You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
A PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS 84<br />
faculdade com a razão, porque está também manifestamente<br />
nos animais, e estes não possuem a razão.<br />
c) A nossa razão<br />
9. Ag. Admito a existência dessa faculdade, seja ela<br />
qual for, e sem hesitação denomino-a sentido interior.<br />
Pois, a não ser ultrapassando esse mesmo sentido interior,<br />
o objeto transmitido pelos sentidos corporais poderá<br />
chegar a ser objeto de ciência. Porque tudo o que nós<br />
sabemos, só entendemos pela razão — aquilo que será<br />
considerado ciência. Ora, sabemos, entre outras coisas,<br />
que não se pode ter a sensação das cores pela audição; nem<br />
a sensação do som pela vista. E esse conhecimento racional<br />
nós não o temos pelos olhos, nem pelos ouvidos, e<br />
tampouco por esse sentido interior, do qual os animais não<br />
estão desprovidos. Por outro lado, não podemos crer que<br />
os animais conheçam a impossibilidade de sentir, seja a<br />
luz pelos ouvidos, seja os sons pelos olhos; visto que nós<br />
mesmos só o discernimos pela observação racional e pelo<br />
pensamento.<br />
Ev. Não posso dizer que tenha compreendido o que<br />
acabas de dizer. O que se seguiria, com efeito, se mediante<br />
o sentido interior do qual os animais não estão desprovidos,<br />
conforme o admites, chegassem a perceber também,<br />
como nós, a impossibilidade de sentir as cores pelo ouvido,<br />
ou os sons pela vista?<br />
Ag. Mas acaso crês que eles possam mesmo distinguir<br />
entre si um sentido do outro: a cor da qual têm a<br />
sensação; o sentido que tem sua sede nos olhos; aquele<br />
outro, o interior, que está na alma; e até a razão que define<br />
e classifica tão bem cada uma dessas coisas?<br />
Ev. De modo algum.<br />
Ag. O que te parece? Poderia a própria razão distinguir<br />
esses quatro fatores entre si e determiná-los, definindo-os,<br />
se ela não percebesse, por comunicação, a cor pelo<br />
85 INICIO DA ASCENSÃO A DEUS<br />
sentido da vista; esse mesmo sentido pelo sentido interior,<br />
que o comanda; e esse último, enfim, por si mesmo, se é<br />
que não haja outros intermediários?<br />
Ev. Não vejo como poderia ser de outra forma.<br />
Ag. E o que pensar? Percebes que o sentido da vista<br />
percebe a cor, sem se perceber a si mesmo? Porque pelo<br />
sentido que vê a cor, com efeito, não vês o ato mesmo da<br />
visão.<br />
Ev. Não, não o vejo de modo algum.<br />
Ag. Empenha-te ainda em distinguir bem o seguinte:<br />
pois não o negarás, penso eu: uma coisa é a cor e, outra, o<br />
ato de ver a cor. Outra coisa, enfim, muito distinta, na<br />
ausência da cor, a posse de um sentido capaz de a ver, caso<br />
ela lá estivesse.<br />
Ev. Distingo também essas três coisas e concordo que<br />
diferem entre si.<br />
Ag. Agora, dessas três coisas, a qual vês pelos olhos,<br />
senão a cor?<br />
Ev. Nada mais.<br />
Ag. Dize-me, então, por qual faculdade vês as duas<br />
outras? Pois não poderias distingui-las sem as ver.<br />
Ev. Ignoro. Sei apenas que elas existem, nada mais.<br />
Ag. Ignoras, pois, se é a própria razão que exerce essa<br />
função vital que chamamos de sentido interior, bem<br />
superior aos sentidos corporais, ou então algum outro<br />
princípio?<br />
Ev. Ignoro.<br />
Ag. Sabes, pelo menos, que somente a razão pode<br />
definir essas coisas e que ela, unicamente, pode agir sobre<br />
objetos submetidos a seu exame?<br />
Ev. E certo.<br />
Ag. Logo, qualquer seja essa outra faculdade capaz<br />
de ter o sentimento de tudo o que sabemos, ela está ao<br />
serviço da razão à qual apresenta e traz tudo o que apreende.<br />
De maneira que os objetos percebidos possam ser