You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
A PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS<br />
76<br />
virtude da sua retitude? Do mesmo modo, ninguém deveria<br />
poder pecar por meio de sua vontade, caso esta lhe<br />
tivesse sido dada para viver de modo honesto.<br />
Primeira condição para a solução do problema:<br />
colocar-se no ponto de vista de Deus<br />
Ag. Deus há de me conceder, como o espero, que consiga<br />
te responder. Ou melhor, de conceder que tu mesmo te<br />
respondas, instruindo-te interiormente, por aquela Verdade<br />
— Mestra soberana e universal. 3 Mas antes, dize-me um<br />
pouco, eu te peço — uma vez que tens como evidente e certo<br />
o que já te perguntei, a saber: que foi Deus que nos concedeu<br />
a vontade livre, nesse caso, poderíamos afirmar que Deus<br />
não nos deveria ter dado tal dom? Isso, já que reconhecemos<br />
ser ele mesmo que o deu a nós. Com efeito, se fosse incerto que<br />
Deus nos tenha concedido a vontade livre, nós teríamos o<br />
direito de indagar se foi bom ela nos ter sido dada. Desse<br />
modo, se descobríssemos que foi bom, igualmente, reconheceríamos<br />
o doador naquele que deu ao homem todos os bens.<br />
Ao contrário, se descobríssemos que foi mal, teríamos de<br />
compreender que o doador não é Aquele a quem não é<br />
permitido incriminar algo que seja. Mas sendo certo que o<br />
próprio Deus nos deu essa vontade livre, qualquer seja a<br />
forma como recebemos esse dom, devemos confessar que<br />
Deus não estava obrigado de no-lo dar como foi dado nem de<br />
modo diferente. Na verdade, quem no-lo deu foi Aquele a<br />
quem de modo algum podemos criticar com justiça as ações.<br />
Segunda condição: não se limitar à fé,<br />
mas procurar o seu entendimento<br />
5. Ev. Apesar de crer em tudo isso com fé inabalável,<br />
todavia, como não possuo ainda pleno entendimento,<br />
continuemos procurando como se tudo fosse incerto. Gom<br />
77<br />
POR QUE NOS DEU DEUS A LIBERDADE DE PECAR?<br />
efeito, pelo fato de ser incerto a vontade livre nos ter sido<br />
dada, para com ela agirmos bem — já que podemos<br />
também pecar —, decorre esta outra incerteza: se foi um<br />
bem ou não, ela nos ter sido dada. Porque, se é incerto ela<br />
nos ter sido dada, para agirmos corretamente, tampouco<br />
é certo que seja um bem ela nos ter sido dada. Por aí, não<br />
é igualmente certo que seja Deus o doador. Com efeito, a<br />
incerteza sobre a conveniência do dom torna incerta a<br />
origem, isto é, o fato de ser Aquele a quem não nos é<br />
permitido crer que conceda algo que não deveria ter<br />
concedido.<br />
Ag. Pelo menos, uma coisa é certa para ti: Deus<br />
existe?<br />
Ev. Isso também considero como verdade incontestável,<br />
mas pela fé e não pelo entendimento.<br />
Ag. Pois bem, supõe que um desses homens néscios,<br />
sobre os quais está escrito: "Diz o insensato em seu<br />
coração: Deus não existe!" (SI 52,1), viesse te dizer isso.<br />
Supõe, por hipótese, que ele se recuse a crer no que tu crês<br />
pela fé, contudo desejasse conhecer se o objeto de tua<br />
crença é verdadeiro. Abandonarias esse homem à sua<br />
incredulidade ou acharias ser teu dever lhe demonstrar,<br />
de alguma forma, aquilo em que crês firmemente? Sobretudo,<br />
no caso de ele pretender não discutir com obstinação,<br />
mas sim procurar com sinceridade conhecer a<br />
verdade.<br />
Ev. O que acabas de dizer me sugere suficientemente<br />
o que lhe deveria responder. Pois, ainda que fosse ele uma<br />
pessoa muito insensata, seguramente concordaria comigo<br />
que nada se deve discutir, principalmente a respeito de<br />
assunto tão sério, como alguém de má fé e obstinação.<br />
Uma vez admitido isso, ele seria o primeiro a me levar a<br />
crer que se dispunha em busca com boa intenção: a de<br />
querer ser alguém que nada esconde em seu interior, e<br />
assim nada haver nele de falso ou de obstinado. Então, eu