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#5 - Bound by Vengeance - Cora Reilly

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~ 1 ~


<strong>Cora</strong> <strong>Reilly</strong><br />

<strong>#5</strong> <strong>Bound</strong> <strong>by</strong> <strong>Vengeance</strong><br />

Série Born in Blood Mafia Chronicles<br />

Tradução Mecânica: Anne Pimenta<br />

Revisão Inicial: Anne, Bia, Nicole, Sil, Ju, Tami, Nic e Day<br />

Revisão Final: Sil<br />

Data: 01/2017<br />

<strong>Bound</strong> <strong>by</strong> <strong>Vengeance</strong> Copyright © 2017 <strong>Cora</strong> <strong>Reilly</strong><br />

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SINOPSE<br />

Growl<br />

Ele nunca tinha tido algo para si mesmo, nunca ousou sonhar em<br />

possuir algo tão precioso. Ele era o filho bastardo indesejado que<br />

sempre teve que se contentar com as sobras dos outros. E agora eles<br />

haviam lhe dado o que apenas algumas semanas atrás estava fora de<br />

seu alcance, alguém que nem sequer lhe permitia admirar de longe,<br />

uma de suas mais preciosas posses. Atiraram a seus pés, porque ele era<br />

quem ele era, porque estavam certos de que ele iria quebrá-la. Ele era o<br />

castigo dela, um destino pior do que a morte, uma forma de entregar o<br />

castigo final a seu pai, que tanto os tinha desagradado.<br />

Cara<br />

Ela sempre fora a boa menina. Isso não a protegeu.<br />

Ela não sabia o verdadeiro nome dele. As pessoas o chamavam de<br />

Growl na cara dele, e de Bastardo por trás das costas. Ambos eram<br />

nomes que ele não poderia ter escolhido para si mesmo. Os olhos dele<br />

eram vazios, um espelho devolvia seu próprio medo para ela. Ele era<br />

uma mão brutal da Camorra de Las Vegas.<br />

E agora ela estava à sua mercê.<br />

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A SÉRIE<br />

Série Born in Blood Mafia Chronicles<br />

<strong>Cora</strong> <strong>Reilly</strong><br />

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Prólogo<br />

GROWL<br />

Olhos arregalados. Lábios separados. Bochechas coradas. Pele<br />

pálida. Ela parecia uma boneca de porcelana: Grandes olhos azuis,<br />

cabelos cor de chocolate e pele branca e cremosa; beleza quebrável, algo<br />

que ele não estava destinado a tocar com suas cicatrizes e mãos letais.<br />

Seus dedos encontraram seu pulso; Seus batimentos cardíacos<br />

pulsando rápido como um pássaro. Ela tentou lutar, tentou ser<br />

corajosa, tentou machucá-lo, talvez até mesmo matá-lo. Teria ela<br />

realmente esperado que pudesse ter sucesso?<br />

Esperança; Deixam as pessoas tolas, as fazem acreditar em algo<br />

além da realidade. Ele tinha desistido da esperança há muito tempo.<br />

Sabia do que era capaz. Ela tinha esperança que ela poderia matá-lo.<br />

Ele sabia que poderia matá-la, sem dúvida.<br />

Sua mão rastejou a pele macia da sua garganta, então seus dedos<br />

enrolaram em torno dela. Suas pupilas dilataram, mas ele não colocou<br />

pressão em seu toque. Seu pulso batia contra a palma da mão calejada<br />

dele. Ele era um caçador, e ela rezava. O fim era inevitável. Ele viera<br />

reinvidicar seu prêmio. Foi por isso que Falcone a deu a ele.<br />

Growl gostava de coisas que doíam. Ele gostava de causar dor.<br />

Talvez até amasse; Se ele fosse capaz desse tipo de emoção. Ele se<br />

inclinou até que seu nariz estivesse a centímetros da pele abaixo de sua<br />

orelha e respirou fundo. Ela cheirava a floral com uma pitada de suor.<br />

Medo. Ele imaginou que ele podia cheirar assim também. Ele não podia<br />

resistir e ele não precisava, não mais, nunca mais com ela. Dele. Ela era<br />

dele.<br />

Ele baixou os lábios para sua pele quente. Seu pulso pulsava sob<br />

sua boca onde ele beijou sua garganta. O pânico e o terror batiam em<br />

um ritmo frenético sob sua pele. E isso o deixou fodidamente duro.<br />

Seus olhos procuraram os dele, esperansosos, ainda<br />

esperansosos, mulher estúpida, e implorando por misericórdia. Ela não<br />

~ 5 ~


o conhecia, não sabia que a parte dele que não tinha nascido um<br />

monstro, tinha morrido há muito tempo. A misericórdia era a coisa<br />

mais distante da sua mente enquanto seus olhos reivindicavam seu<br />

corpo.<br />

~ 6 ~


Capítulo um<br />

CARA<br />

A primeira vez que o encontrei, ele estava disfarçado, vestido com<br />

um elegante terno preto, fazendo parecer que ele era um de nós. Mas<br />

enquanto as camadas de tecido fino cobriam suas muitas tatuagens,<br />

elas não podiam esconder sua verdadeira natureza. Ela transpareceu,<br />

perigosa e assustadora. Naquela época eu nunca teria pensado que eu<br />

iria conhecer ele, e o monstro dentro dele melhor do que eu conhecia<br />

qualquer outra pessoa, e que iria virar toda a minha vida de cabeça<br />

para baixo. Que isso mudaria todo o meu ser para a própria essência.<br />

* * *<br />

— Eu não posso acreditar que eles te deixaram ir com eles, —<br />

Talia murmurou. Eu me afastei do espelho para olhar para ela. Ela<br />

sentou-se de pernas cruzadas na minha cadeira da escrivaninha,<br />

vestida com suas calças gastas de corrida, e seus longos cabelos<br />

castanhos estavam empilhado em cima de sua cabeça em um bolo<br />

desarrumado. Sua camiseta, uma coisa cinzenta e desbotada, cheia de<br />

buracos e manchas, levaria nossa mãe a um colapso. Talia sorriu<br />

sombriamente quando ela seguiu meu olhar. — Não é como se eu<br />

precisasse me vestir para qualquer um, você sabe.<br />

— Há uma diferença entre não se vestir e entre o que você está<br />

fazendo, — eu disse com uma pitada de desaprovação. Eu não estava<br />

realmente irritada com minha irmã por usar suas roupas mais<br />

surradas, mas eu sabia que seu único propósito era irritar a nossa mãe,<br />

e era um cenário provável dada à tendência da nossa mãe para o<br />

perfeccionismo e exageros. Eu realmente não queria que seu humor<br />

azedasse tão pouco tempo antes da reunião. Eu seria a única a sofrer<br />

desde que papai estava definitivamente fora de questão quando se<br />

tratava de se tornar alvo favorito da nossa mãe. Ela tinha uma<br />

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tendência em torna-lo pessoal se Talia ou eu não estivéssemos<br />

perfeitas.<br />

— Estou fazendo um ponto, — disse Talia com um pequeno<br />

encolher de ombros.<br />

Suspirei. — Não, você está sendo mesquinha e infantil.<br />

— Você é uma criança, muito jovem para uma reunião social na<br />

mansão do Falcone, — Talia entoou em sua melhor imitação do tom<br />

repreensivo de nossa Mãe.<br />

— Este é um evento para adultos. A maioria das pessoas terá<br />

mais de dezoito anos ou muito além. A mamãe está certa. Você não<br />

teria ninguém para conversar e alguém teria que ficar de olho em você a<br />

noite toda.<br />

— Tenho quinze anos, não seis. E você é apenas quatro anos mais<br />

velha do que eu, então não banque a adulta — disse ela, indignada,<br />

levantando-se da cadeira, deixando-a girar em torno de si mesma,<br />

cambaleando para mim. Ela me olhou de frente, me desafiando. — Você<br />

provavelmente disse à nossa mãe para não me levar com você porque<br />

você estava preocupada que você teria que me vigiar e que eu iria<br />

envergonhá-la na frente de seus amigos oh-tão-perfeitos.<br />

Eu arqueei a sobrancelha. — Você está sendo ridícula. — Mas um<br />

lampejo de culpa me invadiu mediante com as palavras de Talia. Eu<br />

não tinha falado com nossa mãe para deixar Talia ficar em casa, mas eu<br />

realmente não tinha me esforçado para minha irmã se juntar a nós<br />

também. Talia estava certa. Eu estava preocupada que eu ficaria presa<br />

a ela durante toda a noite. Meus amigos a toleraram quando nós<br />

ficávamos em casa, mas ser vista com uma menina quatro anos mais<br />

jovem em um encontro oficial não iria cair bem. Uma festa nos Falcone<br />

sempre significou a melhor chance de conhecer bons partidos, e ter que<br />

cuidar da irmã realmente não ajudaria com esse esforço. Queria que<br />

esta noite fosse especial.<br />

Algo na minha linha de pensamentos deve ter mostrado em meu<br />

rosto, porque Talia zombou. — Eu sabia. — Ela girou sobre os<br />

calcanhares e saiu do quarto, fechando a porta com tanta força que eu<br />

não pude evitar de estremecer.<br />

Eu soltei um pequeno suspiro, depois voltei para o meu reflexo,<br />

verificando minha maquiagem e meu penteado uma última vez. Eu<br />

assisti a incontáveis tutoriais de beleza para me certificar de que eu<br />

tinha os olhos esfumaçados. Tudo precisava estar perfeito. Minha mãe<br />

~ 8 ~


era crítica, mas Trish e Anastásia eram ainda piores. Elas perceberiam<br />

se eu combinasse o tom errado da sombra dos olhos com o meu vestido<br />

ou se a minha mão estivesse tremula enquanto segurava o meu<br />

delineador, mas suas fiscalizações tinham feito meus preparativos<br />

serem meticulosos. Elas eram a razão pela qual eu nunca me descuidei.<br />

E era para isso que os amigos serviam.<br />

Meu vestido era verde escuro, e minha sombra dos olhos apenas<br />

alguns tons mais claros. Perfeito. Eu verifiquei minhas unhas uma<br />

última vez, mas elas também pareciam impecáveis em seu brilho verde<br />

escuro. Eu alisei o meu vestido algumas vezes até que fiquei satisfeita<br />

com a forma como a bainha roçou em meus joelhos, então verifiquei<br />

meu cabelo novamente, virando-me para ver se os grampos ainda<br />

estavam todos no lugar segurando minha mecha marrom do cabelo<br />

para cima.<br />

— Cara, você está pronta? Precisamos ir — disse a minha mãe do<br />

andar de baixo.<br />

Eu verifiquei meu reflexo e alisei meu vestido novamente,<br />

examinei minha meia-calça, e finalmente me forcei a sair correndo do<br />

quarto antes que minha mãe perdesse a paciência. Mas poderia ter<br />

passado horas verificando minha roupa para possíveis erros se eu<br />

tivesse tempo.<br />

Mamãe estava parada na porta quando desci, deixando o ar fresco<br />

do outono entrar na casa. Ela estava verificando seu relógio dourado,<br />

mas no momento em que me viu, ela agarrou seu casaco de inverno<br />

favorito, uma coisa esplêndida que custou a vida de muitos arminhos 1 e<br />

o colocou sobre seu vestido longo. Mesmo com a temperatura sendo<br />

excepcionalmente fria em novembro para Las Vegas, um casaco de pele<br />

estava completamente exagerado, mas desde que minha mãe tinha<br />

comprado há muitos anos na Rússia e o amava, ela o usava em todas<br />

as chances que tinha, não importa o quão inapropriado fosse.<br />

Caminhei na direção dela, ignorando Talia, que se apoiava no<br />

corrimão da escada, com um mau humor estampado no rosto. Eu senti<br />

pena dela, mas eu não queria que ninguém ou nada arruinasse esta<br />

noite. Meus pais quase nunca me permitiram participar de festas e esta<br />

noite era o maior evento do ano em nossos círculos sociais. Todo mundo<br />

que desejava ser alguém em Las Vegas tinha tentado conseguir um<br />

convite para a festa de Ação de Graça de Falcone. Este seria o primeiro<br />

1 Arminho é um carnívoro mustelídeo de pequeno porte pertencente ao grupo das<br />

doninhas. A espécie ocupa todas as florestas temperadas, árticas e sub-árticas da<br />

Europa, Ásia e América do Norte.<br />

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ano que eu frequentaria. Trish e Anastásia tiveram a sorte de ter estado<br />

lá no ano passado também, e se meu pai não tivesse me proibido de ir,<br />

eu teria ido também. Eu me sentia pequena e deixada de fora sempre<br />

que Trish e Anastásia falavam sobre a festa nas semanas antes e<br />

depois, e depois, e elas tinham feito isso sem parar, provavelmente<br />

porque isso lhes dava a chance de se divertir.<br />

— Mostre a Trish e Anastásia seu melhor, e a Cosimo um beijo, —<br />

Talia disse docemente.<br />

Eu ruborizei. Cosimo. Ele estaria lá também. Eu só o encontrei<br />

duas vezes antes e nossa interação tinha sido mais do que um pouco<br />

estranha.<br />

— Talia, coloque esses trapos horrendos no lixo. Eu não quero<br />

encontrá-los em qualquer lugar dessa casa quando voltarmos.<br />

Talia levantou seu queixo teimosamente, mas mesmo do outro<br />

lado da sala pude ver o brilho de lágrimas em seus olhos. Mais uma vez<br />

a culpa inundou-me, mas eu fiquei parada ao lado da porta da frente.<br />

Minha mãe hesitou, como se ela também percebesse o quanto Talia<br />

estava magoada. — Talvez no próximo ano você venha junto. — Ela fez<br />

soar como se não tivesse sido sua decisão de excluir Talia da festa.<br />

Embora, para ser honesta, eu realmente não tinha certeza se Falcone<br />

ficaria feliz se as pessoas começassem a trazer seus filhos mais jovens,<br />

considerando que Falcone não era conhecido por sua paciência ou<br />

senso familiar. Até mesmo seus próprios filhos foram enviados para<br />

internatos na Suíça e na Inglaterra, de modo a não lhe causarem<br />

problemas. Pelo menos, se alguém acreditasse nos rumores.<br />

— Vista um casaco — disse minha mãe. Agarrei um que não era<br />

de pele, o que não era uma façanha fácil no guarda-roupa da minha<br />

mãe, e a segui para fora de casa. Não olhei para Talia quando fechei a<br />

porta. Papai já estava esperando no banco do motorista da Mercedes<br />

preta em nossa entrada. Atrás dele, outro carro com nossos guardacostas,<br />

estava estacionado. Eu me perguntava como era para as<br />

pessoas que não eram seguidas.<br />

Mãe abriu o casaco um pouco mais. Era Vegas, e não a Rússia,<br />

eu queria dizer a ela. Mas se ela preferisse derreter para que ela<br />

pudesse andar por aí com seu casaco de pele, então esse era seu<br />

problema. Sem dor, sem ganho, eu supus. Anos de aulas de balé me<br />

ensinaram isso.<br />

Ela afundou no assento do passageiro enquanto eu deslizava na<br />

parte de trás do carro. Eu fiz outra varredura rápida em minha meia-<br />

~ 10 ~


calça, mas elas estavam impecáveis. Eu pensei que as empresas<br />

deveriam colocar uma advertência em suas embalagens, como 'Somente<br />

para ficar de pé, movimentos não permitido', considerando o quão fácil<br />

era puxar fio, enquanto não fazia nada além de andar. É por isso que eu<br />

coloquei duas meias novas em minha bolsa, apenas no caso de precisar.<br />

— Apertem os cintos, — disse papai. Mamãe inclinou-se e<br />

acariciou sua cabeça calva com um lenço de papel, absorvendo as gotas<br />

de suor que haviam se reunido ali. Eu não conseguia me lembrar de<br />

papai com cabelo.<br />

voz.<br />

— Cara, — disse papai, com um ar de irritação entrando em sua<br />

Eu rapidamente afivelo o cinto, e ele desliza o carro fora de nossa<br />

entrada.<br />

— Cosimo e eu tivemos uma pequena conversa esta tarde — disse<br />

ele com naturalidade.<br />

— Oh? — Eu disse. Um nó de preocupação se formou em meu<br />

estômago. E se Cosimo tivesse mudado de ideia? E se ele não tivesse?<br />

Eu não tinha certeza de qual opção causou ao meu estômago uma<br />

contração mais forte. Eu forcei meu rosto em uma expressão neutra<br />

quando notei minha mãe me observando por cima do ombro.<br />

— O que ele disse? — Eu perguntei.<br />

— Ele sugeriu que vocês se casassem no próximo verão.<br />

Engoli em seco. — Tão cedo?<br />

Um pequeno olhar franzido apareceu entre as sobrancelhas do<br />

meu pai, mas mamãe falou primeiro. — Você tem dezenove anos, Cara.<br />

Você vai ter vinte no próximo verão. É uma boa idade para se tornar<br />

esposa e mãe.<br />

Minha cabeça girou. Enquanto eu poderia de alguma forma<br />

envolver minha mente em torno de ser a esposa de alguém, eu me<br />

sentia muito jovem para ser mãe de alguém. Quando eu teria a chance<br />

de ser eu mesma? Para descobrir quem eu realmente era e queria ser?<br />

— Cosimo é um homem decente e isso não é uma coisa fácil de<br />

encontrar, — disse papai. — Ele é responsável, e ele é consultor<br />

financeiro de Falcone há quase cinco anos. Ele é muito inteligente.<br />

~ 11 ~


— Eu sei, — eu disse calmamente. Cosimo não foi uma má<br />

escolha, não por qualquer padrão. Ele nem sequer era mau. Só que não<br />

havia a vibração que eu esperava quando encontrasse o homem com<br />

quem eu teria que me casar. Talvez esta noite. Ocasiões como uma festa<br />

não eram o melhor lugar para cair de cabeça por alguém? Eu só<br />

precisava estar aberta a esta possibilidade.<br />

* * *<br />

Entramos nas instalações da mansão Falcone quinze minutos<br />

mais tarde e dirigimos por mais dois minutos até a garagem, finalmente<br />

chegando a uma majestosa casa e a uma enorme fonte em frente a ela.<br />

A estátua romana jorrava água em tons azul, vermelho e branco.<br />

Aparentemente, um artesão da Itália tinha criado a coisa para Falcone.<br />

Isso deveria ter custado mais do que o carro do papai. Foi apenas uma<br />

das muitas razões pelas quais eu não gostava do Falcone. Pelo que<br />

papai havia me dito sobre o homem, ele era um exibicionista sádico.<br />

Fiquei feliz que minha família e eu estivéssemos do lado dele. Ninguém<br />

queria Falcone como seu inimigo. Onde quer que você olhasse, carros<br />

luxuosos estavam estacionados. A partir do grande número de pessoas,<br />

eu me perguntava como todos os convidados caberiam na casa sem<br />

pisar nos pés um do outro. Diversos manobristas correram em direção<br />

ao carro no momento em que ele parou e abriu as portas para nós. Um<br />

tapete vermelho subia as escadas e atravessava a porta da frente. Eu<br />

balancei a cabeça, mas rapidamente parei no olhar de minha mãe. Ela e<br />

o papai me fizeram caminhar entre eles enquanto nos dirigíamos para a<br />

porta da frente. Lá, outro criado estava esperando por nós com um<br />

sorriso profissional em seu rosto. Nem Falcone, nem sua esposa,<br />

estavam em qualquer lugar para nos receber. Por que eu não estava<br />

surpresa?<br />

O hall de entrada era maior do que qualquer outro que eu já vira.<br />

Uma miríade de figuras de cristal de todos os tamanhos estava de<br />

encontro às paredes e nos armários, e vários retratos enormes de<br />

Falcone e de sua esposa decoravam o topo da parede.<br />

— Seja educada, — sussurrou minha mãe em voz baixa enquanto<br />

éramos conduzidos para as portas duplas que se abriam para o salão de<br />

baile com lustres de cristal e mesas altas com babados que cercavam a<br />

pista de dança. Uma das paredes era delineada por uma longa mesa<br />

cheia de canapés, pilhas de lagostins e lagostas, tigelas cheias de gelo<br />

~ 12 ~


triturado que estavam cobertas com as maiores ostras que eu já tinha<br />

visto, latas com caviar Ossetra 2 e cada peça de luxo que eu poderia<br />

imaginar. O mordomo se desculpou no momento em que chegamos<br />

dentro do salão do baile e apressado se encaminhou para os próximos<br />

convidados.<br />

Uma vez lá dentro, deixei meu olhar deslizar sobre os convidados<br />

à procura de meus amigos. Eu estava ansiosa para me juntar a eles e<br />

deixar os meus pais procurem suas próprias companhias, mas minha<br />

mãe não me deu uma chance de procurar por muito tempo. Ela tocou<br />

meu antebraço levemente e sussurrou em meu ouvido. — Comporte-se.<br />

Teremos de agradecer primeiro ao Sr. Falcone pelo convite.<br />

Olhei por ela para onde papai já estava falando com um homem<br />

alto de cabelos negros. Ele segurou seus ombros em uma suposição,<br />

como se estivesse tentando curvar-se diante de seu chefe sem se curvar.<br />

A visão deixou um sabor amargo em minha boca. Com a palma da mão<br />

da minha mãe descansando contra as minhas costas, eu me aproximei<br />

de meu pai e de seu chefe. Paramos um par de passos atrás deles,<br />

esperando que eles se virassem para nós. Os olhos escuros de Falcone<br />

me encontraram primeiro antes que papai percebesse nossa presença. A<br />

frieza deles me fez tremer. Sua camisa branca e gravata preta fez com<br />

que ele parecesse ainda mais intimidante, o que era incomum,<br />

considerando que as gravatas borboletas geralmente deixam seus<br />

usuários parecerem engraçados para mim.<br />

Depois da troca de algumas gentilezas sem sentido, fui finalmente<br />

liberada e corri em direção a um dos garçons equilibrando uma bandeja<br />

cheia de taças de champanhe em sua palma. Ele estava vestido com um<br />

smoking branco e sapatos branco polidos. Pelo menos seu traje o<br />

tornou mais fácil reconhece-los.<br />

Um de nossos guarda-costas seguiu alguns passos atrás de mim,<br />

enquanto eu andava para longe dos meus pais, o outro se posicionou<br />

na beira perto dos convidados reunidos e manteve um olho em meus<br />

pais. Eu me perguntava por que era mesmo necessário ter nossos<br />

guarda-costas conosco em uma festa de nossos supostos amigos. Eu<br />

empurrei o pensamento para o lado, querendo aproveitar esta noite, e<br />

tomei uma taça de champanhe com um agradecimento rápido, então<br />

tomei um longo gole do líquido, fazendo uma careta ao gosto azedo.<br />

2 Os caviar de Ossetra são as mais populares e procuradas variedades de caviares.<br />

~ 13 ~


— Como você pode fazer uma careta enquanto bebe Dom<br />

Perignon, a melhor bebida deste mundo, — disse Trish, aparecendo ao<br />

meu lado do nada e pegando uma taça de champanhe para si mesma.<br />

— É a bebida dos deuses, — entoou Anastásia, e era irritante que<br />

eu não sabia se ela estava fazendo uma piada ou estava sendo honesta.<br />

— Estou tentando me acostumar — admiti, abaixando a taça de<br />

meus lábios. O álcool estava começando a fazer sua mágica e por isso<br />

fiquei grata depois da curta conversa com Falcone. Ambas as minhas<br />

amigas estavam vestidas de forma impecável. Anastásia em um vestido<br />

longo prata, e Trish em um vestido de cocktail verde claro que escovava<br />

seus joelhos. Não que eu tivesse esperado nada menos delas. Elas me<br />

contaram cada detalhe sobre sua viagem as compras dos novos vestidos<br />

para a ocasião. Claro que eu não tinha sido permitida a ir com elas<br />

apesar de minhas melhores tentativas de convencer meus pais. Em vez<br />

disso, minha mãe me fez usar um vestido que eu tinha comprado para o<br />

Natal no ano passado. Meu único consolo era que ninguém, a não ser<br />

minha família, tinha me visto usá-lo, então eu não me constrangeria na<br />

frente de meus amigos.<br />

— Ouvi dizer que é um gosto adquirido. — Acrescentou Trish,<br />

pensativa. Ela tomou um pequeno gole de seu copo, sua expressão<br />

transformando em um tom de felicidade. — Suponho que sempre tive<br />

um dom para Dom Perignon e no ano passado eu certamente tive<br />

chances suficientes para me acostumar ao seu gosto, e eu pretendo<br />

beber ainda mais vezes no futuro. — Ela e Anastásia compartilharam<br />

um riso, e eu amaldiçoei meus pais novamente por me protegerem tanto<br />

quanto eles poderiam. Se Trish e Anastásia pudessem enfrentar os<br />

supostos perigos do nosso mundo, eu também poderia.<br />

Trish me deu um sorriso provocante, então me abraçou com um<br />

braço, com cuidado para não arruinar os nossos penteados e nem a<br />

maquiagem. Anastásia apenas sorriu. Seu corpete era uma obra-prima<br />

de pérolas e bordados. — Estou preocupada que vá puxar fio se nos<br />

abraçarmos, — disse ela em meia desculpa.<br />

— Isso é razoável, — eu disse, tomando outro gole de minha<br />

bebida e forçando meu rosto em prazer em vez de repulsa com o gosto.<br />

Eu sabia que para a maioria das pessoas este champanhe era o auge de<br />

suas fantasias de bebida, mas eu simplesmente não poderia desfrutar.<br />

Eu teria que me esforçar mais se eu não quisesse ver a expressão de<br />

piedade de Anastásia novamente.<br />

— Uma de suas mechas de cabelo está solta, — disse ela.<br />

~ 14 ~


Minha mão livre voou até o ponto que ela estava olhando e eu<br />

tentei encontrar o grampo antes que isso pudesse arruinar meu<br />

penteado. Outros convidados estavam jogando olhares na minha<br />

direção de qualquer maneira, já que esta era a minha estreia em uma<br />

festa. Eu não poderia arriscar aparecer nada menos do que impecável.<br />

— Permita-me, — Trish disse, simplesmente empurrando o<br />

grampo alguns centímetros para trás. — Feito, tudo pronto. — Seu<br />

sorriso era amável.<br />

Isso é tudo? Pela reação de Anastásia poderia ter pensado que eu<br />

tinha cometido um pecado imperdoável.<br />

— Há uma boa seleção hoje à noite. — Disse Anastásia. Seus<br />

olhos persistentes em um grupo de homens em frente de nós deixando<br />

claro que ela não estava falando sobre o aparador de comida.<br />

Os homens que estavam em seu foco eram todos pelo menos dez<br />

anos mais velhos do que nós, e enquanto eu examinava o resto da sala,<br />

eu constatei que nós estávamos entre os convidados mais novos. A<br />

maioria dos convidados trabalhava para Falcone. Era uma festa para<br />

seus súditos; Eu duvidava que ele tivesse algum amigo. Homens como<br />

ele não podiam pagar por esse luxo.<br />

— Mas, claro, você não tem mais olhos para os outros homens<br />

agora que está noiva de Cosimo, — continuou Anastásia, arrastando-me<br />

de volta à realidade.<br />

Eu não sabia o que dizer a isso. Sua voz tinha sido estranha. Ela<br />

estava com ciúmes? Seu pai provavelmente já estava procurando um<br />

partido apropriado para ela, assim logo ela estaria comprometida<br />

também.<br />

— Vamos nos casar em breve. — Falei em tom apaziguador.<br />

— Você colocou as mãos no solteiro mais cobiçado, isso é certo, —<br />

ela disse com um sorriso tenso. Então ela soltou uma gargalhada e<br />

bateu sua taça contra a minha. — Estou brincando, não pareça tão<br />

chocada.<br />

Eu ri, aliviada. Eu realmente não queria brigar com Anastásia por<br />

Cosimo. Todas nós casaríamos com bons partidos.<br />

A música começou e eu tomei outro gole da minha bebida. Eu<br />

estava começando a relaxar graças ao álcool se espalhando em meu<br />

sangue e quase não percebendo os olhares curiosos ocasionais dos<br />

outros convidados. Na próxima festa, eu já seria uma deles e alguém<br />

~ 15 ~


estaria no centro das atenções. Trish batia o pé no chão de madeira no<br />

ritmo da música e cantarolava alguns trechos antes que Anastásia lhe<br />

lançasse um olhar. Eu tive que reprimir uma risada. A dinâmica entre<br />

elas era ridícula às vezes.<br />

Para minha surpresa, eu percebi que meu guarda-costas tinha<br />

desaparecido de vista para me dar privacidade com meus amigos.<br />

Lentamente mas certamente, esta noite estava ficando boa.<br />

Eu sabia que Talia me escutaria contar detalhes sobre a festa<br />

quando eu voltasse esta noite, mas nossos pais tinham razão quando<br />

insistiram que ela era muito jovem para um evento social na casa de<br />

Falcone. Claro que não lhe diria isso novamente. Seria difícil o<br />

suficiente fazê-la me perdoar, embora alguns sutis rumores<br />

provavelmente a amansaria. Não que eu fosse uma socialite experiente.<br />

Eu teria que confiar em Trish e Anastásia para isso. O aborrecimento<br />

com meu pai ressuscitou em mim. Talvez ele tenha se recusado a me<br />

levar a uma reunião social até agora, porque ele pensou que eu o<br />

envergonharia na frente de seu chefe. Eu o ouvi dizer a minha mãe<br />

várias vezes o quão terrível e brutal era Falcone, por isso não era<br />

exagero que meu pai pensou que eu poderia me acovardar com medo<br />

diante daquele homem, o que era ridículo. Ele ainda era humano, não o<br />

monstro que papai sempre o fazia parecer, e mesmo que fosse, duvidava<br />

muito que ele odiasse me ver encolher de medo. Provavelmente o<br />

excitaria se fosse o homem que papai descrevera.<br />

— Eles são um pouco velho demais para o meu gosto, — disse<br />

Trish, então tomou outro gole de seu champanhe, voltando ao nosso<br />

tópico anterior.<br />

— Eu não me importo. Eu quero ser tratada como uma princesa<br />

pelo meu marido e homens mais velhos são mais propensos a isso, do<br />

que rapazes mais novos, — disse Anastásia. Ela me deu um sorriso. Por<br />

alguma razão, ele parecia falso. — Pelo que ouvi dizer o acordo entre<br />

sua família e Cosimo está quase concluído, sua festa de noivado será<br />

em breve.<br />

Eu fiz uma careta ao ouvir a palavra — Acordo — quando me veio<br />

à possibilidade de me casar com Cosimo. Mas com toda a honestidade,<br />

era provavelmente o termo que se encaixava melhor em todo o arranjo.<br />

Eu dei um pequeno encolher de ombros, tentando agir indiferente. Eu<br />

não queria falar sobre ele esta noite, especialmente porque o tema<br />

parecia irritar Anastásia.<br />

~ 16 ~


— Oh meu Deus, Falcone convidou o monstro, — sussurrou<br />

Trish, segurando meu braço e quase me fazendo derramar o<br />

champanhe sobre seu vestido. Eu segui seus olhos castanhos em<br />

choque para um canto do salão onde um homem alto e musculoso se<br />

apoiava contra uma parede. Ele estava vestido com uma camisa branca<br />

que se esticava perfeitamente contra seu enorme peito, um terno preto e<br />

sapatos pretos. Na verdade ele não parecia tão diferente dos outros<br />

homens na sala, exceto pela falta da gravata, se você levasse apenas o<br />

seu traje em consideração. Mas o resto dele, Deus tenha misericórdia.<br />

Ele parecia muito domesticado para alguém como ele. Ou pelo<br />

menos ele tentou. Não enganava ninguém com sua natureza. Parecia<br />

irradiar como uma nuvem escura de perigo sobre ele. Era quase<br />

palpável, mesmo de longe.<br />

Papai o mencionara uma ou duas vezes em voz baixa, mas eu<br />

nunca o tinha visto, e ele definitivamente não era do tipo que aparecia<br />

nas reportagens do jornal. Eu duvidava que qualquer jornalista fosse<br />

louco o suficiente para arriscar a ira de um homem como ele.<br />

— O Bastardo, é como a maioria das pessoas o chamam, —<br />

acrescentou Anastásia. Ela parecia um gato que tinha visto um<br />

pássaro. Eu sabia por que ela estava tão animada. Até agora nada de<br />

interessante tinha acontecido, mas Anastásia provavelmente esperava<br />

que isso tivesse o potencial para algumas fofocas.<br />

— Qual é o nome verdadeiro dele? — Perguntei. Tentei uma vez,<br />

mas o olhar que ela me deu não me fez perguntar outra vez.<br />

— Eu não sei seu nome verdadeiro. Ninguém sabe. As pessoas o<br />

chamam de — Growl 3 — na sua frente, e — O bastardo — pelas costas.<br />

Eu dei a ela um olhar. Sério? Ambos eram nomes que ele não<br />

poderia ter escolhido para si mesmo. Alguém tinha que saber seu nome.<br />

Pelo menos, Falcone. Ele sabia tudo sobre seus súditos. — Por que as<br />

pessoas o chamariam assim?<br />

Anastásia encolheu os ombros, mas não olhou para mim. — Há<br />

algo errado com suas cordas vocais desde o acidente horrível. É por isso<br />

que ele tem aquela grande cicatriz.<br />

Eu não conseguia ver a cicatriz na posição que estávamos.<br />

Estávamos muito longe. Presumi que Anastácia tivesse obtido esta<br />

informação através de fofocas também. — Que tipo de acidente?<br />

3 Similar a um rosnado, devido sua rouca voz enquanto ele falava, causada pelo<br />

acidente.<br />

~ 17 ~


— Eu não sei. Algumas pessoas dizem que a máfia russa fez isso,<br />

outros dizem que ele tentou se matar porque não está bem da cabeça,<br />

mas ninguém sabe ao certo, — Anastácia respondeu em voz baixa.<br />

Quem tentaria se matar assim? E Growl não parecia ser um cara<br />

que cometeria suicídio. A primeira história com a máfia soou muito<br />

mais provável. — Então eles o chamam de Growl, porque é o como se<br />

parece quando ele fala? — Perguntei.<br />

Anastácia mal parecia registrar minhas palavras, mas Trish<br />

assentiu com a cabeça em confirmação.<br />

Não perguntei por que o chamavam de bastardo. Isso eu poderia<br />

presumir. As pessoas em nosso mundo não olhavam de bom grado para<br />

as crianças que nasciam fora do casamento. Era antiquado e ridículo,<br />

mas algumas coisas nunca mudam. Eu não sabia quem eram seus<br />

pais. Não podiam ser membros do alto escalão da sociedade, isso era<br />

certo.<br />

Eu dirigi meus olhos novamente para o homem. Ele parecia<br />

completamente indiferente ao que estava acontecendo ao seu redor,<br />

como se essa festa fosse apenas mais um de seus deveres. Mas algo me<br />

dizia que apesar do tédio aparente, ele estava em alerta. Eu duvidava<br />

que algo passasse despercebido de sua atenção. Ele estava segurando<br />

uma taça de champanhe em suas mãos, mas ainda estava cheia. O<br />

cristal elegante parecia pequeno comparado a ele e eu estava<br />

maravilhada que ele ainda não a tivesse esmagado na mão. Como se ele<br />

pudesse ler minha mente, ele virou a cabeça e olhou diretamente para<br />

nós. Trish soltou um suspiro e tremeu ao meu lado, derramando<br />

algumas gotas de sua bebida no chão de madeira caro. Ela realmente<br />

não poderia ter agido de forma mais suspeita se ela tivesse tentado.<br />

Depois de um momento, Trish e Anastácia baixaram a cabeça,<br />

quebrando o contato visual. Talvez para fazê-lo acreditar que não<br />

estavam o observado, ou talvez simplesmente não pudessem suportar o<br />

poder de seu olhar. Agora eu entendia por que meus pais e até meus<br />

amigos pareciam tão aterrorizados quando conversavam sobre ele.<br />

Mesmo a distância, seus olhos quase fizeram meus joelhos se curvarem.<br />

Não foi só o medo que fez meu coração acelerar; Havia algo perto<br />

da emoção também. Era como assistir a um tigre através do vidro do<br />

seu recinto e se maravilhar com seu poder. Só que aqui a única coisa<br />

que o impedia de atacar, era as regras sociais, mesmo que alguém como<br />

ele fosse obrigado. A coleira que Falcone colocava não era física ou<br />

visível, mas estava ali.<br />

~ 18 ~


Eu me perguntava o que estava acontecendo em sua cabeça.<br />

Como ele se sentia rodeado de pessoas com as quais quase não tinha<br />

nada em comum? Ele era um deles, mas ainda assim, não realmente.<br />

Um homem das sombras porque ninguém o queria na luz. Quando<br />

percebi o quanto eu estava olhando, desviei o olhar, mas a palpitação<br />

no meu pulso continuou errática tempos depois. Eu não tinha certeza<br />

de quando tempo eu não me sentia assim... Viva pela última vez. Minha<br />

vida sempre serpenteava em caminhos predeterminados, mas esta noite<br />

parecia uma aventura.<br />

— Oh meu Deus, isso foi assustador, — Anastácia sussurrou. —<br />

Ele deveria ter ficado no buraco de onde ele saiu.<br />

Eu não podia dizer nada. Minha língua parecia estar presa no céu<br />

da minha boca.<br />

— Ele ainda está olhando? — Eu perguntei eventualmente, meus<br />

olhos fortemente fixados sobre as bolhas da minha taça.<br />

— Não, ele se foi, — Anastácia disse sem alívio. — Eu não posso<br />

acreditar que ele veio aqui. Pessoas como ele devem ficar entre si e não<br />

fingir que pertencem ao nosso meio.<br />

Olhei para o canto onde ele tinha estado antes, mas como<br />

Anastácia havia dito, ele tinha ido embora. Por alguma razão, eu fiquei<br />

incomodada porque não sabia para onde ele tinha ido. Ele era uma das<br />

pessoas que você gostaria de acompanhar porque temia que pudessem<br />

chegar furtivamente perto de você. E eu poderia jurar que ainda podia<br />

sentir seus olhos sobre minha pele. Eu tremi. A paranoia geralmente<br />

não era meu estilo.<br />

Procurei ao redor, mas ele estava longe de ser visto. Eu afastei a<br />

ridícula sensação de ser vigiada. Não era de meu feitio começar a agir<br />

como paranoica. Se eu fizesse algo para se envergonhar aqui, este seria<br />

um dos poucos lugares que eu seria convidada novamente. Ou pior,<br />

Cosimo decidiria que eu não estava apta para se tornar sua esposa.<br />

Mamãe e papai nunca me perdoariam se isso acontecesse.<br />

— Olha quem está vindo, — disse Trish em voz baixa, e por um<br />

momento, meu coração parou, eu realmente pensei que fosse Growl.<br />

Eu virei para ver de quem ela estava falando e senti o calor subir<br />

em minhas bochechas. Cosimo estava a caminho. Ele estava vestido<br />

com um terno cinza, cabelos loiros escuros e óculos sob o nariz.<br />

— Parece um corretor. — Comentou Trish em voz baixa.<br />

~ 19 ~


Ele conseguiu o dinheiro de Falcone, então isso não estava muito<br />

longe. O terno era sua segunda pele. Eu nunca o tinha o visto em outra<br />

coisa. Era um forte contraste do homem que eu estava espionando há<br />

poucos segundos atrás.<br />

Trish e Anastásia deram um passo para o lado, amontoando-se e<br />

fingindo dar a Cosimo e eu um pouco de privacidade, o que realmente<br />

era apenas fingimento, pois eu sabia que elas estariam observando<br />

nossos lábios, memorizando nossas palavras.<br />

Eu duvidava que elas fossem usá-las contra mim. Elas eram<br />

minhas amigas, afinal, mas eu não queria arriscar.<br />

Cosimo parou um pouco perto demais e levou a mão aos lábios.<br />

Quase revirei os olhos para o gesto, embora uma pequena parte de mim<br />

saboreou os olhares apreciativos que Trish e Anastásia trocaram.<br />

— Você quer dançar? — ele perguntou, com voz suave e uniforme.<br />

Que, assim como o terno, sempre foi o mesmo. Trish o havia comparado<br />

a uma máquina bem lubrificada uma vez. O termo se encaixava muito<br />

bem. Seus olhos corriam para minhas amigas, mas ele não disse nada.<br />

Eu não segui o seu olhar, preocupada que Anastásia ficasse chateada.<br />

Às vezes eu não tinha certeza do que diabos estava acontecendo com<br />

ela.<br />

Deixei que ele me guiasse em direção à pista de dança, consciente<br />

dos olhares curiosos das minhas amigas em nós, e elas não eram as<br />

únicas nos olhando. Meus pais também tinham voltado a sua atenção<br />

para nós. Eu quase me encolhi com tanta atenção.<br />

Não tropece, eu disse a mim mesma uma e outra vez quando nós<br />

começamos a nos mover conforme a música.<br />

Como nós dançávamos intimamente, eu esperei por uma<br />

vibração, por algo, uma pequena palpitação no meu pulso, mas nada<br />

aconteceu. Não que Cosimo parecesse que estava loucamente<br />

apaixonado por mim. Não que o amor era necessário para um<br />

casamento, mas teria sido bom, no entanto. Cosimo tentou uma<br />

conversa. Sobre o tempo, como adorável meu vestido parecia, isso e<br />

aquilo que ele pensou que eu talvez possa estar interessada. Ele não<br />

poderia ter ido mais longe.<br />

Minhas amigas ainda estavam observando Cosimo e eu. Embora<br />

'observar' não fosse o termo certo para o olhar que Anastásia estava me<br />

dando. Eu realmente esperava que ela encontrasse um bom homem<br />

para ela em breve. Conhecendo-a como conhecia, ela provavelmente<br />

~ 20 ~


estava apenas chateada que pela primeira vez eu estava na liderança,<br />

mesmo que eu não teria me importado se meu pai tivesse tido mais<br />

tempo para encontrar alguém para mim. Eu forcei meu olhar longe de<br />

sua cara feia e deixei meus olhos se estabelecerem no canto onde Growl<br />

estava. Ele não estava mais lá.<br />

— Minhas amigas e eu notamos um homem encostado ali mais<br />

cedo, — eu disse, nem mesmo tendo certeza do que Cosimo tinha<br />

estado divagando antes que eu o interrompesse. — Minhas amigas me<br />

disseram que seu nome era Growl. Ele parecia...<br />

Cosimo aumentou seu aperto nas minhas costas. — Ele não deve<br />

ficar onde ele não pertence, — disse Cosimo com uma rispidez e isso me<br />

surpreendeu, então ele me deu um olhar encorajador. — Não se<br />

preocupe. Você está segura. Ele sabe que não é permitido chegar perto<br />

de mulheres como você.<br />

Eu abri minha boca para mais perguntas, mas Cosimo balançou<br />

a cabeça. — Vamos falar de outra coisa.<br />

Não havia mais nada que eu quisesse falar, mas Cosimo e eu<br />

continuamos uma pequena conversa. Mas eu não parava de olhar o<br />

lugar onde Growl havia estado.<br />

Cosimo levou-me de volta para as minhas amigas e um olhar<br />

passou entre Anastásia e ele. Sua carranca, obviamente, não tinha<br />

passado despercebido por mim. Se eu fosse mais corajosa, eu a teria<br />

confrontado e lhe perguntado qual era o problema, mas eu<br />

definitivamente não queria nenhum problema em minha primeira festa.<br />

Cosimo desculpou-se e foi em direção a um grupo de homens,<br />

incluindo Falcone. Trish me entregou uma taça de champanhe. —<br />

Como foi?<br />

— Bom, — eu disse automaticamente, sem querer admitir a elas<br />

que eu não poderia me importar menos sobre meu noivado.<br />

— Vocês pareciam bonitos juntos, — Anastásia disse docemente.<br />

Pegando-me de surpresa, e eu me senti relaxar na mesma hora.<br />

Aparentemente, Anastásia tinha percebido que não havia razão para ela<br />

estar com ciúmes de mim e Cosimo.<br />

~ 21 ~


Capítulo dois<br />

CARA<br />

Eu me perdi no meio do caminho; As três taças de champanhe<br />

que tinha bebido, realmente não ajudaram muito. Esta casa era um<br />

labirinto, obviamente construído para impressionar e intimidar, e não<br />

tanto como um lugar para se sentir confortável e atualmente viver. Pelo<br />

menos eu nunca poderia imaginar me sentir confortável em um lugar<br />

como este, mas talvez a pintura quase em tamanho natural de Falcone<br />

tinha algo a ver com isso também. Seus olhos assombrados pareceu me<br />

seguirem onde quer que eu fosse.<br />

Eu me atrapalhei com meu celular na minha bolsa e o puxei para<br />

fora, mas hesitei no último instante. Quão embaraçoso seria se eu<br />

chamasse Anastásia ou Trish e lhe dissesse à verdade, que eu consegui<br />

me perder ao ir procurar o banheiro feminino? A atmosfera entre nós<br />

tinha sido tensas desde a minha dança com Cosimo de qualquer<br />

maneira. Não havia necessidade lhes dar mais munição contra mim.<br />

Pela primeira vez, eu desejei que Talia estivesse aqui. Nós iriamos<br />

rir sobre isso juntas, e ela me zoaria sobre isso por um longo tempo,<br />

mas nunca fora de sua malícia. Ela não contaria para outras pessoas.<br />

Fiz uma pausa, percebendo que eu nem sequer confiava nas<br />

minhas duas melhores amigas. Eu balancei minha cabeça. Este era o<br />

mundo em que eu vivia. Você não pode confiar nas pessoas, nem<br />

mesmo nas pessoas que você chamava de seus amigos, isso é o que<br />

meu pai sempre disse. Eu sempre fui relutante em acreditar nele. Eu<br />

coloquei meu telefone de volta na minha bolsa. Eu não ia ligar para<br />

elas, de maneira nenhuma.<br />

Mamãe também estava fora de questão de qualquer forma.<br />

E Cosimo. Não, eu não preciso de outra razão para que seja<br />

estranho entre nós. E não havia diferenças entre ele e um estranho. Eu<br />

tinha um pressentimento que isso não mudaria até dia do nosso<br />

casamento e talvez muito tempo depois.<br />

~ 22 ~


Com um suspiro, eu continuei. Em algum momento eu teria que<br />

ver algo que eu reconheceria e encontraria o meu caminho de volta para<br />

a festa.<br />

Virei em outro corredor desconhecido – eles realmente pareciam<br />

ser todos iguais – foi quando vi alguém no corredor apenas alguns<br />

passos a minha frente. Finalmente, alguém que poderia ser capaz de me<br />

apontar à direção certa!<br />

Minha alegria se transformou em choque, então em medo quando<br />

eu percebi quem eu tinha encontrado.<br />

Growl.<br />

Ele não se moveu. Apenas ficou lá. Era como se ele já estivesse<br />

neste corredor por um tempo.<br />

À espera de uma vítima, talvez, minha mente hiperativa sugeriu.<br />

Mas tanto quanto eu queria zombar interiormente da ideia, eu<br />

tinha a sensação de que não era assim tão distante. Medo e fascínio<br />

começaram uma batalha em mim, e eu me lembrei de que ele não iria<br />

me tocar. Meu pai era muito importante para Falcone, e isso significava<br />

que eu era também. Talvez Growl fosse um assassino implacável, pouco<br />

mais do que uma máquina de matar e um monstro, mas ele era<br />

definitivamente um monstro inteligente ou ele não teria chegado tão<br />

longe. E ainda assim eu esperava que meus guarda-costas viriam me<br />

encontrar em breve. Mesmo que eles tivessem me visto deixando à<br />

festa? Eles tentaram dar liberdade as minhas amigas e eu. Mas agora<br />

eu queria que eles não tivessem feito isso.<br />

Os olhos de Growl não demonstraram nada enquanto me<br />

observavam. Uma de suas muitas tatuagens espreitou fora. Eu nunca<br />

tinha visto elas, mas você não pode ser uma parte da sociedade e não<br />

ouvir as histórias. Mesmo vestido com um terno, disfarçado como um<br />

de nós, ele não conseguia esconder quem ele era. Suas tatuagens a<br />

mostra era uma pequena dica do monstro debaixo do traje caro. Eu me<br />

perguntava como ele ficaria sem o terno. Calor subiu em minhas<br />

bochechas com o pensamento ridículo. Eu definitivamente tinha bebido<br />

muito.<br />

Uma carranca atravessou seu rosto antes dele desaparecer e eu<br />

perceber quanto tempo eu estava olhando para ele de novo, julgando-o.<br />

Eu provavelmente não tinha conseguido esconder meus pensamentos<br />

muito bem. Um erro que poderia arruinar tudo em nosso mundo. Meus<br />

pais me ensinaram como funcionavam as coisas.<br />

~ 23 ~


A porta atrás dele, parecia vagamente familiar. Levava ao lob<strong>by</strong><br />

principal. Eu não me movi. Fazer o caminho de volta para a festa,<br />

significava ir para perto dele.<br />

Era ridículo. Eu não era qualquer uma. E não estávamos em<br />

qualquer lugar. Ele não faria nada. Mesmo que ele tivesse regras uma<br />

delas era que eu estava fora dos limites, assim como todas as meninas<br />

de famílias como a minha. Não importa o quanto absurda à declaração<br />

de Anastásia soou, era verdadeira.<br />

Eu inclinei meus ombros e dei alguns passos determinados em<br />

direção a Growl. Chegando mais perto meu pulso acelerou. Growl era o<br />

caçador e eu era a presa, o que não fazia sentido desde que ele não<br />

tinha se movido desde a minha chegada ao corredor. Estou a pensar<br />

sobre isso, ele nunca chegou a falar quando eu estava me aproximando.<br />

— Eu sou Cara, — eu disse com voz apressada. Talvez se eu<br />

pudesse fazê-lo falar, ele não pareceria tão perigoso, mas ele não reagiu<br />

só me olhou com uma expressão ilegível, e depois a porta se abriu atrás<br />

dele, e minha mãe apareceu.<br />

Seus olhos pousaram em mim, em seguida, mudou-se para<br />

Growl, e sua expressão tornou-se rígida.<br />

— Cara, eu e seu pai estávamos procurando por você. Volte para<br />

o salão, — disse ela, ignorando completamente o homem no corredor<br />

com a gente.<br />

Eu balancei a cabeça e corri passando por Growl. Seus olhos,<br />

âmbar escuro me seguiram, mas ele permaneceu em silêncio. Quando<br />

olhei de volta para ele, uma emoção percorreu meu corpo e eu tive que<br />

parar de olhar por cima do ombro.<br />

No momento em que eu e minha mãe estávamos fora do corredor<br />

e em uma sala deserta, ela agarrou meu braço em um aperto<br />

esmagador. — O que você estava pensando em ficar sozinha com<br />

aquele... Aquele homem, — ela praticamente cuspiu a última palavra.<br />

Seus olhos estavam arregalados e quase frenéticos. — Eu não posso<br />

acreditar que eles o deixaram entrar. Seu lugar é em uma gaiola com<br />

algemas, longe de qualquer pessoa decente.<br />

Suas unhas cravaram em meu braço.<br />

— Mãe, você está me machucando.<br />

Ela me soltou e eu finalmente reconheci a emoção no seu rosto.<br />

Não era raiva, mas preocupação.<br />

~ 24 ~


— Eu estou bem, — eu disse com firmeza. — Eu me perdi e me<br />

deparei com ... — Eu procurei em minha mente por um nome diferente<br />

de Growl, um que não parecesse muito com um apelido, ao redor da<br />

minha mãe, mas fiquei de mãos vazias.<br />

— Cara, você não pode sair andando por aí, sem pensar nas<br />

consequências de suas ações.<br />

— Eu estava procurando o banheiro. Eu não estava passeando<br />

por aí, — eu disse.<br />

— Cosimo é um bom partido. Não vá estragar tudo agora.<br />

Pisquei, incapaz de acreditar nos meus ouvidos. — É com isso<br />

que você está preocupada?<br />

Mamãe respirou fundo e colocou sua mão no meu rosto. — Estou<br />

preocupada com você. Mas isso também inclui a sua reputação. Neste<br />

mundo, uma mulher não é nada sem uma boa reputação. Para um<br />

homem, isso é uma questão diferente. Eles podem fazer o que eles<br />

quiserem e isso ainda vai ajudar a sua reputação, mas somos obrigadas<br />

a seguir diferentes padrões. Precisamos ser tudo o que eles não são.<br />

Precisamos compensar as suas falhas. Isso é o que significamos para<br />

eles. Nós, você, precisa ser gentil e dócil e virtuosa. Os homens querem<br />

tudo e devemos manter nossos desejos firmemente trancados, Mesmo<br />

que os homens não possam.<br />

Não era a primeira vez que ela dizia algo assim para mim, mas a<br />

maneira como ela acentuou a palavra — desejo — em seu discurso me<br />

deixou preocupada de que ela sabia da reação do meu corpo com a<br />

proximidade de Growl.<br />

Ela não precisava ter se preocupado. Meu medo sobre esse<br />

homem, de tudo o que ele representava e do que ele era capaz, superou<br />

qualquer pequena arrepio de excitação que meu corpo poderia ter<br />

sentido ao seu redor.<br />

GROWL<br />

Growl as assistiu sair do corredor. A porta se fechou e ele estava<br />

sozinho novamente. Seu aroma de baunilha ainda permanecia no ar.<br />

~ 25 ~


Doce. As meninas gostavam sempre de escolher aromas doces. Ele não<br />

entendia por que elas tentavam parecer ainda mais inofensivas por<br />

cheirar como uma flor delicada.<br />

Ele puxou o colarinho. Muito apertado. O tecido contra sua<br />

cicatriz, que ele tanto odiava. Este terno, esta camisa, não eram ele.<br />

O olhar no rosto de sua mãe tinha o lembrado do porque ele<br />

odiava eventos como este. As pessoas não o queriam por perto. Eles<br />

queriam que ele fizesse o trabalho sujo, e eles apreciavam falar merdas<br />

sobre ele, mas eles não o queriam ele próximo.<br />

Ele não dava à mínima.<br />

Eles não eram nada para ele.<br />

Ele sabia que eles o viam como um animal de circo. Ele foi o<br />

escândalo da noite. A menina com cheiro doce, também, tinha estado a<br />

observá-lo. Ele tinha visto ela e suas amigas o observando do outro lado<br />

do salão.<br />

Mas a menina com cheiro doce o surpreendera. Ele sabia sobre<br />

sua família. É claro. Falcone tinha falado sobre seu pai e sua família<br />

com muita frequência nas últimas semanas. Cara.<br />

Ela não tinha fugido gritando, apesar de ter ficado sozinha no<br />

corredor com ele. Ela ainda não parecia muito assustada. É claro que<br />

tinha estado com medo; havia sempre o medo, mas tinha havido um<br />

‘que’ de curiosidade também. Porque ele era um monstro que eles<br />

temiam e os fascinavam também.<br />

Ele não se importava. Ela era apenas uma menina. Uma menina<br />

da sociedade com um vestido bonito e um rosto ainda mais bonito. Ele<br />

não deu a mínima para sua beleza. Não significou nada. Foi fugaz,<br />

poderia ser levada em um piscar de olhos. Mas seus olhos haviam a<br />

procurado várias vezes durante a noite. Ele tinha imaginado rasgando<br />

seu vestido bonito fora de seu corpo, imaginou também passar as mãos<br />

não dignas sobre suas curvas. Em seguida, ele forçou o olhar e deixou o<br />

salão do baile antes que ele pudesse fazer algo muito estúpido. Ela era<br />

alguém que ele não deveria ter. Alguém que não deveria sequer<br />

imaginar ter. Ela era alguém para admirar de longe. E era melhor<br />

assim.<br />

CARA<br />

~ 26 ~


Naquele dia, pouco depois de voltarmos para casa e eu estava<br />

deitada na cama, meus dedos encontraram o ponto ideal entre as<br />

minhas pernas, respondendo à necessidade que tinha me atormentado<br />

desde que eu tinha visto Growl. O manto da escuridão lavou minha<br />

resistência e minha preocupação em ser pega. Até mesmo quando as<br />

palavras de minha mãe ecoaram na minha cabeça isso não foi capaz de<br />

me parar. — Seja adequada, seja virtuosa. Isso é pecado. — A imagem<br />

do temível homem tinha causado um formigamento doce no meu<br />

núcleo, e eu era incapaz de resistir. Errado, minha mente gritava, mas<br />

eu bani o pensamento até que finalmente meu corpo estremeceu com a<br />

liberação.<br />

Mas segundos depois, uma sensação familiar de estar suja tomou<br />

conta de mim. Este era o pecado. Minha mãe não tinha parado de dizer<br />

essas palavras para mim desde o dia em que ela me pegou tocando-me<br />

há dois meses. Eu não tinha caído em tentação as minhas necessidades<br />

pecadoras desde então, até esta noite.<br />

Eu respirei fundo, desejando que meu coração parasse de tremer.<br />

Desejando que meu corpo parasse de me lembrar o que eu tinha feito.<br />

Desde que minha mãe me pegou havia uma tensão entre nós. Eu<br />

mal podia suportar. Ela evitou meus olhos enquanto eu evitava os dela.<br />

Eu estava quase feliz que meu casamento estava se aproximando<br />

rapidamente, assim eu finalmente poderia escapar do seu julgamento.<br />

Eu ainda sentia uma onda de vergonha quando me lembrava daquele<br />

dia do flagrante e de seu olhar em choque. Não tinha sido a primeira vez<br />

que eu tinha me tocado, mas a primeira vez que eu realmente entendi<br />

que era errado. Eu tinha jurado a mim mesma naquela época nunca<br />

deixar meu corpo se sobrepor sobre meu cérebro novamente e agora eu<br />

tinha quebrado essa promessa. Na proteção da noite, eu ousei deixar<br />

meus dedos vaguearem de novo, tudo por causa de um homem a quem<br />

eu não deveria sequer pensar, muito menos fantasiar. Era errado.<br />

Eu era fraca e pecadora, mas nos breves momentos de prazer, eu<br />

me senti mais viva do que em qualquer outro momento da minha vida.<br />

~ 27 ~


Capítulo três<br />

CARA<br />

Eu sabia que algo de errado estava acontecendo quando eu olhei<br />

para meu pai durante o jantar. Ele tinha a energia nervosa de um<br />

animal enjaulado. Os olhos de Talia se lançaram para mim, as<br />

sobrancelhas escuras arqueando-se em uma pergunta silenciosa. Ela<br />

sempre tentou agir como se ela fosse crescida, e ainda assim ela ainda<br />

parecia pensar que eu sempre sabia mais do que ela. Mas sempre houve<br />

mais perguntas do que respostas em nossa casa.<br />

Eu dei de ombros e lancei um olhar para nossa mãe, mas sua<br />

atenção estava voltada para papai, lá estava à mesma expressão curiosa<br />

em seu rosto que de Talia estava me dando. Nenhuma de nós parecia<br />

ter respostas; Papai olhou fixamente para baixo em seu iPhone, mas a<br />

tela permaneceu apagada. Tudo o que ele estava esperando e<br />

esperando, não estava acontecendo. Seus os dedos tamborilando em<br />

um ritmo irregular no mogno da nossa mesa da sala de jantar. Papai<br />

normalmente usava as unhas meticulosamente curta, mas o que o<br />

transformou na pilha de nervos antes de nós, o fez esquecer a sua<br />

higiene pessoal.<br />

— Brando, você mal tocou o seu jantar. Você não gostou do<br />

roastbeef? — perguntou mamãe. Ela passou duas horas na cozinha<br />

preparando a nossa comida de domingo. Em todos os outros dias da<br />

semana tínhamos nosso cozinheiro responsável pela culinária.<br />

Papai saltou na cadeira. Seus olhos injetados arregalados<br />

encontraram os de mamãe, então ele olhou para Talia e eu. Uma<br />

inquietação embrulhou a boca do meu estômago. Eu nunca tinha visto<br />

ele assim. Papai era calmo e analítico. Pouco lhe fazia perder a<br />

paciência. Mas desde a festa no Falcone, ele parecia um pouco<br />

sobrecarregado.<br />

— Eu não estou com fome, — papai disse antes de seu olhar<br />

voltar diretamente para o seu telefone celular.<br />

~ 28 ~


Olhei para a barriga caída sobre o cinto. Pai gostava de comer, e<br />

ele nunca deixava o roastbeef da mamãe ir para o lixo.<br />

A tela do seu telefone acendeu com uma mensagem e seu rosto<br />

empalideceu. Pousei meu garfo, já sem fome. Mas eu não tive a chance<br />

de lançar outro olhar interrogativo para mamãe porque ele se atirou a<br />

seus pés. Sua cadeira tombou e caiu no chão de madeira em um<br />

estrondo. Minha mãe se levantou também, mas Talia e eu ficamos<br />

congeladas em nossos lugares. O que estava acontecendo?<br />

— Brando, o que...<br />

Papai correu antes que nossa mãe pudesse terminar sua frase.<br />

Mamãe o seguiu atrás dele e depois de um momento eu também me<br />

levantei. Talia ainda estava colada à sua cadeira. Ela piscou para mim.<br />

Meus olhos dispararam para a porta, dividida entre correr atrás de<br />

nossos pais para descobrir o que estava acontecendo ou seguir as<br />

regras. Nós não devíamos levantar da mesa de jantar sem permissão.<br />

Eu não gostava dessa regra, mas eu sempre a seguia. Jantares era a<br />

única vez que nossa família tinha a chance de realmente passar algum<br />

tempo de qualidade juntos, depois de tudo.<br />

A porta da sala de jantar se abriu novamente e Papai estava de<br />

volta, com duas armas nas mãos. Ele colocou uma para baixo, apenas<br />

para retirar o telefone do bolso e o pressionar contra seu ouvido. Olhei<br />

para a arma na nossa mesa. Eu sabia que papai estava fazendo para<br />

ganhar a vida, o que ele era. Eu o conhecia por tanto tempo quanto eu<br />

poderia lembrar, Mesmo assim, Mamãe, Talia e eu, vivíamos uma vida<br />

bem normal apesar de tudo. Mesmo se você se fizesse de cego para a<br />

verdade, às vezes ela lhe batia na cara, sem convite. Mas até agora<br />

Papai tinha tentado manter a ilusão de normalidade ao nosso redor.<br />

Não tinha sido exatamente difícil para ele porque, até alguns meses,<br />

Talia e eu estávamos ambas em um internato e só íamos para casa nos<br />

fins de semana e durante as férias de verão. E logo eu iria embora para<br />

a faculdade e Talia iria voltar para a escola. Eu nunca tinha visto ele<br />

abertamente exibir uma arma. Eu nunca tinha visto uma arma tão<br />

perto de qualquer forma. Papai estava envolvido no crime organizado,<br />

mas muitas pessoas se envolviam com jogos de azar em Las Vegas; Eu<br />

não tinha certeza do que exatamente ele estava metido, exceto que ele<br />

conseguiu a maioria dos casinos da Camorra.<br />

Mamãe entrou na sala de jantar, parecendo completamente fora<br />

de si, mas papai não olhou em nossa direção. — Quando você vai estar<br />

aqui? — Pai assobiou ao telefone. Ele balançou a cabeça depois de um<br />

momento. — Estaremos prontos então. Apresse-se.<br />

~ 29 ~


Finalmente, ele se virou para nós. Ele estava tentando parecer<br />

calmo, mas falhando miseravelmente. — Talia, Cara, por favor,<br />

arrumem a mala. Coisas que vocês realmente precisam para sobreviver<br />

por alguns dias.<br />

Mãe tornou-se um pilar imóvel.<br />

— Estamos saindo de férias? — Perguntou Talia com esperança e<br />

ingenuidade que eu desejava para mim.<br />

Papai sempre nos oferecia uma risada quando dizíamos algo<br />

bobo. Não hoje. — Não seja ridícula, Talia, — ele explodiu. Ela pulou em<br />

sua cadeira, obviamente surpresa com o tom áspero.<br />

— Estamos em apuros? — Perguntei com cuidado.<br />

— Eu não tenho tempo para discutir os detalhes com você. Tudo<br />

que vocês precisam saber agora é que não temos muito tempo, por isso,<br />

vá pegar algumas coisas.<br />

O telefone brilhou com uma mensagem. Os ombros de papai<br />

relaxaram em alívio. Ele correu para fora da sala de jantar. Desta vez,<br />

todas as três de nós o seguiu para o hall de entrada da casa. Papai<br />

abriu a porta e vários homens que eu nunca tinha visto antes entraram.<br />

Eles pareciam fortes em seus jeans, jaquetas de couro e tênis.<br />

Parecia o tipo de caras que eu não gostaria de encontrar no<br />

escuro - ou em qualquer outro lugar. Eles eram o tipo de homens que<br />

faziam você atravessar a rua para evitá-los.<br />

Eu tive que me impedir de passar os braços de forma protetora<br />

em volta do meu peito. Se papai tinha os convidado a entrar, eles não<br />

podiam ser perigosos.<br />

Papai tirou um envelope do bolso do casaco e estendeu-o para um<br />

dos homens. O braço de Talia escovava os meus quando ela se moveu<br />

um pouco mais perto. Eu gostaria de poder dar-lhe o conforto que ela<br />

estava obviamente procurando, mas meus próprios nervos estavam<br />

temerosos.<br />

O homem olhou dentro. — Onde está o resto? — Ele disse com<br />

um sotaque pesado. Eram os russos? Eles pareciam ligeiramente Slavic<br />

para mim, mas eu não tinha considerado a opção deles realmente sendo<br />

russos. Meu pai trabalhava para a Camorra, e não era segredo que os<br />

russos eram inimigos. Não era cometer traição por ter aqueles homens<br />

dentro de nossa casa? Minha cabeça estava girando, mas eu guardei as<br />

perguntas para mim mesma, por medo de tornar as coisas ainda piores.<br />

~ 30 ~


— Vou te dar assim que minha família e eu estivermos seguros<br />

em Nova York. Esse foi o acordo, Wladimir, — disse papai.<br />

Talia me lançou um olhar confuso, mas eu não ousei tirar os<br />

olhos do que estava acontecendo. Por que estávamos indo para Nova<br />

York? E o que ele fez que ele necessitasse dos russos para protegê-lo?<br />

Ele raramente falava sobre o negócio em nossa presença, mas já tinha<br />

ouvido alguns trechos ocasionalmente sobre Nova York ou russos que<br />

não tinha sido positivos.<br />

Wladimir trocou um olhar com seus companheiros, em seguida,<br />

deu um aceno rápido. — Isso não será um problema. Amanhã você vai<br />

estar em Nova York.<br />

Papai se virou para nós. — O que vocês ainda estão fazendo aqui?<br />

Eu lhes disse para arrumar suas malas. Andem.<br />

Hesitei, mas mamãe agarrou a mão de Talia e a arrastou para a<br />

escada. Depois de um momento, eu segui, mas não sem olhar por cima<br />

do meu ombro novamente. Os russos estavam falando entre si. Papai<br />

parecia confiar neles, ou pelo menos confiava que eles queriam o resto<br />

do dinheiro o suficiente para chegar a Nova York. Isso me assustou. Eu<br />

conversando com mãe e Talia, sussurrei. — Porque Nova York? Eu<br />

pensei que nós não poderíamos ir lá porque a família de lá não se dá<br />

bem com o chefe do papai.<br />

Mamãe suspirou. — Onde você ouviu isso?<br />

— Eu não sei. Às vezes escuto umas coisas aqui e ali. É a<br />

verdade, certo?<br />

— Nova York é um tema difícil. Eu não vou para lá há muito<br />

tempo.<br />

Havia anseio em sua voz. Eu abri minha boca para lhe perguntar<br />

sobre isso quando um estrondo soou no andar de baixo, então os<br />

homens estavam gritando.<br />

— Nós precisamos nos esconder, — Mamãe sussurrou enquanto<br />

ela arrastou Talia em direção ao quarto principal. Eu estava prestes a<br />

segui-las. Quando passos trovejaram até a escada. Eu rapidamente me<br />

escondi na sala o mais próxima, Talia, e se escondeu em seu armário<br />

superlotado. Havia uma pilha de roupas descartadas no chão e eu usei<br />

para me esconder ainda mais. Eu ainda podia ver a maior parte da sala<br />

através da fenda na porta, mas apenas com a luz fraca do corredor, era<br />

difícil fazer muito. Eu quase não tive tempo de me abaixar antes da<br />

~ 31 ~


porta se abrir. Alguém cambaleou dentro. Por um momento, a luz<br />

atingiu o rosto do homem e eu o reconheci como um dos russos. Ele<br />

estava sangrando com um ferimento em seu braço. Moveu-se para a<br />

janela. Ele iria pular? Ele tentou empurrar a janela para cima, mas ele<br />

ficou preso por causa de seus movimentos frenéticos.<br />

Prendi a respiração e me enterrei mais fundo na pilha de roupas<br />

Outro homem, muito mais alto e musculoso que o primeiro, entrou e<br />

agarrou o russo. Tudo aconteceu muito rápido para ver, mas algo<br />

parecia familiar sobre o segundo homem. Houve uma pequena luta. O<br />

russo puxou uma faca, mas nunca chegou a usá-la. O outro homem o<br />

agarrou pelo pescoço e torceu. Eu engasguei um suspiro enquanto o<br />

russo caiu, colidiu com a porta de modo que ela abrisse, e acabou<br />

caindo no chão sem vida. A luz agora encheu todo o centro do quarto.<br />

Meus olhos se voltaram para o assassino. Suas costas se voltaram para<br />

mim. Mas eu o conhecia. Eu tinha sonhado com ele várias vezes nas<br />

últimas duas semanas desde a festa.<br />

Growl, é claro.<br />

~ 32 ~


Capítulo quatro<br />

CARA<br />

Sua camiseta preta colada à sua pele de suor, e seus braços<br />

estavam cobertos de tatuagens. Sem o terno e o comportamento frio,<br />

isso para mim sinalizava puro perigo. Nada o controlava agora. Tudo<br />

nele gritava morte. Meu coração batia forte no meu peito enquanto eu<br />

esperava ele se virar e me achar. Será que ele iria me matar também?<br />

Ele não faria isso. Ele não podia. O estatuto da minha família<br />

ainda tinha que contar para alguma coisa, certo?<br />

Mas ele saiu do quarto sem olhar para o homem que ele matou –<br />

ou para o guarda-roupa que eu estava escondida.<br />

Só quando ele tinha ido embora e eu não ouvi mais seus passos<br />

eu me atrevi a respirar. E, em seguida, um novo medo se instalou. Onde<br />

estava papai e o que tinha acontecendo com ele? E o que dizer da<br />

minha mãe e Talia? Eu tinha que ir a procura delas, mesmo que cada<br />

fibra do meu corpo gritava para eu ficar onde estava. Precisávamos ficar<br />

juntas, mas deixar meu esconderijo era um risco enorme. Olhei para o<br />

corpo morto no meio do quarto novamente. Era esse o nosso destino<br />

também?<br />

Então, um pensamento esperançoso passou pela minha cabeça.<br />

Talvez nós fôssemos poupados. Não foi uma surpresa que os soldados<br />

da Camorra, eram como Growl, matavam membros da Bratva, seu<br />

arqui-inimigo. Talvez houvesse uma forma, poderíamos convencer a<br />

todos que os russos não tinham vindo até aqui para nossa proteção,<br />

mas sim para nos matar. Gritos e tiros soaram lá embaixo. Ouvi uma<br />

voz familiar, a voz do papai, mas ela não estava entre os gritos, nem<br />

eram de Talia ou da nossa mãe. Elas estavam, provavelmente, ainda<br />

escondidas no quarto principal.<br />

Fechei os olhos. Eu não estava acostumada a este mundo, mesmo<br />

que eu tivesse crescido em torno de pessoas que faziam parte do<br />

mesmo. Mas eu sempre me mantive ás margens das maldades que meu<br />

~ 33 ~


pai estava envolvido. Agora que eu fui jogada de cabeça, eu não tinha<br />

certeza de como agir. Esperar como um rato em uma armadilha não era<br />

uma solução. Em algum momento eles iriam procurar pelos quartos<br />

corretamente, e então eu não queria tornar isso mais fácil para eles. Eu<br />

empurrei meus pés e lentamente abri a porta, em seguida, sai. Embora<br />

eu soubesse, eu agachei ao lado do russo e pressionei os dedos contra o<br />

pescoço dele. Ele ainda estava quente, mas não havia pulso. Eu cogitei<br />

a ideia de ajuda-lo, mas então percebi a maneira como seu pescoço<br />

estava torcido e empurrei para longe.<br />

Um tremor violento esmagou o meu corpo e por um momento eu<br />

tinha certeza que eu iria ter um ataque de pânico, mas o som de vozes<br />

me trouxe de volta à realidade. Fiquei de pé, o meu olhar caindo para<br />

faca que o russo tinha deixado cair durante sua luta. Eu estava prestes<br />

a pega-la quando as palavras do instrutor de autodefesa que tinha dado<br />

um seminário de fim de semana em nossa escola surgiu na minha<br />

mente: 'A arma que você não pode controlar é outra vantagem para o<br />

seu inimigo'.<br />

Eu não tinha dúvidas de que eu estaria desarmada em algum<br />

momento. Eu nunca tinha aprendido a lutar com armas, ou a lutar.<br />

Meus amigos e eu não tínhamos levado o seminário de Autodefesa<br />

muito a sério. Agora eu gostaria de ter. Mas nós tínhamos estado tão<br />

ocupadas cobiçando o nosso instrutor que não tínhamos tido tempo<br />

para mais nada.<br />

Quanto tempo se passou?<br />

Talia gritou em algum lugar da casa, e eu comecei a me mover<br />

sem pensar. Eu saí da sala. Eu não tinha certeza de como ajudá-la,<br />

mas eu sabia que precisava para chegar até ela. Eu não fui muito longe<br />

embora. Eu bati em alguém, minha cabeça colidiu com um ombro duro.<br />

Minha visão ficou preta e eu cambaleei para trás, ofegante. Eu caí de<br />

joelhos. A dor subiu pelas minhas pernas com o impacto. Depois de um<br />

momento, eu olhei para cima e me vi olhando para o homem que tinha<br />

matado um cara bem na frente dos meus olhos, o homem que eu tinha<br />

medo e que me fascinara desde o nosso primeiro encontro. Ele era mais<br />

alto de perto, e pude ver uma longa cicatriz desbotada, localizada em<br />

torno de sua garganta. Growl. Sempre Growl. Meu fascínio deu lugar a<br />

nada menos do que o medo, quando seus olhos encontraram os meus.<br />

Ele não parecia humano naquele momento.<br />

Um assassino, um monstro - nada de humano em sua expressão,<br />

ou em seus olhos, ou nele.<br />

~ 34 ~


Ele agarrou meu braço e me puxou para os meus pés. Minha<br />

visão nadou novamente. — Leve-a com os outros, — respondeu<br />

asperamente. Aquela voz, tão profunda e áspera, enviou um arrepio nas<br />

minhas costas.<br />

Outro homem me pegou pelo braço e me levou para longe. Eu<br />

joguei outro olhar por cima do meu ombro, mas, Growl, o homem com a<br />

cicatriz e sem piedade, foi embora. Eu quase não prestava atenção ao<br />

meu redor e quase caí das escadas quando meu captor me arrastou<br />

para baixo até chegarmos a sala onde meu pai, mãe e Talia já estavam<br />

reunidos. Papai ajoelhou-se no chão, na frente de Falcone, que estava<br />

vestido com um terno de listradas e uma camisa branca. Talia e mamãe<br />

ficaram alguns passos para trás, parecendo tão aterrorizadas quanto eu<br />

me sentia. Eu fui empurrada para eles e minha mãe imediatamente<br />

envolveu um braço ao meu redor. O outro já estava segurando Talia. Eu<br />

dei um olhar questionador para ela, mas ela estava observando Falcone<br />

com olhos aterrorizados. Finalmente, eu me virei para ele também. Ele<br />

tinha sido assustador em sua festa, mas hoje ele parecia realmente<br />

assustador.<br />

Benedetto Falcone, chefe do meu pai e chefe da máfia em Las<br />

Vegas, estava em nossa casa e o olhar em seus olhos transformou meu<br />

estômago em gelo. Ele estar em nossa sala de estar, era um sinal<br />

horrível. Isso só poderia significar que o papai havia se enganado. E<br />

esse pai que estava suando profusamente, só confirmou minhas<br />

preocupações.<br />

Em algum lugar da casa eu ainda podia ouvir os sons reveladores<br />

de uma briga brutal. Eu tremi. Os homens reunidos naquela sala<br />

pareciam todos estar procurando sangue. O homem morto no canto e<br />

no andar de cima no quarto de Talia não parecia ser suficiente.<br />

Passos pesados desceram a escada, e alguns instantes depois,<br />

Growl apareceu. Suas mãos e antebraços estavam cobertos de sangue.<br />

Eu não tinha certeza se era o seu próprio, mas eu duvidava.<br />

Falcone olhou para ele. — Tudo certo, Growl? — Ele perguntou<br />

com leve curiosidade, como se ele já soubesse a resposta e eu supus<br />

que sim. Todas as histórias que eu tinha ouvido em vozes sussurradas<br />

atravessaram minha mente.<br />

Growl era invencível.<br />

O homem na minha frente tinha pouco a ver com o homem que<br />

eu vira na festa de Falcone. Naquele momento, Growl estava disfarçado.<br />

Enquanto outras pessoas tinham que colocar máscaras, ele naquele<br />

~ 35 ~


terno e em sua limpa aparência, tinha o transformado em um de nós,<br />

mas debaixo dele o mesmo monstro estava deitado em vigília. Agora não<br />

havia dúvida de quem ou o que ele realmente era. O melhor soldado nas<br />

linhas de frente da Camorra de Las Vegas, e um monstro. Isso é o que<br />

as pessoas sempre diziam pelas suas costas e que agora eu também via.<br />

Ele era uma máquina de lutar sem emoções, uma mão brutal de<br />

Benedetto Falcone.<br />

— Tudo certo, — Growl disse naquele profundo murmúrio que era<br />

sua voz. Pela primeira vez pude ver a longa cicatriz em torno de sua<br />

garganta. Suas cordas vocais tinham sido feridas pelo acidente que lhe<br />

tinha dado a longa cicatriz em torno de sua garganta. Growl não deveria<br />

ter sobrevivido a uma ferida como aquela, mas de alguma forma ele<br />

tinha, e talvez ele o tivesse transformado no monstro que era agora, ou<br />

talvez ele tivesse sobrevivido apenas porque ele era um monstro.<br />

Falcone se afastou de seu soldado e Growl desvaneceu-se no<br />

fundo. Eu não tinha certeza de como ele conseguiu fazê-lo; Um homem<br />

com seu tamanho e aura não deveria ter sido capaz de se misturar no<br />

nosso ambiente tão facilmente, para fazer você esquecer que ele estava<br />

lá. Essa era provavelmente uma das habilidades que o tornaram um<br />

lutador tão temido.<br />

Falcone aproximou-se mais de papai, forçando-o a inclinar a<br />

cabeça para trás.<br />

— Ouvi dizer que você esteve ocupado nestes últimos meses, —<br />

Falcone começou em um sotaque, que fez os cabelos na parte de trás do<br />

pescoço arrepiar. Seu sorriso era desagradável e mal-intencionado. Que<br />

prometia punição.<br />

O pai engoliu, mas não disse nada. Por que ele não estava<br />

dizendo nada?<br />

— Quanto do meu dinheiro você guardou para si mesmo, Brando?<br />

— Falcone perguntou ainda naquela voz terrivelmente agradável.<br />

Meu estômago se contraiu. Eu não podia acreditar que o papai<br />

tinha roubado seu chefe. Ele não teria sido tão estúpido. Todo mundo<br />

sabia o que acontecia com as pessoas que enganavam Falcone.<br />

O sorriso de Falcone se alargou e ele deu um pequeno aceno para<br />

um de seus homens, que imediatamente saiu e voltou alguns momentos<br />

depois, com Cosimo nos calcanhares, como de costume impecável. O<br />

que ele estava fazendo aqui?<br />

~ 36 ~


Talvez ele daria o seu testemunho para papai.<br />

Mas papai ficou pálido ao ver meu futuro marido e eu sabia que<br />

minha esperança era em vão. Papai parecia querer dizer algo, mas ele<br />

permaneceu em silêncio.<br />

Eu tentei pegar os olhos de Cosimo, mas seu olhar não me<br />

procurou uma única vez. Por que ele estava me ignorando? Estávamos<br />

praticamente noivos; Nossa festa de noivado estava marcada para o Ano<br />

Novo. Ele não deveria cuidar de mim?<br />

Ele estava olhando para o pai com uma expressão que fez meu<br />

estômago revirar. Isso ia acabar mal.<br />

— Por que você não me conta mais o que você me disse há alguns<br />

dias? — Falcone disse a Cosimo, sem tirar os olhos do meu pai.<br />

— Depois que chegamos a um acordo sobre o noivado com sua<br />

filha, Brando veio até mim e me perguntou se eu queria ganhar algum<br />

dinheiro extra. Ele me contou sobre o negócio que ele fez com a Bratva,<br />

e que ele estava tirando dinheiro de você.<br />

Papai não disse nada. Eu queria sacudi-lo, queria fazê-lo negar as<br />

acusações escandalosas de Cosimo. Com cada segundo que ele não fez,<br />

minhas esperanças para um final misericordioso para esta noite<br />

desapareceram. Eu tentei pegar o olhar de Cosimo novamente, ainda<br />

esperando, e quando ele finalmente olhou para mim, meu coração<br />

afundou. Não havia emoção em seus olhos. Ele não seria meu cavaleiro<br />

em armadura brilhante hoje.<br />

Falcone virou-se para minha mãe com uma expressão de tubarão.<br />

Mamãe ficou rígida, mas manteve a cabeça erguida. Era uma mulher<br />

orgulhosa; Uma das coisas que eu mais admirava nela. Eu fiquei<br />

preocupada que Falcone pudesse querer quebrá-la. Ele era desse tipo.<br />

Ele avançou sobre mamãe, e finalmente meu pai entrou em ação.<br />

— Ela não sabe nada. Minha família não estava envolvida em nada<br />

disso. Eles são inocentes. — Sua voz soou com medo alarmante. Vendo<br />

seu terror, ouvindo-o, aterrorizou-me sem fim. Isso não era um jogo.<br />

Talia olhou para mim novamente. Deus, e como eu queria saber<br />

como ajudá-la, como ajudar a minha família, mas eu era inútil.<br />

Falcone parou bem na frente de minha mãe, mais perto do que<br />

era socialmente aceitável. Minha mãe não recuou, embora a maioria das<br />

pessoas tivesse feito isso sob seu olhar, e eu esperava ter a mesma força<br />

se Falcone me confrontasse. Ele estendeu a mão para sua garganta e<br />

~ 37 ~


por um momento louco eu pensei que ele iria estrangulá-la. Papai fez<br />

um movimento para se levantar, mas o homem de Falcone o empurrou<br />

para baixo.<br />

Falcone enrolou os dedos em torno do colar de Mãe. — Mas eles<br />

estão colhendo as recompensas de sua traição, não é?<br />

Pai sacudiu a cabeça. — Eu não comprei aquele colar com esse<br />

dinheiro... — Ele parou, com uma expressão dolorosa em seu rosto. Isso<br />

parecia um apelo culpado se eu já tivesse ouvido um. Eu queria chorar.<br />

Papai tinha realmente roubado. Isso significava sua morte, e talvez a<br />

nossa também. Falcone não era conhecido por sua bondade.<br />

— Não? — Disse Falcone com uma curiosidade falsa. Ele<br />

arrancou o colar de garganta da minha mãe. Ela suspirou e se encolheu<br />

e sua mão voou para tocar sua pele. Quando ela puxou os dedos para<br />

longe, eles estavam ensanguentados. A corrente de ouro atinha cortado.<br />

Em seguida, ele apontou para os brincos de Talia. Talia deu um<br />

passo para trás. — E isso? — Ele pegou um brinco.<br />

— Deixe-a em paz, — Eu disse antes que pudesse me conter.<br />

Papai e mamãe olharam para mim como se eu tivesse perdido a cabeça.<br />

Falcone lentamente virou-se para mim, seus olhos se estreitando. Ele<br />

deu um passo para trás de Talia e veio em minha direção. Levou tudo<br />

de mim para ficar firme quando tudo que eu queria fazer era correr o<br />

mais rápido que meus pés pudessem me carregar.<br />

Eu não estava usando qualquer joia que ele pudesse segurar<br />

contra mim, ou meu pai, mas eu sabia que isso não iria me proteger.<br />

Seus olhos cruéis pareciam me perfurar até o cerne. Eu tentei não<br />

mostrar minha repulsa e meu medo. Eu não tinha certeza se estava<br />

conseguindo. Eu não tinha experiência em enfrentar o verdadeiro mal.<br />

— Você é um bravo, não é? — Falcone disse. Tive a sensação de<br />

que não era um elogio. Esperei que ele fizesse algo comigo, para me<br />

castigar por minha insolência, mas ele apenas me olhou antes de se<br />

virar e voltar para papai. De alguma forma, sua clemência me<br />

preocupava. Isso me fez pensar que talvez ele tivesse algo pior em mente<br />

para mim mais tarde. Isso ainda não terminou.<br />

— Eu me pergunto se você realmente acreditou que você iria fugir<br />

com isso, Brando? — Falcone perguntou. Ele tocou o ombro do papai<br />

em um gesto amável e amigável.<br />

~ 38 ~


— Eu sempre ganhei mais dinheiro do que qualquer um de seus<br />

outros gerentes. Vou trabalhar de graça, enquanto você quiser. Eu vou<br />

fazer isso por você, eu juro.<br />

— Você quer trabalhar para mim? — Falcone repetiu. — Você me<br />

traiu. Você roubou de mim e deu o meu dinheiro para os russos<br />

imundos. Meus inimigos. Como você vai trabalhar para mim?<br />

— Farei qualquer coisa — disse o pai.<br />

Falcone tocou o queixo em contemplação. Parecia como se tivesse<br />

praticado o movimento inúmeras vezes na frente do espelho. — Há algo<br />

que você pode fazer por mim.<br />

Pai assentiu ansiosamente, mas eu não estava tão otimista. O<br />

olhar nos olhos de Falcone não prometiam nada de bom. Falcone puxou<br />

uma arma fora do coldre sob o paletó e segurou-a contra a cabeça de<br />

papai. — Você pode morrer.<br />

Ele puxou o gatilho.<br />

Eu gritei, dando um passo em frente para ajudar meu pai, assim<br />

fez mamãe, mas nossos guardas nos seguraram de volta. Talia gritou<br />

um som agudo que fez os pelos na minha nuca se levantarem. Mas<br />

papai não se machucou. Ele estava ileso. Não havia uma bala na arma.<br />

Eu tremi, minhas emoções mudaram de choque para alívio.<br />

Papai fechou os olhos por um momento. Depois olhou para<br />

Falcone. Havia definitivamente alívio em seu olhar, mas também<br />

trepidação.<br />

Falcone sorriu. — Mas primeiro precisamos saber tudo o que você<br />

sabe sobre os russos e tudo o mais que possa prejudicar meu negócio,<br />

não concorda?<br />

Falcone não esperou a resposta do meu pai, ele apontou para<br />

Growl. — Fale com ele. E faça isso rápido. Tenho coisas melhores a<br />

fazer. — Growl não hesitou. Agarrou papai pelo braço, levantou-o e<br />

arrastou-o para a sala de jantar ao lado.<br />

Mãe, Talia e eu fomos conduzidos a um canto e tivemos que<br />

esperar enquanto escutamos os gritos e gemidos abafados do meu pai.<br />

Talia pressionou suas palmas contra suas orelhas e fechou os olhos<br />

com força. Mãe apertou sua mão sobre nós duas. Eu queria tampar<br />

meus ouvidos aos sons da tortura de papai, mas se ele tinha que<br />

suportar a dor, eu poderia pelo menos suportar isso.<br />

~ 39 ~


Ficou quieto na sala ao lado. A preocupação roeu meu interior. E<br />

se o silêncio significasse que papai havia perdido a consciência? Ou<br />

pior.<br />

A porta rangeu. Minha mãe ficou rígida. Papai foi levado para<br />

dentro por Growl. Ele mal conseguia manter-se ereto e sem o aperto<br />

firme do outro homem que o pai teria derrubado. Falcone levantou-se<br />

da cadeira. — Tudo feito?<br />

Growl assentiu com a cabeça. Ele levou papai para o centro da<br />

sala, depois o soltou. Ele caiu de joelhos. Growl voltou ao fundo da sala<br />

quando Falcone pisou na frente de papai. — Você me decepcionou<br />

muito, Brando. É uma pena, realmente. Deveria ter pensado na sua<br />

família antes de decidir me ferir.<br />

Papai tossiu, depois soltou. — Não... Não os castigue pelo meu...<br />

Falcone não lhe deu a chance de terminar a frase. Ele virou as<br />

costas para meu pai. — GROWL, — disse ele.<br />

Growl avançou, esperando ordens. Ele ia matar meu pai, não<br />

havia outra opção.<br />

— Você fez bem, Growl. — Os lábios de Falcone se alargaram. —<br />

É por isso que eu tenho um presente para você.<br />

Growl parou, pingando sangue e suor, olhos frios e vazios, como<br />

se não houvesse nada atrás deles, um vazio escuro que consumia<br />

qualquer coisa ao redor. Eu tremi. Eu não me lembro de seu olhar ser<br />

tão horrível na festa. Matar e mutilar deve ter trazido o monstro à<br />

superfície.<br />

Pai começou a sacudir a cabeça. — Você não pode!<br />

Eu me assustei.<br />

Growl mal olhou para o seu caminho, mas então seus olhos me<br />

encontraram, e eles não se moveram. Deus no céu tenha misericórdia.<br />

~ 40 ~


Capítulo cinco<br />

CARA<br />

— Eu posso e eu vou. — Falcone acenou com a cabeça para o<br />

captor do meu pai, que o golpeou no estômago, fazendo-o balbuciar e<br />

tossir.<br />

Falcone abriu os braços. — Você foi um bom soldado, e você<br />

merece uma recompensa. — Ele gesticulou para mim e eu pensei que<br />

meu mundo estava caindo. Eu podia ver minha vida desmoronando bem<br />

diante dos meus olhos. Mas tudo ficou muito pior. O dedo de Falcone se<br />

moveu de mim para a minha irmã. Os olhos de Growl correram em direção a<br />

ela. — É a sua escolha.<br />

— Não, — eu gritei, fugindo do meu captor. Minha nova liberdade<br />

foi de curta duração, no entanto, quando suas mãos me agarraram<br />

pelos braços, me marcando. Eu estremeci com a dor disparando através<br />

do meu corpo.<br />

Talia estava congelada de medo e choque.<br />

— Por favor — disse meu pai, com as mãos unidas num gesto de<br />

mendicância. — Elas são inocentes. Me puna, mas não as machuque.<br />

Falcone mal olhou para ele. — Oh, eu vou te punir, não se<br />

preocupe. Mas não será tão fácil. — Era óbvio que ele estava se<br />

divertindo tremendamente. Esta sala estava cheia de muitos monstros,<br />

mas eu tinha a sensação de que ele era o pior deles.<br />

— Você escolhe, Growl. Pegue quem quiser. Tenho certeza que<br />

você vai gostar de qualquer uma delas — Falcone disse com um sorriso<br />

desagradável. Eu não queria nada além de tirar esse sorriso do seu<br />

rosto, pegar a pesada escultura de mármore de um deus grego nu, que<br />

minha mãe amava tanto, e esmagá-la contra o rosto feio de Falcone. Eu<br />

não sabia de onde vinham aquelas noções brutais. Eu nunca fui do tipo<br />

violenta, mas eu supus que alguém poderia ser levado ao pior em uma<br />

situação como esta.<br />

~ 41 ~


Os olhos do Growl pararam em meu rosto. Eu pensei que ele<br />

verificaria o meu corpo, mas seu olhar nunca se afastou do meu rosto.<br />

Eu quase desejei que fosse diferente. Seus olhos eram como lagos de<br />

âmbar vazios. Eu não queria descobrir os segredos horríveis que se<br />

abrigavam em sua profundidade.<br />

— Oh, eu acho que a escolha está feita, — Falcone disse com uma<br />

risada.<br />

Growl deu um pequeno aceno de cabeça. — Ela, — ele grunhiu, os<br />

olhos ainda colados em mim.<br />

Horror, medo e desespero caíram sobre mim. Deveria ter sido<br />

alívio também. Alívio, porque Talia tinha sido poupada, mas, ao mesmo<br />

tempo, em que eu não queria minha irmã em meu lugar, eu não poderia<br />

sentir alívio quando minha própria vida estava desmoronando bem<br />

diante dos meus olhos.<br />

— Muito bem então — falou Falcone em tom condescendente. —<br />

Ela é sua.<br />

— Você não pode fazer isso, — rugiu meu pai. Eu não esperava<br />

que ainda restassem forças nele.<br />

— Leve-me. Ela é apenas uma criança, — Minha mãe implorou,<br />

tentando fugir de seu captor mais uma vez.<br />

Falcone riu de novo, um som ameaçador. — Quem quer uma<br />

ameixa velha quando pode ter um pêssego suculento?<br />

— Cuidado com a boca — sibilou meu pai. Talvez eu tivesse<br />

admirado mais a sua bravura repentina se ele não fosse o motivo de<br />

nossa morte. — Eu não vou ficar por perto enquanto você insulta minha<br />

esposa e dá a minha filha para… — Ele olhou para Growl com desgosto.<br />

— Aquele monstro.<br />

Falcone assentiu com a cabeça. — Você está certo. Você não<br />

deveria ter que assistir isso. — Antes que qualquer um de nós pudesse<br />

reagir, ele apontou sua arma para o pai e puxou o gatilho. Desta vez<br />

não foi apenas uma demonstração. A bala rasgou a têmpora do pai. Sua<br />

cabeça girou violentamente, os olhos arregalados em choque. Depois de<br />

um segundo, seu corpo caiu para trás. Suas pernas ficaram presas sob<br />

suas costas em um ângulo estranho.<br />

Um grito rasgou da minha garganta. Eu não conseguia entender o<br />

que tinha acontecido. Parecia muito surreal, como algo de um filme,<br />

algo que não poderia acontecer bem na frente dos meus olhos.<br />

~ 42 ~


— Não, — mamãe gritou. Desta vez, ela conseguiu afastar-se do<br />

seu captor. Ela chegou no pai e caiu de joelhos. Ela acariciou seu peito,<br />

impotente, como se isso o fosse acordar. Parecia que ela estava<br />

procurando por sua carteira, e por um momento horrível, algo como<br />

uma gargalhada queria sair, mas, ao mesmo tempo, minha garganta<br />

estava tão apertada que parecia impossível trazer oxigênio suficiente<br />

para os meus pulmões e talvez isso não teria sido a pior coisa agora. A<br />

mãe embalou a cabeça do pai em seu colo, mas quando ela tirou as<br />

mãos, elas saíram cobertas de sangue e algo branco.<br />

Minha visão borrou e bile viajou até a minha garganta. Eu engoli<br />

em seco, me obrigando a enfrentar as criaturas horríveis que cercam a<br />

mim e a minha família. Por alguma razão, olhei para as minhas próprias<br />

mãos como se elas também pudessem estar cobertas de sangue. Elas<br />

não estavam e depois de um momento de alívio, eu não pude deixar de<br />

me perguntar como me sentiria se o sangue de Falcone cobrisse minhas<br />

mãos, como seria a sensação de acabar com sua vida, como ele tinha feito com o pai.<br />

Eu suspeitava que me sentiria maravilhosa, e me assustou que eu<br />

tivesse esses pensamentos.<br />

— Seu trabalho aqui está feito, Growl. Mike e Mimo cuidarão do<br />

resto. Leve sua recompensa para casa e desfrute dela. Tenho certeza<br />

que ela vai mantê-lo entretido por um tempo.<br />

Demorou um momento antes de eu perceber que ele estava<br />

falando sobre mim. Antes que eu pudesse reagir, Growl apareceu na<br />

minha frente, maciço e alto. Meu olhar voltou para seu rosto, mas o<br />

olhar em seus olhos me fez recuar e eu olhei para seu peito em vez<br />

disso. Ele segurou meu braço. Seu aperto era forte, à beira do doloroso,<br />

mas eu não me afastei. Atrás dele, minha mãe ainda estava ajoelhada<br />

ao lado de pai, uma expressão horrivelmente vazia em seu rosto que eu<br />

nunca tinha visto antes. Growl me orientou na direção da porta e<br />

quando eu não reagi, ele começou a me puxar. Os olhos cheios de<br />

lágrimas de Talia encontraram os meus. Eu tentei sair do aperto de<br />

Growl, mas era como se ele nem fosse humano. Ele mal parecia notar a<br />

minha resistência. Eu era uma mosca irritante atacando um leão.<br />

— Espere! — Eu gritei e para minha surpresa, Growl realmente<br />

parou, uma expressão incompreensiva em seu rosto. Eu virei até que eu<br />

pudesse ver Falcone novamente. — E minha irmã e minha mãe? O que<br />

acontece com elas?<br />

— Isso não é da sua conta, — disse ele com aquele sorriso<br />

malicioso. Depois olhou para Growl. — Tire-a de minha vista. Estou<br />

ficando cansado dela.<br />

~ 43 ~


Growl me apertou mais e me arrastou apesar de meus protestos.<br />

Talia tentou correr até mim, mas foi interrompida por outro dos homens<br />

de Falcone. Mamãe estava além de nosso alcance, presa em sua<br />

tristeza.<br />

— Cara! — Talia gritou, seus olhos implorando para eu fazer algo,<br />

para ajudá-la. Mas como?<br />

Growl abriu a porta e, em seguida, estávamos lá fora. Talia gritou<br />

de novo, mas suas palavras não se perderam.<br />

A porta se fechou entre nós, e os gritos aterrorizados de Talia<br />

desapareceram. Eu andei no piloto automático. Não que mudasse uma<br />

coisa se minhas pernas tivessem parado. Growl teria apenas me<br />

arrastado. Eu finalmente afastei meus olhos de minha casa. Eu não<br />

podia suportar olhar para ela mais um segundo sabendo que eu nunca<br />

mais poderia vê-la novamente. Quando o meu olhar fixou-se no homem<br />

alto puxando-me em direção a um Hummer preto, enorme, que era<br />

muito adequado a ele, o medo pela minha irmã e mãe tornaram-se<br />

secundários devido ao medo do meu próprio destino. Falcone tinha me<br />

dado a seu soldado mais cruel. Se eu sobrevivesse hoje, eu ainda<br />

quereria viver? Talvez a morte parecesse a mais doce misericórdia<br />

depois de Growl ter terminado comigo.<br />

~ 44 ~


Capítulo seis<br />

GROWL<br />

A mente de Growl estava a mil quando ele puxou Cara em direção<br />

ao carro dele. Muitas vezes pensara na primeira vez em que a vira na<br />

festa de Falcone. Ele tinha se arrependido de estar presente na festa,<br />

especialmente porque sua imagem tinha assombrado seu sono nas<br />

semanas seguintes.<br />

Sentia-se como um macaco de terno, e sabia que também parecia<br />

isso. Ele sabia que seu chefe só o convidava quando as pessoas tinham<br />

algo para conversar. Mesmo depois de todos esses anos, eles ainda o<br />

consideravam o monstro a temer.<br />

Ele era um monstro, sem dúvida. Mas ele não era o único monstro<br />

naquela sala. Ele nem sabia se era o pior. Ele tinha matado a maioria<br />

das pessoas com suas próprias mãos, isso ele não podia negar. E ele<br />

não queria. Ele estava orgulhoso do que tinha feito. A maior parte, pelo<br />

menos. Era a única coisa no que era bom, matar. Ele era o melhor. E<br />

talvez seu talento para matar o fizesse um dos piores monstros, mas ele<br />

sabia o quão facilmente a ordem de matar e mutilar rolava para fora<br />

das línguas de muitos homens reunidos nesta sala, e como eles<br />

saboreavam o seu poder para fazê-lo. Ele não tinha certeza se isso não<br />

os tornava tão ruins. Mas não era ele quem deveria decidir, de qualquer<br />

maneira. Talvez um dia, todos eles incluindo Growl, teriam que<br />

enfrentar um poder maior. Esse dia não terminaria bem para nenhum<br />

deles.<br />

Growl não estava muito preocupado, no entanto. Ele viveu no<br />

inferno, ainda vivia. Ele não tinha nada a temer. Nada que o esperasse, além<br />

da morte, poderia fazer danos piores do que já tinha sido feito. Não<br />

havia nada nele que não tivesse sido quebrado, nada para destruir,<br />

exceto seu corpo talvez, mas ele não estava preocupado com isso<br />

também. Ele conhecia a dor, até a agonia. Era a única constante em sua<br />

vida. Chegava a vê-la quase como uma amiga. Algo com o que ele podia<br />

contar, algo previsível.<br />

~ 45 ~


Não, ele não tinha medo da dor, nem da morte. Falcone sempre<br />

disse que isso o tornava um bem tão valioso. E isso era algo de que<br />

Growl estava orgulhoso, mesmo que as palavras vindas da boca de<br />

Falcone deixassem um sabor amargo.<br />

Eles o consideravam um idiota, pensavam nele como um<br />

cachorrinho estúpido que fazia aquilo sem a menor ideia do que<br />

estavam tramando. Como um dos muitos cães de briga de Falcone e dos<br />

outros homens mantidos para entretenimento.<br />

Mas muitas pessoas tinham cometido o mesmo erro, confundiam<br />

o silêncio equivocado com estupidez, igualavam a falta de palavras com<br />

falta de compreensão e conhecimento. Era um erro pelo qual eles<br />

poderiam pagar por um dia. Ele conhecia a maior parte de seus<br />

segredos mais profundos e escuros, simplesmente porque eles não<br />

mantinham suas bocas fechadas quando ele estava por perto. Eles<br />

pensavam que ele não estava ouvindo, e mesmo se ele estivesse, como<br />

ele poderia entender o que eles estavam dizendo?<br />

Ele os desprezava, mas pagavam bem e o respeitavam por sua<br />

força e brutalidade, isso era o suficiente para ele. Ele não tinha intenção<br />

de usar seu conhecimento. Ele não precisava de muito dinheiro para<br />

comprar comida para seus cachorros e para si, e para as mulheres uma<br />

bebida de vez em quando. Ele gostava de uma vida simples. Não queria<br />

complicações. Ele lançou seus os olhos para a menina encolhida no<br />

assento do passageiro. Ele esperava que ela não se tornasse uma<br />

complicação. Ele não poderia devolvê-la. Falcone não gostaria disso.<br />

Não que Growl tivesse qualquer intenção de devolvê-la. Ela era a<br />

sua posse mais valiosa até agora. Ela estava olhando pela janela,<br />

ignorando-o. Como ela tinha feito na festa. Como todos fizeram até que<br />

não pudessem mais ignorá-lo. Ela ainda pensava que estava acima<br />

dele? Voltou o olhar para a estrada. Não importava. Ela era sua agora. A<br />

ideia emitiu uma punhalada de orgulho nele e sua virilha apertou em<br />

antecipação.<br />

CARA<br />

Eu mal podia respirar. Por causa do medo e do fedor. Deus, o fedor<br />

era pior do que qualquer coisa que eu já tinha cheirado antes. Sangue.<br />

Metálico e doce, oprimindo. Eu ainda podia ver a poça de sangue<br />

~ 46 ~


espalhando-se sob o corpo sem vida do pai, podia ver a mãe ajoelhada<br />

no meio do líquido vermelho, e os olhos horrorizados de Talia. Cada<br />

momento da noite parecia estar queimado em minha mente.<br />

Meus olhos voaram para o homem ao meu lado.<br />

Growl. Ele conduzia o carro com uma mão, parecendo relaxado,<br />

quase em paz.<br />

Como alguém podia parecer em paz depois do que tinha<br />

acontecido? Depois do que ele fez?<br />

Suas roupas estavam cobertas de sangue, assim como suas<br />

mãos. Muito sangue. A repulsa me paralisou.<br />

Algumas semanas atrás, meus guarda-costas teriam rapidamente<br />

me levado para longe de um homem como ele. Minha mãe praticamente<br />

me arrastou para longe dele na festa de Falcone.<br />

E agora eu estava à sua mercê.<br />

Ele era a mão brutal e violenta de Falcone. Ele se virou para mim.<br />

Seus olhos estavam vazios, um espelho para jogar meu próprio<br />

medo de volta para mim. Seus braços e peito estavam cobertos com<br />

tatuagens bélicas, facas, espinhos e armas.<br />

Eu não conseguia parar de olhar para ele, mesmo que eu<br />

quisesse. Eu precisava, mas eu estava congelada. Eventualmente ele<br />

voltou sua atenção de volta para a rua. Eu tremi, e deixei minha cabeça<br />

cair para frente até que minha testa descansou contra a janela fria.<br />

Havia um zumbido baixo na minha cabeça. Eu não conseguia pensar<br />

direito. Controle-se.<br />

Eu precisava descobrir uma maneira de sair disto.<br />

Mas nós já estávamos diminuindo quando nós nos aproximamos<br />

de uma área residencial antiga. A pintura tinha descascado da maioria<br />

das fachadas, e o lixo espalhava-se pelas ruas. Alguns carros sem<br />

pneus e com janelas quebradas estavam estacionados. Eles não<br />

andariam para lugar nenhum.<br />

Growl parou o carro em frente a uma garagem, que estava recémpintada,<br />

então ele saiu. Antes que eu pudesse bolar um plano, ele<br />

estava do meu lado e abriu a porta. Ele agarrou meu braço e me puxou<br />

para fora. Minhas pernas dificilmente poderiam me apoiar, mas ele não<br />

parecia se importar. Ele me levou ao redor do carro, passando por uma<br />

~ 47 ~


calçada rachada e um gramado cheio de mato. Um grupo de<br />

adolescentes estava reunido duas casas abaixo ouvindo música e<br />

fumando, e do outro lado da rua uma mulher com uma regata<br />

manchada e tatuagens serpenteando pelos braços tirava o lixo, parecia<br />

que ela daria à luz a qualquer momento.<br />

Abri a boca para pedir ajuda.<br />

Growl soltou uma respiração dura. — Faça. Grite. Eles não vão te<br />

ajudar. Eles têm seus próprios problemas.<br />

Eu hesitei. Os adolescentes e a mulher estavam realmente<br />

olhando para nós, observando enquanto Growl estava me arrastando<br />

para sua casa, e eles nem sequer piscavam. Até mesmo o sangue em<br />

Growl não parecia chocá-los. Havia resignação em suas expressões,<br />

parecia escapar de seus poros. Eles não tinham energia para cuidar de<br />

si mesmos, assumir o controle de suas próprias vidas, ou lutar pelo seu<br />

futuro, muito menos pelo meu. Eu supliquei a eles com os meus olhos<br />

mesmo assim, esperando. Ainda esperando depois de tudo. A mulher foi<br />

a primeira a desviar o olhar e a voltar para sua própria casa, momentos<br />

depois os adolescentes voltaram para o que quer que estivessem<br />

fazendo.<br />

Aquelas pessoas não se importavam com o que estava<br />

acontecendo comigo. Eles não me ajudariam.<br />

Chegamos em frente a uma porta. A pintura tinha descascado,<br />

revelando a madeira branqueada pelo sol. Growl abriu a porta. Não<br />

estava trancada. Meus olhos se voltaram para o grupo de adolescentes.<br />

Não parecia que eles deixariam passar a oportunidade de invadir uma<br />

casa que nem estava trancada. Olhei para o meu captor, para a cicatriz<br />

que percorre toda a sua garganta, o sangue em sua camisa e mãos, as<br />

linhas duras de seu rosto.<br />

Growl olhou para mim e minhas pernas quase dobraram sob a<br />

escuridão em seus olhos ambares. Ele não disse nada.<br />

— Mesmo nesta área ninguém ousa te irritar, — eu sussurrei.<br />

— Isso é verdade. Mas não é por isso que eu não tenho que<br />

trancar minha porta. A maioria das pessoas nessa área são viciados e<br />

não têm nada a perder. — Growl me arrastou para sua casa e fechou a<br />

porta. O interior da casa era ainda pior que seu exterior. O arcondicionado<br />

estava trabalhando no máximo, transformando o pequeno<br />

corredor em que estamos em um freezer.<br />

~ 48 ~


Eu tremi violentamente, mas Growl parecia imune ao frio. Não<br />

haviam fotos nas paredes, nenhuma decoração. Esta casa era um lugar<br />

solitário e escuro. Todas as portas estavam fechadas, mas de trás de<br />

uma delas eu ouvia sons que eu não conseguia reconhecer. Parecia com<br />

um raspar. Ele tinha outra mulher trancada lá?<br />

Lágrimas chegaram em meus olhos. Era isso. Tudo estava<br />

acabado.<br />

Será que eu já tinha desistido de lutar?<br />

Ele me arrastou para um quarto. Seu quarto? As únicas peças de<br />

mobiliário eram uma cama e um guarda-roupa, mas o que faltava em<br />

mobiliário, sobrava com decorações na parede. Punhais e facas<br />

zombavam de todas as direções. Growl me soltou e eu tropecei para<br />

frente. Eu caí de joelhos. A única outra opção teria sido cair na cama, e<br />

eu não iria para qualquer lugar perto dessa coisa. Eu rapidamente me<br />

virei, a garganta apertada com medo enquanto Growl me observava da<br />

porta. Parecia que ele tinha se levantado do inferno; Um homem envolto<br />

em trevas, morte e sangue. Um monstro.<br />

Oh Deus, oh Deus, oh Deus.<br />

— Eu voltarei — ele murmurou antes de se virar e fechar a porta.<br />

~ 49 ~


Capítulo sete<br />

Eu voltarei.<br />

CARA<br />

Eu não ouvi uma tranca. Ele estava tão seguro de si mesmo que<br />

achava que não precisava disso? Seus passos se afastaram até que eu<br />

não podia mais ouvi-los. O que ele estava fazendo?<br />

Eu voltarei.<br />

Isso soou como uma ameaça. Meus olhos encontraram a cama e<br />

eu rapidamente me levantei. Eu não era estúpida. Eu sabia o que ele ia<br />

fazer quando ele voltasse. Como eu ia sair disso?<br />

Eu tentei sufocar meu pânico, mas meu coração não parou de<br />

martelar e minhas mãos estavam úmidas de suor. As facas brilharam<br />

no canto do meu olho. Eu sabia que não era uma lutadora, e eu não<br />

sabia como lidar com uma faca ou qualquer outra arma. Eu nunca tive<br />

que machucar alguém. Eu não tinha certeza se eu era capaz disso. Me<br />

aproximei de uma das adagas. Era a menos chamativa, sem lâmina<br />

curva ou ziguezagueada. Foi o que mais me assustou. Estendi a mão e<br />

enrolei os dedos no cabo. Não me senti mal como eu esperava, mas eu<br />

não me enganei pensando que eu poderia fazer mais com ela do que<br />

segurá-la. Tirei da parede. Ela pesava mais do que eu tinha pensado e<br />

de alguma forma eu estava aliviada por ter algo substancial para<br />

segurar.<br />

Meus olhos se moveram pelo quarto. A adrenalina eliminou o meu<br />

terror por enquanto, pelo menos a maior parte. Eu corri para a janela,<br />

mas havia grades em frente a ela. Uma bolha de riso histérico<br />

borbulhou na minha garganta, mas eu a engoli. Não faz sentido ficar<br />

louca, ainda. As janelas estavam cobertas por uma camada de poeira,<br />

dando a ilusão de que o mundo exterior estava ainda mais distante. Não<br />

que o exterior da casa fosse mais atraente do que o interior. Esse era<br />

um lugar completamente sem esperança.<br />

~ 50 ~


Me afastei da janela e apertei a faca com mais força. Esta era a<br />

minha única chance. Poderia muito bem não ter tido uma. Eu ouvi passos<br />

e, por um instante, fiquei congelada com indecisão e medo. Talvez as<br />

coisas só piorassem se eu atacasse Growl, mas eu não tinha certeza de<br />

como isso era possível. Não havia luz em seus olhos, nenhuma<br />

misericórdia ou bondade, nada que eu pudesse me agarrar e esperar<br />

por um destino aceitável. Talvez houvesse pouca esperança de eu ter<br />

sucesso, mas…<br />

Meus olhos se dirigiram para a cama, apenas uma queen-size, o<br />

que era estranho para um homem do tamanho do Growl. Os cobertores<br />

eram vermelho escuro, provavelmente para esconder manchas de<br />

sangue. Estremeci enquanto imagens floresciam em minha mente, uma<br />

mais horrível do que a outra.<br />

Eu caminhei, o medo agora maior do que a indecisão, e me<br />

escondi atrás da porta. Eu precisava pegar Growl de surpresa se eu<br />

quisesse ter qualquer chance de feri-lo. Mas isso seria suficiente? Tive a<br />

sensação de que Growl era como um touro na corrida. Algumas feridas<br />

não o derrubariam. Uma imagem de Growl com várias facas enterradas<br />

em seu peito fluiu pela minha mente. Eu precisava apontar para matar.<br />

Uma nova onda de pânico tomou conta de mim. Eu não sou assim.<br />

Não era assim que eu queria ser. Pela primeira vez na minha vida eu<br />

odiava meu pai. Ele tinha trazido isso para nós, tinha nos forçado a<br />

uma vida que nenhum de nós tinha escolhido. Deus, o que estava<br />

acontecendo com Talia? Ela estava bem? Ela era muito jovem para isso.<br />

E se ela fosse entregue a outro mafioso? Ela tinha apenas quinze anos.<br />

Eu deveria estar lá para ela, deveria protegê-la, em vez disso eu nem<br />

tinha certeza se eu poderia me proteger.<br />

Os passos do Growl pararam bem em frente ao quarto. Eu<br />

rapidamente tirei meus saltos altos, então segurei minha respiração<br />

para ouvir melhor e levantei a faca. Eu teria que apontar para sua<br />

garganta. Até eu sabia que era o ponto mais vulnerável no corpo de um<br />

ser humano. Mas ele havia sobrevivido a uma lesão naquele ponto uma<br />

vez antes. Como eu poderia esperar ter sucesso em matá-lo quando os<br />

outros tinham obviamente falhado?<br />

Ele era muito mais alto do que eu, então eu teria que dirigir a faca<br />

para cima. Eu me preocupava de não ser capaz de colocar força<br />

suficiente na facada desse jeito. A porta começou a se abrir e então a<br />

forma alta de Growl apareceu. A adrenalina bombeou em minhas veias<br />

quando eu pulei nele.<br />

~ 51 ~


Growl ergueu seu braço nu para afastar meu ataque. A lâmina<br />

cortou ao longo de seu antebraço e o sangue jorrou. Mas seu rosto não<br />

mostrava dor. Ele agarrou meu braço, mas eu o desviei, usando minha<br />

baixa estatura para evitá-lo. Eu apunhalei com a faca para cima<br />

novamente, quase cegamente. Com um som baixo dentro de sua<br />

garganta, Growl segurou meu pulso. Eu gritei de dor por causa da força<br />

e soltei a faca.<br />

Um medo me bateu enquanto eu observava minha única arma<br />

aterrissar no chão com um barulho retumbante. Meus olhos<br />

dispararam para os dele.<br />

O rosto de Growl era uma máscara de nada, mas eu não me<br />

enganei pensando que ele não estava furioso. Esse homem havia<br />

matado pessoas por transgressões menores. Eu tentei me empurrar<br />

para trás, mas seus dedos em torno do meu pulso eram implacáveis.<br />

Mas isso não me impediu. Eu só tinha essa chance. Ele poderia muito<br />

bem decidir que eu não valia a pena e me matar.<br />

Eu o chutei, mas perdi o equilíbrio devido a seus reflexos rápidos.<br />

Ele me empurrou para a cama como se eu não pesasse nada. Eu não<br />

tive chance de evitar a minha queda e aterrissei de barriga em cima do<br />

colchão. O ar saiu dos meus pulmões e por um momento eu tive certeza<br />

de que morreria por falta de oxigênio no meu corpo, então eu respirei<br />

fundo.<br />

Tentei levantar, mas o corpo musculoso de Growl pressionou<br />

contra minhas costas, me prendendo entre ele e a cama. Um pânico<br />

disparou através de mim. Eu sacudi meus quadris em uma tentativa de<br />

me libertar. Quando isso não funcionou, eu agitei meus braços,<br />

tentando bater em Growl. Com um som impaciente, ele me virou e se<br />

esticou sobre meus quadris e agarrou meus dois pulsos com uma mão.<br />

Agora eu não tinha escolha senão olhar em seu rosto, olhar cada<br />

centímetro de seu corpo assustador. Ele tinha trocado sua roupa<br />

coberta de sangue e agora usava uma camisa branca apertada, que<br />

agora estava coberta com sangue da ferida em seu braço.<br />

Suas mãos eram ásperas e cheias de cicatrizes, elas pareciam<br />

estranhas contra a minha pele pálida. Um horrível som aterrorizado<br />

soou entre meus lábios. Os olhos estranhos e sem emoção de Growl<br />

encontraram os meus. Suas maçãs do rosto e queixo eram linhas<br />

afiadas em seu rosto. Não havia nada de suave sobre aquele homem,<br />

muito menos seu coração.<br />

~ 52 ~


Seu aperto em meus pulsos não afrouxou. Ele não fez nada,<br />

exceto me olhar fixamente. Eu sabia que deveria desviar o olhar. Não<br />

era isso o que você deveria fazer se estivesse diante de um cão perigoso?<br />

Mas eu não estava apenas presa pelo poderoso corpo de Growl, mas<br />

também pelo olhar aterrorizante em seus olhos. Sua respiração estava<br />

calma, não havia nenhum sinal de nossa luta. Para ele, isso não era<br />

nada. Uma de suas mãos se moveu para baixo em direção ao meu<br />

estômago. Minha camiseta tinha subido durante a nossa luta e mostrou<br />

a pele abaixo. Eu me retesei quando Growl colocou sua mão contra meu<br />

estômago. O que ele estava fazendo? Ele olhou atentamente para sua<br />

mão descansando contra minha pele mais pálida. A ponta dos seus dedos e<br />

a palma mal me tocando. Lentamente, seu olhar voltou a se juntar ao<br />

meu.<br />

Growl estava me observando como se eu fosse uma espécie<br />

desconhecida, algo que ele não poderia entender. E talvez isso fosse<br />

verdade.<br />

Eu fiz outra tentativa meia boca para me libertar, mas foi quase<br />

ridículo. Talvez se ele fosse capaz desse tipo de emoção, Growl poderia<br />

realmente ter rido de mim.<br />

— Pare, — ele ordenou calmamente.<br />

E por alguma razão eu parei.<br />

GROWL<br />

Ele tinha uma reputação, e ele estava orgulhoso dela. Sua<br />

reputação era temida, respeitada, e isso era muito mais do que<br />

qualquer um esperava de alguém como ele. O filho de uma prostituta. O<br />

bastardo. O garoto que nunca falou.<br />

Ele foi feito para ficar na sarjeta.<br />

Ele nunca tinha tido algo para si mesmo, nunca ousou sonhar em<br />

possuir algo tão precioso. Ele era o filho bastardo indesejado que<br />

sempre teve que contentar-se com as sobras dos outros. E agora<br />

Falcone lhe dera o que há poucas semanas atrás estava fora de seu<br />

alcance, alguém que nem sequer o permitia admirar de longe, uma das<br />

mais valiosas posses da sociedade.<br />

~ 53 ~


Atirada a seus pés, porque ele era quem ele era, porque estavam<br />

certos de que iria quebrá-la. Ele era seu castigo, um destino pior do que<br />

a morte, uma forma de entregar o castigo final a seu pai, que tanto os<br />

tinha desagradado.<br />

E um aviso. Ninguém ousaria se opor a Falcone se isso<br />

significasse que suas preciosas filhas poderiam acabar nas mãos de um<br />

homem como ele.<br />

Cara, um nome adequado para alguém como ela, alguém muito<br />

bonita para um lugar como este, para alguém como ele. Uma princesa e<br />

um monstro, isso é o que eram.<br />

Olhos arregalados. Lábios abertos. Bochechas coradas. Pele<br />

pálida. Ela parecia uma boneca de porcelana: grandes olhos azuis,<br />

cabelos cor de chocolate e pele branca e cremosa; Quebrável, algo que<br />

ele não estava destinado a tocar com suas mãos cicatrizadas e brutais.<br />

Seus dedos encontraram seu pulso, seus batimentos cardíacos<br />

tremulavam como pássaros. Ela tentou lutar, tentou ser corajosa,<br />

tentou machucá-lo, até matá-lo. Teria realmente esperado que poderia<br />

ter sucesso? Esperança, faz das pessoas tolas, as faz acreditar em algo<br />

além da realidade. Ele tinha perdido o hábito de esperar há muito<br />

tempo. Sabia do que era capaz. Tinha esperado poder matá-la. Ele sabia<br />

que podia matá-la, não há dúvida sobre isso.<br />

Sua mão rastejou pela pele macia de sua garganta, então seus<br />

dedos enrolaram em torno dela. Suas pupilas se dilataram, mas ele não<br />

colocou pressão em seu toque. Seu pulso batia contra a palma da sua<br />

mão. Ele era um caçador, e ela orava. O fim era inevitável. Ele viera<br />

pedir seu prêmio. Foi por isso que Falcone a deu a ele.<br />

Growl gostava de coisas que doíam. Ele gostava de ferir. Talvez até<br />

amasse, se ele fosse capaz desse tipo de emoção. Ele se inclinou até que<br />

seu nariz estava a centímetros da pele abaixo de sua orelha e cheirou.<br />

Ela parecia doce como uma flor com uma pitada de suor. Medo.<br />

Imaginou que podia sentir o cheiro também. Ele não podia resistir e ele<br />

não precisava, nunca mais com ela. Dele. Ela era dele.<br />

Ele nunca gostou de coisas doces, mas talvez ela mudasse isso.<br />

Ele baixou os lábios até a sua pele quente. Seu pulso zumbiu sob<br />

sua boca onde ele beijou sua garganta. O pânico e o terror batiam num<br />

ritmo frenético sob sua pele. E isso o deixou fodidamente duro.<br />

Seus olhos procuraram os dele, esperando, ainda esperando a<br />

mulher tola, e pedindo a ele por misericórdia. Ela não o conhecia, não<br />

~ 54 ~


sabia que a parte dele que não tinha nascido um monstro tinha morrido<br />

há muito tempo. A misericórdia era a coisa mais distante de sua mente<br />

enquanto seus olhos reivindicavam seu corpo.<br />

Ele rasgou a sua camisa, revelando polegada sobre polegada de<br />

pele imaculada. Não havia uma única cicatriz ou defeito. Ela não<br />

poderia ser sua. Ela era muito perfeita, simplesmente demais.<br />

Ele enrolou os dedos em seu ombro. Suave. Mais suave do que<br />

qualquer mulher que ele tivesse tocado. Nenhuma delas tinha sido<br />

como ela, nem sequer de perto, nem mesmo a mesma espécie, se você<br />

perguntasse a ele.<br />

Os ossos de seu ombro eram afiados contra sua palma. Tão frágil.<br />

Parecia uma boneca. Quebrável, mas bonita. Nada que ele estivesse<br />

destinado a possuir. Sua pele parecia suja em relação à dela e ele<br />

ergueu a mão alguns centímetros, esperando ela afastar a sua pele do<br />

seu toque.<br />

Ela não era como nada que ele já tivesse pensado em ter sob seu<br />

alcance. Não era para ela estar. Nada que ele estivesse destinado a tocar<br />

com suas mãos cicatrizadas e brutais.<br />

Ele não era digno.<br />

Não vale a pena.<br />

Não vale a pena.<br />

Não vale a pena.<br />

Algo quente e afiado agarrou-se ao seu peito. Ele não gostou, nem<br />

um pouquinho. Ele se empurrou da cama, cambaleando de pé. Ela ficou<br />

de costas, os olhos cheios de confusão e perguntas, e novamente aquela<br />

piscada de esperança. — É melhor parar com isso, — ele rosnou.<br />

— O quê? — Ela sussurrou.<br />

— A esperança. É um desperdício. — Ele a ergueu. Para ele, ela<br />

não pesava nada. Ele precisava que ela saísse, fora de sua visão. Ele a<br />

levou para fora do quarto até o quarto de visitas, que ele nunca tinha<br />

tido que usar antes. Ela tremeu contra ele e por alguma razão isso o<br />

deixou ainda mais irritado. Ele a deixou cair na cama e ela soltou uma<br />

respiração chocada. Ele se virou, cansado de olhá-la, de se perguntar,<br />

de duvidar de si mesmo.<br />

~ 55 ~


Ele não deve… não importava porque Falcone a tinha dado a ele.<br />

Ela era dele para fazer o que ele quisesse. Ele andou para a porta e a<br />

fechou atrás de si mesmo. Amanhã ele a reivindicaria. Valendo a pena<br />

ou não. Ele merecia algo bom em sua vida.<br />

~ 56 ~


Capítulo oito<br />

CARA<br />

Eu estremeci quando a porta se fechou. Surpresa que o som tinha<br />

conseguido penetrar o nevoeiro do medo e o martelar do meu coração.<br />

Senti-me atordoada. Lentamente, sentei-me. Meu corpo doía, e eu não<br />

tinha certeza se era da minha briga com Growl ou se era o terror se<br />

manifestando em forma de dor física. Eu não sabia mais nada. Meu<br />

mundo tinha sido destruído, e logo eu dividiria o mesmo destino. Growl<br />

tinha partido, me poupou por enquanto, mas ele voltaria.<br />

Ele voltaria.<br />

Eu virei minha cabeça muito lentamente e espiei para baixo em<br />

minha camisa rasgada, em meu ombro despido. Lembrei-me de seu<br />

toque ali. As pontas dos meus dedos roçaram a pele, e eu tremi, então<br />

tracei até a minha garganta e o ponto sob minha orelha. Seu toque<br />

ainda estava lá, como uma marca. Fechei os olhos, soltei um suspiro.<br />

Meu batimento cardíaco não diminuiu. Meu coração acelerou, como se<br />

estivesse ansioso para bater fora do meu peito, longe, longe do meu<br />

corpo.<br />

Eu queria que fosse assim tão fácil, esquecer seu corpo, indo para<br />

lugares e tempos melhores. Mas isso era um pensamento idiota. Não<br />

haveria nenhum milagre que me tirasse desse lugar, do alcance de<br />

Growl. A maior parte da minha vida eu vivi em uma bolha, afastada da<br />

realidade que tantas pessoas enfrentavam. Eu não podia me permitir<br />

esse luxo mais. Se eu quisesse fugir do meu destino, teria que me<br />

salvar. Ninguém viria em meu socorro, e não meus guarda-costas que<br />

agora serviam a Falcone, provavelmente sempre serviram. Não meu<br />

noivo traidor. Não meu pai, que provavelmente já tinha sido despejado<br />

em algum lugar que ninguém poderia encontrá-lo, ou Falcone o tinha<br />

jogado para os cães como um lanche. Meu peito apertou, mas eu lutei<br />

com esse sentimento. Não havia sentido em compadecer os mortos. Eles<br />

não tinham mais nada a perder. Mas eu tinha, minha mãe, Talia.<br />

~ 57 ~


Eu soltei um soluço trêmulo e rapidamente apertei minha palma<br />

sobre meus lábios. Eu não queria que Growl me ouvisse, para que não o<br />

excitasse e ele mudasse de ideia em me poupar hoje à noite. Eu rastejei<br />

na direção da borda da cama e coloquei um pé no chão de madeira,<br />

então esperei que meus músculos parassem de tremer antes que eu<br />

ousasse me levantar. Minhas pernas estavam instáveis. Eu estava<br />

instável.<br />

Olhei em volta. Este quarto era ainda mais escasso do que o<br />

último. As paredes estavam vazias. O piso de madeira completamente<br />

arranhado.<br />

Gotas de sangue manchavam minha camisa. Estava arruinada.<br />

Eu não podia suportar continuar com ela nem por um segundo mais.<br />

Eu a arranquei do meu corpo e envolvi meus braços ao meu redor. Não<br />

havia roupa no único armário surrado do ambiente. Tudo o que eu<br />

possuía ainda estava em minha casa. Não havia outra porta exceto a<br />

que Growl tinha saído, então eu não tinha um banheiro para mim. Não<br />

havia nada, exceto os móveis surrados. Afundei-me no colchão. Talvez<br />

eu pudesse tentar escapar da casa depois do anoitecer. Coloquei o<br />

cobertor sobre meus ombros, cobrindo-me. Se Growl voltasse, eu não<br />

estaria usando nada exceto um sutiã. Como se isso o impedisse de fazer<br />

qualquer coisa.<br />

Eu ouvi algo farejando e depois roçando a porta. Meu corpo se<br />

apertou com medo quando eu rastejei em direção a ela. Parecia cães.<br />

Quando cheguei a frente da porta, um latido alto soou e eu pulei de<br />

volta. O cão parecia grande, perigoso. O meu pai não havia mencionado<br />

que Falcone criava cães de briga para se divertir?<br />

Minha cabeça estava abalada. Isso era demais. Eu me afastei e caí<br />

de volta na cama. E se os cachorros conseguissem entrar? Eles<br />

provavelmente me rasgariam em pequenos pedaços. Era para isso que<br />

haviam sido criados e treinados. Os boatos diziam que Falcone<br />

arrecadava milhões com apostas em brigas de cães.<br />

Meu coração afundou. Eu nunca seria capaz de sair da casa sem<br />

que os cães percebessem. Mesmo se eu conseguisse me afastar de<br />

Growl, e até mesmo isso parecia improvável, considerando sua<br />

vigilância, os cães eram um obstáculo intransponível.<br />

Enrolei-me em uma bola apertada na cama e enterrei meu rosto<br />

no travesseiro. Ele cheirava a coisa velha por falta de uso. Growl<br />

provavelmente não tinha muitos hóspedes durante a noite. A ideia<br />

quase me fez rir. Eu envolvi meus braços em torno das minhas pernas e<br />

~ 58 ~


fechei meus olhos. Lá fora um casal estava gritando obscenidades um<br />

para o outro, carros passavam cantando pneus, e portas eram batidas.<br />

Eu não tinha certeza quanto tempo eu estava assim, mas a noite<br />

caiu em torno de mim e com ela veio um silêncio arrepiante. Eu preferia<br />

ouvir os pneus cantando. Esse completo silêncio me fez sentir como se<br />

já estivesse morta.<br />

Eu tentei escutar alguma coisa, mas desejei que eu não tivesse<br />

tentado, porque de repente havia rangidos e farfalhar. Eu não tinha<br />

certeza do que a minha mente tinha inventado e o que era realidade. Eu<br />

estava cansada, com sede e fome. Talvez eu morresse de sede ou fome.<br />

Talvez Growl se esquecesse de mim. Fome não poderia ser tão ruim em<br />

comparação com o que poderia estar para vir no meu futuro, se eu<br />

permanecesse viva.<br />

Pare com isso.<br />

Eu tive que parar esses pensamentos loucos. Ficar louca não me<br />

tiraria daqui. Eu precisava manter meu juízo em perfeitas condições,<br />

precisava bolar um plano. Uma imagem de minha mãe e Talia brilhou<br />

atrás das minhas pálpebras fechadas, tão vivas como se estivessem<br />

bem diante de mim. Felicidade e profunda tristeza se sobrepujaram à<br />

imagem. Essa lembrança seria a única coisa que lhes restava? Eu as<br />

veria novamente?<br />

As lágrimas brotaram em meus olhos e eu não as parei, deixei que<br />

elas escorressem passando por minhas pálpebras e caindo sobre<br />

minhas bochechas. Parecia bom, um alívio depois de fingir ser forte. Eu<br />

não era, não realmente, mas talvez eu pudesse aprender. Minha família,<br />

o que sobrou, eu poderia ser forte por eles. Se não fosse por mim, pelo<br />

menos por eles, conseguiria reunir o pouco de coragem que eu possuía<br />

e lutaria contra o Growl. Mais uma vez. E novamente, até que um dia,<br />

talvez eu escapasse da minha prisão.<br />

GROWL<br />

Ele odiava esse sentimento. Odiava a nitidez e a intensidade do<br />

mesmo. Odiava ser lembrado que ele ainda era humano a esse respeito.<br />

~ 59 ~


Ele precisava ser o monstro que todos esperavam dele, ele queria ser<br />

aquele monstro.<br />

Ele lutou tanto para ser algo, qualquer coisa, mais do que o<br />

bastardo e a cicatriz em torno de sua garganta, mais do que o filho de<br />

uma prostituta, mais do que isso. Sempre mais.<br />

Ele empurrou o pedal do acelerador com força. Talvez ele deveria<br />

ter fugido. Precisava livrar-se daquela energia em excesso, daquele<br />

aperto perigoso que abarcava seu peito. Mas onde ele precisava ir era<br />

muito longe. Ele não podia esperar tanto tempo. Ele precisava liberar<br />

alguma tensão agora. Era preciso se livrar dessa sensação em seu corpo.<br />

Ele precisava ser ele mesmo novamente. Precisava lembrar a si mesmo.<br />

No passado, ele tinha que fazer isso quase diariamente. Se<br />

convencer de seu valor, de quem ele era, mas recentemente ele sentiu<br />

como se isso bastasse, e agora aquela garota tão fora do seu alcance,<br />

estava arruinando tudo.<br />

Ele parou na frente do Baton Rouge na zona proibida estacionar,<br />

ignorando o carro atrás dele buzinando. Ele abriu a porta e saiu do<br />

carro. O segurança não disse uma palavra sobre o perigo de como Growl<br />

tinha estacionado, só deu um passo para trás, quando Growl passava<br />

por ele sem uma palavra de saudação. Growl estava quase triste porque<br />

o imbecil não tinha dito nada a ele. Ele queria quebrar ossos, queria<br />

mutilar alguém, matar.<br />

O interior do bordel estava repleto de prostitutas e seus clientes.<br />

Havia uma risada falsa e um perfume muito doce. Havia suor, sexo e<br />

fumaça no ar. Havia uma tensão tão espessa, você poderia cortá-la com<br />

uma faca.<br />

O aperto no peito de Growl melhorou um pouco. Isso era familiar.<br />

Era disso que ele precisava. Algumas prostitutas para ele, e<br />

rapidamente, ele escolheria outra pessoa. Sua recusa não importava.<br />

Ele nunca se importou com sua opinião. Tinha-os todos e a maioria<br />

deles não valiam a pena. Elas não podiam dar-lhe o que ele queria, o<br />

que ele precisava.<br />

Mas havia alguém que podia, que gostava de arranhar e morder,<br />

que gostava dele duro e impiedoso.<br />

Lola tinha se afastado de seu pretendente potencial, um idiota<br />

gordo em um terno escuro. Growl não conhecia o homem, então não<br />

importava. Growl conhecia todos os que importavam nesta cidade, todos<br />

que não deveriam atravessar sua frente, e a maioria deles era<br />

~ 60 ~


inteligente o bastante para não se meter no caminho dele de qualquer<br />

maneira.<br />

O cara gordo apertou uma mão carnuda na coxa de Lola, mas ela<br />

o sacudiu e abriu as pernas para gritar. Seu vestido se revirou,<br />

revelando uma buceta bem depilada, um piercing cintilando sob a luz.<br />

O cara gordo franziu o cenho e seguiu o olhar de Lola em direção a<br />

Growl. Sua expressão caiu. Ele rapidamente deslizou fora de seu<br />

banquinho e desapareceu de vista, procurando por outra prostituta<br />

talvez.<br />

Growl não se importava. Ele passou pelo bar em direção a parte<br />

de trás antes de entrar no segundo quarto à direita. Estava vazio, mas o<br />

cheiro de sexo, desinfetante e borracha pesava no ar. Ele caminhou em<br />

direção à cama e segundos depois a porta se fechou atrás dele.<br />

— Dia difícil, — Lola disse em uma voz rouca. Nenhuma pergunta,<br />

nenhuma declaração. Ela sabia que era melhor não fazer perguntas. Ele<br />

sabia que ela estava perto quando o cheiro de fumaça obsoleta e fresca<br />

se fechava ao redor dele. Quando ela não tinha uma bebida ou um pau<br />

na boca, ela estava fumando.<br />

Ele virou. Seus lábios estavam cobertos de batom vermelho,<br />

parecendo lustrosos e falsos. Tudo sobre ela parecia falso. Seus cabelos<br />

pretos, tingidos muitas vezes, caíam direto em suas costas. Fixados com<br />

spray de cabelo e tudo o que as mulheres costumavam fazer em seus<br />

cabelos, e não deveriam. Seus lábios se torceram em um sorriso<br />

preguiçoso, seus olhos, enrugados com muita maquiagem tremulavam<br />

com ansiedade. Oh sim, ela gostou.<br />

Ela não estava fora de seu alcance.<br />

Ele agarrou seus braços e torceu-a ao redor, então jogou-a sobre<br />

a cama. Sua mão se enroscou em seu cabelo, puxando com força<br />

enquanto sua outra mão abria seu zíper, então empurrou para cima<br />

sua saia e empurrou nela impiedosamente. Ela gritou, com dor ou<br />

luxúria, ele não sabia, não se importava. Ela torceu os braços para trás,<br />

raspou suas unhas compridas sobre suas coxas, tirando sangue. Ele<br />

assobiou e fodeu-a com mais força, e mais duro até que a imagem de<br />

pele de porcelana deixou sua mente, até que ele estava de volta a ser<br />

quem ele deveria ser.<br />

Um monstro, nada menos.<br />

~ 61 ~


Capítulo nove<br />

CARA<br />

Fui acordada por um som que não consegui distinguir. Como<br />

garras na madeira. Meus olhos se abriram, olhando para um teto<br />

branco, não para minha cama de dossel. Algumas manchas escuras<br />

pontilhavam o branco que era realmente mais cinzento, como se alguém<br />

tivesse matado moscas ou mosquitos e não tivesse se preocupado em<br />

limpar depois. A confusão deslizou através da minha mente sonolenta, e<br />

então tudo o que tinha acontecido veio à tona. Eu me ajeitei em uma<br />

posição sentada. Demorou um momento antes de descobrir de onde<br />

barulho que tinha vindo. Os cachorros. Eles estavam na frente da<br />

minha porta novamente.<br />

Droga. Eu realmente precisava ir ao banheiro, mas com os cães<br />

esperando por mim, isso estava fora de questão. Não que eu soubesse<br />

onde o banheiro ficava.<br />

Levantei-me lentamente, com as pernas trêmulas, e espiei pela<br />

pequena janela. Dava para um pequeno jardim. O gramado não era<br />

cortado em um tempo e como a casa, o jardim, também, estava<br />

desprovido de qualquer decoração. Alguém estava gritando nas casas<br />

vizinhas. Uma mulher, seguida por um homem. O mesmo casal que eu<br />

tinha ouvido ontem à noite.<br />

Eu encostei no parapeito da janela, analisando meu ambiente. Eu<br />

sempre fui boa em matemática. Eu gostava de coisas legais e<br />

previsíveis. E onde todos os meus planos foram parar?<br />

A cerca no jardim era coberta com arame farpado. Posso superar<br />

isso? Provavelmente não sem me machucar feio e, em seguida, Growl só<br />

teria que soltar os cães, e eles seguiriam a trilha atrás de mim. E os<br />

vizinhos? Eles me ajudariam a me esconder ou eles apenas gritariam na<br />

esperança de uma recompensa? Provavelmente o último, considerando<br />

as pessoas que eu tinha encontrado até agora.<br />

~ 62 ~


A porta rangeu. Eu girei ao redor, meu corpo tensionado com<br />

medo. Growl entrou, seus olhos pousando em mim. Eu rapidamente<br />

cobri meu sutiã com meus braços.<br />

Ele parecia menos perturbado do que na noite passada e, embora<br />

seu olhar deslizasse sobre meu corpo meio desnudo, sua expressão não<br />

mostrou nenhuma reação. Seu antebraço direito estava enfaixado onde<br />

eu o cortara. Acima dele havia mais marcas. Arranhões que eu não me<br />

lembro de ter feito, mas eu estava em pânico, então eu não tinha<br />

certeza do que exatamente eu tinha feito. Ele seguiu meu olhar<br />

brevemente, mas não reagiu. Ele não parecia se ressentir de mim por<br />

machucá-lo. Eu esperava que isso fosse um bom sinal.<br />

— Você está acordada, — ele disse em voz baixa. Ele nunca havia<br />

levantado a voz nas poucas vezes que eu o ouvira falar, mas suas<br />

palavras emanavam poder suficiente de qualquer maneira.<br />

Eu bufei em sua declaração, mas não disse nada. A pressão na<br />

minha bexiga estava crescendo perto de se tornar insuportável. Atrás de<br />

Growl, dois cães aterrorizantes apareceram. Eles chegavam a seus<br />

joelhos, mas considerando a estatura de Growl, era mais do que<br />

intimidante. O que era pior: eles estavam ofegante e me dando uma boa<br />

olhada em seus dentes afiados. Eles eram definitivamente um tipo de<br />

cães de briga. E a julgar pelas cicatrizes em seus rostos e pelo rasgo no<br />

ouvido do cachorro preto, eles haviam lutado algumas batalhas. Growl<br />

colocou uma mochila que eu não tinha notado antes, no chão entre nós.<br />

— Eu trouxe algumas coisas para você de sua casa.<br />

Minha casa. Eu tentei evocar uma imagem da minha casa<br />

acolhedora, bonita, mas as imagens da noite passada, era tudo que<br />

passava na minha cabeça, e eu prefiro não me lembrar de minha casa,<br />

estando presa aqui. Eu me aproximei. — Você viu minha mãe e minha<br />

irmã? Como elas estão?<br />

Ele rosnou franziu o cenho. — Não. Não me preocupo com elas.<br />

— Mas você deve saber algo, qualquer coisa. O que Falcone lhe<br />

disse antes de vir para nossa casa?<br />

— Eu não perguntei a Falcone quais eram seus planos. Você não<br />

deve fazer tantas perguntas. Eu não tenho as respostas, — disse ele<br />

simplesmente e estava prestes a se virar.<br />

— Eu preciso ir ao banheiro, — eu balbuciei. Eu me senti<br />

envergonhada por eu ter que perguntar, se eu tinha permissão para ir<br />

ao banheiro.<br />

~ 63 ~


Growl fez uma pausa, franzindo o cenho. — E por que não foi?<br />

Eu quase ri. — Porque eu não sei onde é, e eu pensei que eu<br />

deveria ficar aqui nesse quarto.<br />

— Você pode andar pela casa sempre que quiser. Não vou trancar<br />

você no seu quarto. Você não é uma criança.<br />

— Apenas uma prisioneira.<br />

Uma de suas sobrancelhas castanho escuras se contraiu, mas<br />

não consegui ligar a reação com uma emoção. Eu não o conhecia bem o<br />

suficiente. E eu duvidava que alguém o conhecesse desse jeito. Para ser<br />

honesta, eu não tinha certeza se ele era capaz de ter emoções em tudo,<br />

ou se suas expressões faciais não eram apenas a reação natural do seu<br />

corpo a influências externas ou um comportamento que ele tinha<br />

aprendido ao ficar redor de outras pessoas.<br />

Quando o silêncio tornou-se insuportável, perguntei. — Então eu<br />

posso ir se quiser?<br />

Os olhos âmbar de Growl me perfuraram até o âmago. — Você<br />

pode tentar, — ele disse. — Mas eu vou te encontrar, não importa aonde<br />

você vá. Eu te seguirei até o fim do mundo.<br />

— Que romântico, — eu sussurrei com ironia.<br />

— Você é minha.<br />

— Pare de dizer isso. — Eu estava cansada dele me lembrar disso.<br />

Eu queria bater nele com força, e eu teria orgulho de ter acertado seu<br />

rosto quando ele disse que eu era dele.<br />

— Você terminou? — Ele perguntou sem emoção. — Vamos. —<br />

Ele se virou sem esperar minha reação. Eu não podia acreditar nisso.<br />

Agarrei a mochila do chão e estava prestes a seguir quando vi os<br />

cachorros de pé no corredor em frente ao quarto. Eu parei para olhar.<br />

Ambos me observaram com calma, mas com um interesse definido. Meu<br />

pulso acelerou. E eu pensei que eu estivesse cansada demais para ter<br />

medo. Definitivamente não.<br />

— Eles não vão te machucar. São bons cães — disse Growl,<br />

esperando por mim no estreito corredor. Eu não tinha certeza, mas eu<br />

pensei ter ouvido um tom de diversão em sua voz.<br />

— Eles não parecem bons cães, — eu disse hesitante enquanto<br />

me aproximava deles.<br />

~ 64 ~


— Não julgue as coisas por seus olhares. Isso pode te enganar.<br />

Com minhas costas grudadas contra a parede, passei pelos cães.<br />

Eles me seguiram lentamente, seus olhos afiados nunca se afastando de<br />

mim.<br />

Meu olhar percorreu Growl. Suas tatuagens e cicatrizes. — Às<br />

vezes, o exterior e o interior, se equivalem, — eu disse calmamente.<br />

Sua expressão mudou, mas novamente eu não tive chance de<br />

saber o que estava acontecendo em sua cabeça. Pelo menos ele<br />

percebeu minha dica, então ele não era tão ignorante como algumas<br />

pessoas o consideravam.<br />

Ele apontou para uma porta. — Esse é o banheiro.<br />

— Há apenas um? — Eu perguntei, e então quase encolhi como<br />

isso me fez soar.<br />

— Esta é a sua vida agora, melhor se acostumar com isso, —<br />

disse ele.<br />

Eu corri para o banheiro e tranquei a porta, sentindo uma<br />

inundação de satisfação por ter aquela faixa de controle, mesmo apenas<br />

por um momento. Eu ignorei a preocupação de que Growl pudesse ficar<br />

na frente da porta e escutar o que faria, e fui ao banheiro. Ele tinha<br />

ouvido e visto pior, sem dúvida. Mas eu me certifiquei de me apressar e<br />

estava feliz quando eu acabei.<br />

Eu peguei um vislumbre de mim mesma no espelho sobre o<br />

lavatório, quando eu lavei minhas mãos e quase recuei com meu<br />

próprio reflexo. Meu cabelo era uma bagunça selvagem e o rímel<br />

manchou a pele ao redor dos meus olhos de tanto chorar, mas o pior de<br />

tudo era quão pálido meu rosto estava e quão vazio meus olhos<br />

pareciam. Apenas um dia e não apenas a minha vida tinha mudado,<br />

mas meu corpo também.<br />

Eu não queria imaginar o quanto eu estaria pior em algumas<br />

semanas ou meses. Eu não queria imaginar ter que viver muitos dias<br />

com Growl como meu sequestrador. Eu respirei fundo e mudei a água<br />

para o frio, em seguida, espirrei meu rosto e com isso eu me senti<br />

melhor. Eu tentei esquecer onde eu estava no momento, tentei deixar<br />

movimentos familiares assumir meu corpo. Quando eu olhei para os<br />

armários de banheiro de Growl para uma escova de dentes, fui saudada<br />

pelo mesmo vazio que encontrei em outros lugares da casa. Havia uma<br />

escova de dentes e pasta de dente, uma navalha e um desodorante.<br />

~ 65 ~


Nenhum perfume ou outros produtos de cuidados para o corpo.<br />

Coloquei um pouco de pasta de dentes no meu dedo indicador e usei<br />

para escovar os dentes.<br />

Depois disso me virei para o chuveiro, mas hesitei na frente dele,<br />

debatendo se eu deveria arriscar ficar nua. Mas o cheiro de sangue<br />

ainda permanecia na minha pele, misturado com suor e aroma<br />

almiscarado de Growl. Eu tirei minha roupa. Eu não estava a salvo.<br />

Tomar um banho não mudaria isso. Mais cedo ou mais tarde Growl<br />

faria o que quisesse e não havia nada que eu pudesse fazer para detêlo.<br />

O chuveiro e o box eram antigos, mas impecáveis, a torneira<br />

rangia e levou muito tempo para a água sair de maneira descente e<br />

aconchegante. Eu esfreguei minha pele até que ela parecesse<br />

apresentável e quente, e provavelmente teria continuado a fazê-lo se<br />

uma batida não tivesse me interrompido.<br />

— Você tem mais dois minutos.<br />

Eu desliguei a água. Apesar do meu primeiro instinto ser de<br />

provocar Growl, eu não queria arriscar que ele entrasse no banheiro. Eu<br />

rapidamente me sequei e então abri a mochila. Minha respiração<br />

engatou quando eu avistei minhas roupas. Era estranho como coisas<br />

pequenas de repente significavam tanto.<br />

Peguei cuidadosamente um vestido de algodão cor creme que<br />

abraçava meu corpo. Eu queria doá-lo porque não estava mais na<br />

moda. Agora parecia a coisa mais preciosa que eu possuía. Eu deslizei o<br />

tecido macio sobre o meu corpo e coloquei meias. Vestindo minhas<br />

roupas velhas me senti mal neste lugar, como uma relíquia de velhos<br />

tempos.<br />

Quando saí do banheiro, Growl não estava lá, nem seus cães.<br />

Eu me demorei no corredor, sem saber o que fazer ou para onde<br />

ir. As paredes eram um branco acinzentado como no meu quarto, e o<br />

piso de madeira escuro tinha visto dias melhores.<br />

O cheiro de café passou por mim e eventualmente me atraiu para<br />

uma grande cozinha. Growl inclinou-se contra o balcão da cozinha, uma<br />

xícara de café na mão e seus cachorros deitados em cobertores num<br />

canto da sala. Seu olhar estava em uma mensagem em seu celular. Não<br />

havia cadeiras ou mesa. Aparentemente, Growl preferia fazer suas<br />

refeições enquanto estava de pé.<br />

~ 66 ~


Ele olhou para cima e seus olhos percorreram todo o meu corpo,<br />

permanecendo nas minhas pernas, quadris e seios.<br />

Eu me forcei a manter a calma, a esconder os nervos que o calor<br />

de seu olhar criou.<br />

Ele usava uma camisa branca apertada que não conseguia<br />

esconder seus músculos, nem os contornos das suas tatuagens. Meus<br />

olhos se moveram para a cicatriz em torno de seu pescoço.<br />

— Aqui, — ele disse, empurrando uma xícara de café para mim. —<br />

Beba.<br />

— Eu prefiro meu café com leite, — eu disse.<br />

— Não há leite na casa. É café preto ou nada.<br />

Peguei o copo, saboreando o calor dele, e dei alguns goles no<br />

líquido quente. Sua atenção voltou para o móvel no balcão da cozinha.<br />

— Há ovos na geladeira se você estiver com fome.<br />

Eu olhei para ele. — Você está falando sério? — Eu perguntei,<br />

colocando a xícara com força no balcão. — Ontem Falcone me deu para<br />

você como um presente e agora você fingir como se isso fosse normal,<br />

como se pudéssemos agir normalmente um em torno do outro. Por que<br />

você não nos faz um favor e me deixa ir?<br />

Ele estava na minha frente antes que eu pudesse reagir. Estiquei<br />

meu pescoço para olhar seu rosto. Eu estava presa entre ele e a<br />

cozinha. Ele me agarrou pela cintura e me levantou no balcão, depois<br />

pressionou entre minhas pernas, aproximando nossos rostos. Eu<br />

segurei minha respiração, atordoada por seu movimento repentino.<br />

Meu coração estava batendo freneticamente contra minha caixa<br />

torácica, mas eu tentei esconder o medo dele por trás do meu ódio. Sua<br />

mão segurou a parte de trás da minha cabeça, mantendo-me no lugar e<br />

então sua boca caiu sobre a minha, sua língua deslizando para além de<br />

meus lábios. Eu fiz um som de protesto, mas ele foi engolido pela boca<br />

de Growl.<br />

Eu empurrei minha cabeça para trás, ofegante e olhei para ele. Eu<br />

o odiava. Odiava por quem ele era, mas pior, pelo que ele me fez sentir.<br />

Por um pequeno momento eu tinha me permitido me afogar no beijo,<br />

porque ele conseguiu me fazer esquecer tudo, me ajudou a afogar a<br />

tristeza, medo e preocupação. E nesse curto instante, me senti<br />

maravilhosamente bem. Tão bem, que meu corpo tinha formigado e eu<br />

~ 67 ~


senti isso da ponta dos dedos das mãos até os pés. Em toda parte.<br />

Estava errado. Deus, tão errado. Como o homem na minha frente.<br />

Enxuguei minha boca e então, da mesma forma, o formigamento<br />

desapareceu e o que restava era repulsa. — Não me toque, — eu<br />

assobiei. — Nunca mais.<br />

Ele sorriu sem humor. — Por quê?<br />

— Porque você me repeliu. Você é um monstro e eu não quero<br />

suas mãos em mim, não quando elas estão cobertas de sangue.<br />

GROWL<br />

Emoções, ele nunca tinha entendido bem. A maioria das pessoas<br />

tinha muitas, e lhes deixava ainda mais dispostas. Especialmente as<br />

mulheres pareciam muito despreocupadas em mostrar essa parte de si<br />

mesmas. Cara não era diferente. O ódio, estava claro em seu rosto.<br />

Ela o odiava.<br />

Todos o odiavam.<br />

Ela o temia.<br />

Todos o temiam.<br />

Estava acostumado a esse tipo de reação. Ele não se importava.<br />

Ele não era um homem esperto; Nem sequer perto de ser tão<br />

inteligente quanto ela. Ele sabia disso, e talvez isso o tornasse mais<br />

inteligente do que a maioria dos homens de Falcone. Ele conhecia suas<br />

limitações, as sentia todos os dias e as aceitava, mas nunca as deixava<br />

pará-lo. Mas apesar de sua falta de inteligência, ele sabia que Cara não<br />

era realmente uma recompensa para ele. Não era por isso que lhe fora<br />

dada. Claro, ela era uma recompensa, era o maior presente que alguém<br />

como ele poderia esperar, era mais do que alguém tão sombrio e sujo<br />

merecia, mas não era por isso que Falcone lhe dera como seu presente.<br />

Esta não foi uma recompensa para ele, era um castigo para ela e<br />

seu pai, e se tinha alguma coisa de verdade nisso, era que tudo não<br />

passava de um verdadeiro castigo. Growl sabia disso, e talvez ele deveria<br />

~ 68 ~


ter se sentido revoltado, deveria ter se sentido culpado, deveria ter<br />

recusado um presente como esse, mas ele não era esse tipo de homem,<br />

e foi por isso que Falcone o tinha escolhido sabiamente. Ele era a<br />

punição que ninguém merecia, muito menos ela. Mas agora que ele a<br />

tinha, Cara, seu dom, ele nunca a deixaria ir. O beijo, tinha lhe dado<br />

um gosto do que estava por vir, de Cara, e malditamente, ela tinha um<br />

sabor doce com uma pitada de amargura do café. Mais doce do que<br />

qualquer mulher que ele tinha beijado, mas não tinha havido muitas e<br />

seu último beijo foi há muito tempo. Ele não gostava de beijar as putas.<br />

Não porque tinham o gosto de outros homens em sua boca, embora isso<br />

também contasse se ele fosse perfeitamente honesto consigo mesmo,<br />

mas principalmente porque era muito íntimo. Ele nunca tinha<br />

entendido o valor de beijar, quando o sexo e um bom boquete traziam<br />

uma satisfação mais rápida, mas desde a primeira vez que ele viu os<br />

lábios rosados de Cara, ele se perguntou como seria beijá-la. No<br />

começo, tinha sido uma fantasia ridícula, que nunca se tornaria<br />

realidade, mas então se tornara uma possibilidade.<br />

Ele olhou para baixo para seu rosto furioso, e o duro conjunto de<br />

seus lábios. Ele queria beijá-la de novo, prová-la novamente, mas ele<br />

tinha aprendido a controlar seus desejos. A forma como ela olhava para<br />

ele agora, o fazia lembrar da primeira vez que eles se encontraram, dos<br />

olhares que cada mulher na sociedade lhe deu. Ele deu um passo atrás<br />

antes que sua raiva pudesse tirar o melhor dele, como se tivesse<br />

passado a última vez. Ele não teve tempo para outra visita com Lola. E<br />

se ele fosse honesto, tinha sido tão satisfatório com ela como de<br />

costume.<br />

Então pegue Cara. Ela é sua.<br />

Ela era. Mas ele não podia imaginar tratá-la como tratava Lola.<br />

Não apenas porque Cara não reagiria do jeito que Growl queria, mas<br />

também porque não gostava da ideia de tratá-la dessa maneira. Ela era<br />

muito preciosa.<br />

Ele se afastou dela e pegou seu telefone novamente. Falcone<br />

queria vê-lo à tarde. Growl duvidava que o homem tivesse um trabalho<br />

de verdade para ele. Falcone queria ouvir detalhes terríveis do que<br />

Growl tinha feito com Cara.<br />

Ele olhou para ela. Ela ainda estava sentada no balcão onde ele a<br />

colocou, mas ela cruzou as pernas protetoramente e estava observandoo<br />

cautelosamente. Mesmo assim, ela conseguiu parecer elegante e<br />

absolutamente fora de lugar em sua casa.<br />

~ 69 ~


Talvez Falcone não se limitasse a gritar como uma punição para<br />

Cara. Talvez ele também tivesse esperado colocar Growl em seu lugar,<br />

para mostrar que apesar de seus anos de serviço, ele ainda não era<br />

digno.<br />

~ 70 ~


Capítulo dez<br />

CARA<br />

Meus lábios ainda estão formigando do beijo, apesar do meu nojo<br />

e raiva de Growl. Ele se afasta lentamente, com uma expressão que não<br />

consigo decifrar. Eu pulo do balcão, tentando sair dessa situação<br />

comprometedora, e congelo de medo quando os cachorros saltam de<br />

onde estavam descansando no canto da cozinha.<br />

O único cachorro com que tive contato nos últimos anos foi o<br />

Chihuahua de Anastasia, que ela comprou depois que isso se tornou<br />

um item essencial das fashionistas, de acordo com as revistas que ela<br />

lia. Mas aquele cachorro tinha o tamanho de um porquinho-da-índia, e<br />

seus dentes mal tinham força para arranhar a pele de alguém. Esses<br />

cachorros, no entanto, eram monstros no tamanho e, principalmente,<br />

na personalidade, assim como o seu mestre. Eu puxei uma respiração e<br />

me encostei contra o balcão outra vez. Não havia nenhum outro lugar<br />

que eu pudesse ir, e pelo jeito que eles me olhavam, iam me seguir de<br />

qualquer maneira. Meu coração acelerou e eu congelei completamente.<br />

Os cachorros também não se moveram, mas pareciam tensos,<br />

como se estivessem prontos para me atacar se eu me mexesse de um<br />

jeito errado. Growl me deu um olhar que deixou claro que ele pensava<br />

que eu tinha perdido a cabeça, mas ele obviamente não era alguém em<br />

quem eu confiava quando se tratava de julgar o perigo e<br />

monstruosidade dos seus cães.<br />

— Se você agir com medo, eles vão ficar desconfiados, — ele disse<br />

como se eu fosse uma criança.<br />

Eu olhei para ele. Suas palavras só aumentaram o meu medo me<br />

deixaram mais tensa. Growl largou seu café outra vez e me olhou como<br />

se estivesse tentando descobrir algo. Meus olhos corriam entre ele e os<br />

seus cachorros.<br />

Growl caminhou na minha direção, seu braço vindo para mim. Eu<br />

estremeci e me encolhi, esperando um soco. Ele parecia frustrado.<br />

~ 71 ~


Ele congelou com o braço no ar e a falta de compreensão cresceu<br />

ainda mais em seu rosto.<br />

— O que você está fazendo? — ele retumbou, lentamente<br />

abaixando o braço musculoso. Havia mais arranhões na parte superior<br />

do seu braço que eu notei agora. Com certeza eles não podiam ter vindo<br />

todos de mim. Um círculo vermelho começou a se espalhar lentamente<br />

pelo seu curativo, e eu estremeci. Growl baixou o olhar para o seu braço<br />

machucado e deu um suspiro. — Você é problema demais, — ele disse<br />

simplesmente. Seus olhos encontraram os meus. Eu não conseguia ler<br />

a sua expressão.<br />

— Talvez você devesse ir ver um médico, — eu disse, em vez da<br />

resposta ácida que tinha em mente. Até agora Growl tinha sido mais<br />

civilizado do que eu achei que fosse possível, e não podia arriscar<br />

provocá-lo tanto a ponto de mudar isso.<br />

— Eu não preciso de um médico. Eu costurei os meus ferimentos.<br />

Eu já fiz isso antes. Mas você me cortou muito profundo e eu não<br />

deveria mexer tanto o braço.<br />

Pela sua reação ontem, eu pensei que mal tinha deixado uma<br />

marca nele com a faca, mas ele provavelmente era muito cuidadoso<br />

para mostrar a extensão do seu ferimento durante uma luta. Embora<br />

chamar nossa pequena desavença de luta era algo risível.<br />

— Por que você não se encolheu? — ele perguntou. Eu esperava<br />

que ele tivesse esquecido minha reação à sua aproximação.<br />

Dei de ombros e voltei minha atenção para os cachorros, que<br />

estavam nos olhando. Eles ainda não tinham saído do seu lugar no fim<br />

da cozinha, exceto que o preto tinha agora se sentado. — Pensei que<br />

você ia me bater, — eu finalmente disse.<br />

Silêncio se seguiu, até que eu não pude mais aguentar e levantei<br />

o olhar para encontrar Growl me encarando em flagrante confusão.<br />

— Ah, vamos lá, — eu murmurei, minha raiva crescendo, apesar<br />

das minhas melhores intenções de não o provocar, seu choque era<br />

ridículo. — Não haja como se isso fosse impossível. Eu vi você ontem. Vi<br />

você matar um homem usando apenas suas mãos para quebrar o<br />

pescoço dele.<br />

— Onde você estava? Eu não vi você em lugar nenhum.<br />

— No armário.<br />

~ 72 ~


Growl assentiu. — Ele era o inimigo.<br />

— E eu não sou?<br />

Por alguma razão, ele parecia mais próximo do que antes, e seu<br />

cheiro finalmente chegou até mim. Não o cheiro de suor, sangue e<br />

morte, como na noite passada, mas algo fresco e almiscarado. Parecia<br />

normal demais para alguém como ele.<br />

— Não. Inimigos precisam ser eliminados porque representam<br />

perigoso e, muitas vezes, morte. Você não.<br />

— Eu tentei te matar ontem à noite, — eu disse indignada.<br />

Ele não disse nada, e isso foi pior do que um insulto.<br />

Cruzei os braços. Estava começando a me cansar dessa conversa,<br />

dessa situação, de tudo. Fechei os olhos, mas no momento em que fiz<br />

isso, imagens da noite passada voltam, e eu rapidamente os abri outra<br />

vez.<br />

Eu realmente queria que Growl parasse de me olhar com essa<br />

expressão atenta. Ele parecia um explorador que tinha descoberto uma<br />

nova espécie. — O que vai acontecer agora? — eu perguntei baixinho.<br />

— Eu tenho trabalho a fazer e você vai ficar aqui vendo TV.<br />

Eu ri. Será que me interpretou mal de propósito? — Não foi isso<br />

que eu quis dizer. Você vai continuar a me manter aqui até que eu<br />

morra ou você canse de mim?<br />

— Não pensei muito sobre isso ainda. Eu não sabia que Falcone<br />

ia te dar para mim, ou eu teria feito planos, — ele disse.<br />

Planos para o meu cativeiro, quanta consideração. — Então, e<br />

agora? — tudo parecia tão sem sentido. Minha vida nunca tinha sido<br />

livre. Sempre houve regras e expectativas, mas agora eu não tinha<br />

escolha sobre nada.<br />

— Eu vou trabalhar e você vai ficar aqui.<br />

Eu desisti. Ele não podia ou não queria me entender. — Você vai<br />

levar eles com você? — eu acenei na direção dos cachorros.<br />

Growl balançou a cabeça. — Eles vão ficar aqui com você.<br />

— Você tem certeza que eles não vão me cortar em pedaços?<br />

Growl se virou para os seus cachorros. — Coco, Bandit.<br />

~ 73 ~


Eles não hesitaram. Dentro de segundos eles estavam ao lado de<br />

Growl e olhavam para ele com o que eu só podia descrever como<br />

adoração. — Eles são bem treinados, — ele explicou. — Você pode<br />

chegar perto.<br />

Eu assenti, mas não me movi do meu lugar contra o balcão da<br />

cozinha. Como eles estavam ofegando, pude dar uma boa olhada no<br />

tamanho dos seus dentes.<br />

Ele franziu o cenho. — Você vai ter que se acostumar com eles.<br />

Você vai passar muito tempo com eles no futuro, e eu não vou estar<br />

sempre por perto para te ajudar.<br />

A ideia dele me ajudando era ridícula. Eu certamente não estava<br />

ansiosa pela sua presença.<br />

— Se você quer tocar neles, deve sempre dar a chance deles te<br />

cheirarem primeiro. Pelo menos até que eles te conheçam melhor. Eles<br />

são cães desconfiados. A maioria das pessoas não lhes deu muitas<br />

razões para terem confiança, — ele estende a mão na frente de Coco,<br />

então na frente do nariz de Bandit, antes de dar tapinhas nas suas<br />

cabeças. — Se eles se afastarem, deixe assim. Não tente acariciá-los se<br />

eles não quiserem.<br />

Como eu deveria saber quando eles querem ou não ser<br />

acariciados? Não que eu tenha qualquer intenção de tocar neles sem<br />

uma boa razão, ou sem Growl por perto. Eles me assustam. Não consigo<br />

evitar. Eles parecem saber como rasgar as coisas em pedaços. Eles têm<br />

muitas cicatrizes falando sobre o seu passado difícil.<br />

— Eles são cães de rinha, certo?<br />

Growl assentiu. — Os dois lutaram muitas vezes. Ganharam a<br />

maioria.<br />

— Aposto que você ganhou muito dinheiro com eles naquela<br />

época, — eu murmurei, esperando que ele pudesse ouvir o meu<br />

desprezo. Por que as pessoas gostam de ver cachorros se destroçando?<br />

Mas eu nunca entendi o apelo de lutas de boxe, também; mas os<br />

boxeadores pelo menos escolhem lutar por vontade própria.<br />

Ele dá mais uns tapinhas na cabeça de Coco e Brandit antes de<br />

virar toda sua atenção para mim. — Eu nunca coloquei eles em rinhas.<br />

Eu os comprei quando eles ficaram velhos demais para ganhar, — sua<br />

voz era mais suave quando ele falava sobre os seus cachorros, embora<br />

~ 74 ~


ainda houvesse as bordas afiadas da rouquidão das suas cordas vocais<br />

danificadas.<br />

— Por quê?<br />

— Porque eles seriam mortos, e depois de tudo que eles<br />

passaram, mereciam viver em paz pelo resto dos seus dias.<br />

Isso foi um lampejo de bondade? Parecia improvável, mas pelo<br />

jeito que ele cuidava dos seus cachorros, eu não podia negar a<br />

possibilidade. Talvez ele sentisse uma conexão com os cachorros porque<br />

eles foram forçados a uma vida de violência. Não se sabia muito sobre o<br />

passado de Growl, mas ninguém nascia assim, ninguém nascia mal.<br />

Talvez ele também tenha sido forçado à essa vida. Talvez ele nunca<br />

tenha experimentado uma vida normal. Isso não justificava suas ações,<br />

mas era uma explicação que me ajudava a entendê-lo um pouco<br />

melhor, um entendimento que era sempre o primeiro passo para a<br />

solução. Se eu queria sair dessa situação horrível, primeiro teria que<br />

descobrir mais sobre o meu captor, mesmo que isso significasse passar<br />

algum tempo com ele.<br />

— Então você nunca apostou em rinhas? Ouvi dizer que as<br />

pessoas fazem milhões com isso, — olhando para a sua casa pobre,<br />

pensei que ele certamente poderia usar esse dinheiro.<br />

Ele balançou a cabeça. — Eu não me importo com dinheiro e,<br />

mesmo que me importasse, não gostaria de ganhar deixando cachorros<br />

se comerem vivos.<br />

Esse homem era um enigma.<br />

Ele fez um gesto para que eu me aproximasse outra vez. —<br />

Venha. Vocês precisam se conhecer e eu não tenho muito tempo.<br />

Dei passos hesitantes para me aproximar, e quando os dois<br />

cachorros não saltaram, fechei a distância que faltava entre nós.<br />

— Fique de joelhos, — Growl ordenou, e essas palavras trouxeram<br />

outra imagem à minha mente, uma que me deixou mais agitada do que<br />

os cachorros com dentes grandes, especialmente porque ela fez o meu<br />

corpo esquentar. Rapidamente empurrei essa imagem para longe e me<br />

agachei.<br />

Growl pegou a minha mão, me assustando. Foi no último<br />

segundo que consegui me impedir de me afastar. Sua palma era calosa<br />

e quente. Parei de respirar quando ele estendeu minha mão na frente do<br />

focinho marrom claro do cachorro. Ele cheirou, então balançou o rabo.<br />

~ 75 ~


Growl colocou minha mão no meio das suas costas, a seguir. — Essa é<br />

Coco. Ela tem oito anos, e eu estou com ela há dois, — Coco, parece um<br />

nome tão doméstico para um cachorro como esse.<br />

Corri minha mão para cima e para baixo pelo comprimento das<br />

costas de Coco. Seu pelo era suave, e eu me encantei na sensação dos<br />

seus músculos. Ela era forte, mais forte do que parecia. Eu só podia<br />

imaginar a cadela na arena de lutas, e a pena por ela cresceu em mim<br />

novamente. Seus olhos castanhos eram curiosos e gentis. Eu não podia<br />

ver uma pitada de agressividade.<br />

Growl pegou minha mão outra vez e a levou para o outro<br />

cachorro, Bandit, inspecionar. Ele também me cheirou algumas vezes,<br />

mas não balançou o rabo ou reagiu de qualquer outra forma. Ele não<br />

parecia se importar muito com a minha presença.<br />

Growl deu de ombros. — Ele precisa te conhecer melhor. Dê um<br />

tempo a ele, — ele soltou a minha mão e eu a puxei rapidamente e<br />

levantei. Isso era muito estranho. Growl estava agindo como se nós<br />

fôssemos um tempo de família desconjuntada.<br />

Growl se levantou também, pairando sobre mim. — Eu preciso ir<br />

agora, — ele pegou seu celular no balcão da cozinha e foi para o<br />

corredor.<br />

— Você vai se encontrar com Falcone? — eu perguntei, o<br />

seguindo. O nome se prendeu como ácido na minha língua.<br />

Growl fez uma careta por cima do ombro na minha direção. Ele<br />

não disse nada.<br />

— Você pode perguntar a ele sobre a minha irmã e a minha mãe?<br />

— eu disse, então completei. — Por favor? Eu vou ficar louca se não<br />

souber que elas estão bem.<br />

— Falcone pode ou não me dizer. Se eu perguntar, ele<br />

provavelmente vai manter isso para si, porque significa mais um pedaço<br />

de poder.<br />

— Eu preciso saber se elas estão bem, — eu repeti.<br />

Growl assentiu. — Levei os cachorros para uma longa caminhada<br />

essa manhã, então é o suficiente se você os deixar correrem pelo jardim<br />

por volta do meio-dia. Vou levá-los para passear de novo quando eu<br />

voltar, — ele disse, então adicionou. — Não tente fazer nada. Isso não<br />

vai ser bom para você nem para mais ninguém, — ele me deu um olhar<br />

expectante até que eu finalmente assenti, então ele andou até a porta e<br />

~ 76 ~


a fechou ao passar. Um momento depois, ouvi o som dela sendo<br />

trancada e eu estava sozinha.<br />

Me aproximei da porta, ouvindo o som do seu carro se afastando.<br />

Então eu hesitei outra vez. Talvez isso fosse um truque? Talvez ele só<br />

queria ver se eu ia tentar fugir se tivesse a chance. Talvez ele até mesmo<br />

estivesse ansioso por uma oportunidade de me punir?<br />

Soltei um suspiro e caminhei de novo até a cozinha, tentando<br />

ignorar os cachorros, que voltaram para os seus cobertores. Não havia<br />

cortinas na casa, então eu tinha uma visão perfeita na direção da<br />

estrada. O carro de Growl tinha ido embora, mas eu ainda não<br />

conseguia acreditar que ele realmente tinha me deixado sozinha. Meus<br />

olhos começaram a correr pela vizinhança, procurando algo fora do<br />

comum, mas para mim, nada era. Essa área estava enterrada na<br />

miséria.<br />

Um homem velho sentando junto ao portão da sua casa do outro<br />

lado da rua. Ele estava me observando, ou pelo menos, a casa de Growl.<br />

Será que Growl tinha lhe dado dinheiro para manter um olho na porta<br />

da frente?<br />

Eu me afastei da janela e corri para a portas dos fundos, que<br />

levava ao jardim. Quando coloquei a mão na maçaneta, pude ver que<br />

ela estava aberta. Growl não a trancou. Como o homem era cuidadoso<br />

demais para deixar a porta destrancada por acidente, isso era uma<br />

armadilha ou ele sabia que eu não poderia escapar, mesmo se tentasse.<br />

Os dois cachorros apareceram ao meu lado, me assustando. Mas eles<br />

não estavam interessados em mim. Em vez disso, eles saíram correndo<br />

para o jardim e começaram a correr atrás do outro. Eu dei um passo<br />

para fora e olhei ao redor. A única chance de escapar sobre a cerca alta<br />

era usando uma cadeira ou uma mesa para chegar lá em cima.<br />

Desde que a cozinha era desprovida de um luxo tal como<br />

cadeiras, a mobília do jardim era minha única opção. Mas a mesa não<br />

parecia estável o bastante para suportar o meu peso e as cadeiras eram<br />

muito baixas para me dar a altura que eu precisava. Quando tentei<br />

mover as cadeiras, no entanto, elas não se mexeram. Olhei para o chão<br />

e vi que elas eram presas ao piso de concreto. Será que Growl fez isso?<br />

Mas quando? Na noite passada, enquanto eu estava dormindo? Deixei<br />

escapar uma risada afiada, e afundei em uma das cadeiras. Eu não<br />

conseguia parar de rir. Os cachorros pararam a sua brincadeira e<br />

ficaram me olhando, obviamente incomodados com a minha risada. Até<br />

mesmo eu me assustei com o som. Cada pedaço de mobília, até mesmo<br />

um banco pesado, estava preso ao chão.<br />

~ 77 ~


Parei de rir, fiquei em silêncio e fechei os olhos, então lentamente<br />

deixei minha cabeça cair para frente até que ela descansou em minhas<br />

pernas. Deixei as imagens da noite passada me assaltarem, esperando<br />

que as revivendo, elas parassem de me assombrar. Levaria tempo, eu<br />

sabia disso. Talvez elas nunca fossem embora.<br />

Talia. Mãe. O que elas estavam fazendo agora?<br />

Eu não tinha como encontrar elas, não tinha como lhes dizer que<br />

eu estava bem e que era para elas serem fortes. Talvez isso fosse a pior<br />

parte, pior até do que ser prisioneira de Growl. Algo fungou no meu<br />

pescoço e eu levantei a cabeça para encontrar Coco parada bem ao meu<br />

lado, seu hálito quente de cachorro no meu rosto. Primeiro eu fiquei<br />

com medo, mas então percebi que a cadela estava tentando me<br />

consolar. Não me mexi, com medo de assustá-la. — Obrigada, — eu<br />

sussurrei, embora me sentisse boba por falar com um cachorro. Coco<br />

trotou até onde Bandit estava cavando em um ponto perto da cerca.<br />

Me levantei da cadeira e olhei ao redor mais uma vez, então<br />

cheguei mais perto da cerca para dar outra conferira, mas com o arame<br />

farpado no topo, não havia como eu pular. E o que eu faria se<br />

conseguisse escapar? Para onde eu iria? Eu não tinha dinheiro,<br />

identidade e nem celular. Nada. Eu não tinha nada. E não havia<br />

ninguém para quem eu pudesse correr. Os pais do meu pai morreram<br />

quando eu era pequena, e ele não tinha irmãos. Já a mãe nunca falou<br />

da sua família. Eu supus que ela fugiu para casar com meu pai. Trish e<br />

Anastasia também estavam fora de cogitação. Os pais delas eram leias a<br />

Falcone. No momento em que eles me vissem, eu seria entregue para<br />

Growl.<br />

Eu estava completamente sozinha até encontrar minha mãe e<br />

minha irmã, e não havia como fazer isso sem a ajuda de Growl. Eu não<br />

tinha escolha, além de achar um jeito de trazer Growl para o meu lado.<br />

O casal começou a gritar um com o outro novamente. Esse lugar<br />

era tão deprimente. Eu não conseguia entender como alguém viveria<br />

aqui por opção. Mas a maioria das pessoas provavelmente não tinha<br />

opção.<br />

Voltei para a casa antes que meu mau-humor piorasse ainda<br />

mais. Os cachorros ainda estavam ocupados perto da cerca.<br />

— Bandit, Coco, venham aqui! — eu chamei, e<br />

surpreendentemente os dois obedeceram ao meu comando sem hesitar<br />

e correram para dentro de casa. Eu fechei a porta e tomando uma<br />

respiração profunda, me virei para encarar a casa. Ela era sombria e<br />

~ 78 ~


quase um inimigo por si só. Sem decorações, sem móveis<br />

aconchegantes. Esse lugar estava equipado apenas para as<br />

necessidades mais básicas. Dei uma olhada na geladeira, mas além de<br />

uma dúzia de ovos e algumas latas de Coca, estava tudo vazio.<br />

Considerei preparar uma omelete, embora eu só tivesse feito isso uma<br />

vez antes. Não estava com tanta fome assim, de qualquer forma.<br />

Voltei para a sala de estar e afundei no sofá. Uma mola escavou<br />

na minha bunda e a coisa velha protestou sob o meu peso. Eu nunca<br />

tive que assistir TV o dia todo. Eu sempre estava ocupada com a<br />

faculdade, meus amigos e meus hobbies. Me inclinei para trás<br />

lentamente. Os únicos outros itens na sala eram a TV, o aparador da<br />

TV, que parecia como se Growl o tivesse encontrado na rua, e uma<br />

pequena mesa. Não havia armários, fotos ou qualquer outra coisa.<br />

Growl não podia passar muito tempo aqui.<br />

Precisava achar um jeito de dar o fora daqui o mais rápido<br />

possível.<br />

Peguei o controle remoto da mesa e liguei a TV. Passei através de<br />

muitos canais, mas não havia nada ligeiramente interessante. Larguei o<br />

controle, deixando um canal da natureza como som de fundo enquanto<br />

saí para descobrir os outros cômodos, mas eu já tinha visto todos, na<br />

verdade. Havia um banheiro, o meu quarto e o de Growl. Ele não havia<br />

trancado a porta, apesar das armas decorando as suas paredes.<br />

Não havia sequer um livro na casa. E eu também não vi um<br />

computador em lugar nenhum.<br />

Frustrada, eu me sentei novamente no sofá e, sem mais nada<br />

para fazer, eventualmente acabei adormecendo outra vez.<br />

O som da tranca sendo aberta me acordou e eu me sentei.<br />

Arrepios cobriam minha pele. O ar-condicionado estava gelado demais.<br />

Procurei na sala por um relógio, mas até isso estava faltando.<br />

Ainda tinha luz lá fora, então eu pelo menos sabia que não era<br />

noite.<br />

Os cachorros começaram a latir alegremente e então ouvi os<br />

passos de Growl. Ele apareceu na porta, estudando a sala rapidamente<br />

antes de olhar para mim.<br />

— Está tudo bem? — ele perguntou desconfiado.<br />

— Não, — eu disse. Que pergunta idiota.<br />

~ 79 ~


Growl estendeu uma caixa de leite. — Para o seu café.<br />

Meus lábios se partiram. — Hm, obrigada?<br />

Nós nos encaramos. Ele parecia inseguro quanto eu sobre essa<br />

situação. Comecei a esfregar meus braços para aquecê-los. — Frio?<br />

Eu assenti. Ele se foi e então o ar-condicionado parou de soprar<br />

ar frio na sala. Por que ele estava sendo assim? Eu tinha minhas<br />

suspeitas sobre os seus motivos.<br />

— Alguma novidade? — eu perguntei quando ele voltou.<br />

Sua expressão se apertou. Então ele se virou e andou pelo<br />

corredor na direção da cozinha. Eu saltei do sofá e corri atrás dele. Ele<br />

estava parado em frente à geladeira aberta. — Você não comeu nada.<br />

Ele era surdo? — Não estou com fome, — isso era mentira. — E<br />

sobre a minha pergunta? Você se encontrou com Falcone, ele disse algo<br />

sobre a minha mãe e a minha irmã?<br />

— Você precisa comer, — Growl disse. — Morrer de fome não vai<br />

mudar nada.<br />

— Eu não me importo! Responda a minha pergunta, droga!<br />

Bandit rosnou baixo, mas Growl o silenciou com um movimento<br />

de mão.<br />

Eu endureci. — E você diz que ele não é perigoso, hm?<br />

— O que você espera quando você está gritando com o dono dele?<br />

— Vamos lá, não é como se eu fosse um perigo para você, — eu<br />

disse, zombando.<br />

Ele olhou para o seu braço enfaixado, então deu de ombros. —<br />

Você não é um perigo para mim, mas está sendo desrespeitosa.<br />

— Você não merece o meu respeito.<br />

Growl fechou a geladeira, inclinando a cabeça para me observar.<br />

Novamente eu podia sentir que ele não sabia o que fazer comigo. — Vou<br />

pedir uma pizza. Eu nem almocei. Que sabor de pizza você quer?<br />

Cruzei os braços e me inclinei contra a moldura da porta. — Eu<br />

não vou comer nada até que você responda a minha pergunta.<br />

— E eu não vou responder até que você coma alguma coisa.<br />

~ 80 ~


— Isso quer dizer que você sabe mais?<br />

— Eu sei, — ele disse simplesmente.<br />

~ 81 ~


Capítulo onze<br />

CARA<br />

Meus dedos tremiam ante a perspectiva de notícias sobre minha<br />

mãe e minha irmã. — Está bem. Vou comer a pizza. Apenas me diga o<br />

que você sabe.<br />

— Que tipo?<br />

Soltei um suspiro de exasperação, mas não poderia surtar de<br />

novo, ou ele poderia decidir não me dizer nada. — Atum e cebola,<br />

suponho.<br />

Growl pegou o telefone e pediu a pizza para seis. Isso iria demorar<br />

mais de uma hora.<br />

Ele deve ter visto o desânimo em minha expressão porque ele<br />

disse: — Coco e Bandit precisam caminhar. Se você vir, eu te direi tudo<br />

o que sei.<br />

Eu balancei a cabeça ansiosamente e como o único par de<br />

sapatos que Growl trazia na minha mochila eram meus sapatos de<br />

corrida, eu estava perfeitamente equipada. No momento em que saímos,<br />

eu percebi o quão presa eu me senti dentro daquela casa. Growl não se<br />

incomodou em colocar seus cachorros em uma coleira. Eles começaram<br />

a cheirar os arbustos locais enquanto Growl e eu andávamos lado a<br />

lado. Era estranho. Eu tinha estado com ele por quase vinte e quatro<br />

horas e até agora ele tinha sido muito mais decente comigo do que eu<br />

esperava. Mas eu tinha um sentimento que tinha mais a ver com o fato<br />

de eu o confundi do que com misericórdia ou piedade. — Então? — Eu<br />

comecei, quando ficou óbvio que Growl gostava da calma da<br />

caminhada.<br />

— Falcone parece estar contente com a punição que ele infligiu a<br />

sua família até agora. Com seu pai morto e você comigo, ele não vê<br />

nenhuma necessidade de punir sua mãe e irmã no momento.<br />

~ 82 ~


— Então minha mãe e minha irmã estão bem? — Eu perguntei<br />

aliviada.<br />

— Por enquanto — disse Growl com naturalidade.<br />

— Onde elas estão?<br />

irmã.<br />

— Sua mãe está em sua casa velha. Ainda não sei onde está sua<br />

— O que você quer dizer, você não sabe? O que aconteceu com<br />

ela? Como você pode ter certeza que Falcone não vai machucá-la se<br />

você não sabe qualquer detalhe? E se ele a entregar a alguém como<br />

presente?<br />

Como ele fez comigo, eu adicionei em minha mente. Queria estar<br />

lá para protegê-la. Era meu trabalho fazer isso.<br />

— Falcone não tem recebido muita informação hoje. Depois da<br />

traição de seu pai ele é ainda mais cauteloso. Mas ele tem algum tipo de<br />

plano e parece exigir que sua irmã e sua mãe estejam bem.<br />

— Mas-<br />

— Não, — disse Growl com firmeza. — É o bastante. Eu te disse o<br />

que eu sei. — Suas sobrancelhas se juntaram e ele balançou a cabeça,<br />

mais para si mesmo do que dirigido a mim. Eu ainda me maravilhei<br />

com o quão alto ele era, erguendo uma cabeça sobre mim. Meus olhos<br />

traçaram seus braços musculosos, cobertos de tatuagem até que eu<br />

pude ver. Especialmente o crânio e a cobra travando seus dentes me<br />

davam arrepios. Perguntei-me quanto mais seu corpo estava coberto<br />

assim.<br />

— Devemos voltar ou perderemos a pizza — disse Growl.<br />

Meus olhos se ergueram para seu rosto. Há quanto tempo eu<br />

estava olhando para ele mesmo? Sua mandíbula estava apertada, seus<br />

olhos cheios de um fogo que me deixou nervosa.<br />

Eu rapidamente andei adiante e ele caiu em passo ao meu lado<br />

pouco depois. Não conversamos mais.<br />

~ 83 ~


GROWL<br />

Growl cambaleou para o pátio em direção à sua área de fitness.<br />

Ele precisava deixar escapar algum vapor e ele precisava treinar de<br />

qualquer maneira.<br />

Algo estava mal com ele. Ele tinha Cara em sua casa. Ele tinha<br />

permissão para fazer com ela o que quisesse, e o que ele tinha feito até<br />

agora? Nada. Algo sobre ela o deixava incapaz de apenas agarrá-la e<br />

fazer o que quiser com ela.<br />

Ele nunca forçou uma mulher a dormir com ele. Talvez fosse isso.<br />

Ele gostava quando elas lutavam contra ele, quando elas mordiam e<br />

arranhavam e às vezes até gritavam, mas não porque não queriam, mas<br />

porque sim. Ele não tinha problemas em machucar as pessoas,<br />

machucar mulheres, mas isso era diferente. Esse era seu trabalho. E<br />

ele gostava. Não havia como negar. Mas o sexo era outra coisa. Ele não<br />

queria forçar uma mulher. Queria que a mulher o desejasse.<br />

É claro que muitas das prostitutas que ele teve no passado<br />

provavelmente também não o queriam, mas fizeram isso por escolha,<br />

porque queriam o dinheiro. Ele poderia viver com isso. E Lola, ela<br />

definitivamente gostava dele mais do que os outros.<br />

Ele suspirou e pôs mais peso na barra. Com um grunhido, ele a<br />

pressionou.<br />

O pior foi o modo como ele pegou Cara olhando para ele hoje. Ela<br />

gostava de ver seus músculos. Ele tinha certeza de que ela estava<br />

atraída por ele em algum nível básico. Ela também o odiava, e isso era<br />

mais forte do que qualquer desejo que ela pudesse ou não sentir por ele.<br />

Porra, ele a queria. A porta rangeu e Cara saiu para a varanda.<br />

Quando ela percebeu que ele fazia seu treino, seus olhos se arregalaram<br />

um pouco, então eles percorreram o comprimento dele antes dela olhar<br />

para outro lugar.<br />

Growl gemeu por dentro.<br />

Ele não gostava de jogos. Ou analisar as sutilezas do<br />

comportamento de uma mulher. Isso estava lhe dando uma fodida dor<br />

de cabeça.<br />

O olhar dela se fixou na mesa da varanda. — Você prendeu ao<br />

chão, então eu não poderia usá-la para pular a cerca?<br />

~ 84 ~


Como ela inventou esse tipo de lógica? — Não, — ele disse,<br />

baixando a barra no suporte. — Eu não sabia que você moraria comigo.<br />

Você queria usá-la para pular a cerca? — Ele suspeitava que ela<br />

pudesse tentar escapar. Ele também sabia que ela não conseguiria.<br />

— Por que não há mesas ou cadeiras na sua cozinha? — Ela<br />

perguntou. — E por que não há livros?<br />

Porque, porque, porque. Por que ela sempre tinha que fazer<br />

perguntas?<br />

Growl se levantou do banco e esticou os braços. Mais uma vez.<br />

Aquele olhar. Porra. Ele cruzou a distância entre eles e a apertou contra<br />

a parede. Seu grito de surpresa foi silenciado pela boca dele. Ele<br />

mergulhou sua língua na boca dela, saboreando o gosto doce dela. E ela<br />

se apertou contra ele. Porra. Ela estava atraída por ele. Ele sabia disso.<br />

Ele a beijou com mais força e passou a mão por baixo da saia,<br />

pressionando a palma da mão contra a virilha. Mesmo através da sua<br />

calcinha e suas calças ele podia sentir o calor irradiando da buceta<br />

dela. Ele pressionou um dedo entre suas dobras, esfregando-a através<br />

do tecido. E ela gemeu em sua boca. Sua umidade estava começando a<br />

embeber suas calças, e o pau de Growl ganhou vida. Porra. Ele queria<br />

tomá-la bem ali na varanda até ela gritar seu nome.<br />

As palmas dela começaram a empurrar contra seu peito e ela<br />

rasgou sua boca para longe dos lábios dele. — Pare com isso! — Ela<br />

ofegou, então mais firme. — Pare com isso! — Ela o empurrou com<br />

força, e ele cedeu, dando um passo para trás e soltando a mão de sua<br />

buceta. Os olhos dela estavam atordoados. Ela olhou para o pau que se<br />

esticava contra as calças, depois para as casas vizinhas, e enrubesceu<br />

um tom ainda mais escuro de vermelho. Ela se virou e tropeçou para<br />

dentro da casa.<br />

Growl a deixou, mesmo que fosse uma das coisas mais difíceis<br />

que já fizera. Ele olhou para sua protuberância. O corpo de Cara<br />

respondeu, só que a porra da sua mente ainda estava bagunçando as<br />

coisas. Growl sabia agora que ela estava molhada para ele, não havia<br />

como ser capaz de manter as mãos para si mesmo. Ele queria prová-la,<br />

queria fazer o corpo dela anular sua mente.<br />

~ 85 ~


CARA<br />

Eu não parei de correr até eu ter fechado a porta do meu quarto<br />

atrás de mim. O que eu tinha feito? O que eu deixei Growl fazer? Deus.<br />

Meu coração estava pulsando descontroladamente em meu peito. Eu<br />

podia sentir o baque, até a batida entre minhas pernas. Cobri os olhos<br />

com a mão e respirei profundamente. Eu nunca senti isso antes. Mas,<br />

movida pelos instintos, minha mente estava em silêncio.<br />

Eu queria sentir seus dedos tão desesperadamente, mesmo<br />

através do tecido que o toque tinha me inflamado. Por que meu corpo<br />

fez isso comigo? Eu odiava Growl e ainda assim meu corpo respondeu a<br />

ele. Ele não era muito bonito. Ele era nervoso, sombrio e marcado.<br />

E meu corpo o queria por causa disso.<br />

Estremeci, soltei a mão e cambaleei até minha cama, onde me<br />

deixei cair. Estar perto de Growl me fazia querer me deixar cair<br />

também.<br />

Parte de mim queria voltar para o quintal e deixar Growl terminar<br />

o que ele tinha começado. Eu poderia me arrepender das minhas ações<br />

mais tarde, talvez até pudesse me convencer a culpar Growl por tudo.<br />

Talvez fosse algum tipo de síndrome de Estocolmo?<br />

Isso funcionava também para a atração sexual? Eu engasguei um<br />

riso. Eu estava perdendo a cabeça.<br />

A pulsação entre as minhas pernas ainda não tinha parado. Se<br />

possível, ficara ainda pior. Coloquei minha mão na minha barriga,<br />

depois parei. Isso não estava certo. Mesmo fantasiar sobre alguém como<br />

Growl estava errado, e tocar-me ao fazer isso? Certamente o pecado.<br />

Minha mãe nunca me perdoaria.<br />

Enrolei minha mão em um punho no meu estômago. Eu seria<br />

forte. Eu não deixaria meu corpo ditar minhas ações. Eu era melhor do<br />

que isso.<br />

* * *<br />

As próximas duas manhãs eu não queria enfrentar Growl e<br />

esperei até ouvi-lo sair da casa para sair do meu quarto. Eu não<br />

~ 86 ~


conseguiria me esconder para sempre, mas meu embaraço ainda estava<br />

muito fresco. Pelo menos, ele não procurou a minha companhia.<br />

Como de costume eu primeiro chequei todas as portas e janelas<br />

para encontrar elas trancadas. Os cachorros jaziam em suas camas,<br />

sacudindo as caudas sem se importar quando passei por eles. Pensei<br />

em acariciá-los, mas não ousei sem Growl por perto. O que era meio<br />

divertido, considerando que não fazia muito tempo que eu o considerava<br />

a coisa mais perigosa da minha vida. E provavelmente ainda era. Fui<br />

para o meu lugar habitual no sofá e me assustei com a visão de seis<br />

livros ordenadamente empilhados em cima da mesa da sala. Eu não<br />

conhecia nenhum dos autores, mas era uma mistura de romances e<br />

thrillers. Abaixei-me para o sofá, atordoada pela consideração de Growl.<br />

Eu estava mais confusa do que nunca. Por que ele estava me tratando<br />

com respeito? Peguei o livro no topo e comecei a ler, tentando<br />

mergulhar em outro mundo e silenciar meus pensamentos.<br />

* * *<br />

Quando ele voltou à noite, ele trouxe pizza novamente e a colocou<br />

na mesa da sala ao lado dos meus novos livros. Meu rosto queimou de<br />

vergonha quando seu olhar finalmente se fixou em mim. Ele parecia<br />

completamente não afetado, porém, pelo meu óbvio constrangimento<br />

em relação ao nosso último encontro. — Obrigada pelos livros — eu<br />

disse.<br />

Ele acenou com a cabeça e se acomodou no sofá. Abriu a caixa de<br />

pizza e pegou um pedaço. O perfume picante passou por mim e me<br />

lembrou que eu não tinha comido desde a manhã. Growl tinha<br />

abastecido a cozinha com algumas coisas desde que eu tinha mudado.<br />

— Você descobriu algo mais sobre minha irmã? — Eu perguntei.<br />

Algumas vezes eu me pegava olhando para seus dedos longos e<br />

lembrava como era tê-los em meu corpo.<br />

Eu precisava parar com essa loucura. Concentre-se em outra<br />

coisa, eu disse a mim mesma, e finalmente eu resolvi olhar para sua<br />

cicatriz. Meus olhos traçaram a linha vermelha irritada ao redor de sua<br />

garganta. Era irregular como se tivessem usado uma faca dentada.<br />

Como alguém poderia sobreviver a algo assim? Parecia impossível. Eu<br />

não podia imaginar como deve ter sentido ter o sangue escorrer de você.<br />

~ 87 ~


Eu tremi. Havia tantos rumores sobre como tinha acontecido, e ainda<br />

mais sobre como ele tinha sobrevivido. Eu suspeitava que muitos deles<br />

eram o pilar sobre o qual a notória reputação de Growl tinha sido<br />

fundada. Por que ele estava vivo? Uma ferida assim, uma garganta<br />

cortada, quase sempre significava morte. Por que alguém como ele,<br />

alguém que não merecia viver, sobreviveu, enquanto outros morreram<br />

por menos? Parecia injusto e cruel. Talvez fosse estúpido da minha<br />

parte esperar que a vida fosse justa, dar a todos o que mereciam.<br />

Eu afastei meu olhar, receosa que ele notaria e ficasse irritado.<br />

Mas ele provavelmente estava acostumado a encaradas até agora. Onde<br />

quer que ele fosse, as pessoas observavam com temor e horror. Eu<br />

duvidava que ele gostava da atenção, tão diferente de seu chefe. Eu<br />

tinha visto o orgulho e o prazer no rosto de Falcone sempre que as<br />

pessoas fugiam de seu assassino mais temido.<br />

— Coma, — grunhiu Growl.<br />

Eu pulei e novamente meus olhos encontraram sua garganta.<br />

Esta foi a minha chance de obter respostas, descobrir se havia um<br />

pouco de verdade nos rumores que minhas amigas e eu tínhamos<br />

sussurrado umas para as outras em voz baixa. Minha chance de<br />

descobrir o homem na minha frente, e como influenciá-lo. No entanto,<br />

eu não tinha certeza se eu queria saber mais sobre ele. As pessoas<br />

temem o que não conhecem, essa era uma citação que eu sabia que era<br />

verdade, mas eu tinha um sentimento de que não saber era uma<br />

bênção quando se tratava do homem na minha frente. Com cada<br />

camada que eu descascava, mais horrores estariam expostos.<br />

— Pergunte ou pare de olhar — disse ele. Ele não parecia<br />

zangado.<br />

Eu brilhei. Eu queria perguntar e ao mesmo tempo não. Não<br />

quando ele quase me ordenou, mas minha curiosidade venceu. — O que<br />

aconteceu com você?<br />

Growl empurrou outro pedaço de pizza em sua boca e mastigou<br />

lentamente. Ele engoliu em seco, depois olhou para mim. — Alguém me<br />

queria morto, cortou minha garganta — ele respondeu, os olhos vazios.<br />

— Mas eu sobrevivi.<br />

Eu o encarei. Essa não foi uma resposta, pelo menos não uma<br />

que me permitiu descobrir mais sobre Growl. Era genérica e sem<br />

emoção, mas me mostrou algo. Que eu tinha encontrado um tópico que<br />

Growl estava desconfortável.<br />

~ 88 ~


Ele balançou a cabeça em direção à minha pizza intocada. — Ou<br />

você come ou eu vou dar para os cães.<br />

Eu estava com muita fome para dar a pizza para os cães e então<br />

comecei a comer.<br />

Depois, Growl saiu novamente para trabalhar, e eu decidi me<br />

esconder no meu quarto. Eu não queria arriscar algo como da última<br />

vez. Mas eu não conseguia me conter por muito tempo e olhei pela<br />

janela para o quintal. Growl estava coberto de suor quando ele<br />

empurrou dois gigantescos pesos sobre sua cabeça, o rosto retorcido<br />

com tensão.<br />

Deixei escapar um suspiro e rapidamente me deitei na cama. Se<br />

eu o observasse por um momento, eu só queria me tocar novamente.<br />

~ 89 ~


Capítulo doze<br />

GROWL<br />

Growl sabia que ela estava olhando para ele de seu quarto. Ele a<br />

vira pela janela. Isso estava consumindo seu controle. Não conseguia<br />

mais pensar em nada além de seu corpo.<br />

Growl voltou para a casa depois de uma hora de treino intenso,<br />

mas ele ainda não sentia que isso o tinha acalmado. Foi até o banheiro<br />

e pegou uma toalha para limpar o suor.<br />

Um som chamou sua atenção. Aproximou-se do quarto de Cara. O<br />

barulho estava vindo de dentro. Parecia que ela estava gemendo.<br />

Growl baixou a toalha lentamente, sua virilha apertando. Ele se<br />

aproximou e colocou sua orelha na porta. Mais uma vez, ouviu um<br />

gemido, baixo e prolongado. Rosnando fechou os olhos. Ela estava se<br />

tocando por causa dele. Ele não tinha dúvidas sobre isso.<br />

Porra. Podia sentir-se endurecendo com a mera ideia do que<br />

estava acontecendo atrás daquela porta fechada.<br />

Por que ele ainda estava parado aqui? Ele agarrou a maçaneta e<br />

abriu a porta. Ele se certificou de ser o mais silencioso possível. Ele não<br />

queria que ela o notasse imediatamente. Ele olhou para dentro, e não<br />

podia acreditar em seus olhos. Ela nem estava acordada. Seus olhos<br />

estavam fechados e sua respiração muito baixa. Ele entrou e viu uma<br />

de suas mãos mover-se entre suas pernas.<br />

Seus lábios estavam ligeiramente separados e outro gemido<br />

escorregou para fora. Growl deixou cair a toalha e aproximou-se da<br />

cama. Porra, ele não era um bom homem, e ela estava fazendo isso<br />

difícil para ele. Ele podia praticamente cheirar sua excitação, ou sua<br />

mente já estava começando a enganá-lo.<br />

Growl empoleirou na cama, com cuidado para não acordá-la. Mas<br />

ele não precisava se preocupar. Ela estava perdida em seu sonho. Ela se<br />

~ 90 ~


contorceu, então abriu as pernas sob o cobertor. Growl sufocou um<br />

gemido ao ver. Ele pegou a borda do cobertor e lentamente puxou até os<br />

joelhos. Ela estava usando uma camisola que tinha subido até seus<br />

quadris, deixando sua vagina nua para ele. Ele respirou fundo enquanto<br />

observava um de seus dedos delgados deslizar lentamente sobre seus<br />

lábios inferiores. Foi a primeira vez que ele viu sua vagina. Ela não<br />

estava bem barbeada como a puta que ele tinha no passado. Ela estava<br />

aparada, mas os cabelos castanhos macios cobriam sua montanha. Seu<br />

pau estava tão duro, Growl ficou surpreso por não ter explodido ainda.<br />

Talvez esta fosse a primeira vez que Growl viesse em suas calças. Ela<br />

choramingou novamente, necessitada, mas seu próprio toque não<br />

parecia levá-la mais longe. Growl podia dizer que seu toque não era<br />

praticado. Droga. Ele estava cansado de resistir quando era tão óbvio<br />

que ela o queria tanto quanto ele a queria.<br />

Ele se inclinou sobre ela, deixando que seu cheiro inundasse seu<br />

nariz. Ele deu uma longa lambida sobre seus lábios inchados, e seu<br />

gosto era tão doce, isso o deixou louco. Ela estremeceu e gemeu alto.<br />

Growl não aguentou mais. Afastou a mão dela e deslizou a língua entre<br />

os lábios. Ele lambeu seu buraco apertado e lentamente viajou até a<br />

pequena protuberância no topo. Ela gemeu e depois ficou tensa. Ela<br />

estava acordada, mas Growl estava decidido a não deixar que sua<br />

mente tirasse o melhor dela. Ele puxou o clitóris em sua boca, e sugou<br />

em um ritmo suave.<br />

Ela inalou bruscamente. A tensão em seu corpo permaneceu, mas<br />

ela não o afastou nem disse nada. Ela estava em conflito, ele podia<br />

dizer. Growl usou todas as suas habilidades para convencê-la. Ele<br />

deixou seu clitóris escorregar lentamente para fora de seus lábios e<br />

começou a desenhar círculos suaves antes de lamber seu caminho de<br />

volta para o seu canal estreito novamente.<br />

— Nós não podemos fazer isso, — ela disse trêmula, mas não<br />

havia quase nenhuma convicção em sua voz, e isso era tudo o que ele<br />

precisava. Ele a lambeu mais forte, mergulhou sua língua dentro dela,<br />

então sugou seu clitóris novamente. Ela gritou, e assim já gozou,<br />

inundando sua boca com sua doçura. Ele não parou. Esta tinha sido<br />

apenas a primeira batalha. Ele continuou lambendo, depois a fodeu<br />

com a língua novamente. Ele não lhe deu tempo para se recuperar. Ele<br />

deslizou um dedo nela. Ela estava tão molhada, que não foi encontrado<br />

quase nenhuma resistência.<br />

~ 91 ~


Seu pau estava quase cru de esfregar contra suas calças, mas ele<br />

precisava de mais tempo para ela. Ele precisava prepará-la para o que<br />

estava por vir. Dessa vez ele não iria parar.<br />

CARA<br />

Eu mal podia respirar. Meu corpo estava queimando, meu pulso<br />

acelerado. Tudo parecia tão incrivelmente intenso. Growl estava<br />

praticamente enterrado no meu colo, lambendo e beijando e chupando.<br />

Eu estava tão perto do meu segundo orgasmo. Sua mão serpenteou sob<br />

minha camisola até meu peito. Seus dedos fecharam em torno do meu<br />

mamilo e torceu, e assim outra onda caiu sobre mim, ainda mais difícil<br />

do que antes. O que estava acontecendo? Eu não conseguia entender<br />

um pensamento claro.<br />

Eu mal notei ele sair de suas roupas e só percebi o que iria<br />

acontecer quando ele se agachou sobre mim. Eu não estava pronta para<br />

isso, nunca estaria. Eu precisava detê-lo, precisava acabar com isso<br />

antes que fosse tarde demais.<br />

Ele subiu entre minhas pernas, separando-as. Seus olhos<br />

seguraram os meus. Eu não conseguia me mover, não podia dizer ou<br />

fazer nada. Eu temi esse momento desde quando Falcone me dera para<br />

Growl e agora estava acontecendo, mas tão diferente de como eu tinha<br />

imaginado.<br />

E então ele começou a empurrar, e eu me agarrei a ele com força,<br />

meus dedos escavando a pele cheia de tatuagens de seus braços. Ele<br />

estava me despedaçando. Ele não hesitou, não parou. Mas ele observou<br />

meu rosto. Deixando-me nua de tantas maneiras com seu olhar. Não<br />

era suficiente que eu estivesse deitada nua sob ele? Ele tinha que tirar<br />

as alas sobre a minha alma, ele tinha que me fazer sentir ainda mais<br />

vulnerável do que eu já tinha? Eu engasguei. Isso machucava. De<br />

muitas maneiras. Era assim que perder-se a si próprio parecia?<br />

Meu corpo rendeu, e ainda assim eu estava me despedaçando.<br />

Não fisicamente, embora eu desejasse que meu tumulto interior se<br />

manifestasse de forma física. A dor não era suficiente. Não esta dor, não<br />

quando se misturava com sugestões de prazer. Eu queria abaixar<br />

minhas pálpebras, queria esconder o mundo ao redor e o homem acima<br />

~ 92 ~


de mim, mas eu mantive meus olhos abertos, continuava olhando para<br />

aquele rosto impressionante do meu captor, meu dono, e agora amante.<br />

O ódio deveria estar na vanguarda da minha mente, mas não estava.<br />

Ainda estava lá, ainda forte, mas estava lutando com outras emoções.<br />

Emoções que eu não queria sentir. Compaixão e compreensão.<br />

Agradecimento por sua quase bondade e até mesmo sugestões de<br />

piedade.<br />

Com cada impulso, Growl parecia arrancar um pedaço de mim.<br />

Eu não estava apenas perdendo minha inocência, eu parecia estar<br />

perdendo partes de mim, do que me tinha feito.<br />

Então pare-o. Faça isso, enquanto ainda reste algo de você. Minhas<br />

unhas enterraram mais profundamente nos braços de Growl e ele<br />

grunhiu, os olhos brilhando de prazer. Ele estava gostando. E, por sua<br />

vez, meu próprio corpo zumbiu de prazer. Ele nunca desacelerou, nunca<br />

desviou os olhos de mim. Seu peito musculoso reluzia de suor. A dor<br />

deu lugar a algo mais quente, algo que emocionou meu corpo mais do<br />

que qualquer picada poderia. Eu levantei meus dedos até os ombros de<br />

Growl, arranhando, deixando um caminho vermelho no meu caminho, e<br />

saboreando nele, e nas gotas de sangue que pontilhavam o ponto onde<br />

eu me agarrei a ele.<br />

Growl começou a tremer e soltou um gemido antes de cair no<br />

colchão ao meu lado.<br />

Lâminas vermelhas em forma de meia-lua espalhavam sobre seus<br />

braços, prova do que tinha acontecido. Não prova de luta, de<br />

resistência, de briga. Não prova do que deveria ter sido. Eu não<br />

conseguia tirar consolo dessas marcas. Elas não eram sinais de minha<br />

falta de vontade, de uma luta corajosa contra a tomada de Growl de<br />

mim. Não, eu o deixei me conquistar, até mesmo o tinha saboreado. O<br />

que estava errado comigo? Como eu pude deixar isso acontecer?<br />

Eu só podia imaginar o que Trish e Anastasia diriam se me<br />

vissem agora. Eles ficariam chocados e revoltados, e eles falariam sobre<br />

isso por dias. Mas isso não importava, não mais.<br />

Mas Mãe e Talia sim. E elas me julgariam tão bem se soubessem.<br />

Como não poderiam? Como poderia alguém não me condenar por o que<br />

eu tinha permitido que Growl fizesse?<br />

Era assim que perder-se a si próprio parecia? — Essa pergunta<br />

ainda assombrava em torno do meu cérebro, mas agora uma outra<br />

pergunta tinha sido adicionada à mistura, uma pergunta que me<br />

assustava ainda mais. — Como você pode perder-se a si mesma se você<br />

~ 93 ~


nunca teve a chance de se encontrar? — Eu empurrei o pensamento<br />

para longe, banindo a miríade de pensamentos aglomerando-se no<br />

cérebro. Eu não poderia levá-los mais. Growl estava ofegante ao meu<br />

lado. Seu rosto parecia relaxado, em branco, mais do que nunca, como<br />

se através do ato carnal de sexo, ele conseguira se libertar, conseguisse<br />

banir qualquer demônio que o assombrasse.<br />

Esta não seria a última vez. E eu não fiquei horrorizada com a<br />

ideia. Apesar do estado dolorido e até da dor que latejava entre minhas<br />

pernas, eu queria de novo. Eu admiti para mim mesma esse momento<br />

de realização. O dano já foi feito. Eu não tinha mais nada a perder.<br />

Growl sentou-se e balançou as pernas sobre a borda da cama. Eu<br />

me empurrei em uma posição sentada também. Ele já estava saindo<br />

depois do que acabamos de fazer?<br />

Growl olhou para mim por cima do ombro, e agora seu olhar em<br />

minha pele nua não fazia meu corpo zumbir de prazer e triunfo. Eu<br />

segurei os cobertores sobre meu peito, agarrando-se ao tecido rápido<br />

como eu tinha agarrado os braços fortes de Growl poucos minutos<br />

antes. Eu não dei voz às minhas perguntas, não queria soar<br />

desesperada e necessitada, especialmente quando ele era a última<br />

pessoa que eu deveria precisar. Por um momento nós dois parecíamos<br />

estar congelados, mas então eu desviei meus olhos sob o poder da<br />

minha própria vergonha e Growl levantou-se. Do canto do olho, eu o vi<br />

reunir suas roupas do chão, mas ele não se incomodou em se vestir. Em<br />

vez disso, ele saiu e começou a fechar a porta, mas parou.<br />

— Há algo para a dor no banheiro. — Ele parou e eu esperei por<br />

ele dizer algo mais, mas então ele apenas fechou a porta. Esperei que<br />

seus passos desaparecessem antes de me libertar dos cobertores e<br />

rapidamente saí da cama. Eu não podia suportar estar nela agora.<br />

Estava úmido com nosso suor, e cheirava a sexo. Olhei para o branco<br />

dos lençóis. Ao ver o pequeno ponto rosa, soltei um suspiro trêmulo. A<br />

traição veio em tantas maneiras e formas. Às vezes era um ato<br />

proposital, e às vezes era algo que você deixava acontecer.<br />

~ 94 ~


GROWL<br />

Ele tomou vários goles longos de água gelada. Até agora seu corpo<br />

parecia ferver de luxúria. Seu orgasmo não tinha diminuído nem um<br />

pouco seu desejo por Cara. Não porque o sexo não tinha sido<br />

satisfatório, embora isso fosse verdade também. Ele tinha tido orgasmos<br />

mais fortes, tinha tido sexo melhor, mas o que tinha acontecido entre<br />

ele e Cara tinha sido a coisa mais intensa que ele já tinha<br />

experimentado. Não fazia sentido.<br />

Ela não era alguém que pudesse saciar sua fome, e ela não era<br />

alguém que ele normalmente escolhia para seu desejo, e mesmo assim<br />

neste segundo de merda ele não podia imaginar estar com outra<br />

mulher. Ele queria Cara, queria ver se conseguiria tirá-la de sua<br />

concha, torná-la mais adiante e exigente. Ele queria liberta-la de sua<br />

fome. Ela tentou esconder isso, mas naquela noite ele tinha visto e ele<br />

queria mais.<br />

Antes de Cara, ele estava satisfeito com o que tinha, com as<br />

cartas que recebera, mas ela o fez querer mais e isso não era<br />

exatamente seguro em seu mundo.<br />

O que ela estava fazendo com ele?<br />

A porta de Cara se abriu e fechou. Silenciosamente. Ela não<br />

queria que ele ouvisse tantas vezes quando ela se arrastou pela casa.<br />

Mas se sua vida lhe tivesse ensinado alguma coisa, era vigilância. Não<br />

havia um som que passasse por sua audição. Seus passos eram<br />

cuidadosos e depois pararam e outra porta se abriu e fechou. Growl<br />

tomou outro gole de água e estava prestes a colocá-lo de volta na<br />

geladeira e ir para a cama, mas então o chuveiro saltou para a vida. Ela<br />

estava tomando banho. Ele nunca tomou banho logo após o sexo. Ele<br />

gostava do cheiro dele, e da sensação pegajosa. Ele gostava de ser<br />

lembrado do que ele tinha feito. Mas as mulheres sempre gostam de<br />

coisas limpas, pelo menos mulheres como Cara. As putas com as quais<br />

ele normalmente lidava, também tomavam banho, é claro, mas isso era<br />

por razões práticas. Elas não podiam sair andando fedendo sexo de seu<br />

último cliente quando seu próximo aparecesse.<br />

Growl ficou tenso. Outro ruído perturbou o movimento monótono<br />

de água. Soluços. Afastou-se do balcão da cozinha e entrou no corredor<br />

e parou em frente à porta do banheiro. O soluço era um som baixo,<br />

destinado a ser afogado pelo chuveiro. Não era para ele. Cara estava<br />

chorando.<br />

~ 95 ~


Growl estendeu a mão para a maçaneta da porta, seus dedos<br />

apertando o metal frio até que seus ossos doeram da pressão. Ele soltou<br />

e deu um passo atrás. Por que ela estava chorando?<br />

A raiva surgiu através dele, queimando mais quente do que sua<br />

luxúria. Ele girou sobre o calcanhar e se afastou do som de suas<br />

lágrimas e não parou até que ele estava lá fora na varanda. Ambos os<br />

cães o seguiram e agora o observavam com olhos curiosos.<br />

Growl enrolou as mãos nos punhos e olhou para o céu noturno.<br />

Ele nunca encontrara a visão calmante ou mesmo inspiradora. Para<br />

Growl sempre tinha sido muito vasto, muito incerto. Algo que ele não<br />

podia controlar ou compreender, nem mesmo começar.<br />

Cara, ela, também, era como o céu noturno. Tão linda, não havia<br />

dúvida sobre isso.<br />

Ele podia controlá-la, pelo menos fisicamente, mas o que se<br />

passava por trás daquele rosto perfeito, era que estava completamente<br />

fora de seu alcance. Seu cérebro funcionava de maneiras que ele nunca<br />

seria capaz de entender. Ele gostava de coisas simples. Descomplicadas.<br />

Ela era qualquer coisa menos isso. Compreendendo-a, isso que ele<br />

nunca faria.<br />

Seus olhos encontraram a porta. Se ele entrasse agora, ela ainda<br />

estaria chorando?<br />

— Porra — ele rosnou e chutou o chão. Ambos Coco e Bandit<br />

saltaram para trás e o observaram cautelosamente. Raiva era algo que<br />

ele estava familiarizado, algo que ele mesmo achava consolador. Mas<br />

hoje à noite isso não o fazia se sentir melhor. Ele estava com raiva dela,<br />

mas ele não podia soltar sua fúria sobre ela. Não, ele podia, mas ele não<br />

queria. E isso piorava as coisas.<br />

Ela se divertiu sozinha. Ele a vira se divertir. Seu corpo tinha<br />

respondido a ele. Ela gemeu, entregou-se ao prazer. E agora ela estava<br />

chorando.<br />

Ele também estava bravo com ele. Ele não deveria dar uma merda<br />

sobre seus sentimentos. Ele tinha ouvido as pessoas chorando antes,<br />

ouvido eles implorando e gritando de terror. O que era uma mulher<br />

chorando? Nada. Mas isso não diminuiu sua raiva. Ele chutou o chão<br />

novamente. Coco se escondeu atrás das cadeiras e Bandit se afastou<br />

ainda mais longe dele.<br />

~ 96 ~


Ele ficou de joelhos e fez um barulho reconfortante. Seus<br />

cachorros nunca tiveram medo dele. Depois de um momento de<br />

hesitação, primeiro Coco e, em seguida, Bandit aproximaram-se dele e<br />

apertaram-lhe o corpo. Ele os acariciou por um longo tempo e,<br />

finalmente, parte do fogo debaixo de sua pele desapareceu. É por isso<br />

que ele preferia a companhia de cães. Eles não eram complicados. Eles<br />

mostravam o que eles estavam sentindo.<br />

Ele se levantou e voltou para a casa. Ele não permitiria que nada<br />

ou alguém o expulsasse de sua própria casa. Coco e Bandit o seguiram<br />

de perto. Growl fechou a porta do terraço e depois ouviu. O chuveiro<br />

não estava mais ligado. Ele esperou mais um momento, mas ficou em<br />

silêncio. Nenhum soluço, nada. Coco saiu de seu lado e trotou em<br />

direção à porta de Cara, cheirando antes de se sentar. Growl suspirou.<br />

Especialmente Coco tinha se afeiçoado a Cara, mas mesmo Bandit, que<br />

nunca gostou de ninguém, parecia gostar da presença da mulher.<br />

Growl seguiu em direção a Coco e escutou ainda mais de perto,<br />

mas o silêncio reinava atrás da porta. Ele agarrou a maçaneta, e antes<br />

que ele pudesse parar, empurrou para baixo e abriu a porta. Seus olhos<br />

encontraram a cama onde Cara estava encolhida, suas pernas<br />

apertadas contra seu peito. Seu rosto estava afastado dele, e se ele fosse<br />

honesto consigo mesmo, ele estava agradecido por esse fato. Ele não<br />

queria ver seu rosto molhado com lágrimas. Sua respiração era<br />

uniforme, e ela não tinha ficado tensa quando a luz se acendeu. Ela<br />

estava realmente dormindo.<br />

Isso não o fez se sentir melhor. Ele não devia ter sentido nada à<br />

vista.<br />

~ 97 ~


Capítulo treze<br />

CARA<br />

Eu considerei ficar no meu quarto, mas então eu decidi que seria<br />

estúpido fazer isso. Eu me odiava pelo que acontecera na noite passada,<br />

mas talvez eu pudesse usar isso para minha vantagem. Eu queria ficar<br />

no lado bom do Growl, então ele iria ajudar a mim e a minha família.<br />

Dormir com ele talvez fosse o primeiro passo na direção certa, por mais<br />

louco que isso fosse.<br />

Quando entrei na cozinha, Growl não estava lá, mas a porta do<br />

pátio estava aberta. Eu saí para encontrar Growl sentado em uma das<br />

cadeiras olhando para o céu. Seus olhos se voltaram para mim, e<br />

minhas bochechas se aqueceram, mas eu lhe devolvi o olhar.<br />

Havia um piscar de surpresa em seu rosto quando me aproximei<br />

dele. Eu me afundei na cadeira em frente a ele, estremecendo<br />

ligeiramente.<br />

— Você está bem? — Ele resmungou, as sobrancelhas juntas.<br />

Eu balancei a cabeça. — Estou bem, — eu disse. Eu não queria<br />

discutir minha dor com Growl.<br />

— Há café para você lá dentro — disse Growl. Então ele se<br />

levantou e eu pensei que ele queria me evitar, mas ele voltou alguns<br />

minutos depois com uma xícara de café. Ele colocou muito leite no café,<br />

mas eu estava feliz por sua consideração. Eu tomei um gole, então fiz<br />

uma pergunta que estava me incomodando por um tempo.<br />

— Qual é o seu verdadeiro nome? Growl foi o nome dado a você<br />

depois dessa coisa com suas cordas vocais.<br />

— Foi? — perguntou ele calmamente.<br />

Eu fiz uma careta. De repente insegura, mas ninguém se chamava<br />

Growl ao nascer. — Sim, por causa de como sua voz soa.<br />

~ 98 ~


— Growl, — ele repetiu e ouvi-lo dizer o nome, se encaixou ainda<br />

melhor.<br />

— Qual era o seu nome verdadeiro?<br />

— O que isso importa?<br />

— Eu só quero saber, — eu disse calmamente.<br />

Ele olhou para fora novamente, como se estivesse perdido no<br />

passado. — Eu tenho sido chamado de Growl por um longo tempo. Esse<br />

outro nome, não importa mais.<br />

você.<br />

— Por que você diz isso? É o nome que sua mãe escolheu para<br />

— Mas o menino que recebeu esse nome não existe mais. Ele foi<br />

apagado para sempre.<br />

— Então você não se importa que as pessoas te chamem de<br />

Growl? Não é frustrante ser reduzido a essa pequena parte de você?<br />

— Growl é um nome que assusta as pessoas. É o nome que me<br />

encaixa agora. É um nome que tem poder e significado porque eu<br />

trabalhei duro.<br />

— Mas seu antigo nome não é melhor do que um nome que<br />

lembra todos os dias do que aconteceu com você? — Eu queria<br />

perguntar a ele sobre os eventos, mas ele já estava tenso e eu tinha a<br />

sensação de que ele não estaria aberto a dar mais informações se eu<br />

perguntasse a ele agora.<br />

— Eu não preciso de um lembrete. Eu nunca vou esquecer. Está<br />

aqui — ele apontou para a cicatriz em sua garganta, — E aqui —<br />

acrescentou, apontando para sua testa.<br />

Só conseguia imaginar que tipo de imagens o assombravam à<br />

noite. Talvez por isso ele pudesse lidar com suas próprias ações com<br />

tanta facilidade, porque os horrores de seu passado ocultavam qualquer<br />

outra coisa.<br />

* * *<br />

Ele parecia ansioso quando voltou naquela noite. Eu baixei o meu<br />

livro. Era o terceiro que eu tinha terminado até agora. Growl<br />

~ 99 ~


imediatamente se juntou a mim na sala de estar, mas ele não se sentou<br />

e ficou na porta em vez disso. Sempre cauteloso para não chegar muito<br />

perto, exceto quando éramos íntimos.<br />

— Tenho notícias — disse ele calmamente. — Falcone tomou<br />

algumas bebidas hoje e isso sempre o faz falar. Ele me contou mais<br />

sobre sua irmã. Ela está escondida em uma das propriedades dele.<br />

— Ele não disse onde? E por que ele a está escondendo? O que ele<br />

quer com ela? E se eles a estão machucando? — Eu apertei meus<br />

joelhos, a mera ideia da minha irmã estar machucada de alguma forma<br />

me rasgou.<br />

Growl se aproximou, obviamente incomodado com a minha<br />

aflição. — Eu duvido muito. Sua irmã é muito valiosa como alavanca<br />

para machucá-la. Isso não quer dizer que Falcone não vai fazer isso se<br />

ele ver isso como benéfico para seu objetivo.<br />

— Eu não entendo. Que objetivos? O que isso significa?<br />

— Falcone precisa controlar a sua mãe. E ele a está ameaçando<br />

com o que ela fez com Talia. Dê a ela alguém que a machucaria. Sua<br />

mãe não está em um bom estado mental agora. Aparentemente ela se<br />

sente culpada por causa do que aconteceu com você e faria qualquer<br />

coisa para proteger pelo menos sua irmã quando ela não pode te<br />

proteger.<br />

— Não é culpa dela.<br />

Growl sorriu de forma torcida. Talvez porque falássemos dele<br />

como se ele fosse uma maldição, mas para ser honesta, foi exatamente<br />

por isso que Falcone me deu a ele, porque todo mundo temia Growl.<br />

— O que eu não entendo é como minha mãe poderia ser útil a<br />

Falcone de qualquer maneira. Ela nunca esteve envolvida nos negócios<br />

do pai. Ela sempre foi apenas uma dona de casa. A única coisa que ela<br />

sabe é como organizar um jantar e onde comprar os melhores sapatos.<br />

Eu me encolhi com o quão horrível isso parecia, mas era a<br />

verdade. Eu não podia ver como Falcone poderia usar qualquer uma<br />

dessas coisas.<br />

— Sua mãe não precisa saber nada sobre negócios. Seu sangue é<br />

o que importa.<br />

Eu congelo. — O que você quer dizer?<br />

~ 100 ~


Growl procurou meu rosto como se ele não pudesse acreditar que<br />

eu não soubesse. — Sua mãe não é de Las Vegas. Ela nasceu em Nova<br />

York, mas fugiu com seu pai.<br />

Eu suspeitava que a mãe tivesse fugido com o pai. Ela sugeriu<br />

algo assim. Mas em Nova York? Pensei nas poucas vezes em que<br />

conversei sobre Nova York com minha mãe. Ela sempre evitava o<br />

assunto. Eu nunca tinha pensado muito, mas tudo fazia sentido agora.<br />

No entanto, ainda não explicava por que isso a tornava um trunfo para<br />

Falcone.<br />

Olhei para Growl, mais confusa do que nunca.<br />

— Sabe quem é Salvatore Vitiello? — perguntou ele, pousando no<br />

apoio de braço do sofá. A coisa rangeu sob seu peso.<br />

Salvatore Vitiello? Todo mundo conhecia aquele homem. Mesmo<br />

as pessoas que não tinham nada a ver com a máfia, sabiam quem ele<br />

era. Sua morte tinha estado em todos os jornais. — Claro. Ele era o<br />

chefe da Família de Nova York. Mas ele está morto agora.<br />

Growl assentiu. — Ele está. E sua mãe é a irmã dele.<br />

Meus olhos se arregalaram de surpresa. — Minha mãe está ligada<br />

ao chefe da Família de Nova York?<br />

— Está. Suponho que ela e seu irmão nunca se deram muito bem,<br />

essa foi outra razão pela qual ela deixou Nova York.<br />

— Ok, mas por que Falcone se importaria se minha mãe fosse<br />

parente de Salvatore Vitiello?<br />

— Porque isso significa que ela é a tia do atual chefe da Família, e<br />

isso a torna a pessoa perfeita para fazer contato com eles.<br />

— Eu pensei que Las Vegas não queria nada com Nova York. Eles<br />

se odeiam. Foi o que meu pai sempre disse.<br />

— Isso é verdade — concordou Growl. — Falcone quer a Família<br />

morta, e a Chicago Outfit também. Mas seu poder está diminuindo. Os<br />

russos ficaram muito fortes em Las Vegas. E agora que Chicago e Nova<br />

York estão trabalhando juntos, Falcone teme que os russos perderão o<br />

interesse nessas cidades e vão concentrar toda a sua energia em<br />

assumir o controle sobre Las Vegas. Se Falcone quiser manter sua<br />

cidade, ele precisa do apoio das outras famílias. E isso não será fácil.<br />

Ele fez muitos inimigos ao longo dos anos.<br />

~ 101 ~


Eu bufei. — Eu não estou surpresa. Ele é um bastardo sádico, e<br />

nunca se importava em trabalhar com ninguém. Por que os Vitiellos<br />

deveriam considerar ajudar a Camorra?<br />

— Por causa de sua mãe. Ao que parece, Luca Vitiello é muito<br />

voltado a família. Ou pelo menos desde que se casou com Aria. Se sua<br />

mãe, como sua tia, entrar em contato com ele e pedir ajuda, as chances<br />

de Falcone são muito melhores do que sem ela.<br />

— Por que Falcone não pediu a minha mãe antes? Porque agora?<br />

— Falcone tem tentado resolver as coisas por conta própria, como<br />

sempre fez, mas agora que até seu pai o traiu com a ajuda da Bravta,<br />

até mesmo Falcone percebeu que precisa fazer alguma coisa logo ou Las<br />

Vegas está perdida.<br />

— Eu digo que os Bratva tomem a cidade. Eles não podem ser<br />

pior do que os Falcone. A cidade ficará melhor sem o bastardo.<br />

— Talvez — disse Growl encolhendo os ombros. — Mas essa é a<br />

sua resposta. E enquanto Falcone espera o apoio de Nova York e<br />

enquanto sua mãe fizer como ele diz, sua irmã e ela estarão seguras.<br />

— Mas e se Nova York se recusasse a ajudar Falcone?<br />

— Então Falcone provavelmente ameaçará matar sua mãe e sua<br />

irmã. Isso poderia fazer Luca Vitiello mudar de ideia. Embora eu duvide<br />

que arrisque Nova York por uma tia que ele não conhecia, apenas<br />

porque Falcone ameaça matá-la. Luca tem quase tanto sangue em suas<br />

mãos como eu. Ele pode tomar decisões difíceis.<br />

— Mas se isso acontecer, minha mãe e minha irmã morrerão!<br />

— É uma possibilidade.<br />

— E mesmo se Luca concordar em ajudar, Falcone manterá<br />

minha mãe como prisioneira e minha irmã como alavanca. Elas não<br />

estarão melhor do que eu.<br />

O rosto de Growl apertou, mas ele concordou com a cabeça. — A<br />

única chance delas é escapar de Las Vegas. Se elas forem para Nova<br />

York, Luca provavelmente aceitar em protegê-las. A esposa dele vai<br />

certamente convencê-lo.<br />

Nova York. Essa era a solução para tudo.<br />

— Quando posso ver minha mãe? Quero falar com ela para ter<br />

certeza de que ela está bem.<br />

~ 102 ~


Growl ergueu as sobrancelhas. — Você acha que eu menti para<br />

você? Ela está bem, considerando tudo, acredite em mim.<br />

— Sim, — eu disse. — Mas eu preciso vê-la. Por favor.<br />

Growl suspirou. — Não é tão fácil. Falcone mantém um olhar<br />

atento sobre ela. Ele não ficará feliz com isso.<br />

— Tem que haver um jeito, — eu disse implorando.<br />

Growl suspirou. — Eu nem mesmo sei por que eu estou dizendo<br />

tudo isso. Isso poderia ser traição. Estou trabalhando para Falcone.<br />

— Ou talvez ele achou que você me diria e ele espera que isso me<br />

faça ficar fácil de ser controlada. Ele não pode acreditar que você não<br />

mencionará nada a mim, — eu disse. Ele parecia duvidoso. Ele estava<br />

escorregando novamente. Eu não sabia como ligá-lo a mim. A única vez<br />

que baixou a guarda foi quando tínhamos feito sexo.<br />

Eu me aproximei um pouco mais perto dele, mas eu nunca tive<br />

que usar meu corpo para conseguir o que eu queria. Eu poderia dizer<br />

que Growl não tinha parado de admirar meu corpo desde o momento<br />

em que ele entrou. Ele ainda me queria, então na noite passada não<br />

tinha sido suficiente. Se eu soubesse como seduzi-lo. Eu não tinha<br />

certeza do que fazer. Meu corpo definitivamente já estava imaginando<br />

como seria sentir seu toque novamente. Eu tentei não deixar os<br />

pensamentos do que era certo ou errado arruinar isso para mim. Mas<br />

sempre me ensinaram a agir como uma moça. Seduzir alguém não era<br />

algo que minha mãe teria tolerado. Eu vacilei, meus olhos rastreando os<br />

músculos de Growl visíveis através de sua camiseta fina e suas coxas<br />

fortes. Minha barriga encheu de calor pela visão. Eu já tinha dormido<br />

com ele. Isso era fácil agora, eu tentei me dizer.<br />

Growl deve ter visto algo na minha expressão, porque ele soltou<br />

um gemido baixo e me puxou para ele, alegando a minha boca para um<br />

beijo. Quando ele se afastou, ele murmurou: — Você sabe o que está<br />

fazendo?<br />

~ 103 ~


Capítulo catorze<br />

CARA<br />

Eu sabia que estava fazendo? Deus, não, eu não sabia. A única<br />

coisa de que eu tinha certeza era o que meu corpo o queria, o desejava<br />

desde o primeiro momento em que nos vimos, e agora eu podia<br />

justificar meu desejo com outra coisa. Ele era minha única chance de<br />

conseguir o que eu queria e se isso exigisse usar meu corpo para obtêlo,<br />

eu estava disposta a fazê-lo. Ele me beijou novamente, mais forte<br />

desta vez e começou a rasgar a minha camisa. Eu queria protestar, mas<br />

antes que eu pudesse, ele já tinha rasgado, me deixando só de sutiã. E<br />

então isso também se foi e ele chupou meu mamilo em sua boca. Eu<br />

gritei de surpresa e luxúria, e mal tive tempo de recuperar o fôlego<br />

quando Growl cambaleou em seus pés. Fiquei confusa. Ele estava indo<br />

embora? Eu tinha feito algo errado? Eu pensei que ele me queria mais<br />

do que eu o queria.<br />

Olhei para ele, sentindo uma vergonha tomar conta de mim, mas<br />

então eu o vi tateando seu cinto e empurrando suas calças para baixo.<br />

Seu pênis saltou pra fora, já grande e brilhando na ponta. Um calor se<br />

espalhou entre minhas pernas só de olhar, apesar da dor que eu ainda<br />

estava sentindo.<br />

Com seu pênis de pé, em alerta, ele se aproximou. Estava no nível<br />

dos meus olhos e eu finalmente tive uma ideia do que ele tinha em<br />

mente. Os nervos vibravam em meu estômago. Eu não tinha certeza se<br />

eu poderia fazer isso, e se eu gostaria. Growl não me deu muito tempo<br />

para ter dúvidas. Ele parou bem na minha frente, seu pênis apenas<br />

alguns centímetros do meu rosto. Ele cheirava limpo e parte de mim me<br />

perguntava como ele gostaria. Growl tinha aparentemente apreciado o<br />

que ele tinha feito para mim ontem, especialmente o meu gosto. Olhei<br />

para ele novamente.<br />

Sua mão raspou meu cabelo e veio descansar na parte de trás da<br />

minha cabeça. Ele me empurrou para a frente levemente até que meus<br />

lábios roçaram a ponta. Isso era errado, não era? Growl não via nada<br />

~ 104 ~


em mim senão uma coisa para lhe dar prazer. Por um instante meus<br />

instintos me disseram para travar a mandíbula, mas então deixei que<br />

ele deslizasse em minha boca. Ele era um pouco salgado, mas não de<br />

forma ruim.<br />

A luxúria brilhava em seus olhos.<br />

Meu próprio corpo corou de alegria, e uma nova onda de calor se<br />

acumulou entre minhas pernas. Eu não deveria querer, não deveria<br />

gostar disso. Isso estava errado em tantos níveis, mas quando os<br />

movimentos de Growl se tornaram mais duros, quando seu<br />

comprimento deslizou dentro e fora da minha boca mais rápido, minhas<br />

mãos agarraram sua bunda aparentemente por sua própria vontade.<br />

Seus músculos se dobraram sob meus dedos, duros e implacáveis.<br />

Seus empurrões se tornaram espasmódicos e então ele me soltou<br />

com um gemido baixo. Eu tive dificuldade em engolir em torno dele,<br />

mas ele não parou de empurrar em mim. Ele diminuiu gradualmente,<br />

ainda tremendo. Seus olhos encontraram os meus e eu tremi. Eu tentei<br />

puxar para trás, mas suas mãos me mantiveram no lugar. Depois de<br />

um momento, ele deslizou seu comprimento para fora da minha boca<br />

centímetro por centímetro. Ainda estava duro, mas menos do que antes.<br />

Ele deu um passo para trás e meu rosto tornou-se insuportavelmente<br />

quente quando a vergonha tomou conta de mim pelo o que ele tinha me<br />

feito fazer, no que eu tinha feito, e tinha até gostado de fazer. Deus. Se<br />

minha mãe soubesse. Se alguém soubesse. Eu sabia o que Trish e<br />

Anastasia diriam sobre mim. Elas me chamam de uma puta suja.<br />

Minhas emoções conflituosas me fizeram sentir como se tivesse uma<br />

dupla personalidade.<br />

De repente o gosto dele me fez sentir suja. Eu mal conseguia<br />

parar de cuspir no chão. Mãos ásperas puxaram-me para os meus pés e<br />

enrubesci contra seu corpo. Antes que eu tivesse uma chance de reagir,<br />

ele enfiou a língua na minha boca, provando-me, saboreando a si<br />

mesmo.<br />

Meus joelhos ficaram fracos enquanto ele explorava minha boca.<br />

Ele não se importava em sentir seu próprio gosto? Pensei que os homens<br />

achavam isso nojento. Ele sugou meu lábio inferior em sua boca, então<br />

o soltou com um estalo. — Sua boca fica com um gosto perfeito com a<br />

minha porra nela, — ele rosnou.<br />

O constrangimento me invadiu de novo, mas Growl não teve<br />

misericórdia. Ele enfiou um dedo em mim e eu engasguei primeiro de<br />

desconforto do que algo mais, algo incrível. Ele enrolou seus dedos<br />

~ 105 ~


profundamente em mim e eu podia sentir as minhas terminações<br />

nervosas, que eu nunca tinha sentido antes. Growl começou a deslizar<br />

os dedos para dentro e para fora lentamente, e eu fiquei envergonhada<br />

com o quão fácil era, já que eu estava molhada, quente e ansiosa. Darlhe<br />

prazer tinha me excitado. Era mesmo normal que isso acontecesse<br />

com algo tão sujo? Minha testa caiu contra seu peito forte. Eu não<br />

poderia me segurar mais, não poderia mesmo ficar em minhas próprias<br />

pernas. As sensações me seguraram em sua fortaleza. O polegar de<br />

Growl passou por cima do nó dos meus nervos, novamente na<br />

eminência de ser quase doloroso. Todo o meu corpo reverberava de<br />

desejo.<br />

Um grito se assentou na ponta de minha língua, mas eu a mordi,<br />

apertei meus lábios contra o tecido áspero da camisa de Growl. Eu<br />

podia controlar os sons que eu fazia, mas meu corpo tremia com a onda<br />

de sensações quebrando sobre ele. Tudo estava em silêncio, exceto para<br />

Growl e minha respiração rápida. Engoli em seco, tentando entender o<br />

que tinha acontecido. Mas, novamente, Growl não me deu tempo para<br />

refletir. Ele me soltou e quase perdi o equilíbrio.<br />

— Vou pedir pizza. O que você quer? — sua pergunta me pegou de<br />

surpresa enquanto ele já agarrava o telefone.<br />

Eu senti como se alguém tivesse me jogado um balde de água fria.<br />

Agora que o prazer estava desaparecendo, a culpa, a vergonha e a<br />

solidão erguiam suas cabeças novamente. Os breves momentos de<br />

paixão me fizeram esquecer o tipo de arranjo que era, que tipo de<br />

homem era Growl. Eu não era nada mais do que sua puta, mais barata<br />

do que as que ele usava nas casas de prostituição de Falcone e, ao<br />

contrário delas, eu nem sequer fingira gostar do que ele estava fazendo.<br />

Pare com isso. Você está fazendo o que é necessário, eu me lembrei.<br />

Eu caí de volta no sofá. Minhas pernas tremiam e me senti<br />

esgotada, emocional e fisicamente. Eu precisava tomar uma decisão. Ou<br />

eu passaria por isso e tentaria fazer Growl confiar em mim dessa<br />

maneira, ou eu teria que descobrir um jeito de sair dessa situação sem<br />

ele. Eu precisava dele.<br />

— Cara? — Growl repetiu. Ouvir meu nome de sua boca sempre<br />

enviava um arrepio nas minhas costas. Essa voz, tão profunda e áspera.<br />

— O que devo pedir para você?<br />

Eu dei de ombros. Eu não me importava. Pizza era a última coisa<br />

em minha mente agora. Era óbvio que Growl gostava de estar comigo<br />

fisicamente, mas num nível emocional, eu não estava chegando a lugar<br />

~ 106 ~


nenhum. Ele sempre se retirava depois do sexo. Como se ele não<br />

pudesse suportar a proximidade física após o ato real. Eu não tinha<br />

certeza de como mudar isso. O pior era que eu realmente queria estar<br />

perto dele. A proximidade física do sexo me fazia ansiar por mais<br />

proximidade depois.<br />

Growl suspirou. — Vou pegar de atum, — disse ele. — Você<br />

precisa comer o suficiente ou você vai ficar doente.<br />

Pelo menos ele estava preocupado com o meu bem-estar físico de<br />

certa forma. Embora ele provavelmente só estava cuidando do que era<br />

seu. — Eu não acho que a comida será a razão pela qual eu vou ficar<br />

doente, — eu murmurei.<br />

Growl não disse nada, mas pensei que talvez tivesse percebido a<br />

dica. Era difícil dizer, pois seus olhos estavam sempre vazios ou<br />

desconfiados, e sua expressão era a mesma. Ele pegou seu telefone e<br />

pediu duas pizzas, ainda completamente nu. Eu não conseguia parar de<br />

admirar sua bunda musculosa. Quando ele se virou, eu pude ler o que<br />

estava escrito sobre seu peito pela primeira vez. Até agora eu sempre<br />

estive muito ocupada com outras coisas. As enormes letras negras<br />

diziam: — Vou banhar-me no sangue de meus inimigos e banhar-me-ei<br />

do seu medo também.<br />

Palavras marciais que cruzavam o peito largo inteiro de Growl. Por<br />

que as tinha escolhido? Para se lembrar de quem ele era? Talvez tivesse<br />

algo a ver com a forma como ele tinha conseguido sua cicatriz, mas eu<br />

ainda não tinha certeza de como entrar no assunto sem fazê-lo se<br />

fechar completamente. Era óbvio que ele não gostava de falar sobre o<br />

assunto ou das pessoas que sabiam dos fatos. Growl agarrou suas<br />

calças do chão e as colocou. Minha própria camisa estava rasgada e eu<br />

não estava realmente com vontade de vestir minhas calças justas. —<br />

Você tem uma camisa para mim?<br />

Por um momento Growl pareceu atordoado pelo pedido, mas<br />

então ele foi para seu quarto e voltou com uma camiseta preta. Ele me<br />

ofereceu com uma expressão quase hesitante. Fiquei de pé e puxei a<br />

camisa dele, então passei sobre a minha cabeça. Chegou aos meus<br />

joelhos, mas era muito confortável. Eu podia sentir os olhos de Growl<br />

em mim o tempo todo. Se eu não estivesse enganada, havia nostalgia<br />

em seu rosto. Por quê? O que ele estava pensando?<br />

Sua expressão ficou em branco. Escondi um suspiro e me afundei<br />

no sofá. Growl sentou-se ao meu lado. Perto o suficiente para que eu<br />

~ 107 ~


pudesse sentir seu cheiro almiscarado misturado com sexo, mas sem<br />

me tocar.<br />

— Por que você não compra móveis de cozinha para que<br />

possamos comer lá? — Eu perguntei quando ficou claro que ele não se<br />

importava em ficar sentado em silêncio absoluto. Sua cabeça tinha que<br />

ser um lugar incrivelmente excitante considerando quanto tempo ele<br />

passava lá.<br />

— Eu nunca precisei. Eu não como nada no café da manhã e eu<br />

posso beber café em pé. E podemos sentar na sala de estar, — Growl<br />

disse, apontando para a mesa na nossa frente.<br />

— Eu sei, mas seria mais aconchegante sentar na cozinha do que<br />

na frente de uma TV com uma mesa que mal chega aos joelhos.<br />

Growl encolheu os ombros. — Não preciso de muito.<br />

Isso era verdade.<br />

— Você nunca tem convidados?<br />

— Não tenho convidados.<br />

— E quanto a família? — Eu estava pisando terreno arriscado,<br />

mas era hora de descobrir mais sobre o homem que controlava meu<br />

corpo de uma maneira assustadora.<br />

— Eu não tenho uma família.<br />

Suas palavras me lembraram que minha própria família estava<br />

em risco. Eu não poderia imaginar estar sem família. O mero<br />

pensamento apertava meu peito. Eu faria qualquer coisa para salvar a<br />

família que eu tinha deixado. Me movi um pouco mais perto de Growl e<br />

pressionei minha mão contra seu peito.<br />

Growl olhou para mim, depois para minha mão. Ele parecia não<br />

saber como reagir. Eu podia ver que ele estava desconfortável, mas ele<br />

não me empurrou para longe.<br />

— Você nunca teve uma família? — Eu perguntei para me distrair<br />

da minha preocupação sobre minha própria família, e a maneira que<br />

meu corpo estava saltando para à vida apenas por tocar o peito de<br />

Growl.<br />

Meus dedos localizaram as muitas cicatrizes em seu peito, sempre<br />

encontrando novos caminhos em seu corpo. Rastrear seus músculos e<br />

cicatrizes era uma boa maneira de acalmar minha mente nervosa.<br />

~ 108 ~


Enquanto meus dedos permaneciam em movimento, meu cérebro<br />

parecia desacelerar um pouco.<br />

— Tive uma mãe — disse em voz baixa.<br />

Meus dedos congelaram em sua clavícula, surpreendidos por suas<br />

palavras. Eu pensei que ele iria evitar o assunto. Isso significava que ele<br />

começou a confiar em mim?<br />

Meu olhar foi até seu rosto, mas ele estava olhando para o teto<br />

com uma expressão ilegível. Ele não queria que eu visse seus olhos, e<br />

isso só me deixou mais curiosa para vê-los. — O que aconteceu com<br />

ela?<br />

O silêncio reinou entre nós por muito tempo e eu comecei a me<br />

preocupar que eu tinha estragado a minha chance de ganhar a<br />

confiança de Growl, quando ele finalmente disse: — Ela está morta.<br />

— Como? — Eu perguntei. A mão de Growl subiu até sua<br />

garganta, mas ele não se tocou lá. Ele parecia evitar tocar sua garganta<br />

completamente, não apenas a cicatriz.<br />

— A pessoa que cortou sua garganta a matou? — Eu arrisquei um<br />

palpite.<br />

Por um momento, Growl ficou em silêncio, e ele parecia ter<br />

parado de respirar. — Sim, ele fez isso. Ele a matou bem na minha<br />

frente. Fez-me vê-la sangrar. Ele cortou sua garganta também. Mas<br />

primeiro a minha para puni-la. Ele pensou que eu iria morrer<br />

rapidamente, mas minha mãe estava morta dentro de um minuto e eu<br />

continuava respirando. — Ele parecia quase arrependido, como se ele<br />

desejasse que ele tivesse morrido naquele dia.<br />

Minha boca ficou seca. — E o seu pai? Onde ele estava?<br />

— Ele não está morto. — Por que ele não respondeu a minha<br />

segunda pergunta?<br />

— Não posso acreditar que alguém faria isso a um menino<br />

inocente. — Eu tracei as letras em seu peito. Essas palavras, todas as<br />

tatuagens assustadoras, tudo começou a fazer sentido.<br />

— Eu não era inocente, nem mesmo naquela época. — Suas<br />

palavras ressoaram em seu peito, eu podia sentir contra minha palma.<br />

— Por quê você diria isso? Quantos anos você tinha?<br />

— Cinco.<br />

~ 109 ~


Deus, como poderia alguém machucar uma criança de cinco anos<br />

assim? As pessoas chamavam Growl de monstro, até eu pensava nele<br />

assim, mas quem quer que tivesse tentado matar Growl quando criança<br />

era muito pior. — Todo mundo é inocente nessa idade. Ninguém nasce<br />

mal. Você era tão pequeno. Por que você não tentou caçar a pessoa que<br />

fez isso com você? Você não é o menininho do passado, você tem<br />

conexões e poder agora. Tenho certeza de que Falcone não se importaria<br />

se você vingasse sua mãe.<br />

Uma risada curta vibrou em seu peito. Isso fez os pequenos<br />

cabelos em meus braços ficarem em pé. — Falcone se importaria.<br />

— Por quê? É alguém com quem faz negócios?<br />

Growl encontrou meu olhar e o que ele transmitia, em seus olhos,<br />

levantou uma suspeita assustadora em mim. Mas eu não poderia estar<br />

certa ...<br />

— Falcone foi o homem que fez tudo isso — disse Growl, fazendo<br />

sinal para a garganta.<br />

Eu puxei minha mão longe de seu peito. — Então, — eu disse<br />

lentamente. Foi difícil encontrar as palavras certas, ou quaisquer<br />

palavras, realmente. — Falcone matou sua própria mãe e quis matá-lo<br />

também, e você decidiu trabalhar para ele? — Eu queria entendê-lo,<br />

mas como eu poderia entender algo assim? Isso estava tão longe do<br />

normal. Soprou minha mente.<br />

Growl deu um aceno quase imperceptível. Seu rosto era<br />

impassível, mas havia um piscar de algo em seus olhos que eu não teria<br />

notado há alguns dias. Eu estava me tornando mais perceptiva e<br />

acostumada às pequenas mudanças em suas expressões faciais.<br />

— Por quê? — Eu sussurrei. Por que alguém iria querer trabalhar<br />

para tal homem? Talvez algo tivesse sido irremediavelmente danificado<br />

quando Growl teve que assistir tudo isso ainda tão novo. Parte de mim<br />

queria estender a mão para aquele pequeno menino danificado e apertálo<br />

em um abraço apertado e dizer-lhe que tudo ficaria bem. Mas por um<br />

lado, eu não tinha certeza se aquele garoto ainda estava escondido em<br />

algum lugar em Growl ou se ele tinha murchado com o tempo e os<br />

horrores que ele tinha testemunhado. E segundo, eu soube que eu<br />

estaria mentindo a esse menino. Poucas coisas ficariam bem na vida de<br />

Growl. Aquele menino foi moldado em um monstro através de abuso e<br />

crueldade. Talvez tivesse sido melhor se ele não tivesse sobrevivido. Não<br />

só para poupar-lhe os horrores de sua vida, mas também para salvar os<br />

muitos que ele tinha torturado e matado por Falcone.<br />

~ 110 ~


Eu tinha desistido de dar uma resposta a Growl quando ele disse:<br />

— Porque ele é meu pai.<br />

Eu respirei fundo. — Falcone? — Eu perguntei porque parecia<br />

impossível. Não duvido que Falcone tivesse muitas amantes ao lado de<br />

sua esposa. Um homem como ele não podia ser fiel. Mas simplesmente<br />

parecia impossível que a palavra não tivesse saído. Que as pessoas não<br />

mencionassem o nome de Falcone em uma respiração com Growl, o<br />

bastardo. Meus olhos procuraram o rosto de Growl, mas se havia algo<br />

de Falcone em suas feições, permaneceu escondido para mim.<br />

Ele assentiu novamente. — Essa foi uma das razões pelas quais<br />

ele quis se livrar de mim. E por que ele matou minha mãe. Ela ameaçou<br />

contar às pessoas. Falcone não deixa ninguém ameaçá-lo.<br />

— Ele matou a sua mãe. A mulher com quem ele teve um filho, —<br />

eu disse lentamente.<br />

Growl não reagiu.<br />

— Como ele poderia fazer isso? Que tipo de monstro faria algo<br />

assim? — Eu estremeci, de repente preocupada por ter ido longe<br />

demais. Por alguma razão ridícula, Growl era leal a seu pai cruel.<br />

— Um monstro como eu — murmurou.<br />

— Tal pai tal filho?<br />

Growl encolheu os ombros. Eu poderia dizer que ele estava farto<br />

da nossa conversa, mas eu estava muito agitada para deixar o assunto<br />

morrer tão rapidamente. — Talvez você não devesse tomar a natureza<br />

horrível de seu pai como uma desculpa para ser um monstro também.<br />

Talvez você deva se esforçar para ser melhor.<br />

Ele soltou um suspiro, o que poderia ter sido uma risada, eu não<br />

tinha certeza.<br />

— Eu não estou brincando.<br />

Ele se levantou. — Eu não sou um monstro por causa do meu pai.<br />

Sou um monstro porque escolhi ser.<br />

Eu duvidava que fosse verdade. Ele era um menino quando ele<br />

tinha experimentado horrores, mesmo homens crescidos, mal poderiam<br />

imaginar uma coisa dessas. — Nunca é tarde demais para mudar e para<br />

compensar os seus erros.<br />

~ 111 ~


Growl balançou a cabeça. — Você é ingênua se acha que isso é<br />

uma opção. Eu não vou mudar. Eu não quero. Minha vida é boa assim.<br />

— Você está trabalhando para o homem que matou sua mãe. Eu<br />

não acredito que você possa viver bem com isso.<br />

— Eu tenho vivido assim por muito tempo.<br />

— Se eu fosse você, eu gostaria de me vingar.<br />

Growl sorriu sombriamente. — Mas você não é. E você não me<br />

conhece.<br />

Ele se virou e saiu da sala. Um segundo depois eu ouvi a porta<br />

dos fundos abrir e fechar.<br />

Ele estava certo. Eu não o conhecia. Ainda. Mas hoje ele me<br />

entregou alguns pedaços do quebra-cabeça que era ele, e eu estava<br />

determinada a conseguir as peças restantes também.<br />

~ 112 ~


Capítulo quinze<br />

CARA<br />

Eu decidi não insistir mais com Growl sobre Falcone e o que<br />

aconteceu. Eu tinha a sensação de que ele iria se fechar completamente<br />

se eu tentasse muito cedo novamente. Pelo menos ele não parecia muito<br />

irritado com minhas perguntas para parar de dormir comigo.<br />

Quando ficamos deitados um ao lado do outro na minha cama<br />

depois de Growl ter me lavado a três orgasmos, minha mente estava<br />

trabalhando em bolar uma maneira de fazê-lo ficar comigo. Ele<br />

geralmente sempre se afasta após nós ficarmos juntos, não me dando<br />

chance para conhecê-lo melhor. Nós nem sequer nos tocamos depois.<br />

Ou pelo menos não tinha chegado tão longe.<br />

Agora o braço de Growl estava levemente tocando o meu. Não foi<br />

por acidente. Talvez no fundo ele desejasse a proximidade além do sexo?<br />

Seus olhos estavam meio fechados e sua respiração já estava<br />

diminuindo. Seu peito musculoso reluzia de suor. — O que aconteceu<br />

com meu pai depois que você me levou para sua casa? — Eu perguntei.<br />

Growl abriu os olhos. — Ele estava morto.<br />

— Eu sei, — eu sussurrei duramente. — Isso não foi o que eu quis<br />

dizer. Onde está seu corpo? O que você fez com ele?<br />

Growl virou a cabeça para mim, franzindo o cenho. — O que isso<br />

importa? Ele se foi.<br />

— As pessoas enterram seus mortos por uma razão. Porque eles<br />

precisam de um lugar para se sentir conectado a eles, um lugar onde<br />

eles podem ir dizer adeus ou falar com o que resta das pessoas que<br />

amam. É o que as pessoas fazem.<br />

Growl não parecia entender. — Talvez. Não consigo ver como isso<br />

ajuda.<br />

~ 113 ~


— Você não precisa entender, — eu disse calmamente. — Apenas<br />

aceite. Eu realmente preciso saber onde está o corpo do meu pai.<br />

Preciso dizer adeus a ele para conseguir ter paz.<br />

— Ele foi enterrado fora das fronteiras da cidade.<br />

— Enterrado? Então ele não foi despejado em algum lugar ou<br />

coisa pior?<br />

— Eu não estava lá quando o enterraram. Mas foi o que me<br />

disseram.<br />

— Você sabe onde é? Você pode me levar?<br />

Growl soltou um suspiro. Ele se sentou como eu esperava e<br />

balançou as pernas para fora da cama, virando as costas para mim, que<br />

também estava coberta de tatuagens, espinhos e rosas, crânios e<br />

cobras, e letras negras que diziam — Dor, — nada mais. Havia mais<br />

cicatrizes em suas costas, ombros e pescoço.<br />

— Você tem que seguir em frente.<br />

Eu sufoquei minha frustração. Ele simplesmente não conseguia<br />

entender. As emoções e hábitos humanos eram estranhos para ele. Eu<br />

me sentei e cheguei mais perto. Eu esperava que fosse um bom sinal de<br />

que ele não tivesse se levantado ainda. Talvez algo nele quisesse<br />

conversar comigo?<br />

Minhas pontas dos dedos roçaram as estranhas cicatrizes<br />

redondas que cobriam suas costas e seus braços. Elas não pareciam<br />

feridas, mais como se alguém tivesse queimado Growl. Depois de um<br />

momento de hesitação, perguntei calmamente. — O que é isso?<br />

Growl olhou por cima do ombro. — Queimadura de cigarro.<br />

Meus dedos congelaram. Ele parecia tão despreocupado, como se<br />

não estivéssemos falando sobre seu corpo. — Quem fez isso com você?<br />

— Talvez eu tenha pedido a alguém para fazer isso comigo, —<br />

disse ele.<br />

— Por que alguém pediria para sentir dor?<br />

— Eu gosto de dor. Aprendi a gostar com o tempo.<br />

— Você gosta? — Eu repeti, soltando minha mão de sua pele. Ele<br />

pediu que alguém o queimasse? Será que ele estava confuso? A ideia<br />

parecia não fazer sentido. Alguém que fez isso para si, provavelmente,<br />

~ 114 ~


faria muito pior para os outros. Embora isso ter me surpreendido, era<br />

ridículo. Eu sabia que tipo de homem era Growl. Mais monstro do que o<br />

homem.<br />

Um canto de sua boca se contraiu em um quase sorriso. Esse<br />

pequeno gesto conseguiu mudar todo o seu rosto, fazendo-o parecer<br />

mais acessível, menos perigoso. Mas a linha dura usual deixou seus<br />

lábios muito rapidamente. — Não de ser queimado. Eu não pedi por<br />

essas cicatrizes, — ele disse grosseiramente. — Quando eu era criança,<br />

eu não pedia para sentir dor, ainda.<br />

Meus olhos percorreram as muitas marcas de queimaduras,<br />

contando quase uma dúzia. — Alguém fez isso com você quando você<br />

era criança? — Eu parei, sem ter certeza sobre a próxima pergunta. —<br />

Sua mãe? — Isso pelo menos explicaria por que Growl não queria vingála.<br />

Growl balançou a cabeça. — Ela não era a melhor mãe. Ela<br />

trabalhava como uma prostituta. Seu vício e trabalho não ajudaram<br />

muito na criação de uma criança, mas ela nunca me bateu ou me feriu<br />

fisicamente.<br />

Eu lambi meus lábios. Este era território perigoso que eu estava<br />

pisando. Minha curiosidade me deixou ansiosa por mais, mas ao<br />

mesmo tempo eu estava igualmente assustada dos horrores que eu<br />

ouvia e do que eles me fariam sentir. Com cada parte do passado de<br />

Growl e seu caráter que eu descobri, ficava mais difícil não sentir<br />

compaixão, e muito mais. — Então quem fez? — Eu perguntei apesar<br />

das minhas preocupações.<br />

— Depois que minha mãe morreu e eu fui liberado do hospital,<br />

Falcone me deu a um de seus capangas, Bud, que era responsável por<br />

um dos bordéis. Ele era um cafetão, realmente, e não queria uma<br />

criança por perto. Mas ele não podia recusar se quisesse cair nas graças<br />

de Falcone, e assim ele me manteve. Mas ele era um bastardo sádico e<br />

quando ele estava cansado de bater na merda de suas prostitutas, ele<br />

gostava de me torturar.<br />

— Por que Falcone não o deteve? — Eu balancei a cabeça. — Eu<br />

não sei por que eu estou perguntando. O cara quase o matou. Não é<br />

como se ele fosse um ser humano decente, ou algo parecido com isso.<br />

— Ele não me matou, embora ele pudesse ter matado. E ele nunca<br />

me tocou. Ele deixou um de seus homens cortar minha garganta. E Bud<br />

sempre se assegurou de me bater e me queimar onde ninguém podia<br />

ver.<br />

~ 115 ~


— Então você acha que Falcone não sabia o que estava<br />

acontecendo?<br />

— As putas sabiam e elas gostavam de mim. Poderiam ter contado<br />

a ele sobre isso.<br />

— Mas ele não faria nada — concluí.<br />

Growl encolheu os ombros. — As surras me deixaram mais forte.<br />

Depois de um tempo, você não sente dor como as outras pessoas. Torna<br />

familiar, quase como um amigo. Você para de temer, e até gosta disso.<br />

Isso explicava a tatuagem em suas costas.<br />

Movi-me para que eu pudesse ver seu rosto e fiquei atordoada<br />

pela expressão quase serena nele. Eu esperava que fosse uma máscara<br />

perfeita, porque se ele estivesse realmente tão bem sobre tudo isso,<br />

havia pouca esperança para ele. Quando seus olhos encontraram os<br />

meus, eu vi um lampejo, uma rachadura na máscara perfeita que ele<br />

tinha construído ao longo do tempo e quase exalei em alívio. Eu<br />

coloquei meu queixo para baixo em seu ombro, trazendo meu rosto<br />

mais perto dele. — Há outras coisas que fazem as pessoas fortes, não<br />

apenas dor. É horrível o que aconteceu com você. Alguém deveria ter<br />

protegido você. Todas as pessoas que ficaram de pé enquanto eram<br />

torturadas, podiam apodrecer no inferno.<br />

— Você não deveria se importar, — Growl murmurou.<br />

— Eu sei. — Eu não disse mais. Será que eu realmente me<br />

importo? O homem na minha frente hoje não merecia minha piedade ou<br />

ajuda. Ele não era o garoto indefeso há muito tempo. E ainda uma parte<br />

de mim sentia por ele. Eu não pude evitar.<br />

Durante vários batimentos cardíacos, ficamos olhando um para o<br />

outro e palavras não verbalizadas pareciam pendurar no ar entre nós.<br />

Eu estava tão perto de quebrar as paredes de Growl, tão perto de<br />

ganhar sua confiança.<br />

— Bud está morto agora. Conseguiu o que merecia, — Growl disse<br />

eventualmente.<br />

Levei um momento para me libertar da estranha conexão que<br />

senti antes. — Você o matou?<br />

Era assustador a facilidade com que as palavras deixaram meus<br />

lábios e quão pouco impacto tiveram na minha consciência.<br />

~ 116 ~


— Quando eu tinha dez anos — disse Growl com um tom de<br />

orgulho em sua voz profunda. Talvez isso tivesse me deixado inquieta e<br />

talvez, mesmo que Bud tivesse merecido morrer, se a ideia de se vingar<br />

de Falcone não tivesse dominado meus pensamentos nas últimas<br />

semanas.<br />

— Ele tinha espancado a merda de uma prostituta, mas isso<br />

realmente não dizia nada a ele. Falcone não tinha dado o segundo<br />

bordel que Bud queria, e ele queria desabafar. Quando ele entrou em<br />

meu quarto, eu sabia que ele estava fora de controle. E eu o deixei. Ele<br />

me chutou e me bateu, e eu deixei, mas então eu decidi que era o<br />

suficiente, e eu lutei contra isso. Eu sempre tinha um canivete suíço no<br />

bolso e quando ele fez uma pausa para acender um cigarro e virou-se<br />

para mim, eu cortei o tendão da sua perna em um corte seco.<br />

Meus olhos se arregalaram.<br />

— Ele gritou como um porco no matadouro. Não perdeu o<br />

equilíbrio como eu esperava. Tentei de novo, então, eu o esfaqueei na<br />

parte superior da coxa. Cortei sua artéria por acaso. Ele sangrou<br />

rapidamente. E eu assisti. Eu ainda estava assistindo com a faca na<br />

mão quando uma das prostitutas me encontrou e fugiu gritando. E eu<br />

ainda estava lá quando Falcone chegou algum tempo depois. Eu estava<br />

coberto de sangue da cabeça aos pés. Tinha apunhalado o bastardo<br />

morto mais algumas vezes para liberar um pouco da adrenalina.<br />

As imagens brilharam em minha mente e com o sangue, vieram<br />

mais imagens, imagens de meu pai e como ele havia morrido. Mas eu<br />

não podia me permitir pensar nessa memória agora. Não me ajudaria<br />

em nada, nem a minha mãe ou irmã. — O que Falcone fez? Você matou<br />

um de seus homens. Não devia ter matado você?<br />

— Não, ele decidiu que era hora de me levar sob suas asas e me<br />

mostrar o que eu era capaz de fazer.<br />

— Matar e mutilar e torturar, — eu disse calmamente.<br />

Os olhos de Growl quase se resignaram. — Isso é tudo que eu<br />

posso fazer. Se houvesse mais que isso em mim, eu não sobreviveria.<br />

Ele tinha dito palavras semelhantes antes. E eu comecei a<br />

perceber que ele poderia estar certo.<br />

— Então Falcone te ensinou como matar? Quando você se tornou<br />

seu assassino?<br />

~ 117 ~


Growl pensou sobre isso por um momento. — Eu matei o segundo<br />

homem alguns meses depois de eu ter matado Bud. Falcone me disse o<br />

nome do cara que me cortou a garganta e onde eu poderia encontrá-lo.<br />

— Então ele queria que você matasse o cara?<br />

— Ele não disse, mas eu fui matá-lo. Falcone me disse que esse<br />

era seu presente para mim e que eu nunca mais iria matar sem sua<br />

permissão explícita novamente, e eu nunca fiz.<br />

— Então você se vingou do homem que queimou você e do homem<br />

que cortou sua garganta, mas não o homem que é a razão pela qual isso<br />

aconteceu?<br />

Growl ficou em silêncio.<br />

— Ele é a razão por que você tem isso. — Eu estendi a mão para<br />

tocar a cicatriz em sua garganta, curiosa como ele iria se sentir, mas a<br />

mão de Growl disparou e seus dedos enrolaram em torno de meu pulso.<br />

— Não, — ele disse calmamente, advertindo. Seus olhos estavam<br />

assombrados enquanto eles se fixavam em mim.<br />

Puxei minha mão e coloquei a mão no colo. — Por quê? Não é<br />

como se eu não tivesse tocado as outras cicatrizes. — E cada centímetro<br />

de seu corpo.<br />

— Não, — ele repetiu em uma voz que me fez tremer. — Ninguém<br />

tem permissão para tocar essa cicatriz.<br />

Mais perguntas ficaram na ponta da minha língua, mas Growl<br />

não me deu a chance de expressar nenhuma delas. Desembaraçou-se<br />

dos cobertores e ficou de pé. — Você deveria dormir. — Ele saiu sem<br />

olhar para trás. Suspirando, eu voltei para as cobertas. Eu não me<br />

preocupei em colocar minha camisola novamente. Eu estava exausta.<br />

Sempre exausta. A preocupação me mantinha acordada também muitas<br />

noites. Estiquei os ouvidos, ouvindo Growl, e como sempre ouvi o<br />

rangido da porta dos fundos e os cães antes de ficarem em silêncio<br />

novamente. Rosnar era um hábito. Talvez fosse por isso que os cães<br />

eram leais a ele. Isso dava-lhes uma pitada de normalidade. Eu balancei<br />

minha cabeça na escuridão. Normalidade. Minha vida sempre foi bem<br />

longe do normal, mas agora?<br />

* * *<br />

~ 118 ~


Growl estava mais desligado nos dias que se seguiram. Eu pensei<br />

que finalmente tínhamos uma conexão verdadeira durante nossa última<br />

conversa, mas agora ele estava se afastando novamente. Ele não me<br />

queria perto. E eu não tinha certeza de como mudar isso. Se ele não<br />

confiasse em mim, como eu poderia sugerir que ele ajudasse minha<br />

mãe e minha irmã? E se ele contasse tudo a Falcone? Então tudo<br />

terminaria. E, no entanto, parte de mim tinha certeza de que ele não<br />

contaria a Falcone nada do que conversamos. Growl guardava as coisas<br />

para si mesmo. Ele era esse tipo de cara.<br />

Ele nem chegou a minha cama à noite. Ele estava realmente<br />

tentando ficar longe de mim. Estava preocupado em me aproximar<br />

demais? Isso era mesmo uma possibilidade com ele?<br />

* * *<br />

— Falcone concordou em deixá-la visitar sua mãe — Growl disse<br />

de repente, enquanto tomávamos café em silêncio uma manhã.<br />

Quase deixei cair a xícara. — Sério? Por quê? Porque agora?<br />

— Aparentemente, sua mãe está deprimida e Falcone acha que é<br />

por isso que as negociações com Nova York estão indo mal. Eu disse a<br />

ele que seria bom para sua mãe ver que você estava bem, então ela teria<br />

algo para lutar.<br />

Eu coloquei a xícara no balcão e fechei a distância entre nós. Eu<br />

envolvi meus braços em torno dele e o abracei firmemente, minhas<br />

bochechas pressionaram contra seu peito. Ele ficou tenso, depois<br />

relaxado. Tínhamos dormido um com o outro várias vezes, mas esta foi<br />

a primeira vez que nos abraçamos. Eu percebi que ele nunca me beijou<br />

ou me tocou sem ser para fazer sexo.<br />

— Obrigada, — eu disse, então me afastei e dei alguns passos<br />

para trás.<br />

Ele estava me observando com uma expressão estranha. Havia<br />

nostalgia em seus olhos?<br />

Deus, por que ele tinha que ser tão difícil de ler?<br />

— Vou levá-la até ela agora no meu caminho para o trabalho, —<br />

disse Growl.<br />

~ 119 ~


Eu não podia esperar para vê-la novamente, mas ao mesmo<br />

tempo eu estava aterrorizada de encará-la depois do que eu tinha feito<br />

nas últimas semanas. Eu estava dormindo com Growl, e não porque ele<br />

me forçou, nem mesmo porque eu esperava ganhar sua confiança. Eu<br />

gostava. Não havia como negar. Se minha mãe soubesse, ela nunca<br />

mais me olharia.<br />

* * *<br />

Encostar na frente da minha antiga casa parecia estranho. Eu não<br />

me sentia em casa. Falcone e seus homens arruinaram o lugar para<br />

mim. Minha lembrança do lugar onde eu cresci ficaria para sempre<br />

contaminada com o sangue e a morte de meu pai.<br />

— Eu pensei que você ficaria feliz, — disse Growl enquanto me<br />

conduzia até a porta da frente.<br />

Eu achei que eu estaria feliz também, mas me sentia culpada,<br />

miserável e assustada. Eu forcei um sorriso, preocupada que Growl<br />

poderia decidir que era melhor não me deixar visitar minha mãe, se isso<br />

me deixasse triste. Essa era a última coisa que eu queria, mesmo se<br />

pisar em minha antiga casa fizesse meu estômago revirar. — Estou feliz,<br />

apenas nervosa.<br />

Growl parecia duvidoso, mas ele tocou a campainha de qualquer<br />

maneira. Demorou muito tempo até que finalmente um de nossos<br />

velhos guarda-costas, Daryl, abriu a porta. Então ele estava protegendo<br />

minha mãe? Ele sempre fora o espião de Falcone? Provavelmente. Não<br />

havia lealdade neste mundo. Até meu pai havia traído seu chefe por<br />

qualquer motivo. Não que eu não o entendesse.<br />

Ele recuou, com uma expressão de cautela em seu rosto enquanto<br />

observava Growl. Senti uma satisfação doentia por seu desconforto. Eu<br />

não estava com medo de Growl mais.<br />

Daryl me deu um aceno de cabeça, mas eu o ignorei e<br />

rapidamente passei por ele para o lob<strong>by</strong>. A casa estava em silêncio. Uma<br />

diferença tão grande da última vez que eu estive aqui.<br />

— Cara? — Veio a voz mansa da mãe da sala de estar. Corri para<br />

minha mãe e a encontrei sentada a mesa da sala de jantar, que estava<br />

preparada para o almoço. Eu hesitei no meio da sala. Minha mãe tinha<br />

perdido peso. Suas bochechas estavam afundadas, as maçãs do rosto<br />

~ 120 ~


salientes. Ela não usava maquiagem. Ela sempre usava. E seu vestido<br />

estava enrugado como se ela não se importasse em passá-lo. Mãe nunca<br />

usaria um vestido que não tivesse sido passado. Ela tinha mudado. Eu<br />

tinha mudado. Era ridículo pensar que minha mãe ou irmã não<br />

tivessem. Deus, Talia. Como estava ela?<br />

Minha mãe levantou-se da cadeira e abriu os braços. Eu não<br />

hesitei. Eu voei nos braços da minha mãe. Era bom abraçá-la, sentir<br />

seu cheiro reconfortante. A mãe enterrou o rosto no meu cabelo e<br />

respirou fundo. Fechei os olhos, permitindo-me alguns momentos de<br />

paz.<br />

— Eu preciso sair agora.<br />

A voz de Growl cortou o silêncio. Minha mãe e eu nos separamos.<br />

Mamãe olhou para Growl com desgosto e medo.<br />

Eu balancei a cabeça. — Está bem.<br />

— Volto para buscá-la em duas ou três horas. — Havia um sinal<br />

de aviso em sua voz. Eu não disse nada. Eu queria que ele saísse logo,<br />

preocupada que a minha mãe pudesse notar algo estranho entre nós.<br />

Eu quase suspirei de alívio quando ele partiu.<br />

Daryl ainda estava na sala.<br />

— Você pode dar a minha filha e eu um pouco de privacidade? —<br />

Perguntou minha mãe educadamente. Ela parecia controlada agora.<br />

Daryl parecia despedaçado. — Estou do lado de fora da porta.<br />

Lembre-se de que há câmeras.<br />

A mãe inclinou a cabeça, parecendo digna, mas no momento em<br />

que ele fechou a porta, ela agarrou a borda da mesa e afundou na<br />

cadeira. Puxei uma cadeira para perto da minha mãe e agarrei a mão<br />

dela.<br />

Minha mãe procurou no meu rosto, então olhou meus braços<br />

como se estivesse procurando contusões. — Eu pensei que não iria vê-la<br />

novamente. Eu tinha certeza que esse monstro iria matá-la.<br />

— Growl? — Eu disse. — Ele não me machucou.<br />

Mãe balançou a cabeça. — Não minta para mim. Eu conheço este<br />

mundo. Eu conheço as regras. Eu sei mais do que eu deixei no passado<br />

porque eu queria proteger você e sua irmã. — Ela soltou um riso triste.<br />

— Eu falhei.<br />

~ 121 ~


— Você não falhou. O que você poderia ter feito? Estavam<br />

armados. Não tivemos chance contra eles.<br />

Minha mãe tocou meu rosto, parecendo desesperada. — Eu queria<br />

ser mais forte. Eu sei que devo perguntar o que aconteceu com você,<br />

mas não tenho certeza se posso suportar a verdade. Você é muito mais<br />

forte do que eu, Cara. Como você está aqui, parecendo saudável e<br />

intacta, eu não posso imaginar como isso é possível.<br />

Eu sorri tremulante. — Estou muito bem, mãe. Por favor, não se<br />

preocupe comigo.<br />

A mãe fechou os olhos e sacudiu a cabeça. — Eu não sei como<br />

você pode até mesmo falar comigo depois do que eu fiz.<br />

— O que você fez?<br />

— Estou trabalhando para Falcone, ajudando-o. Depois que ele te<br />

deu a esse monstro, eu não deveria ajudá-lo, não importa o que ele me<br />

ameaça. Se seu pai soubesse, ficaria desapontado. Ele nem sequer<br />

olharia para mim agora.<br />

— O pai é a razão pela qual isso aconteceu. Ele é a razão pela<br />

qual passamos pelo inferno. Foi a sua punição que tivemos de suportar.<br />

Se estivesse vivo, não teria direito de nos julgar. Ele teria que nos<br />

desculpar por ser tão egoísta, e não pensar nas consequências! — eu<br />

estourei. Até agora eu não me permitia ficar com raiva, mas agora eu<br />

percebi que estava. Eu estava furiosa porque meu pai deveria saber. Era<br />

seu trabalho nos proteger e ele falhou.<br />

Minha mãe me observava com os olhos arregalados, sem<br />

perceber. — Não fale assim do seu pai. Ele era o melhor marido que eu<br />

poderia ter imaginado e um pai ainda melhor. Ele merece nada além do<br />

nosso respeito.<br />

Isso era uma mentira. Meu pai não tinha sido um pai ruim, mas<br />

ele estava longe de ser um bom pai. Ele estava muito ocupado com seu<br />

trabalho, e muitas vezes impaciente demais para passar tempo com<br />

suas duas filhas. Eu o amava e sentia falta dele. Eu desejava que ele<br />

ainda estivesse vivo e eu o perdoasse pelo que ele tinha feito, porque ele<br />

certamente não poderia ter imaginado para onde isso nos levaria.<br />

— Eu não quero brigar por isso, — eu disse calmamente,<br />

apertando a mão da minha mãe. — Eu sei que você está sofrendo, mas<br />

eventualmente você vai perceber que o pai fez isso conosco.<br />

~ 122 ~


Minha mãe olhou fixamente. Ela não protestou novamente, mas<br />

eu poderia dizer que ela não estava pronta para admitir as falhas do<br />

meu pai ainda. Sua morte ainda era muito recente.<br />

Eu decidi mudar o tópico. — Eu sei o que você está fazendo, que<br />

você está falando com Nova York em nome de Falcone.<br />

— Como? — Minha mãe sussurrou.<br />

— Growl me disse. Mas isso não é importante. Você está fazendo<br />

progresso?<br />

Mãe balançou a cabeça. — Ainda não falei com Luca Vitiello. É<br />

difícil chegar até ele. Nova York não quer nada com a gente. — Minha<br />

mãe tocou sua testa. — Eu não posso falhar. Se eu fizer, Falcone vai<br />

machucar sua irmã. Não sei o que fazer.<br />

— Continue tentando. Tem de haver uma maneira de chegar até<br />

Luca Vitiello. Tenho certeza.<br />

Minha mãe concordou. — Possivelmente. Mandei uma carta para<br />

sua esposa. Ouvi dizer que ela é gentil. Ela pode ser nossa última<br />

chance.<br />

— Não desista. Nós vamos descobrir algo, — eu disse com firmeza,<br />

tentando transmitir com meus olhos que eu estava trabalhando em um<br />

plano.<br />

As sobrancelhas de mamãe se juntaram, mas ela não perguntou o<br />

que eu queria dizer. Ela era uma mulher inteligente. Tínhamos que ter<br />

cuidado com o que dizíamos em voz alta.<br />

Ela apontou para os sanduíches empilhados na bandeja. — Eu<br />

mesma fiz. Algo para me manter ocupada. E eu sinto falta de cozinhar<br />

para todos vocês.<br />

Peguei um sanduíche de salmão e dei uma mordida, então sorri.<br />

— É delicioso.<br />

Minha mãe se recostou na cadeira e me observou comer outro<br />

sanduíche. Eu engoli a última mordida, então perguntei: — Eu estive<br />

me perguntando, por que você deixou Nova York e sua família? Você era<br />

parte da família principal afinal. Você poderia ter uma grande vida lá.<br />

A minha mãe parecia cansada. — Eu tinha. Mas meu irmão era o<br />

Capo e ele era tão mau quanto Falcone. Claro, naquela época eu não<br />

sabia o quão mal Falcone era em Las Vegas ou talvez eu teria ficado em<br />

~ 123 ~


Nova York. — Então ela sorriu tristemente e balançou a cabeça. —<br />

Embora eu estivesse com a cabeça virada e apaixonada por seu pai e<br />

teria seguido ele em qualquer lugar.<br />

Eu toquei sua mão. — Como vocês dois se conheceram se o pai<br />

era um dos homens de Falcone? Nova York e Las Vegas odiavam um ao<br />

outro também, não é?<br />

Minha mãe concordou. — Oh sim, eles sempre se odiaram. Mas<br />

Falcone tinha acabado de ser nomeado chefe e seu pai ainda tinha algo<br />

a dizer na cidade. E o velho queria tentar ficar paz com Nova York,<br />

então mandaram seu pai, porque ele sempre soube ser diplomático.<br />

Falcone teria arruinado tudo se ele tivesse tentado fazer as negociações<br />

ele mesmo.<br />

— Mas eles não fizeram um tratado de paz, não é?<br />

— Não. Salvatore e Falcone eram muito parecidos. Ambos queriam<br />

ter a última palavra, então, não surtiu efeito a visita de seu pai em Nova<br />

York.<br />

— Vocês dois se apaixonaram.<br />

— Sim, sim. Nas três semanas que ele estava na cidade, ele<br />

capturou completamente meu coração. Eu implorei a meus pais que me<br />

deixassem casar com ele, mas é claro que eles se recusaram e Salvatore<br />

ficou furioso por eu ter sugerido uma coisa tão horrível. Ele escolheu<br />

outra pessoa para mim, mas eu não queria ninguém além de Brando e<br />

assim seu pai me levou com ele, e disse a Salvatore que ele tinha feito<br />

isso como vingança pelos insultos que Salvatore tinha dito sobre<br />

Falcone. Eu não tenho certeza se Falcone acreditou na história, mas ele<br />

estava feliz de insultar Salvatore assim, então seu pai e eu nos casamos<br />

dois dias depois de termos saído de Nova York. A festa foi notícia em<br />

todos os jornais em Las Vegas e por isso, qualquer tipo de paz estava<br />

fora de questão. Então Falcone conseguiu exatamente o que queria,<br />

assim como o seu pai e eu. Parecia a solução perfeita na época.<br />

— Você acha que o chefe da Família, que Luca, nos permitiria<br />

ficar em Nova York? — Eu perguntei sussurrando.<br />

Minha mãe tocou minha bochecha. — Eu não sei. Só vi ele e seu<br />

irmão uma vez quando eram meninos.<br />

— Você os visitou, mas eu pensei que era proibido?<br />

— Oh, era. Mas a esposa de Salvatore e eu realmente gostamos<br />

muito uma da outra. Eu sempre senti pena dela porque ela teve que se<br />

~ 124 ~


casar com meu irmão sádico. E uma vez, quando eu estava grávida de<br />

você, eu estava em Aspen na mesma época que a esposa de Salvatore.<br />

Ela estava lá com as crianças e então nos conhecemos em segredo. Nós<br />

vínhamos nos falando pelo telefone regularmente, mas essa foi a<br />

primeira vez que nos conhecemos desde que fugi. Foi maravilhoso. E os<br />

meninos eram realmente uns fofos, embora fosse inconfundível que<br />

meu irmão era seu pai. Eles eram muito controlados e sérios para<br />

meninos tão jovens. Especialmente Luca, que me deu arrepios algumas<br />

vezes.<br />

— Talvez ele vá se lembrar de você em breve e nos ajudar. É a<br />

nossa melhor chance.<br />

— É, — ela concordou, então sua expressão ficou quase<br />

assustada. — Você sabe onde eles levaram o corpo de seu pai? Eu não<br />

posso suportar o pensamento que Falcone deu ele para seus cães como<br />

alimento. Isso quebra meu coração. Ele não merece isso.<br />

Eu bati no braço dela. — Growl me disse que alguém enterrou o<br />

pai no deserto. Eles não o deram como comida aos cachorros.<br />

Os ombros da mãe caíram aliviados.<br />

Mas de repente me perguntei se o Growl tinha me dito a verdade.<br />

Não havia maneira de eu saber. Eu tinha que confiar em sua palavra.<br />

Quando ouvimos o carro de Growl puxar para cima na garagem,<br />

minha mãe me puxou contra seu corpo e sussurrou em meu ouvido: —<br />

Você é uma menina tão boa. Eu não sei como eu mereço você. Seja<br />

forte, querida. Não deixe esse monstro quebrá-la.<br />

— Eu não vou deixar, — eu prometi automaticamente. Ela me<br />

olhava com amor e piedade, e eu tive que desviar o olhar. Se ela<br />

soubesse, o que eu tinha feito e o que eu estava fazendo ... Eu nunca<br />

poderia dizer a ela.<br />

~ 125 ~


Capítulo dezesseis<br />

CARA<br />

Eu mal olhei em direção a Growl enquanto voltávamos para sua<br />

casa. Ele me deu uma olhada. — O que está errado?<br />

— Nada, — eu disse severamente, então mordi o lábio. Eu não<br />

sabia o que fazer. Eu precisava de Growl para estar do meu lado, e meu<br />

corpo o queria, mas eu estava indo contra tudo o que minha mãe me<br />

ensinara dormindo com ele.<br />

As mãos de Growl no volante apertaram, os tendões em seus<br />

antebraços flexionaram.<br />

Concentrei-me na janela. Minha mente estava zunindo. Eu sabia<br />

que precisava de Growl se eu quisesse ter alguma chance de ajudar<br />

minha mãe e minha irmã.<br />

* * *<br />

Fiquei acordada naquela noite, quando a porta do meu quarto<br />

abriu-se. Eu sabia por que o Growl estava aqui, o que ele queria, mas<br />

eu estava tão confusa.<br />

Ele aproximou-se da cama, iluminado pela luz do corredor. Ele<br />

examinou meu rosto e eu só olhei para ele. Ele não estava usando uma<br />

camisa, e meus olhos traçaram as linhas de seus músculos, a forma<br />

como a luz acentuou seu abdômen. Eu queria esse homem. Vê-lo<br />

sempre fez meu corpo estremecer, não importa o quão conflitante eu<br />

estava. Meu olhar baixou para a protuberância nas calças de Growl.<br />

Deus, por que eu tinha que querê-lo?<br />

Growl ajoelhou-se na cama, mas eu apenas observei. Ele sempre<br />

foi a parte mais ativa na nossa vida sexual, mas geralmente eu pelo<br />

~ 126 ~


menos reagia de alguma forma. Eu podia ver frustração e confusão em<br />

seus olhos, então ele rastejou em minha direção e pairava sobre meu<br />

corpo. Seu cheiro me envolveu. Eu coloquei minhas mãos contra seu<br />

peito, pensando entre empurrando-o para longe e puxa-lo para mais<br />

perto. Growl tomou a decisão por mim. Ele agarrou minhas mãos e as<br />

pressionou no colchão acima da minha cabeça. Então ele baixou a<br />

cabeça para meus seios e sugou um mamilo em sua boca através do<br />

tecido sedoso da minha camisola. Apertei meus lábios, tentando conter<br />

um gemido. Mas isso parecia estimular Growl. Ele moveu sua cabeça<br />

para baixo em direção a minha calcinha. Eu sabia que estaria em suas<br />

mãos se eu o deixasse ir até lá. Eu me esforcei, mas sua outra mão<br />

desceu no meu quadril, me segurando rapidamente. Quando seu rosto<br />

estava a poucos centímetros do meu centro, ele inspirou<br />

profundamente. O calor subiu em minhas bochechas como sempre fazia<br />

quando ele fazia algo assim. Mas, apesar do meu embaraço, meu corpo<br />

inundou de calor.<br />

Growl lambeu minha calcinha e eu acalmei. Meu coração se<br />

apertou e meu corpo começou a formigar. Eu me esforcei ainda mais,<br />

mas Growl me ignorou completamente. Ele cutucou minha calcinha<br />

para o lado com seu nariz e lambeu minha carne nua.<br />

Ele deslizou a língua para cima e para baixo, com lambidas<br />

firmes, uma e outra vez. Uma umidade se agrupou entre as minhas<br />

pernas. Eu odiava meu corpo por isso, por sempre se render a ele.<br />

Ele mergulhou sua língua em minha abertura e soltou um<br />

estrondo profundo. Eu apertei meus olhos fechados, lutando contra a<br />

reação do meu corpo, tentando segurar um gemido. Eu não lhe daria<br />

essa satisfação. Mas ele não parou. Ele parecia desfrutar de cada<br />

momento. Toda vez que ele cantarolava, uma parte estúpida de mim<br />

estava ligada. Eu ainda não podia acreditar que ele gostava do meu<br />

gosto lá, mas ele obviamente apreciava. Ele moveu sua língua para cima<br />

e lambeu meu clitóris. Meus quadris se contraíram, mas desta vez não<br />

estava em uma tentativa de fugir. Growl manteve um ritmo constante.<br />

Eu não tinha chance de resistir a ele. Meu corpo estava sempre ansioso<br />

por seu toque. Ele deve ter sentido a minha rendição, porque ele soltou<br />

meu quadril e levou a mão para baixo entre as minhas pernas. Ele usou<br />

seu polegar e indicador para me separar, permitindo a sua língua ainda<br />

melhor acesso. Eu não pude evitar que um gemido alto escapasse.<br />

Errado, minha cabeça gritou. Mas eu desisti de resistir.<br />

~ 127 ~


Novamente minhas mãos encontraram a cabeça de Growl, mas<br />

então ele enrolou a língua de uma maneira que me fez gritar com a<br />

sensação.<br />

Growl sabia que tinha vencido. Eu poderia praticamente sentir<br />

sua presunção. Sua boca fechou sobre meu centro, mergulhando sua<br />

língua ainda mais fundo em mim, e meus dedos cravaram mais em seu<br />

couro cabeludo. Meu corpo começou a tremer e a língua de Growl<br />

pressionou ainda mais forte contra meu clitóris. Minha última<br />

resistência desmoronou quando uma onda de choque rolou sobre mim,<br />

tornando-me impotente e atordoada enquanto eu ofegava.<br />

Eu não tinha certeza de quanto tempo eu fiquei assim. Eu não<br />

conseguia me mexer, mal podia respirar, meu coração batia forte no<br />

meu peito enquanto eu olhava para a escuridão. Sombras dançavam<br />

nas ruas distantes que atravessavam a janela. Growl pressionou outro<br />

beijo entre as minhas pernas, então ficou de joelhos.<br />

Ele se inclinou sobre mim e beijou meus lábios. Eu podia sentir o<br />

gosto dele, sentir o cheiro de mim mesma. Eu respirei. — Isso é errado,<br />

— eu disse calmamente. Isso era traição? Ficar íntimo assim com o<br />

inimigo, com alguém como Growl, com um monstro, estava errado em<br />

todos os níveis que eu poderia imaginar. Ele tinha ajudado a derrubar o<br />

meu pai. Ele era parte de por que ele estava morto agora. E, no entanto,<br />

aqui estava eu, compartilhando uma cama com ele e desfrutando.<br />

— Pare de pensar demais em todas as merdas, — ele murmurou.<br />

— Você não pode entender, — eu disse duramente. Para ele,<br />

pecado e culpa e vergonha não eram palavras que importavam.<br />

— Talvez — admitiu. — Mas eu entendo seu corpo. — Ele<br />

pressionou dois dedos contra o meu centro úmido e os trouxe para seus<br />

lábios. — E seu corpo gosta disso.<br />

— Você é nojento, — eu disse. Eu tentei me afastar, fugir, mas era<br />

quase impossível com seu corpo pairando acima de mim. — Talvez meu<br />

corpo reaja com você, mas eu nunca sentirei nada além de ódio por<br />

você, seu monstro. — Eu fechei meus lábios com um estalo, incapaz de<br />

acreditar no que eu disse. Como eu poderia dizer-lhe algo assim se eu<br />

queria sua ajuda?<br />

— Eu sou um monstro, você tem esse direito. Sempre fui, sempre<br />

serei. Sou bom em ser um monstro. Poucas pessoas encontram algo que<br />

eles são boas, algo que deveriam ser, — disse ele simplesmente. Ele não<br />

parecia zangado, apenas resignado.<br />

~ 128 ~


— Isso é louco. Ninguém pretende ser um assassino. Ninguém<br />

deve ser como você. Você quer ser assim. Você disse que gostava de<br />

sangue, dor e morte, e fingir que nasceu um monstro é sua desculpa<br />

para justificar os horrores que cometeu.<br />

— Você está certa. Não há nada melhor do que o ímpeto de matar.<br />

É emocionante. É você contra eles. É tudo ou nada. Nada neste mundo<br />

faz com que se sinta mais vivo do que isso. Eu gosto disso. E eu não<br />

dou a mínima para justificar qualquer coisa a ninguém. Eu faria tudo<br />

de novo. Não me arrependo.<br />

Engoli em seco. — Eu não entendo. Como alguém se torna assim.<br />

Não pode ser por causa dessa cicatriz em sua garganta.<br />

Ele saiu da cama. — Eu tenho muitas cicatrizes e todas elas me<br />

fizeram o homem que sou hoje.<br />

Procurei em seu rosto uma pista da humanidade que eu tinha<br />

visto antes, mas ele parecia tão diferente naquele momento. — Isso não<br />

significa que não pode ser diferente. Você age tão forte e imbatível, mas<br />

você deixa seu passado e seu suposto destino ditar sua vida. Por que<br />

você não luta por um futuro melhor?<br />

— Para mim não há futuro.<br />

— Mas poderia haver — sussurrei.<br />

Growl procurou meu rosto novamente. Havia saudade. Ele queria<br />

mais desta vida, mesmo que ele não pudesse admitir isso para si<br />

mesmo ainda. Ele saiu sem mais uma palavra e fiquei acordada,<br />

olhando para a escuridão.<br />

Eu estava muito agitada para dormir e então eu levantei<br />

eventualmente. Por alguma razão eu precisava estar perto de Growl<br />

agora.<br />

Estava em silêncio dentro da casa quando entrei no corredor.<br />

Minha respiração lenta parecia uma intrusa no silêncio. Fui para o<br />

quarto de Growl, mas a porta estava aberta e ele não estava lá dentro.<br />

Onde ele estava? Eu escorreguei através da escuridão quando<br />

meus olhos registraram uma luz fraca saindo dentro da casa do quintal.<br />

Tentei me mover silenciosamente quando me aproximei da porta do<br />

terraço. Growl estava sentado na pequena mesa surrada. Uma vela meio<br />

queimada em um pires mal iluminava a noite, mas conseguiu lançar<br />

sombras misteriosas em seu rosto. Os cães estavam esticados aos seus<br />

pés. Eles não reagiram. Ou eles não tinham me notado, o que realmente<br />

~ 129 ~


não os qualificava como cães de guarda, ou eles me consideravam<br />

muito desinteressante para uma reação. Growl parecia solitário. No<br />

curto espaço de tempo em que o conhecia, aprendi a ler melhor suas<br />

expressões, mas ainda não o entendia.<br />

Ele procurou se aproximar de mim, estava tentando me tratar<br />

bem, mesmo que ele nunca tivesse aprendido como. Alguém já o tratou<br />

bem? Exceto por sua mãe, talvez. Eu pensei em voltar para o meu<br />

quarto, mas algo me manteve enraizada no local.<br />

— Eu sei que você está aí, — Growl disse calmamente.<br />

Caminhei em sua direção hesitante. Ele parecia cansado. — Você<br />

deveria estar dormindo, — disse ele.<br />

— Você também.<br />

— Eu não consigo, — ele admitiu.<br />

— Nem eu.<br />

Nós olhamos um para o outro. — Posso ficar?<br />

Growl assentiu. Dei um passo em direção à cadeira livre, então<br />

mudei de ideia e fui até Growl. Suas sobrancelhas franziram quando ele<br />

me observou. Eu rastejei em seu colo e coloquei minha cabeça para<br />

baixo em seu ombro. Ele soltou um fôlego, mas não fez mais nada.<br />

Ele era quente e forte. Eu inalei seu cheiro. Não demorou muito<br />

para que meus olhos se sentissem pesados. Quando eu estava quase<br />

dormindo, senti os dedos de Growl deslizarem sobre meu cabelo. Para<br />

cima e para baixo. E então eu adormeci.<br />

* * *<br />

Eu estava de volta na minha cama quando eu acordei na manhã<br />

seguinte, e Growl voltou a ser distante como habitual, quando eu entrei<br />

na cozinha e agarrei a xícara de café esperando por mim.<br />

— Vou lhe mostrar onde enterraram seu pai — disse Growl sem<br />

aviso prévio.<br />

Eu congelei. Minha garganta se apertou com emoções e a maior<br />

parte da minha raiva se esvaiu. — Você vai? — Minha voz estava<br />

trêmula.<br />

~ 130 ~


Growl assentiu, com os olhos quase gentis. — Você deveria ter a<br />

chance de dizer adeus. Se isso facilitar as coisas.<br />

Eu não tinha certeza se isso era verdade, mas eu estava grata de<br />

qualquer maneira. Seus atos de bondade ainda me surpreendiam. Eu<br />

não sabia o que fazer com o homem na minha frente. — Você teve a<br />

chance de dizer adeus à sua mãe?<br />

A expressão de Growl tornou-se ainda mais cautelosa. — Eu a vi<br />

morrer, e foi aí que eu disse adeus. Depois disso, eles cortaram minha<br />

garganta, e eu tive que lutar por minha vida.<br />

Eu ruborizei. Claro. Ele era um garotinho que tinha sofrido<br />

horrivelmente. Era difícil imaginar o Growl como qualquer coisa além do<br />

homem poderoso e cruel na minha frente. Que ele tinha sido um<br />

menino inocente era fácil de esquecer.<br />

Eu mudei de assunto. — Quando você vai me mostrar?<br />

— Assim que terminar o seu café. — Ele esvaziou sua própria<br />

xícara e colocou-a de volta no balcão. Eu dei dois longos goles que<br />

queimaram minha língua e garganta, então assenti. — Estou pronta.<br />

* * *<br />

Dirigimos por um longo tempo até que as luzes chamativas e as<br />

ruas lotadas de Las Vegas ficassem bem atrás de nós. A paisagem ficou<br />

mais áspera, e cada vez menos sinais de civilização eram visíveis.<br />

Rochas subiam ao lado da rua, brilhando vermelho e laranja no sol da<br />

tarde. O vale do fogo. Eu só tinha dirigido por ele uma vez antes e foi na<br />

noite em que o poder das cores não era visível mais.<br />

Apesar de ter vivido em Las Vegas toda a minha vida, eu<br />

raramente explorava seus arredores. Minha família nunca tinha sido do<br />

tipo de fazer viagens pelas estradas. Nossas férias eram para Aspen,<br />

México ou Bahamas. Meu peito apertou bruscamente com as<br />

lembranças de nossa última viagem de esqui a Aspen em fevereiro<br />

passado. Até mesmo o pai se permitiu um tempo livre suficiente para<br />

esquiar conosco, e à noite todos nós nos reunimos em frente à lareira<br />

em nosso chalé de esqui.<br />

De repente eu não podia mais apreciar a paisagem. Esta viagem<br />

era um adeus. Nunca mais passaria férias com minha família inteira,<br />

~ 131 ~


nunca viria meu pai esforçar-se para manter o fogo queimando na<br />

lareira, xingando enquanto a mãe o repreendia por isso. Eu nem sequer<br />

tinha certeza se voltaria a ver minha irmã, e se algo acontecesse com<br />

ela, nem minha mãe e nem eu poderíamos viver isso.<br />

Eu tive que me forçar a continuar respirando, apesar da tensão<br />

da minha garganta. Growl olhou para mim, mas eu o ignorei. Eu não<br />

queria falar com ele. Minhas emoções eram um turbilhão, eu mal<br />

conseguia entender. Eu duvidava que ele fosse capaz e eu me<br />

preocupava que ele tentaria me convencer a não visitar a sepultura de<br />

meu pai, afinal.<br />

Eventualmente, ele puxou o carro para fora da rua asfaltada e<br />

dirigiu ao longo de uma estrada de terra. Nossas rodas rodopiaram pó<br />

vermelho que se instalou em uma camada grossa nas janelas. Growl<br />

tentou tirar o pó das janelas com os limpadores de para brisa, mas em<br />

vão. A vibração do carro enquanto nós dirigíamos sobre solavancos e<br />

pedras menores me fez sentir mal, e eu fechei os olhos. Eu não tinha<br />

tanta certeza se isso era uma boa ideia depois de tudo. Mas agora era<br />

tarde demais para voltar sem ter que me explicar para Growl. Eu não<br />

queria parecer fraca.<br />

O carro parou e eu olhei para fora. Estávamos no meio do nada.<br />

Nem sequer havia uma estrada de terra. Não havia absolutamente nada.<br />

— Está aqui — Growl disse com naturalidade. Ele olhou para mim<br />

como se estivesse esperando por algum tipo de resposta, mas não havia<br />

palavras em mim no momento. Eu acenei com a cabeça apenas para<br />

mostrar a ele que eu tinha entendido. Ele abriu a porta e saiu. Eu<br />

respirei fundo e pressionei minha palma contra o meu estômago,<br />

esperando me acalmar. Sem chance.<br />

Saí do carro e o calor bateu em mim como um punho. Como<br />

poderia sobreviver alguma coisa aqui? Meus olhos procuraram no<br />

horizonte qualquer sinal de civilização, mas nós éramos as únicas<br />

pessoas ao redor.<br />

— Venha. Está muito quente aqui.<br />

Ele se afastou, sem sequer verificar se eu estava seguindo. É claro<br />

que ele não precisava se preocupar que eu fosse fugir. Não havia para<br />

onde correr para fora daqui. Eu morreria de sede ou calor antes de<br />

encontrar outra pessoa. Mas eu percebi então que ele tinha sido menos<br />

cauteloso em geral em torno de mim recentemente. Ele começou a<br />

confiar em mim.<br />

~ 132 ~


Enquanto eu seguia Growl através da areia, outro pensamento de<br />

repente me atingiu. E se Growl estivesse cansado de mim e decidisse se<br />

desfazer de mim no deserto? Talvez eu tivesse feito muitas perguntas,<br />

chegado muito perto da sua zona de conforto? Eu não sobreviveria<br />

muito tempo aqui se ele me abandonasse. Ele nem precisava me matar,<br />

o deserto o faria.<br />

Eu balancei a cabeça. Minha imaginação estava fora de controle.<br />

Growl não tinha razão para se livrar de mim. Ele gostava da minha<br />

companhia, mesmo que tentasse esconder.<br />

Growl levou-me a um lugar rodeado por alguns arbustos secos.<br />

Não havia nenhum sinal de uma sepultura. — Ele está lá. — Ele<br />

apontou para o chão empoeirado.<br />

Eu me agachei ao lado do local e coloquei minha palma contra a<br />

areia. Meus olhos chiaram, mas eu não chorei. — Eu realmente pensei<br />

que você o teria alimentado aos cães.<br />

Growl franziu o cenho. — Não é assim que se deve tratar os<br />

mortos.<br />

Eu soltei uma gargalhada. — Sério? Você não se importa de matar<br />

e machucar as pessoas, mas você se importa com seus cadáveres.<br />

— A morte era seu castigo. Não faz sentido contaminar seus<br />

corpos.<br />

— Eu sei que Falcone já fez isso antes. O pai contou à mãe sobre<br />

isso, e até me perguntou quando eu a visitei. Cheguei a ouvir rumores<br />

de que ele alimentava os seus cães de briga com os corpos e fazia com<br />

que as famílias observassem.<br />

— Eu nem sempre concordo com o que Falcone faz.<br />

Isso era pelo menos alguma coisa, eu supus. — Você já o viu fazer<br />

algo assim?<br />

Growl assentiu. — Uma vez. Mas a família não precisava assistir.<br />

Falcone sabe que eu não me importo com violência inútil, então ele<br />

geralmente não me pede para ficar para assistir.<br />

Abaixei meus olhos de volta ao chão. Era difícil imaginar que meu<br />

pai estivesse abaixo de mim. O pai tinha conhecia os riscos de seu<br />

trabalho, tinha ganhado muito dinheiro com ele, e provavelmente era<br />

responsável pela morte de várias pessoas, mas ele não merecia isso. Eu<br />

desejei que ele estivesse aqui, então eu poderia ter uma longa conversa<br />

~ 133 ~


com ele. Eu não conseguia me lembrar quando tivemos a nossa última.<br />

Há muito tempo. — Quando você veio para a nossa casa, você pensou<br />

que era precisaria matar meu pai? — Eu não tinha certeza por que isso<br />

importava. Eu sabia que Growl era um assassino e que ele não hesitaria<br />

em puxar o gatilho.<br />

— Falcone não nos tinha dito quem ia matar seu pai.<br />

— Mas você sabia que ele o queria morto. — Eu levantei meus<br />

olhos para encontrar o dele.<br />

Ele me deu uma olhada. — Seu pai traiu Falcone. A morte é a<br />

punição para isso.<br />

Eu suspirei e me levantei, tirando o pó de minhas calças que<br />

estavam cobertas por uma fina camada de areia vermelha.<br />

— Você vai ao túmulo de sua mãe? — Perguntei.<br />

— Não, — disse ele. Não havia emoção em sua voz. — É apenas<br />

seu corpo lá embaixo. E nem me lembro dela muito. Prefiro não ficar no<br />

passado.<br />

Isso era provavelmente uma necessidade considerando os muitos<br />

aspectos escuros de sua vida. — E, até certo ponto, você sabe.<br />

Confusão encheu o rosto do rosnado. — O que você quer dizer?<br />

— Você deixou o passado determinar quem você é agora, e está<br />

ligado a um homem que fez você quem você é hoje. Há muito passado<br />

em sua vida.<br />

Growl considerou isso. Realmente parecia que minhas palavras<br />

estavam chegando até ele.<br />

Arrisquei o próximo passo. — Você não quer vingança? Você<br />

nunca sonhou em matá-lo? Machucá-lo pelo que ele te fez? Você poderia<br />

terminar tudo. Livre-se do seu passado de uma vez por todas.<br />

Growl balançou a cabeça. — Eu lhe disse, o que ele fez para mim<br />

me fez quem eu sou. Eu não estaria aqui sem ele. Eu não estaria aqui<br />

com você sem ele. Ele me deu você e isso é mais do que eu esperava.<br />

Por um momento eu não conseguia respirar, não conseguia me<br />

mover, não conseguia fazer nada além de olhar fixamente e tentar<br />

chegar a um acordo com o que o Growl acabara de dizer. Como poucas<br />

palavras poderiam significar tanto para mim? Como poderia algo que<br />

~ 134 ~


aquele homem, aquele monstro disse, significar alguma coisa? Parecia<br />

impossível, mesmo agora.<br />

Ele deu um passo mais perto e escovou um fio de cabelo do meu<br />

rosto antes de pegar minha mão na dele. Não era um gesto romântico,<br />

mais como se ele precisasse convencer-se de algo, necessário para<br />

torná-lo tangível para compreender. — Mas ele dar você a mim, não foi<br />

bondade, — disse ele. — Nada como isso. Era cruel e degradante. Ele<br />

queria te punir e ele sabia que eu era o tipo de punição que iria quebrála.<br />

— Ele soltou minha mão. — Basta olhar para a pele. Sem mácula.<br />

Limpa. E olhe para mim. — Ele estendeu os braços, coberto de<br />

tatuagens e cicatrizes, bronzeado e musculoso. Sua vida se mostrava<br />

em seu corpo.<br />

Eu não sabia o que dizer. A auto aversão escorria de todos os<br />

poros de seu corpo, e eu não tinha certeza de como lidar com isso.<br />

— Falcone esperava que eu fizesse com você o que ele fez comigo.<br />

Transformar você em algo horrível. Quebra-la.<br />

Eu agarrei sua mão firmemente. — Você não me quebrou, — eu<br />

disse obstinadamente. Mas eu não tinha certeza se era verdade. Eu não<br />

era a pessoa que eu costumava ser. Alguma parte de mim tinha sido<br />

quebrada, não por violência causada por suas mãos e ainda, eu tinha<br />

mudado.<br />

— Pare de se odiar, — eu disse com raiva. — Você não é<br />

impotente. Você é talvez a única pessoa que pode fazer algo contra<br />

Falcone. Se você se sente tão mal sobre por que Falcone me deu para<br />

você, então me ajude. Você sempre diz que está perdido, que não pode<br />

se redimir. Mas isso não é verdade. Você poderia compensar seus<br />

pecados ajudando a mim e a minha família.<br />

Growl enrolou os dedos sobre a minha mão. — Por exigir vingança<br />

— disse ele, curioso.<br />

Eu hesitei. — Sim. — Eu estava sendo hipócrita por sugerir algo<br />

assim? — Falcone merece a morte. Nós nunca seremos livres com ele<br />

por perto. Não só porque ele pode nos dizer o que fazer, mas porque<br />

controla o nosso passado, ele o moldou, moldou-nos irrevogavelmente.<br />

Growl recuou, soltando minha mão. — Não me peça novamente.<br />

Não posso te ajudar.<br />

Meu coração afundou. Por um momento, ele realmente pensou em<br />

dizer sim. Eu tinha visto isso em seu rosto. Devo continuar tentando<br />

~ 135 ~


mesmo que ele me disse para não continuar? Ou devo apenas aceitar o<br />

que, obviamente, nada poderia ser mudado e esperar que tudo ficasse<br />

bem para minha mãe e irmã de qualquer maneira?<br />

Eu não poderia dizer mais nada.<br />

~ 136 ~


Capítulo dezessete<br />

CARA<br />

Growl afastou-se de mim nos dias depois da minha visita ao<br />

túmulo. Eu o deixei. Eu não sabia o que fazer.<br />

Ele não tinha sequer me visitado no meu quarto e eu estava<br />

começando a sentir falta disso, sentir falta dele.<br />

Deitada acordada em minha cama, eu escutava cada som lá fora.<br />

Growl tinha saído novamente sem uma explicação depois de escurecer,<br />

e eu estava aterrorizada neste bairro assustador em ficar sozinha à<br />

noite.<br />

Eventualmente, quando cada rangido me fazia pular, eu saía da<br />

cama. Saí do quarto e parei no corredor escuro, ouvindo o som de patas<br />

no chão, mas não havia nada. Talvez Growl tivesse deixado os cachorros<br />

dormirem em seu quarto. Eu fui em direção a ele, mas atrás da porta<br />

estava quieto. Eu caminhei na ponta dos pés na sala de estar. Estava<br />

escuro lá também. Somente a luz da lua escura que fluía através das<br />

janelas permitia meus olhos enxergarem qualquer coisa lá fora. Do lado<br />

de fora eu podia ouvir os gritos ocasionais ou uma sirene à distância,<br />

sons que pareciam encher todas as noites nessa área. Eu não tinha<br />

certeza por que Growl escolheu viver aqui. Como ele podia suportar<br />

isso? Ou talvez a desesperança e a brutalidade que enchiam tantas<br />

casas na rua fosse algo familiar para ele, algo que ele podia entender.<br />

Um movimento no canto me deixou tensa. Então meus olhos viram a<br />

cabeça de Coco e, ao lado dela, a de Bandit. Os cães estavam me<br />

observando, mas eles não se mexiam de seus lugares de dormir. Eu não<br />

queria voltar para o meu quarto. Eu estava tão cansada de me sentir<br />

sozinha todo o tempo, de estar sozinha com meus pensamentos, medos<br />

e preocupações. Caminhei até o sofá e afundei-me. Coco levantou-se do<br />

cobertor e trotou em minha direção. Eu não estava exatamente mais<br />

com medo dos cães, mas às vezes eles ainda me deixavam nervosa,<br />

especialmente Bandit, eu não podia ler seus movimentos muito bem,<br />

uma vez que minha família nunca teve animais de estimação. Mas agora<br />

~ 137 ~


Coco não parecia de mau humor. Ela parou ao lado de minhas pernas e<br />

colocou a cabeça grande no meu joelho, olhando para mim com<br />

expectativa. Levantei minha mão com cuidado, não querendo assustála,<br />

e segurei-a em frente ao nariz para que ela pudesse cheirar como<br />

Growl tinha me mostrado no começo.<br />

Coco não fez, entretanto, ela lambeu minha mão. Sua língua era<br />

quente e áspera, mas contra minha expectativa não era nojenta, embora<br />

a ideia de todos os lugares que a língua tinha estado antes não era<br />

reconfortante. A respiração morna do cão na minha pele e aquele sinal<br />

óbvio de ternura trouxeram lágrimas aos meus olhos. Eu gentilmente<br />

passei minha mão por suas macias orelhas e cabeça, e ela deixou<br />

escapar uma respiração profunda. Eu não pude deixar de sorrir.<br />

Estiquei-me no sofá e bati no estofado ao meu lado. Coco não hesitou.<br />

Ela se levantou e se deitou ao meu lado, seu corpo musculoso<br />

pressionado contra mim. Eu acariciei o comprimento de suas costas,<br />

saboreando a sensação de seu corpo quente ao meu lado. O som de<br />

garras na madeira me fez levantar a cabeça, bem a tempo de ver Bandit<br />

pular do chão e pousar no sofá aos meus pés onde ele se enrolou, suas<br />

costas pressionadas contra a curva dos meus joelhos. Eu sabia que<br />

estaria segura com eles, e os ruídos assustadores do lado de fora<br />

deixaram de me incomodar.<br />

mim.<br />

Com seus corpos me aquecendo, o sono rapidamente caiu sobre<br />

* * *<br />

Eu não tinha certeza do que me acordou, mas quando eu abri<br />

meus olhos, o sol tinha acabado de sair do lado de fora. Coco e Bandit<br />

ainda estavam aconchegados em mim; o que era provavelmente a razão<br />

por que eu não estava com frio, embora não tivesse um cobertor.<br />

Eu tinha dormido sem pesadelos, algo que não acontecia em um<br />

tempo. Coco levantou a cabeça para olhar algo atrás de mim. Olhei por<br />

cima do meu ombro e encontrei Growl encostado no batente da porta,<br />

observando-me e os cães.<br />

— Eles geralmente não aquecem as pessoas facilmente. Eles<br />

devem realmente gostar de você para dormirem ao seu lado desse jeito.<br />

~ 138 ~


Sentei-me, o que não era fácil, já que Coco e Bandit estavam tão<br />

perto de mim. Ambos os cães me deram o que eu só poderia chamar<br />

olhares reprovadores, porque eu perturbei o seu sono, mas finalmente<br />

meus pés descalços atingiram o chão e eu estava sentada.<br />

— Talvez eles estivessem solitários.<br />

— Por que eles estariam? Eles não estão sozinhos. Eles têm um ao<br />

outro e eu não os deixo sozinhos muito frequentemente.<br />

— Só porque alguém não está sozinho não significa que ele não<br />

está solitário — eu disse calmamente.<br />

Growl procurou meu rosto. — Você está solitária? — A<br />

intensidade de seu olhar me fez querer se esconder. Em vez disso eu<br />

abaixei meu olhar para Coco e me levantei. Ouvi Growl vir atrás de<br />

mim. Sua mão roçou meu ombro, depois garganta.<br />

— Às vezes, — eu admiti. — Esta casa não é um lugar onde é fácil<br />

se sentir em casa.<br />

As pontas de seus dedos rastrearam minha clavícula e o toque<br />

levantou arrepios em minha pele. Ele não disse nada, nem eu.<br />

Lentamente, sua mão deslizou debaixo da minha camisola até que seus<br />

dedos roçaram meu mamilo. Eu tremi com o formigamento que<br />

percorreu meu corpo.<br />

Sua mão segurou meu peito e apertou levemente. Um pequeno<br />

gemido deslizou para fora da minha boca. Growl fez um movimento com<br />

a outra mão e ambos os cães pularam do sofá. A outra mão de Growl<br />

juntou-se à sua primeira e agarrou meu outro peito. Ele girou meus<br />

mamilos entre as pontas dos dedos. Ele puxou um pouco mais e a dor<br />

se misturou com a luxúria. Minhas pernas se separaram quando a<br />

pressão e o calor entre elas se tornaram quase insuportáveis. Eu queria<br />

que ele me tocasse ali, queria que ele elevasse minha necessidade.<br />

Ele inclinou-se para baixo, enganchando-me entre seus braços<br />

musculosos e deixando uma mão deslizar para baixo sobre o meu<br />

estômago e através de meus cachos. Eu tremi novamente e abri minhas<br />

pernas um pouco mais amplas. Depois de dias sem o seu toque, meu<br />

corpo estava praticamente sedento por isso.<br />

O que eu estava fazendo? Quando eu tinha começado a<br />

choramingar por seu toque? Quando eu tinha abandonado<br />

completamente a resistência? Growl mergulhou um dedo em meu<br />

centro apertado, me fazendo gritar. Ele torceu meu mamilo novamente e<br />

~ 139 ~


eu gemi alto. Minha cabeça caiu para trás e pousou em seu ombro. Eu<br />

já estava tão molhada, e quando Growl puxou meus mamilos no ritmo<br />

com seu dedo empurrando em mim, eu quase desmoronei. Lutei contra<br />

o meu orgasmo. Eu não queria dar a ele a satisfação de me fazer gozar<br />

depois de um minuto de que ele começou a me tocar.<br />

Sua respiração estava quente contra a minha garganta enquanto<br />

lambia o ponto sobre meu pulso cardíaco, então puxou a pele em sua<br />

boca e sugou. Eu mordi meu lábio inferior, esperando que a dor me<br />

acalmasse. Ele soltou minha pele, então deixou seu nariz escovar minha<br />

garganta até o ponto atrás de minha orelha. Ele soltou meu peito e um<br />

baixo som de protesto pressionou entre meus lábios. Growl ronronou<br />

profundamente e o som me fez tremer de prazer. Sua palma segurou<br />

minha bochecha e ele inclinou meu rosto para o dele, então esmagou<br />

seus lábios contra os meus. Sua língua conquistou minha boca. Ele<br />

tinha gosto de café fresco e sua boca estava incrivelmente quente, tudo<br />

sobre ele era.<br />

Ele soltou a mão do meu rosto e a devolveu ao meu peito,<br />

continuando seus cuidados. Meu mamilo se sentiu quase cru de sua<br />

torção, mas ele se sentiu muito vibrante, muito bom para pedir-lhe para<br />

parar. Um segundo dedo juntou-se ao primeiro. Eu exalei,<br />

acostumando-me à plenitude novamente, mas Growl não me deu muito<br />

tempo. Ele estabeleceu um ritmo rápido e forte. Reivindicou minha boca<br />

e peitos e vagina, meu corpo inteiro. Minhas pernas começaram a<br />

tremer enquanto a pressão aumentava cada vez mais, e então eu<br />

explodi. Ondas de luxúria se espalharam pelo meu corpo a partir do<br />

meu núcleo. Arqueei do sofá e chorei na boca de Growl. Ele empurrou<br />

seus dedos ainda mais duro em mim e deu um puxão final do meu<br />

peito. Eu me encostei contra ele, completamente exausta e sem fôlego.<br />

Growl puxou a mão dele e uma sensação de frio me venceu na<br />

falta de seu toque. Mas Growl apareceu ao lado do sofá. Ele desabotoou<br />

suas calças e as deixou escorregar pelas pernas. Seu pênis ereto saltou<br />

livre, já brilhando. Ele segurou a parte de trás da minha cabeça e eu<br />

deixei que ele me guiasse em direção a seu pênis, separando meus<br />

lábios enquanto sua ponta os roçava. Growl segurou-me no lugar<br />

enquanto ele fodia minha boca. De repente, o desejo de ter mais<br />

controle superou-me e eu o empurrei para trás. O aperto na parte de<br />

trás da minha cabeça apertou brevemente, mas então ele me soltou,<br />

confusão piscando em seu rosto antes de ser substituído por uma<br />

expressão neutra. No momento em que ele deixou cair a mão da minha<br />

cabeça, me deixando livre, eu me inclinei para frente e o levei para<br />

minha boca novamente. Surpresa encheu seus olhos, depois pura<br />

~ 140 ~


luxúria. Eu girei minha língua em torno de sua ponta, então puxei de<br />

volta outra vez para correr minha língua de sua base até sua ponta.<br />

Enrolei meus dedos em torno de seu comprimento e movi-o para cima e<br />

para baixo lentamente, tentando descobrir como se mover. Growl me<br />

observou enquanto eu lambia suas bolas. Eles se apertaram e uma nova<br />

gota apareceu na ponta de seu pênis, me encorajando ainda mais. Uma<br />

das minhas mãos cobriu seu traseiro duro. Os músculos se dobraram<br />

sob minha palma. A sensação de sua força me deu uma emoção. Como<br />

poderia seu poder me intimidar em todas as outras situações, mas me<br />

transformar no momento em que fazíamos sexo?<br />

Eu desliguei meu cérebro. Eu não queria pensar, só queria sentir.<br />

O sexo era o único momento em que sentia algo parecido com liberdade<br />

e a felicidade. Talvez estivesse errado, mas eu estava determinada a me<br />

agarrar a qualquer coisa que me ajudasse no futuro próximo. Eu<br />

bombeei seu comprimento rápido e trabalhei a ponta entre meus lábios.<br />

Logo Growl começou a bombear ligeiramente, dirigindo-se mais<br />

profundo em minha boca. Eu o soltei e então ele ficou tenso, deixando<br />

escapar um som gutural. Eu tentei engolir tudo, mas algumas gotas<br />

correram pelo meu queixo. Growl me levantou e reclamou minha boca<br />

para outro beijo. Eu o beijei de volta, querendo que ele se provasse<br />

como eu. Quando ele se afastou, estávamos ambos ofegantes e suando.<br />

Growl soltou meus ombros e deu outro passo para trás, bem<br />

desse jeito construindo uma parede entre nós novamente.<br />

— Vamos tomar o café da manhã. Estou morrendo de fome. —<br />

Sua voz era ainda mais profunda do que o normal. Seus olhos<br />

seguraram os meus por alguns segundos mais. Ele queria dizer algo,<br />

estava claro em seu rosto, mas então ele se virou e foi para a cozinha.<br />

Eu nem sabia o que eu estava esperando exatamente. Às vezes eu não<br />

tinha certeza do que eu queria. No começo tudo tinha sido sobre fazer<br />

Growl confiar em mim para que eu pudesse usá-lo para meus<br />

propósitos, mas agora havia mais.<br />

Eu não deveria esperar por algo que nunca iria acontecer. E o que<br />

era ainda mais importante: eu não deveria desejar algo que era tão<br />

errado. Eu não podia me permitir esquecer por que eu estava aqui,<br />

mesmo se fingir tornasse a vida mais fácil. Mas eu era uma prisioneira.<br />

Growl era praticamente meu dono, e mesmo se ele alguma vez decidisse<br />

me deixar ir, o que eu duvidava que ele alguma vez fizesse, ninguém no<br />

nosso mundo me tocaria depois que eu estive com o Growl, muito<br />

menos casaria comigo. Eu estava manchada. Não servia como um bom<br />

partido. Eu nunca poderia voltar para a sociedade. Las Vegas estava<br />

~ 141 ~


morta para mim. Recostei-me no sofá. Uma onda de solidão estava<br />

prestes a arrancar seu caminho para fora do meu peito novamente.<br />

Eu peguei Coco olhando para mim. Ela parecia confusa.<br />

— Eu também não entendo nada disso — sussurrei. Ela inclinou<br />

a cabeça para o lado. Um pequeno sorriso puxou meus lábios para sua<br />

confusão.<br />

Eu empurrei para fica de pé. Eu não ia me afogar em auto<br />

piedade. Não era como se eu precisasse ou quisesse o carinho ou a<br />

proximidade de Growl. O sexo era um meio para um fim. Isso me ajudou<br />

a me sentir melhor e me ajudou a entender Growl melhor. Se eu<br />

quisesse uma chance de manipulá-lo para me deixar ir e ajudar a<br />

minha família, eu teria que usar todos os truques que eu tinha.<br />

GROWL<br />

Seus cães não gostavam de seres humanos. Mesmo ele teve que<br />

lutar por muito tempo para que confiassem nele. Mas Cara, eles<br />

pareciam amá-la. Se os cães fossem mesmo capazes de ter esse tipo de<br />

emoção. Growl estava certo de que a maioria dos humanos também<br />

não. Eles gostavam da ideia do amor, mas nunca chegaram a esse nível<br />

com alguém.<br />

Amor. Uma noção tola. E perigosa. Coisas horríveis tinham sido<br />

feitas em nome do amor. Ou a ideia disso.<br />

Growl não pensou que ele já tinha sentido algo parecido. Pelo<br />

menos ele não conseguia se lembrar. Talvez ele tivesse amado sua mãe<br />

quando ele era pequeno. Ele tinha conseguido uma cicatriz por isso.<br />

Amor.<br />

Não era algo que pudesse compreender.<br />

Cara. Aquela mulher.<br />

Ele sentiu algo. Mas ele não sabia o que era. Nunca se sentira<br />

assim antes.<br />

~ 142 ~


Ela o fez querer tratá-la bem. Ela o fez querer ser melhor. Ela o fez<br />

querer tantas coisas que ele não deveria querer.<br />

Ela era perigosa para ele, para a vida que tinha construído, para a<br />

pessoa em que se tornara.<br />

Ela queria que ele fosse contra Falcone, contra tudo o que ele<br />

tinha trabalhado tão duro para conseguir. Era por isso que ela deixava<br />

que ele a tocasse e por que ela às vezes sorria para ele, por que ela<br />

falava com ele e aceitava sua proximidade. Não poderia haver outra<br />

explicação.<br />

Ele sabia disso, e ainda assim ele era como uma mariposa atraída<br />

pela luz dela. A única luz que já havia penetrado na escuridão que era<br />

ele e sua vida.<br />

~ 143 ~


Capítulo dezoito<br />

CARA<br />

— Há algo que você precisa saber. — Growl inclinou-se contra o<br />

balcão da cozinha como ele frequentemente fazia. Ele quase nunca se<br />

sentava, como se ele sempre quisesse estar preparado para correr.<br />

Embora em seu caso o ataque fosse provavelmente mais exato. Mas seu<br />

olhar me preocupava. Algo me disse que não gostaria do que ele tinha a<br />

dizer.<br />

— Ok, — eu disse lentamente. — O que é? — Tantas coisas<br />

horríveis haviam acontecido nas últimas semanas, não havia muito que<br />

poderia me devastar, e então o medo me atingiu. — É sobre minha mãe<br />

ou irmã? Falcone decidiu que não precisa mais delas?<br />

Growl franziu a testa como se não pudesse imaginar como eu<br />

poderia ter tirado essa conclusão. Talvez a preocupação com os outros<br />

fosse algo totalmente estranho para ele.<br />

— Não, — ele rosnou. — É sobre o seu noivo.<br />

— Duvido que ele ainda seja meu noivo — murmurei. Quem iria<br />

me querer depois de tudo o que tinha acontecido? Eu era uma piada em<br />

nossa sociedade.<br />

O rosnado de Growl se aprofundou. — Ele não é. Você está certa.<br />

Seu olhar estava começando a me perturbar, o que era<br />

surpreendente considerando que, no começo, tudo sobre ele me<br />

perturbava. Aparentemente agora eu precisava de uma razão adicional<br />

para me sentir desconfortável em sua presença.<br />

— Bom, — eu disse com firmeza. — Eu não gostaria de me casar<br />

com ele de qualquer maneira.<br />

Dúvida cruzou o rosto de Growl. — Por quê? — Ele ressoou. Havia<br />

algo em sua voz que eu não conseguia colocar.<br />

~ 144 ~


Eu bufei. — Por quê? Você realmente precisa perguntar?<br />

Growl permaneceu em silêncio, aquela mesma expressão estoica<br />

em seu rosto.<br />

— Ele traiu meu pai para melhorar sua própria posição. Ele traiu<br />

minha família. Ele me traiu. Eu não quero um homem assim. Um<br />

homem que só olha para seu próprio umbigo, que não se importa com<br />

quem ele destrói para alcançar seus objetivos. Eu não quero um homem<br />

em quem eu não possa confiar. Ele é um porco, e eu gostaria de poder<br />

cuspir em seu rosto.<br />

— Você terá sua chance — disse Growl.<br />

Eu parei. — O que você quer dizer?<br />

Growl ignora a minha pergunta. — O que preciso dizer é que<br />

Cosimo e sua amiga vão se casar.<br />

Eu não tinha certeza se eu tinha ouvido corretamente. — Minha<br />

amiga?<br />

— Aquela menina Anastasia. Falcone me disse ontem à noite. Eles<br />

anunciaram seu noivado ontem.<br />

Eu não conseguia me mexer. Se isso era um pesadelo, eu queria<br />

acordar agora. — Você tem certeza?<br />

Growl assentiu com a cabeça. — Cosimo tem uma posição de<br />

poder agora. Ele precisa de uma esposa e de um herdeiro.<br />

Eu ri com amargura. — Não demorou muito para encontrar uma<br />

nova mulher para se casar. — Eu odiava como a notícia me fez se<br />

sentir. Apesar do meu ódio por Cosimo, senti-me esmagada. Não porque<br />

eu queria casar com ele, mas porque isso fazia minha vida como era<br />

agora, ainda mais de uma realidade. Não havia volta. A mudança era<br />

irrevogável. E Anastasia, como ela pode fazer isso? Eu sempre soube<br />

que Anastasia poderia ser viciosa e egoísta, mas nós éramos amigas<br />

desde que nós poderíamos andar. Tínhamos experimentado tantas<br />

coisas juntas. Isso não significava nada? Como minha amiga pode fazer<br />

isso? Anastasia sabia de tudo? Será que talvez ela já soubesse disso na<br />

festa de Falcone? Talvez isso explicasse por que ela parecia tão puta<br />

quando eu tinha dançado com Cosimo.<br />

Não, não poderia ser.<br />

~ 145 ~


Eu não queria acreditar que minha amiga não teria me avisado.<br />

Parecia cruel. Mais cruel do que o que Anastasia era capaz de fazer. Ela<br />

gostava de conversas fúteis e destruir a reputação das pessoas, mas<br />

este era um assunto diferente.<br />

Talvez Anastasia fosse uma vítima. Talvez seus pais e Falcone a<br />

tivessem obrigado a se casar com meu ex-noivo agora que eu já não era<br />

elegível. Afinal, Anastasia tinha a mesma idade que eu e era de uma boa<br />

família. Eu queria acreditar nisso. Mas o olhar que Cosimo e Anastasia<br />

trocaram na festa brilharam em minha mente. Havia algo como<br />

familiaridade entre eles. Ou eu estava pensando muito nisso agora que<br />

eu sabia de seu noivado. Eu não estava no estado mental adequado<br />

para pensar com clareza, então eu empurrei a imagem para longe. Eu<br />

não era capaz de suportar a ideia da traição horrível da minha amiga.<br />

Não, desde que eu não soubesse todos os fatos. Não fazia sentido eu<br />

percorrer todas as possibilidades.<br />

Growl ainda estava me observando. Eu não tinha certeza de<br />

quanto tempo eu estava perdida em meus pensamentos e eu esperava<br />

que meu rosto não tivesse entregado muito de meu tumulto interior.<br />

— Isso não me preocupa mais, — eu disse. — Não é como se eu<br />

ainda fosse parte de seu círculo.<br />

— Por quê você diria isso?<br />

Ele estava falando sério? — Oh vamos lá. Mesmo você deve<br />

perceber o que está acontecendo em nossa sociedade. Mesmo se você<br />

não se importa com nada disso. Existem regras. E eu sou tão boa<br />

quanto exilada.<br />

— Porque você está comigo. — Havia dor em sua voz. Seu rosnado<br />

constante tornou ainda mais difícil ouvir as nuances de suas emoções.<br />

Eu apertei meus lábios. Eu o ofendi? — Com você? — Eu<br />

perguntei curiosamente. — Você faz parecer que somos um casal<br />

quando eu sou apenas seu presente.<br />

Growl assentiu. — Você era. Mas agora que você é minha, você<br />

tem o mesmo status que eu tenho.<br />

— Isso não é verdade, — eu disse, frustrada por sua falta de<br />

compreensão. Será que ele realmente pensava que qualquer parte da<br />

vida que eu tinha antes poderia sobreviver? Eu tinha feito o melhor do<br />

meu destino, mas isso não significa que eu teria escolhido.<br />

~ 146 ~


Growl parecia frustrado como eu me sentia, mas eu não me<br />

importava. Eu não tinha energia para explicar nada a ele. Às vezes, sua<br />

deficiência para entender os relacionamentos humanos me deixava<br />

louca.<br />

— Talvez você não seja tão especial como antes — disse Growl, a<br />

palavra especial como uma maldição de seus lábios. — Mas você é parte<br />

deste mundo.<br />

Eu olhei para o balcão. — Eu não quero mais fazer parte deste<br />

mundo.<br />

— Isso não depende de você. Somos convidados para a festa de<br />

noivado de Cosimo e sua amiga — disse Growl.<br />

Minha respiração engatou e meus olhos voaram para olhar para<br />

Growl. — Você não pode estar falando sério.<br />

Ele olhou fixamente. Ele obviamente não estava brincando.<br />

— Eu não vou — eu disse, minha voz tremendo. Coco trotou para<br />

mim e descansou a cabeça no meu joelho. Eu coloquei minha palma<br />

sobre sua cabeça macia, mas não consegui me acalmar. Até Bandit<br />

viera da sala para me observar com olhos curiosos.<br />

— Sim, você vai. Falcone nos quer lá, então estaremos lá.<br />

— Eu não me importo com o que ele quer. Eu o odeio. E ele só<br />

quer me humilhar de qualquer maneira. Todo mundo sabe que Cosimo<br />

era meu noivo e que Anastasia é... era minha amiga. Todos vão rir de<br />

mim.<br />

Eu só podia imaginar a humilhação que eu seria submetida. Eu<br />

não pensei que eu poderia suportá-la.<br />

— Ninguém vai rir de você quando estiver ao seu lado, — disse ele<br />

em voz baixa.<br />

Eu parei. — Por que você se importa?<br />

— Você é minha, e eu não vou deixar ninguém falar merda sobre<br />

algo que pertence a mim.<br />

Claro. Era uma coisa do ego. Ele não se importava comigo. Ele só<br />

queria ter certeza de que as pessoas lhe mostraram o respeito<br />

necessário e que incluíam respeitando seus pertences. Eu queria gritar<br />

de frustração, mas eu o mordi de volta. Esta festa era a minha chance<br />

de pedir aos meus amigos por ajuda. Nós nos conhecíamos<br />

~ 147 ~


praticamente por toda as nossas vidas. Agora que Growl tinha deixado<br />

claro que ele não iria me ajudar contra Falcone, eles eram<br />

provavelmente a minha última chance.<br />

* * *<br />

Eu tinha temido este dia desde que Growl tinha me dito há dois<br />

dias, mas eu prometi manter a cabeça erguida. Eu era mais forte do que<br />

costumava ser. Eu passaria por essa festa.<br />

Growl estava de pé na sala, puxando o colarinho da camisa com<br />

uma mão enquanto um laço se enroscava na outra.<br />

Era óbvio que ele se sentia incômodo vestido assim. Não era quem<br />

ele era. Colocá-lo em um terno era como colocar um tigre em uma<br />

gaiola. Na festa de Falcone, ele escondia seu desconforto por trás de<br />

uma máscara de indiferença, mas agora, num momento em que<br />

pensava que estava sozinho, suas defesas estavam perdidas. Não era a<br />

primeira vez que eu via um vislumbre de algo humano. Foi<br />

desconcertante porque eu não queria vê-lo como qualquer coisa além de<br />

um monstro. Ele tornou as coisas mais fáceis. Eu não queria arriscar<br />

realmente esperar por algo que era absolutamente irreal.<br />

Growl colocou a gravata em volta do pescoço dele e depois se<br />

atrapalhou por um minuto com ambas as extremidades até que ele fez<br />

um som de frustração e jogou a gravata no chão. Era provavelmente por<br />

isso que ele não tinha usado gravata na última festa. Um pequeno<br />

sorriso puxou meu lábio e eu me aproximei.<br />

— Você precisa de ajuda?<br />

Os olhos do Growl lançaram-se para mim, parecendo<br />

consternado. Então eles lentamente deslizaram para baixo, me olhando.<br />

Poucos momentos antes eu me senti mal porque o vestido não era novo,<br />

porque todo mundo sabia que eu tinha usado antes, mas agora, com a<br />

maneira que Growl olhou para mim, de repente não importava muito.<br />

Eu rapidamente desviei o olhar, assustada com a forma como sua<br />

expressão me importava, e apontei para a gravata no chão.<br />

— Você pode fazer um nó? — Ele perguntou com uma pitada de<br />

surpresa.<br />

~ 148 ~


— Claro, — eu disse enquanto caminhava em direção a ele. Seus<br />

olhos seguiam cada movimento. Muitas vezes eu tinha problemas para<br />

ler suas expressões, mas agora não havia necessidade de adivinhar:<br />

luxúria e apreço. Isso enviou uma emoção através do meu corpo.<br />

— Você parece uma dama, — ele murmurou.<br />

GROWL<br />

Seus movimentos eram pura graça. Não havia nada mundano,<br />

nada barato sobre Cara. Ela era uma menina nascida para ser uma<br />

princesa e agora ela tinha sido degradada a ser uma simples serva.<br />

Talvez Falcone tivesse querido tirar tudo dela, mas isso, sua educação,<br />

sua beleza e graça, isso ele não podia tirar. Talvez ele tivesse esperado<br />

que a quebrasse tão irrevogavelmente que se tornaria outra pessoa, que<br />

perderia aquela parte de si mesma. Mas ele não fez isso.<br />

Ele era um monstro. Sempre seria. Mas ele podia apreciar algo<br />

precioso, algo tão valioso quanto Cara, e ele nunca iria destruí-la. Ele<br />

não era bom, não havia nada de cinza nele. Ele era todo negro, mas ele<br />

estava tentando ser bom para ela. Nunca seria tão bom quanto ela<br />

merecia, mas tão bom quanto ele era capaz. Não era suficiente, ele<br />

percebia isso todos os dias. Ele nunca seria suficiente.<br />

Ela pegou a gravata e se aproximou dele, seu aroma doce e florido<br />

enchendo seu nariz e fazendo com que ele quisesse enterrar seu rosto<br />

em seus longos cabelos castanhos.<br />

Seus dedos longos e elegantes amarraram delicadamente o nó.<br />

Dedos destinados a segurar copos frágeis de Champanhe e ser decorado<br />

por apenas as melhores joias.<br />

Ela alisou a gravata quando terminou. Não houve hesitação ou<br />

hesitação. Ela foi feita para ser a esposa de um homem que usava<br />

ternos todos os dias. Growl às vezes se surpreendia imaginando se ela<br />

estaria imaginando ser a mulher de Cosimo, amarrando o nó de manhã<br />

e cumprimentando-o com um beijo quando ele voltasse à noite. Ela<br />

admirava seu trabalho, então olhou para ele com seus olhos azuis.<br />

— Feito.<br />

~ 149 ~


Nunca se sentira menos digno do que naquele momento. O<br />

vestido que ela usava era perfeição sobre ela, como se tivesse sido feito<br />

para ela. Ela foi feita para coquetéis e recepções elegantes. Ele foi feito<br />

para pubs sujos e clubes de beco escuro.<br />

Seus caminhos nunca teriam cruzado se não fosse pela vingança<br />

de Falcone. O sofrimento de Cara tinha levado à coisa mais preciosa na<br />

vida de Growl, e ainda assim ele não podia se arrepender. Ele era<br />

egoísta. Ele estava feliz por ter tido a chance de ter alguém como ela.<br />

Ele olhou para o relógio. — Precisamos sair.<br />

Cara bateu um dedo no vidro do relógio. — Eu não teria atrelado<br />

você como um tipo vestindo um Rolex — ela disse curiosamente.<br />

— Eu não sou. O relógio pertencia a Falcone e ele deu-me como<br />

presente por um trabalho bem feito.<br />

A expressão de Cara tornou-se pedra, com os olhos brilhando.<br />

— Como eu. — Um sorriso amargo tirou seus lábios vermelhos<br />

perfeitos. — Mas eu não sou tão valiosa quanto aquele pedaço de metal<br />

em torno de seu pulso.<br />

— Você vale mais do que qualquer coisa que eu algum dia possuí<br />

ou que possua.<br />

CARA<br />

Ele quis dizer isso como um elogio, mas as palavras pungiam<br />

mesmo assim. Ser comparada a um relógio, mesmo se você o ganhou no<br />

final, não era algo que eu gostava. Eu sabia que ele não conseguia<br />

entender o efeito que sua comparação teve comigo. Ele estava tentando<br />

ser gentil comigo, e isso ainda me surpreendia todos os dias.<br />

Houve um momento de silêncio antes de Growl limpar a garganta,<br />

um som áspero e profundo.<br />

— Não devemos nos atrasar.<br />

Eu balancei a cabeça. Eu não me importava se estivéssemos<br />

atrasados. Tudo em mim gritava com a mera ideia de ir àquela festa,<br />

~ 150 ~


mas eu tinha que manter minha calma se eu quisesse passar a noite<br />

sem um completo constrangimento.<br />

Growl dirigiu-se para a porta e destrancou-a. Bandit e Coco nos<br />

acompanharam até o batente e nos viram fechar a porta com olhos<br />

acusadores.<br />

Deixei meu olhar vagar pelo bairro. Um casal de idosos negros<br />

estava sentado na varanda de duas casas. Eu nunca os tinha visto<br />

antes e eles observavam também um acervo considerável para esta<br />

área. Talvez tivessem vivido aqui toda a sua vida e só nos últimos anos<br />

tudo tinha ficado esgotado. Suas cabeças viraram nosso caminho<br />

quando Growl e eu caminhávamos em direção a seu carro. Nós<br />

estávamos provavelmente fazendo uma grande aparição vestidos em<br />

nossos melhores trajes para noite. Pessoas por aqui geralmente não<br />

tinham ocasiões para se vestir. Growl assentiu com a cabeça e eles<br />

balançaram a cabeça, mas depois rapidamente viraram a cabeça para<br />

longe.<br />

Para minha surpresa Growl abriu a porta de seu carro para mim e<br />

eu subi, com cuidado para não atolar a bainha do meu vestido na porta.<br />

Eu juntei minhas mãos no meu colo e comecei a esfregar uma<br />

contra a outra quando Growl saiu da entrada. Meus dedos estavam<br />

gelados apesar do clima ameno. Quando esfregar não ajudou, eu os<br />

levantei para o meu rosto e soprei ar quente em minhas palmas. Growl<br />

virou os olhos para longe da rua para olhar para mim. — O que você<br />

está fazendo?<br />

— Nada, — eu disse rapidamente.<br />

Growl agarrou uma das minhas mãos, me assustando. — Você<br />

está com frio, — ele disse surpreso.<br />

— Tem sido assim o dia todo. Provavelmente nervos. — No<br />

momento em que as palavras saíram da minha boca, lamentei-as. Eu<br />

não queria muito admitir isso para Growl.<br />

— Nervos? — Fiquei feliz quando ele finalmente não teve escolha<br />

senão voltar sua atenção para a rua. — Ninguém vai te machucar.<br />

Eu ri sem humor. Não fisicamente, talvez. — Isso não é o que eu<br />

estou preocupada. Só não quero ver Cosimo e os outros.<br />

— Por quê?<br />

~ 151 ~


Muitas vezes eu esquecia o pouco que Growl sabia da natureza<br />

humana. Ele me lembrou de alguém que cresceu em torno de animais e<br />

agora tinha que descobrir como as interações humanas trabalhavam.<br />

— Porque me lembra tudo o que eu perdi, — eu admiti<br />

finalmente.<br />

Growl franziu o cenho para a rua. — Você o amava? — Seus<br />

lábios se torceram com a palavra, como se ela deixasse um sabor<br />

amargo em sua boca. — Você ama Cosimo?<br />

Havia uma sugestão de algo duro e escuro em sua voz. E desta<br />

vez eu peguei a emoção escondida por trás de sua frieza.<br />

Vulnerabilidade e mágoa. Eu balancei a cabeça. Amor? Eu não sabia<br />

nada de amor.<br />

— Não. Eu nunca quis casar com ele. Mal o conhecia. Meus pais o<br />

escolheram para mim. — Meu pai. Mas dizer seu nome em voz alta era<br />

demais esta noite. Eu não chegaria àquela festa horrível com os olhos<br />

cheios de lágrimas. Eu não daria a nenhum deles essa satisfação.<br />

— Então por que você está triste, por você o ter perdido e que ele<br />

vai se casar com aquela garota?<br />

Eu estava triste? Não por ter perdido Cosimo. Eu não poderia me<br />

importar menos com ele agora, depois de tudo. Fiquei triste embora. Mas<br />

era apenas uma pequena parte das emoções que eu sentia. Com cada<br />

segundo que passava, uma emoção mais sombria, crescia mais forte em<br />

mim. Ódio. E o desejo de vingança. — Eu não estou triste, não sobre<br />

perder ele. Se eu só o tivesse perdido... — Eu ri. — Deus, isso seria<br />

esplêndido. Mas eu perdi tudo.<br />

— E triste? Não. — Eu disse calmamente. — Estou furiosa. Quero<br />

que sofram. Eu quero que eles se arrependam do dia em que decidiram<br />

matar meu pai e destruir minha família. Cosimo, Falcone e todos os<br />

outros que estavam envolvidos nisso.<br />

Growl assentiu, como se fosse uma emoção que ele pudesse<br />

compreender. Ele nem sequer se ofendeu que minha lista possivelmente<br />

o incluísse também. Ele tinha sido parte do ataque à minha família,<br />

mesmo que ele não fosse o chefe da operação, apenas a mão brutal de<br />

Falcone.<br />

— Não diga nada disso na festa — Growl grunhiu.<br />

— Eu não sou idiota. Eu não vou dizer nada disso. — Mas eu me<br />

lembrei da última vez que vi Falcone e como eu o desafiara. Meu ódio<br />

~ 152 ~


por ele só havia crescido desde então. Parar de tentar arranhar seus<br />

olhos para fora ou melhor ainda cortar sua garganta com uma faca de<br />

ostra seria difícil.<br />

— Eu sei que você não é estúpida. Mas a estupidez não tem nada<br />

a ver com isso. As emoções seguem suas próprias regras.<br />

Como você saberia? Eu queria perguntar, mas mantive as<br />

palavras para mim. Por mais ridículo que possa parecer, Growl era<br />

talvez o único refúgio naquela festa de hoje à noite. Eu não tinha<br />

certeza do que esperar de Trish e Anastasia, embora eu esperasse que<br />

ainda seríamos amigas e elas me ajudariam.<br />

* * *<br />

A casa de Cosimo era menor que a de Falcone, mas ele também<br />

tinha uma fonte em sua entrada, embora menor que a de Falcone.<br />

Quando Growl e eu entramos na casa, cada par de olhos nos observava.<br />

A conversa morreu, só para retornar um momento depois, mas desta<br />

vez atrás de mãos levantadas e com olhares roubados em minha<br />

direção. Todo mundo estava falando sobre mim. O calor subiu em<br />

minha cabeça, mas eu me forcei a ficar de pé e parecer relaxada, apesar<br />

da vontade de fugir. Growl colocou a palma da mão contra a parte<br />

inferior das minhas costas e por um momento o gesto realmente<br />

conseguiu me relaxar, mas as pessoas rapidamente notaram o toque e<br />

eu quase podia ouvir suas palavras desagradáveis. Eu tomei um<br />

pequeno fôlego e deixei Growl empurrar-me mais para dentro da sala.<br />

Pequenas mesas com aperitivos estavam distribuídas no grande área de<br />

estar e de jantar. Supus que Cosimo tivesse escolhido o mesmo<br />

fornecedor de Falcone. Ele parecia muito interessado em imitar seu<br />

chefe em todos os sentidos possíveis de qualquer maneira.<br />

E embora tudo parecesse uma cópia barata da festa de Falcone,<br />

eu me peguei querendo ser a anfitriã. Era para ser a minha festa de<br />

noivado. O dia mais feliz da minha vida, pelo menos para as aparências.<br />

E agora…<br />

Meus olhos registraram Anastasia e Cosimo no final da sala, perto<br />

de um enorme refrigerador de Champanhe dourado. Anastasia usava<br />

um novo vestido prata longo, que a fazia parecer uma princesa. E ao<br />

seu lado estava Cosimo de terno escuro, um braço em volta da cintura<br />

de sua noiva. A bile subiu em minha garganta e o sorriso engessado no<br />

~ 153 ~


meu rosto se tornou doloroso. Eu precisava de algo para beber. Algo<br />

forte. Growl parecia ler minha mente porque um momento depois, um<br />

copo com vinho tinto apareceu na frente do meu rosto. As outras<br />

mulheres bebiam champanhe ou vinho branco, então fiquei surpresa<br />

com sua escolha.<br />

— Vinho tinto é suposto para acalmar as pessoas. Talvez você<br />

também.<br />

Eu poderia ter o beijado então. Eu nunca teria esperado algo tão<br />

prestativo de um homem como ele. Mas meu momento de paz foi curto<br />

enquanto caminhávamos em direção a Falcone, que agia como se fosse<br />

o anfitrião daquela noite, fazendo grandes gestos com seus braços e<br />

rindo mais alto, enquanto as pessoas reunidas ao seu redor tentavam<br />

agir como se ele realmente estivesse dizendo algo engraçado.<br />

Eu tomei um grande gole de vinho, rezando para que me<br />

acalmasse rapidamente antes de fazer algo que me impedisse de ter a<br />

oportunidade de ver minha mãe e minha irmã novamente. Eu não<br />

poderia me perder hoje à noite. Haveria tempo para vingança um dia,<br />

mas não nessa festa.<br />

O aperto de Growl nas minhas costas se contraiu quando<br />

paramos na frente de Falcone como se ele estivesse tentando me avisar.<br />

— Bela festa, chefe — comentou Growl.<br />

Falcone sorriu amplamente. — Não é minha festa, infelizmente.<br />

Cosimo fez um bom trabalho. Ele está tentando impressionar sua<br />

pequena dama. — Finalmente, seus olhos frios se fixaram em mim,<br />

triunfante e provocante. Meus dedos se apertaram no meu copo, mas<br />

forcei meu rosto a permanecer calmo. Eu duvidava que tivesse sucesso.<br />

Praticamente cada centímetro de mim estava queimando de ódio, com a<br />

necessidade de fazer esse homem na minha frente sofrer.<br />

— Espero que você esteja tão feliz por sua amiga e Cosimo como<br />

todo mundo, — disse ele falsamente.<br />

Diga algo. Diga algo. Mas tudo o que eu conseguia pensar era se<br />

era possível esmagar o copo e cortar a garganta de Falcone com um dos<br />

cacos antes que qualquer um dos homens ao nosso redor viesse em sua<br />

ajuda.<br />

Growl provavelmente seria o primeiro a salvar seu chefe.<br />

~ 154 ~


— Estou feliz, — eu me forcei a dizer, mas as palavras soaram<br />

falsas até mesmo para meus próprios ouvidos. Falcone zombou, depois<br />

voltou-se para Growl.<br />

— Estou surpreso que você conseguiu se arrancar da cama. Mas<br />

mesmo você, meu Touro, precisa de uma pausa de vez em quando,<br />

hein? — Falcone bateu palmas no ombro de Growl em um gesto<br />

destinado a amigos. — Espero que você ainda esteja satisfeito com seu<br />

presente. Caso contrário, ainda há outra irmã para você tentar, se você<br />

se cansar deste presente.<br />

— Talia? Onde ela está? — Eu exclamei antes que eu pudesse me<br />

controlar. A expressão triunfante no rosto de Falcone dizia que tinha<br />

conseguido o que queria. Ele sabia exatamente onde apertar meus<br />

botões. Ele não me daria as respostas que eu queria.<br />

Growl me apertou em advertência novamente, mas era tarde<br />

demais. Apertei meus lábios e tive que lutar contra as lágrimas. Falcone<br />

era um monstro pior do que Growl.<br />

— Não vou me cansar de Cara — disse Growl.<br />

O sorriso de Falcone virou-se lascivo quando seu olhar percorreu<br />

o meu comprimento.<br />

— Isso é bom, não é? Talvez eu devesse tê-la mantido para mim,<br />

então. — Ele riu.<br />

Growl não disse nada. Seu rosto era de pedra, e seu aperto na<br />

minha cintura doloroso. Olhei para Falcone, esperando que ele pudesse<br />

ver a promessa em meus olhos. Você vai morrer.<br />

Seu sorriso se alargou apenas, mas a minha determinação estava<br />

definida. Eu não iria parar até que o homem estivesse deitado aos meus<br />

pés, morto. Eu odiava o sangue e a morte, mas eu assistiria a cada<br />

segundo, enquanto a vida drenava de seu corpo e o apreciava.<br />

Growl parecia sentir o crescente perigo. — Nós precisamos ir para<br />

o casal feliz agora.<br />

— Sim, você deveria, — Falcone disse, mas seus olhos nunca me<br />

deixaram.<br />

Estremeci quando tínhamos andado alguns passos longe dele.<br />

— Você precisa ter mais cuidado — murmurou Growl.<br />

~ 155 ~


Eu olhei para ele. Seu olhar estava posto em frente, expressão<br />

rochosa. As pessoas o observavam com medo e repulsa, mas ele não se<br />

importava. O único homem que podia controlar Growl era Falcone e isso<br />

me assustava. — Não me dê a ele.<br />

Growl franziu o cenho para mim. — Do que você está falando?<br />

— Para Falcone. Não me dê a ele, — eu sussurrei.<br />

Realização piscou através do rosto de Growl, depois determinação.<br />

— Nunca. Você é minha. Ele não vai tirar você de mim.<br />

— Você tem certeza? Ele é seu chefe. Ele poderia dizer para você<br />

me dar a ele. — Foi uma surpreendente reviravolta do destino que eu<br />

preferia ser a posse de Growl, mas qualquer coisa era melhor do que<br />

pertencer a Falcone.<br />

— Você é minha, — Growl repetiu e depois parou e notei que<br />

tínhamos chegado ao fim de uma fila de pessoas que estavam<br />

esperando para parabenizar Cosimo e Anastasia.<br />

~ 156 ~


Capítulo dezenove<br />

CARA<br />

Eu exalava lentamente. Eu precisava ter o controle. Eu quase o<br />

perdi na frente de Falcone. Pelo menos na frente do meu ex-noivo idiota<br />

e traiçoeiro, eu queria manter minha calma. Ele não precisava saber<br />

como eu estava quebrada. Anastasia estava ocupada sem olhar em<br />

minha direção, mas mesmo ela deve ter percebido que eu tinha chegado<br />

à festa. Afinal, todos haviam ficado em silêncio à nossa chegada, e<br />

Anastasia sempre teve ouvidos e olhos para fofoca. Mas ela me<br />

ignorando me deu a chance de classificar meus pensamentos e me<br />

acalmar. Eu tomei um gole no meu vinho tinto. O álcool estava<br />

começando a me relaxar. Não era de surpreender que tantas pessoas em<br />

nosso círculo fossem alcoólatras. Esta vida muitas vezes só poderia ser<br />

tolerada bêbada.<br />

Os olhos de Cosimo brevemente pararam em mim e eu congelei<br />

com o vidro contra meus lábios. Lentamente eu baixei, mas então<br />

Cosimo desviou o olhar. Seu rosto não tinha emoção. Nem sequer havia<br />

pena ou coisa alguma. Ele realmente não se importava comigo. Por que<br />

isso ainda me surpreendeu, eu não tinha certeza. Afinal de contas, ele<br />

não agia de forma diferente quando ele e Falcone vieram à casa de<br />

minha família para arruinar nossas vidas.<br />

Havia apenas um casal à nossa frente, e minhas palmas ficaram<br />

suadas de nervos. Esta era talvez a minha única chance de falar com<br />

Anastasia e descobrir a verdade. Growl inclinou-se para baixo, seus<br />

lábios mornos escovando minha orelha e eu não pude parar de me<br />

lembrar de como seus lábios eram em outras partes do meu corpo. Eu<br />

tremi.<br />

— Lembre-se, fique calma, — ele retumbou em meu ouvido, então<br />

se endireitou, e de repente nós ficamos bem na frente de Anastasia e<br />

Cosimo. Era nossa vez de parabenizar o casal feliz. Até mesmo o<br />

pensamento me fazia sentir náuseas. Mas eu coloquei um rosto corajoso<br />

e sorri. Anastasia parecia insegura e seu sorriso era mais que um pouco<br />

~ 157 ~


forçado. Eu não sabia o que fazer com isso. Ela não fez nenhum<br />

movimento para me abraçar ou se aproximar. Quando Cosimo e Growl<br />

apertaram as mãos e conversaram, usei minha chance e puxei Trish<br />

firmemente contra mim, tentando ignorar a forma como seu corpo se<br />

tencionou em nossa proximidade. Ela estava preocupada que eu a<br />

atacasse? Ou ela estava realmente enojada por estar tão perto de mim<br />

agora que eu era menos? Eu bani o pensamento antes que pudesse me<br />

distrair de meu plano. Eu trouxe minha boca perto de sua orelha. — Por<br />

favor, Anastasia, ajude-me. Você pode ajudar a nós duas a fugir.<br />

Anastasia agarrou meus braços, pregos cavando em minha pele, e<br />

empurrou-me alguns centímetros de distância antes que ela se<br />

inclinasse o suficiente para que ninguém ouvisse suas palavras. — Eu<br />

não quero fugir, — ela sussurrou, então em voz alta. — Eu não poderia<br />

estar mais feliz. — Ela deu seu melhor sorriso Grace Kelly para a<br />

rodada de convidados reunidos, parecendo como este fosse o momento<br />

de sua vida.<br />

Olhei, incapaz de compreender o que estava acontecendo.<br />

Anastasia estava montando um show? Ela estava preocupada se alguém<br />

estava nos ouvindo?<br />

Mas quando eu recuei para permitir que as próximas pessoas na<br />

fila parabenizassem Anastasia e Cosimo, eu me permiti um olhar mais<br />

atento à Trish. Ela não estava tendo uma atuação digna de um Oscar.<br />

Não havia os sinais reveladores de linhas ao redor de seus olhos quando<br />

ela estava forçando um sorriso. Isso era real. Growl começou a me levar<br />

embora, mas eu continuava olhando de volta para minha ex-amiga e<br />

meu ex-noivo. Eles pareciam felizes. Ninguém havia forçado Anastasia.<br />

Ela realmente queria casar com ele.<br />

Ninguém poderia evitar a se apaixonar, certo? Se Anastasia me<br />

dissesse, eu teria tentado convencer meu pai a deixá-la casar com ele.<br />

Eu teria querido que Anastasia fosse feliz, e eu nunca me importei com<br />

meu noivo.<br />

Como Anastasia poderia deixar isso acontecer? Há quanto tempo<br />

isso estava acontecendo? Mas mesmo agora, eu não queria acreditar<br />

que ela soubesse antes da festa. Talvez tivesse descoberto depois,<br />

quando já era tarde demais. Eu dei um último olhar para Anastasia<br />

antes de me virar. Ela não queria nada comigo esta noite, e eu<br />

suspeitava que não era só porque outras pessoas estavam por perto. Ela<br />

tinha um futuro perfeito pela frente, o que ela sempre quis. Ela não se<br />

arriscaria por mim.<br />

~ 158 ~


Eu esvaziei o meu copo e o coloquei na bandeja de um garçom<br />

que estava passando. De repente eu me senti cansada, e não apenas de<br />

álcool. Esta noite era como um pesadelo que eu nunca iria acordar.<br />

Growl parou num canto da sala e se encostou na parede. Eu olhei<br />

para ele. Ele parecia ter se cansado dessa festa também.<br />

— Não podemos simplesmente sair? — Eu perguntei.<br />

Growl balançou a cabeça. — Você realmente quer mostrar a eles o<br />

quanto isso está incomodando você? Mostre-lhes a sua força. Não seja<br />

covarde.<br />

— Eu não estou me acovardando, — eu sussurrei, então suspirei.<br />

— Mas eu sinto drenada. Eu não sou forte. Eu não me importo se eles<br />

pensam que eu sou fraca. — Não era verdade e mais tarde me<br />

arrependeria da minha falta de controle, mas agora eu só queria<br />

escapar.<br />

— Nunca mostre fraqueza a essas pessoas — disse Growl em voz<br />

baixa, inclinando-se para baixo até que estivéssemos muito perto. —<br />

Você é mais forte do que pensa. Nenhuma mulher me deu um tempo tão<br />

difícil como você faz todos os dias. Se você pode ser forte em torno de<br />

mim, você pode ser forte em torno desses fracos. Eles não são nada.<br />

Eu pisquei em seus olhos âmbar. Pela primeira vez, eu realmente<br />

pensei em agarrar seu rosto e beijá-lo. Eu queria fazer isso na frente de<br />

todos. E isso, também, me assustou. Eu acenei com a cabeça. — Você<br />

está certo. — Eu abaixei meus olhos, incapaz de suportar sua<br />

proximidade por mais tempo. Eu peguei algumas pessoas nos<br />

observando com a boca aberta. Aparentemente eles estavam esperando<br />

ansiosamente por uma cena entre Growl e eu. Eles provavelmente<br />

ficariam terrivelmente desapontados se esta noite não terminasse<br />

comigo sendo espancada em uma confusão sangrenta por Growl.<br />

Eu olhei para eles e eles realmente desviaram o olhar.<br />

— Esse olhar é bom. Mostre-lhes quem você é.<br />

— Se eu soubesse, — eu sussurrei. Do outro lado da sala, de<br />

repente, vi Trish e o alívio me inundou. Trish sempre foi a amiga amável<br />

entre minhas duas melhores amigas. Growl seguiu meu olhar. — Vá em<br />

frente e fale com ela. Ela é sua amiga, certo?<br />

— Como você sabe?<br />

— Eu vi vocês juntas na festa de Falcone.<br />

~ 159 ~


— Ok, — eu disse distraidamente, já pensando em como melhor ir<br />

falar com Trish. Eu não poderia arriscar assustá-la.<br />

— E não faça nada estúpido, — disse Growl quando eu já estava a<br />

poucos passos de distância.<br />

— Não vou.<br />

Corri atrás de pessoas que me olhavam abertamente e apontaram<br />

para mim, que sussurraram meu nome como uma maldição, e até riram<br />

de mim, mas eu as ignorei.<br />

Tudo o que importava era falar com Trish e descobrir o máximo<br />

que pudesse.<br />

Trish me viu quando eu ainda estava a uma boa distância e por<br />

um momento eu tinha certeza que ela iria virar e correr, mas ela<br />

esquadrou seus ombros e esperou por mim. Eu estava grata por esse<br />

pequeno ato de bravura de sua parte, especialmente considerando os<br />

muitos olhos que seguiam todos os meus movimentos. Quando eu<br />

cheguei na frente dela, nós duas não fizemos nada por alguns<br />

batimentos cardíacos. Então Trish me deu um tapinha desajeitado no<br />

braço e eu me enrolei sob o gesto forçado. Qualquer esperança que eu<br />

tinha deixado para a minha amizade com Trish desapareceu também.<br />

Eu limpei minha garganta. Mas eu não sabia o que dizer. Eu tinha<br />

feito tantos planos. Eles pareciam idiotas agora. Meus olhos se dirigiram<br />

novamente para Cosimo e Anastasia.<br />

Trish seguiu meu olhar e assentiu. — Sinto muito, Cara. Você<br />

sabe que Anastasia sempre consegue o que quer.<br />

Suas palavras eram estranhas, mas eu coloquei um sorriso<br />

corajoso, lembrando as palavras de Growl. — Você não pode escolher<br />

por quem você se apaixona.<br />

Trish bufou. — Amor. Anastasia só ama a si mesma, você sabe<br />

disso. — Pela primeira vez, Trish expressou críticas contra Anastasia, e<br />

eu percebi que eu a subestimava. Eu nunca tinha pensado nela como<br />

particularmente inteligente, e ela sempre tinha sido a loira estúpida,<br />

mas seus olhos atentos agora me fizeram perceber como eu estava<br />

errada. Ela provavelmente tinha visto através de Anastasia há muito<br />

tempo.<br />

— O que você quer dizer? — Eu perguntei calmamente.<br />

~ 160 ~


— Ela o queria por causa de sua posição. Ele é um bom partido, e<br />

depois da coisa com seu pai, ele ficou disponível. Isso é tudo.<br />

Meu estômago se apertou. — Ela sabia antes que acontecesse? —<br />

Ela não conseguia nem dizer as palavras.<br />

Trish encolheu os ombros. — Provavelmente. Ela me ligou na<br />

mesma noite e me contou sobre isso.<br />

— Mas você não sabia... — Minha voz se apagou. Eu não tinha<br />

certeza de quanto mais eu poderia ouvir.<br />

Trish tocou ligeiramente meu braço. — Não. Eu não. E eu sinto<br />

muito por tudo. — Seus olhos se lançaram em torno das pessoas nos<br />

observando e sua expressão ficou mais cautelosa.<br />

Eu sabia o que ia acontecer. Trish dependia da avaliação dos<br />

outros como eu, antes que tudo tivesse sido tirado de mim. E ela, mais<br />

do que eu, sempre fora a companheira de Anastasia. Isso não mudaria.<br />

Ela não ia mudar. Trish não arriscaria sua reputação gastando o tempo<br />

comigo no futuro. E o pior era, eu não poderia dizer se eu não teria feito<br />

o mesmo se nossas posições tivessem sido revertidas.<br />

Eu dei um passo para trás, forçando um sorriso. — Eu sei que<br />

não podemos mais nos ver, — eu disse com firmeza. — Só uma última<br />

coisa, você sabe alguma coisa sobre minha irmã?<br />

Trish sacudiu a cabeça. — Anastasia provavelmente sabe.<br />

Pergunte a ela. — Eu poderia dizer que ela estava ansiosa para terminar<br />

esta conversa e eu fiz isso fácil para ela. Eu me virei e comecei a andar,<br />

mas eu não sabia para onde ir. Onde quer que eu olhasse, eu vi pessoas<br />

que não queriam nada comigo. Nem todos pareciam pensar que minha<br />

família e eu tínhamos conseguido o que merecíamos, mas ninguém<br />

parecia que ia me ajudar, ou até mesmo falar comigo. Eu nunca me<br />

sentia tão sozinha em minha vida, e desta vez não havia sequer um<br />

celular na minha bolsa. E mesmo que fosse, não havia ninguém que eu<br />

pudesse chamar. Meu olhar desesperado assentou em Growl que não<br />

estava mais conversando com o grupo de homens. Em vez disso, ele<br />

estava parado sozinho, com um copo de vinho tinto na mão.<br />

Parei por um momento. Mas ele era a única pessoa que eu podia<br />

ir. Eu olhei ao redor de novo, em direção às portas e janelas, então olhei<br />

para os meus pés e ri amargamente. Quando eu levantei os olhos, Growl<br />

estava me observando. Eu sabia que ele nunca tinha tirado seus olhos<br />

de mim. Não havia jeito de escapar, não sem ajuda, e embora doesse<br />

reconhecer, eu não conhecia ninguém naquela festa que se preocupasse<br />

~ 161 ~


o suficiente comigo para se arriscar. Trish girou em torno da pequena<br />

pista de dança com um jovem que eu não conhecia e Anastasia estava<br />

sorrindo largamente ao lado de Cosimo. Todo mundo estava bebendo e<br />

rindo e vivendo sua vida. Mas eu não perdi os olhares que eles<br />

mantinham em minha direção. Em alguns eu peguei piedade e<br />

simpatia, mas assim que esses poucos me notaram olhando para eles,<br />

eles rapidamente desviaram seus olhos como se eles estivessem<br />

preocupados que minha má sorte esfregasse em cima deles ou talvez<br />

que eles se sentissem obrigados a me ajudar.<br />

Mas havia também os outros, aqueles que me observavam com<br />

curiosidade, desesperados por continuar ansiosos pela sensação. Eu<br />

estava bastante certa de que eles teriam se aproximado de mim para<br />

obter uma atualização sobre suas fofocas sobre Growl se isso não<br />

significasse que eles iriam arriscar a sua reputação por ser visto<br />

comigo.<br />

Eu fui em direção a Growl. Quando eu parei ao seu lado, ele<br />

estendeu o copo de vinho tinto para mim. Eu levantei minhas<br />

sobrancelhas. — Você está tentando me deixar bêbada?<br />

— Parece que você precisa dele, — disse ele.<br />

Eu bufei. — Eu não acho que o vinho é o suficiente.<br />

Growl não riu nem sorriu, só me reuniu com seus olhos âmbar<br />

afiados. Ele ainda estava segurando o copo e eu finalmente o peguei.<br />

— Esse não é seu? — Eu perguntei, mas tomei um grande gole<br />

antes que ele pudesse responder.<br />

Ele não parecia se importar. — Eu não bebo.<br />

— Você não bebe? Todos bebem. — Eu acenei com a cabeça na<br />

direção geral dos outros convidados.<br />

Growl não desviou os olhos de mim. — O álcool torna as pessoas<br />

descuidadas. Isso traz o pior deles.<br />

— Você mata para ganhar a vida. Não acho que fique muito pior.<br />

Growl assentiu. — Possivelmente. Mas não vou deixar o álcool<br />

atrapalhar meus sentidos.<br />

Esvaziei o resto do vinho. — É exatamente por isso que eu bebo.<br />

— Não. Foi errado dar-lhe o vinho. Não faz as coisas melhorarem.<br />

Só faz você acreditar que sim.<br />

~ 162 ~


Eu estava começando a me sentir trêmula e tonta. — Talvez seja o<br />

suficiente. Se as coisas não puderem melhorar, pelo menos eu posso<br />

fingir que sim.<br />

Growl suspirou. — Vou dizer a Falcone e Cosimo que estamos<br />

indo embora. Você ficará onde está enquanto eu estiver fora.<br />

Eu me encostei na parede. Eu não tinha vontade de ir a lugar<br />

algum. A sala estava girando e eu estava começando a me sentir quente.<br />

Com um outro olhar para mim, Growl dirigiu-se para onde Cosimo<br />

estava conversando com Falcone. A multidão se separou para ele. E ele<br />

se erguia sobre eles, forte, alto e orgulhoso, apesar de seus sussurros.<br />

Eu queria poder ser assim. Mas eu me importava com o que as<br />

pessoas diziam. Doeu-me vê-los julgando e compadecendo. Eu fechei<br />

meus olhos contra seu escrutínio e logo perdi todo o sentido do tempo.<br />

Um toque no meu ombro me despertou do meu estupor. As<br />

minhas pálpebras se sentiram pesadas quando as abri. Growl franziu o<br />

cenho para mim e eu recuei pela raiva em seu rosto. — Nunca feche<br />

seus olhos ao redor de seus inimigos. Você não vai sobreviver assim.<br />

Eu sorri com cansaço. — Como se você tivesse tirado os olhos de<br />

mim. Ninguém pode me machucar quando você está por perto. Se<br />

alguém acabar me matando, então provavelmente será você.<br />

Growl não negou. Ele enrolou os dedos em meu braço e me guiou<br />

até a porta. Eu o segui num estado de transe. Quando chegamos lá fora,<br />

o ar fresco me ajudou a recuperar meus sentidos e engoli o oxigênio<br />

ansiosamente.<br />

Mas eu ainda não estava no melhor estado de espírito e levei um<br />

tempo para notar um homem encostado em um carro fumando um<br />

cigarro. Eu não o conhecia, mas Growl conhecia do jeito que seus dedos<br />

em meu braço apertavam em advertência.<br />

— Boa conquista, — o homem disse.<br />

Growl ignorou-o e tentou puxar-me para além dele. Mas o homem<br />

afastou-se do carro, jogou o cigarro no chão e esmagou-o com o sapato.<br />

Ele sorriu maliciosamente.<br />

— Como você encaixa o seu pau grande naquela boca pequena de<br />

dama dela? — Ele parecia bêbado, e eu jurei para mim mesma nunca<br />

mais beber tanto quanto esta noite novamente.<br />

~ 163 ~


De repente, Growl se afastou de mim e eu tropecei, mas peguei<br />

meu equilíbrio no último segundo, me segurando novamente em outro<br />

carro. Eu engasguei então girei ao redor quando ouvi um grito abafado.<br />

Growl tinha agarrado o homem pelo pescoço e jogou-o no chão. Ele<br />

chutou-o nas costelas duas vezes, em seguida, se inclinou para baixo e<br />

deu um soco no rosto. O homem gemeu e sangue saiu do nariz e da<br />

boca.<br />

— Não, — Growl rugiu em uma voz que enviou arrepios frios em<br />

minhas costas. — Nunca mais volte a falar assim ou eu vou te sufocar e<br />

te estrangular com suas entranhas.<br />

O homem tossiu.<br />

— Entendido? — Growl perguntou, sacudindo o homem.<br />

— Sim, — ofegou o homem em uma voz encharcada de sangue.<br />

Growl enxugou as mãos no terno do homem antes de se endireitar<br />

e enviar um olhar de advertência. Então ele voltou para mim com uma<br />

expressão calma. Nenhum sinal de sua fúria anterior era visível.<br />

— Por que você fez isso? — Eu perguntei enquanto ele me<br />

conduziu em direção a seu carro, que estava estacionado no lado da<br />

estrada perto dos portões de entrada.<br />

Growl me ajudou entrar no lugar do motorista. — Porque você é<br />

minha e eu não vou deixar ninguém falar merda sobre você.<br />

— Na casa, na festa, todos estavam falando de mim.<br />

Growl olhou de volta para a casa brilhantemente iluminada e por<br />

um momento eu me preocupei que ele tempestearia de volta e batesse<br />

alguns convidados mais, mas depois ele olhou para mim. — Eles eram<br />

bastante inteligentes para não dizer nada quando eu podia ouvi-los, e a<br />

maioria só sente pena de você. Eles dizem coisas ruins sobre mim, não<br />

você.<br />

A maneira como ele estava lá, com algumas gotas de sangue em<br />

sua camisa branca e a determinação fria em seu rosto impressionante,<br />

ele parecia meu anjo vingador. Quem poderia ser melhor para buscar<br />

vingança do que Growl? Ele sabia como ferir as pessoas, como destruílas.<br />

Eu poderia convencê-lo a ajudar minha irmã e minha mãe? Mesmo<br />

que ele nunca me deixasse ir, talvez ele pelo menos as ajudasse a fugir<br />

de Las Vegas e começar de novo. Ele estava em conflito, eu podia dizer.<br />

Poderia fazê-lo ir contra Falcone, afinal? Seus olhos âmbar encheram os<br />

~ 164 ~


meus, e um lampejo de esperança surgiu em mim. Eu não desistiria. Ele<br />

era minha única chance.<br />

GROWL<br />

Growl tinha suspeitado desde o início. Por que Falcone os<br />

convidaria? Agora ele sabia. Era para humilhar Cara, e ao fazê-lo, ele.<br />

Growl nunca se importava com o que as pessoas diziam, o que Falcone<br />

dizia. Ele viveu sua vida, tentou sobreviver, nunca quis ou precisou de<br />

muito.<br />

O único propósito de Falcone nesta noite era humilhar Cara. O<br />

sangue de Growl fervia com a memória. Growl não deixava ninguém<br />

humilhar o que era dele, especialmente Cara.<br />

Por alguma razão aquela garota significava algo para ele. Ele<br />

nunca se importou com ninguém, exceto com seus cachorros e talvez<br />

com ele, mas com Cara, ele não sabia ao certo o que estava acontecendo<br />

com ele. Ele não queria se importar com ela. Ele sabia que ela não o<br />

queria. O que ela estava fazendo era uma tática, uma maneira para ela<br />

sobreviver ao que tinha sido significado como um castigo horrível.<br />

Growl não sabia o que estava acontecendo com ela. Se talvez ela<br />

não o odiasse tanto quanto ele suspeitava. Às vezes parecia que ela não<br />

odiava estar perto dele tanto assim. Ela gostava de seu toque e sexo e<br />

seus beijos, o que era óbvio. Isso era algo que ele podia entender, mas<br />

além disso ela permanecia um mistério para ele.<br />

E não importava de qualquer maneira. Ela era dele e ele a<br />

protegeria. Mesmo contra Falcone. Esse homem estava arruinando a<br />

vida de Growl por muito tempo. Ele nunca encontrara a motivação para<br />

ir contra o homem, apesar de tudo o que Falcone fizera a Growl.<br />

Growl nem sequer tinha certeza do porquê. Ele mataria qualquer<br />

um que tentasse matá-lo. Ele nem hesitaria. Mas Falcone? Growl não<br />

tinha certeza do que o impedira de se vingar durante todos esses anos.<br />

Falcone era seu pai, mas Growl não achava que fosse por isso. Growl<br />

não sentiu nada quando disse ou pensou a palavra — pai — Era uma<br />

palavra vazia para ele. E ainda assim seu pai ainda estava vivo. Teria ele<br />

esperado profundamente que Falcone o veria como seu filho? Growl não<br />

~ 165 ~


conseguia sequer responder a essa pergunta. E agora ele não precisava<br />

mais. Era irrelevante por que ele ainda não se vingara do homem.<br />

Algo tinha mudado. E a razão disso era Cara. De alguma maneira,<br />

Falcone tinha posto tudo em movimento. Ao dar Cara para Growl, ele<br />

assinou sua própria sentença de morte, porque Growl queria ajudar<br />

Cara a se vingar. Ele não queria nada mais. Falcone sempre o chamava<br />

de sua máquina de matar. Falcone tinha criado o monstro, e agora ele<br />

viria para matar seu criador.<br />

Talvez ela parasse de odiá-lo, se o fizesse. Não podia esperar mais<br />

do que isso. Ele sabia que ninguém jamais poderia gostar dele, e ele<br />

aceitava isso.<br />

~ 166 ~


Capítulo vinte<br />

CARA<br />

Growl estava muito quieto desde que tínhamos voltado da festa<br />

ontem. Eu não podia dizer se isso significava que ele ainda estava<br />

pensando em me ajudar.<br />

Growl empurrou seu polegar sobre meu clitóris, arrancando-me<br />

de meus pensamentos. Ele empurrou um dedo em mim. — Eu quero<br />

toda a sua atenção, — ele retumbou, empurrando em mim novamente.<br />

Concordei rapidamente e afastei qualquer preocupação.<br />

De repente, Growl puxou a mão para longe. Fiquei confusa. — O que<br />

há de errado? — eu perguntei.<br />

— Toque-se — ordenou ele, sentando-se de costas.<br />

Eu me enchi de vergonha. A última vez que fiz isso minha mãe viu<br />

e não terminou bem. — Não está certo, — eu disse.<br />

Growl soltou um riso. — Eu não dou a mínima para o certo, desde<br />

que seja bom. Fizemos tantas coisas que não são certas. Não me diga<br />

que isso é pior.<br />

Olhei para ele, os braços ao meu lado. — Eu não posso fazer isso<br />

com você assistindo.<br />

— Mas você já se tocou antes?<br />

Eu hesitei. — Sim — admiti com relutância. Mais uma vez a<br />

vergonha passou sobre mim como há muitos meses atrás. Eu não tinha<br />

certeza por que ainda me incomodava tanto. Afinal, Growl estava certo.<br />

Eu tinha feito um monte de coisas piores com ele.<br />

— E foi bom, certo?<br />

Eu dei de ombros. — Foi bom.<br />

~ 167 ~


Growl levantou uma sobrancelha. Ele segurou meu pulso e<br />

empurrou minha mão entre minhas pernas. Eu pulei na sensação de<br />

meus dedos escovando meu centro. Tentei me afastar, mas Growl estava<br />

me segurando com força. — Pare de tentar fazer o que é certo e faça o<br />

que é bom para você. Você pensa demais.<br />

Eu olhei para ele. — Não me diga o que eu gosto ou não gosto.<br />

Talvez eu não goste de me tocar.<br />

Growl olhou para mim. Ele cobriu meu dedo indicador com o dele<br />

e guiou o meu entre as minhas dobras. A ponta do meu dedo escovou meu<br />

clitóris, então deslizou através da minha umidade. Estremeci com a<br />

sensação. Growl continuou deslizando os dedos para trás e para frente<br />

em um ritmo lento. Seus olhos encararam os meus e levou toda a força<br />

que eu não tinha para fechar meus olhos para me esconder de seu<br />

olhar. Ele guiou meu dedo para baixo até que eu cutuquei minha<br />

abertura. Meus olhos se arregalaram. Eu nunca fiz isso. Eu sabia o<br />

quanto eu gostava quando Growl fazia. Eu hesitei, mas Growl não<br />

deixou minha insegurança me parar. Ele empurrou meu dedo dentro de<br />

mim com o dele. Eu ofeguei em surpresa e luxúria quando os dois dedos<br />

me encheram. A sensação era incrível, e a fome nos olhos âmbar de<br />

Growl só aumentava meu desejo. Isso parecia tão errado, e era<br />

extremamente bom. Growl estabeleceu um ritmo lento, deslizando<br />

nossos dedos dentro e fora de mim. Foi incrível quão molhado e suave<br />

eu estava.<br />

— Como você se sente?<br />

Eu balancei a cabeça, não querendo dar a ele uma resposta. Eu<br />

não poderia admitir em voz alta que isso era bom. Já era ruim o<br />

suficiente estar gostando tanto. Growl parou nossos dedos, seu olhar se<br />

tornou desafiador. — Como. Você. Se. Sente?<br />

Eu empurrei meus quadris, tentando manter a sensação, mas<br />

Growl me parou com seu braço.<br />

— Bem, — eu disse com raiva. — Isso é bom.<br />

Um sorriso afetado cruzou o rosto de Growl, então ele se foi, mas<br />

ele finalmente começou a se mover novamente. Ele empurrou nossos<br />

dedos mais forte em mim, e eu estava ficando mais perto do meu<br />

orgasmo, mas algo ainda estava faltando.<br />

— Toque seu clitóris — disse Growl.<br />

~ 168 ~


Desta vez eu não hesitei. Minha outra mão desceu e eu pressionei<br />

dois dedos lá. Eu gemi, mas rapidamente apertei meus lábios,<br />

envergonhada pelo som quando Growl estava me observando tão de<br />

perto. Como se ele pudesse dizer que eu tinha problemas para me soltar<br />

enquanto ele estava assistindo, seu olhar percorreu meu corpo e ele<br />

observou enquanto nossas mãos e dedos se moviam em sincronia para<br />

me levar mais perto do limite. E então quando isso finalmente caiu<br />

sobre mim, tudo saiu de foco e eu me deixei levar, mesmo quando<br />

Growl voltou seus olhos para mim. Eu não podia me segurar, não<br />

queria. Eu não tinha nem mesmo regulado minha respiração quando<br />

Growl se levantou e começou a se despir. Eu acho que eu nunca me vou<br />

me acostumar com a visão dele nu. Sua tatuagem, suas cicatrizes, seus<br />

músculos, tudo sobre ele gritava perigo, gritava para eu me afastar, e<br />

ainda cada célula em meu corpo parecia amar sua proximidade. Seu<br />

pau já estava de pé e isso intensificou a dor entre as minhas pernas<br />

novamente. Eu sabia o que estava vindo agora e eu mal podia esperar.<br />

Por um momento ele ficou de pé no meio do quarto, me admirando.<br />

Mas, eu também não consegui me soltar o suficiente para deixar meus<br />

olhos percorrerem seu corpo. Isso iria parar?<br />

Quando meus olhos voltaram para seu rosto, sua expressão<br />

quase me fez gemer. Ele veio até a mim e subiu na cama. Eu o esperei<br />

subir em cima de mim e me foder. Mas ele me surpreendeu quando se<br />

deitou de costas. Confusão fez com que minhas sobrancelhas<br />

arqueassem, mas antes que eu pudesse perguntar o que ele estava<br />

fazendo, ele agarrou meus quadris e me levantou em cima dele, então<br />

eu estava montada em seus quadris. Sua ponta pressionou contra a<br />

minha abertura e uma emoção disparou através de meu corpo com a<br />

sensação. As mãos de Growl na minha cintura apertaram depois de um<br />

momento. Um incerteza me inundou. Eu não estava exatamente certa<br />

como fazer isso, mas eu não queria admitir isso em voz alta. Recolhendo<br />

minha coragem, eu me contraí contra o peito duro de Growl.<br />

Focalizando seus músculos e não a intensidade de seus olhos, eu<br />

lentamente me abaixei em seu pau. Um longo gemido escapou de meus<br />

lábios na sensação de seu comprimento deslizando em mim mais<br />

profundo do que nunca. Eu exalei lentamente quando ele entrou todo o<br />

caminho e eu me sentei confortavelmente em cima dele. Eu nunca tinha<br />

me sentido tão cheia antes. Foi incrível.<br />

Growl moveu seus quadris para cima alguns centímetros e meus<br />

olhos voaram até os dele. Havia tensão em seu rosto. Eu sorri e seus<br />

olhos brilharam. Cavando minhas unhas em seu peito do jeito que ele<br />

gostava, eu me ergui lentamente, deixando seu pau deslizar para fora<br />

de mim. Eu me concentrei em tencionar meus músculos internos para<br />

~ 169 ~


tornar isso ainda mais intenso para Growl, querendo levá-lo à beira da<br />

insanidade. Ele deu uma palmada na minha bunda, fazendo meus<br />

olhos se arregalarem e um suspiro de surpresa sair, seguido por uma<br />

risada que escorregou da minha boca.<br />

Havia algo parecido com brincadeira em sua expressão. Comecei a<br />

me mover mais rápido. Minha bunda acidentalmente escovava suas<br />

bolas e ele exalou bruscamente. Eu hesitei, sem saber se isso era um<br />

bom sinal, mas o olhar em seu rosto apagou todas as minhas<br />

preocupações. Ele gostou. Muito.<br />

Eu torci meus quadris, certificando de pressionar minha bunda<br />

de encontro com suas bolas cada vez que eu me abaixava. A respiração<br />

de Growl ficou mais rápida e os baixos grunhidos que eu adorava<br />

vieram do fundo de sua garganta novamente. Meu próprio corpo<br />

apertou antecipando um orgasmo, e quando eu me inclinei ligeiramente<br />

para frente, meu clitóris escovou seu osso púbico e eu explodi. Meus<br />

dedos cavaram ainda mais fundo em sua pele e eu me movi mais<br />

rápido, empurrando meu próprio orgasmo em novas alturas. E então o<br />

corpo de Growl estremeceu debaixo de mim e eu o senti gozar,<br />

provocando ainda mais minhas paredes internas. Eu gritei, jogando<br />

minha cabeça para trás. — Oh Deus, — eu disse.<br />

Quando meus batimentos cardíacos diminuíram, eu abri meus<br />

olhos e espiei o homem debaixo de mim. Ele estava me observando com<br />

surpresa.<br />

— O quê? — eu disse de forma consciente.<br />

Growl correu seu dedo sobre meu peito, então lentamente abaixo<br />

do meu estômago até que veio descansar sobre meu clitóris. Eu<br />

estremeci, ainda muito sensível para seu toque.<br />

— Esta foi a primeira vez que você gritou alto.<br />

Meu rosto se aqueceu ainda mais. — Alto? — eu olhei para a<br />

janela coberta pela cortina, preocupada com os vizinhos. Eles tinham<br />

ouvido alguma coisa?<br />

— Não se preocupe com eles. Eles não se importam se aquele<br />

bastardo do outro lado da rua bater em sua esposa até virar polpa. Eles<br />

não vão dar a mínima sobre você gritando porque você está gozando.<br />

Eu olhei para ele. Sua linguagem suja ainda me assustava<br />

algumas vezes. Mas ele estava certo. Eu tinha perdido a conta das vezes<br />

~ 170 ~


que eu ouvi a mulher do outro lado da rua gritar, e nada nunca tinha<br />

acontecido.<br />

GROWL<br />

Vê-la se tocar foi a coisa mais sensual que Growl já tinha visto.<br />

Deus, ele tinha dito a outras mulheres para fazerem a mesma coisa<br />

para ele, mas isso sempre parecia falso e errado. Mas com Cara, ela<br />

realmente se soltava. Ela confiava nele na cama. Era mais do que ele<br />

merecia com certeza.<br />

Ele queria muitas coisas na vida. Ele queria possuir, destruir,<br />

subjugar. Ele nunca quis ser gentil com alguém, ou estar com alguém<br />

além do simples ato de foder. Ele tinha fodido muitas mulheres;<br />

Nenhuma delas tinha significado algo para ele. Ele não desprezava as<br />

mulheres. Não gostava menos delas do que dos homens. Ele<br />

simplesmente não gostava dos humanos em geral. Eles eram criaturas<br />

desonestas e fodidas. É por isso que ele preferia a companhia de seus<br />

cachorros. Eles não esperariam que ele dormisse para matá-lo. Se um<br />

de seus cachorros quisesse matá-lo, eles fariam no meio do dia. Growl<br />

gostava mais dessa maneira.<br />

Cara estava esparramada na cama ao lado dele, seu peito subindo<br />

e descendo rapidamente, seus mamilos duros ainda mais rosados do<br />

que o habitual contra sua pele branca. Algumas gotas de suor desceram<br />

por seu estômago e ele teve que parar de lambê-los de sua pele. Ele<br />

precisava falar com ela, não se distrair com outra rodada de sexo.<br />

Embora a visão dela nua, e finalmente sem vergonha, tornava difícil se<br />

conter.<br />

Cara virou a cabeça, erguendo as sobrancelhas. — Há um olhar<br />

engraçado em seu rosto. Eu fiz algo errado? — duas manchas rosa<br />

apareceram em suas maçãs do rosto e ele se inclinou para frente e<br />

beijou sua testa. Ele não sabia por quê. Ele nunca tinha feito isso.<br />

Nunca tinha pensado em fazer. A testa não era um lugar muito<br />

interessante para um beijo. Cara estava virando-o de cabeça para baixo,<br />

isso era certo. — Você não fez nada de errado.<br />

~ 171 ~


Surpresa encheu o lindo rosto dela. Mesmo ela não entendia por<br />

que ele tinha feito isso, e ela geralmente era boa em emoções e ações<br />

humanas.<br />

Ela pôs uma mão no peito dele. Um pequeno gesto que também<br />

não fazia sentido. Talvez nem tudo tivesse sentido. — Você está bem?<br />

— Eu vou te ajudar, — ele disse com firmeza.<br />

Ela piscou. — Me ajudar? — a mão dela contra a pele dele<br />

começou a tremer. — Você quer dizer com Falcone?<br />

Growl assentiu. Não havia volta agora. Ele tomara sua decisão e<br />

nada o deteria. Ele morreria se necessário. Ela valeria a pena. — Eu vou<br />

te ajudar a se vingar.<br />

CARA<br />

Eu não podia acreditar. Eu esperava por isso, claro, sonhei sobre<br />

isso. Parecia improvável, impossível. Growl era o homem de Falcone,<br />

seu assassino mais temido. Como eu poderia ter mudado isso?<br />

— Então me deixe entender, — eu disse lentamente, querendo me<br />

certificar de que eu não estava entendendo as coisas erradas. — Você<br />

quer me ajudar a me vingar, mesmo que você nunca tenha tentado se<br />

vingar do que Falcone fez com você e sua mãe? Por quê? Eu não<br />

entendo. Você nem gosta do meu pai.<br />

Cale a boca, Cara. Minha mente estava gritando para mim, mas<br />

eu precisava saber. Eu estava começando a aceitar que por alguma<br />

razão parte de mim sentia algo pelo homem na minha frente. E eu<br />

precisava saber se ele também.<br />

— Não é por causa do seu pai. Não me importo que ele esteja<br />

morto. — as palavras mal doíam mais. Eu tinha me acostumado às<br />

palavras duras de Growl. Ele era honesto, isso era algo que eu<br />

apreciava.<br />

Eu me apoiei no meu cotovelo e procurei em seu rosto por<br />

respostas. — Então por quê? — minha voz era um sussurro.<br />

~ 172 ~


Os olhos âmbar de Growl traçaram meu rosto. — Falcone foi longe<br />

demais. Você não mereceu o que ele fez com você.<br />

— O que você quer dizer? — eu perguntei cuidadosamente, sem<br />

saber onde ele estava indo.<br />

— Você era inocente. Ele te puniu por algo que seu pai fez. Isso<br />

não está certo.<br />

— E ele puniu você quando você era um garotinho por algo que<br />

sua mãe poderia ter feito, te puniu por não fazer absolutamente nada.<br />

Isso deveria ter sido suficiente para fazer você querer matá-lo.<br />

— Eu sempre quis matá-lo.<br />

— Então por que não o fez?<br />

— Quando eu era um menino, eu o teria matado, mas naquela<br />

época eu não tinha as habilidades. E mais tarde, quando as tive, sentime<br />

agradecido a ele, por me dar as habilidades, por me mostrar o que<br />

eu podia fazer. Sem ele, eu não seria o que sou hoje.<br />

— Um monstro? Um assassino? Você poderia ter se tornado muito<br />

mais se ele não tivesse matado sua mãe e destruído sua infância. Ele<br />

quebrou você. — eu estremeci no momento em que as últimas palavras<br />

deixaram minha boca.<br />

— Eu era filho de uma prostituta que trabalhava para Falcone. Eu<br />

teria me tornado um de seus homens de qualquer maneira, mas sem<br />

sua crueldade, sem o que ele fez feito comigo, eu nunca teria me<br />

tornado implacável o suficiente para me tornar o seu melhor assassino.<br />

— Então você está me ajudando porque Falcone me tratou mal?<br />

Ele tratou muitas pessoas pior do que eu.<br />

Growl assentiu. Ele correu um dedo pelo meu braço, em seguida,<br />

de volta para cima novamente. — Ele fez. Eu fiz. Mas eu quero te ajudar<br />

a ser feliz. Quero que você saia desta cidade e dessa vida miserável. Eu<br />

nunca quis isso para mim, mas você, para você eu quero tudo.<br />

— Obrigada, — eu disse calmamente. Eu não poderia dizer mais.<br />

Isso foi esmagador.<br />

Eu limpei minha garganta. Emoções nunca tinham sido parte do<br />

plano, ou mesmo uma possibilidade no início. Eu precisava me<br />

concentrar agora.<br />

~ 173 ~


está.<br />

— O que vamos fazer com a minha irmã? Nem sabemos onde ela<br />

Growl puxou a mão para longe do meu braço. Eu me senti mal,<br />

mas eu sabia que não tinha motivo. Eu nunca tinha escolhido isso.<br />

— Vou descobrir — gritou Growl. Ele apoiou a mão em seu<br />

estômago.<br />

você.<br />

— Eu pensei que Falcone não compartilhava essa informação com<br />

— Até agora não. Mas agora que as coisas estão piorando com<br />

Nova York, acho que ele logo terá razão para me contar sobre o<br />

paradeiro de sua irmã.<br />

Eu respirei. — Porque ele acha que você vai machucá-la.<br />

— Mas não vou.<br />

— Eu sei, — eu disse sem hesitação. Como as coisas podem ter<br />

chegado até aqui? Eu estava me apaixonando por ele, e eu não tinha<br />

certeza de como me impedir de me sentir assim. Mas eu precisava. Não<br />

havia futuro para Growl e para mim. Não haveria.<br />

Ele tinha sido um monstro toda a sua vida. Mesmo que eu<br />

dissesse a ele que ele poderia se redimir me ajudando, eu nunca tinha<br />

realmente acreditado, tinha? Como eu poderia estar com alguém assim?<br />

Como eu poderia explicar isso para minha mãe e minha irmã? Eu não<br />

podia.<br />

~ 174 ~


Capítulo vinte e um<br />

CARA<br />

Os gritos dos vizinhos voltaram a aumentar. Era de manhã cedo.<br />

O sol mal se levantara ainda, mas eu estava acordada por horas. Não<br />

apenas por causa das brigas na casa vizinha, mas também por causa<br />

do acordo de Growl para me ajudar.<br />

Saí da cama e olhei pela janela para a casa do outro lado da rua.<br />

Desta vez, o casal tinha levado a briga para fora. Ambos estavam de<br />

frente um para o outro no gramado da frente. Um menino pequeno<br />

estava na porta, talvez de dois anos de idade, observando enquanto<br />

seus pais gritavam um para o outro.<br />

O homem ergueu a mão e golpeou a mulher com tanta força que<br />

ela tropeçou e caiu no chão, mas isso não o impediu. Ele se inclinou<br />

sobre ela e a bateu novamente. O menino começou a chorar, o rosto<br />

contorcido de terror.<br />

— Growl, — eu chamei.<br />

Ele veio em minha direção, parecendo em alerta. — O que está<br />

errado?<br />

— O cara está batendo na namorada de novo.<br />

Growl deu o seu ‘e daí’ com o olhar. — Ele está fazendo isso quase<br />

todos os dias e ela não o deixa. Não é problema nosso.<br />

Outro grito atraiu meus olhos para o casal. A mulher estava<br />

tentando rastejar para longe de seu namorado, mas ele a agarrou pelos<br />

cabelos e a girou, batendo-a novamente.<br />

— Ajude ela, — eu disse com firmeza. — Por favor. Ou eu vou<br />

fazer. — eu me virei e me dirigi para a porta da frente, abrindo-a. Eu<br />

sabia que seria quase impossível eu parar o homem porque ele era alto<br />

e grande.<br />

~ 175 ~


Growl estava perto de mim. — Você precisa aprender a cuidar do<br />

dos seus problemas.<br />

— Por quê? Para que eu possa me tornar tão implacável quanto<br />

você e Falcone? Não, obrigada! — eu sussurrei enquanto eu descia pela<br />

calçada.<br />

Antes que eu pudesse alcançar o outro lado, Growl me agarrou<br />

pelo braço, parando-me. Eu me virei para ele. O uivo do menininho<br />

chegou até a nós e rasgou meu coração. Ninguém mais estava<br />

ajudando, embora muitos rostos aparecessem nas janelas, observando<br />

o que estava acontecendo. — Esse garoto tem que ver seu pai bater em<br />

sua mãe? Você deve saber o que faz a uma criança ver esse tipo de<br />

horror. Você realmente quer que esse garoto compartilhe o mesmo<br />

destino que você?<br />

Os olhos de Growl cintilaram com incerteza, então seu olhar caiu<br />

na cena do outro lado da rua. Decisão e fúria tomou conta do seu rosto.<br />

Um alívio me inundou. Eu conhecia aquela expressão.<br />

Growl cruzou a rua sem olhar para a esquerda ou para a direita.<br />

Eu o segui. O cara não tinha nos notado ainda e estava insultando sua<br />

namorada, chutando e batendo ela alternadamente. Growl foi como um<br />

touro quando bateu no ombro do homem. O cara soltou um grito e caiu<br />

no chão. Parecia querer dar um soco contra quem o tivesse atacado,<br />

mas então percebeu que era Growl e seus olhos se arregalaram.<br />

Eu me agachei ao lado da mulher que ainda estava sentada no<br />

chão, pressionando a mão sobre sua boca. O sangue escorria pelo<br />

queixo. — Você está bem agora, — eu murmurei quando toquei seu<br />

ombro. Seus olhos sem foco se fixaram em mim. Ela não disse nada. Eu<br />

podia sentir o cheiro de álcool em sua respiração. Seu filho veio<br />

correndo em nossa direção e a abraçou no pescoço. — Mãe... mamãe.<br />

Ela o ignorou, olhos apenas para Growl que estava batendo e<br />

sacudindo seu namorado, e dizendo algo que não poderíamos ouvir.<br />

— Não deixe ele matar meu Dave, — ela disse quase implorando.<br />

Eu a encarei. Depois de tudo, ela estava preocupada com seu<br />

namorado abusivo?<br />

— Você deve ir a um abrigo para mulheres com seu filho.<br />

A mulher sacudiu a cabeça. — Dave não é um cara mau. Não<br />

deixe ele machucar meu Dave.<br />

~ 176 ~


Eu fiquei de pé. Growl empurrou o homem em direção ao carro. —<br />

Dê o fora, — ele rosnou, soando tão ameaçador como ele parecia. O<br />

homem entrou no carro e foi embora.<br />

— Você realmente deveria ir, já que ele foi embora, — eu disse à<br />

mulher. Mas seus olhos seguiram o carro com desespero e saudade, e<br />

eu sabia que ela não iria embora. Eu baguncei os cabelos do menino e o<br />

gesto trouxe um sorriso em seu rosto. Aquela pobre criança.<br />

Eu ajudei a mulher e o menino a entrar em casa, ignorando suas<br />

perguntas constantes sobre seu namorado. Dentro da casa estava cheio<br />

de garrafas de cerveja vazias. Fedia a cigarro e álcool, e então eu decidi<br />

que eu precisava salvar pelo menos o garoto. Eu o levantei em meus<br />

braços e o levei para fora novamente. A mulher não me impediu. Ela<br />

estava mexendo no seu celular, tentando ligar para o namorado.<br />

Growl me deu uma olhada, mas não comentou quando saí com o<br />

garoto. Atravessamos a rua e só quando entramos na casa de Growl, ele<br />

disse. — Você não pode ficar com ele.<br />

— Eu não vou. Temos de ligar para os serviços sociais. Temos que<br />

fazer alguma coisa.<br />

— Você não pode salvar todos eles.<br />

— Mas eu posso salvar esse, e isso é o suficiente, — eu disse com<br />

firmeza. O garoto estava olhando para Bandit e Coco curiosamente.<br />

Growl olhou para mim e para o garotinho, e assentiu. — Eu<br />

conheço alguém que eu possa ligar. Eles vão encontrar um bom lugar<br />

para ele. — o garoto estendeu a mão e tocou uma das tatuagens de<br />

Growl com fascínio. A expressão de Growl suavizou um pouco e então<br />

ele se dirigiu para o telefone como se estivesse com medo de sua própria<br />

reação. Afinal, havia esperança para ele. Uma hora depois, duas<br />

mulheres vieram e pegaram o menino. Naquela noite, ouvi seus pais<br />

gritando um com o outro novamente, mas eles não vieram perguntar<br />

por ele.<br />

* * *<br />

Quando eu deitei ao lado de Growl depois do sexo naquela noite,<br />

eu sussurrei. — Você fez a coisa certa hoje. — e era verdade. Talvez eu<br />

~ 177 ~


estivesse errada, talvez ele pudesse compensar seus pecados fazendo o<br />

bem.<br />

Growl se virou para mim. — Possivelmente. Mas essa mulher<br />

ainda está com o imbecil. Algumas pessoas só conhecem a miséria. É<br />

algo confiável. A mudança os assusta mais do que sua vida de merda.<br />

Tracei os espinhos entalhados sobre seu antebraço. — Como você.<br />

Growl estreitou os olhos. — Estou mudando minha vida por você,<br />

indo contra Falcone.<br />

— Eu sei, e eu sou grata por isso. Mas você está fazendo isso por<br />

mim. É como se você ainda não achasse que você merece algo de bom.<br />

— eu disse. — Você mora neste lugar, embora você não precise. Não<br />

consigo imaginar que Falcone esteja te pagando tão mal. Você é como<br />

aquela mulher a esse respeito.<br />

Ele se sentou. — Esta casa não é como ser espancado por alguém.<br />

— ele hesitou. — Isso é ruim para você?<br />

Suspirei. — Este lugar me faz me sentir miserável.<br />

— Você quer dizer que eu faço você se sentir miserável.<br />

— Não, — eu disse, e eu não tinha certeza se era a verdade ou<br />

ainda parte do meu plano de fazê-lo confiar em mim. — Esse lugar. O<br />

povo é desesperado e ignorante, e não há beleza neste lugar, apenas<br />

desolação.<br />

Growl olhou ao redor do quarto. — A beleza é passageira.<br />

— E desolação e desespero não é? — eu me sentei também, e<br />

encostei meu queixo em seu ombro, respirando seu cheiro almiscarado.<br />

Eu não queria que ele partisse, mas eu poderia dizer que ele já estava<br />

ficando inquieto.<br />

— É familiar. É confiável — murmurou Growl. — Eu sempre<br />

gostei disso. — e eu tinha estragado as coisas para ele, eu supunha.<br />

Uma criatura de hábito, de fato. E, no entanto, ele estava desistindo<br />

disso por mim.<br />

Por um momento houve silêncio, então ele lentamente se retirou,<br />

e eu não tive escolha senão soltá-lo. Ele se sentou na beira da cama,<br />

mas depois se levantou. — Durma bem.<br />

— Eu dormiria melhor se você ficasse, — eu disse.<br />

~ 178 ~


Growl hesitou, mas depois saiu novamente. Cada vez que eu<br />

achava que estávamos chegando em algum lugar, uma ação como esta<br />

me lembrava de que não podíamos. Talvez em algum momento meu<br />

coração entenderia isso também.<br />

* * *<br />

Dirigimos em direção a Strip de Las Vegas com seus arranhacéus.<br />

Tudo era brilhante e as pessoas estavam se divertindo. Este era<br />

um lugar totalmente diferente de onde Growl vivia. Nós paramos na<br />

frente de arranha-céus elegantes com os carregadores de malas na<br />

frente das portas corrediças. Growl saiu antes que o homem pudesse<br />

abrir a porta, então ele me ajudou a sair do carro. Era estranho ser<br />

cercada por este luxo novamente. Eu quase me senti como se eu não<br />

pertencesse a isso, como se o último par de semanas tivesse me<br />

mudado tanto que eu não poderia caber no mundo que eu tinha feito<br />

parte toda uma vida. Era um pensamento assustador.<br />

Growl me levou para dentro do prédio com a mão nas minhas<br />

costas. Foi um gesto possessivo e, ao mesmo tempo, achei que ele<br />

estava tentando me mostrar algo mais. Ou eu estava tentando ver<br />

coisas que Growl não era capaz de fazer? O recepcionista nos deu um<br />

sorriso brilhante demais enquanto íamos para os elevadores.<br />

Saímos no topo do arranha-céu e entramos em uma enorme<br />

cobertura. Tudo era branco, vidro e dourado. — O que é isso? — eu<br />

perguntei. Era decorado com móveis de design preto e cinza. Tudo era<br />

elegante e perfeito.<br />

— Meu apartamento, — Growl disse simplesmente.<br />

Eu congelei no meu caminho para as janelas do chão ao teto. —<br />

Isto é seu? — este apartamento parecia completamente não utilizado. E<br />

em seis semanas que eu tinha estado com ele, ele nunca tinha<br />

mencionado isso para mim. Eu me assustei. Tinha sido realmente seis<br />

semanas? Deus. E, ao mesmo tempo, seis semanas parecia um período<br />

de tempo muito curto para tudo o que tinha acontecido.<br />

Seis semanas. Sem a minha irmã. Ela estava bem, Growl tinha me<br />

assegurado. E minha mãe, eu não a via há tanto tempo.<br />

— Eu tenho ele há alguns anos, — Growl disse, me arrancando<br />

dos meus pensamentos. Ele pegou uma coca da geladeira e bebeu. —<br />

~ 179 ~


Falcone me deu como pagamento por um trabalho bem feito, mas eu<br />

não uso. — ele me deu outra coca, mas eu só a usei para deixar o frio<br />

me ajudar a me focar.<br />

— Se você tem isso, — eu me virei. — Então por que você está<br />

vivendo naquela casa terrível? Este lugar não parece ter sido usado<br />

nunca. Não há nada que te pertença.<br />

Growl me lançou um olhar estranho. — Porque este não é quem<br />

eu sou. O mobiliário estava aqui quando eu ganhei e eu nunca mudei<br />

nada, — disse ele em seu barulho habitual baixo. — Isso também é... —<br />

os olhos dele vasculharam a sala. — Muito chique para alguém como<br />

eu. Não sou eu.<br />

Parei na janela e deixei meu olhar vagar sobre Las Vegas abaixo<br />

de nós. Na distância eu podia ver o interminável deserto vermelho. Eu<br />

preferia viver em uma casa, sempre tinha amado a minha antiga casa e<br />

o jardim, mas tudo era melhor do que a barraca que Growl chamava de<br />

casa. — Para alguém como você? — eu repeti suas palavras.<br />

Growl se aproximou lentamente e seguiu meu olhar. — E Coco e<br />

Bandit não se sentiriam tão confortáveis. Eles sentiriam falta do jardim.<br />

Por aqui não há nenhum lugar onde eu possa caminhar com eles.<br />

Eu dei a ele um olhar, mas ele evitou os meus olhos. Havia algo<br />

estranhamente vulnerável e fora de lugar em Growl. Por que ele se<br />

sentia tão desconfortável em um apartamento luxuoso? — Não é como<br />

se a área onde vivemos fosse ótima para passeios com os cães.<br />

Growl me deu um sorriso estranho. — Bandit e Coco estão<br />

acostumados a lugares como esse. Eles sabem como lidar com bêbados<br />

e viciados, prostitutas e os sem-teto. As pessoas por aqui com seus<br />

sorrisos falsos, isso é algo que eles não podem lidar. Pessoas como essa<br />

os envolveram em brigas de cães.<br />

— Sabe, há lugares onde pessoas decentes normais vivem. Você<br />

compara um extremo com o outro.<br />

— Normal — grunhiu calmamente, testando a palavra. — Eu<br />

nunca tive o normal. — ele se virou para mim. — Você pode me<br />

imaginar entre pessoas normais decentes?<br />

Eu não disse nada. Growl com suas tatuagens assustadoras e<br />

cicatrizes sempre chamou a atenção para si mesmo, e para a sua<br />

aparência assustadora.<br />

~ 180 ~


Ele deve ter lido meus pensamentos do meu rosto. Ele assentiu. —<br />

As pessoas normais não me querem em seu bairro, eles teriam medo de<br />

mim. E as pessoas por aqui também não me querem, porque elas<br />

também me temem.<br />

— Todo mundo teme você, — eu disse com naturalidade. — Até<br />

mesmo os criminosos e viciados em sua área. Se você quer viver onde<br />

ninguém te teme, você terá que se mudar para o deserto. — era uma<br />

piada, para iluminar o humor, mas Growl assentiu pensativamente.<br />

— Os animais não me temem, só os humanos. Eu sou um<br />

monstro criado pelo homem, talvez seja por isso. — ele olhou a nossa<br />

volta novamente. — Monstros não são para um palácio como este.<br />

Ele achava não merecer viver em um lugar agradável. Talvez ao<br />

longo do caminho ele tivesse começado a acreditar no que todo mundo<br />

dizia, que ele estava abaixo de todos os outros, que ele não valia nada.<br />

Por alguma razão eu sentia muito por ele, mesmo que ele não<br />

merecesse minha compaixão.<br />

— Você pertence aqui — disse Growl em voz baixa. — Uma<br />

princesa em sua torre.<br />

Meus lábios se abriram em surpresa. Não era a primeira vez que<br />

ele dizia algo assim, mas sempre me surpreendia.<br />

— Então, por que estamos aqui? — eu perguntei a ele.<br />

— Você odeia a casa, — ele disse simplesmente.<br />

— E?<br />

— Nós podemos viver aqui por um tempo. Vai fazer você se sentir<br />

melhor até que eu descobrir o melhor dia para o nosso plano.<br />

Fiquei atônita em silêncio. Growl estava realmente pensando em<br />

se mudar para este lugar porque queria me ver feliz? — Você tem<br />

certeza? — eu não queria nada mais do que viver aqui, neste lugar<br />

brilhante, longe da miséria.<br />

Ele acenou com a cabeça, mas eu pude detectar uma pitada de<br />

incerteza.<br />

— E quanto a Bandit e Coco? Você mesmo disse, eles precisam de<br />

um quintal. Eles vão se acostumar com isso?<br />

Growl escovou um fio de cabelo do meu ombro. — Estou a<br />

negócios a maior parte do tempo. Eu posso levá-los comigo. Estou<br />

~ 181 ~


muitas vezes fora, onde eles podem correr. E eu não vou vender a casa,<br />

então podemos voltar para lá se não quisermos ficar aqui.<br />

Eu duvidava que eu quisesse voltar para a casa de Growl. Não era<br />

porque era pequeno e estava em um bairro ruim. O lugar estava cheio<br />

de muita desolação; parecia queimado nas paredes e andares. Não havia<br />

escapatória.<br />

— Eu adoraria viver aqui, — eu admiti finalmente. E era verdade.<br />

— Talvez não vivamos aqui por muito tempo. Depois que<br />

terminarmos com Falcone, teremos que deixar Las Vegas.<br />

Eu sabia disso, e depois de tudo o que tinha acontecido comigo<br />

aqui, eu não estava triste em deixar minha cidade natal. Eu queria um<br />

novo começo. Com Growl? Uma voz afiada perguntou em minha cabeça.<br />

E parte de mim, queria dizer sim.<br />

— Eu sei, mas mesmo algumas semanas ou apenas dias será<br />

bom. Eu adoro ver o horizonte, — eu disse. Eu olhei para ele. Havia uma<br />

borda macia em sua expressão, e eu não pude evitar. Eu nunca o<br />

desejei mais do que naquele momento. Eu não tinha certeza se isso<br />

ainda fazia parte do plano, se minhas ações em direção a Growl ainda<br />

estavam destinados apenas para levá-lo do meu lado, atingir o meu<br />

objetivo de vingança e segurança para a minha família. Fiquei na ponta<br />

dos pés, agarrei-o pelo pescoço e o puxei para me beijar profundamente.<br />

Ele imediatamente respondeu. Eu apertei contra ele e ele agarrou minha<br />

bunda com uma mão, apertando. Comecei a puxar suas roupas, e logo<br />

estávamos ambos nus, nossas mãos vagando cada centímetro de pele<br />

descoberta. Meu corpo estava inflamado de necessidade. Growl me<br />

levantou e apertou minhas costas contra a janela. Eu soltei um riso<br />

surpreso. — Aqui? — eu perguntei. Ele cutucou minha entrada com seu<br />

comprimento.<br />

— É uma bela vista — disse Growl secamente.<br />

Eu o beijei com força, e ele me empurrou ao mesmo tempo, me<br />

fazendo ofegar em sua boca. Minhas costas esfregaram sobre a janela<br />

quando Growl entrou em mim. E então nós dois gozamos ao mesmo<br />

tempo. Growl afundou de joelhos comigo ainda embrulhada em torno<br />

dele. Nós dois ofegamos. Meus olhos vasculharam os arranha-céus<br />

vizinhos. — Este revestimento reflete?<br />

Growl balançou a cabeça. — Acho que não.<br />

Eu me encostei no vidro. — Então alguém poderia ter nos visto?<br />

~ 182 ~


— Você se importa?<br />

— Não, — eu disse. E era verdade. Algumas semanas atrás, isso<br />

teria sido impossível, mas tantas coisas aconteceram desde então que a<br />

ideia de alguém me ver fazendo sexo não era algo que poderia arruinar<br />

meu dia. Longe disso.<br />

~ 183 ~


Capítulo vinte e dois<br />

CARA<br />

— Por que você sempre vai embora depois de ficarmos juntos? —<br />

Tentei parecer curiosa, mas deixei escapar uma pitada de<br />

vulnerabilidade.<br />

— Não consigo dormir com outra pessoa na cama. — Ele<br />

respondeu. — Nunca pensei que compartilharia uma casa... — Ele<br />

olhou ao redor de nosso novo ambiente. — ...ou apartamento com<br />

alguém.<br />

— Por quê? — Duvidava que ele estivesse preocupado se eu o<br />

mataria.<br />

— Eu simplesmente não consigo. Prefiro ficar sozinho, preferia<br />

ficar sozinho.<br />

— Não prefere mais? — Perguntei esperançosamente.<br />

— Eu não durmo muito bem. E se alguém estivesse na cama<br />

comigo, seria pior. — Growl falou, em vez de responder à minha<br />

pergunta.<br />

— Talvez você só precise se acostumar com isso. Talvez leve<br />

algum tempo. Você está sozinho há muito tempo.<br />

— Desde sempre — Ele murmurou. — Eu estive sozinho desde<br />

sempre. Mesmo quando minha mãe ainda estava viva, ela trabalhava<br />

muito, especialmente à noite. — Foi sua resposta. — E depois que ela<br />

foi assassinada e eu fui morar com Bud, eu ficava feliz por estar<br />

sozinho. Ficar sozinho significava não sentir dor. Isso era bom.<br />

Meu coração se apertou por ele. Tanto horror em seu passado.<br />

Não sabia se eu ou qualquer outra coisa poderia competir com isso,<br />

contra as sombras de seu passado.<br />

~ 184 ~


— Os seres humanos não foram feitos para ficarem sozinhos.<br />

Precisamos de alguém. É a nossa natureza. Precisamos ser tocados.<br />

Precisamos conversar com alguém. Ter alguém em quem confiar. Caso<br />

contrário, nos tornamos...<br />

— Como eu. — Growl rosnou. — Estou melhor sozinho. Estou<br />

destinado a ficar sozinho.<br />

Olhei para suas tatuagens, suas cicatrizes e seu olhar rígido.<br />

— Talvez você tenha razão.<br />

Mesmo que eu não quisesse aceitar, Growl poderia ser uma<br />

daquelas pessoas que não consegue ficar perto de outras por muito<br />

tempo.<br />

Não tentei impedi-lo quando ele levantou dessa vez. Meus olhos<br />

analisaram desde a linha de músculos dos seus ombros largos até sua<br />

bunda firme. Minhas bochechas não aqueceram, mas o fogo na parte de<br />

baixo da minha barriga acendeu novamente com aquela visão. Eu<br />

nunca tinha sentido nada parecido antes. Já tive alguns namorados, já<br />

senti borboletas no estômago, mas isso era algo mais, mais forte, mais<br />

profundo. Eu o desejava, talvez até... o amasse. Eu não tinha certeza.<br />

Não agora, não quando minha vida estava essa confusão e as escolhas<br />

não eram minhas. O amor poderia começar em um cativeiro? Não era<br />

algo que só poderia prosperar em liberdade?<br />

Growl não olhou para trás enquanto caminhava em direção à<br />

porta e saía. O fogo em minha barriga se apagou como se alguém o<br />

tivesse apagado com água. Puxei os cobertores até o queixo. Eu nunca<br />

tinha percebido que a solidão vinha com uma sensação gelada como o<br />

orvalho, cobrindo a pele. Frio. Eu estava com frio. Ainda sentia a<br />

sensibilidade entre minhas pernas por causa de Growl, mas o resto do<br />

meu corpo não era nada. Aquela dor entre as pernas era tudo o que eu<br />

tinha agora para lembrar de Growl. Logo, se... quando nosso plano<br />

desse certo e estivéssemos todos seguros, o que aconteceria comigo?<br />

Com Growl e eu? Ele lutava contra suas emoções. Na maioria das vezes,<br />

eu nem sequer tinha certeza se ele conseguia entendê-las. Talvez para<br />

ele as emoções fossem como as letras para pessoas com dislexia. Mas<br />

essas pessoas conseguiam viver com suas limitações, aprendendo a ler<br />

e escrever apesar de tudo. Então por que Growl não podia aprender a<br />

lidar com suas emoções? Ele já tinha evoluído muito desde que nos<br />

conhecemos. Talvez as emoções fossem algo estranho para ele, como a<br />

paixão era para mim, mas as coisas não precisavam ser assim para<br />

sempre. Growl tinha me ensinado o que era paixão, não tinha me dado<br />

~ 185 ~


outra escolha a não ser me render a ela. Era idiota pensar que eu<br />

poderia ensinar a ele como lidar com suas emoções, assim como ele<br />

tinha me ensinado a lidar com o desejo e a paixão?<br />

Talvez você já tenha ensinado, uma voz sussurrou em minha<br />

mente. Talvez. E talvez não fosse o suficiente.<br />

Meus olhos foram atraídos para a vista de Las Vegas. Ele tinha se<br />

mudado para esse lugar por mim. Por alguma razão, ele havia virado<br />

sua vida de cabeça para baixo por mim. As próximas semanas trariam<br />

as respostas. Se o nosso plano de vingança desse errado, nada mais<br />

importaria. Muito menos todas as minhas emoções. Logo tudo isso seria<br />

decidido.<br />

CARA<br />

— Falcone não quer me contar onde está a sua irmã, e acho que<br />

ele está ficando desconfiado do meu interesse. As negociações com Nova<br />

York não parecem estar indo muito bem, o que pode significar que<br />

Falcone não vai precisar da ajuda de sua mãe por muito mais tempo.<br />

Nós não podemos esperar mais muito tempo. — Growl disse alguns dias<br />

depois, quando voltou para o apartamento depois de algo que Falcone<br />

lhe pediu para fazer. Coco e Bandit o receberam abanando o rabo<br />

descontroladamente.<br />

Se Falcone não precisasse mais da ajuda da minha mãe,<br />

provavelmente se livraria dela.<br />

— Mas o que nós podemos fazer se não descobrirmos onde está a<br />

minha irmã? Não podemos nos vingar enquanto ela não estiver segura.<br />

— Vou conseguir essa informação de Falcone, não se preocupe.<br />

Vamos sequestra-lo, e eu vou fazer ele falar. Assim que eu descobrir<br />

onde ela está, vou matar o Falcone e vou para Nova York com ela.<br />

— E eu e a minha mãe?<br />

— Você vai embora logo depois que eu capturar Falcone. Eu não<br />

quero você na cidade enquanto estiver lidando com ele. Nós nos<br />

encontraremos em Nova York.<br />

~ 186 ~


Eu balancei a cabeça.<br />

— Eu não vou embora sem a minha irmã. E se algo der errado e<br />

não conseguirmos libertá-la? Eu quero estar lá para ter certeza de que<br />

deu tudo certo.<br />

— Você não tem como ajudar. Você só vai atrapalhar porque vou<br />

ter que ficar de olho em você também, e não vou conseguir lutar tão<br />

livremente como de costume.<br />

— Você acha que haverá lutas?<br />

Growl riu sem humor.<br />

— Falcone nunca está sem guarda-costas, e suponho que sua<br />

irmã também deve estar sendo vigiada. Vou ter que matar qualquer um<br />

que fique no meu caminho. Não podemos deixar ninguém sobreviver.<br />

Não podemos arriscar.<br />

— Então nós vamos dirigir até a casa de Falcone e sequestrá-lo?<br />

— Ele geralmente se encontra comigo uma vez por semana para<br />

dar novas ordens. Esse é o melhor dia para atacarmos. Ele vai estar me<br />

esperando, então não vai ficar desconfiado. Vou levar ele para um lugar<br />

seguro, conseguir as informações que precisamos e matá-lo. Depois vou<br />

atrás da sua irmã.<br />

— Eu falei que não vou embora. Vou ficar o tempo que for preciso<br />

para garantir que todos nós estejamos seguros e que Falcone esteja<br />

morto.<br />

Growl não disse nada. Talvez ele achasse que poderia me<br />

convencer.<br />

— E eu preciso falar com a minha mãe. Ela precisa saber o que<br />

estamos planejando.<br />

Growl balançou a cabeça.<br />

— Não. Ela pode falar dar algo sem querer. Ela não precisa saber.<br />

— Ele fez uma pausa. — Cara, eu realmente quero que você vá embora<br />

com a sua mãe. Você não deve ficar em Las Vegas um minuto a mais do<br />

que o necessário.<br />

— Não! — Eu chorei. — Eu quero estar lá. Quero vingança mais<br />

do que você. Eu não deveria estar lá quando isso acontecer?<br />

Growl tocou em minha bochecha.<br />

~ 187 ~


— Tem certeza de que você quer isso? Isso vai te mudar, acredite<br />

em mim. Ter sangue nas mãos muda tudo.<br />

— Minha vida mudou quando Falcone matou meu pai. Ver<br />

Falcone morrer pelos seus pecados só vai melhorar as coisas.<br />

Growl assentiu.<br />

— Tudo bem. Mas quando as coisas ficarem perigosas, você<br />

precisa obedecer as minhas ordens. Se eu te falar para correr, você<br />

corre, sem hesitação e sem discussão. Entendido?<br />

— Entendido. — Me aproximei dele e coloquei a mão contra seu<br />

peito. — Eu não consigo acreditar que você vai mesmo fazer isso.<br />

— Eu prometi. Vou fazer isso por você, então talvez você possa me<br />

perdoar.<br />

— Perdoar você... — Sussurrei, mas ele me silenciou com um<br />

beijo e me levou para o quarto.<br />

* * *<br />

Os olhos de Growl estavam fechados. Porém ele não estava<br />

dormindo. Não que eu soubesse como ele parecia quando estava<br />

dormindo de verdade, já que ele nunca me deixou estar por perto<br />

quando estava assim tão vulnerável. Sempre que ele estava perto de<br />

pegar no sono, me mandava embora ou ia embora, se ele estivesse no<br />

meu quarto. Fui até a borda da cama e me desenrolei dos cobertores.<br />

Eu já estava aqui por muito tempo. Meus olhos estavam ficando<br />

pesados. Eu não queria ser acordada mais tarde e mandada embora por<br />

Growl. Assim era mais fácil, quando sair parecia minha escolha e não<br />

resultado de sua incapacidade ou falta de vontade de compartilhar uma<br />

cama comigo, de me dar mais proximidade do que era absolutamente<br />

necessário. Era ridículo como esse pequeno ato de escolher fazia com<br />

que eu me sentisse muito melhor.<br />

Meus pés tocaram o chão frio, e um arrepio familiar percorreu<br />

minha espinha. Dessa vez não me permiti ficar empoleirada na borda<br />

da cama. Eu levantei. Não tinha me afastado um único passo sequer<br />

quando uma mão forte envolveu meu pulso.<br />

— Fique — Ele comandou com a voz áspera.<br />

~ 188 ~


Congelei, meu olhar se dirigindo para Growl. Ele ainda estava<br />

esparramado na cama com os olhos fechados. Nada em seu semblante<br />

havia mudado, e se não fosse por sua mão segurando meu braço com<br />

força, teria de me convencer que tinha imaginado aquela palavra.<br />

Não dei muita atenção ao fato de que ele tinha mudado de ideia.<br />

Escorreguei sob as cobertas, e só quando eu estava deitada ao lado dele<br />

é que Growl soltou meu pulso.<br />

— Por quê? — Perguntei suavemente. Ele continuou deitado de<br />

costas, sem se aproximar, então não tentei me aconchegar nele. Seria<br />

demais. Isso, ele me convidar para passar a noite com ele, já era um<br />

grande passo, eu sabia.<br />

— Não pergunte. — Ele respondeu.<br />

Growl apagou as luzes e a escuridão tomou conta do quarto. Eu<br />

não ousei respirar, muito menos me mover, ciente de que Growl<br />

provavelmente estava escutando cada som que eu fazia. Eu estava me<br />

intrometendo? Ele já estava se arrependendo de ter falado aquela<br />

palavra?<br />

Afastei aqueles pensamentos de minha mente. Então, quando eu<br />

menos esperava, Growl colocou sua mão contra minhas costas. Um<br />

toque leve, mas era o suficiente. Outro passo na direção certa. Com o<br />

som de sua respiração inalterada ao fundo e a sensação da palma de<br />

sua mão tocando levemente minhas costas, lentamente caí no sono.<br />

~ 189 ~


Capítulo vinte e três<br />

CARA<br />

Naquela noite, fui acordada duas vezes por pesadelos. Não meu<br />

próprio. Growl estava se contorcendo e ofegante em seu sono. Eu não<br />

ousei acordá-lo. Tive a sensação de que ele não gostaria que eu<br />

soubesse de seus problemas.<br />

Era estranho vê-lo angustiado, seu rosto torcido de agonia. Eu<br />

nunca tinha considerado que algo poderia incomodá-lo tanto. Talvez ele<br />

fosse ainda mais humano do que eu pensava.<br />

Ele não estava na cama quando eu acordei, mas eu o encontrei na<br />

cozinha, encostado no balcão com uma xícara de café, como de<br />

costume. Mesmo agora que tínhamos uma mesa de cozinha na<br />

cobertura, ele ainda preferia ficar de pé.<br />

Coco e Bandit estavam sentados ao seu lado, fitando-o com olhos<br />

adoradores.<br />

— Bom dia, — eu disse.<br />

Growl encheu um copo e me entregou. Eu sorri e brevemente<br />

toquei seu antebraço em agradecimento. Ele não se afastou e seu olhar<br />

me fez parar. Bebi meu café e dei a ele o tempo necessário para dizer o<br />

que ele queria.<br />

— Eu tenho um pedido, — Growl disse calmamente.<br />

— Ok. — O que eu poderia fazer por ele?<br />

Ele olhou para Coco e Bandit. — Você vai cuidar dos meus cães<br />

caso alguma coisa aconteça comigo?<br />

Eu fiz uma careta. — Nada vai acontecer com você. Vamos todos<br />

para Nova York juntos.<br />

— Você deve estar ansiosa para a perspectiva da minha morte, —<br />

ele murmurou. — Tenho certeza de que você sempre desejou isso.<br />

~ 190 ~


Eu deveria esperar por isso, e no começo eu tinha. Eu mesmo<br />

tentei matá-lo, afinal. Em breve arriscaríamos nossas vidas. Talvez fosse<br />

a última vez que estaríamos juntos. Era estranho pensar nisso. Ainda<br />

mais estranho que eu fiquei triste com isso. Eu examinei seu rosto. Eu<br />

não estava mais com medo dele, e eu não queria mais que ele morresse.<br />

Estendi a mão muito devagar e tracei a cicatriz em volta do<br />

pescoço dele. Growl parou, mas ele não me impediu. Surpresa correu<br />

sobre mim. Parecia um milagre que ele me deixasse fazer. E no fundo<br />

senti medo de repente. Medo de minhas emoções e do que o futuro me<br />

reservava.<br />

— Você não vai morrer. Você é a pessoa mais forte que eu<br />

conheço, — eu sussurrei. Eu me aproximei dele com os olhos fixos nele.<br />

— Eu não sou. — Seus olhos âmbar me sugaram. Tantos horrores<br />

estavam além deles, e ainda assim eu não o odiava, não mais.<br />

Como eu poderia deixar isso acontecer?<br />

— O que está acontecendo conosco? — Eu perguntei calmamente.<br />

Growl franziu o cenho.<br />

— O que eu sou para você?<br />

— Você é minha — disse ele simplesmente. Dele.<br />

Sua posse? Seu presente? Só isso, ou mais?<br />

Não importava. Uma vez em Nova York, não haveria futuro para<br />

nós. Eu não ficaria com Growl. Eu não poderia, não poderia fazer isso<br />

com minha mãe e irmã. Elas não entenderiam, e como elas poderiam, se<br />

nem eu sabia como isso aconteceu.<br />

GROWL<br />

— Vou cuidar de seus cães, se é isso que você quer — disse Cara.<br />

Growl queria muitas coisas, coisas que ele nunca quis antes.<br />

Acima de tudo, queria lhe dizer que não queria perdê-la. E que, pela<br />

primeira vez em sua vida, ele estava com medo de morrer porque queria<br />

~ 191 ~


ter mais tempo com ela, e ao mesmo tempo estava com medo de não<br />

morrer e vê-la deixá-lo no momento em que estivessem em Nova York.<br />

— Coco e Bandit te amam, — disse ele.<br />

Ela procurou nos olhos dele, mas ele não tinha certeza do que ela<br />

estava procurando. Mesmo agora ele mal compreendia o funcionamento<br />

de seu cérebro. Ela era um mistério para ele, provavelmente seria<br />

sempre, mas não importava. De alguma forma, ela tinha feito o que<br />

ninguém mais tinha. Ela o ligara a ele e ele sempre seria leal a ela.<br />

Ele também era leal a Falcone. E ele teria morrido por ele, porque<br />

Growl jamais se importara se ele morresse. Mas agora... agora ele queria<br />

viver, e mesmo assim ele daria sua vida por Cara, para que ela pudesse<br />

ser feliz.<br />

— E eu os amo, — Cara disse suavemente.<br />

A palavra ‘amor’ dos lábios de Cara fez algo em Growl que ele não<br />

conseguia entender.<br />

CARA<br />

Na manhã seguinte, Growl me acordou antes do nascer do sol. Ele<br />

tinha sumido a noite toda e eu estava doente de preocupação porque ele<br />

não tinha me avisado que ele ficaria fora por tanto tempo.<br />

— Temos que agir hoje, — disse Growl.<br />

Esfreguei os olhos. — O que... — eu me detive, percebendo o que<br />

ele queria dizer. Eu me sentei. — Por quê? Aconteceu alguma coisa?<br />

— Falcone está cansado de negociar com Nova York. Duvido que<br />

ele encontre uso para sua mãe por muito mais tempo.<br />

Eu me empurrei para fora da cama. — Estamos prontos?<br />

Nós não poderíamos falhar.<br />

— Prontos o suficiente, — Growl arranhou. — Temos que arriscar.<br />

Não podemos esperar. Encontrei alguém que nos ajudará. Eu não posso<br />

cuidar de tudo sozinho.<br />

~ 192 ~


— Podemos confiar nele?<br />

Growl balançou a cabeça. — Eu não confio em ninguém. Mas ele<br />

está na lista de Falcone, e eu lhe ofereci uma chance de escapar.<br />

Também ajuda que Falcone matou seus irmãos e ele está querendo<br />

vingança como nós. Eu supostamente deveria matá-lo.<br />

— Certo, — eu disse com incerteza.<br />

— E eu o conheço de quando éramos crianças. A mãe dele era<br />

uma das prostitutas de Bud. Ele e eu ocasionalmente ficávamos juntos<br />

no bordel.<br />

— Vocês eram amigos?<br />

— Não. Eu não tinha amigos. Ele estava com medo de mim<br />

mesmo naquela época, mas muitas vezes nos escondíamos de Bud<br />

juntos, então éramos aliados.<br />

— Ok, se você acha que ele não vai nos trair, eu acredito em você.<br />

Growl estendeu a mão, como se para tocar minha bochecha, mas<br />

deixou cair seu braço. Decepção me encheu, mas eu não tive tempo<br />

para pensar nisso. — Você precisa se vestir. Pegue algumas coisas para<br />

a viagem até Nova York. Quero partir daqui a quinze minutos.<br />

Coloquei roupas confortáveis e coloquei uma escova de dentes e<br />

uma muda de roupa em uma mochila antes de sair correndo do meu<br />

quarto. Growl esperava na frente da porta. Bandit e Coco não estavam à<br />

vista. — Eu já os coloquei no carro, — ele disse, como se ele tivesse<br />

visto a pergunta em meus olhos.<br />

Eu assenti, sentindo uma respiração trêmula. Eu queria dizer<br />

algo, mas minha boca estava muito seca. Em vez disso, fiquei na ponta<br />

dos pés e dei um beijo persistente em Growl. Seus olhos se suavizaram,<br />

mas principalmente pareciam melancólicos.<br />

— Vamos, — ele murmurou, abriu a porta e saiu.<br />

Quando saímos da garagem, uma estranha sensação de<br />

melancolia me dominou. Não porque eu sentiria falta desse ambiente<br />

sem esperança, mas porque eu sentiria falta de qualquer conexão<br />

estranha que Growl e eu tínhamos desenvolvido. Eu não tinha certeza<br />

do que o futuro iria trazer, mas eu sabia que Growl e eu não<br />

poderíamos ficar juntos. Não funcionaria. Era errado.<br />

~ 193 ~


Eu arrisquei um olhar para o homem ao meu lado. Quase dois<br />

meses atrás, estávamos em um carro juntos também, e naquela época<br />

minha vida tinha acabado. Eu o odiava, o temia, o queria morto. Ele não<br />

passara de um monstro aos meus olhos. Suas tatuagens horríveis não<br />

me repeliram mais, e nem sua cicatriz, que eu sabia agora era apenas<br />

uma de muitas. Eu o entendia melhor agora.<br />

Ele não era um monstro. Ele era monstruoso por partes, não<br />

tinha escolha a não se ser virar para sobreviver aos horrores de seu<br />

passado. Mas havia um lado humano nele também. Tinha brilhado mais<br />

e mais no tempo que passamos juntos. Talvez acabasse por conquistar<br />

seu lado monstruoso, mas eu sabia que não poderia seguir seu<br />

caminho para a humanidade com ele. Eu tive que pensar em minha<br />

mãe e irmã.<br />

A esperança de me encontrar com as duas me deu força. Eu não<br />

queria considerar que hoje eu poderia perder tudo.<br />

— Eu não disse a ninguém que nós estaríamos indo para sua mãe<br />

hoje. Primeiro, pensei em fingir que você queria visitá-la, mas depois<br />

das palavras de Falcone ontem, isso só teria causado suspeita. Ele<br />

poderia ter se preocupado com o fato de você avisar sua mãe sobre os<br />

planos dele de parar as negociações.<br />

— Você provavelmente está certo, — eu disse. — Onde vamos<br />

encontrar o cara que está nos ajudando?<br />

— Mino estará em um ponto de encontro em uma fábrica deserta.<br />

— Então ele não vai ajudar você a lutar contra os guarda-costas<br />

de Falcone? — Qual era seu propósito então?<br />

— Prefiro lutar sozinho.<br />

De repente, me pareceu que Mino era apenas um motorista, mas<br />

isso só fazia sentido se Growl não esperasse ser capaz de nos levar<br />

dirigindo.<br />

Eu não tinha tempo para pensar sobre isso porque estacionamos<br />

na frente da minha antiga casa.<br />

Growl não hesitou. Tudo tinha que ser muito rápido. Ele<br />

praticamente saltou do carro e correu em direção à casa. Ele tocou a<br />

campainha, e um homem que eu não conhecia abriu a porta depois de<br />

um momento. Growl agarrou sua cabeça e torceu violentamente como<br />

eu o tinha visto faz meses atrás. O homem caiu no chão, e então Growl<br />

desapareceu dentro da casa. Minha mão se estendeu para a porta. Era<br />

~ 194 ~


difícil ficar no carro e esperar. E se alguma coisa desse errado e eu não<br />

estivesse lá para ajudar?<br />

O que eu poderia fazer? Se um dos guardas da mãe conseguisse<br />

dominar Grown, então essa pessoa definitivamente não teria problemas<br />

comigo.<br />

Os segundos estavam escorrendo e minhas palmas estavam<br />

ficando suadas. Então, finalmente, Growl saiu da casa furiosamente,<br />

arrastando a mãe atrás dele. Soltei um suspiro de alívio.<br />

Mãe estava lutando contra ele, obviamente convencida de que ele<br />

queria fazer mal. Abri a porta e foi quando ela me viu. Confusão<br />

atravessou seu rosto, mas ela parou de lutar com Growl, não que ela<br />

teria sucesso lutando com ele de qualquer maneira. Eu sabia o poder<br />

por trás do aperto dele.<br />

Growl abriu a porta de trás e empurrou minha mãe para dentro,<br />

então fechou a porta novamente. Ele se sentou atrás do volante poucos<br />

segundos depois e nós dirigimos para fora novamente.<br />

A mãe se sentou no assento traseiro, depois notou Coca e Bandit<br />

atrás dela no porta-malas. Ela ofegou e se afastou.<br />

— Eles são inofensivos, — eu assegurei.<br />

Ela me lançou um olhar interrogativo. Seus olhos se lançaram<br />

entre mim e Growl, obviamente estava insegura se ela deveria falar na<br />

frente dele. — Tudo vai ficar bem, — eu tentei acalmá-la. — Growl está<br />

nos ajudando a fugir de Las Vegas.<br />

Os olhos da mãe se arregalaram. — Mas, e Talia?<br />

— Iremos pegá-la primeiro e depois iremos para Nova York.<br />

Mãe balançou a cabeça. — Eu não tive sucesso. Luca não quer<br />

nada com a Camorra.<br />

— Você não faz parte da Camorra — interrompeu Growl. — Você<br />

faz parte da família. Ele vai te aceitar.<br />

Eu olhei para ele. — Mas você é. Luca não sabe?<br />

— Ele sabe. Já fiz muito em nome de Falcone.<br />

Eu não entendi. Luca o aceitaria de qualquer maneira? Ou talvez<br />

Growl não tivesse intenção de se juntar a nós em Nova York, e era por<br />

isso que Mino deveria nos levar.<br />

~ 195 ~


Notei o olhar da mãe e afastei meus olhos de Growl. Ela não<br />

conseguia entender os meus sentimentos.<br />

— E Falcone? — perguntou Mãe.<br />

— Não há tempo para explicar — disse Growl, impaciente. Seu<br />

corpo estava tenso.<br />

Ele parou o carro atrás de uma pick-up estacionada ao lado da<br />

rua. — Este é o carro de Mino. Eu quero que você entre lá, e eu cuido de<br />

Falcone.<br />

Eu olhei para ele. — Eu pensei que ele estaria esperando em uma<br />

fábrica depois de termos terminado com Falcone.<br />

— Eu não quero você por perto quando estiver lidando com ele.<br />

Você vai acabar me atrapalhando, e não há espaço suficiente para<br />

Falcone, se você e sua mãe estiverem lá.<br />

Um homem corpulento saiu da pick-up e esperou.<br />

— Eu não vou sair, — eu disse com firmeza.<br />

Growl apertou os lábios. Ele estava ficando com raiva, mas eu não<br />

me importava. Eu queria fazer parte disso. — Tudo bem, — ele<br />

murmurou. — Mas sua mãe vai.<br />

Ele saiu e abriu a porta de trás. Minha mãe me deu um olhar<br />

assustado. — O que você está fazendo, Cara? Isso é loucura. — Ela não<br />

continuou. Growl a puxou para a pick-up e a colocou no banco de trás,<br />

então ele estava de volta atrás do volante e nós fomos embora. Olhei por<br />

cima do meu ombro para a pick-up que se afastou da estrada e saiu na<br />

outra direção.<br />

— Sua mãe está segura. Mino precisa de nossa ajuda. Ele e sua<br />

família só podem esperar por segurança se Nova York lhes conceder<br />

proteção, e a única maneira que isso pode acontecer, é se sua mãe falar<br />

as coisas certas para ele. Ele não tem escolha a não ser fazer nosso<br />

plano funcionar.<br />

Essa informação me acalmou. Se você pudesse confiar em uma<br />

coisa, então era que as pessoas queriam salvar sua própria pele e<br />

proteger sua família.<br />

O portão da mansão de Falcone apareceu à distância. — Há um<br />

cobertor na parte de trás. Agache-se e se cubra com ele. Eu não quero<br />

que eles te vejam.<br />

~ 196 ~


Agarrei o cobertor e fiz o que ele pedira, tentando ficar o mais<br />

quieta possível. Alguns minutos depois, o carro parou e ouvi a janela<br />

deslizar para baixo, então uma voz masculina.<br />

— Bom dia. O Sr. Falcone está esperando por você.<br />

Depois de um breve momento de pânico, lembrei-me que Growl<br />

tinha mencionado que ele deveria encontrar Falcone para discutir outro<br />

trabalho. Pelo menos, dessa maneira ninguém suspeitaria. Eu ouvi um<br />

tiro abafado e um corpo batendo no asfalto. Meu coração bateu em<br />

meus ouvidos quando o carro foi posto em movimento novamente.<br />

~ 197 ~


Capítulo vinte e quatro<br />

CARA<br />

— Fique aqui. Vou provavelmente demorar um pouco mais para<br />

acabar com os guardas de Falcone, — disse Growl enquanto puxava o<br />

cobertor para fora de mim. Ele segurou uma arma para mim. — Sabe<br />

como usá-la?<br />

Meus olhos se arregalaram e eu balancei a cabeça. Ele<br />

rapidamente explicou o básico para mim, então saiu, e eu queria que<br />

ele tivesse me dado um beijo caso ele não voltasse.<br />

Nem pense nisso, eu me repreendi. Se Growl morresse, todos nós<br />

morreríamos.<br />

Growl abriu o porta-malas e os cães pularam. Eu fiquei agachada<br />

no espaço para as pernas, mas olhei para fora da janela. Coco e Bandit<br />

seguiram atrás de Growl enquanto ele se dirigia para a porta. Alguém a<br />

abriu e Growl enfiou uma faca no ponto macio abaixo do queixo dele,<br />

então Growl estava fora da minha vista.<br />

Demorou dez minutos até que finalmente Growl apareceu na<br />

entrada. O sangue escorria pela testa dele e sua camisa estava rasgada.<br />

Meu coração disparou com a visão, até que Growl saiu, segurando<br />

Falcone pelo colarinho. Uma perna da calça estava rasgada como se<br />

Coco ou Bandit tivessem mordido Falcone lá. Sorri apesar da minha<br />

tensão.<br />

O porta malas ainda estava aberto, então Coco e Bandit pularam<br />

sem precisar ser mandados. A boca de Coco estava coberta de sangue.<br />

O pelo de Bandit estava muito escuro para dizer que tipo de líquido<br />

estava lá, mas eu tinha uma ideia de que também era sangue. Afinal de<br />

contas, eram cães de combate.<br />

Growl empurrou Falcone para o banco de trás. As mãos do<br />

homem estavam amarradas com fita adesiva, assim como sua boca. Ele<br />

olhou furiosamente quando ele me viu no banco de trás.<br />

~ 198 ~


Growl entrou em seu assento e ligou o carro. Precisávamos ficar<br />

longe da casa o mais rápido possível. Ninguém tentou nos parar quando<br />

saímos das instalações. — Está tudo bem? — Eu perguntei,<br />

examinando o corte na cabeça de Growl. Não parecia muito profundo,<br />

mas o sangue estava correndo pelo seu rosto e parando em seu olho<br />

esquerdo. Ele limpou com impaciência. — Eu matei todos eles antes que<br />

eles pudessem tocar um alarme.<br />

Falcone emitiu um som abafado. Ele parecia irritado, mas<br />

também havia uma pitada de medo que me dava uma satisfação<br />

doentia.<br />

Eu sorri sombriamente para ele antes de voltar para Growl. — E a<br />

esposa e filhos?<br />

— Os filhos deles estão na Inglaterra e sua esposa está em Aspen.<br />

Ótimo. Pelo menos, esse sangue não precisava ser derramado. Eu<br />

não gostava muito da esposa de Falcone, mas ela provavelmente tinha<br />

sofrido bastante em seu casamento. Ela não merecia a morte.<br />

Falcone tentou dizer algo de novo. Growl estacionou ao lado da<br />

estrada e se virou em seu assento. Ele empurrou a manga da camisa de<br />

Falcone para cima, e apertou a faca na pele alguns centímetros abaixo<br />

do cotovelo.<br />

— O que você está fazendo? — Eu perguntei.<br />

— Ele implantou um rastreador GPS no corpo para que<br />

pudéssemos encontrá-lo se ele fosse sequestrado, — disse Growl.<br />

Falcone engasgou de dor quando Growl tirou o pequeno<br />

dispositivo de sua carne com a ponta afiada da faca. O rastreador<br />

coberto de sangue caiu no banco de trás. Growl abriu a janela e jogou o<br />

dispositivo de rastreamento para fora.<br />

Então ele puxou a fita sobre a boca de Falcone e continuou nossa<br />

jornada.<br />

— Tem certeza que é uma boa ideia deixá-lo falar? — Eu<br />

perguntei.<br />

Falcone ofegou no assento traseiro, a pele em torno de sua boca<br />

vermelha, e nos encarou. — O que a puta fez para te embrulhar em<br />

torno de seus dedos? Eu teria achado que você era imune à<br />

manipulação.<br />

~ 199 ~


— Você me manipulou toda a vida, — rosnou Growl.<br />

— Ela te contou isso? Ela deve ter chupado seu cérebro.<br />

— Tenha cuidado — advertiu Growl.<br />

Ele tentou se sentar, mas com suas mãos amarradas isso não era<br />

fácil. Eventualmente ele desistiu. O que provavelmente foi melhor<br />

considerando que Bandit tinha colado a cabeça sobre o banco traseiro e<br />

estava muito ansioso para provar Falcone de novo. — Ela vale a pena<br />

perder tudo? Você poderia ter se tornado meu sucessor. Você ainda<br />

pode, se você matar essa puta agora.<br />

Eu ri. E Growl também sorriu amargamente. — Como se seus<br />

homens me aceitassem como seu chefe. Eu sei o que todo mundo está<br />

dizendo sobre mim, até mesmo você. Um bastardo nunca pode ser nada<br />

além de um capanga. Eu não sou idiota. Eu sei o que está acontecendo<br />

por trás das minhas costas. E você tem herdeiro legítimo, você não<br />

precisa de mim.<br />

— Esta vida é tudo que você conhece, tudo que você tem. Se você<br />

arriscar por ela, você será deixado com nada. Ela não vale a pena,<br />

acredite.<br />

Os olhos de Growl me entediaram brevemente. — Sim, ela vale.<br />

Ela vale mais do que você e eu. Ela vai valer a pena perder tudo.<br />

Meu coração inchou de amor, e ao mesmo tempo meu estômago<br />

se apertou. Isso não era para acontecer. Apaixonar-me por um homem<br />

como Growl era o pior que eu poderia fazer, mas já era tarde demais. Eu<br />

não podia negar minhas emoções para o homem ao meu lado.<br />

— Eu devia ter matado você quando você era um menino inútil.<br />

Você é inútil. O filho de uma prostituta boqueteira. Se você não<br />

trabalhar para mim, o que você vai fazer? Não há nada que você possa<br />

fazer. Você é um monstro. Você sempre foi. Eu soube assim que eu vi<br />

você quando você era um bebê feio gritando.<br />

Growl parou em um estacionamento deserto. A loja estava<br />

fechada por um longo tempo pelo que parecia. Growl saltou do carro e<br />

arrastou Falcone para fora do assento traseiro, então o empurrou para<br />

o chão. Falcone cacarejou.<br />

Saí do carro também.<br />

Growl agarrou Falcone pela garganta. — Você fez bastante dano.<br />

Eu não vou mais te ouvir. Você vai morrer hoje.<br />

~ 200 ~


— Meus homens vão te matar. Você não pode deter a todos.<br />

Provavelmente já estão procurando por mim.<br />

Eu congelo. Como?<br />

Growl estreitou os olhos. — Você está mentindo.<br />

O sorriso de Falcone se alargou. — Eu tenho um segundo<br />

rastreador em algum lugar no meu corpo. Depois da coisa com seu pai<br />

traidor, eu decidi que eu precisava de medidas de segurança adicionais.<br />

Alguém vai se perguntar por que eu estou saindo da minha casa e então<br />

eles vão me encontrar. — Falcone me encarou com um olhar<br />

aterrorizante. — Sua irmãzinha sofrerá muito.<br />

Eu soltei um suspiro áspero.<br />

— Vai demorar um pouco para que seus homens percebam que<br />

você não está em casa. Eles não têm nenhuma razão para verificar o<br />

seu rastreador, — disse Growl, mas ele não parecia certo.<br />

— Temos que encontrar Talia, — eu implorei.<br />

Falcone sorriu. — Não vou te contar.<br />

Growl sorriu severamente. — Oh, você vai. — Ele se virou para<br />

mim. — Você deveria voltar para o carro. Isso ficará feio.<br />

— Não. Eu quero ver.<br />

Growl hesitou, mas então tirou a faca e se ajoelhou ao lado de<br />

Falcone. — Eu adoraria fazer isso lentamente, — ele murmurou em uma<br />

voz que me lembrou por que eu tinha medo dele no começo. Por que eu<br />

ainda deveria ter medo dele. — Mas estamos sem tempo. — Ele<br />

silenciou Falcone com fita novamente, agarrou as mãos amarradas de<br />

Falcone e empurrou a ponta da faca sob uma de suas unhas.<br />

Meus olhos se arregalaram quando percebi o que ele ia fazer, e<br />

então o grito abafado de Falcone soou e o sangue estava derramando<br />

sobre a faca de Growl. Eu vomitei e me afastei, meu peito empinando<br />

em uma tentativa de parar de vomitar.<br />

Outro grito abafado. Comecei a tremer, e lentamente levantei<br />

minhas mãos e cobri minhas orelhas. Eu queria isso, queria que<br />

Falcone sofresse, mas eu não podia assistir. Eu não podia suportar ver<br />

Growl como o monstro que eu não queria que ele fosse. Falcone merecia<br />

isso. Ele era a razão pela qual Growl era capaz de tais atrocidades em<br />

primeiro lugar. Agora ele iria provar do seu próprio veneno.<br />

~ 201 ~


Uma mão no meu ombro me fez ofegar e eu me virei para<br />

encontrar Growl me observando com olhos assombrados. — Nós<br />

precisamos ir. Eu sei onde sua irmã está. Não é longe daqui. — Eu olho<br />

atrás dele para onde Falcone estava deitado no asfalto, segurando sua<br />

mão sangrando contra seu peito e chorando. Quando ele me notou<br />

olhando, ele franziu o cenho. Ele me mataria se tivesse a chance, isso<br />

era certo. — Isso foi rápido, — eu disse aliviada.<br />

Growl encarou meu rosto, então assentiu. — Ele não está<br />

acostumado com a dor. Isso facilita as coisas.<br />

Eu me perguntava quantas vezes Growl tinha feito isso antes e na<br />

época eu sabia que nunca lhe perguntaria.<br />

— Eu não consegui assistir, — eu sussurrei.<br />

— Isso é bom. Você é uma boa pessoa.<br />

— Eu não sou, — eu disse. — Se eu fosse uma pessoa boa, eu não<br />

queria que ele sofresse e morresse, mas eu quero. Só sou fraca demais<br />

para ver.<br />

Growl tocou minha bochecha. — É melhor, acredite em mim.<br />

— Você vai matá-lo agora?<br />

— Não. Podemos precisar dele como um escudo. E devemos nos<br />

apressar. — Ele baixou a mão e carregou Falcone de volta para o carro,<br />

sem se importar que ele tivesse sangue em todos os assentos. A camisa<br />

do Growl já estava coberta disso. Mas antes de entrar no carro, ele<br />

trocou uma camisa nova.<br />

* * *<br />

Depois de cinco minutos de carro, paramos na frente de uma casa<br />

simples. — Aqui é onde sua irmã é mantida, — disse Growl. — Não sei<br />

ao certo o que esperar.<br />

ele.<br />

— É por isso que eu deveria ficar no carro, — eu terminei para<br />

Grown assentiu com a cabeça. — Eu voltarei logo. — Ele tirou<br />

Falcone e começou a arrastá-lo para a casa, mas Falcone lutou.<br />

Conseguiu se libertar. Eu rapidamente saí do carro.<br />

~ 202 ~


Nesse momento, outro carro parou. Cosimo estava atrás do<br />

volante. Abriu a porta do carro.<br />

Falcone tropeçou a poucos passos de Growl. Eu estava prestes a<br />

avisar, mas Growl agarrou Falcone e cortou sua garganta. A bile subiu<br />

na minha garganta enquanto o sangue se espalhava. Mas dessa vez eu<br />

não podia desviar o olhar. — Agora você sabe como é, — Growl<br />

guinchou.<br />

Falcone caiu no chão em uma poça de seu próprio sangue. Meus<br />

olhos voltaram para Cosimo. Ele olhou com os olhos arregalados, então<br />

seu olhar se moveu de Falcone para Growl e ele voltou ao carro e<br />

começou a recuar. — Growl, — eu chamei.<br />

Growl amaldiçoou, mas não impediu Cosimo de escapar. — Eu<br />

não posso atirar nele. O barulho é muito alto. Fique aqui. — Com essas<br />

palavras, ele correu em direção à casa, com a arma apontada. Peguei a<br />

arma que Growl me dera e rastejei no banco de trás, estremecendo com<br />

todo o sangue lá, mas eu queria estar ao lado de Talia.<br />

Contei os segundos até que de repente Talia veio correndo em<br />

minha direção. — Aqui! — Eu gritei e seus olhos aterrorizados focaram<br />

em mim. Ela correu para mim e se jogou no carro. Apertei-a contra<br />

mim, agradecida por tê-la de volta.<br />

Ouvi disparos. Growl coxeou em direção ao carro e meio que caiu<br />

no assento. Ele apertou os lábios enquanto ele ligava o carro. — Se<br />

abaixem, — ele ordenou, e apenas um segundo depois de Talia e eu nos<br />

agacharmos no banco de trás, uma bala atravessou a janela. Talia<br />

gritou, e eu a abracei com mais força. — Está bem. Tudo ficará bem. —<br />

Eu esperava que eu não estivesse mentindo.<br />

~ 203 ~


Capítulo vinto e cinco<br />

CARA<br />

Dois carros nos seguiram, mas eventualmente conseguimos<br />

despistá-los. Growl conduziu nosso carro em direção à fábrica vazia que<br />

ele e Mino determinaram como ponto de encontro. Quando chegamos,<br />

já havia um carro esperando e Mino estava fumando um cigarro. Não vi<br />

minha mãe em lugar nenhum.<br />

Talia levantou a cabeça quando paramos, seu rosto assustado e<br />

manchado com as lágrimas.<br />

— O que está acontecendo?<br />

— Estamos indo. — Respondi, acariciando seu cabelo. Ela não fez<br />

mais perguntas. Percebi que ela estava em choque. Saímos do carro e<br />

Growl abriu o porta malas para que Bandit e Coco pudessem sair. Eu<br />

tive que apoiar Talia. Ela estava tremendo demais para andar sozinha e<br />

Growl também estava com problemas. Sua coxa havia piorado. Ele<br />

notou meu olhar e encolheu os ombros, como se não fosse nada. Eu<br />

não acreditava. Sabia que ele devia estar com muita dor.<br />

— Por que vocês demoraram tanto? — Mino perguntou,<br />

percebendo o machucado na coxa de Growl. — Vocês foram seguidos?<br />

— Seu rosto se encheu de preocupação.<br />

— Provavelmente. Vamos nos apressar — Disse Growl. As<br />

palavras tinham acabado de sair de sua boca quando um carro virou a<br />

esquina e entrou em nossa rua. — Pegue os cachorros e as garotas, eu<br />

vou atrasá-los!<br />

— O quê? — Gritei, mas Growl já estava correndo e atirando no<br />

carro, que parou. Quatro homens saíram e o segundo carro apareceu ao<br />

lado do prédio vizinho. Growl rapidamente mirou nas rodas e uma delas<br />

explodiu. O carro girou e parou.<br />

— Rápido! — Mino gritou me puxando.<br />

~ 204 ~


— Cara — Talia gemeu. Seus olhos estavam suplicantes, e isso fez<br />

com que eu me movesse. Mino e eu a levamos até o carro. Minha mãe<br />

estava no banco de trás e quando Mino destrancou o carro percebi por<br />

que ela não tinha saído para nos ajudar. Ele tinha deixado ela trancada.<br />

Provavelmente por um bom motivo. Talia sentou no banco de trás com<br />

nossa mãe, mas eu queria voltar e ajudar Growl. Não tive a chance.<br />

Mino me agarrou e empurrou para o banco de trás com elas, e em<br />

seguida, fechou a porta. Ele sentou no banco do motorista e travou as<br />

portas para que eu não pudesse sair.<br />

— O que você está fazendo? — Gritei enquanto observava Growl<br />

nos defendendo de vários homens. Ele estava agachado atrás do carro,<br />

atirando neles. Mas por quanto tempo ele conseguiria mantê-los<br />

afastados?<br />

— Me deixe sair!<br />

Mino me ignorou. Ele ligou o carro e o colocou em movimento.<br />

GROWL<br />

Growl permitiu-se um momento para observar o carro se afastar e<br />

Cara partir. Ele provavelmente nunca mais a veria, o que era melhor.<br />

Ela seria mais feliz sem ele em sua vida.<br />

Cravou uma faca em seu próximo oponente. Ele lutaria e morreria<br />

hoje. Mas não em vão.<br />

E se ele morresse, seria com a lembrança do sabor doce de Cara,<br />

sua pele perfeita e seu rosto bonito. Ele fechou os olhos com a<br />

lembrança, sem se importar com o que o esperava.<br />

CARA<br />

Bati os punhos contra a janela, ignorando a dor maçante que<br />

corria através de meus braços devido à força.<br />

— Me deixe sair. — Gritei novamente, ainda mais alto. Não que<br />

Mino não tivesse ouvido da primeira vez. Estávamos a menos de dois<br />

~ 205 ~


metros de distância um do outro. Em vez de prestar atenção em meu<br />

pedido, ele dirigiu ainda mais rápido.<br />

Levantei os braços e me apoiei contra o vidro. Growl estava<br />

cercado pelos homens de Falcone. Nem mesmo um lutador como ele<br />

teria chance contra tantos oponentes.<br />

Gritei.<br />

— Por favor, temos que ajudá-lo.<br />

Mino balançou a cabeça.<br />

— Tenho ordens estritas para te levar embora daqui.<br />

— Mas o homem que deu as ordens a você estará morto em breve<br />

se não o ajudarmos!<br />

— Não importa. Uma promessa para um homem morto não vale<br />

menos.<br />

Afundei contra o assento. Estávamos muito longe. Eu não<br />

conseguia mais ver Growl. Ele tinha sobrevivido a tantas coisas. Não<br />

podia morrer, não assim. Não tão cedo.<br />

— Cara? — Escutei a voz macia da minha mãe e percebi que<br />

tinha esquecido completamente dela e de Talia. Virei em sua direção.<br />

Confusão brilhava em seu rosto, mas também uma amarga realização.<br />

Eu tinha me entregado, mas não conseguia me importar.<br />

Meus olhos encontraram Talia. Ela estava olhando fixamente para<br />

suas mãos, que descansavam em seu colo.<br />

Peguei uma de suas mãos, mas ela não reagiu.<br />

— Estaremos a salvo em breve.<br />

Eu não sabia o que ela tinha passado nos dois últimos meses,<br />

desde que eu a tinha visto pela última vez. Ela parecia fisicamente bem,<br />

mas isso não significava nada.<br />

Minha mãe envolveu um braço ao redor de minha irmã, mas<br />

manteve seus olhos em mim.<br />

— Por que esse homem nos ajudou?<br />

— Acho que ele se sentiu culpado pelo que fez e quis se redimir.<br />

— Respondi.<br />

~ 206 ~


Minha mãe franziu os lábios.<br />

— Aquele homem não sabe o que é culpa. Ele é um monstro. Ele<br />

tem sido o assassino mais cruel de Falcone por tantos anos. Ninguém<br />

poderia fazer isso sem se transformar em algo menos humano.<br />

Eu não podia negar. Growl era cruel. Ele era um assassino. Tinha<br />

feito mais coisas horríveis que eu pudesse enumerar. Não tinha como<br />

explicar tudo isso para minha mãe, porque eu não podia explicar<br />

sozinha.<br />

— Eu ouvi as histórias. — Disse Mino. — Como Falcone te deu<br />

para ele de presente. Era a punição de sua família, pela traição do seu<br />

pai.<br />

Ele estava me observando através do espelho retrovisor, uma<br />

expressão curiosa em seu rosto maltratado pelo sol. Eu não reagi às<br />

suas palavras. Não era uma pergunta.<br />

Minha mãe empalideceu com a menção do meu pai, mas<br />

permaneceu em silêncio.<br />

— O que não entendo é por que você está chorando por causa<br />

dele. Você não deveria estar aliviada por se livrar dele? Ele era um<br />

monstro. — Mino continuou.<br />

Levantei os dedos até minhas bochechas, sentindo a umidade.<br />

— Ele era. — Concordei. Eu não estava delirando. Eu tinha<br />

testemunhado a escuridão de Growl, seu lado irreparável, várias vezes,<br />

e ainda assim tinha me apaixonado. Talvez porque conhecesse o outro<br />

Growl, a pessoa que ele mantinha escondida sob as muitas camadas de<br />

brutalidade. O lado sensível e vulnerável, carinhoso e amoroso. Isso me<br />

conquistou. Eu sabia que o homem na minha frente não acreditaria se<br />

eu contasse sobre Growl. E provavelmente era melhor assim. Growl<br />

sempre fez tudo o que era possível para manter esse seu lado<br />

escondido, para se proteger. Eu não iria destruir a imagem que ele<br />

trabalhou tanto para construir, mesmo que eu a odiasse. Mas agora que<br />

ele tinha ido embora, era tarde demais.<br />

Meu coração se apertou como um punho.<br />

— Talvez você devesse conversar com alguém, um psiquiatra. Já<br />

ouvi falar dessa merda. Síndrome de Estocolmo.<br />

~ 207 ~


A raiva irradiou por meu corpo. Eu odiava que ele tivesse colocado<br />

uma etiqueta em meus sentimentos. Minha mãe tocou meu braço e<br />

percebi que ela concordava com ele.<br />

Talvez eles estivessem certos. Eu não sabia. Não sabia se meus<br />

sentimentos por Growl teriam sobrevivido em liberdade, e nunca teria a<br />

chance de descobrir.<br />

* * *<br />

Viajamos por dois dias, e só paramos para ir ao banheiro. Talia<br />

não falou nada no primeiro dia. No segundo, ela finalmente nos disse<br />

que estava bem. Que não tinha sido ferida. Que a esposa do cara que<br />

ficava de olho nela, cuidou dela o melhor que pôde.<br />

Fiquei aliviada, mesmo que tivéssemos mais um obstáculo à<br />

nossa frente. Convencer o chefe da Família de Nova York a nos ajudar e<br />

nos aceitar. Minha mãe ligou para ele de um telefone público velho no<br />

meio da estrada, e avisou que estávamos chegando. Ele não tinha<br />

prometido nada.<br />

Provavelmente pensou que fôssemos espiãs.<br />

Era difícil ter medo do futuro. Eu me sentia entorpecida. Muita<br />

coisa tinha acontecido. O homem que eu amava estava morto. Ele<br />

morreu por mim. Eu não tinha certeza do que acreditava exatamente,<br />

mas tinha que existir alguma coisa depois desta vida. Eu esperava que<br />

os atos de bondade de Growl fossem vistos como um passo para a<br />

redenção, e lhe fosse concedido acesso a um lugar melhor na vida após<br />

a morte. Ele tinha sofrido tanto enquanto estava vivo, e mesmo que<br />

parte fosse sua culpa, eu queria a felicidade dele agora que estava<br />

morto.<br />

Chegamos em Nova York à tarde.<br />

— O que vai acontecer se eles não nos deixarem ficar? — Talia<br />

sussurrou.<br />

— Ou eles pensam que somos espiões e nos matam, ou eles nos<br />

mandam embora e os homens de Falcone nos matam. — Mino<br />

respondeu com firmeza. Fiquei com vontade de bater nele por causa<br />

daquela declaração, mesmo que provavelmente fosse verdade.<br />

~ 208 ~


* * *<br />

Coco latiu atrás de mim. Me virei e cocei atrás de sua orelha. Ela<br />

inclinou a cabeça para me dar melhor acesso. Bandit enfiou a cabeça<br />

sob meu braço, pedindo atenção também. Comecei a fazer cócegas sob<br />

seu queixo, do jeito que ele amava, e ele fechou os olhos em evidente<br />

satisfação. Esses animais, que me assustaram tanto no começo tinham,<br />

de algum modo, entrado no meu coração. Assim como seu dono. Eles<br />

compartilhavam a aparência assustadora e grande potencial de<br />

destruição, mas por baixo disso, havia algo sensível e vulnerável, algo<br />

que fazia você querer cuidar deles e amá-los. Agora Coco e Bandit eram<br />

tudo o que restava de Growl. Eu cuidaria deles o máximo que pudesse,<br />

tentaria protegê-los. Eu devia isso a Growl. Meus olhos começaram a<br />

arder, da mesma forma que acontecera tantas vezes nos últimos dias,<br />

mas pisquei para afastar as lágrimas. Eu não conseguia mais chorar.<br />

Aquilo parecia drenar toda minha energia, e eu precisava dela para o<br />

encontro com a Família de Nova York. Há apenas dois meses, minha<br />

vida estava em ruínas, ou parecia que estava. Eu pensei que não<br />

sobreviveria, mas tinha sido mais forte do que pensava ser possível. Eu<br />

era forte. Meu tempo com Growl tinha me ensinado isso. Eu tinha que<br />

descobrir uma maneira de convencer Luca de que não éramos inimigos.<br />

O carro finalmente parou em uma área industrial que me deu<br />

poucas esperanças. Era um lugar onde você levava alguém que queria<br />

fora do caminho. Meus olhos viraram para Mino.<br />

— Onde estamos? — Perguntei, minha voz rouca, mas firme.<br />

— Esse é o endereço que Vitiello deu à sua mãe — Mino<br />

respondeu. Ele olhou pela janela com preocupação.<br />

nós.<br />

Dois carros pretos estavam estacionados a uma boa distância de<br />

— Talvez devêssemos sair para que eles possam ver que não<br />

somos perigosos. — Sugeri.<br />

— Eles poderiam atirar em nós. — Mino respondeu.<br />

— Eu sei. Mas não temos escolha.<br />

Abri a porta e saí. Me movimentei lentamente, mantendo os<br />

braços afastados do corpo para que eles pudessem ver que não estava<br />

~ 209 ~


armada. Meu coração bateu forte contra a caixa torácica quando dei<br />

alguns passos para longe do carro. Depois de um momento de<br />

hesitação, minha mãe e Talia seguiram meu exemplo e se juntaram a<br />

mim. Nós não nos movimentamos, só esperamos.<br />

Mino ficou no carro. Dei a ele um olhar, mas ele parecia<br />

determinado a esperar.<br />

Um homem alto saiu de um dos carros. Ele era alto e musculoso<br />

como Growl, mas seu cabelo era preto e não havia tatuagens visíveis.<br />

Por um momento enlouquecedor, pensei que fosse ele, ressuscitado dos<br />

mortos por algum milagre.<br />

— Luca. — Minha mãe suspirou ao meu lado. Um segundo e<br />

terceiro homens se aproximaram de Luca um momento depois. Como<br />

poderíamos ter certeza que a vida aqui seria melhor do que em Las<br />

Vegas?<br />

Eu não conhecia essas pessoas, só tinha ouvido histórias,<br />

algumas os bajulando. Minha mãe também tinha saído de Nova York<br />

porque seu irmão era cruel, e agora seu filho Luca decidiria o nosso<br />

destino.<br />

Depois de uma breve discussão, Luca e o segundo homem<br />

começaram a caminhar em nossa direção. O terceiro ficou para trás,<br />

mas provavelmente havia mais nos carros. Fiquei surpresa que Luca<br />

estivesse se arriscando tanto. Falcone teria ficado para trás e deixaria<br />

seus homens fazerem o trabalho sujo. Eu não tinha certeza se era um<br />

bom sinal Luca ter decidido nos encontrar pessoalmente.<br />

Eles pararam a uma boa distância.<br />

— Seu motorista precisa sair. — Luca solicitou. Tanto ele quanto<br />

o outro homem estavam segurando armas.<br />

Encarei Mino e acenei para que ele saísse. Seus olhos se dirigiram<br />

para Luca.<br />

— Se ele não sair logo, eu mesmo vou tirá-lo de lá, e ele não vai<br />

gostar muito disso. — O outro homem advertiu. Seu cabelo era marrom<br />

escuro, um pouco mais longo do que o de Luca, e percebi que eles<br />

compartilhavam as mesmas características. Provavelmente Matteo, se<br />

eu me lembrava corretamente.<br />

Mino deve ter ouvido porque finalmente saiu do carro, segurando<br />

as mãos sobre a cabeça. Um homem correu ao redor do carro e o<br />

agarrou, torcendo os braços atrás das costas. Mino gritou de dor, mas<br />

~ 210 ~


ficou em silêncio quando foi atingido com o cabo de uma arma. Ele<br />

caiu, inconsciente.<br />

Talia começou a chorar silenciosamente ao meu lado. Segurei sua<br />

mão. Nossa mãe já estava segurando a outra. Luca examinou minha<br />

irmã, depois eu e minha mãe. Eu estava muito cansada e esgotada para<br />

sentir medo deles. O medo viria mais tarde. Se houvesse mais tarde.<br />

Pelo que eu sabia, eles nos viam como inimigos e nos matariam. Pelo<br />

menos assim eu estaria com Growl. Mas algo em mim se rebelava<br />

contra essa ideia. Eu sentia falta de Growl, mais do que eu pensava ser<br />

possível. Mas havia muitas razões pelas quais eu precisava viver, pelas<br />

quais eu queria viver. Minha irmã e minha mãe eram duas delas.<br />

Invoquei toda minha coragem e falei.<br />

— Eu sou Cara. Sua prima.<br />

— Nós sabemos exatamente quem você é — Matteo interrompeu<br />

bruscamente.<br />

Não parecia que eles estavam felizes em nos ver.<br />

~ 211 ~


Capítulo vinte e seis<br />

CARA<br />

Eles não nos deixaram falar, mas nos levaram para o que parecia<br />

ser algum tipo de clube que estava deserto quando chegamos. Ninguém<br />

nos disse nada enquanto fomos levados para um quarto na parte de<br />

trás.<br />

— Feche a porta, Romero. — Luca pediu ao terceiro homem. Ele o<br />

obedeceu sem hesitar e ficou parado em frente à porta, seus olhos<br />

atentos nos vigiando.<br />

— Onde está o nosso motorista? — Perguntei. Eles o colocaram<br />

em outro carro e eu não o tinha visto novamente.<br />

— Precisamos ter uma conversa detalhada com ele para descobrir<br />

quais são seus motivos. — Matteo respondeu com um sorriso afetado.<br />

Um arrepio percorreu minhas costas.<br />

— Você vai torturar a gente também? — Murmurei.<br />

Matteo riu.<br />

— Ah, uma atrevida.<br />

Luca suspirou.<br />

— Você já tem uma esposa atrevida. Não provoque meus nervos<br />

discutindo com nossa prima também.<br />

Meus olhos se arregalaram em surpresa.<br />

Matteo encolheu os ombros e sentou na borda da mesa.<br />

— E os cachorros, para onde você os levou? Por favor, não os<br />

machuque.<br />

— Alguém está cuidando deles — Luca respondeu. O que ele<br />

queria dizer com isso?<br />

~ 212 ~


— Precisamos da sua ajuda, Luca. — Minha mãe falou,<br />

suplicante. — Nós somos da família.<br />

— Você deixou sua família para ir à Las Vegas. Você se casou com<br />

um membro dos Camorra.<br />

— Pelo que eu sei, isso é traição. — Matteo disse com um sorriso<br />

torto. — E pelo que ouvimos, sua família gosta de traição. Seu marido já<br />

pagou por isso com sua vida.<br />

Minha mãe hesitou.<br />

— Nós nunca traímos ninguém. — Respondi com firmeza. — E<br />

minha mãe só saiu de Nova York porque amava meu pai e porque o<br />

irmão dela era um monstro.<br />

— Bem, nós sabemos que pelo menos você sabe como lidar com<br />

monstros, certo? — Matteo disse. — E não se esqueça que é do nosso<br />

pai que você está falando.<br />

Engoli em seco. Insultar Salvatore Vitiello provavelmente não foi a<br />

melhor ideia.<br />

— Eu conheci seu pai, meu irmão, bem o suficiente para saber<br />

que você não deve sentir muito sua falta. — Minha mãe respondeu.<br />

Luca encolheu os ombros.<br />

— Ele não era um bom homem. Mas eu também não sou.<br />

— Eu não acredito que você é como ele. Vi sua linda esposa no<br />

jornal.<br />

A expressão de Luca mudou. Seu instinto protetor levou para<br />

longe a inexpressividade.<br />

— Não estamos falando sobre ela.<br />

A porta do quarto se abriu. Romero olhou atrás, depois se virou<br />

com uma expressão de desculpa.<br />

Uma linda mulher loira entrou.<br />

— Já chega. — Ela falou. Sua voz era baixa e calma, mas tinha<br />

um óbvio poder sobre Luca.<br />

Ela era resplandecente. Foi tudo o que pude pensar quando a vi.<br />

Sua pele era pálida, cabelos dourados e olhos azuis. Resplandecente.<br />

~ 213 ~


Seu sorriso acolhedor me atingiu e o nó no meu estômago<br />

afrouxou. Talvez houvesse esperança, afinal de contas. Ela caminhou<br />

em minha direção. Era difícil não perceber a desaprovação no rosto de<br />

seu marido ou a forma que seu corpo tencionou em antecipação. Como<br />

se ele estivesse preocupado que eu fosse atacá-la. Essa era a última<br />

coisa na minha cabeça, principalmente quando ela poderia significar<br />

nossa segurança.<br />

— Eu sou Aria. — Ela falou, estendendo a mão para mim. Eu a<br />

cumprimentei com um sorriso.<br />

— Eu sou Cara, e esta é minha irmã Talia. — Acenei para Talia<br />

que parecia completamente congelada de medo. Aria deu um tapinha no<br />

ombro da minha irmã.<br />

— Você não precisa ter medo. Ninguém vai te machucar, eu<br />

prometo.<br />

— Aria. — Luca advertiu em uma voz tensa.<br />

Ela cumprimentou minha mãe antes de finalmente encarar o<br />

marido.<br />

— Elas são da família. E passaram por muita coisa, você não está<br />

vendo? Precisamos ajudá-las.<br />

— Nós nem sabemos por que elas estão aqui. — Matteo ressaltou.<br />

Aria caminhou até seu marido e o encarou.<br />

— Elas são inocentes. Elas precisam de nossa proteção. Você<br />

realmente acredita que elas estão aqui para nos fazer algum mal?<br />

— Não. — Luca disse com um suspiro. — Eu não acredito. — Ele<br />

olhou para nós. — Vocês podem ficar. Espero que eu não me arrependa.<br />

* * *<br />

Eles nos levaram para uma casa no Hamptons, depois de alguns<br />

argumentos convincentes de Aria. Eu já gostava dela, embora não a<br />

conhecesse.<br />

Fomos colocadas na ala de hóspedes do grande edifício,<br />

provavelmente por medidas de segurança, mas eu não me importava.<br />

~ 214 ~


Estávamos um passo mais perto de um futuro melhor. Quando Aria nos<br />

mostrou nossos quartos, eu disse:<br />

— Obrigada, por tudo.<br />

Ela sorriu.<br />

— Seja bem-vinda.<br />

— Eu tenho mais um pedido. Você pode se certificar de que eles<br />

não machuquem os meus cachorros?<br />

— Claro. — Ela disse sem hesitar. — Vou garantir que eles fiquem<br />

seguros.<br />

Talia veio até meu quarto naquela noite e se aconchegou em mim.<br />

— Eu estava tão assustada, mas agora tudo vai ficar bem, não<br />

vai? — Ela sussurrou.<br />

— Sim. Vamos começar de novo. — Uma imagem de Growl<br />

apareceu em minha cabeça, mas tentei manter a tristeza dentro de<br />

mim. Em breve essas emoções teriam que desaparecer.<br />

— Você realmente o amava?<br />

— Amava. Ainda amo. — Admiti. Eu não queria mentir para Talia.<br />

— Eu não entendo. — Sua respiração quente soprou sobre minha<br />

garganta enquanto ela descansava a cabeça em meu ombro.<br />

— Nem eu. Eu não queria que isso tivesse acontecido.<br />

— Você não pode mudar o que sente. Está tudo bem. — Talia<br />

disse suavemente, me abraçando com mais força.<br />

— Mamãe está me evitando. Acho que ela não consegue me<br />

perdoar por causa de Growl.<br />

— Ela perdeu o pai. Ela precisa de tempo.<br />

Eu esperava que Talia estivesse certa. Mesmo que ela não<br />

estivesse, não havia nada que eu pudesse fazer com meus sentimentos.<br />

* * *<br />

~ 215 ~


Aria manteve sua promessa. No dia seguinte, Coco e Bandit<br />

chegaram à mansão. Porém Luca se recusou a deixá-los correr pela<br />

casa. Eu tinha que mantê-los em uma coleira quando estava fora do<br />

quarto. Aria juntou-se a mim enquanto mostrava o jardim a eles. Tanto<br />

Coco como Bandit pareciam gostar de sua presença.<br />

Luca seguia atrás de nós como uma sombra.<br />

— Eles eram usados rinhas de cães. Você deveria ter cuidado. A<br />

maioria deles são monstros desagradáveis.<br />

— Eles são bons. Melhor do que a maioria das pessoas. —<br />

Respondi bruscamente.<br />

— Isso não é difícil. A maioria das pessoas são idiotas. — Matteo<br />

respondeu com um encolher de ombros, também aparecendo no jardim.<br />

— Enquanto esses animais estiverem aqui, não vou permitir que<br />

Gianna venha nos visitar.<br />

— Como se você pudesse dizer a Gianna o que fazer. — Aria<br />

brincou e se virou para mim. — Não os escute. — Completou em tom de<br />

desculpas. Ela se agachou diante de Coco e Bandit. Me ajoelhei ao lado<br />

dela e acariciei a cabeça de Coco. Depois de um breve momento de<br />

hesitação, Aria fez o mesmo.<br />

— Veja. — Ela disse com um olhar por cima do ombro em direção<br />

ao marido. — Eles são inofensivos.<br />

— Eles podem ser inofensivos agora, mas já viveram muito. Às<br />

vezes eles podem perder o controle. Eu não os quero perto de você.<br />

Aria suspirou e sussurrou para mim.<br />

— Mantenha eles na coleira até que ele se acalme.<br />

Assenti. Eu não tinha nenhuma intenção em ir contra as ordens<br />

de Luca. Levei os cachorros para o quarto e me estiquei na cama.<br />

Eles inspecionaram o quarto, mas não tiraram os olhos de mim.<br />

Tive a sensação de que eles estavam procurando por Growl.<br />

Provavelmente também sentiam sua falta. Eventualmente, dei umas<br />

batidinhas na metade vazia da cama.<br />

— Venham para cima.<br />

Coco ergueu a cabeça, as orelhas levantadas.<br />

~ 216 ~


Dei outro tapinha na cama com mais firmeza e repeti meu<br />

convite. Coco foi a primeira a trotar em direção à cama e se juntar a<br />

mim com um salto hesitante. Quando eu não a repreendi, ela se<br />

aconchegou, pressionada contra a lateral do meu corpo. Bandit não<br />

precisou de mais um convite. Ele se aconchegou rapidamente contra eu<br />

e Coco. Eu coçava atrás de suas orelhas, apreciando a sensação da pele<br />

macia. Com seus corpos quentes me dando o conforto que tanto<br />

precisava, relaxei contra os travesseiros e apaguei as luzes. Eu não<br />

tinha dormido bem ontem à noite, tinha sonhado com a morte de Growl<br />

imaginando um final terrível atrás do outro. Eu queria saber<br />

exatamente o que tinha acontecido com ele. A verdade, por mais difícil<br />

que fosse, era sempre melhor do que não saber nada.<br />

~ 217 ~


Capítulo vinte e sete<br />

CARA<br />

Algumas semanas mais tarde, minha família e eu estávamos<br />

começando a nos instalar, e Talia estava quase de volta ao seu eu<br />

habitual.<br />

Voltei da minha caminhada com Coco e Bandit nas vastas<br />

instalações da mansão Vitiello, e estava a caminho da ala dos hóspedes<br />

quando ouvi uma conversa em outro lugar da casa.<br />

Eu conhecia aquela voz. Todas as noites eu a ouvia em meus<br />

sonhos, a maioria deles pesadelos. Mas ela não era a causa dos meus<br />

medos, não mais. Tanta coisa havia mudado.<br />

Deixei as coleiras caírem e comecei a correr em direção àquela<br />

voz. Não parei até vê-lo na sala de estar. Derrapei até parar, meu<br />

coração batendo em minha garganta.<br />

E ali estava ele, sombrio, alto e ferido. Um de seus olhos estava<br />

inchado, vários cortes e novas contusões lhe cobriam a pele.<br />

Eu não conseguia me mexer. Os cachorros não compartilharam<br />

da minha hesitação. Eles me seguiram, arrastando suas coleiras. Eles<br />

pularam à frente, latindo e sacudindo os rabos.<br />

Luca, Romero e Matteo se assustaram e puxaram as armas. Mas<br />

Coco e Bandit não atacaram. Eles se espremeram nas pernas de Growl,<br />

que estendeu a mão para acariciar suas cabeças, mas seus olhos foram<br />

para mim, me perfurando até a alma.<br />

Fazia duas semanas desde que nos vimos pela última vez. Onde<br />

ele esteve? Por que ele não me deu um sinal de que estava vivo? Chorei<br />

sua morte, fiz planos para um futuro sem ele, mas agora que ele estava<br />

aqui, eu me perguntava se teríamos um futuro juntos. Nós nunca<br />

conversamos sobre isso. Eu tinha sido dele, não por escolha, e agora<br />

que eu estava livre, me perguntava se poderíamos fazer isso funcionar.<br />

~ 218 ~


Será que eu realmente queria viver com o homem que era meu dono?<br />

Será que ele ainda me queria, agora que eu não era mais apenas um<br />

presente? Milhares de perguntas percorreram minha mente e me<br />

deixaram cambaleando.<br />

Fixei meu olhar no seu e percebi que, apenas um instante antes<br />

de Growl levantar seus escudos novamente, minhas próprias perguntas<br />

estavam refletidas nos olhos dele.<br />

— Você está vivo. — Eu disse simplesmente.<br />

Ele não se aproximou.<br />

— É difícil de me matar.<br />

Notei Aria no canto, nos observando.<br />

Luca interrompeu o silêncio tenso.<br />

— Está feito?<br />

Growl finalmente afastou seu olhar do meu.<br />

— Eu matei muitos dos homens próximos a Falcone. Tem muita<br />

coisa acontecendo em Las Vegas agora. Os filhos dele e Cosimo estão<br />

lutando pelo poder. Vai mantê-los ocupados por um tempo.<br />

Luca pareceu satisfeito com isso. Negócios. Era tudo sempre<br />

sobre negócios. Era por isso que eles tinham colocado Growl lá? Porque<br />

Growl tinha informações importantes sobre os Camorra em Vegas?<br />

Eu queria correr para Growl, mas ele não parecia querer isso.<br />

Confusão nublou meus sentidos. Eu precisava de ar fresco. Eu<br />

precisava pensar. Me virei e corri pra fora. Parei quando cheguei a um<br />

banco e sentei nele.<br />

Aria se juntou a mim alguns momentos depois.<br />

— Você o ama. Por que você não fala com ele?<br />

— Porque ele não me ama. Ele não pode. Essa coisa entre nós não<br />

tem futuro.<br />

Eu não era ingênua o suficiente para acreditar que Growl iria<br />

mudar. Se ficássemos em Nova York e ele fosse autorizado a trabalhar<br />

para Luca, havia apenas um trabalho que ele poderia fazer. Tornar-se<br />

um dos assassinos de Luca. Muita coisa tinha sido arrancada de Growl<br />

quando viu sua mãe morrer e quando ele mesmo quase sangrou até a<br />

morte. Eu queria ajudá-lo, mas não tinha certeza se era capaz de<br />

~ 219 ~


ecuperar todas as peças quebradas. Algumas delas poderiam estar<br />

perdidas para sempre.<br />

— Por quê? Se você o ama, tem que haver um jeito.<br />

— Ele... não é bom.<br />

Aria riu suavemente.<br />

— Luca também não é bom, mas eu o amo com todo o meu<br />

coração. Você só tem que se permitir amar as partes boas dele.<br />

Eu amava suas partes boas e suas partes ruins, o amava mais do<br />

que deveria.<br />

Ele roubou minha liberdade, minha vida. E de alguma forma ao<br />

longo do caminho, sem eu nem perceber, ele também roubou meu<br />

coração.<br />

— Ele te ama. Eu não sei exatamente o que Luca e Growl<br />

conversaram quando eles se encontraram ontem, mas tenho um<br />

pressentimento de que a única razão pela qual Luca confia em Growl é<br />

porque ele percebeu que Growl te ama. E Luca sabe o que o amor pode<br />

fazer com uma pessoa. — Ela fez uma pausa. — Sua irmã mencionou<br />

que sua mãe não aprova. Mas não deixe isso te impedir, se você<br />

realmente o ama. Minha irmã Gianna também não gostava muito do<br />

Luca no início.<br />

Assenti para mostrar a ela que tinha escutado, mas não consegui<br />

responder nada.<br />

GROWL<br />

Growl caminhava pelo corredor em frente ao quarto de Cara. Ele<br />

não sabia por que estava esperando que ela aparecesse. O que ainda<br />

restava para falar?<br />

No momento em que ela partiu para Nova York sem ele, sabia que<br />

isso significava o fim para os dois. Aquilo tinha sido como um soco no<br />

estômago, a compreensão de que ela não ficaria com ele, um monstro.<br />

Ninguém ficaria. Ela parecia desfrutar de sua companhia no final,<br />

gostava de sua proximidade e do seu toque, mas ele não se enganou.<br />

Sua afeição por ele havia nascido por necessidade. Ela não tinha<br />

~ 220 ~


escolha. Ela não conseguia fugir dele. Mas agora tudo tinha mudado.<br />

Em Nova York, Cara seria livre para fazer o que quisesse. Ninguém a<br />

estava impedindo de fazer nada. Growl conhecia Luca o suficiente para<br />

saber que ele não iria apoiá-lo em ficar com Cara. E embora tivesse<br />

levado algum tempo para que Growl percebesse, ele não queria ter Cara<br />

como uma posse. Ele queria que ela quisesse estar com ele. Ele sabia<br />

que aquela ideia ridícula significava que a perderia completamente. Ela<br />

viveria sua vida sem ele. Ela encontraria um novo cara, um cara legal,<br />

alguém que não tivesse causado a ela tantos pesadelos.<br />

Ainda era difícil para ele entender as emoções, e isso nunca<br />

mudaria. Mas sua expressão deixou claro até mesmo para ele, que ela<br />

não o queria. Talvez ela tivesse fingido tolerá-lo por sua própria causa e<br />

para que ele a ajudasse a vingar seu pai, matando Falcone. Ele não<br />

podia culpá-la.<br />

Muitas vezes ele desejava nunca ter a possuído. Era mais fácil<br />

viver sem algo que você nunca teve, porque você não sabia o que estava<br />

perdendo. Mas uma vez que você tinha algo, era difícil deixar para trás.<br />

Growl se acostumara com a presença de Cara. Ele sempre se<br />

considerou uma pessoa solitária. Pensava que não queria outras<br />

pessoas ao seu redor. Ele gostava de ficar sozinho, somente com a<br />

presença de seus cães. Sua vida era só dele. Sem intercorrências e<br />

conduzida por hábitos, mas segura. Agora que tinha vivido com alguém,<br />

com Cara, tinha dificuldades em imaginar ficar sozinho de novo.<br />

Ele superaria por aquilo. Sempre superou. Ele trabalharia duas<br />

vezes mais e colocaria toda sua energia em fazer Luca confiar e valorizálo.<br />

Ele faria um nome para si mesmo aqui em Nova York e<br />

eventualmente, esqueceria Cara e voltaria à vida que ele tinha antes.<br />

E então, Cara apareceu no fim do corredor, e ele percebeu que<br />

estava se enganando se acreditasse que poderia esquecê-la.<br />

CARA<br />

Eu congelei quando vi Growl na frente do meu quarto. Bandit e<br />

Coco estavam encolhidos a seus pés como se todos estivessem<br />

esperando por um tempo.<br />

~ 221 ~


Me aproximei lentamente, tentando controlar minhas emoções.<br />

Coco balançou o rabo quando parei na frente de Growl.<br />

Ele colocou as mãos nos bolsos, mas seu corpo estava tenso como<br />

um arco.<br />

— Não há motivos para você ficar comigo. Você está livre. Mesmo<br />

que eu pudesse te forçar a ficar comigo, eu não vou. Você é livre para<br />

decidir a sua própria vida.<br />

As palavras que eu desejava ter ouvido desde o momento que<br />

Falcone me deu para Growl de repente machucaram.<br />

— Então o que você está dizendo? Que preferia que eu te<br />

deixasse? — Embora, para que eu pudesse deixá-lo, precisaríamos ter<br />

sido um casal em primeiro lugar.<br />

— Essa é a última coisa que eu quero. — Ele falou com<br />

ferocidade. Ele colocou as mãos para fora dos bolsos, inquieto, quase<br />

como se quisesse me agarrar e colocar algum sentido em minha cabeça,<br />

mas ele não me tocou.<br />

— Então o que você quer? — Perguntei, frustrada. Talvez eu<br />

deveria ter aceitado as palavras de Growl e ido embora.<br />

Minha mãe iria preferir isso, e teria sido a escolha mais certa<br />

moralmente, se eu estivesse sendo honesta comigo mesma.<br />

Growl tinha partes monstruosas e isso não iria mudar. Anos de<br />

abuso haviam deixado sua marca, e se eu escolhesse ficar com ele, teria<br />

que viver com isso. Talvez em Nova York, Luca encontraria melhores<br />

maneiras de canalizar os talentos de Growl para tarefas menos<br />

horrendas, mas eu não estava me enganando em acreditar que matar<br />

não seria mais uma grande parte da vida de Growl. Isso era algo que eu<br />

teria que aceitar. Permanecer com alguém só porque espera mudar<br />

aquela pessoa era esforço para o fracasso.<br />

Os olhos de Growl brilharam com emoções, muitas mais do que<br />

eu já havia visto.<br />

— Eu quero... — Ele começou, então parou e rosnou. Ele<br />

balançou a cabeça e olhou para o lado, para que eu ficasse olhando<br />

para seu perfil.<br />

— Uma vez você me disse que eu precisava ser corajosa. Quem<br />

não é corajoso agora? — O desafiei.<br />

~ 222 ~


Growl se virou, me agarrou pelos ombros e me pressionou contra<br />

a parede.<br />

— Eu quero você. Quero que fique comigo porque quer ficar. Eu<br />

quero que você me queira.<br />

Eu exalei.<br />

— Eu quero.<br />

Growl me soltou.<br />

— Quer o quê?<br />

— Quero você. Quero ficar com você.<br />

Growl olhou fixamente.<br />

— Eu... Eu acho. — Ele passou uma mão pelo rosto. — Eu não<br />

sou bom com palavras. Você sabe disso.<br />

— Mas você poderia ser. Talvez você só precise tentar. — Eu disse<br />

suavemente.<br />

Seus olhos se encheram de determinação.<br />

— Poucas coisas me assustam hoje em dia. — Ele resmungou. —<br />

Mas isso entre nós me assusta. Minhas emoções me assustam.<br />

— Por quê?<br />

— Eu desisti de esperar por algo bom há muito tempo. Deixava as<br />

coisas mais fáceis. Nada podia me machucar. A dor não era nada. Os<br />

insultos das pessoas não significavam nada. Eu não me importava com<br />

nada. Não tinha medo de nada. Mas quando ganhei você, percebi de<br />

repente o tipo de vida que tinha levado. Como as coisas significavam<br />

pouco. E enquanto eu estava lutando contra os homens de Falcone,<br />

percebi o quanto eu gostava de estar com você, de ter alguém para<br />

conversar, compartilhar refeições com você, passear com Coco e Bandit<br />

com você, e até mesmo compartilhar uma cama com você. Eu nunca<br />

pensei que poderia gostar desse tipo de coisa, nunca pensei que poderia<br />

precisar de algo assim, mas agora... — Ele parou, a incerteza voltando.<br />

— Agora estou com medo pra caralho de perder tudo isso, de te perder.<br />

Eu nunca soube que precisava de você, mas agora não posso imaginar<br />

ter que ficar sem você. Eu... eu te amo, Cara.<br />

~ 223 ~


Deixei escapar um suspiro trêmulo. Eu nunca pensei que ouviria<br />

essas palavras de Growl. Nem em um milhão de anos. Toquei seu<br />

coração e sua bochecha.<br />

— E eu amo você, Growl.<br />

Aria tinha razão. Eu precisava fazer uma escolha. E eu escolhi o<br />

amor. Minha mãe aceitaria eventualmente. Afinal de contas, ela tinha<br />

desistido de tudo por amor.<br />

— Ryan. — Ele rosnou. O nome soava errado vindo de seus<br />

lábios, como se não estivessem mais acostumados com aquela palavra.<br />

— Ryan?<br />

— É o meu verdadeiro nome.<br />

— Oh. — Sussurrei, esmagada pela situação. — É um nome<br />

muito bonito.<br />

Ele sorriu fracamente. Ainda me surpreendia como um sorriso<br />

mudava seu rosto irritado. Ele se inclinou, me beijou, e depois se<br />

afastou alguns centímetros.<br />

— Quero que Nova York seja um novo começo para mim e para<br />

você, se você quiser. E eu quero ser conhecido como Ryan nesta nova<br />

vida.<br />

— E eu quero um novo começo com você, Ryan. — Respondi. Ele<br />

envolveu seus braços em torno de mim e me segurou com força.<br />

— Eu não mereço você. — Ele murmurou contra meu cabelo. —<br />

Ainda. Mas eu vou.<br />

~ 224 ~

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