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Revista LiteraLivre - 6ª edição

6ª Edição da Revista LiteraLivre, uma revista virtual e ecológica, criada para unir autores que escrevem em Língua Portuguesa em todo o mundo. 6nd Edition of LiteraLivre Magazine, a virtual and ecological magazine, created to bring together authors who write in Portuguese throughout the world. Http://cultissimo.wixsite.com/revistaliteralivre/comoparticipar

6ª Edição da Revista LiteraLivre, uma revista virtual e ecológica, criada para unir autores que escrevem em Língua Portuguesa em todo o mundo. 6nd Edition of LiteraLivre Magazine, a virtual and ecological magazine, created to bring together authors who write in Portuguese throughout the world. Http://cultissimo.wixsite.com/revistaliteralivre/comoparticipar

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<strong>LiteraLivre</strong> nº 6 – novembro de 2017<br />

Histeria<br />

Daguito Rodrigues<br />

São Paulo/SP<br />

Rasgou minha garganta e feriu o ar. Áspero e agudo. Como uma sirene<br />

que anunciava a emergência que explodia em mim. Um apito deselegante,<br />

chiado como o fôlego que me faltava. Minha vontade mesmo era de cagar na<br />

mesa. Mas o berro se bastou. Esbravejado da goela, irritante para os outros,<br />

mas um alívio para mim. Um grito. Desses não articulados, erguidos num<br />

alarido infernal. Descompressão.<br />

A sala emudeceu. O gerente de não-sei-bem-o-quê cessou a fala.<br />

Powerpoint estourado na parede, notebook sobre a mesa. Faces voltadas para<br />

o estridente. Eu, que já não rosnava mais. Que encarava os rostos que<br />

abominava há anos. De olhos vazios como as palavras que vomitavam todos os<br />

dias. Eu estava enjoado e enojado de tudo aquilo. Números afiados que me<br />

cortavam os pulsos toda segunda-feira e que nada diziam. O que eu levava<br />

para casa? Náusea e asco.<br />

Não acreditavam no que havia acontecido. Me fitavam por uma certeza,<br />

por um sopro de realidade que os convencesse de que estavam mesmo ali. E<br />

de que eu havia erguido a voz sem motivos.<br />

Havia um porquê, eu sabia. Vinha me corroendo as veias mês a mês.<br />

Adormecido, mas perturbador. Gritei porque posso. E se posso, eu grito.<br />

Soltei o uivo mais uma vez. Um falsete que eu desconhecia. Cortante e<br />

seco. Gritado do fígado consumido pelo álcool. O tal brado retumbante.<br />

Ressonava fino pelas paredes de compensado e pelo carpete cinza. Meu agudo<br />

fazia tremer as pálpebras assustadas que me julgavam. Rasgava a rigidez das<br />

camisas sociais listradas de azul e branco. E trincava o vidro esverdeado que<br />

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