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A PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS 96<br />
vista e o do ouvido; nem de maneira totalmente diferente.<br />
Com efeito, podemos, eu e tu, encher nossas narinas<br />
com o mesmo ar, ou perceber pelo odor a qualidade<br />
deste ar. E do mesmo modo, um e outro podemos degustar<br />
um mesmo mel ou qualquer outro alimento ou bebida, e<br />
perceber seu gosto pelo paladar, ainda que esse mel seja<br />
único e que nossos sentidos nos pertençam a cada um em<br />
particular—o teu a ti e o meu, a mim. Destarte, enquanto<br />
ambos sintamos um e mesmo odor ou um só e mesmo<br />
sabor, não é, contudo, nem por meu sentido que tu o<br />
percebes, nem eu pelo teu, nem por um órgão único que<br />
nos poderia pertencer em comum a cada um de nós. Mas<br />
o meu sentido pertence totalmente a mim e o teu, a ti;<br />
ainda que nós dois sintamos um único odor ou sabor.<br />
Donde se segue que esses dois sentidos, o do olfato e o do<br />
paladar, possuem algumas propriedades semelhantes às<br />
que possuem os dois outros sentidos: o da vista e o da<br />
audição.<br />
Quanto ao que se refere a nosso presente assunto,<br />
porém, eles diferem nisto: se bem que inspiremos um e<br />
outro, pelo nariz, um único ar, ou que degustemos um<br />
mesmo alimento, contudo, eu não inspiro a mesma porção<br />
de ar que tu, e tampouco ingiro a mesma porção de<br />
alimento que tu. Mas eu tomo uma e tu, outra. E assim, ào<br />
respirar, eu inspiro uma parte de toda a massa de ar, o<br />
quanto me é suficiente. Igualmente tu, da massa total de<br />
ar, inspiras outra parte, o quanto te convém. E quanto ao<br />
alimento, ainda que um único em sua totalidade seja<br />
absorvido por um e outro de nós, ele não pode, entretanto,<br />
ser absorvido totalmente por mim, nem totalmente por ti;<br />
da mesma maneira, uma única palavra é ouvida inteiramente<br />
por mim e por ti ao mesmo tempo. E tal como<br />
acontece quanto a qualquer imagem visual. Ela é visível<br />
tanto por mim quanto por ti, e ao mesmo tempo. Quanto<br />
ao alimento e à bebida, porém, necessariamente será uma<br />
97 INICIO DA ASCENSÃO A DEUS<br />
a parte que eu recebo e outra, a que tu recebes. Talvez não<br />
compreendas bastante tudo isso?<br />
Ev. Muito bem, pelo contrário. Convenho que tudo<br />
está inteiramente claro e certo.<br />
d) Quanto ao sentido do tato<br />
18. Ag. Acaso não te parece que se pode comparar o<br />
sentido do tato ao dos olhos e dos ouvidos, do ponto de vista<br />
que ora tratamos? Pois não somente podemos nós dois<br />
perceber pelo tato um mesmo corpo, mas que poderás<br />
também tocar a mesma parte que eu tiver tocado. De sorte<br />
que não seria somente o mesmo corpo, mas também a<br />
mesma parte desse corpo que nós percebemos ambos pelo<br />
tato? Porque não sucede com o sentido do tato o mesmo<br />
que acontece com o alimento que nos é apresentado. Pois<br />
este não pode ser tomado todo inteiro por mim e por ti,<br />
quando o ingerimos. Pelo contrário, para o tato, o objeto<br />
que eu tocar tu podes também o tocar — o mesmo e todo<br />
inteiro; de modo que nós o tocamos ambos, e não cada<br />
um, apenas uma parte, mas cada um toca-o em sua totalidade.<br />
Ev. Confesso que sob esse aspecto o sentido do tato<br />
tem muita semelhança com os dois outros sentidos precedentes:<br />
o da vista e o da audição. Vejo, porém, uma diferença<br />
nisto: simultaneamente, isto é, num só e mesmo<br />
tempo é que podemos um e outro ver e ouvir totalmente<br />
uma só e mesma coisa. Ao passo que, quanto ao tato, não<br />
podemos certamente um e outro tocar no mesmo objeto por<br />
inteiro, ao mesmo tempo, apenas em partes distintas. Quanto<br />
à mesma parte, seria somente cada um em tempos<br />
diversos. Isso porque em parte alguma onde tu tocas, eu<br />
posso aplicar o meu tato, a não ser que tenhas retirado o teu. 20<br />
19. Ag. Respondeste com bastante tino. Mas deves ainda<br />
considerar o seguinte: como explicar que entre todos os<br />
4. O <strong>Livre</strong>-arbilrio