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TROVADORISMO e HUMANISMO

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Memorial do Convento<br />

Um dos romances mais conhecidos<br />

de José Saramago é Memorial do Convento<br />

(1982), classificado como narrativa<br />

histórica, pois retrata aproximadamente<br />

30 anos da História de Portugal<br />

(época da Inquisição). Nesta obra podemos<br />

encontrar um cenário rico, registrando<br />

não só o fato histórico, mas<br />

reconstituindo a vivência popular, numa<br />

viagem a diferentes povoados ao redor<br />

de Lisboa. A narrativa segue linear, sem<br />

interrupções, vigorosa e rica. Saramago<br />

procura dar à linguagem o tom das crônicas<br />

históricas, reveste o vocabulário<br />

de termos raros e realiza malabarismos<br />

sintáticos.<br />

(resumo)<br />

O rei D. João V necessitava de herdeiros,<br />

mas o ventre de D. Maria Ana<br />

não os concebia. Fez ele, então, uma<br />

promessa de construir um convento em<br />

Mafra se a concepção ocorresse. Em<br />

paralelo, segue-se o registro da vida do<br />

povo, primeiro enfocando o soldado que<br />

perdeu a mão esquerda na guerra contra<br />

os espanhóis: Baltasar Sete-Sóis,<br />

que em um espetáculo da Inquisição,<br />

conheceu Blimunda, mulher de poderes<br />

mágicos, que enxergava o interior das<br />

pessoas e cuja mãe, por ter poderes<br />

semelhantes, havia sido desterrada para<br />

Angola. Desafiando os rigores da religião,<br />

ambos se “casam” através de um<br />

ritual de sangue. Baltasar torna-se ajudante<br />

do Padre Bartolomeu Lourenço,<br />

que, sob a proteção do rei, construía<br />

uma máquina de voar, a passarola. Sob<br />

o signo da máquina de voar, unem-se<br />

ideais: os cultos, representados pelo<br />

padre Bartolomeu de Gusmão e pelo<br />

músico Scarlatti, e os populares, ancorados<br />

em Blimunda e Baltasar. Padre<br />

Bartolomeu viaja, enlouquece e morre.<br />

Blimunda, após o sumiço de Baltasar,<br />

passa a procurá-lo, encontrando-o nove<br />

anos depois em situação trágica.<br />

(fragmento)<br />

Levar este pão à boca é gesto fácil,<br />

excelente de fazer se a fome o reclama,<br />

portanto alimento do corpo, benefício<br />

do lavrador, provavelmente maior<br />

benefício de alguns que entre a foice<br />

e os dentes souberam meter mãos de<br />

levar e trazer e bolsas de guardar, e<br />

esta é a regra. Não há em Portugal trigo<br />

que baste ao perpétuo apetite que os<br />

portugueses têm de pão, parece que<br />

não sabem comer outra coisa, por isso<br />

os estrangeiros que cá moram, doridos<br />

das nossas necessidades, que em maior<br />

volume frutificam que sementes de<br />

abóbora, mandam vir, das suas próprias<br />

e outras terras, frotas de cem navios<br />

carregados de cereal, como estes que<br />

entraram agora Tejo adentro, salvando<br />

à torre de Belém e mostrando ao governador<br />

dela os papéis do uso, e desta<br />

vez são mais de trinta mil moios de pão<br />

que vêm da Irlanda, e é a abundância<br />

tal, fome que finalmente deu em fartura,<br />

enquanto em fome se não tornar, que,<br />

achando-se cheias as tercenas e também<br />

já os armazéns particulares, andam<br />

por aí a alugar depósitos por todo o<br />

dinheiro, e põem escritos nas portas da<br />

cidade para que conste às pessoas que<br />

os tiverem para alugá-los, com que desta<br />

vez se vão arrepelar os que mandaram<br />

vir o trigo, obrigados pelo excesso<br />

a baixar-lhe o preço, tanto mais que se

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