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dos livros. Uma delas t<strong>em</strong> a ver com o Iluminismo. Embora os philosophes mandass<strong>em</strong> suas obras<br />
mais arrojadas para ser<strong>em</strong> publicadas fora da França, de vez <strong>em</strong> quando tentavam publicar livros<br />
dentro do reino, submetendo-os à censura, e <strong>em</strong> raras ocasiões os censores os aprovavam. Nesse<br />
ponto, podiam causar um escândalo. Não apenas o censor poderia se ver <strong>em</strong> apuros como também,<br />
e mais importante, o aparato do Estado podia ser ameaçado por poderes externos, determinados a<br />
tomar o controle ideológico <strong>em</strong> seu próprio nome — ou seja, exercendo a censura pós-publicação.<br />
Os livros podiam despertar sentimentos de ofensa <strong>em</strong> vários setores — na Universidade de Paris<br />
(sobretudo na faculdade de teologia, na Sorbonne), nos parlamentos (tribunais de Justiça<br />
soberanos, que podiam intervir <strong>em</strong> ocasiões de desord<strong>em</strong> cívica), na Ass<strong>em</strong>bleia Geral do Clero<br />
(que muitas vezes condenava livros nas sessões que promovia, de cinco <strong>em</strong> cinco anos), e <strong>em</strong> outros<br />
poderes eclesiásticos, sobretudo bispos franceses e o Vaticano. Todas essas instituições<br />
reivindicavam o direito de exercer a censura e o Estado resistia a elas, decidido a manter seu<br />
monopólio sobre o controle do mundo dos impressos.<br />
Esse monopólio era relativamente recente. Durante a Idade Média, a Coroa deixara a supervisão<br />
do comércio de livros ao encargo da Universidade de Paris, cuja preocupação principal era manter a<br />
exatidão dos ex<strong>em</strong>plares produzidos pelos copistas dos mosteiros. Depois da insurreição da<br />
Reforma, a Sorbonne continuou a censurar os textos, mas não conseguiu conter a enxurrada de<br />
obras protestantes. A Coroa tentou resolver o probl<strong>em</strong>a <strong>em</strong> 1535, decretando que qualquer pessoa<br />
que imprimisse qualquer coisa seria enforcada. Não deu certo. Durante os 150 anos seguintes, o<br />
Estado construiu seu aparato repressivo, ao mesmo t<strong>em</strong>po que restringia o aparato repressivo da<br />
Igreja. O estatuto de Moulins (1566) exigiu que os livros recebess<strong>em</strong> um privilégio real antes da<br />
publicação, e o Código Michaud (1629) estabeleceu um mecanismo de censura por censores do rei,<br />
sob a autoridade da Chancelaria. No fim do século XVII, o Estado havia consolidado seu poder<br />
sobre a indústria editorial e a universidade já não des<strong>em</strong>penhava um papel tão importante no<br />
processo, porém os bispos e os parlamentos continuavam condenando livros após sua publicação,<br />
decretando mand<strong>em</strong>ents e arrêtés (cartas de bispos e decretos parlamentares). Está claro que essas<br />
declarações não produziam grande efeito — a menos que ocorress<strong>em</strong> durante momentos de<br />
crise. 103<br />
A crise mais grave teve lugar por ocasião da publicação de De l’Esprit, de Claude-Adrien<br />
Helvétius, <strong>em</strong> 1758. 104 Nenhum livro jamais atraiu tanta censura de tantos pretensos censores —<br />
um édito do Parlamento de Paris, uma resolução da Ass<strong>em</strong>bleia Geral do Clero, um mand<strong>em</strong>ent do<br />
arcebispo de Paris, ataques s<strong>em</strong>elhantes de outros bispos, uma repreensão da Sorbonne, uma<br />
instrução do papa e uma prescrição do Conselho do Rei. De l’Esprit s<strong>em</strong> dúvida continha material<br />
de sobra — metafísica materialista, ética utilitarista, política heterodoxa — para garantir a<br />
condenação de qualquer um comprometido com os princípios ortodoxos. Mas a disputa para<br />
condená-lo exprimia mais do que uma indignação virtuosa. Todo ataque contra o livro era uma<br />
invasão na autoridade do Estado e uma tentativa de se apropriar de aspectos do próprio Estado.<br />
Obras escandalosas tinham vindo a público antes, é claro, mas circulavam nos canais clandestinos