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jornal 21

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06.HISTÓRIAS&RECORDAÇÕES<br />

Mãos divinas<br />

Desde tempos imemoriais que o homem tem experimentado<br />

processos de cura aparentemente milagrosos através<br />

da imposição das mãos, quer do toque direto directo ou<br />

através da colocação das mãos e dos dedos a uma determinada<br />

distância do corpo do doente. Qualquer ser humano<br />

verifica facilmente que a colocação das mãos no seu<br />

próprio corpo acalma, conforta e alivia a dor.<br />

No Ocidente, esta técnica de cura já era conhecida pela<br />

civilização Assíria Babilônica e tomava o nome de “cura<br />

milagrosa pela carícia magnética”. No Antigo Egito, era<br />

simbolicamente representada pelas mãos da Deusa da<br />

Cura Ísis. Na China a imposição das mãos (Qi Gong terapêutico)<br />

precede a aplicação das agulhas de acupuntura, que é<br />

uma técnica com milhares de anos de existência. Desde<br />

sempre existiram pessoas com este dom “à priori”, e hoje<br />

sabe-se que esta técnica de cura depende da postura e<br />

preparação mental e física do terapeuta, sendo que pode<br />

ser arduamente treinada. O“ “Qi Gong”” terapêutico passou<br />

para o Japão e no Sec. XIX tomou o nome de ““Reiki””.<br />

Este poder de cura pela imposição das mãos já era<br />

atribuído a imperadores bizantinos e carolíngios, assim<br />

como, aos santos da Igreja Católica. É pública a imagem do<br />

Séc. XII de S.Francisco de Assis num museu de Florença<br />

(Galeria da Academia) a tratar um doente através da<br />

imposição das mãos, com as mesmas técnicas que o ““Qi<br />

Gong”” chinês usa há mais de seis mil de anos.<br />

Também as curas milagrosas feitas por Jesus e pelos seus<br />

apóstolos fazem uso da imposição das mãos.<br />

Até à Revolução inglesa de 1688 os próprios reis procederam<br />

à cura de milhares de doentes por forte sugestão e<br />

crença no absolutismo teocêntrico. Não esquecer que o rei<br />

absoluto representava o poder de Deus, e por isso mesmo,<br />

o povo português português apoiou D. Miguel (partidário<br />

do absolutismo) nas guerras liberais por este ser partidário<br />

do absolutismo. Mas obviamente que para dar mais ênfase<br />

a esta prática medieval, no mesmo momento que o rei<br />

colocava as mãos no doente, um clérigo lia o versículo de S.<br />

Marcos que diz o seguinte: “Eles porão mãos sobre os<br />

doentes e eles se recuperarão”. O cirurgião inglês do Séc.<br />

XVII, Richard Wiseman declarou ter presenciado centenas<br />

de curas e refere que Carlos II de Inglaterra, homem de<br />

muitas amantes, que foi casado com a nossa Catarina de<br />

Bragança filha de D. João IV e Luisa de Gusmão, curou<br />

apenas com a imposição das mãos num único ano mais<br />

doentes “do que todos os cirurgiões de Londres em uma<br />

vida inteira.”<br />

Contava-se que entre nós o padre Zé das Cinco Vilas, do<br />

qual já falei em artigo anterior anteriormentee que visitava o<br />

Carvalhal em épocas passadas, a convite do amigo Sebastião<br />

Gaspar, tinha entre outros, o poder de curar apenas<br />

com a imposição das mãos.<br />

Como se sabe, durante muitos séculos e até à segunda<br />

metade do Séc. XX, os responsáveis pelas cirurgias e<br />

sangrias nas aldeias não eram médicos mas sim barbeiros.<br />

Sob pressão crescente da classe médica os cirurgiões<br />

vieram a separar-se dos barbeiros. Só depois passou a ser<br />

obrigatório ter o curso de medicina para fazer cirurgias.<br />

Os cirurgiões-barbeiros, normalmente cristãos-novos<br />

praticavam pequenas cirurgias, faziam sangrias, sarjavam,<br />

lancetavam, aplicavam bichas (sanguessugas), ventosas,<br />

arrancavam dentes e cortavam o cabelo e a barba.<br />

Entre vários instrumentos que usavam, destacavam-se<br />

navalhas, lancetas em forma de meia lua, ventosas de vácuo<br />

e simples, pedra de amolar, pedra ume, sabão, pincel, escalpelo<br />

ou bisturi, boticão para arrancar dentes, escarificador,<br />

turquês etc.<br />

É de realçar, durante a primeira metade do sec. XX, o papel<br />

do muito competente e entendido cirurgião-barbeiro<br />

Casimiro do Azinhal, que pelas aldeias vizinhas, Carvalhal<br />

incluído, visitava os seus doentes e fazia curas que impressionaram<br />

as pessoas da sua época, drenando abcessos,<br />

extirpando carbúnculos, curando aftas e frieiras, cicatrizando<br />

feridas, administrando fitoterapia e clisteres para<br />

variadas doenças, fazendo sangrias, avaliando pulsos para<br />

diagnosticar doenças etc.<br />

Diziam as pessoas de antigamente que as mãos do ti<br />

Casimiro eram especiais, pelo conforto e paz que transmitiam.<br />

Digno de nota era o facto de doenças como a febre tifóide<br />

e o carbúnculo serem altamente letais naquela época em<br />

que ainda não havia antibióticos nem a vacina para o<br />

carbúnculo. Contava a ti Olinda Almeida que o ti Casimiro a<br />

curou duma febre tifóide com “biolatinas “ (não havia ainda<br />

cloranfenicol nem ampicilina) fitoterapia e grande ingestão<br />

de água para combater a febre constante e prolongada que<br />

a fez perder a consciência de si mesma desde a colheita dos<br />

nabos até ao florescer das amendoeiras.<br />

O carbúnculo é uma doença comum nos animais herbívoros<br />

mas que pode passar para o ser humano através da<br />

carne, lã e couro infectados pelo “bacillus anthracis”.<br />

A infecção pulmonar por inalação da bactéria da lâ contaminada<br />

tinha uma taxa de mortalidade de quase 100%.<br />

Quando as nossas gentes comiam carne com a referida<br />

bactéria apresentavam febre, dores gástricas, vómitos com<br />

sangue e diarreia que também podia ter sangue. Neste<br />

caso, as probabilidades de morrer eram também muito<br />

elevadas. A vacina para esta doença embora descoberta<br />

em 1881 por Pasteur e Chamberland em França, só muito<br />

mais tarde chega a Portugal. Curiosamente é no mês de<br />

Março que se faz a vacina dos animais contra esta doença.<br />

Também mortais eram as feridas da pele que eram infectadas<br />

por esta bactéria. Neste caso o ti Casimiro lancetava a<br />

ferida e queimava a mesma com àgua forte, ou seja, ácido<br />

muriático. Este ácido também era usado em pequenas<br />

quantidades para facilitar a extracção dos dentes. As<br />

pessoas com carbúnculos lancetados tinham que fazer uma<br />

dieta que incluía água de malvas fervida. Conta-se que<br />

nunca ninguém morreu de carbúnculo depois de ser<br />

tratado pelo famoso ti Casimiro do Azinhal.<br />

Este homem dizia-se que era muito entendido nas doenças<br />

porque lia livros de medicina, parece também que era<br />

entendido em partos de animais e pessoas, bem como de<br />

outras maleitas que por estas épocas abundavam.<br />

A paixão pelo cuidar e tratar das pessoas passou-a para o<br />

seu filho José Casimiro Matias que se licenciou em<br />

medicina que posteriormente veio a exercer em Almeida,<br />

onde também ajudou a fundar o Externato Frei Bernardo de<br />

Brito do qual foi patrono. Em homenagem ao seu trabalho<br />

como médico e cidadão foi dado o seu nome a uma praça<br />

onde ficava a casa com o seu consultório.<br />

Mãos que sabiam cuidar e tratar tinha o endireita do Carvalhal,<br />

José João Gonçalves, pai do Rogério, do Joaquim e da<br />

Maria Odete Goncalves. Este homem, franzino de figura,<br />

tinha o dom extraordinário de aplicar técnicas manuais que<br />

restabeleciam a função e mobilidade de músculos e articulações,<br />

isto sem os conhecimentos que hoje são exigidos<br />

aos osteopatas de Anatomia, Fisiologia, Semiologia e<br />

Biomecânica.<br />

Eu próprio obtive o benefício da sua intervenção rápida e<br />

eficiente, aquando da redução duma luxação traumática do<br />

ombro extremamente dolorosa, isto após queda aturada da<br />

"burra russa" que eu gostava de escarreirar em pelo, mas<br />

que de vez em quando se espantava por causa das picadas<br />

dos tabarros, cravava as patas dianteiras no chão, alçava as<br />

carchanetas e obrigava-me, sem dó nem piedade, a dar às<br />

vilas diogo da sua garupa para qualquer sítio.<br />

Nesta festividade Pascal, fica aqui a minha humilde e<br />

sentida homenagem a todas as pessoas, que com abnegação,<br />

souberam acudir aos outros em horas de aflição, em<br />

terra onde não havia outro recurso de saúde que não fosse<br />

as suas mãos divinas!<br />

António Matias

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