidamente notaram o toque e<br />
eu quase podia ouvir suas palavras desagradáveis. Eu tomei um<br />
pequeno fôlego e deixei Growl empurrar-me mais para dentro da sala.<br />
Pequenas mesas com aperitivos estavam distribuídas no grande área de<br />
estar e de jantar. Supus que Cosimo tivesse escolhido o mesmo<br />
fornecedor de Falcone. Ele parecia muito interessado em imitar seu<br />
chefe em todos os sentidos possíveis de qualquer maneira.<br />
E embora tudo parecesse uma cópia barata da festa de Falcone,<br />
eu me peguei querendo ser a anfitriã. Era para ser a minha festa de<br />
noivado. O dia mais feliz da minha vida, pelo menos para as aparências.<br />
E agora…<br />
Meus olhos registraram Anastasia e Cosimo no final da sala, perto<br />
de um enorme refrigerador de Champanhe dourado. Anastasia usava<br />
um novo vestido prata longo, que a fazia parecer uma princesa. E ao<br />
seu lado estava Cosimo de terno escuro, um braço em volta da cintura<br />
de sua noiva. A bile subiu em minha garganta e o sorriso engessado no<br />
~ 153 ~
meu rosto se tornou doloroso. Eu precisava de algo para beber. Algo<br />
forte. Growl parecia ler minha mente porque um momento depois, um<br />
copo com vinho tinto apareceu na frente do meu rosto. As outras<br />
mulheres bebiam champanhe ou vinho branco, então fiquei surpresa<br />
com sua escolha.<br />
— Vinho tinto é suposto para acalmar as pessoas. Talvez você<br />
também.<br />
Eu poderia ter o beijado então. Eu nunca teria esperado algo tão<br />
prestativo de um homem como ele. Mas meu momento de paz foi curto<br />
enquanto caminhávamos em direção a Falcone, que agia como se fosse<br />
o anfitrião daquela noite, fazendo grandes gestos com seus braços e<br />
rindo mais alto, enquanto as pessoas reunidas ao seu redor tentavam<br />
agir como se ele realmente estivesse dizendo algo engraçado.<br />
Eu tomei um grande gole de vinho, rezando para que me<br />
acalmasse rapidamente antes de fazer algo que me impedisse de ter a<br />
oportunidade de ver minha mãe e minha irmã novamente. Eu não<br />
poderia me perder hoje à noite. Haveria tempo para vingança um dia,<br />
mas não nessa festa.<br />
O aperto de Growl nas minhas costas se contraiu quando<br />
paramos na frente de Falcone como se ele estivesse tentando me avisar.<br />
— Bela festa, chefe — comentou Growl.<br />
Falcone sorriu amplamente. — Não é minha festa, infelizmente.<br />
Cosimo fez um bom trabalho. Ele está tentando impressionar sua<br />
pequena dama. — Finalmente, seus olhos frios se fixaram em mim,<br />
triunfante e provocante. Meus dedos se apertaram no meu copo, mas<br />
forcei meu rosto a permanecer calmo. Eu duvidava que tivesse sucesso.<br />
Praticamente cada centímetro de mim estava queimando de ódio, com a<br />
necessidade de fazer esse homem na minha frente sofrer.<br />
— Espero que você esteja tão feliz por sua amiga e Cosimo como<br />
todo mundo, — disse ele falsamente.<br />
Diga algo. Diga algo. Mas tudo o que eu conseguia pensar era se<br />
era possível esmagar o copo e cortar a garganta de Falcone com um dos<br />
cacos antes que qualquer um dos homens ao nosso redor viesse em sua<br />
ajuda.<br />
Growl provavelmente seria o primeiro a salvar seu chefe.<br />
~ 154 ~
— Estou feliz, — eu me forcei a dizer, mas as palavras soaram<br />
falsas até mesmo para meus próprios ouvidos. Falcone zombou, depois<br />
voltou-se para Growl.<br />
— Estou surpreso que você conseguiu se arrancar da cama. Mas<br />
mesmo você, meu Touro, precisa de uma pausa de vez em quando,<br />
hein? — Falcone bateu palmas no ombro de Growl em um gesto<br />
destinado a amigos. — Espero que você ainda esteja satisfeito com seu<br />
presente. Caso contrário, ainda há outra irmã para você tentar, se você<br />
se cansar deste presente.<br />
— Talia? Onde ela está? — Eu exclamei antes que eu pudesse me<br />
controlar. A expressão triunfante no rosto de Falcone dizia que tinha<br />
conseguido o que queria. Ele sabia exatamente onde apertar meus<br />
botões. Ele não me daria as respostas que eu queria.<br />
Growl me apertou em advertência novamente, mas era tarde<br />
demais. Apertei meus lábios e tive que lutar contra as lágrimas. Falcone<br />
era um monstro pior do que Growl.<br />
— Não vou me cansar de Cara — disse Growl.<br />
O sorriso de Falcone virou-se lascivo quando seu olhar percorreu<br />
o meu comprimento.<br />
— Isso é bom, não é? Talvez eu devesse tê-la mantido para mim,<br />
então. — Ele riu.<br />
Growl não disse nada. Seu rosto era de pedra, e seu aperto na<br />
minha cintura doloroso. Olhei para Falcone, esperando que ele pudesse<br />
ver a promessa em meus olhos. Você vai morrer.<br />
Seu sorriso se alargou apenas, mas a minha determinação estava<br />
definida. Eu não iria parar até que o homem estivesse deitado aos meus<br />
pés, morto. Eu odiava o sangue e a morte, mas eu assistiria a cada<br />
segundo, enquanto a vida drenava de seu corpo e o apreciava.<br />
Growl parecia sentir o crescente perigo. — Nós precisamos ir para<br />
o casal feliz agora.<br />
— Sim, você deveria, — Falcone disse, mas seus olhos nunca me<br />
deixaram.<br />
Estremeci quando tínhamos andado alguns passos longe dele.<br />
— Você precisa ter mais cuidado — murmurou Growl.<br />
~ 155 ~
Eu olhei para ele. Seu olhar estava posto em frente, expressão<br />
rochosa. As pessoas o observavam com medo e repulsa, mas ele não se<br />
importava. O único homem que podia controlar Growl era Falcone e isso<br />
me assustava. — Não me dê a ele.<br />
Growl franziu o cenho para mim. — Do que você está falando?<br />
— Para Falcone. Não me dê a ele, — eu sussurrei.<br />
Realização piscou através do rosto de Growl, depois determinação.<br />
— Nunca. Você é minha. Ele não vai tirar você de mim.<br />
— Você tem certeza? Ele é seu chefe. Ele poderia dizer para você<br />
me dar a ele. — Foi uma surpreendente reviravolta do destino que eu<br />
preferia ser a posse de Growl, mas qualquer coisa era melhor do que<br />
pertencer a Falcone.<br />
— Você é minha, — Growl repetiu e depois parou e notei que<br />
tínhamos chegado ao fim de uma fila de pessoas que estavam<br />
esperando para parabenizar Cosimo e Anastasia.<br />
~ 156 ~
Capítulo dezenove<br />
CARA<br />
Eu exalava lentamente. Eu precisava ter o controle. Eu quase o<br />
perdi na frente de Falcone. Pelo menos na frente do meu ex-noivo idiota<br />
e traiçoeiro, eu queria manter minha calma. Ele não precisava saber<br />
como eu estava quebrada. Anastasia estava ocupada sem olhar em<br />
minha direção, mas mesmo ela deve ter percebido que eu tinha chegado<br />
à festa. Afinal, todos haviam ficado em silêncio à nossa chegada, e<br />
Anastasia sempre teve ouvidos e olhos para fofoca. Mas ela me<br />
ignorando me deu a chance de classificar meus pensamentos e me<br />
acalmar. Eu tomei um gole no meu vinho tinto. O álcool estava<br />
começando a me relaxar. Não era de surpreender que tantas pessoas em<br />
nosso círculo fossem alcoólatras. Esta vida muitas vezes só poderia ser<br />
tolerada bêbada.<br />
Os olhos de Cosimo brevemente pararam em mim e eu congelei<br />
com o vidro contra meus lábios. Lentamente eu baixei, mas então<br />
Cosimo desviou o olhar. Seu rosto não tinha emoção. Nem sequer havia<br />
pena ou coisa alguma. Ele realmente não se importava comigo. Por que<br />
isso ainda me surpreendeu, eu não tinha certeza. Afinal de contas, ele<br />
não agia de forma diferente quando ele e Falcone vieram à casa de<br />
minha família para arruinar nossas vidas.<br />
Havia apenas um casal à nossa frente, e minhas palmas ficaram<br />
suadas de nervos. Esta era talvez a minha única chance de falar com<br />
Anastasia e descobrir a verdade. Growl inclinou-se para baixo, seus<br />
lábios mornos escovando minha orelha e eu não pude parar de me<br />
lembrar de como seus lábios eram em outras partes do meu corpo. Eu<br />
tremi.<br />
— Lembre-se, fique calma, — ele retumbou em meu ouvido, então<br />
se endireitou, e de repente nós ficamos bem na frente de Anastasia e<br />
Cosimo. Era nossa vez de parabenizar o casal feliz. Até mesmo o<br />
pensamento me fazia sentir náuseas. Mas eu coloquei um rosto corajoso<br />
e sorri. Anastasia parecia insegura e seu sorriso era mais que um pouco<br />
~ 157 ~
forçado. Eu não sabia o que fazer com isso. Ela não fez nenhum<br />
movimento para me abraçar ou se aproximar. Quando Cosimo e Growl<br />
apertaram as mãos e conversaram, usei minha chance e puxei Trish<br />
firmemente contra mim, tentando ignorar a forma como seu corpo se<br />
tencionou em nossa proximidade. Ela estava preocupada que eu a<br />
atacasse? Ou ela estava realmente enojada por estar tão perto de mim<br />
agora que eu era menos? Eu bani o pensamento antes que pudesse me<br />
distrair de meu plano. Eu trouxe minha boca perto de sua orelha. — Por<br />
favor, Anastasia, ajude-me. Você pode ajudar a nós duas a fugir.<br />
Anastasia agarrou meus braços, pregos cavando em minha pele, e<br />
empurrou-me alguns centímetros de distância antes que ela se<br />
inclinasse o suficiente para que ninguém ouvisse suas palavras. — Eu<br />
não quero fugir, — ela sussurrou, então em voz alta. — Eu não poderia<br />
estar mais feliz. — Ela deu seu melhor sorriso Grace Kelly para a<br />
rodada de convidados reunidos, parecendo como este fosse o momento<br />
de sua vida.<br />
Olhei, incapaz de compreender o que estava acontecendo.<br />
Anastasia estava montando um show? Ela estava preocupada se alguém<br />
estava nos ouvindo?<br />
Mas quando eu recuei para permitir que as próximas pessoas na<br />
fila parabenizassem Anastasia e Cosimo, eu me permiti um olhar mais<br />
atento à Trish. Ela não estava tendo uma atuação digna de um Oscar.<br />
Não havia os sinais reveladores de linhas ao redor de seus olhos quando<br />
ela estava forçando um sorriso. Isso era real. Growl começou a me levar<br />
embora, mas eu continuava olhando de volta para minha ex-amiga e<br />
meu ex-noivo. Eles pareciam felizes. Ninguém havia forçado Anastasia.<br />
Ela realmente queria casar com ele.<br />
Ninguém poderia evitar a se apaixonar, certo? Se Anastasia me<br />
dissesse, eu teria tentado convencer meu pai a deixá-la casar com ele.<br />
Eu teria querido que Anastasia fosse feliz, e eu nunca me importei com<br />
meu noivo.<br />
Como Anastasia poderia deixar isso acontecer? Há quanto tempo<br />
isso estava acontecendo? Mas mesmo agora, eu não queria acreditar<br />
que ela soubesse antes da festa. Talvez tivesse descoberto depois,<br />
quando já era tarde demais. Eu dei um último olhar para Anastasia<br />
antes de me virar. Ela não queria nada comigo esta noite, e eu<br />
suspeitava que não era só porque outras pessoas estavam por perto. Ela<br />
tinha um futuro perfeito pela frente, o que ela sempre quis. Ela não se<br />
arriscaria por mim.<br />
~ 158 ~
Eu esvaziei o meu copo e o coloquei na bandeja de um garçom<br />
que estava passando. De repente eu me senti cansada, e não apenas de<br />
álcool. Esta noite era como um pesadelo que eu nunca iria acordar.<br />
Growl parou num canto da sala e se encostou na parede. Eu olhei<br />
para ele. Ele parecia ter se cansado dessa festa também.<br />
— Não podemos simplesmente sair? — Eu perguntei.<br />
Growl balançou a cabeça. — Você realmente quer mostrar a eles o<br />
quanto isso está incomodando você? Mostre-lhes a sua força. Não seja<br />
covarde.<br />
— Eu não estou me acovardando, — eu sussurrei, então suspirei.<br />
— Mas eu sinto drenada. Eu não sou forte. Eu não me importo se eles<br />
pensam que eu sou fraca. — Não era verdade e mais tarde me<br />
arrependeria da minha falta de controle, mas agora eu só queria<br />
escapar.<br />
— Nunca mostre fraqueza a essas pessoas — disse Growl em voz<br />
baixa, inclinando-se para baixo até que estivéssemos muito perto. —<br />
Você é mais forte do que pensa. Nenhuma mulher me deu um tempo tão<br />
difícil como você faz todos os dias. Se você pode ser forte em torno de<br />
mim, você pode ser forte em torno desses fracos. Eles não são nada.<br />
Eu pisquei em seus olhos âmbar. Pela primeira vez, eu realmente<br />
pensei em agarrar seu rosto e beijá-lo. Eu queria fazer isso na frente de<br />
todos. E isso, também, me assustou. Eu acenei com a cabeça. — Você<br />
está certo. — Eu abaixei meus olhos, incapaz de suportar sua<br />
proximidade por mais tempo. Eu peguei algumas pessoas nos<br />
observando com a boca aberta. Aparentemente eles estavam esperando<br />
ansiosamente por uma cena entre Growl e eu. Eles provavelmente<br />
ficariam terrivelmente desapontados se esta noite não terminasse<br />
comigo sendo espancada em uma confusão sangrenta por Growl.<br />
Eu olhei para eles e eles realmente desviaram o olhar.<br />
— Esse olhar é bom. Mostre-lhes quem você é.<br />
— Se eu soubesse, — eu sussurrei. Do outro lado da sala, de<br />
repente, vi Trish e o alívio me inundou. Trish sempre foi a amiga amável<br />
entre minhas duas melhores amigas. Growl seguiu meu olhar. — Vá em<br />
frente e fale com ela. Ela é sua amiga, certo?<br />
— Como você sabe?<br />
— Eu vi vocês juntas na festa de Falcone.<br />
~ 159 ~
— Ok, — eu disse distraidamente, já pensando em como melhor ir<br />
falar com Trish. Eu não poderia arriscar assustá-la.<br />
— E não faça nada estúpido, — disse Growl quando eu já estava a<br />
poucos passos de distância.<br />
— Não vou.<br />
Corri atrás de pessoas que me olhavam abertamente e apontaram<br />
para mim, que sussurraram meu nome como uma maldição, e até riram<br />
de mim, mas eu as ignorei.<br />
Tudo o que importava era falar com Trish e descobrir o máximo<br />
que pudesse.<br />
Trish me viu quando eu ainda estava a uma boa distância e por<br />
um momento eu tinha certeza que ela iria virar e correr, mas ela<br />
esquadrou seus ombros e esperou por mim. Eu estava grata por esse<br />
pequeno ato de bravura de sua parte, especialmente considerando os<br />
muitos olhos que seguiam todos os meus movimentos. Quando eu<br />
cheguei na frente dela, nós duas não fizemos nada por alguns<br />
batimentos cardíacos. Então Trish me deu um tapinha desajeitado no<br />
braço e eu me enrolei sob o gesto forçado. Qualquer esperança que eu<br />
tinha deixado para a minha amizade com Trish desapareceu também.<br />
Eu limpei minha garganta. Mas eu não sabia o que dizer. Eu tinha<br />
feito tantos planos. Eles pareciam idiotas agora. Meus olhos se dirigiram<br />
novamente para Cosimo e Anastasia.<br />
Trish seguiu meu olhar e assentiu. — Sinto muito, Cara. Você<br />
sabe que Anastasia sempre consegue o que quer.<br />
Suas palavras eram estranhas, mas eu coloquei um sorriso<br />
corajoso, lembrando as palavras de Growl. — Você não pode escolher<br />
por quem você se apaixona.<br />
Trish bufou. — Amor. Anastasia só ama a si mesma, você sabe<br />
disso. — Pela primeira vez, Trish expressou críticas contra Anastasia, e<br />
eu percebi que eu a subestimava. Eu nunca tinha pensado nela como<br />
particularmente inteligente, e ela sempre tinha sido a loira estúpida,<br />
mas seus olhos atentos agora me fizeram perceber como eu estava<br />
errada. Ela provavelmente tinha visto através de Anastasia há muito<br />
tempo.<br />
— O que você quer dizer? — Eu perguntei calmamente.<br />
~ 160 ~
— Ela o queria por causa de sua posição. Ele é um bom partido, e<br />
depois da coisa com seu pai, ele ficou disponível. Isso é tudo.<br />
Meu estômago se apertou. — Ela sabia antes que acontecesse? —<br />
Ela não conseguia nem dizer as palavras.<br />
Trish encolheu os ombros. — Provavelmente. Ela me ligou na<br />
mesma noite e me contou sobre isso.<br />
— Mas você não sabia... — Minha voz se apagou. Eu não tinha<br />
certeza de quanto mais eu poderia ouvir.<br />
Trish tocou ligeiramente meu braço. — Não. Eu não. E eu sinto<br />
muito por tudo. — Seus olhos se lançaram em torno das pessoas nos<br />
observando e sua expressão ficou mais cautelosa.<br />
Eu sabia o que ia acontecer. Trish dependia da avaliação dos<br />
outros como eu, antes que tudo tivesse sido tirado de mim. E ela, mais<br />
do que eu, sempre fora a companheira de Anastasia. Isso não mudaria.<br />
Ela não ia mudar. Trish não arriscaria sua reputação gastando o tempo<br />
comigo no futuro. E o pior era, eu não poderia dizer se eu não teria feito<br />
o mesmo se nossas posições tivessem sido revertidas.<br />
Eu dei um passo para trás, forçando um sorriso. — Eu sei que<br />
não podemos mais nos ver, — eu disse com firmeza. — Só uma última<br />
coisa, você sabe alguma coisa sobre minha irmã?<br />
Trish sacudiu a cabeça. — Anastasia provavelmente sabe.<br />
Pergunte a ela. — Eu poderia dizer que ela estava ansiosa para terminar<br />
esta conversa e eu fiz isso fácil para ela. Eu me virei e comecei a andar,<br />
mas eu não sabia para onde ir. Onde quer que eu olhasse, eu vi pessoas<br />
que não queriam nada comigo. Nem todos pareciam pensar que minha<br />
família e eu tínhamos conseguido o que merecíamos, mas ninguém<br />
parecia que ia me ajudar, ou até mesmo falar comigo. Eu nunca me<br />
sentia tão sozinha em minha vida, e desta vez não havia sequer um<br />
celular na minha bolsa. E mesmo que fosse, não havia ninguém que eu<br />
pudesse chamar. Meu olhar desesperado assentou em Growl que não<br />
estava mais conversando com o grupo de homens. Em vez disso, ele<br />
estava parado sozinho, com um copo de vinho tinto na mão.<br />
Parei por um momento. Mas ele era a única pessoa que eu podia<br />
ir. Eu olhei ao redor de novo, em direção às portas e janelas, então olhei<br />
para os meus pés e ri amargamente. Quando eu levantei os olhos, Growl<br />
estava me observando. Eu sabia que ele nunca tinha tirado seus olhos<br />
de mim. Não havia jeito de escapar, não sem ajuda, e embora doesse<br />
reconhecer, eu não conhecia ninguém naquela festa que se preocupasse<br />
~ 161 ~
o suficiente comigo para se arriscar. Trish girou em torno da pequena<br />
pista de dança com um jovem que eu não conhecia e Anastasia estava<br />
sorrindo largamente ao lado de Cosimo. Todo mundo estava bebendo e<br />
rindo e vivendo sua vida. Mas eu não perdi os olhares que eles<br />
mantinham em minha direção. Em alguns eu peguei piedade e<br />
simpatia, mas assim que esses poucos me notaram olhando para eles,<br />
eles rapidamente desviaram seus olhos como se eles estivessem<br />
preocupados que minha má sorte esfregasse em cima deles ou talvez<br />
que eles se sentissem obrigados a me ajudar.<br />
Mas havia também os outros, aqueles que me observavam com<br />
curiosidade, desesperados por continuar ansiosos pela sensação. Eu<br />
estava bastante certa de que eles teriam se aproximado de mim para<br />
obter uma atualização sobre suas fofocas sobre Growl se isso não<br />
significasse que eles iriam arriscar a sua reputação por ser visto<br />
comigo.<br />
Eu fui em direção a Growl. Quando eu parei ao seu lado, ele<br />
estendeu o copo de vinho tinto para mim. Eu levantei minhas<br />
sobrancelhas. — Você está tentando me deixar bêbada?<br />
— Parece que você precisa dele, — disse ele.<br />
Eu bufei. — Eu não acho que o vinho é o suficiente.<br />
Growl não riu nem sorriu, só me reuniu com seus olhos âmbar<br />
afiados. Ele ainda estava segurando o copo e eu finalmente o peguei.<br />
— Esse não é seu? — Eu perguntei, mas tomei um grande gole<br />
antes que ele pudesse responder.<br />
Ele não parecia se importar. — Eu não bebo.<br />
— Você não bebe? Todos bebem. — Eu acenei com a cabeça na<br />
direção geral dos outros convidados.<br />
Growl não desviou os olhos de mim. — O álcool torna as pessoas<br />
descuidadas. Isso traz o pior deles.<br />
— Você mata para ganhar a vida. Não acho que fique muito pior.<br />
Growl assentiu. — Possivelmente. Mas não vou deixar o álcool<br />
atrapalhar meus sentidos.<br />
Esvaziei o resto do vinho. — É exatamente por isso que eu bebo.<br />
— Não. Foi errado dar-lhe o vinho. Não faz as coisas melhorarem.<br />
Só faz você acreditar que sim.<br />
~ 162 ~
Eu estava começando a me sentir trêmula e tonta. — Talvez seja o<br />
suficiente. Se as coisas não puderem melhorar, pelo menos eu posso<br />
fingir que sim.<br />
Growl suspirou. — Vou dizer a Falcone e Cosimo que estamos<br />
indo embora. Você ficará onde está enquanto eu estiver fora.<br />
Eu me encostei na parede. Eu não tinha vontade de ir a lugar<br />
algum. A sala estava girando e eu estava começando a me sentir quente.<br />
Com um outro olhar para mim, Growl dirigiu-se para onde Cosimo<br />
estava conversando com Falcone. A multidão se separou para ele. E ele<br />
se erguia sobre eles, forte, alto e orgulhoso, apesar de seus sussurros.<br />
Eu queria poder ser assim. Mas eu me importava com o que as<br />
pessoas diziam. Doeu-me vê-los julgando e compadecendo. Eu fechei<br />
meus olhos contra seu escrutínio e logo perdi todo o sentido do tempo.<br />
Um toque no meu ombro me despertou do meu estupor. As<br />
minhas pálpebras se sentiram pesadas quando as abri. Growl franziu o<br />
cenho para mim e eu recuei pela raiva em seu rosto. — Nunca feche<br />
seus olhos ao redor de seus inimigos. Você não vai sobreviver assim.<br />
Eu sorri com cansaço. — Como se você tivesse tirado os olhos de<br />
mim. Ninguém pode me machucar quando você está por perto. Se<br />
alguém acabar me matando, então provavelmente será você.<br />
Growl não negou. Ele enrolou os dedos em meu braço e me guiou<br />
até a porta. Eu o segui num estado de transe. Quando chegamos lá fora,<br />
o ar fresco me ajudou a recuperar meus sentidos e engoli o oxigênio<br />
ansiosamente.<br />
Mas eu ainda não estava no melhor estado de espírito e levei um<br />
tempo para notar um homem encostado em um carro fumando um<br />
cigarro. Eu não o conhecia, mas Growl conhecia do jeito que seus dedos<br />
em meu braço apertavam em advertência.<br />
— Boa conquista, — o homem disse.<br />
Growl ignorou-o e tentou puxar-me para além dele. Mas o homem<br />
afastou-se do carro, jogou o cigarro no chão e esmagou-o com o sapato.<br />
Ele sorriu maliciosamente.<br />
— Como você encaixa o seu pau grande naquela boca pequena de<br />
dama dela? — Ele parecia bêbado, e eu jurei para mim mesma nunca<br />
mais beber tanto quanto esta noite novamente.<br />
~ 163 ~
De repente, Growl se afastou de mim e eu tropecei, mas peguei<br />
meu equilíbrio no último segundo, me segurando novamente em outro<br />
carro. Eu engasguei então girei ao redor quando ouvi um grito abafado.<br />
Growl tinha agarrado o homem pelo pescoço e jogou-o no chão. Ele<br />
chutou-o nas costelas duas vezes, em seguida, se inclinou para baixo e<br />
deu um soco no rosto. O homem gemeu e sangue saiu do nariz e da<br />
boca.<br />
— Não, — Growl rugiu em uma voz que enviou arrepios frios em<br />
minhas costas. — Nunca mais volte a falar assim ou eu vou te sufocar e<br />
te estrangular com suas entranhas.<br />
O homem tossiu.<br />
— Entendido? — Growl perguntou, sacudindo o homem.<br />
— Sim, — ofegou o homem em uma voz encharcada de sangue.<br />
Growl enxugou as mãos no terno do homem antes de se endireitar<br />
e enviar um olhar de advertência. Então ele voltou para mim com uma<br />
expressão calma. Nenhum sinal de sua fúria anterior era visível.<br />
— Por que você fez isso? — Eu perguntei enquanto ele me<br />
conduziu em direção a seu carro, que estava estacionado no lado da<br />
estrada perto dos portões de entrada.<br />
Growl me ajudou entrar no lugar do motorista. — Porque você é<br />
minha e eu não vou deixar ninguém falar merda sobre você.<br />
— Na casa, na festa, todos estavam falando de mim.<br />
Growl olhou de volta para a casa brilhantemente iluminada e por<br />
um momento eu me preocupei que ele tempestearia de volta e batesse<br />
alguns convidados mais, mas depois ele olhou para mim. — Eles eram<br />
bastante inteligentes para não dizer nada quando eu podia ouvi-los, e a<br />
maioria só sente pena de você. Eles dizem coisas ruins sobre mim, não<br />
você.<br />
A maneira como ele estava lá, com algumas gotas de sangue em<br />
sua camisa branca e a determinação fria em seu rosto impressionante,<br />
ele parecia meu anjo vingador. Quem poderia ser melhor para buscar<br />
vingança do que Growl? Ele sabia como ferir as pessoas, como destruílas.<br />
Eu poderia convencê-lo a ajudar minha irmã e minha mãe? Mesmo<br />
que ele nunca me deixasse ir, talvez ele pelo menos as ajudasse a fugir<br />
de Las Vegas e começar de novo. Ele estava em conflito, eu podia dizer.<br />
Poderia fazê-lo ir contra Falcone, afinal? Seus olhos âmbar encheram os<br />
~ 164 ~
meus, e um lampejo de esperança surgiu em mim. Eu não desistiria. Ele<br />
era minha única chance.<br />
GROWL<br />
Growl tinha suspeitado desde o início. Por que Falcone os<br />
convidaria? Agora ele sabia. Era para humilhar Cara, e ao fazê-lo, ele.<br />
Growl nunca se importava com o que as pessoas diziam, o que Falcone<br />
dizia. Ele viveu sua vida, tentou sobreviver, nunca quis ou precisou de<br />
muito.<br />
O único propósito de Falcone nesta noite era humilhar Cara. O<br />
sangue de Growl fervia com a memória. Growl não deixava ninguém<br />
humilhar o que era dele, especialmente Cara.<br />
Por alguma razão aquela garota significava algo para ele. Ele<br />
nunca se importou com ninguém, exceto com seus cachorros e talvez<br />
com ele, mas com Cara, ele não sabia ao certo o que estava acontecendo<br />
com ele. Ele não queria se importar com ela. Ele sabia que ela não o<br />
queria. O que ela estava fazendo era uma tática, uma maneira para ela<br />
sobreviver ao que tinha sido significado como um castigo horrível.<br />
Growl não sabia o que estava acontecendo com ela. Se talvez ela<br />
não o odiasse tanto quanto ele suspeitava. Às vezes parecia que ela não<br />
odiava estar perto dele tanto assim. Ela gostava de seu toque e sexo e<br />
seus beijos, o que era óbvio. Isso era algo que ele podia entender, mas<br />
além disso ela permanecia um mistério para ele.<br />
E não importava de qualquer maneira. Ela era dele e ele a<br />
protegeria. Mesmo contra Falcone. Esse homem estava arruinando a<br />
vida de Growl por muito tempo. Ele nunca encontrara a motivação para<br />
ir contra o homem, apesar de tudo o que Falcone fizera a Growl.<br />
Growl nem sequer tinha certeza do porquê. Ele mataria qualquer<br />
um que tentasse matá-lo. Ele nem hesitaria. Mas Falcone? Growl não<br />
tinha certeza do que o impedira de se vingar durante todos esses anos.<br />
Falcone era seu pai, mas Growl não achava que fosse por isso. Growl<br />
não sentiu nada quando disse ou pensou a palavra — pai — Era uma<br />
palavra vazia para ele. E ainda assim seu pai ainda estava vivo. Teria ele<br />
esperado profundamente que Falcone o veria como seu filho? Growl não<br />
~ 165 ~
conseguia sequer responder a essa pergunta. E agora ele não precisava<br />
mais. Era irrelevante por que ele ainda não se vingara do homem.<br />
Algo tinha mudado. E a razão disso era Cara. De alguma maneira,<br />
Falcone tinha posto tudo em movimento. Ao dar Cara para Growl, ele<br />
assinou sua própria sentença de morte, porque Growl queria ajudar<br />
Cara a se vingar. Ele não queria nada mais. Falcone sempre o chamava<br />
de sua máquina de matar. Falcone tinha criado o monstro, e agora ele<br />
viria para matar seu criador.<br />
Talvez ela parasse de odiá-lo, se o fizesse. Não podia esperar mais<br />
do que isso. Ele sabia que ninguém jamais poderia gostar dele, e ele<br />
aceitava isso.<br />
~ 166 ~
Capítulo vinte<br />
CARA<br />
Growl estava muito quieto desde que tínhamos voltado da festa<br />
ontem. Eu não podia dizer se isso significava que ele ainda estava<br />
pensando em me ajudar.<br />
Growl empurrou seu polegar sobre meu clitóris, arrancando-me<br />
de meus pensamentos. Ele empurrou um dedo em mim. — Eu quero<br />
toda a sua atenção, — ele retumbou, empurrando em mim novamente.<br />
Concordei rapidamente e afastei qualquer preocupação.<br />
De repente, Growl puxou a mão para longe. Fiquei confusa. — O que<br />
há de errado? — eu perguntei.<br />
— Toque-se — ordenou ele, sentando-se de costas.<br />
Eu me enchi de vergonha. A última vez que fiz isso minha mãe viu<br />
e não terminou bem. — Não está certo, — eu disse.<br />
Growl soltou um riso. — Eu não dou a mínima para o certo, desde<br />
que seja bom. Fizemos tantas coisas que não são certas. Não me diga<br />
que isso é pior.<br />
Olhei para ele, os braços ao meu lado. — Eu não posso fazer isso<br />
com você assistindo.<br />
— Mas você já se tocou antes?<br />
Eu hesitei. — Sim — admiti com relutância. Mais uma vez a<br />
vergonha passou sobre mim como há muitos meses atrás. Eu não tinha<br />
certeza por que ainda me incomodava tanto. Afinal, Growl estava certo.<br />
Eu tinha feito um monte de coisas piores com ele.<br />
— E foi bom, certo?<br />
Eu dei de ombros. — Foi bom.<br />
~ 167 ~
Growl levantou uma sobrancelha. Ele segurou meu pulso e<br />
empurrou minha mão entre minhas pernas. Eu pulei na sensação de<br />
meus dedos escovando meu centro. Tentei me afastar, mas Growl estava<br />
me segurando com força. — Pare de tentar fazer o que é certo e faça o<br />
que é bom para você. Você pensa demais.<br />
Eu olhei para ele. — Não me diga o que eu gosto ou não gosto.<br />
Talvez eu não goste de me tocar.<br />
Growl olhou para mim. Ele cobriu meu dedo indicador com o dele<br />
e guiou o meu entre as minhas dobras. A ponta do meu dedo escovou meu<br />
clitóris, então deslizou através da minha umidade. Estremeci com a<br />
sensação. Growl continuou deslizando os dedos para trás e para frente<br />
em um ritmo lento. Seus olhos encararam os meus e levou toda a força<br />
que eu não tinha para fechar meus olhos para me esconder de seu<br />
olhar. Ele guiou meu dedo para baixo até que eu cutuquei minha<br />
abertura. Meus olhos se arregalaram. Eu nunca fiz isso. Eu sabia o<br />
quanto eu gostava quando Growl fazia. Eu hesitei, mas Growl não<br />
deixou minha insegurança me parar. Ele empurrou meu dedo dentro de<br />
mim com o dele. Eu ofeguei em surpresa e luxúria quando os dois dedos<br />
me encheram. A sensação era incrível, e a fome nos olhos âmbar de<br />
Growl só aumentava meu desejo. Isso parecia tão errado, e era<br />
extremamente bom. Growl estabeleceu um ritmo lento, deslizando<br />
nossos dedos dentro e fora de mim. Foi incrível quão molhado e suave<br />
eu estava.<br />
— Como você se sente?<br />
Eu balancei a cabeça, não querendo dar a ele uma resposta. Eu<br />
não poderia admitir em voz alta que isso era bom. Já era ruim o<br />
suficiente estar gostando tanto. Growl parou nossos dedos, seu olhar se<br />
tornou desafiador. — Como. Você. Se. Sente?<br />
Eu empurrei meus quadris, tentando manter a sensação, mas<br />
Growl me parou com seu braço.<br />
— Bem, — eu disse com raiva. — Isso é bom.<br />
Um sorriso afetado cruzou o rosto de Growl, então ele se foi, mas<br />
ele finalmente começou a se mover novamente. Ele empurrou nossos<br />
dedos mais forte em mim, e eu estava ficando mais perto do meu<br />
orgasmo, mas algo ainda estava faltando.<br />
— Toque seu clitóris — disse Growl.<br />
~ 168 ~
Desta vez eu não hesitei. Minha outra mão desceu e eu pressionei<br />
dois dedos lá. Eu gemi, mas rapidamente apertei meus lábios,<br />
envergonhada pelo som quando Growl estava me observando tão de<br />
perto. Como se ele pudesse dizer que eu tinha problemas para me soltar<br />
enquanto ele estava assistindo, seu olhar percorreu meu corpo e ele<br />
observou enquanto nossas mãos e dedos se moviam em sincronia para<br />
me levar mais perto do limite. E então quando isso finalmente caiu<br />
sobre mim, tudo saiu de foco e eu me deixei levar, mesmo quando<br />
Growl voltou seus olhos para mim. Eu não podia me segurar, não<br />
queria. Eu não tinha nem mesmo regulado minha respiração quando<br />
Growl se levantou e começou a se despir. Eu acho que eu nunca me vou<br />
me acostumar com a visão dele nu. Sua tatuagem, suas cicatrizes, seus<br />
músculos, tudo sobre ele gritava perigo, gritava para eu me afastar, e<br />
ainda cada célula em meu corpo parecia amar sua proximidade. Seu<br />
pau já estava de pé e isso intensificou a dor entre as minhas pernas<br />
novamente. Eu sabia o que estava vindo agora e eu mal podia esperar.<br />
Por um momento ele ficou de pé no meio do quarto, me admirando.<br />
Mas, eu também não consegui me soltar o suficiente para deixar meus<br />
olhos percorrerem seu corpo. Isso iria parar?<br />
Quando meus olhos voltaram para seu rosto, sua expressão<br />
quase me fez gemer. Ele veio até a mim e subiu na cama. Eu o esperei<br />
subir em cima de mim e me foder. Mas ele me surpreendeu quando se<br />
deitou de costas. Confusão fez com que minhas sobrancelhas<br />
arqueassem, mas antes que eu pudesse perguntar o que ele estava<br />
fazendo, ele agarrou meus quadris e me levantou em cima dele, então<br />
eu estava montada em seus quadris. Sua ponta pressionou contra a<br />
minha abertura e uma emoção disparou através de meu corpo com a<br />
sensação. As mãos de Growl na minha cintura apertaram depois de um<br />
momento. Um incerteza me inundou. Eu não estava exatamente certa<br />
como fazer isso, mas eu não queria admitir isso em voz alta. Recolhendo<br />
minha coragem, eu me contraí contra o peito duro de Growl.<br />
Focalizando seus músculos e não a intensidade de seus olhos, eu<br />
lentamente me abaixei em seu pau. Um longo gemido escapou de meus<br />
lábios na sensação de seu comprimento deslizando em mim mais<br />
profundo do que nunca. Eu exalei lentamente quando ele entrou todo o<br />
caminho e eu me sentei confortavelmente em cima dele. Eu nunca tinha<br />
me sentido tão cheia antes. Foi incrível.<br />
Growl moveu seus quadris para cima alguns centímetros e meus<br />
olhos voaram até os dele. Havia tensão em seu rosto. Eu sorri e seus<br />
olhos brilharam. Cavando minhas unhas em seu peito do jeito que ele<br />
gostava, eu me ergui lentamente, deixando seu pau deslizar para fora<br />
de mim. Eu me concentrei em tencionar meus músculos internos para<br />
~ 169 ~
tornar isso ainda mais intenso para Growl, querendo levá-lo à beira da<br />
insanidade. Ele deu uma palmada na minha bunda, fazendo meus<br />
olhos se arregalarem e um suspiro de surpresa sair, seguido por uma<br />
risada que escorregou da minha boca.<br />
Havia algo parecido com brincadeira em sua expressão. Comecei a<br />
me mover mais rápido. Minha bunda acidentalmente escovava suas<br />
bolas e ele exalou bruscamente. Eu hesitei, sem saber se isso era um<br />
bom sinal, mas o olhar em seu rosto apagou todas as minhas<br />
preocupações. Ele gostou. Muito.<br />
Eu torci meus quadris, certificando de pressionar minha bunda<br />
de encontro com suas bolas cada vez que eu me abaixava. A respiração<br />
de Growl ficou mais rápida e os baixos grunhidos que eu adorava<br />
vieram do fundo de sua garganta novamente. Meu próprio corpo<br />
apertou antecipando um orgasmo, e quando eu me inclinei ligeiramente<br />
para frente, meu clitóris escovou seu osso púbico e eu explodi. Meus<br />
dedos cavaram ainda mais fundo em sua pele e eu me movi mais<br />
rápido, empurrando meu próprio orgasmo em novas alturas. E então o<br />
corpo de Growl estremeceu debaixo de mim e eu o senti gozar,<br />
provocando ainda mais minhas paredes internas. Eu gritei, jogando<br />
minha cabeça para trás. — Oh Deus, — eu disse.<br />
Quando meus batimentos cardíacos diminuíram, eu abri meus<br />
olhos e espiei o homem debaixo de mim. Ele estava me observando com<br />
surpresa.<br />
— O quê? — eu disse de forma consciente.<br />
Growl correu seu dedo sobre meu peito, então lentamente abaixo<br />
do meu estômago até que veio descansar sobre meu clitóris. Eu<br />
estremeci, ainda muito sensível para seu toque.<br />
— Esta foi a primeira vez que você gritou alto.<br />
Meu rosto se aqueceu ainda mais. — Alto? — eu olhei para a<br />
janela coberta pela cortina, preocupada com os vizinhos. Eles tinham<br />
ouvido alguma coisa?<br />
— Não se preocupe com eles. Eles não se importam se aquele<br />
bastardo do outro lado da rua bater em sua esposa até virar polpa. Eles<br />
não vão dar a mínima sobre você gritando porque você está gozando.<br />
Eu olhei para ele. Sua linguagem suja ainda me assustava<br />
algumas vezes. Mas ele estava certo. Eu tinha perdido a conta das vezes<br />
~ 170 ~
que eu ouvi a mulher do outro lado da rua gritar, e nada nunca tinha<br />
acontecido.<br />
GROWL<br />
Vê-la se tocar foi a coisa mais sensual que Growl já tinha visto.<br />
Deus, ele tinha dito a outras mulheres para fazerem a mesma coisa<br />
para ele, mas isso sempre parecia falso e errado. Mas com Cara, ela<br />
realmente se soltava. Ela confiava nele na cama. Era mais do que ele<br />
merecia com certeza.<br />
Ele queria muitas coisas na vida. Ele queria possuir, destruir,<br />
subjugar. Ele nunca quis ser gentil com alguém, ou estar com alguém<br />
além do simples ato de foder. Ele tinha fodido muitas mulheres;<br />
Nenhuma delas tinha significado algo para ele. Ele não desprezava as<br />
mulheres. Não gostava menos delas do que dos homens. Ele<br />
simplesmente não gostava dos humanos em geral. Eles eram criaturas<br />
desonestas e fodidas. É por isso que ele preferia a companhia de seus<br />
cachorros. Eles não esperariam que ele dormisse para matá-lo. Se um<br />
de seus cachorros quisesse matá-lo, eles fariam no meio do dia. Growl<br />
gostava mais dessa maneira.<br />
Cara estava esparramada na cama ao lado dele, seu peito subindo<br />
e descendo rapidamente, seus mamilos duros ainda mais rosados do<br />
que o habitual contra sua pele branca. Algumas gotas de suor desceram<br />
por seu estômago e ele teve que parar de lambê-los de sua pele. Ele<br />
precisava falar com ela, não se distrair com outra rodada de sexo.<br />
Embora a visão dela nua, e finalmente sem vergonha, tornava difícil se<br />
conter.<br />
Cara virou a cabeça, erguendo as sobrancelhas. — Há um olhar<br />
engraçado em seu rosto. Eu fiz algo errado? — duas manchas rosa<br />
apareceram em suas maçãs do rosto e ele se inclinou para frente e<br />
beijou sua testa. Ele não sabia por quê. Ele nunca tinha feito isso.<br />
Nunca tinha pensado em fazer. A testa não era um lugar muito<br />
interessante para um beijo. Cara estava virando-o de cabeça para baixo,<br />
isso era certo. — Você não fez nada de errado.<br />
~ 171 ~
Surpresa encheu o lindo rosto dela. Mesmo ela não entendia por<br />
que ele tinha feito isso, e ela geralmente era boa em emoções e ações<br />
humanas.<br />
Ela pôs uma mão no peito dele. Um pequeno gesto que também<br />
não fazia sentido. Talvez nem tudo tivesse sentido. — Você está bem?<br />
— Eu vou te ajudar, — ele disse com firmeza.<br />
Ela piscou. — Me ajudar? — a mão dela contra a pele dele<br />
começou a tremer. — Você quer dizer com Falcone?<br />
Growl assentiu. Não havia volta agora. Ele tomara sua decisão e<br />
nada o deteria. Ele morreria se necessário. Ela valeria a pena. — Eu vou<br />
te ajudar a se vingar.<br />
CARA<br />
Eu não podia acreditar. Eu esperava por isso, claro, sonhei sobre<br />
isso. Parecia improvável, impossível. Growl era o homem de Falcone,<br />
seu assassino mais temido. Como eu poderia ter mudado isso?<br />
— Então me deixe entender, — eu disse lentamente, querendo me<br />
certificar de que eu não estava entendendo as coisas erradas. — Você<br />
quer me ajudar a me vingar, mesmo que você nunca tenha tentado se<br />
vingar do que Falcone fez com você e sua mãe? Por quê? Eu não<br />
entendo. Você nem gosta do meu pai.<br />
Cale a boca, Cara. Minha mente estava gritando para mim, mas<br />
eu precisava saber. Eu estava começando a aceitar que por alguma<br />
razão parte de mim sentia algo pelo homem na minha frente. E eu<br />
precisava saber se ele também.<br />
— Não é por causa do seu pai. Não me importo que ele esteja<br />
morto. — as palavras mal doíam mais. Eu tinha me acostumado às<br />
palavras duras de Growl. Ele era honesto, isso era algo que eu<br />
apreciava.<br />
Eu me apoiei no meu cotovelo e procurei em seu rosto por<br />
respostas. — Então por quê? — minha voz era um sussurro.<br />
~ 172 ~
Os olhos âmbar de Growl traçaram meu rosto. — Falcone foi longe<br />
demais. Você não mereceu o que ele fez com você.<br />
— O que você quer dizer? — eu perguntei cuidadosamente, sem<br />
saber onde ele estava indo.<br />
— Você era inocente. Ele te puniu por algo que seu pai fez. Isso<br />
não está certo.<br />
— E ele puniu você quando você era um garotinho por algo que<br />
sua mãe poderia ter feito, te puniu por não fazer absolutamente nada.<br />
Isso deveria ter sido suficiente para fazer você querer matá-lo.<br />
— Eu sempre quis matá-lo.<br />
— Então por que não o fez?<br />
— Quando eu era um menino, eu o teria matado, mas naquela<br />
época eu não tinha as habilidades. E mais tarde, quando as tive, sentime<br />
agradecido a ele, por me dar as habilidades, por me mostrar o que<br />
eu podia fazer. Sem ele, eu não seria o que sou hoje.<br />
— Um monstro? Um assassino? Você poderia ter se tornado muito<br />
mais se ele não tivesse matado sua mãe e destruído sua infância. Ele<br />
quebrou você. — eu estremeci no momento em que as últimas palavras<br />
deixaram minha boca.<br />
— Eu era filho de uma prostituta que trabalhava para Falcone. Eu<br />
teria me tornado um de seus homens de qualquer maneira, mas sem<br />
sua crueldade, sem o que ele fez feito comigo, eu nunca teria me<br />
tornado implacável o suficiente para me tornar o seu melhor assassino.<br />
— Então você está me ajudando porque Falcone me tratou mal?<br />
Ele tratou muitas pessoas pior do que eu.<br />
Growl assentiu. Ele correu um dedo pelo meu braço, em seguida,<br />
de volta para cima novamente. — Ele fez. Eu fiz. Mas eu quero te ajudar<br />
a ser feliz. Quero que você saia desta cidade e dessa vida miserável. Eu<br />
nunca quis isso para mim, mas você, para você eu quero tudo.<br />
— Obrigada, — eu disse calmamente. Eu não poderia dizer mais.<br />
Isso foi esmagador.<br />
Eu limpei minha garganta. Emoções nunca tinham sido parte do<br />
plano, ou mesmo uma possibilidade no início. Eu precisava me<br />
concentrar agora.<br />
~ 173 ~
está.<br />
— O que vamos fazer com a minha irmã? Nem sabemos onde ela<br />
Growl puxou a mão para longe do meu braço. Eu me senti mal,<br />
mas eu sabia que não tinha motivo. Eu nunca tinha escolhido isso.<br />
— Vou descobrir — gritou Growl. Ele apoiou a mão em seu<br />
estômago.<br />
você.<br />
— Eu pensei que Falcone não compartilhava essa informação com<br />
— Até agora não. Mas agora que as coisas estão piorando com<br />
Nova York, acho que ele logo terá razão para me contar sobre o<br />
paradeiro de sua irmã.<br />
Eu respirei. — Porque ele acha que você vai machucá-la.<br />
— Mas não vou.<br />
— Eu sei, — eu disse sem hesitação. Como as coisas podem ter<br />
chegado até aqui? Eu estava me apaixonando por ele, e eu não tinha<br />
certeza de como me impedir de me sentir assim. Mas eu precisava. Não<br />
havia futuro para Growl e para mim. Não haveria.<br />
Ele tinha sido um monstro toda a sua vida. Mesmo que eu<br />
dissesse a ele que ele poderia se redimir me ajudando, eu nunca tinha<br />
realmente acreditado, tinha? Como eu poderia estar com alguém assim?<br />
Como eu poderia explicar isso para minha mãe e minha irmã? Eu não<br />
podia.<br />
~ 174 ~
Capítulo vinte e um<br />
CARA<br />
Os gritos dos vizinhos voltaram a aumentar. Era de manhã cedo.<br />
O sol mal se levantara ainda, mas eu estava acordada por horas. Não<br />
apenas por causa das brigas na casa vizinha, mas também por causa<br />
do acordo de Growl para me ajudar.<br />
Saí da cama e olhei pela janela para a casa do outro lado da rua.<br />
Desta vez, o casal tinha levado a briga para fora. Ambos estavam de<br />
frente um para o outro no gramado da frente. Um menino pequeno<br />
estava na porta, talvez de dois anos de idade, observando enquanto<br />
seus pais gritavam um para o outro.<br />
O homem ergueu a mão e golpeou a mulher com tanta força que<br />
ela tropeçou e caiu no chão, mas isso não o impediu. Ele se inclinou<br />
sobre ela e a bateu novamente. O menino começou a chorar, o rosto<br />
contorcido de terror.<br />
— Growl, — eu chamei.<br />
Ele veio em minha direção, parecendo em alerta. — O que está<br />
errado?<br />
— O cara está batendo na namorada de novo.<br />
Growl deu o seu ‘e daí’ com o olhar. — Ele está fazendo isso quase<br />
todos os dias e ela não o deixa. Não é problema nosso.<br />
Outro grito atraiu meus olhos para o casal. A mulher estava<br />
tentando rastejar para longe de seu namorado, mas ele a agarrou pelos<br />
cabelos e a girou, batendo-a novamente.<br />
— Ajude ela, — eu disse com firmeza. — Por favor. Ou eu vou<br />
fazer. — eu me virei e me dirigi para a porta da frente, abrindo-a. Eu<br />
sabia que seria quase impossível eu parar o homem porque ele era alto<br />
e grande.<br />
~ 175 ~
Growl estava perto de mim. — Você precisa aprender a cuidar do<br />
dos seus problemas.<br />
— Por quê? Para que eu possa me tornar tão implacável quanto<br />
você e Falcone? Não, obrigada! — eu sussurrei enquanto eu descia pela<br />
calçada.<br />
Antes que eu pudesse alcançar o outro lado, Growl me agarrou<br />
pelo braço, parando-me. Eu me virei para ele. O uivo do menininho<br />
chegou até a nós e rasgou meu coração. Ninguém mais estava<br />
ajudando, embora muitos rostos aparecessem nas janelas, observando<br />
o que estava acontecendo. — Esse garoto tem que ver seu pai bater em<br />
sua mãe? Você deve saber o que faz a uma criança ver esse tipo de<br />
horror. Você realmente quer que esse garoto compartilhe o mesmo<br />
destino que você?<br />
Os olhos de Growl cintilaram com incerteza, então seu olhar caiu<br />
na cena do outro lado da rua. Decisão e fúria tomou conta do seu rosto.<br />
Um alívio me inundou. Eu conhecia aquela expressão.<br />
Growl cruzou a rua sem olhar para a esquerda ou para a direita.<br />
Eu o segui. O cara não tinha nos notado ainda e estava insultando sua<br />
namorada, chutando e batendo ela alternadamente. Growl foi como um<br />
touro quando bateu no ombro do homem. O cara soltou um grito e caiu<br />
no chão. Parecia querer dar um soco contra quem o tivesse atacado,<br />
mas então percebeu que era Growl e seus olhos se arregalaram.<br />
Eu me agachei ao lado da mulher que ainda estava sentada no<br />
chão, pressionando a mão sobre sua boca. O sangue escorria pelo<br />
queixo. — Você está bem agora, — eu murmurei quando toquei seu<br />
ombro. Seus olhos sem foco se fixaram em mim. Ela não disse nada. Eu<br />
podia sentir o cheiro de álcool em sua respiração. Seu filho veio<br />
correndo em nossa direção e a abraçou no pescoço. — Mãe... mamãe.<br />
Ela o ignorou, olhos apenas para Growl que estava batendo e<br />
sacudindo seu namorado, e dizendo algo que não poderíamos ouvir.<br />
— Não deixe ele matar meu Dave, — ela disse quase implorando.<br />
Eu a encarei. Depois de tudo, ela estava preocupada com seu<br />
namorado abusivo?<br />
— Você deve ir a um abrigo para mulheres com seu filho.<br />
A mulher sacudiu a cabeça. — Dave não é um cara mau. Não<br />
deixe ele machucar meu Dave.<br />
~ 176 ~
Eu fiquei de pé. Growl empurrou o homem em direção ao carro. —<br />
Dê o fora, — ele rosnou, soando tão ameaçador como ele parecia. O<br />
homem entrou no carro e foi embora.<br />
— Você realmente deveria ir, já que ele foi embora, — eu disse à<br />
mulher. Mas seus olhos seguiram o carro com desespero e saudade, e<br />
eu sabia que ela não iria embora. Eu baguncei os cabelos do menino e o<br />
gesto trouxe um sorriso em seu rosto. Aquela pobre criança.<br />
Eu ajudei a mulher e o menino a entrar em casa, ignorando suas<br />
perguntas constantes sobre seu namorado. Dentro da casa estava cheio<br />
de garrafas de cerveja vazias. Fedia a cigarro e álcool, e então eu decidi<br />
que eu precisava salvar pelo menos o garoto. Eu o levantei em meus<br />
braços e o levei para fora novamente. A mulher não me impediu. Ela<br />
estava mexendo no seu celular, tentando ligar para o namorado.<br />
Growl me deu uma olhada, mas não comentou quando saí com o<br />
garoto. Atravessamos a rua e só quando entramos na casa de Growl, ele<br />
disse. — Você não pode ficar com ele.<br />
— Eu não vou. Temos de ligar para os serviços sociais. Temos que<br />
fazer alguma coisa.<br />
— Você não pode salvar todos eles.<br />
— Mas eu posso salvar esse, e isso é o suficiente, — eu disse com<br />
firmeza. O garoto estava olhando para Bandit e Coco curiosamente.<br />
Growl olhou para mim e para o garotinho, e assentiu. — Eu<br />
conheço alguém que eu possa ligar. Eles vão encontrar um bom lugar<br />
para ele. — o garoto estendeu a mão e tocou uma das tatuagens de<br />
Growl com fascínio. A expressão de Growl suavizou um pouco e então<br />
ele se dirigiu para o telefone como se estivesse com medo de sua própria<br />
reação. Afinal, havia esperança para ele. Uma hora depois, duas<br />
mulheres vieram e pegaram o menino. Naquela noite, ouvi seus pais<br />
gritando um com o outro novamente, mas eles não vieram perguntar<br />
por ele.<br />
* * *<br />
Quando eu deitei ao lado de Growl depois do sexo naquela noite,<br />
eu sussurrei. — Você fez a coisa certa hoje. — e era verdade. Talvez eu<br />
~ 177 ~
estivesse errada, talvez ele pudesse compensar seus pecados fazendo o<br />
bem.<br />
Growl se virou para mim. — Possivelmente. Mas essa mulher<br />
ainda está com o imbecil. Algumas pessoas só conhecem a miséria. É<br />
algo confiável. A mudança os assusta mais do que sua vida de merda.<br />
Tracei os espinhos entalhados sobre seu antebraço. — Como você.<br />
Growl estreitou os olhos. — Estou mudando minha vida por você,<br />
indo contra Falcone.<br />
— Eu sei, e eu sou grata por isso. Mas você está fazendo isso por<br />
mim. É como se você ainda não achasse que você merece algo de bom.<br />
— eu disse. — Você mora neste lugar, embora você não precise. Não<br />
consigo imaginar que Falcone esteja te pagando tão mal. Você é como<br />
aquela mulher a esse respeito.<br />
Ele se sentou. — Esta casa não é como ser espancado por alguém.<br />
— ele hesitou. — Isso é ruim para você?<br />
Suspirei. — Este lugar me faz me sentir miserável.<br />
— Você quer dizer que eu faço você se sentir miserável.<br />
— Não, — eu disse, e eu não tinha certeza se era a verdade ou<br />
ainda parte do meu plano de fazê-lo confiar em mim. — Esse lugar. O<br />
povo é desesperado e ignorante, e não há beleza neste lugar, apenas<br />
desolação.<br />
Growl olhou ao redor do quarto. — A beleza é passageira.<br />
— E desolação e desespero não é? — eu me sentei também, e<br />
encostei meu queixo em seu ombro, respirando seu cheiro almiscarado.<br />
Eu não queria que ele partisse, mas eu poderia dizer que ele já estava<br />
ficando inquieto.<br />
— É familiar. É confiável — murmurou Growl. — Eu sempre<br />
gostei disso. — e eu tinha estragado as coisas para ele, eu supunha.<br />
Uma criatura de hábito, de fato. E, no entanto, ele estava desistindo<br />
disso por mim.<br />
Por um momento houve silêncio, então ele lentamente se retirou,<br />
e eu não tive escolha senão soltá-lo. Ele se sentou na beira da cama,<br />
mas depois se levantou. — Durma bem.<br />
— Eu dormiria melhor se você ficasse, — eu disse.<br />
~ 178 ~
Growl hesitou, mas depois saiu novamente. Cada vez que eu<br />
achava que estávamos chegando em algum lugar, uma ação como esta<br />
me lembrava de que não podíamos. Talvez em algum momento meu<br />
coração entenderia isso também.<br />
* * *<br />
Dirigimos em direção a Strip de Las Vegas com seus arranhacéus.<br />
Tudo era brilhante e as pessoas estavam se divertindo. Este era<br />
um lugar totalmente diferente de onde Growl vivia. Nós paramos na<br />
frente de arranha-céus elegantes com os carregadores de malas na<br />
frente das portas corrediças. Growl saiu antes que o homem pudesse<br />
abrir a porta, então ele me ajudou a sair do carro. Era estranho ser<br />
cercada por este luxo novamente. Eu quase me senti como se eu não<br />
pertencesse a isso, como se o último par de semanas tivesse me<br />
mudado tanto que eu não poderia caber no mundo que eu tinha feito<br />
parte toda uma vida. Era um pensamento assustador.<br />
Growl me levou para dentro do prédio com a mão nas minhas<br />
costas. Foi um gesto possessivo e, ao mesmo tempo, achei que ele<br />
estava tentando me mostrar algo mais. Ou eu estava tentando ver<br />
coisas que Growl não era capaz de fazer? O recepcionista nos deu um<br />
sorriso brilhante demais enquanto íamos para os elevadores.<br />
Saímos no topo do arranha-céu e entramos em uma enorme<br />
cobertura. Tudo era branco, vidro e dourado. — O que é isso? — eu<br />
perguntei. Era decorado com móveis de design preto e cinza. Tudo era<br />
elegante e perfeito.<br />
— Meu apartamento, — Growl disse simplesmente.<br />
Eu congelei no meu caminho para as janelas do chão ao teto. —<br />
Isto é seu? — este apartamento parecia completamente não utilizado. E<br />
em seis semanas que eu tinha estado com ele, ele nunca tinha<br />
mencionado isso para mim. Eu me assustei. Tinha sido realmente seis<br />
semanas? Deus. E, ao mesmo tempo, seis semanas parecia um período<br />
de tempo muito curto para tudo o que tinha acontecido.<br />
Seis semanas. Sem a minha irmã. Ela estava bem, Growl tinha me<br />
assegurado. E minha mãe, eu não a via há tanto tempo.<br />
— Eu tenho ele há alguns anos, — Growl disse, me arrancando<br />
dos meus pensamentos. Ele pegou uma coca da geladeira e bebeu. —<br />
~ 179 ~
Falcone me deu como pagamento por um trabalho bem feito, mas eu<br />
não uso. — ele me deu outra coca, mas eu só a usei para deixar o frio<br />
me ajudar a me focar.<br />
— Se você tem isso, — eu me virei. — Então por que você está<br />
vivendo naquela casa terrível? Este lugar não parece ter sido usado<br />
nunca. Não há nada que te pertença.<br />
Growl me lançou um olhar estranho. — Porque este não é quem<br />
eu sou. O mobiliário estava aqui quando eu ganhei e eu nunca mudei<br />
nada, — disse ele em seu barulho habitual baixo. — Isso também é... —<br />
os olhos dele vasculharam a sala. — Muito chique para alguém como<br />
eu. Não sou eu.<br />
Parei na janela e deixei meu olhar vagar sobre Las Vegas abaixo<br />
de nós. Na distância eu podia ver o interminável deserto vermelho. Eu<br />
preferia viver em uma casa, sempre tinha amado a minha antiga casa e<br />
o jardim, mas tudo era melhor do que a barraca que Growl chamava de<br />
casa. — Para alguém como você? — eu repeti suas palavras.<br />
Growl se aproximou lentamente e seguiu meu olhar. — E Coco e<br />
Bandit não se sentiriam tão confortáveis. Eles sentiriam falta do jardim.<br />
Por aqui não há nenhum lugar onde eu possa caminhar com eles.<br />
Eu dei a ele um olhar, mas ele evitou os meus olhos. Havia algo<br />
estranhamente vulnerável e fora de lugar em Growl. Por que ele se<br />
sentia tão desconfortável em um apartamento luxuoso? — Não é como<br />
se a área onde vivemos fosse ótima para passeios com os cães.<br />
Growl me deu um sorriso estranho. — Bandit e Coco estão<br />
acostumados a lugares como esse. Eles sabem como lidar com bêbados<br />
e viciados, prostitutas e os sem-teto. As pessoas por aqui com seus<br />
sorrisos falsos, isso é algo que eles não podem lidar. Pessoas como essa<br />
os envolveram em brigas de cães.<br />
— Sabe, há lugares onde pessoas decentes normais vivem. Você<br />
compara um extremo com o outro.<br />
— Normal — grunhiu calmamente, testando a palavra. — Eu<br />
nunca tive o normal. — ele se virou para mim. — Você pode me<br />
imaginar entre pessoas normais decentes?<br />
Eu não disse nada. Growl com suas tatuagens assustadoras e<br />
cicatrizes sempre chamou a atenção para si mesmo, e para a sua<br />
aparência assustadora.<br />
~ 180 ~
Ele deve ter lido meus pensamentos do meu rosto. Ele assentiu. —<br />
As pessoas normais não me querem em seu bairro, eles teriam medo de<br />
mim. E as pessoas por aqui também não me querem, porque elas<br />
também me temem.<br />
— Todo mundo teme você, — eu disse com naturalidade. — Até<br />
mesmo os criminosos e viciados em sua área. Se você quer viver onde<br />
ninguém te teme, você terá que se mudar para o deserto. — era uma<br />
piada, para iluminar o humor, mas Growl assentiu pensativamente.<br />
— Os animais não me temem, só os humanos. Eu sou um<br />
monstro criado pelo homem, talvez seja por isso. — ele olhou a nossa<br />
volta novamente. — Monstros não são para um palácio como este.<br />
Ele achava não merecer viver em um lugar agradável. Talvez ao<br />
longo do caminho ele tivesse começado a acreditar no que todo mundo<br />
dizia, que ele estava abaixo de todos os outros, que ele não valia nada.<br />
Por alguma razão eu sentia muito por ele, mesmo que ele não<br />
merecesse minha compaixão.<br />
— Você pertence aqui — disse Growl em voz baixa. — Uma<br />
princesa em sua torre.<br />
Meus lábios se abriram em surpresa. Não era a primeira vez que<br />
ele dizia algo assim, mas sempre me surpreendia.<br />
— Então, por que estamos aqui? — eu perguntei a ele.<br />
— Você odeia a casa, — ele disse simplesmente.<br />
— E?<br />
— Nós podemos viver aqui por um tempo. Vai fazer você se sentir<br />
melhor até que eu descobrir o melhor dia para o nosso plano.<br />
Fiquei atônita em silêncio. Growl estava realmente pensando em<br />
se mudar para este lugar porque queria me ver feliz? — Você tem<br />
certeza? — eu não queria nada mais do que viver aqui, neste lugar<br />
brilhante, longe da miséria.<br />
Ele acenou com a cabeça, mas eu pude detectar uma pitada de<br />
incerteza.<br />
— E quanto a Bandit e Coco? Você mesmo disse, eles precisam de<br />
um quintal. Eles vão se acostumar com isso?<br />
Growl escovou um fio de cabelo do meu ombro. — Estou a<br />
negócios a maior parte do tempo. Eu posso levá-los comigo. Estou<br />
~ 181 ~
muitas vezes fora, onde eles podem correr. E eu não vou vender a casa,<br />
então podemos voltar para lá se não quisermos ficar aqui.<br />
Eu duvidava que eu quisesse voltar para a casa de Growl. Não era<br />
porque era pequeno e estava em um bairro ruim. O lugar estava cheio<br />
de muita desolação; parecia queimado nas paredes e andares. Não havia<br />
escapatória.<br />
— Eu adoraria viver aqui, — eu admiti finalmente. E era verdade.<br />
— Talvez não vivamos aqui por muito tempo. Depois que<br />
terminarmos com Falcone, teremos que deixar Las Vegas.<br />
Eu sabia disso, e depois de tudo o que tinha acontecido comigo<br />
aqui, eu não estava triste em deixar minha cidade natal. Eu queria um<br />
novo começo. Com Growl? Uma voz afiada perguntou em minha cabeça.<br />
E parte de mim, queria dizer sim.<br />
— Eu sei, mas mesmo algumas semanas ou apenas dias será<br />
bom. Eu adoro ver o horizonte, — eu disse. Eu olhei para ele. Havia uma<br />
borda macia em sua expressão, e eu não pude evitar. Eu nunca o<br />
desejei mais do que naquele momento. Eu não tinha certeza se isso<br />
ainda fazia parte do plano, se minhas ações em direção a Growl ainda<br />
estavam destinados apenas para levá-lo do meu lado, atingir o meu<br />
objetivo de vingança e segurança para a minha família. Fiquei na ponta<br />
dos pés, agarrei-o pelo pescoço e o puxei para me beijar profundamente.<br />
Ele imediatamente respondeu. Eu apertei contra ele e ele agarrou minha<br />
bunda com uma mão, apertando. Comecei a puxar suas roupas, e logo<br />
estávamos ambos nus, nossas mãos vagando cada centímetro de pele<br />
descoberta. Meu corpo estava inflamado de necessidade. Growl me<br />
levantou e apertou minhas costas contra a janela. Eu soltei um riso<br />
surpreso. — Aqui? — eu perguntei. Ele cutucou minha entrada com seu<br />
comprimento.<br />
— É uma bela vista — disse Growl secamente.<br />
Eu o beijei com força, e ele me empurrou ao mesmo tempo, me<br />
fazendo ofegar em sua boca. Minhas costas esfregaram sobre a janela<br />
quando Growl entrou em mim. E então nós dois gozamos ao mesmo<br />
tempo. Growl afundou de joelhos comigo ainda embrulhada em torno<br />
dele. Nós dois ofegamos. Meus olhos vasculharam os arranha-céus<br />
vizinhos. — Este revestimento reflete?<br />
Growl balançou a cabeça. — Acho que não.<br />
Eu me encostei no vidro. — Então alguém poderia ter nos visto?<br />
~ 182 ~
— Você se importa?<br />
— Não, — eu disse. E era verdade. Algumas semanas atrás, isso<br />
teria sido impossível, mas tantas coisas aconteceram desde então que a<br />
ideia de alguém me ver fazendo sexo não era algo que poderia arruinar<br />
meu dia. Longe disso.<br />
~ 183 ~
Capítulo vinte e dois<br />
CARA<br />
— Por que você sempre vai embora depois de ficarmos juntos? —<br />
Tentei parecer curiosa, mas deixei escapar uma pitada de<br />
vulnerabilidade.<br />
— Não consigo dormir com outra pessoa na cama. — Ele<br />
respondeu. — Nunca pensei que compartilharia uma casa... — Ele<br />
olhou ao redor de nosso novo ambiente. — ...ou apartamento com<br />
alguém.<br />
— Por quê? — Duvidava que ele estivesse preocupado se eu o<br />
mataria.<br />
— Eu simplesmente não consigo. Prefiro ficar sozinho, preferia<br />
ficar sozinho.<br />
— Não prefere mais? — Perguntei esperançosamente.<br />
— Eu não durmo muito bem. E se alguém estivesse na cama<br />
comigo, seria pior. — Growl falou, em vez de responder à minha<br />
pergunta.<br />
— Talvez você só precise se acostumar com isso. Talvez leve<br />
algum tempo. Você está sozinho há muito tempo.<br />
— Desde sempre — Ele murmurou. — Eu estive sozinho desde<br />
sempre. Mesmo quando minha mãe ainda estava viva, ela trabalhava<br />
muito, especialmente à noite. — Foi sua resposta. — E depois que ela<br />
foi assassinada e eu fui morar com Bud, eu ficava feliz por estar<br />
sozinho. Ficar sozinho significava não sentir dor. Isso era bom.<br />
Meu coração se apertou por ele. Tanto horror em seu passado.<br />
Não sabia se eu ou qualquer outra coisa poderia competir com isso,<br />
contra as sombras de seu passado.<br />
~ 184 ~
— Os seres humanos não foram feitos para ficarem sozinhos.<br />
Precisamos de alguém. É a nossa natureza. Precisamos ser tocados.<br />
Precisamos conversar com alguém. Ter alguém em quem confiar. Caso<br />
contrário, nos tornamos...<br />
— Como eu. — Growl rosnou. — Estou melhor sozinho. Estou<br />
destinado a ficar sozinho.<br />
Olhei para suas tatuagens, suas cicatrizes e seu olhar rígido.<br />
— Talvez você tenha razão.<br />
Mesmo que eu não quisesse aceitar, Growl poderia ser uma<br />
daquelas pessoas que não consegue ficar perto de outras por muito<br />
tempo.<br />
Não tentei impedi-lo quando ele levantou dessa vez. Meus olhos<br />
analisaram desde a linha de músculos dos seus ombros largos até sua<br />
bunda firme. Minhas bochechas não aqueceram, mas o fogo na parte de<br />
baixo da minha barriga acendeu novamente com aquela visão. Eu<br />
nunca tinha sentido nada parecido antes. Já tive alguns namorados, já<br />
senti borboletas no estômago, mas isso era algo mais, mais forte, mais<br />
profundo. Eu o desejava, talvez até... o amasse. Eu não tinha certeza.<br />
Não agora, não quando minha vida estava essa confusão e as escolhas<br />
não eram minhas. O amor poderia começar em um cativeiro? Não era<br />
algo que só poderia prosperar em liberdade?<br />
Growl não olhou para trás enquanto caminhava em direção à<br />
porta e saía. O fogo em minha barriga se apagou como se alguém o<br />
tivesse apagado com água. Puxei os cobertores até o queixo. Eu nunca<br />
tinha percebido que a solidão vinha com uma sensação gelada como o<br />
orvalho, cobrindo a pele. Frio. Eu estava com frio. Ainda sentia a<br />
sensibilidade entre minhas pernas por causa de Growl, mas o resto do<br />
meu corpo não era nada. Aquela dor entre as pernas era tudo o que eu<br />
tinha agora para lembrar de Growl. Logo, se... quando nosso plano<br />
desse certo e estivéssemos todos seguros, o que aconteceria comigo?<br />
Com Growl e eu? Ele lutava contra suas emoções. Na maioria das vezes,<br />
eu nem sequer tinha certeza se ele conseguia entendê-las. Talvez para<br />
ele as emoções fossem como as letras para pessoas com dislexia. Mas<br />
essas pessoas conseguiam viver com suas limitações, aprendendo a ler<br />
e escrever apesar de tudo. Então por que Growl não podia aprender a<br />
lidar com suas emoções? Ele já tinha evoluído muito desde que nos<br />
conhecemos. Talvez as emoções fossem algo estranho para ele, como a<br />
paixão era para mim, mas as coisas não precisavam ser assim para<br />
sempre. Growl tinha me ensinado o que era paixão, não tinha me dado<br />
~ 185 ~
outra escolha a não ser me render a ela. Era idiota pensar que eu<br />
poderia ensinar a ele como lidar com suas emoções, assim como ele<br />
tinha me ensinado a lidar com o desejo e a paixão?<br />
Talvez você já tenha ensinado, uma voz sussurrou em minha<br />
mente. Talvez. E talvez não fosse o suficiente.<br />
Meus olhos foram atraídos para a vista de Las Vegas. Ele tinha se<br />
mudado para esse lugar por mim. Por alguma razão, ele havia virado<br />
sua vida de cabeça para baixo por mim. As próximas semanas trariam<br />
as respostas. Se o nosso plano de vingança desse errado, nada mais<br />
importaria. Muito menos todas as minhas emoções. Logo tudo isso seria<br />
decidido.<br />
CARA<br />
— Falcone não quer me contar onde está a sua irmã, e acho que<br />
ele está ficando desconfiado do meu interesse. As negociações com Nova<br />
York não parecem estar indo muito bem, o que pode significar que<br />
Falcone não vai precisar da ajuda de sua mãe por muito mais tempo.<br />
Nós não podemos esperar mais muito tempo. — Growl disse alguns dias<br />
depois, quando voltou para o apartamento depois de algo que Falcone<br />
lhe pediu para fazer. Coco e Bandit o receberam abanando o rabo<br />
descontroladamente.<br />
Se Falcone não precisasse mais da ajuda da minha mãe,<br />
provavelmente se livraria dela.<br />
— Mas o que nós podemos fazer se não descobrirmos onde está a<br />
minha irmã? Não podemos nos vingar enquanto ela não estiver segura.<br />
— Vou conseguir essa informação de Falcone, não se preocupe.<br />
Vamos sequestra-lo, e eu vou fazer ele falar. Assim que eu descobrir<br />
onde ela está, vou matar o Falcone e vou para Nova York com ela.<br />
— E eu e a minha mãe?<br />
— Você vai embora logo depois que eu capturar Falcone. Eu não<br />
quero você na cidade enquanto estiver lidando com ele. Nós nos<br />
encontraremos em Nova York.<br />
~ 186 ~
Eu balancei a cabeça.<br />
— Eu não vou embora sem a minha irmã. E se algo der errado e<br />
não conseguirmos libertá-la? Eu quero estar lá para ter certeza de que<br />
deu tudo certo.<br />
— Você não tem como ajudar. Você só vai atrapalhar porque vou<br />
ter que ficar de olho em você também, e não vou conseguir lutar tão<br />
livremente como de costume.<br />
— Você acha que haverá lutas?<br />
Growl riu sem humor.<br />
— Falcone nunca está sem guarda-costas, e suponho que sua<br />
irmã também deve estar sendo vigiada. Vou ter que matar qualquer um<br />
que fique no meu caminho. Não podemos deixar ninguém sobreviver.<br />
Não podemos arriscar.<br />
— Então nós vamos dirigir até a casa de Falcone e sequestrá-lo?<br />
— Ele geralmente se encontra comigo uma vez por semana para<br />
dar novas ordens. Esse é o melhor dia para atacarmos. Ele vai estar me<br />
esperando, então não vai ficar desconfiado. Vou levar ele para um lugar<br />
seguro, conseguir as informações que precisamos e matá-lo. Depois vou<br />
atrás da sua irmã.<br />
— Eu falei que não vou embora. Vou ficar o tempo que for preciso<br />
para garantir que todos nós estejamos seguros e que Falcone esteja<br />
morto.<br />
Growl não disse nada. Talvez ele achasse que poderia me<br />
convencer.<br />
— E eu preciso falar com a minha mãe. Ela precisa saber o que<br />
estamos planejando.<br />
Growl balançou a cabeça.<br />
— Não. Ela pode falar dar algo sem querer. Ela não precisa saber.<br />
— Ele fez uma pausa. — Cara, eu realmente quero que você vá embora<br />
com a sua mãe. Você não deve ficar em Las Vegas um minuto a mais do<br />
que o necessário.<br />
— Não! — Eu chorei. — Eu quero estar lá. Quero vingança mais<br />
do que você. Eu não deveria estar lá quando isso acontecer?<br />
Growl tocou em minha bochecha.<br />
~ 187 ~
— Tem certeza de que você quer isso? Isso vai te mudar, acredite<br />
em mim. Ter sangue nas mãos muda tudo.<br />
— Minha vida mudou quando Falcone matou meu pai. Ver<br />
Falcone morrer pelos seus pecados só vai melhorar as coisas.<br />
Growl assentiu.<br />
— Tudo bem. Mas quando as coisas ficarem perigosas, você<br />
precisa obedecer as minhas ordens. Se eu te falar para correr, você<br />
corre, sem hesitação e sem discussão. Entendido?<br />
— Entendido. — Me aproximei dele e coloquei a mão contra seu<br />
peito. — Eu não consigo acreditar que você vai mesmo fazer isso.<br />
— Eu prometi. Vou fazer isso por você, então talvez você possa me<br />
perdoar.<br />
— Perdoar você... — Sussurrei, mas ele me silenciou com um<br />
beijo e me levou para o quarto.<br />
* * *<br />
Os olhos de Growl estavam fechados. Porém ele não estava<br />
dormindo. Não que eu soubesse como ele parecia quando estava<br />
dormindo de verdade, já que ele nunca me deixou estar por perto<br />
quando estava assim tão vulnerável. Sempre que ele estava perto de<br />
pegar no sono, me mandava embora ou ia embora, se ele estivesse no<br />
meu quarto. Fui até a borda da cama e me desenrolei dos cobertores.<br />
Eu já estava aqui por muito tempo. Meus olhos estavam ficando<br />
pesados. Eu não queria ser acordada mais tarde e mandada embora por<br />
Growl. Assim era mais fácil, quando sair parecia minha escolha e não<br />
resultado de sua incapacidade ou falta de vontade de compartilhar uma<br />
cama comigo, de me dar mais proximidade do que era absolutamente<br />
necessário. Era ridículo como esse pequeno ato de escolher fazia com<br />
que eu me sentisse muito melhor.<br />
Meus pés tocaram o chão frio, e um arrepio familiar percorreu<br />
minha espinha. Dessa vez não me permiti ficar empoleirada na borda<br />
da cama. Eu levantei. Não tinha me afastado um único passo sequer<br />
quando uma mão forte envolveu meu pulso.<br />
— Fique — Ele comandou com a voz áspera.<br />
~ 188 ~
Congelei, meu olhar se dirigindo para Growl. Ele ainda estava<br />
esparramado na cama com os olhos fechados. Nada em seu semblante<br />
havia mudado, e se não fosse por sua mão segurando meu braço com<br />
força, teria de me convencer que tinha imaginado aquela palavra.<br />
Não dei muita atenção ao fato de que ele tinha mudado de ideia.<br />
Escorreguei sob as cobertas, e só quando eu estava deitada ao lado dele<br />
é que Growl soltou meu pulso.<br />
— Por quê? — Perguntei suavemente. Ele continuou deitado de<br />
costas, sem se aproximar, então não tentei me aconchegar nele. Seria<br />
demais. Isso, ele me convidar para passar a noite com ele, já era um<br />
grande passo, eu sabia.<br />
— Não pergunte. — Ele respondeu.<br />
Growl apagou as luzes e a escuridão tomou conta do quarto. Eu<br />
não ousei respirar, muito menos me mover, ciente de que Growl<br />
provavelmente estava escutando cada som que eu fazia. Eu estava me<br />
intrometendo? Ele já estava se arrependendo de ter falado aquela<br />
palavra?<br />
Afastei aqueles pensamentos de minha mente. Então, quando eu<br />
menos esperava, Growl colocou sua mão contra minhas costas. Um<br />
toque leve, mas era o suficiente. Outro passo na direção certa. Com o<br />
som de sua respiração inalterada ao fundo e a sensação da palma de<br />
sua mão tocando levemente minhas costas, lentamente caí no sono.<br />
~ 189 ~
Capítulo vinte e três<br />
CARA<br />
Naquela noite, fui acordada duas vezes por pesadelos. Não meu<br />
próprio. Growl estava se contorcendo e ofegante em seu sono. Eu não<br />
ousei acordá-lo. Tive a sensação de que ele não gostaria que eu<br />
soubesse de seus problemas.<br />
Era estranho vê-lo angustiado, seu rosto torcido de agonia. Eu<br />
nunca tinha considerado que algo poderia incomodá-lo tanto. Talvez ele<br />
fosse ainda mais humano do que eu pensava.<br />
Ele não estava na cama quando eu acordei, mas eu o encontrei na<br />
cozinha, encostado no balcão com uma xícara de café, como de<br />
costume. Mesmo agora que tínhamos uma mesa de cozinha na<br />
cobertura, ele ainda preferia ficar de pé.<br />
Coco e Bandit estavam sentados ao seu lado, fitando-o com olhos<br />
adoradores.<br />
— Bom dia, — eu disse.<br />
Growl encheu um copo e me entregou. Eu sorri e brevemente<br />
toquei seu antebraço em agradecimento. Ele não se afastou e seu olhar<br />
me fez parar. Bebi meu café e dei a ele o tempo necessário para dizer o<br />
que ele queria.<br />
— Eu tenho um pedido, — Growl disse calmamente.<br />
— Ok. — O que eu poderia fazer por ele?<br />
Ele olhou para Coco e Bandit. — Você vai cuidar dos meus cães<br />
caso alguma coisa aconteça comigo?<br />
Eu fiz uma careta. — Nada vai acontecer com você. Vamos todos<br />
para Nova York juntos.<br />
— Você deve estar ansiosa para a perspectiva da minha morte, —<br />
ele murmurou. — Tenho certeza de que você sempre desejou isso.<br />
~ 190 ~
Eu deveria esperar por isso, e no começo eu tinha. Eu mesmo<br />
tentei matá-lo, afinal. Em breve arriscaríamos nossas vidas. Talvez fosse<br />
a última vez que estaríamos juntos. Era estranho pensar nisso. Ainda<br />
mais estranho que eu fiquei triste com isso. Eu examinei seu rosto. Eu<br />
não estava mais com medo dele, e eu não queria mais que ele morresse.<br />
Estendi a mão muito devagar e tracei a cicatriz em volta do<br />
pescoço dele. Growl parou, mas ele não me impediu. Surpresa correu<br />
sobre mim. Parecia um milagre que ele me deixasse fazer. E no fundo<br />
senti medo de repente. Medo de minhas emoções e do que o futuro me<br />
reservava.<br />
— Você não vai morrer. Você é a pessoa mais forte que eu<br />
conheço, — eu sussurrei. Eu me aproximei dele com os olhos fixos nele.<br />
— Eu não sou. — Seus olhos âmbar me sugaram. Tantos horrores<br />
estavam além deles, e ainda assim eu não o odiava, não mais.<br />
Como eu poderia deixar isso acontecer?<br />
— O que está acontecendo conosco? — Eu perguntei calmamente.<br />
Growl franziu o cenho.<br />
— O que eu sou para você?<br />
— Você é minha — disse ele simplesmente. Dele.<br />
Sua posse? Seu presente? Só isso, ou mais?<br />
Não importava. Uma vez em Nova York, não haveria futuro para<br />
nós. Eu não ficaria com Growl. Eu não poderia, não poderia fazer isso<br />
com minha mãe e irmã. Elas não entenderiam, e como elas poderiam, se<br />
nem eu sabia como isso aconteceu.<br />
GROWL<br />
— Vou cuidar de seus cães, se é isso que você quer — disse Cara.<br />
Growl queria muitas coisas, coisas que ele nunca quis antes.<br />
Acima de tudo, queria lhe dizer que não queria perdê-la. E que, pela<br />
primeira vez em sua vida, ele estava com medo de morrer porque queria<br />
~ 191 ~
ter mais tempo com ela, e ao mesmo tempo estava com medo de não<br />
morrer e vê-la deixá-lo no momento em que estivessem em Nova York.<br />
— Coco e Bandit te amam, — disse ele.<br />
Ela procurou nos olhos dele, mas ele não tinha certeza do que ela<br />
estava procurando. Mesmo agora ele mal compreendia o funcionamento<br />
de seu cérebro. Ela era um mistério para ele, provavelmente seria<br />
sempre, mas não importava. De alguma forma, ela tinha feito o que<br />
ninguém mais tinha. Ela o ligara a ele e ele sempre seria leal a ela.<br />
Ele também era leal a Falcone. E ele teria morrido por ele, porque<br />
Growl jamais se importara se ele morresse. Mas agora... agora ele queria<br />
viver, e mesmo assim ele daria sua vida por Cara, para que ela pudesse<br />
ser feliz.<br />
— E eu os amo, — Cara disse suavemente.<br />
A palavra ‘amor’ dos lábios de Cara fez algo em Growl que ele não<br />
conseguia entender.<br />
CARA<br />
Na manhã seguinte, Growl me acordou antes do nascer do sol. Ele<br />
tinha sumido a noite toda e eu estava doente de preocupação porque ele<br />
não tinha me avisado que ele ficaria fora por tanto tempo.<br />
— Temos que agir hoje, — disse Growl.<br />
Esfreguei os olhos. — O que... — eu me detive, percebendo o que<br />
ele queria dizer. Eu me sentei. — Por quê? Aconteceu alguma coisa?<br />
— Falcone está cansado de negociar com Nova York. Duvido que<br />
ele encontre uso para sua mãe por muito mais tempo.<br />
Eu me empurrei para fora da cama. — Estamos prontos?<br />
Nós não poderíamos falhar.<br />
— Prontos o suficiente, — Growl arranhou. — Temos que arriscar.<br />
Não podemos esperar. Encontrei alguém que nos ajudará. Eu não posso<br />
cuidar de tudo sozinho.<br />
~ 192 ~
— Podemos confiar nele?<br />
Growl balançou a cabeça. — Eu não confio em ninguém. Mas ele<br />
está na lista de Falcone, e eu lhe ofereci uma chance de escapar.<br />
Também ajuda que Falcone matou seus irmãos e ele está querendo<br />
vingança como nós. Eu supostamente deveria matá-lo.<br />
— Certo, — eu disse com incerteza.<br />
— E eu o conheço de quando éramos crianças. A mãe dele era<br />
uma das prostitutas de Bud. Ele e eu ocasionalmente ficávamos juntos<br />
no bordel.<br />
— Vocês eram amigos?<br />
— Não. Eu não tinha amigos. Ele estava com medo de mim<br />
mesmo naquela época, mas muitas vezes nos escondíamos de Bud<br />
juntos, então éramos aliados.<br />
— Ok, se você acha que ele não vai nos trair, eu acredito em você.<br />
Growl estendeu a mão, como se para tocar minha bochecha, mas<br />
deixou cair seu braço. Decepção me encheu, mas eu não tive tempo<br />
para pensar nisso. — Você precisa se vestir. Pegue algumas coisas para<br />
a viagem até Nova York. Quero partir daqui a quinze minutos.<br />
Coloquei roupas confortáveis e coloquei uma escova de dentes e<br />
uma muda de roupa em uma mochila antes de sair correndo do meu<br />
quarto. Growl esperava na frente da porta. Bandit e Coco não estavam à<br />
vista. — Eu já os coloquei no carro, — ele disse, como se ele tivesse<br />
visto a pergunta em meus olhos.<br />
Eu assenti, sentindo uma respiração trêmula. Eu queria dizer<br />
algo, mas minha boca estava muito seca. Em vez disso, fiquei na ponta<br />
dos pés e dei um beijo persistente em Growl. Seus olhos se suavizaram,<br />
mas principalmente pareciam melancólicos.<br />
— Vamos, — ele murmurou, abriu a porta e saiu.<br />
Quando saímos da garagem, uma estranha sensação de<br />
melancolia me dominou. Não porque eu sentiria falta desse ambiente<br />
sem esperança, mas porque eu sentiria falta de qualquer conexão<br />
estranha que Growl e eu tínhamos desenvolvido. Eu não tinha certeza<br />
do que o futuro iria trazer, mas eu sabia que Growl e eu não<br />
poderíamos ficar juntos. Não funcionaria. Era errado.<br />
~ 193 ~
Eu arrisquei um olhar para o homem ao meu lado. Quase dois<br />
meses atrás, estávamos em um carro juntos também, e naquela época<br />
minha vida tinha acabado. Eu o odiava, o temia, o queria morto. Ele não<br />
passara de um monstro aos meus olhos. Suas tatuagens horríveis não<br />
me repeliram mais, e nem sua cicatriz, que eu sabia agora era apenas<br />
uma de muitas. Eu o entendia melhor agora.<br />
Ele não era um monstro. Ele era monstruoso por partes, não<br />
tinha escolha a não se ser virar para sobreviver aos horrores de seu<br />
passado. Mas havia um lado humano nele também. Tinha brilhado mais<br />
e mais no tempo que passamos juntos. Talvez acabasse por conquistar<br />
seu lado monstruoso, mas eu sabia que não poderia seguir seu<br />
caminho para a humanidade com ele. Eu tive que pensar em minha<br />
mãe e irmã.<br />
A esperança de me encontrar com as duas me deu força. Eu não<br />
queria considerar que hoje eu poderia perder tudo.<br />
— Eu não disse a ninguém que nós estaríamos indo para sua mãe<br />
hoje. Primeiro, pensei em fingir que você queria visitá-la, mas depois<br />
das palavras de Falcone ontem, isso só teria causado suspeita. Ele<br />
poderia ter se preocupado com o fato de você avisar sua mãe sobre os<br />
planos dele de parar as negociações.<br />
— Você provavelmente está certo, — eu disse. — Onde vamos<br />
encontrar o cara que está nos ajudando?<br />
— Mino estará em um ponto de encontro em uma fábrica deserta.<br />
— Então ele não vai ajudar você a lutar contra os guarda-costas<br />
de Falcone? — Qual era seu propósito então?<br />
— Prefiro lutar sozinho.<br />
De repente, me pareceu que Mino era apenas um motorista, mas<br />
isso só fazia sentido se Growl não esperasse ser capaz de nos levar<br />
dirigindo.<br />
Eu não tinha tempo para pensar sobre isso porque estacionamos<br />
na frente da minha antiga casa.<br />
Growl não hesitou. Tudo tinha que ser muito rápido. Ele<br />
praticamente saltou do carro e correu em direção à casa. Ele tocou a<br />
campainha, e um homem que eu não conhecia abriu a porta depois de<br />
um momento. Growl agarrou sua cabeça e torceu violentamente como<br />
eu o tinha visto faz meses atrás. O homem caiu no chão, e então Growl<br />
desapareceu dentro da casa. Minha mão se estendeu para a porta. Era<br />
~ 194 ~
difícil ficar no carro e esperar. E se alguma coisa desse errado e eu não<br />
estivesse lá para ajudar?<br />
O que eu poderia fazer? Se um dos guardas da mãe conseguisse<br />
dominar Grown, então essa pessoa definitivamente não teria problemas<br />
comigo.<br />
Os segundos estavam escorrendo e minhas palmas estavam<br />
ficando suadas. Então, finalmente, Growl saiu da casa furiosamente,<br />
arrastando a mãe atrás dele. Soltei um suspiro de alívio.<br />
Mãe estava lutando contra ele, obviamente convencida de que ele<br />
queria fazer mal. Abri a porta e foi quando ela me viu. Confusão<br />
atravessou seu rosto, mas ela parou de lutar com Growl, não que ela<br />
teria sucesso lutando com ele de qualquer maneira. Eu sabia o poder<br />
por trás do aperto dele.<br />
Growl abriu a porta de trás e empurrou minha mãe para dentro,<br />
então fechou a porta novamente. Ele se sentou atrás do volante poucos<br />
segundos depois e nós dirigimos para fora novamente.<br />
A mãe se sentou no assento traseiro, depois notou Coca e Bandit<br />
atrás dela no porta-malas. Ela ofegou e se afastou.<br />
— Eles são inofensivos, — eu assegurei.<br />
Ela me lançou um olhar interrogativo. Seus olhos se lançaram<br />
entre mim e Growl, obviamente estava insegura se ela deveria falar na<br />
frente dele. — Tudo vai ficar bem, — eu tentei acalmá-la. — Growl está<br />
nos ajudando a fugir de Las Vegas.<br />
Os olhos da mãe se arregalaram. — Mas, e Talia?<br />
— Iremos pegá-la primeiro e depois iremos para Nova York.<br />
Mãe balançou a cabeça. — Eu não tive sucesso. Luca não quer<br />
nada com a Camorra.<br />
— Você não faz parte da Camorra — interrompeu Growl. — Você<br />
faz parte da família. Ele vai te aceitar.<br />
Eu olhei para ele. — Mas você é. Luca não sabe?<br />
— Ele sabe. Já fiz muito em nome de Falcone.<br />
Eu não entendi. Luca o aceitaria de qualquer maneira? Ou talvez<br />
Growl não tivesse intenção de se juntar a nós em Nova York, e era por<br />
isso que Mino deveria nos levar.<br />
~ 195 ~
Notei o olhar da mãe e afastei meus olhos de Growl. Ela não<br />
conseguia entender os meus sentimentos.<br />
— E Falcone? — perguntou Mãe.<br />
— Não há tempo para explicar — disse Growl, impaciente. Seu<br />
corpo estava tenso.<br />
Ele parou o carro atrás de uma pick-up estacionada ao lado da<br />
rua. — Este é o carro de Mino. Eu quero que você entre lá, e eu cuido de<br />
Falcone.<br />
Eu olhei para ele. — Eu pensei que ele estaria esperando em uma<br />
fábrica depois de termos terminado com Falcone.<br />
— Eu não quero você por perto quando estiver lidando com ele.<br />
Você vai acabar me atrapalhando, e não há espaço suficiente para<br />
Falcone, se você e sua mãe estiverem lá.<br />
Um homem corpulento saiu da pick-up e esperou.<br />
— Eu não vou sair, — eu disse com firmeza.<br />
Growl apertou os lábios. Ele estava ficando com raiva, mas eu não<br />
me importava. Eu queria fazer parte disso. — Tudo bem, — ele<br />
murmurou. — Mas sua mãe vai.<br />
Ele saiu e abriu a porta de trás. Minha mãe me deu um olhar<br />
assustado. — O que você está fazendo, Cara? Isso é loucura. — Ela não<br />
continuou. Growl a puxou para a pick-up e a colocou no banco de trás,<br />
então ele estava de volta atrás do volante e nós fomos embora. Olhei por<br />
cima do meu ombro para a pick-up que se afastou da estrada e saiu na<br />
outra direção.<br />
— Sua mãe está segura. Mino precisa de nossa ajuda. Ele e sua<br />
família só podem esperar por segurança se Nova York lhes conceder<br />
proteção, e a única maneira que isso pode acontecer, é se sua mãe falar<br />
as coisas certas para ele. Ele não tem escolha a não ser fazer nosso<br />
plano funcionar.<br />
Essa informação me acalmou. Se você pudesse confiar em uma<br />
coisa, então era que as pessoas queriam salvar sua própria pele e<br />
proteger sua família.<br />
O portão da mansão de Falcone apareceu à distância. — Há um<br />
cobertor na parte de trás. Agache-se e se cubra com ele. Eu não quero<br />
que eles te vejam.<br />
~ 196 ~
Agarrei o cobertor e fiz o que ele pedira, tentando ficar o mais<br />
quieta possível. Alguns minutos depois, o carro parou e ouvi a janela<br />
deslizar para baixo, então uma voz masculina.<br />
— Bom dia. O Sr. Falcone está esperando por você.<br />
Depois de um breve momento de pânico, lembrei-me que Growl<br />
tinha mencionado que ele deveria encontrar Falcone para discutir outro<br />
trabalho. Pelo menos, dessa maneira ninguém suspeitaria. Eu ouvi um<br />
tiro abafado e um corpo batendo no asfalto. Meu coração bateu em<br />
meus ouvidos quando o carro foi posto em movimento novamente.<br />
~ 197 ~
Capítulo vinte e quatro<br />
CARA<br />
— Fique aqui. Vou provavelmente demorar um pouco mais para<br />
acabar com os guardas de Falcone, — disse Growl enquanto puxava o<br />
cobertor para fora de mim. Ele segurou uma arma para mim. — Sabe<br />
como usá-la?<br />
Meus olhos se arregalaram e eu balancei a cabeça. Ele<br />
rapidamente explicou o básico para mim, então saiu, e eu queria que<br />
ele tivesse me dado um beijo caso ele não voltasse.<br />
Nem pense nisso, eu me repreendi. Se Growl morresse, todos nós<br />
morreríamos.<br />
Growl abriu o porta-malas e os cães pularam. Eu fiquei agachada<br />
no espaço para as pernas, mas olhei para fora da janela. Coco e Bandit<br />
seguiram atrás de Growl enquanto ele se dirigia para a porta. Alguém a<br />
abriu e Growl enfiou uma faca no ponto macio abaixo do queixo dele,<br />
então Growl estava fora da minha vista.<br />
Demorou dez minutos até que finalmente Growl apareceu na<br />
entrada. O sangue escorria pela testa dele e sua camisa estava rasgada.<br />
Meu coração disparou com a visão, até que Growl saiu, segurando<br />
Falcone pelo colarinho. Uma perna da calça estava rasgada como se<br />
Coco ou Bandit tivessem mordido Falcone lá. Sorri apesar da minha<br />
tensão.<br />
O porta malas ainda estava aberto, então Coco e Bandit pularam<br />
sem precisar ser mandados. A boca de Coco estava coberta de sangue.<br />
O pelo de Bandit estava muito escuro para dizer que tipo de líquido<br />
estava lá, mas eu tinha uma ideia de que também era sangue. Afinal de<br />
contas, eram cães de combate.<br />
Growl empurrou Falcone para o banco de trás. As mãos do<br />
homem estavam amarradas com fita adesiva, assim como sua boca. Ele<br />
olhou furiosamente quando ele me viu no banco de trás.<br />
~ 198 ~
Growl entrou em seu assento e ligou o carro. Precisávamos ficar<br />
longe da casa o mais rápido possível. Ninguém tentou nos parar quando<br />
saímos das instalações. — Está tudo bem? — Eu perguntei,<br />
examinando o corte na cabeça de Growl. Não parecia muito profundo,<br />
mas o sangue estava correndo pelo seu rosto e parando em seu olho<br />
esquerdo. Ele limpou com impaciência. — Eu matei todos eles antes que<br />
eles pudessem tocar um alarme.<br />
Falcone emitiu um som abafado. Ele parecia irritado, mas<br />
também havia uma pitada de medo que me dava uma satisfação<br />
doentia.<br />
Eu sorri sombriamente para ele antes de voltar para Growl. — E a<br />
esposa e filhos?<br />
— Os filhos deles estão na Inglaterra e sua esposa está em Aspen.<br />
Ótimo. Pelo menos, esse sangue não precisava ser derramado. Eu<br />
não gostava muito da esposa de Falcone, mas ela provavelmente tinha<br />
sofrido bastante em seu casamento. Ela não merecia a morte.<br />
Falcone tentou dizer algo de novo. Growl estacionou ao lado da<br />
estrada e se virou em seu assento. Ele empurrou a manga da camisa de<br />
Falcone para cima, e apertou a faca na pele alguns centímetros abaixo<br />
do cotovelo.<br />
— O que você está fazendo? — Eu perguntei.<br />
— Ele implantou um rastreador GPS no corpo para que<br />
pudéssemos encontrá-lo se ele fosse sequestrado, — disse Growl.<br />
Falcone engasgou de dor quando Growl tirou o pequeno<br />
dispositivo de sua carne com a ponta afiada da faca. O rastreador<br />
coberto de sangue caiu no banco de trás. Growl abriu a janela e jogou o<br />
dispositivo de rastreamento para fora.<br />
Então ele puxou a fita sobre a boca de Falcone e continuou nossa<br />
jornada.<br />
— Tem certeza que é uma boa ideia deixá-lo falar? — Eu<br />
perguntei.<br />
Falcone ofegou no assento traseiro, a pele em torno de sua boca<br />
vermelha, e nos encarou. — O que a puta fez para te embrulhar em<br />
torno de seus dedos? Eu teria achado que você era imune à<br />
manipulação.<br />
~ 199 ~
— Você me manipulou toda a vida, — rosnou Growl.<br />
— Ela te contou isso? Ela deve ter chupado seu cérebro.<br />
— Tenha cuidado — advertiu Growl.<br />
Ele tentou se sentar, mas com suas mãos amarradas isso não era<br />
fácil. Eventualmente ele desistiu. O que provavelmente foi melhor<br />
considerando que Bandit tinha colado a cabeça sobre o banco traseiro e<br />
estava muito ansioso para provar Falcone de novo. — Ela vale a pena<br />
perder tudo? Você poderia ter se tornado meu sucessor. Você ainda<br />
pode, se você matar essa puta agora.<br />
Eu ri. E Growl também sorriu amargamente. — Como se seus<br />
homens me aceitassem como seu chefe. Eu sei o que todo mundo está<br />
dizendo sobre mim, até mesmo você. Um bastardo nunca pode ser nada<br />
além de um capanga. Eu não sou idiota. Eu sei o que está acontecendo<br />
por trás das minhas costas. E você tem herdeiro legítimo, você não<br />
precisa de mim.<br />
— Esta vida é tudo que você conhece, tudo que você tem. Se você<br />
arriscar por ela, você será deixado com nada. Ela não vale a pena,<br />
acredite.<br />
Os olhos de Growl me entediaram brevemente. — Sim, ela vale.<br />
Ela vale mais do que você e eu. Ela vai valer a pena perder tudo.<br />
Meu coração inchou de amor, e ao mesmo tempo meu estômago<br />
se apertou. Isso não era para acontecer. Apaixonar-me por um homem<br />
como Growl era o pior que eu poderia fazer, mas já era tarde demais. Eu<br />
não podia negar minhas emoções para o homem ao meu lado.<br />
— Eu devia ter matado você quando você era um menino inútil.<br />
Você é inútil. O filho de uma prostituta boqueteira. Se você não<br />
trabalhar para mim, o que você vai fazer? Não há nada que você possa<br />
fazer. Você é um monstro. Você sempre foi. Eu soube assim que eu vi<br />
você quando você era um bebê feio gritando.<br />
Growl parou em um estacionamento deserto. A loja estava<br />
fechada por um longo tempo pelo que parecia. Growl saltou do carro e<br />
arrastou Falcone para fora do assento traseiro, então o empurrou para<br />
o chão. Falcone cacarejou.<br />
Saí do carro também.<br />
Growl agarrou Falcone pela garganta. — Você fez bastante dano.<br />
Eu não vou mais te ouvir. Você vai morrer hoje.<br />
~ 200 ~
— Meus homens vão te matar. Você não pode deter a todos.<br />
Provavelmente já estão procurando por mim.<br />
Eu congelo. Como?<br />
Growl estreitou os olhos. — Você está mentindo.<br />
O sorriso de Falcone se alargou. — Eu tenho um segundo<br />
rastreador em algum lugar no meu corpo. Depois da coisa com seu pai<br />
traidor, eu decidi que eu precisava de medidas de segurança adicionais.<br />
Alguém vai se perguntar por que eu estou saindo da minha casa e então<br />
eles vão me encontrar. — Falcone me encarou com um olhar<br />
aterrorizante. — Sua irmãzinha sofrerá muito.<br />
Eu soltei um suspiro áspero.<br />
— Vai demorar um pouco para que seus homens percebam que<br />
você não está em casa. Eles não têm nenhuma razão para verificar o<br />
seu rastreador, — disse Growl, mas ele não parecia certo.<br />
— Temos que encontrar Talia, — eu implorei.<br />
Falcone sorriu. — Não vou te contar.<br />
Growl sorriu severamente. — Oh, você vai. — Ele se virou para<br />
mim. — Você deveria voltar para o carro. Isso ficará feio.<br />
— Não. Eu quero ver.<br />
Growl hesitou, mas então tirou a faca e se ajoelhou ao lado de<br />
Falcone. — Eu adoraria fazer isso lentamente, — ele murmurou em uma<br />
voz que me lembrou por que eu tinha medo dele no começo. Por que eu<br />
ainda deveria ter medo dele. — Mas estamos sem tempo. — Ele<br />
silenciou Falcone com fita novamente, agarrou as mãos amarradas de<br />
Falcone e empurrou a ponta da faca sob uma de suas unhas.<br />
Meus olhos se arregalaram quando percebi o que ele ia fazer, e<br />
então o grito abafado de Falcone soou e o sangue estava derramando<br />
sobre a faca de Growl. Eu vomitei e me afastei, meu peito empinando<br />
em uma tentativa de parar de vomitar.<br />
Outro grito abafado. Comecei a tremer, e lentamente levantei<br />
minhas mãos e cobri minhas orelhas. Eu queria isso, queria que<br />
Falcone sofresse, mas eu não podia assistir. Eu não podia suportar ver<br />
Growl como o monstro que eu não queria que ele fosse. Falcone merecia<br />
isso. Ele era a razão pela qual Growl era capaz de tais atrocidades em<br />
primeiro lugar. Agora ele iria provar do seu próprio veneno.<br />
~ 201 ~
Uma mão no meu ombro me fez ofegar e eu me virei para<br />
encontrar Growl me observando com olhos assombrados. — Nós<br />
precisamos ir. Eu sei onde sua irmã está. Não é longe daqui. — Eu olho<br />
atrás dele para onde Falcone estava deitado no asfalto, segurando sua<br />
mão sangrando contra seu peito e chorando. Quando ele me notou<br />
olhando, ele franziu o cenho. Ele me mataria se tivesse a chance, isso<br />
era certo. — Isso foi rápido, — eu disse aliviada.<br />
Growl encarou meu rosto, então assentiu. — Ele não está<br />
acostumado com a dor. Isso facilita as coisas.<br />
Eu me perguntava quantas vezes Growl tinha feito isso antes e na<br />
época eu sabia que nunca lhe perguntaria.<br />
— Eu não consegui assistir, — eu sussurrei.<br />
— Isso é bom. Você é uma boa pessoa.<br />
— Eu não sou, — eu disse. — Se eu fosse uma pessoa boa, eu não<br />
queria que ele sofresse e morresse, mas eu quero. Só sou fraca demais<br />
para ver.<br />
Growl tocou minha bochecha. — É melhor, acredite em mim.<br />
— Você vai matá-lo agora?<br />
— Não. Podemos precisar dele como um escudo. E devemos nos<br />
apressar. — Ele baixou a mão e carregou Falcone de volta para o carro,<br />
sem se importar que ele tivesse sangue em todos os assentos. A camisa<br />
do Growl já estava coberta disso. Mas antes de entrar no carro, ele<br />
trocou uma camisa nova.<br />
* * *<br />
Depois de cinco minutos de carro, paramos na frente de uma casa<br />
simples. — Aqui é onde sua irmã é mantida, — disse Growl. — Não sei<br />
ao certo o que esperar.<br />
ele.<br />
— É por isso que eu deveria ficar no carro, — eu terminei para<br />
Grown assentiu com a cabeça. — Eu voltarei logo. — Ele tirou<br />
Falcone e começou a arrastá-lo para a casa, mas Falcone lutou.<br />
Conseguiu se libertar. Eu rapidamente saí do carro.<br />
~ 202 ~
Nesse momento, outro carro parou. Cosimo estava atrás do<br />
volante. Abriu a porta do carro.<br />
Falcone tropeçou a poucos passos de Growl. Eu estava prestes a<br />
avisar, mas Growl agarrou Falcone e cortou sua garganta. A bile subiu<br />
na minha garganta enquanto o sangue se espalhava. Mas dessa vez eu<br />
não podia desviar o olhar. — Agora você sabe como é, — Growl<br />
guinchou.<br />
Falcone caiu no chão em uma poça de seu próprio sangue. Meus<br />
olhos voltaram para Cosimo. Ele olhou com os olhos arregalados, então<br />
seu olhar se moveu de Falcone para Growl e ele voltou ao carro e<br />
começou a recuar. — Growl, — eu chamei.<br />
Growl amaldiçoou, mas não impediu Cosimo de escapar. — Eu<br />
não posso atirar nele. O barulho é muito alto. Fique aqui. — Com essas<br />
palavras, ele correu em direção à casa, com a arma apontada. Peguei a<br />
arma que Growl me dera e rastejei no banco de trás, estremecendo com<br />
todo o sangue lá, mas eu queria estar ao lado de Talia.<br />
Contei os segundos até que de repente Talia veio correndo em<br />
minha direção. — Aqui! — Eu gritei e seus olhos aterrorizados focaram<br />
em mim. Ela correu para mim e se jogou no carro. Apertei-a contra<br />
mim, agradecida por tê-la de volta.<br />
Ouvi disparos. Growl coxeou em direção ao carro e meio que caiu<br />
no assento. Ele apertou os lábios enquanto ele ligava o carro. — Se<br />
abaixem, — ele ordenou, e apenas um segundo depois de Talia e eu nos<br />
agacharmos no banco de trás, uma bala atravessou a janela. Talia<br />
gritou, e eu a abracei com mais força. — Está bem. Tudo ficará bem. —<br />
Eu esperava que eu não estivesse mentindo.<br />
~ 203 ~
Capítulo vinto e cinco<br />
CARA<br />
Dois carros nos seguiram, mas eventualmente conseguimos<br />
despistá-los. Growl conduziu nosso carro em direção à fábrica vazia que<br />
ele e Mino determinaram como ponto de encontro. Quando chegamos,<br />
já havia um carro esperando e Mino estava fumando um cigarro. Não vi<br />
minha mãe em lugar nenhum.<br />
Talia levantou a cabeça quando paramos, seu rosto assustado e<br />
manchado com as lágrimas.<br />
— O que está acontecendo?<br />
— Estamos indo. — Respondi, acariciando seu cabelo. Ela não fez<br />
mais perguntas. Percebi que ela estava em choque. Saímos do carro e<br />
Growl abriu o porta malas para que Bandit e Coco pudessem sair. Eu<br />
tive que apoiar Talia. Ela estava tremendo demais para andar sozinha e<br />
Growl também estava com problemas. Sua coxa havia piorado. Ele<br />
notou meu olhar e encolheu os ombros, como se não fosse nada. Eu<br />
não acreditava. Sabia que ele devia estar com muita dor.<br />
— Por que vocês demoraram tanto? — Mino perguntou,<br />
percebendo o machucado na coxa de Growl. — Vocês foram seguidos?<br />
— Seu rosto se encheu de preocupação.<br />
— Provavelmente. Vamos nos apressar — Disse Growl. As<br />
palavras tinham acabado de sair de sua boca quando um carro virou a<br />
esquina e entrou em nossa rua. — Pegue os cachorros e as garotas, eu<br />
vou atrasá-los!<br />
— O quê? — Gritei, mas Growl já estava correndo e atirando no<br />
carro, que parou. Quatro homens saíram e o segundo carro apareceu ao<br />
lado do prédio vizinho. Growl rapidamente mirou nas rodas e uma delas<br />
explodiu. O carro girou e parou.<br />
— Rápido! — Mino gritou me puxando.<br />
~ 204 ~
— Cara — Talia gemeu. Seus olhos estavam suplicantes, e isso fez<br />
com que eu me movesse. Mino e eu a levamos até o carro. Minha mãe<br />
estava no banco de trás e quando Mino destrancou o carro percebi por<br />
que ela não tinha saído para nos ajudar. Ele tinha deixado ela trancada.<br />
Provavelmente por um bom motivo. Talia sentou no banco de trás com<br />
nossa mãe, mas eu queria voltar e ajudar Growl. Não tive a chance.<br />
Mino me agarrou e empurrou para o banco de trás com elas, e em<br />
seguida, fechou a porta. Ele sentou no banco do motorista e travou as<br />
portas para que eu não pudesse sair.<br />
— O que você está fazendo? — Gritei enquanto observava Growl<br />
nos defendendo de vários homens. Ele estava agachado atrás do carro,<br />
atirando neles. Mas por quanto tempo ele conseguiria mantê-los<br />
afastados?<br />
— Me deixe sair!<br />
Mino me ignorou. Ele ligou o carro e o colocou em movimento.<br />
GROWL<br />
Growl permitiu-se um momento para observar o carro se afastar e<br />
Cara partir. Ele provavelmente nunca mais a veria, o que era melhor.<br />
Ela seria mais feliz sem ele em sua vida.<br />
Cravou uma faca em seu próximo oponente. Ele lutaria e morreria<br />
hoje. Mas não em vão.<br />
E se ele morresse, seria com a lembrança do sabor doce de Cara,<br />
sua pele perfeita e seu rosto bonito. Ele fechou os olhos com a<br />
lembrança, sem se importar com o que o esperava.<br />
CARA<br />
Bati os punhos contra a janela, ignorando a dor maçante que<br />
corria através de meus braços devido à força.<br />
— Me deixe sair. — Gritei novamente, ainda mais alto. Não que<br />
Mino não tivesse ouvido da primeira vez. Estávamos a menos de dois<br />
~ 205 ~
metros de distância um do outro. Em vez de prestar atenção em meu<br />
pedido, ele dirigiu ainda mais rápido.<br />
Levantei os braços e me apoiei contra o vidro. Growl estava<br />
cercado pelos homens de Falcone. Nem mesmo um lutador como ele<br />
teria chance contra tantos oponentes.<br />
Gritei.<br />
— Por favor, temos que ajudá-lo.<br />
Mino balançou a cabeça.<br />
— Tenho ordens estritas para te levar embora daqui.<br />
— Mas o homem que deu as ordens a você estará morto em breve<br />
se não o ajudarmos!<br />
— Não importa. Uma promessa para um homem morto não vale<br />
menos.<br />
Afundei contra o assento. Estávamos muito longe. Eu não<br />
conseguia mais ver Growl. Ele tinha sobrevivido a tantas coisas. Não<br />
podia morrer, não assim. Não tão cedo.<br />
— Cara? — Escutei a voz macia da minha mãe e percebi que<br />
tinha esquecido completamente dela e de Talia. Virei em sua direção.<br />
Confusão brilhava em seu rosto, mas também uma amarga realização.<br />
Eu tinha me entregado, mas não conseguia me importar.<br />
Meus olhos encontraram Talia. Ela estava olhando fixamente para<br />
suas mãos, que descansavam em seu colo.<br />
Peguei uma de suas mãos, mas ela não reagiu.<br />
— Estaremos a salvo em breve.<br />
Eu não sabia o que ela tinha passado nos dois últimos meses,<br />
desde que eu a tinha visto pela última vez. Ela parecia fisicamente bem,<br />
mas isso não significava nada.<br />
Minha mãe envolveu um braço ao redor de minha irmã, mas<br />
manteve seus olhos em mim.<br />
— Por que esse homem nos ajudou?<br />
— Acho que ele se sentiu culpado pelo que fez e quis se redimir.<br />
— Respondi.<br />
~ 206 ~
Minha mãe franziu os lábios.<br />
— Aquele homem não sabe o que é culpa. Ele é um monstro. Ele<br />
tem sido o assassino mais cruel de Falcone por tantos anos. Ninguém<br />
poderia fazer isso sem se transformar em algo menos humano.<br />
Eu não podia negar. Growl era cruel. Ele era um assassino. Tinha<br />
feito mais coisas horríveis que eu pudesse enumerar. Não tinha como<br />
explicar tudo isso para minha mãe, porque eu não podia explicar<br />
sozinha.<br />
— Eu ouvi as histórias. — Disse Mino. — Como Falcone te deu<br />
para ele de presente. Era a punição de sua família, pela traição do seu<br />
pai.<br />
Ele estava me observando através do espelho retrovisor, uma<br />
expressão curiosa em seu rosto maltratado pelo sol. Eu não reagi às<br />
suas palavras. Não era uma pergunta.<br />
Minha mãe empalideceu com a menção do meu pai, mas<br />
permaneceu em silêncio.<br />
— O que não entendo é por que você está chorando por causa<br />
dele. Você não deveria estar aliviada por se livrar dele? Ele era um<br />
monstro. — Mino continuou.<br />
Levantei os dedos até minhas bochechas, sentindo a umidade.<br />
— Ele era. — Concordei. Eu não estava delirando. Eu tinha<br />
testemunhado a escuridão de Growl, seu lado irreparável, várias vezes,<br />
e ainda assim tinha me apaixonado. Talvez porque conhecesse o outro<br />
Growl, a pessoa que ele mantinha escondida sob as muitas camadas de<br />
brutalidade. O lado sensível e vulnerável, carinhoso e amoroso. Isso me<br />
conquistou. Eu sabia que o homem na minha frente não acreditaria se<br />
eu contasse sobre Growl. E provavelmente era melhor assim. Growl<br />
sempre fez tudo o que era possível para manter esse seu lado<br />
escondido, para se proteger. Eu não iria destruir a imagem que ele<br />
trabalhou tanto para construir, mesmo que eu a odiasse. Mas agora que<br />
ele tinha ido embora, era tarde demais.<br />
Meu coração se apertou como um punho.<br />
— Talvez você devesse conversar com alguém, um psiquiatra. Já<br />
ouvi falar dessa merda. Síndrome de Estocolmo.<br />
~ 207 ~
A raiva irradiou por meu corpo. Eu odiava que ele tivesse colocado<br />
uma etiqueta em meus sentimentos. Minha mãe tocou meu braço e<br />
percebi que ela concordava com ele.<br />
Talvez eles estivessem certos. Eu não sabia. Não sabia se meus<br />
sentimentos por Growl teriam sobrevivido em liberdade, e nunca teria a<br />
chance de descobrir.<br />
* * *<br />
Viajamos por dois dias, e só paramos para ir ao banheiro. Talia<br />
não falou nada no primeiro dia. No segundo, ela finalmente nos disse<br />
que estava bem. Que não tinha sido ferida. Que a esposa do cara que<br />
ficava de olho nela, cuidou dela o melhor que pôde.<br />
Fiquei aliviada, mesmo que tivéssemos mais um obstáculo à<br />
nossa frente. Convencer o chefe da Família de Nova York a nos ajudar e<br />
nos aceitar. Minha mãe ligou para ele de um telefone público velho no<br />
meio da estrada, e avisou que estávamos chegando. Ele não tinha<br />
prometido nada.<br />
Provavelmente pensou que fôssemos espiãs.<br />
Era difícil ter medo do futuro. Eu me sentia entorpecida. Muita<br />
coisa tinha acontecido. O homem que eu amava estava morto. Ele<br />
morreu por mim. Eu não tinha certeza do que acreditava exatamente,<br />
mas tinha que existir alguma coisa depois desta vida. Eu esperava que<br />
os atos de bondade de Growl fossem vistos como um passo para a<br />
redenção, e lhe fosse concedido acesso a um lugar melhor na vida após<br />
a morte. Ele tinha sofrido tanto enquanto estava vivo, e mesmo que<br />
parte fosse sua culpa, eu queria a felicidade dele agora que estava<br />
morto.<br />
Chegamos em Nova York à tarde.<br />
— O que vai acontecer se eles não nos deixarem ficar? — Talia<br />
sussurrou.<br />
— Ou eles pensam que somos espiões e nos matam, ou eles nos<br />
mandam embora e os homens de Falcone nos matam. — Mino<br />
respondeu com firmeza. Fiquei com vontade de bater nele por causa<br />
daquela declaração, mesmo que provavelmente fosse verdade.<br />
~ 208 ~
* * *<br />
Coco latiu atrás de mim. Me virei e cocei atrás de sua orelha. Ela<br />
inclinou a cabeça para me dar melhor acesso. Bandit enfiou a cabeça<br />
sob meu braço, pedindo atenção também. Comecei a fazer cócegas sob<br />
seu queixo, do jeito que ele amava, e ele fechou os olhos em evidente<br />
satisfação. Esses animais, que me assustaram tanto no começo tinham,<br />
de algum modo, entrado no meu coração. Assim como seu dono. Eles<br />
compartilhavam a aparência assustadora e grande potencial de<br />
destruição, mas por baixo disso, havia algo sensível e vulnerável, algo<br />
que fazia você querer cuidar deles e amá-los. Agora Coco e Bandit eram<br />
tudo o que restava de Growl. Eu cuidaria deles o máximo que pudesse,<br />
tentaria protegê-los. Eu devia isso a Growl. Meus olhos começaram a<br />
arder, da mesma forma que acontecera tantas vezes nos últimos dias,<br />
mas pisquei para afastar as lágrimas. Eu não conseguia mais chorar.<br />
Aquilo parecia drenar toda minha energia, e eu precisava dela para o<br />
encontro com a Família de Nova York. Há apenas dois meses, minha<br />
vida estava em ruínas, ou parecia que estava. Eu pensei que não<br />
sobreviveria, mas tinha sido mais forte do que pensava ser possível. Eu<br />
era forte. Meu tempo com Growl tinha me ensinado isso. Eu tinha que<br />
descobrir uma maneira de convencer Luca de que não éramos inimigos.<br />
O carro finalmente parou em uma área industrial que me deu<br />
poucas esperanças. Era um lugar onde você levava alguém que queria<br />
fora do caminho. Meus olhos viraram para Mino.<br />
— Onde estamos? — Perguntei, minha voz rouca, mas firme.<br />
— Esse é o endereço que Vitiello deu à sua mãe — Mino<br />
respondeu. Ele olhou pela janela com preocupação.<br />
nós.<br />
Dois carros pretos estavam estacionados a uma boa distância de<br />
— Talvez devêssemos sair para que eles possam ver que não<br />
somos perigosos. — Sugeri.<br />
— Eles poderiam atirar em nós. — Mino respondeu.<br />
— Eu sei. Mas não temos escolha.<br />
Abri a porta e saí. Me movimentei lentamente, mantendo os<br />
braços afastados do corpo para que eles pudessem ver que não estava<br />
~ 209 ~
armada. Meu coração bateu forte contra a caixa torácica quando dei<br />
alguns passos para longe do carro. Depois de um momento de<br />
hesitação, minha mãe e Talia seguiram meu exemplo e se juntaram a<br />
mim. Nós não nos movimentamos, só esperamos.<br />
Mino ficou no carro. Dei a ele um olhar, mas ele parecia<br />
determinado a esperar.<br />
Um homem alto saiu de um dos carros. Ele era alto e musculoso<br />
como Growl, mas seu cabelo era preto e não havia tatuagens visíveis.<br />
Por um momento enlouquecedor, pensei que fosse ele, ressuscitado dos<br />
mortos por algum milagre.<br />
— Luca. — Minha mãe suspirou ao meu lado. Um segundo e<br />
terceiro homens se aproximaram de Luca um momento depois. Como<br />
poderíamos ter certeza que a vida aqui seria melhor do que em Las<br />
Vegas?<br />
Eu não conhecia essas pessoas, só tinha ouvido histórias,<br />
algumas os bajulando. Minha mãe também tinha saído de Nova York<br />
porque seu irmão era cruel, e agora seu filho Luca decidiria o nosso<br />
destino.<br />
Depois de uma breve discussão, Luca e o segundo homem<br />
começaram a caminhar em nossa direção. O terceiro ficou para trás,<br />
mas provavelmente havia mais nos carros. Fiquei surpresa que Luca<br />
estivesse se arriscando tanto. Falcone teria ficado para trás e deixaria<br />
seus homens fazerem o trabalho sujo. Eu não tinha certeza se era um<br />
bom sinal Luca ter decidido nos encontrar pessoalmente.<br />
Eles pararam a uma boa distância.<br />
— Seu motorista precisa sair. — Luca solicitou. Tanto ele quanto<br />
o outro homem estavam segurando armas.<br />
Encarei Mino e acenei para que ele saísse. Seus olhos se dirigiram<br />
para Luca.<br />
— Se ele não sair logo, eu mesmo vou tirá-lo de lá, e ele não vai<br />
gostar muito disso. — O outro homem advertiu. Seu cabelo era marrom<br />
escuro, um pouco mais longo do que o de Luca, e percebi que eles<br />
compartilhavam as mesmas características. Provavelmente Matteo, se<br />
eu me lembrava corretamente.<br />
Mino deve ter ouvido porque finalmente saiu do carro, segurando<br />
as mãos sobre a cabeça. Um homem correu ao redor do carro e o<br />
agarrou, torcendo os braços atrás das costas. Mino gritou de dor, mas<br />
~ 210 ~
ficou em silêncio quando foi atingido com o cabo de uma arma. Ele<br />
caiu, inconsciente.<br />
Talia começou a chorar silenciosamente ao meu lado. Segurei sua<br />
mão. Nossa mãe já estava segurando a outra. Luca examinou minha<br />
irmã, depois eu e minha mãe. Eu estava muito cansada e esgotada para<br />
sentir medo deles. O medo viria mais tarde. Se houvesse mais tarde.<br />
Pelo que eu sabia, eles nos viam como inimigos e nos matariam. Pelo<br />
menos assim eu estaria com Growl. Mas algo em mim se rebelava<br />
contra essa ideia. Eu sentia falta de Growl, mais do que eu pensava ser<br />
possível. Mas havia muitas razões pelas quais eu precisava viver, pelas<br />
quais eu queria viver. Minha irmã e minha mãe eram duas delas.<br />
Invoquei toda minha coragem e falei.<br />
— Eu sou Cara. Sua prima.<br />
— Nós sabemos exatamente quem você é — Matteo interrompeu<br />
bruscamente.<br />
Não parecia que eles estavam felizes em nos ver.<br />
~ 211 ~
Capítulo vinte e seis<br />
CARA<br />
Eles não nos deixaram falar, mas nos levaram para o que parecia<br />
ser algum tipo de clube que estava deserto quando chegamos. Ninguém<br />
nos disse nada enquanto fomos levados para um quarto na parte de<br />
trás.<br />
— Feche a porta, Romero. — Luca pediu ao terceiro homem. Ele o<br />
obedeceu sem hesitar e ficou parado em frente à porta, seus olhos<br />
atentos nos vigiando.<br />
— Onde está o nosso motorista? — Perguntei. Eles o colocaram<br />
em outro carro e eu não o tinha visto novamente.<br />
— Precisamos ter uma conversa detalhada com ele para descobrir<br />
quais são seus motivos. — Matteo respondeu com um sorriso afetado.<br />
Um arrepio percorreu minhas costas.<br />
— Você vai torturar a gente também? — Murmurei.<br />
Matteo riu.<br />
— Ah, uma atrevida.<br />
Luca suspirou.<br />
— Você já tem uma esposa atrevida. Não provoque meus nervos<br />
discutindo com nossa prima também.<br />
Meus olhos se arregalaram em surpresa.<br />
Matteo encolheu os ombros e sentou na borda da mesa.<br />
— E os cachorros, para onde você os levou? Por favor, não os<br />
machuque.<br />
— Alguém está cuidando deles — Luca respondeu. O que ele<br />
queria dizer com isso?<br />
~ 212 ~
— Precisamos da sua ajuda, Luca. — Minha mãe falou,<br />
suplicante. — Nós somos da família.<br />
— Você deixou sua família para ir à Las Vegas. Você se casou com<br />
um membro dos Camorra.<br />
— Pelo que eu sei, isso é traição. — Matteo disse com um sorriso<br />
torto. — E pelo que ouvimos, sua família gosta de traição. Seu marido já<br />
pagou por isso com sua vida.<br />
Minha mãe hesitou.<br />
— Nós nunca traímos ninguém. — Respondi com firmeza. — E<br />
minha mãe só saiu de Nova York porque amava meu pai e porque o<br />
irmão dela era um monstro.<br />
— Bem, nós sabemos que pelo menos você sabe como lidar com<br />
monstros, certo? — Matteo disse. — E não se esqueça que é do nosso<br />
pai que você está falando.<br />
Engoli em seco. Insultar Salvatore Vitiello provavelmente não foi a<br />
melhor ideia.<br />
— Eu conheci seu pai, meu irmão, bem o suficiente para saber<br />
que você não deve sentir muito sua falta. — Minha mãe respondeu.<br />
Luca encolheu os ombros.<br />
— Ele não era um bom homem. Mas eu também não sou.<br />
— Eu não acredito que você é como ele. Vi sua linda esposa no<br />
jornal.<br />
A expressão de Luca mudou. Seu instinto protetor levou para<br />
longe a inexpressividade.<br />
— Não estamos falando sobre ela.<br />
A porta do quarto se abriu. Romero olhou atrás, depois se virou<br />
com uma expressão de desculpa.<br />
Uma linda mulher loira entrou.<br />
— Já chega. — Ela falou. Sua voz era baixa e calma, mas tinha<br />
um óbvio poder sobre Luca.<br />
Ela era resplandecente. Foi tudo o que pude pensar quando a vi.<br />
Sua pele era pálida, cabelos dourados e olhos azuis. Resplandecente.<br />
~ 213 ~
Seu sorriso acolhedor me atingiu e o nó no meu estômago<br />
afrouxou. Talvez houvesse esperança, afinal de contas. Ela caminhou<br />
em minha direção. Era difícil não perceber a desaprovação no rosto de<br />
seu marido ou a forma que seu corpo tencionou em antecipação. Como<br />
se ele estivesse preocupado que eu fosse atacá-la. Essa era a última<br />
coisa na minha cabeça, principalmente quando ela poderia significar<br />
nossa segurança.<br />
— Eu sou Aria. — Ela falou, estendendo a mão para mim. Eu a<br />
cumprimentei com um sorriso.<br />
— Eu sou Cara, e esta é minha irmã Talia. — Acenei para Talia<br />
que parecia completamente congelada de medo. Aria deu um tapinha no<br />
ombro da minha irmã.<br />
— Você não precisa ter medo. Ninguém vai te machucar, eu<br />
prometo.<br />
— Aria. — Luca advertiu em uma voz tensa.<br />
Ela cumprimentou minha mãe antes de finalmente encarar o<br />
marido.<br />
— Elas são da família. E passaram por muita coisa, você não está<br />
vendo? Precisamos ajudá-las.<br />
— Nós nem sabemos por que elas estão aqui. — Matteo ressaltou.<br />
Aria caminhou até seu marido e o encarou.<br />
— Elas são inocentes. Elas precisam de nossa proteção. Você<br />
realmente acredita que elas estão aqui para nos fazer algum mal?<br />
— Não. — Luca disse com um suspiro. — Eu não acredito. — Ele<br />
olhou para nós. — Vocês podem ficar. Espero que eu não me arrependa.<br />
* * *<br />
Eles nos levaram para uma casa no Hamptons, depois de alguns<br />
argumentos convincentes de Aria. Eu já gostava dela, embora não a<br />
conhecesse.<br />
Fomos colocadas na ala de hóspedes do grande edifício,<br />
provavelmente por medidas de segurança, mas eu não me importava.<br />
~ 214 ~
Estávamos um passo mais perto de um futuro melhor. Quando Aria nos<br />
mostrou nossos quartos, eu disse:<br />
— Obrigada, por tudo.<br />
Ela sorriu.<br />
— Seja bem-vinda.<br />
— Eu tenho mais um pedido. Você pode se certificar de que eles<br />
não machuquem os meus cachorros?<br />
— Claro. — Ela disse sem hesitar. — Vou garantir que eles fiquem<br />
seguros.<br />
Talia veio até meu quarto naquela noite e se aconchegou em mim.<br />
— Eu estava tão assustada, mas agora tudo vai ficar bem, não<br />
vai? — Ela sussurrou.<br />
— Sim. Vamos começar de novo. — Uma imagem de Growl<br />
apareceu em minha cabeça, mas tentei manter a tristeza dentro de<br />
mim. Em breve essas emoções teriam que desaparecer.<br />
— Você realmente o amava?<br />
— Amava. Ainda amo. — Admiti. Eu não queria mentir para Talia.<br />
— Eu não entendo. — Sua respiração quente soprou sobre minha<br />
garganta enquanto ela descansava a cabeça em meu ombro.<br />
— Nem eu. Eu não queria que isso tivesse acontecido.<br />
— Você não pode mudar o que sente. Está tudo bem. — Talia<br />
disse suavemente, me abraçando com mais força.<br />
— Mamãe está me evitando. Acho que ela não consegue me<br />
perdoar por causa de Growl.<br />
— Ela perdeu o pai. Ela precisa de tempo.<br />
Eu esperava que Talia estivesse certa. Mesmo que ela não<br />
estivesse, não havia nada que eu pudesse fazer com meus sentimentos.<br />
* * *<br />
~ 215 ~
Aria manteve sua promessa. No dia seguinte, Coco e Bandit<br />
chegaram à mansão. Porém Luca se recusou a deixá-los correr pela<br />
casa. Eu tinha que mantê-los em uma coleira quando estava fora do<br />
quarto. Aria juntou-se a mim enquanto mostrava o jardim a eles. Tanto<br />
Coco como Bandit pareciam gostar de sua presença.<br />
Luca seguia atrás de nós como uma sombra.<br />
— Eles eram usados rinhas de cães. Você deveria ter cuidado. A<br />
maioria deles são monstros desagradáveis.<br />
— Eles são bons. Melhor do que a maioria das pessoas. —<br />
Respondi bruscamente.<br />
— Isso não é difícil. A maioria das pessoas são idiotas. — Matteo<br />
respondeu com um encolher de ombros, também aparecendo no jardim.<br />
— Enquanto esses animais estiverem aqui, não vou permitir que<br />
Gianna venha nos visitar.<br />
— Como se você pudesse dizer a Gianna o que fazer. — Aria<br />
brincou e se virou para mim. — Não os escute. — Completou em tom de<br />
desculpas. Ela se agachou diante de Coco e Bandit. Me ajoelhei ao lado<br />
dela e acariciei a cabeça de Coco. Depois de um breve momento de<br />
hesitação, Aria fez o mesmo.<br />
— Veja. — Ela disse com um olhar por cima do ombro em direção<br />
ao marido. — Eles são inofensivos.<br />
— Eles podem ser inofensivos agora, mas já viveram muito. Às<br />
vezes eles podem perder o controle. Eu não os quero perto de você.<br />
Aria suspirou e sussurrou para mim.<br />
— Mantenha eles na coleira até que ele se acalme.<br />
Assenti. Eu não tinha nenhuma intenção em ir contra as ordens<br />
de Luca. Levei os cachorros para o quarto e me estiquei na cama.<br />
Eles inspecionaram o quarto, mas não tiraram os olhos de mim.<br />
Tive a sensação de que eles estavam procurando por Growl.<br />
Provavelmente também sentiam sua falta. Eventualmente, dei umas<br />
batidinhas na metade vazia da cama.<br />
— Venham para cima.<br />
Coco ergueu a cabeça, as orelhas levantadas.<br />
~ 216 ~
Dei outro tapinha na cama com mais firmeza e repeti meu<br />
convite. Coco foi a primeira a trotar em direção à cama e se juntar a<br />
mim com um salto hesitante. Quando eu não a repreendi, ela se<br />
aconchegou, pressionada contra a lateral do meu corpo. Bandit não<br />
precisou de mais um convite. Ele se aconchegou rapidamente contra eu<br />
e Coco. Eu coçava atrás de suas orelhas, apreciando a sensação da pele<br />
macia. Com seus corpos quentes me dando o conforto que tanto<br />
precisava, relaxei contra os travesseiros e apaguei as luzes. Eu não<br />
tinha dormido bem ontem à noite, tinha sonhado com a morte de Growl<br />
imaginando um final terrível atrás do outro. Eu queria saber<br />
exatamente o que tinha acontecido com ele. A verdade, por mais difícil<br />
que fosse, era sempre melhor do que não saber nada.<br />
~ 217 ~
Capítulo vinte e sete<br />
CARA<br />
Algumas semanas mais tarde, minha família e eu estávamos<br />
começando a nos instalar, e Talia estava quase de volta ao seu eu<br />
habitual.<br />
Voltei da minha caminhada com Coco e Bandit nas vastas<br />
instalações da mansão Vitiello, e estava a caminho da ala dos hóspedes<br />
quando ouvi uma conversa em outro lugar da casa.<br />
Eu conhecia aquela voz. Todas as noites eu a ouvia em meus<br />
sonhos, a maioria deles pesadelos. Mas ela não era a causa dos meus<br />
medos, não mais. Tanta coisa havia mudado.<br />
Deixei as coleiras caírem e comecei a correr em direção àquela<br />
voz. Não parei até vê-lo na sala de estar. Derrapei até parar, meu<br />
coração batendo em minha garganta.<br />
E ali estava ele, sombrio, alto e ferido. Um de seus olhos estava<br />
inchado, vários cortes e novas contusões lhe cobriam a pele.<br />
Eu não conseguia me mexer. Os cachorros não compartilharam<br />
da minha hesitação. Eles me seguiram, arrastando suas coleiras. Eles<br />
pularam à frente, latindo e sacudindo os rabos.<br />
Luca, Romero e Matteo se assustaram e puxaram as armas. Mas<br />
Coco e Bandit não atacaram. Eles se espremeram nas pernas de Growl,<br />
que estendeu a mão para acariciar suas cabeças, mas seus olhos foram<br />
para mim, me perfurando até a alma.<br />
Fazia duas semanas desde que nos vimos pela última vez. Onde<br />
ele esteve? Por que ele não me deu um sinal de que estava vivo? Chorei<br />
sua morte, fiz planos para um futuro sem ele, mas agora que ele estava<br />
aqui, eu me perguntava se teríamos um futuro juntos. Nós nunca<br />
conversamos sobre isso. Eu tinha sido dele, não por escolha, e agora<br />
que eu estava livre, me perguntava se poderíamos fazer isso funcionar.<br />
~ 218 ~
Será que eu realmente queria viver com o homem que era meu dono?<br />
Será que ele ainda me queria, agora que eu não era mais apenas um<br />
presente? Milhares de perguntas percorreram minha mente e me<br />
deixaram cambaleando.<br />
Fixei meu olhar no seu e percebi que, apenas um instante antes<br />
de Growl levantar seus escudos novamente, minhas próprias perguntas<br />
estavam refletidas nos olhos dele.<br />
— Você está vivo. — Eu disse simplesmente.<br />
Ele não se aproximou.<br />
— É difícil de me matar.<br />
Notei Aria no canto, nos observando.<br />
Luca interrompeu o silêncio tenso.<br />
— Está feito?<br />
Growl finalmente afastou seu olhar do meu.<br />
— Eu matei muitos dos homens próximos a Falcone. Tem muita<br />
coisa acontecendo em Las Vegas agora. Os filhos dele e Cosimo estão<br />
lutando pelo poder. Vai mantê-los ocupados por um tempo.<br />
Luca pareceu satisfeito com isso. Negócios. Era tudo sempre<br />
sobre negócios. Era por isso que eles tinham colocado Growl lá? Porque<br />
Growl tinha informações importantes sobre os Camorra em Vegas?<br />
Eu queria correr para Growl, mas ele não parecia querer isso.<br />
Confusão nublou meus sentidos. Eu precisava de ar fresco. Eu<br />
precisava pensar. Me virei e corri pra fora. Parei quando cheguei a um<br />
banco e sentei nele.<br />
Aria se juntou a mim alguns momentos depois.<br />
— Você o ama. Por que você não fala com ele?<br />
— Porque ele não me ama. Ele não pode. Essa coisa entre nós não<br />
tem futuro.<br />
Eu não era ingênua o suficiente para acreditar que Growl iria<br />
mudar. Se ficássemos em Nova York e ele fosse autorizado a trabalhar<br />
para Luca, havia apenas um trabalho que ele poderia fazer. Tornar-se<br />
um dos assassinos de Luca. Muita coisa tinha sido arrancada de Growl<br />
quando viu sua mãe morrer e quando ele mesmo quase sangrou até a<br />
morte. Eu queria ajudá-lo, mas não tinha certeza se era capaz de<br />
~ 219 ~
ecuperar todas as peças quebradas. Algumas delas poderiam estar<br />
perdidas para sempre.<br />
— Por quê? Se você o ama, tem que haver um jeito.<br />
— Ele... não é bom.<br />
Aria riu suavemente.<br />
— Luca também não é bom, mas eu o amo com todo o meu<br />
coração. Você só tem que se permitir amar as partes boas dele.<br />
Eu amava suas partes boas e suas partes ruins, o amava mais do<br />
que deveria.<br />
Ele roubou minha liberdade, minha vida. E de alguma forma ao<br />
longo do caminho, sem eu nem perceber, ele também roubou meu<br />
coração.<br />
— Ele te ama. Eu não sei exatamente o que Luca e Growl<br />
conversaram quando eles se encontraram ontem, mas tenho um<br />
pressentimento de que a única razão pela qual Luca confia em Growl é<br />
porque ele percebeu que Growl te ama. E Luca sabe o que o amor pode<br />
fazer com uma pessoa. — Ela fez uma pausa. — Sua irmã mencionou<br />
que sua mãe não aprova. Mas não deixe isso te impedir, se você<br />
realmente o ama. Minha irmã Gianna também não gostava muito do<br />
Luca no início.<br />
Assenti para mostrar a ela que tinha escutado, mas não consegui<br />
responder nada.<br />
GROWL<br />
Growl caminhava pelo corredor em frente ao quarto de Cara. Ele<br />
não sabia por que estava esperando que ela aparecesse. O que ainda<br />
restava para falar?<br />
No momento em que ela partiu para Nova York sem ele, sabia que<br />
isso significava o fim para os dois. Aquilo tinha sido como um soco no<br />
estômago, a compreensão de que ela não ficaria com ele, um monstro.<br />
Ninguém ficaria. Ela parecia desfrutar de sua companhia no final,<br />
gostava de sua proximidade e do seu toque, mas ele não se enganou.<br />
Sua afeição por ele havia nascido por necessidade. Ela não tinha<br />
~ 220 ~
escolha. Ela não conseguia fugir dele. Mas agora tudo tinha mudado.<br />
Em Nova York, Cara seria livre para fazer o que quisesse. Ninguém a<br />
estava impedindo de fazer nada. Growl conhecia Luca o suficiente para<br />
saber que ele não iria apoiá-lo em ficar com Cara. E embora tivesse<br />
levado algum tempo para que Growl percebesse, ele não queria ter Cara<br />
como uma posse. Ele queria que ela quisesse estar com ele. Ele sabia<br />
que aquela ideia ridícula significava que a perderia completamente. Ela<br />
viveria sua vida sem ele. Ela encontraria um novo cara, um cara legal,<br />
alguém que não tivesse causado a ela tantos pesadelos.<br />
Ainda era difícil para ele entender as emoções, e isso nunca<br />
mudaria. Mas sua expressão deixou claro até mesmo para ele, que ela<br />
não o queria. Talvez ela tivesse fingido tolerá-lo por sua própria causa e<br />
para que ele a ajudasse a vingar seu pai, matando Falcone. Ele não<br />
podia culpá-la.<br />
Muitas vezes ele desejava nunca ter a possuído. Era mais fácil<br />
viver sem algo que você nunca teve, porque você não sabia o que estava<br />
perdendo. Mas uma vez que você tinha algo, era difícil deixar para trás.<br />
Growl se acostumara com a presença de Cara. Ele sempre se<br />
considerou uma pessoa solitária. Pensava que não queria outras<br />
pessoas ao seu redor. Ele gostava de ficar sozinho, somente com a<br />
presença de seus cães. Sua vida era só dele. Sem intercorrências e<br />
conduzida por hábitos, mas segura. Agora que tinha vivido com alguém,<br />
com Cara, tinha dificuldades em imaginar ficar sozinho de novo.<br />
Ele superaria por aquilo. Sempre superou. Ele trabalharia duas<br />
vezes mais e colocaria toda sua energia em fazer Luca confiar e valorizálo.<br />
Ele faria um nome para si mesmo aqui em Nova York e<br />
eventualmente, esqueceria Cara e voltaria à vida que ele tinha antes.<br />
E então, Cara apareceu no fim do corredor, e ele percebeu que<br />
estava se enganando se acreditasse que poderia esquecê-la.<br />
CARA<br />
Eu congelei quando vi Growl na frente do meu quarto. Bandit e<br />
Coco estavam encolhidos a seus pés como se todos estivessem<br />
esperando por um tempo.<br />
~ 221 ~
Me aproximei lentamente, tentando controlar minhas emoções.<br />
Coco balançou o rabo quando parei na frente de Growl.<br />
Ele colocou as mãos nos bolsos, mas seu corpo estava tenso como<br />
um arco.<br />
— Não há motivos para você ficar comigo. Você está livre. Mesmo<br />
que eu pudesse te forçar a ficar comigo, eu não vou. Você é livre para<br />
decidir a sua própria vida.<br />
As palavras que eu desejava ter ouvido desde o momento que<br />
Falcone me deu para Growl de repente machucaram.<br />
— Então o que você está dizendo? Que preferia que eu te<br />
deixasse? — Embora, para que eu pudesse deixá-lo, precisaríamos ter<br />
sido um casal em primeiro lugar.<br />
— Essa é a última coisa que eu quero. — Ele falou com<br />
ferocidade. Ele colocou as mãos para fora dos bolsos, inquieto, quase<br />
como se quisesse me agarrar e colocar algum sentido em minha cabeça,<br />
mas ele não me tocou.<br />
— Então o que você quer? — Perguntei, frustrada. Talvez eu<br />
deveria ter aceitado as palavras de Growl e ido embora.<br />
Minha mãe iria preferir isso, e teria sido a escolha mais certa<br />
moralmente, se eu estivesse sendo honesta comigo mesma.<br />
Growl tinha partes monstruosas e isso não iria mudar. Anos de<br />
abuso haviam deixado sua marca, e se eu escolhesse ficar com ele, teria<br />
que viver com isso. Talvez em Nova York, Luca encontraria melhores<br />
maneiras de canalizar os talentos de Growl para tarefas menos<br />
horrendas, mas eu não estava me enganando em acreditar que matar<br />
não seria mais uma grande parte da vida de Growl. Isso era algo que eu<br />
teria que aceitar. Permanecer com alguém só porque espera mudar<br />
aquela pessoa era esforço para o fracasso.<br />
Os olhos de Growl brilharam com emoções, muitas mais do que<br />
eu já havia visto.<br />
— Eu quero... — Ele começou, então parou e rosnou. Ele<br />
balançou a cabeça e olhou para o lado, para que eu ficasse olhando<br />
para seu perfil.<br />
— Uma vez você me disse que eu precisava ser corajosa. Quem<br />
não é corajoso agora? — O desafiei.<br />
~ 222 ~
Growl se virou, me agarrou pelos ombros e me pressionou contra<br />
a parede.<br />
— Eu quero você. Quero que fique comigo porque quer ficar. Eu<br />
quero que você me queira.<br />
Eu exalei.<br />
— Eu quero.<br />
Growl me soltou.<br />
— Quer o quê?<br />
— Quero você. Quero ficar com você.<br />
Growl olhou fixamente.<br />
— Eu... Eu acho. — Ele passou uma mão pelo rosto. — Eu não<br />
sou bom com palavras. Você sabe disso.<br />
— Mas você poderia ser. Talvez você só precise tentar. — Eu disse<br />
suavemente.<br />
Seus olhos se encheram de determinação.<br />
— Poucas coisas me assustam hoje em dia. — Ele resmungou. —<br />
Mas isso entre nós me assusta. Minhas emoções me assustam.<br />
— Por quê?<br />
— Eu desisti de esperar por algo bom há muito tempo. Deixava as<br />
coisas mais fáceis. Nada podia me machucar. A dor não era nada. Os<br />
insultos das pessoas não significavam nada. Eu não me importava com<br />
nada. Não tinha medo de nada. Mas quando ganhei você, percebi de<br />
repente o tipo de vida que tinha levado. Como as coisas significavam<br />
pouco. E enquanto eu estava lutando contra os homens de Falcone,<br />
percebi o quanto eu gostava de estar com você, de ter alguém para<br />
conversar, compartilhar refeições com você, passear com Coco e Bandit<br />
com você, e até mesmo compartilhar uma cama com você. Eu nunca<br />
pensei que poderia gostar desse tipo de coisa, nunca pensei que poderia<br />
precisar de algo assim, mas agora... — Ele parou, a incerteza voltando.<br />
— Agora estou com medo pra caralho de perder tudo isso, de te perder.<br />
Eu nunca soube que precisava de você, mas agora não posso imaginar<br />
ter que ficar sem você. Eu... eu te amo, Cara.<br />
~ 223 ~
Deixei escapar um suspiro trêmulo. Eu nunca pensei que ouviria<br />
essas palavras de Growl. Nem em um milhão de anos. Toquei seu<br />
coração e sua bochecha.<br />
— E eu amo você, Growl.<br />
Aria tinha razão. Eu precisava fazer uma escolha. E eu escolhi o<br />
amor. Minha mãe aceitaria eventualmente. Afinal de contas, ela tinha<br />
desistido de tudo por amor.<br />
— Ryan. — Ele rosnou. O nome soava errado vindo de seus<br />
lábios, como se não estivessem mais acostumados com aquela palavra.<br />
— Ryan?<br />
— É o meu verdadeiro nome.<br />
— Oh. — Sussurrei, esmagada pela situação. — É um nome<br />
muito bonito.<br />
Ele sorriu fracamente. Ainda me surpreendia como um sorriso<br />
mudava seu rosto irritado. Ele se inclinou, me beijou, e depois se<br />
afastou alguns centímetros.<br />
— Quero que Nova York seja um novo começo para mim e para<br />
você, se você quiser. E eu quero ser conhecido como Ryan nesta nova<br />
vida.<br />
— E eu quero um novo começo com você, Ryan. — Respondi. Ele<br />
envolveu seus braços em torno de mim e me segurou com força.<br />
— Eu não mereço você. — Ele murmurou contra meu cabelo. —<br />
Ainda. Mas eu vou.<br />
~ 224 ~