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Publicação Mensal Ano XXI - Nº <strong>240</strong> Março de 2018<br />
A certeza da<br />
Ressurreição
Gabriel K.<br />
Proporcionado<br />
à Mãe e ao<br />
Filho de Deus<br />
M aria Santíssima é a mais<br />
perfeita dentre as meras<br />
criaturas. Se tomarmos a soma<br />
das excelências de todos os Anjos e<br />
homens que já existiram, existem e existirão,<br />
não teríamos sequer pálida ideia<br />
da perfeição da Mãe de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo.<br />
Se Deus foi tão magnificente no predestinar<br />
e modelar a Mãe que daria ao<br />
mundo o Salvador, e em cumulá-La das<br />
mais preciosas graças, não seria menos<br />
pródigo no escolher o homem que deveria<br />
ser o esposo dessa Virgem e Mãe.<br />
Um varão tinha de ser considerado<br />
proporcionado, por seu amor a Deus,<br />
sua justiça, pureza, sabedoria e todas as<br />
demais qualidades, a tal Esposa e a tal<br />
Filho. Esse homem, escolhido para esposo<br />
de Nossa Senhora e pai jurídico do<br />
Filho de Deus, foi São José.<br />
(Extraído de conferência de 18/3/1967)<br />
São José - Catedral de Boston, EUA
Sumário<br />
Publicação Mensal Ano XXI - Nº <strong>240</strong> Março de 2018<br />
Ano XXI - Nº <strong>240</strong> Março de 2018<br />
A certeza da<br />
Ressurreição<br />
Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1988.<br />
Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
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Roberto Kasuo Takayanagi<br />
Conselho Consultivo:<br />
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Carlos Augusto G. Picanço<br />
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Tel: (11) 3932-1955<br />
EDITORIAL<br />
4 A Santa Igreja: nossa recompensa<br />
demasiadamente grande!<br />
PIEDADE PLINIANA<br />
5 “Em vossa Cruz começastes a reinar!”<br />
DONA LUCILIA<br />
6 Dois olhos que são um firmamento<br />
SEMANA SANTA<br />
8 Divina seriedade de Nosso Senhor<br />
DE MARIA NUNQUAM SATIS<br />
14 O gládio que transpassou o<br />
Coração da Santíssima Virgem<br />
O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DR. PLINIO<br />
19 Instintos e amor ao maravilhoso<br />
CALENDÁRIO DOS SANTOS<br />
24 Santos de Março<br />
Preços da<br />
assinatura anual<br />
Comum . . . . . . . . . . . . . . R$ 200,00<br />
Colaborador . . . . . . . . . . R$ 300,00<br />
Propulsor . . . . . . . . . . . . . R$ 500,00<br />
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Exemplar avulso . . . . . . . R$ 18,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
editora_retornarei@yahoo.com.br<br />
HAGIOGRAFIA<br />
26 Um guerreiro perfeito<br />
LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
31 Parece um conto de fadas!<br />
ÚLTIMA PÁGINA<br />
36 O cântico da fidelidade na noite do crime<br />
3
Editorial<br />
A Santa Igreja: nossa recompensa<br />
demasiadamente grande!<br />
T<br />
odas as revelações particulares fidedignas a respeito da Paixão narram que a hora mais lúgubre<br />
não foi aquela em que Nosso Senhor expirou, mas sim quando, depois de colocar o sagrado<br />
Corpo d’Ele na sepultura, a Mãe Dolorosa não teve sequer a amarguíssima consolação de<br />
enxergar as feições mortas que ainda lembravam-Lhe seu Divino Filho e, dirigindo-Se para o Cenáculo,<br />
atravessou as horas amargas de sua Soledade.<br />
Entretanto, concomitante a essa tristeza havia uma fímbria de alegria por saber que seu Filho ressuscitaria,<br />
em breve estaria de novo junto a Ela e que a Paixão tinha passado. Aquele oceano de dores<br />
estava transposto e a imensa glória de Jesus se revelaria ao mundo, para a grandeza e a honra<br />
d’Ele, e para a salvação de toda a humanidade. Isso dava a Maria Santíssima a certeza da alegria<br />
imensa que viria depois, maior do que as dores da Paixão. Assim, na paz, na serenidade, Ela possuía<br />
esta certeza: Cristo ressuscitará!<br />
A esperança da Santíssima Virgem, que continuou firme no auge das trevas e na soledade, confirmou-se<br />
totalmente. Podemos compreender, então, o que foi a primeira Páscoa no Puríssimo e Sapientíssimo<br />
Coração de Maria.<br />
Ora, isso que se passou no Imaculado Coração de Maria deve-se passar em nossas almas a propósito<br />
das dores presentes da Santa Igreja. Estamos nos aproximando da hora da Paixão. O sofrimento<br />
é intensíssimo, deve varar nossa alma, com o gládio de dor, de lado a lado. Mas no meio dessa dor<br />
nós temos uma fímbria de alegria e a certeza da realização da promessa de Fátima: “Por fim, meu<br />
Imaculado Coração triunfará.”<br />
Depois das tristezas e ansiedades dos castigos, durante os quais, como Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />
talvez sejamos perseguidos, torturados, cobertos das chagas da dor do alto da cabeça até as plantas<br />
dos pés, haverá um momento em que os Anjos nos dirão: “Já não há mais dor, nem sofrimento para<br />
vós; a vossa provação ficou para trás. Regozijai-vos, porque o Imaculado Coração de Maria triunfou!”<br />
Então será a nossa grande Páscoa, nossa grande alegria.<br />
Contemplaremos ressurrecta a glória da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, que amamos<br />
mais do que a luz dos nossos olhos e do que tudo na Terra. E vendo-a reconduzida a uma primavera<br />
da Fé maior ainda do que na Idade Média, próspera, triunfante, dominando o mundo, orientando as<br />
almas, esmagando o erro, glorificando a virtude, promovendo toda espécie de bens, fazendo circular<br />
sua seiva na vida temporal para pervadir uma civilização de prevalentes varões espirituais, marcada<br />
pela Fé e pela sacralidade, olharemos para a Santa Igreja Católica e pensaremos: “A Igreja Católica é<br />
a nossa recompensa demasiadamente grande!” *<br />
* Excertos de conferência de 25/3/1967.<br />
DECLARAÇÃO: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
PIEDADE PLINIANA<br />
“Em vossa<br />
Cruz<br />
J.P. Braido<br />
começastes<br />
a reinar!”<br />
Já á não estais por terra, meu Deus. A<br />
Cruz lentamente se levantou, não para<br />
Vos exaltar, mas para proclamar bem<br />
alto vossa ignomínia, vossa derrota, vosso extermínio.<br />
Entretanto, era o momento de se<br />
cumprir o que Vós mesmo havíeis anunciado:<br />
“Quando for elevado, atrairei a Mim to-<br />
das as criaturas” (Jo 12, 32). . Em vossa Cruz –<br />
humilhado, chagado, agonizante – começastes<br />
a reinar sobre esta Terra. Numa visão profética,<br />
víeis todas as almas piedosas de todos os<br />
tempos, que viriam a Vós.<br />
Meu Deus, foi na Cruz que começou vossa<br />
glória, e não na Ressurreição. Vossa nudez<br />
é um manto real, vossa coroa de espinhos um<br />
diadema sem preço, vossas chagas são a vos-<br />
sa púrpura.<br />
Ó Cristo Rei, como é verdadeiro considerar-Vos<br />
na Cruz como um Rei! Mas como é<br />
certo que nenhum símbolo exprime melhor a<br />
autenticidade dessa realeza quanto a realidade<br />
histórica de vossa nudez, de vossa miséria,<br />
de vossa aparente derrota.<br />
(Extraído de “O Legionário”, abril de 1943)<br />
Crucifixo do altar-mor da<br />
Catedral de Guatemala<br />
5
DONA LUCILIA<br />
Dois olhos que são<br />
um firmamento<br />
O principal ponto de adesão entre <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> e sua mãe era o<br />
fato de ela estar continuamente voltada para uma “transesfera”<br />
muito nobre, elevada, doce, serena, lúcida, do alto da qual<br />
mantinha relações com todo mundo. Isso que poderia parecer<br />
etéreo se exprime muitíssimo bem no Quadrinho de Dona<br />
Lucilia, especialmente nos olhos.<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Dona Lucilia era uma senhora<br />
de família ou, como<br />
se diz hoje de uma maneira<br />
horrível, “de prendas domésticas”.<br />
Vivia para o trabalho de uma<br />
existência de senhora, para dentro<br />
de sua casa. Não foi uma senhora de<br />
estudos, pois no tempo dela não era<br />
costume as senhoras estudarem. Tinha<br />
as ideias gerais das senhoras que<br />
viviam no ambiente de homens cultos.<br />
Era profundamente católica.<br />
Estado de espírito sempre<br />
nobre, elevado e sereno<br />
Mas eu não ousaria dizer que este<br />
ponto fosse o principal da adesão<br />
entre mim e ela. Certamente não haveria<br />
adesão se ela não fosse assim.<br />
Isso é certo, mas não é o fundamental.<br />
O principal ponto de adesão era<br />
um modo de ser da alma dela que<br />
me parecia estar continuamente vol-<br />
6
tado para uma “transesfera” 1 por onde,<br />
embora ela tomasse conta de tudo<br />
muito bem, o melhor da atenção,<br />
do afeto dela estava voltado para essa<br />
“transesfera” muito nobre, elevada,<br />
doce, serena, lúcida, do alto da<br />
qual ela mantinha relações com todo<br />
mundo, de tal maneira que se percebia<br />
estar sua alma, ao mesmo tempo,<br />
na “transesfera” e na pequena coisa<br />
concreta.<br />
Lembro-me de que ela gostava<br />
muito de uma flor chamada primavera.<br />
Na fazenda do Amparo de<br />
Nossa Senhora, onde eu costumo me<br />
hospedar, há uma trepadeira com<br />
essa flor. Sabendo que mamãe apreciava<br />
a primavera, os membros de<br />
nosso Movimento ali residentes cortavam<br />
muitas daquelas flores e me<br />
davam para levar para ela, cada vez<br />
que eu voltava a São Paulo.<br />
Quando chegava, eu lhe entregava<br />
as flores, e via os jeitos dela olhar<br />
encantada para elas. Às vezes, suave<br />
e discretamente, mamãe até parava<br />
um pouquinho a respiração e depois<br />
fazia algum comentário. Mas eu notava<br />
que o comentário não era nada<br />
em comparação com o que estava no<br />
espírito dela a respeito daquilo. Entretanto,<br />
o que ela dizia estava relacionado<br />
com uma “transesfera” da<br />
qual aquelas flores não eram senão o<br />
símbolo. Em última análise, uma relação<br />
com Deus Nosso Senhor, com<br />
Nossa Senhora e tudo o mais que<br />
tange o mundo sobrenatural.<br />
Desse sentido elevadíssimo no<br />
qual Dona Lucilia habitava procediam<br />
todos os seus estados de alma,<br />
os quais constituíam o meu maior<br />
encanto por ela, e que procurei haurir<br />
e transformar em meus, tanto<br />
quanto pude.<br />
Este era o principal ponto de<br />
atração. É um pouco nebuloso, etéreo,<br />
mas a pessoa se dá conta disso<br />
olhando o Quadrinho. Porque vendo-o<br />
percebe-se o que isso quer dizer<br />
de concreto, embora seja um<br />
pouco inexplicável.<br />
História de uma obra-prima<br />
Se querem saber qual é o principal<br />
ponto de atração da alma de<br />
mamãe para a minha, olhem para o<br />
fundo do olhar dela no Quadrinho<br />
e compreenderão. Aquilo diz muito<br />
mais do que qualquer palavra ou<br />
descrição.<br />
Quando um discípulo meu pintou<br />
aquele quadro – tendo como base<br />
uma das últimas fotografias tiradas<br />
dela – fê-lo durante uma longa<br />
viagem, dentro de uma Kombi, nas<br />
condições mais desfavoráveis que<br />
se possa imaginar para um trabalho<br />
desse tipo.<br />
O resultado foi que ele terminou<br />
a pintura e não gostou. Então, apa-<br />
gou tudo, exceto os olhos, que lhe<br />
pareciam ter ficado bons. Assim, no<br />
pano restaram apenas aqueles dois<br />
olhos. E ele tinha a impressão de<br />
que os olhos dela lhe suplicavam que<br />
retomasse a pintura. Ele então fez<br />
e, apesar de outras vicissitudes, saiu<br />
aquela obra-prima.<br />
Pois bem, eu me comovo imaginando<br />
aqueles dois olhos no tecido.<br />
Seria quase o que mamãe foi para<br />
mim: dois olhos ao longo da vida...<br />
Todo o resto, um tecido. Mas aqueles<br />
dois olhos eram, para mim, um<br />
firmamento!<br />
Recordo-me de quantas e quantas<br />
vezes eu olhava para os olhos dela<br />
profundamente. E mamãe tinha<br />
uma coisa curiosa: quando ela se<br />
sentia analisada, tomava uma atitude<br />
bem fixa e se deixava olhar. Eu tinha<br />
a impressão de que pegava com<br />
a mão no fundo da alma dela, de tal<br />
maneira me ficava claro quem ela<br />
era. E ficava encantadíssimo, mas<br />
encantadíssimo!<br />
❖<br />
(Extraído de conferência de<br />
2/2/1978)<br />
1) Termo criado por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> para significar<br />
que, acima das realidades visíveis,<br />
existem as invisíveis. As primeiras<br />
constituem a esfera, ou seja,<br />
o universo material; e as invisíveis, a<br />
transesfera.<br />
J.P. Braido<br />
7
SEMANA SANTA<br />
Gabriel K.<br />
Divina<br />
seriedade<br />
de Nosso<br />
Senhor<br />
Os algozes fizeram<br />
terríveis brutalidades<br />
contra Nosso Senhor, por<br />
ódio à virtude que n’Ele<br />
transparecia de modo tão<br />
magnífico. Quem chegasse<br />
perto do lugar onde Jesus<br />
estava sendo flagelado,<br />
ouviria lancinantes brados<br />
de dor, entretanto, mais<br />
harmoniosos e belos<br />
que os sons de qualquer<br />
orquestra.<br />
8<br />
Jesus amarrado à coluna da Flagelação<br />
Convento de Santa Teresa, Ávila, Espanha
Se considerarmos Nosso Senhor<br />
ao longo da sua peregrinação<br />
durante os três anos<br />
da sua vida pública, de um lado para<br />
outro pregando às multidões,<br />
quer no primeiro ano que foi gaudioso,<br />
em que a obra d’Ele iniciou-<br />
-se e mais ou menos encantou todo<br />
o povo de Israel; quer no segundo,<br />
quando as dificuldades começaram<br />
a aparecer; quer no terceiro, o qual<br />
foi dramático, chegando até o Gólgota<br />
e o Eli, Eli lammá sabactâni (Mt<br />
27, 46) – Meu Deus, Meu Deus, por<br />
que Me abandonaste? –; em quaisquer<br />
desses anos, como imaginaríamos<br />
Nosso Senhor?<br />
Majestosa e serena tristeza<br />
de Nosso Senhor<br />
Andando alegre de um<br />
lado para o outro, satisfeito,<br />
com a fisionomia contente,<br />
comentando despreocupadamente<br />
e de modo<br />
agitado os aspectos engraçados<br />
das coisas? Ou com<br />
um fundo de tristeza amenamente<br />
presente na sua<br />
personalidade, marcando<br />
seus divinos olhares e tudo<br />
quanto Ele dizia e fazia,<br />
exprimindo-Se aos homens<br />
em termos de um tratamento<br />
afável, doce, bondoso,<br />
mas também com um<br />
fundo de tristeza não dramática,<br />
nem lancinante,<br />
mas habitual, estável – para<br />
empregar uma comparação<br />
que não me satisfaz<br />
inteiramente, mas que diz<br />
algo –, um olhar que tivesse<br />
algo de luminoso, resplandecente,<br />
de tristonho<br />
como o luar?<br />
Sem dúvida, esse olhar<br />
assim tristonho, mas resignado,<br />
atento, afável, bondoso,<br />
exprimiria o fundo<br />
da alma d’Ele.<br />
Trata-se de saber por que essa majestosa,<br />
serena, imensa, afável tristeza<br />
de Nosso Senhor enchia de tal maneira<br />
a alma d’Ele. Começo por me perguntar<br />
que relação há entre esse olhar<br />
e a seriedade, e concluo ser esta a própria<br />
seriedade do Redentor. Não havia<br />
outro modo de ser sério. Ora, se<br />
era essa a seriedade d’Ele, não deve<br />
ser também essa a nossa seriedade?<br />
Se isso é assim, devemos nos indagar<br />
qual a razão pela qual sua tristeza<br />
era tão grande quanto a amplidão<br />
de suas vistas.<br />
Na divindade d’Ele não podia haver<br />
tristeza. Deus é de tal maneira<br />
perfeito, excelso, admirável, que<br />
n’Ele não cabe consternação. Havia<br />
tristeza na humanidade santíssima<br />
Nosso Senhor curando os enfermos<br />
Mosteiro de Nossa Senhora do Monte<br />
Carmelo e São José, Nova Iorque, EUA<br />
de Nosso Senhor. Mas essa natureza<br />
humana estava ligada hipostaticamente<br />
à Segunda Pessoa da Santíssima<br />
Trindade, constituindo uma só<br />
Pessoa continuamente na visão direta<br />
de Deus, no oceano de suas perfeições<br />
e de sua felicidade infinita e<br />
imperturbável por todos os séculos<br />
dos séculos sem fim.<br />
Logo, essa tristeza não poderia vir<br />
de Deus, mas só do Homem. Porque<br />
Nosso Senhor veio à Terra como Redentor<br />
e se encarnou para nos resgatar,<br />
morrendo na Cruz como Homem-<br />
-Deus e fazendo, portanto, que um<br />
Homem oferecesse um sacrifício infinitamente<br />
precioso que perdoasse o<br />
pecado original e os pecados posteriores,<br />
e abrisse o Céu. Então, torna-se<br />
claro que esse sofrimento só<br />
poderia vir do Homem.<br />
Como um Ser que era<br />
A. D. Ferreira<br />
Deus, e de tal maneira participava<br />
dessa felicidade<br />
infinita do Onipotente, podia<br />
ter tanta infelicidade,<br />
tanta tristeza a propósito<br />
dos homens que são tão<br />
menos do que Deus?<br />
Dir-se-ia que seria mais<br />
ou menos como se eu – vou<br />
falar em termos mundanos<br />
– recebesse de repente de<br />
herança uma fortuna inestimável,<br />
imensa, e no mesmo<br />
dia, ao partir uma fruta,<br />
corto um pouquinho o<br />
dedo. Aqui está um pequeno<br />
incômodo que coincide<br />
com uma causa de felicidade<br />
extraordinária, mas<br />
nem se pensa nele. Se à<br />
noite o dedo estiver molestando,<br />
começa-se a dar<br />
conta de que nele houve<br />
um corte de manhã, porque<br />
se pensou o dia inteiro<br />
na felicidade e na alegria<br />
em ter ganho uma fortuna.<br />
Com a devida reverência<br />
aplicada à comparação,<br />
poder-se-ia dizer que<br />
9
SEMANA SANTA<br />
Luis Samuel<br />
Flavio Lourenço<br />
a tristeza causada pelos homens em<br />
Deus seria pequena perto de sua infinita<br />
jubilação. Isso se explica da seguinte<br />
maneira: Deus ama os homens<br />
com amor infinito, e por causa disso<br />
Ele quer ter o amor dos homens. Um<br />
amor deseja a paga, a retribuição, e<br />
quando não é retribuído sofre de um<br />
padecimento tão profundo, que chegava<br />
a penalizar desta maneira o Verbo<br />
de Deus encarnado. Ele possuía<br />
um conhecimento direto, imediato<br />
de todas as coisas. Olhava para todos<br />
os homens e conhecia – nem sei se se<br />
pode chamar discernimento dos espí-<br />
ritos – os estados de espírito deles.<br />
Ponto de gravidade em<br />
torno do qual todos os<br />
homens devem girar<br />
Deus via essa atitude dos homens<br />
que era de não O amarem: o povo<br />
eleito voltado completamente<br />
para as abominações que<br />
conhecemos; os outros povos<br />
para idolatrias e pecados<br />
que enchiam todo o mundo<br />
de então. E Ele se sentia<br />
não retribuído no seu<br />
amor infinito, que não<br />
é o sentimento comum,<br />
por exemplo, de um professor<br />
que se dedica muito<br />
aos alunos e vê que estes<br />
não reconhecem.<br />
É uma coisa muito diferente.<br />
Sendo Deus, Ele<br />
era infinitamente digno do<br />
amor dos homens; e estes,<br />
recusando o amor do Redentor,<br />
ficavam péssimos,<br />
totalmente recusáveis,<br />
porque o ponto de gravidade<br />
em torno do qual todos<br />
os homens, e cada homem<br />
em concreto, devem<br />
girar é Ele, que é infinitamente<br />
bom, infinitamente<br />
santo, e em função<br />
do qual todos nós<br />
devemos fazer gravi-<br />
tar a nossa vida. Ele é o Astro divino,<br />
o Sol divino. Nós somos os planetas<br />
que satelitizam em torno do Sol,<br />
e não olhamos para Ele, nem queremos<br />
olhar. Vendo assim as criaturas<br />
que Nosso Senhor ama tanto, chega a<br />
causar n’Ele essa tristeza.<br />
É uma tristeza por ver a falta de<br />
virtude; dos homens o Criador só<br />
quer virtude. O homem pode ter o<br />
que quiser, se não possuir virtude,<br />
por assim dizer, não interessa a Deus.<br />
E se Ele toma posição face ao homem<br />
é apenas com desejo de que se torne<br />
virtuoso e semelhante a Deus para se<br />
amarem. Ele rejeitado, a sua tristeza<br />
enche a Terra, mais ou menos como<br />
a luz do luar cobre de tristeza o céu.<br />
Devemos querer que<br />
tudo seja semelhante<br />
a Jesus Cristo<br />
Isto é um dos traços da divina seriedade<br />
de Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
E nós vamos ver que os Apóstolos, os<br />
mais chegados a Ele, antes de Pentecostes<br />
estavam cheios de coisas destas.<br />
Prestavam atenção em coisas terrenas,<br />
humanas, e tendo entre eles Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo, levaram um tempo<br />
enorme para perceber e reconhecer<br />
que Ele era o Homem-Deus, simplesmente<br />
porque não tinham apetência<br />
daquelas virtudes, não as amavam,<br />
e por isso seu entusiasmo não era ascendente,<br />
alpinístico, não escalava os<br />
cumes. Mas era um entusiasmo dos<br />
charcos, dos pântanos.<br />
Por exemplo, quando os Apóstolos<br />
caminhavam com Jesus para o Horto<br />
das Oliveiras, é possível que Ele<br />
os tenha repreendido, dizendo: “Daqui<br />
a pouco iremos orar e vocês vão<br />
dormir, enquanto o Filho de Deus começará<br />
a padecer.” Naturalmente,<br />
os Apóstolos, ligados a brincadeiras<br />
e coisas semelhantes, dormiram. Depois,<br />
o resto nós conhecemos...<br />
Vamos transladar isso para nós.<br />
Somos meras criaturas. Não temos,<br />
portanto, a união hipostática com<br />
10<br />
Jesus Cristo sendo despojado de sua túnica - Museu<br />
da Semana Santa, Medina de Rioseco, Espanha
Gabriel K.<br />
Deus, mas fomos batizados e em<br />
consequência do Batismo começou a<br />
viver em nós a graça, que é uma participação<br />
criada na própria vida incriada<br />
de Deus. E há alguma coisa<br />
que não deixa de ter vaga semelhança<br />
com a união hipostática.<br />
Nós somos os templos do Espírito<br />
Santo. Isto posto, a grande preocupação<br />
nossa na vida é de notar na<br />
Igreja Católica, nos Santos que Ela<br />
gerou, nos seus Institutos, nas páginas<br />
luminosas de sua História, aquilo<br />
que é santo e, portanto, lembra a<br />
Deus, a Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />
porque nós amamos o que é parecido<br />
com Ele. Isso é o mais importante<br />
de nossa existência, como para<br />
Ele o centro da vida terrena era viver<br />
na união hipostática e querer que os<br />
homens recebessem a graça e O adorassem<br />
como Homem-Deus.<br />
E, portanto, a nossa grande alegria<br />
– se somos fiéis ao nosso Batismo e<br />
coerentes na nossa Fé – deve ser ver<br />
Catedral de Notre-Dame, Paris, França<br />
que os homens estão amando Nosso<br />
Senhor, e que tudo no mundo se<br />
passa de acordo com o Espírito, a Lei<br />
d’Ele, como se Jesus estivesse presente.<br />
Não queremos para nós outra coisa:<br />
que tudo seja semelhante a Ele.<br />
Devemos ter um<br />
fundo de seriedade<br />
luminosamente triste<br />
Sem dúvida, eu admiro Paris, descontados<br />
todos os aspectos mundanos.<br />
Porém, se me dessem para escolher<br />
entre viver naquela cidade, onde<br />
o pecado deixou tantas marcas e<br />
o amor de Deus algumas coisas tão<br />
maravilhosas – a Catedral de Notre-<br />
-Dame, por exemplo –, ou numa localidade<br />
habitada pelo povo mais<br />
vulgar, mais desvalido, mais inculto<br />
da Terra, mas onde todos amassem<br />
verdadeira e sinceramente a Deus,<br />
eu preferiria viver naquele povo, e<br />
sairia de Paris voando.<br />
Porque, embora Paris seja tudo<br />
quanto é, e Notre-Dame signifique<br />
tanto para mim, prefiro ver almas e<br />
não apenas pedras, inteiramente segundo<br />
Deus, que amam o Criador<br />
em espírito e verdade, e tratando<br />
com elas tenho a impressão fundada<br />
e viva de discernir o Espírito Santo<br />
presente em cada uma. Por isso, quero<br />
ir para lá ainda que as pessoas só<br />
usem uns tecidos grosseiros feitos de<br />
palmeira, comam apenas uns peixes<br />
ordinários que se pescam no rio local.<br />
Se nelas estais Vós, meu Senhor<br />
e meu Deus, é lá que eu quero estar!<br />
Não sei se cada um de nós teria<br />
a mesma reação, e se faz assim de<br />
Deus o sol de sua própria seriedade.<br />
Mas o fato concreto é que na alma<br />
do católico deve haver um fundo<br />
de seriedade, vaga e luminosamente<br />
triste pelas condições abjetas, altamente<br />
censuráveis do mundo contemporâneo.<br />
Nós devemos nos sentir<br />
censurados, rejeitados, detesta-<br />
11
SEMANA SANTA<br />
Se nós, uns nos outros, procurássemos<br />
apenas o amor de Deus e nos<br />
regozijássemos sempre, pensando<br />
nesse amor que há em nós, e quando<br />
notássemos em alguém uma falta de<br />
amor de Deus nos entristecêssemos,<br />
como Nosso Senhor, de uma tristeza<br />
cheia de amor, de vontade de extravasar-se<br />
para aquele a fim de trazê-lo<br />
a Deus; se assim agíssemos, como<br />
a atmosfera em nossas Sedes seria,<br />
então, mais próxima do ideal de<br />
seriedade que tomamos quando nós<br />
participamos de um Retiro, como<br />
compreenderíamos mais completamente<br />
o que é a seriedade!<br />
Não é porque desejamos que quei-<br />
ram a nós; desejamos que queiram a<br />
Deus em nós. Volto a dizer: se conhecessem<br />
defeitos em mim e me odias-<br />
dos, e – oh, dor! – não porque é nossa<br />
pessoa, que pouco vale, mas porque<br />
rejeitam o Espírito Santo que<br />
está em nós, recusam em nós a condição<br />
de membros do Corpo Místico<br />
de Cristo, que é a Santa Igreja Católica<br />
Apostólica Romana.<br />
Se conhecessem os meus defeitos<br />
e me rejeitassem por essa causa<br />
eu os amaria, mas eles têm conhecimento<br />
de minhas qualidades e<br />
me recusam; então eu me sinto rejeitado<br />
no que é mais internamente<br />
meu, naquilo por onde sou mais eu e<br />
pertenço a Nosso Senhor como ente<br />
batizado e que tem Fé, membro da<br />
Santa Igreja Católica. E então há em<br />
mim um fundo constante de tristeza,<br />
de seriedade triste.<br />
Em Jesus, a seriedade não excluía,<br />
por exemplo, que Ele fosse de<br />
vez em quando à casa de Lázaro para<br />
tomar alguns dias de sossego, de<br />
tranquilidade, de bem-estar, de sentir<br />
o amor por Ele. Santa Maria<br />
Madalena O adorava, como sabemos,<br />
Marta O queria, Lázaro O<br />
amava e isso Lhe enchia a alma. Mas<br />
por toda parte, assim como a lua<br />
acompanha os passos do homem<br />
que anda pela noite, via-se a<br />
tristeza enluarada: “Os homens<br />
não querem a Mim<br />
porque não amam a<br />
Deus. Isto é uma espada<br />
que Me vara de alto<br />
a baixo.”<br />
Gemidos de Jesus por causa<br />
de nossa indiferença<br />
sem, eu lhes oscularia as mãos e os<br />
pés e lhes agradeceria, porque execro<br />
os meus defeitos. Mas essa gente, que<br />
tem a proibição de escrever o meu nome<br />
num jornal, odeia o que eu tenho<br />
de bom; isso me faz sofrer, me indigna.<br />
Não por mim, mas por Nosso Senhor,<br />
porque é Ele que estão rejeitando.<br />
Aqui está a matéria-prima, a tintura-mãe<br />
de nossa seriedade. Entrando<br />
agora na Semana Santa, contemplaremos<br />
as brutalidades, a injustiça,<br />
a crueldade que tiveram para com<br />
Ele, e teremos presente o tempo inteiro<br />
que fizeram isso por ódio à virtude<br />
que em Nosso Senhor transparecia<br />
de um modo tão magnífico.<br />
De maneira que, por exemplo, se<br />
algumas pessoas chegassem perto do<br />
lugar onde Jesus estava sendo flagelado,<br />
ouviriam lancinantes gritos de<br />
O beijo de Judas<br />
Basílica de Nossa<br />
Senhora do Rosário,<br />
Guatemala<br />
J.P. Braido<br />
12
dor d’Ele. Mas esses gritos<br />
eram mais harmoniosos<br />
e mais bonitos que os<br />
sons de qualquer orquestra,<br />
mais atraentes que as<br />
exclamações de qualquer<br />
orador, por mais famoso<br />
que fosse.<br />
Ele naquela púrpura<br />
de seu sangue, jorrando<br />
sobre todo o seu Corpo<br />
sagrado, era mais majestoso<br />
do que um rei na<br />
púrpura de seu manto real.<br />
Os carrascos viam isso<br />
e O flagelavam porque<br />
queriam a vulgaridade,<br />
a indecência, a imoralidade.<br />
Então mais flagelavam,<br />
e Jesus gemia.<br />
Gemia por seu Corpo sagrado<br />
– um homem geme<br />
quando sente isso –, porém<br />
muito mais por causa<br />
das almas tão ruins que<br />
O açoitavam, como Ele<br />
via o que aconteceria até<br />
o fim dos séculos. Nosso<br />
Senhor nos olharia passando<br />
a Semana Santa indiferentes<br />
aos gemidos, às<br />
dores d’Ele, e diria: “Até<br />
vós, a quem Eu chamei<br />
para um amor especial?<br />
Vós ouvis os meus gemidos,<br />
Me contemplais coroado<br />
de espinhos, como<br />
em outros episódios da minha Paixão,<br />
e também sois indiferentes!” E Jesus<br />
dando brados e gemidos por causa de<br />
nossa indiferença.<br />
Maria Santíssima,<br />
fixai em mim as chagas<br />
do Crucificado!<br />
Virgem das Dores - Igreja de Santa<br />
Maria, Ubeda, Espanha<br />
Flávio Lourenço<br />
Pensem na tristeza de Nossa Senhora<br />
diante disso. Provavelmente<br />
Ela sofria porque tinha algum conhecimento<br />
do que se passava com<br />
Jesus. Em suas santas intuições, contemplando<br />
cada brado, cada gemido<br />
d’Ele, cada pedaço de carne que<br />
os açoites arrancavam e jogavam no<br />
chão – a união hipostática continuava<br />
com aqueles pedaços de carne –, Ela,<br />
completamente transida de dor, sabia<br />
como seria a nossa Semana Santa.<br />
Quantas vezes, no lugar onde deveria<br />
estar o amor a Ele está o amor<br />
a outras coisas, ou quiçá a outras<br />
pessoas. Para pegar exemplos que<br />
não sejam amizades e afetos de si pecaminosos,<br />
suponhamos um amigo<br />
de quem gostamos porque é engraçado;<br />
de outro porque é prestigioso<br />
e nos prestigia; de um terceiro porque<br />
nos admira. São essas<br />
as razões pelas quais<br />
se deve gostar dos outros,<br />
ou é porque eles se parecem<br />
com Nosso Senhor?<br />
São Tiago era, por uma<br />
razão natural de parentesco<br />
intencionada por Deus,<br />
muito parecido com Nosso<br />
Senhor. De maneira<br />
que quando os algozes tiveram<br />
medo de errar na<br />
escolha e pediram para<br />
Judas indicar quem era,<br />
ele disse: “Aquele que eu<br />
oscular, esse é o Homem”<br />
(cf. Mt 26, 48).<br />
Por isso, após a morte<br />
de Nosso Senhor havia<br />
quem percorresse distâncias<br />
enormes para ver<br />
o Apóstolo que se parecia<br />
com o Redentor. Ora,<br />
nós temos a Ele presente<br />
na Sagrada Eucaristia... É<br />
Semana Santa. O que fazemos?<br />
O que isso arranca<br />
de nossas almas? Nós rezamos<br />
a Nossa Senhora pedindo-Lhe<br />
que ponha em<br />
nós as disposições de alma<br />
d’Ela para vivermos a Semana<br />
Santa como deveríamos<br />
viver?<br />
Há um hino da Liturgia<br />
que diz: Sancta Mater,<br />
istud agas, crucifixi fige<br />
plagas – Santa Mãe, fazei isso, prendei<br />
em mim as chagas do Crucificado.<br />
Isso nós deveríamos afirmar durante<br />
a Semana Santa. E quando chegar<br />
as três horas da tarde de Sexta-Feira<br />
Santa e adorarmos a Nosso Senhor<br />
na Santa Cruz, pensemos na seriedade<br />
e procuremos sentir fixas em nós<br />
as chagas do Divino Redentor. Então<br />
peçamos a Nossa Senhora que faça<br />
de nós homens que vivam da tristeza<br />
de Nosso Senhor Jesus Cristo. ❖<br />
(Extraído de conferência de<br />
29/3/1988)<br />
13
DE MARIA NUNQUAM SATIS<br />
J.P. Braido<br />
Apresentação do<br />
Menino Jesus no<br />
Templo - Basílica<br />
Virgem dos Anjos,<br />
Cartago, Costa Rica<br />
O gládio que transpassou o<br />
Coração da Santíssima Virgem<br />
14
Durante trinta e três anos, Nossa Senhora, em meio a alegrias<br />
inenarráveis, previu a Paixão e Morte de seu Divino Filho. E junto à<br />
Cruz, enquanto tantos homens desertaram, Ela estava de pé. Nunca<br />
ninguém sofreu tanto, com força e sobranceria, quanto a Mãe de<br />
Deus. Unindo-Se às intenções da Trindade Santíssima, Ela queria o<br />
esmagamento do demônio e da Revolução por todo o sempre.<br />
N<br />
a apresentação do Menino<br />
Jesus no Templo, em<br />
determinado<br />
momento<br />
aproximou-se de Nossa Senhora o<br />
profeta Simeão que a respeito do Divino<br />
Infante fez esta esplêndida profecia:<br />
“Agora, Senhor, podeis deixar<br />
vosso servo partir em paz, segundo<br />
vossa palavra, porque meus olhos viram<br />
a salvação que preparastes ante<br />
a face de todos os povos, luz para<br />
iluminar as nações e glória de Israel,<br />
vosso povo” (Lc 2, 29-32).<br />
Destinados à maior<br />
glória, percorrendo os mais<br />
extremos sofrimentos<br />
Nossa Senhora, à vista dessa profecia,<br />
ficou ainda mais inteirada de<br />
toda a glória do Menino Divino que<br />
carregava nos braços. Depois de<br />
abençoar o Menino e sua Mãe, disse<br />
Simeão: “Este Menino está posto<br />
para ruína e a ressurreição de muitos<br />
em Israel, e para ser alvo de contradição”<br />
(Lc 2, 34).<br />
Assim, depois de um futuro esplêndido,<br />
o venerável ancião predizia uma<br />
vida e uma luta tremenda para aquele<br />
Menino e prenunciava para Maria<br />
Santíssima um sacrifício: “Uma espada<br />
transpassará tua alma” (Lc 2, 35).<br />
Quer dizer, Ela terá um dos sofrimentos<br />
mais atrozes que uma pessoa pode<br />
suportar. E ele anuncia isso com trinta<br />
e três anos de antecedência.<br />
Temos aqui dois fatos a considerar,<br />
muito elucidativos para a mentalidade<br />
do homem moderno: em primeiro<br />
lugar, uma vez que Deus decretara<br />
que esse Menino fosse o Rei<br />
vitorioso de que falava a profecia de<br />
Simeão, como explicar que, lógica e<br />
sabiamente, houvesse de querer, ao<br />
mesmo tempo, que Ele passasse por<br />
todas essas lutas, as quais importassem<br />
num determinado momento<br />
em revés? Porque não se podia<br />
compreender de outro modo essa<br />
espada de dor que atravessaria o<br />
Coração de Nossa Senhora.<br />
Não seria natural, arquitetônico,<br />
de acordo com a ordem estabelecida<br />
pela sabedoria divina, que, uma<br />
vez sendo da vontade de Deus que<br />
o Menino Jesus fosse o Rei de todos<br />
os povos, em todos os tempos,<br />
que nada viesse atrapalhar essa carreira<br />
gloriosa? Que esta se fizesse de<br />
trabalhos bonitos, sapientes, triunfais,<br />
de lutas vencidas facilmente<br />
com um golpe “mágico” que faria<br />
tudo retroceder diante de Jesus, e<br />
assim Ele chegasse à sua glória?<br />
Por que o mistério desse momento<br />
terrível, em relação ao<br />
qual estava anunciado que um<br />
gládio atravessaria o Coração<br />
de Nossa Senhora? Como se<br />
pode compreender que Deus<br />
permita, no meio dessa trajetória,<br />
um mento sofri-<br />
tão<br />
Flavio Lourenço<br />
Virgem das Sete Dores - Convento<br />
de Santa Clara, Tuy, Espanha<br />
15
DE MARIA NUNQUAM SATIS<br />
grande e uma aparente derrota?<br />
Isso não é uma coisa<br />
estranha?<br />
A mentalidade “happy<br />
end” nos impede de<br />
compreender o modo<br />
pelo qual as obras de<br />
Deus se realizam<br />
Flávio Lourenço<br />
“A Dolorosa” - Igreja de São Vicente,<br />
São Sebastião, Espanha<br />
O estado de espírito do<br />
homem moderno correspondente<br />
a isso reflete-se, com<br />
frequência, no modo pelo<br />
qual somos levados a considerar<br />
os reveses de nossa<br />
vida espiritual e de nosso<br />
apostolado. Muitas vezes<br />
percebo em algumas pessoas<br />
dificuldades para explicarem<br />
a si mesmas a razão pela<br />
qual, embora estejam andando<br />
bem espiritualmente, podem<br />
ser tentadas.<br />
A ideia é esta: se Nossa<br />
Senhora, se Deus querem<br />
que me santifique, por que,<br />
então, devo ser tentado?<br />
Por que até permitem que eu peque<br />
e Lhes desagrade? Isso não é uma<br />
contradição? Se o fim é um, não é<br />
normal que tudo caminhe direitinho<br />
e coerentemente para ele? Como explicar<br />
a ocorrência de coisas que parecem<br />
contrariar esse fim?<br />
Vê-se nessas interrogações o reflexo<br />
daquela mentalidade happy end<br />
do cinema norte-americano. As coisas<br />
têm que correr certinhas; quando<br />
não correm, são atrapalhações que<br />
podem ser até grossas, mas já se sabe<br />
que terminará tudo direitinho, porque<br />
o homem é chamado para ser feliz<br />
nesta Terra, entender tudo quanto<br />
se passa com ele e triunfar.<br />
E quando as coisas não acontecem<br />
assim, ele tem a sensação de<br />
que a vida humana não está em ordem.<br />
Tal como os heróis de um romance<br />
de filme, que sofrem durante<br />
o enredo, mas o expectador já sabe<br />
– e tem a sensação de que os atores<br />
também – que tudo vai terminar<br />
à beira de um lago, olhando-se amorosamente,<br />
navegando num barquinho,<br />
os passarinhos cantando, a fita<br />
acabando, e o burguês que a assistiu<br />
voltando prosaicamente para casa,<br />
satisfeito.<br />
Essa mentalidade happy end intoxica<br />
nosso espírito e não podemos<br />
compreender o modo pelo qual as<br />
obras de Deus se realizam. Uma vez<br />
posto o pecado, com a queda dos anjos,<br />
e posteriormente a do homem, a<br />
vida humana tem um caráter não só<br />
de prova, mas de expiação e de luta.<br />
Aceitar o sofrimento não<br />
choramingando, mas como o<br />
soldado que vai para a luta<br />
A Providência Divina age de acordo<br />
com sua sabedoria, permitindo<br />
para os bons os reveses, as<br />
doenças, as tentações, a luta<br />
contra o adversário, e exigindo<br />
deles a aceitação de<br />
que essas coisas lhes podem<br />
vir em ocasiões onde isso<br />
lhes pareça incompreensível,<br />
pois o normal nessa vida<br />
é sofrer e que muitas coisas,<br />
de fato, não deem bom<br />
resultado, ou tenham consequências<br />
diferentes do que<br />
se quereria. Desse resultado<br />
errado Deus tira, para sua<br />
glória, algo de melhor e mais<br />
brilhante do que o sucesso<br />
por nós imaginado.<br />
As provações e os sofrimentos<br />
inesperados não só<br />
constituem algo pelo qual o<br />
homem decaído deve passar,<br />
mas podem corresponder<br />
também a uma punição<br />
pelos pecados cometidos, ou<br />
esconderem uma prova de<br />
amor querida por Deus de<br />
sua criatura; uma prova de<br />
confiança cega, de desprendimento<br />
e de abnegação que<br />
a criatura deve dar e que constitui<br />
um elemento altamente pedagógico<br />
para ela, porque a criatura só vale<br />
na medida em que realmente aceita<br />
esses sofrimentos com espírito sobrenatural,<br />
não choramingando, mas<br />
como o soldado que vai para a luta.<br />
Compreende-se, então, o mistério<br />
que há no seguinte fato: segundo<br />
a mentalidade moderna, não seria o<br />
caso de avisar Nossa Senhora, trinta<br />
e três anos antes, que Ela iria sofrer<br />
essa dor. Mas fazer o contrário: ir tapeando<br />
ou ficar quieto. Mesmo na<br />
hora de Nosso Senhor ser morto, enfim,<br />
de Maria Santíssima tomar conhecimento<br />
da Paixão, adiar, contar-Lhe<br />
aos poucos para Ela não se<br />
assustar muito. Afinal, quando não<br />
houvesse mais remédio, Ela saberia,<br />
e ainda assim haveria os calmantes.<br />
A ação da Providência não é essa.<br />
Com trinta e três anos de antecedên-<br />
16
cia, Ela avisa Nossa Senhora. Exatamente<br />
porque a previsão dessa dor<br />
já é uma tremenda dor. Maria Santíssima<br />
carregou a previsão desse sofrimento<br />
durante todo esse tempo e<br />
o viu chegando de longe. Com isso,<br />
sua alma imaculada, criada sem pecado<br />
original, foi-se aperfeiçoando<br />
e santificando na longa previsão e<br />
aceitação da dor que deveria vir.<br />
Trinta e três anos de<br />
Horto das Oliveiras<br />
Compreende-se que até para a alma<br />
imaculada da Santíssima Virgem<br />
a previsão forte, corajosa, razoável –<br />
eu diria, mesmo varonil – da dor vindoura<br />
era um elemento para uma<br />
crescente união com Deus, a qual<br />
Ela já possuía num grau insondável<br />
desde o primeiro instante de seu<br />
ser. Entretanto, essa profecia de Simeão<br />
foi intencionada para<br />
que Ela carregasse essa dor<br />
durante trinta e três anos, na<br />
compreensão desse fato de<br />
que o homem nasceu para<br />
sofrer, é normal que sofra,<br />
que é preciso aceitar a dor<br />
por inteiro antes dela vir, e,<br />
quando chegar, que ela nos<br />
encontre calmos, fiéis, sobranceiros<br />
e heroicos, porque<br />
assim se deve ser diante<br />
do sofrimento.<br />
Então, encontramos essa<br />
analogia entre a vida de<br />
Nosso Senhor e a de sua<br />
Mãe Santíssima: a vida de<br />
Nossa Senhora foi trinta e<br />
três anos de Horto das Oliveiras,<br />
ao longo dos quais<br />
Ela previu a Paixão e a Cruz<br />
no meio de alegrias inenarráveis.<br />
Ela foi vendo seu Divino<br />
Filho crescer, preparar-Se<br />
para a vida pública –<br />
durante a qual esse gládio<br />
de dor A esperava –, sair<br />
de casa, ouvindo falar dos<br />
rumores criados em torno<br />
d’Ele e do ódio que subia e O rodeava<br />
de todos os lados. Era o mal que<br />
haveria de armar contra seu Filho o<br />
golpe mais atroz possível. E Ela que<br />
O adorava como seu Deus e seu Filho,<br />
sentindo o pecado horrível que<br />
estava sendo preparado, considerava<br />
de frente os tormentos que deveriam<br />
vir.<br />
O resultado foi a hora magnífica<br />
de sua fidelidade: enquanto tantos<br />
homens desertaram, Nossa Senhora<br />
se encontrava de pé junto à Cruz.<br />
Não era de duvidar que estivesse,<br />
pois estava confirmada em graça;<br />
mas Ela ali se encontrava como fruto<br />
dessa longa preparação. Quer dizer,<br />
não desmaiada, nem desfalecendo,<br />
nem alquebrada pelos acontecimentos.<br />
A iconografia católica apresenta,<br />
em todos os séculos, Maria<br />
Santíssima muito firme, de nenhum<br />
modo desorientada, sem domínio de<br />
Virgem da Paz - Igreja de São<br />
Mateus, Lucena, Espanha<br />
Si, ou desejando fugir. Essas são paixões<br />
vis que não caberiam em sua alma,<br />
às quais se contrapunham, na<br />
ordem teórica, virtudes mais excelsas<br />
que Ela tinha elevado ao mais alto<br />
dos supremos graus. Nunca ninguém<br />
sofreu tanto, com tanto domínio<br />
dos acontecimentos, compreendendo<br />
tanto a lógica do que se passava,<br />
com tanta força e sobranceria,<br />
com tanto ódio ao mal, quanto Nossa<br />
Senhora.<br />
Para esmagar o demônio,<br />
Nossa Senhora desejou os<br />
mais atrozes sofrimentos<br />
Flávio Lourenço<br />
Ela sabia que todo o mal no mundo<br />
seria esmagado no momento em<br />
que o seu Divino Filho expirasse.<br />
Durante todo o tempo, a Santíssima<br />
Virgem esteve na seguinte disposição:<br />
“Adoro meu Filho, mas se for<br />
preciso sacrificá-Lo para esmagar<br />
o demônio, derrotar<br />
o poder das trevas, concordo<br />
que meu próprio Filho<br />
morra. Eu O entrego, por<br />
assim dizer, O imolo. Esse<br />
gládio Eu mesma enfio<br />
em meu próprio Coração.<br />
Mas é preciso que o demônio<br />
seja esmagado. É necessário<br />
que o mal – que hoje<br />
chamamos Revolução – seja<br />
estraçalhado por todo o<br />
sempre. Uno-me às intenções<br />
santíssimas do Pai, do<br />
Filho e do Espírito Santo e<br />
faço esse sacrifício horroroso.<br />
Mas isso que está acontecendo<br />
no alto da Cruz Eu<br />
quero, e não deixo de querer<br />
um instante, com toda a<br />
intensidade de meu ser.”<br />
Se isto não é espírito de<br />
combate, disposição para<br />
arrasar o adversário, então<br />
não sei mais o que significam<br />
essas palavras.<br />
Trinta e três anos de preparação!<br />
O que tem isso<br />
17
DE MARIA NUNQUAM SATIS<br />
de comum com a vida de Nosso Senhor?<br />
Para não falar de preparação<br />
remota, no Horto das Oliveiras Nosso<br />
Senhor quis meditar e prever tudo<br />
o que Lhe aconteceria. Então, Ele<br />
começou a sentir horror e pavor do<br />
que viria, e fez aquela oração: “Meu<br />
Pai, se for possível, afaste-se de Mim<br />
esse cálice” (Mt 26, 39). Quer dizer,<br />
se não for condição para o gênero<br />
humano ser redimido, enfim, se<br />
dentro de vossos desígnios for possível<br />
derrotar o demônio sem isso. Porém,<br />
faça-se a vossa vontade e não a<br />
minha. Eu aceito e quero todo esse<br />
sofrimento para chegar a esse resultado.<br />
Ordem mental, lógica, calma e<br />
generosidade supremas, indicando<br />
qual a têmpera do varão católico an-<br />
te a dor, e o amor ao sofrimento que<br />
se deve ter.<br />
Gládio representando<br />
a dor e a luta<br />
Muitas vezes, em nossa vida, há<br />
aspectos triunfais, no meio de toda<br />
a guerra em que nos movemos. Mas<br />
precisamos nos compenetrar bem de<br />
que o normal, na luta tremenda que<br />
estamos tendo, é virem vários momentos<br />
nos quais um gládio de dor<br />
transpasse a alma de cada um de nós.<br />
Por vezes pareceremos derrotados,<br />
desorientados, abandonados pela<br />
Providência, como diz o Salmo<br />
que Nosso Senhor recitou no alto da<br />
Cruz: “Deus meu, Deus meu, por que<br />
Me abandonaste?” (Mt 27, 46). Devemos<br />
nos colocar diante desta perspectiva:<br />
essas são as coisas que podem<br />
acontecer, nossa luta não será<br />
sempre uma parada de vitórias. Não<br />
seríamos dignos de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo, nem de sua Mãe Santíssima,<br />
se isso fosse assim. É mister termos<br />
diante dos olhos sempre a ideia<br />
de que um gládio de dor nos atravessará<br />
em determinado momento.<br />
Devemos pedir a Nossa Senhora<br />
que nos alcance a graça – que, sob<br />
determinado ponto de vista, não temo<br />
chamar de suprema – de desejarmos,<br />
amarmos e, desde logo, prepararmos<br />
nossa vida para essa hora.<br />
Porque assim como a hora do gládio,<br />
junto com a da Encarnação, foi<br />
a grande hora da vida da Santíssima<br />
Virgem, a hora da fidelidade, assim<br />
também podemos dizer não ter sido<br />
a grande hora de nossa vida somente<br />
a vocação, mas vai ser a hora da perseverança,<br />
que corresponderá à hora<br />
do gládio.<br />
Tivéssemos nós um gládio que,<br />
com maior furor guerreiro e de um<br />
modo mais terrível, representasse ao<br />
mesmo tempo a dor que deve transpassar<br />
nossas almas e a luta contra<br />
nossos adversários, e eu o poria como<br />
símbolo em nossa capela, porque,<br />
mais do que uma resignação,<br />
uma sadia e equilibrada apetência<br />
desse gládio deve nos caracterizar.<br />
Conta-se que Nosso Senhor,<br />
quando recebeu a Cruz, antes de colocá-la<br />
nas costas chorou de emoção,<br />
abraçou-a e a beijou com muito<br />
carinho, porque desde sempre a desejara.<br />
Oxalá, na hora de nosso gládio,<br />
possamos também chorar varonilmente<br />
de emoção, osculá-lo com<br />
muito carinho e dizer que desde<br />
sempre o desejávamos. É o pedido<br />
do amor a esse gládio que devemos<br />
apresentar a Nossa Senhora<br />
das Dores.<br />
qual a têmpera do varão católico an- Cruz: “Deus meu, Deus meu, por que dio, junto com a da Encarnação, foi<br />
A Mãe Dolorosa<br />
contempla seu Filho<br />
morto - Mosteiro<br />
da Assunção,<br />
Burgos, Espanha<br />
❖<br />
Helio G.K.<br />
(Extraído de conferência de<br />
9/4/1965)<br />
18
O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DR. PLINIO<br />
Tiago T.N.<br />
Instintos e amor<br />
ao maravilhoso<br />
O homem possui instintos<br />
nos quais, devido ao<br />
pecado original, há algo<br />
de desordenado. Para se<br />
conseguir a ordenação<br />
natural dos instintos é<br />
necessária uma espécie<br />
de educação e propensão<br />
pelo maravilhoso. Essa é<br />
propriamente a via pela<br />
qual as almas caminham<br />
no amor de Deus.<br />
Rute Martins (CC3.0)<br />
or ser um animal racional,<br />
o homem tem dois jogos de<br />
Pinstintos: os do corpo e os da<br />
alma. Os instintos da alma são muito<br />
mais nobres do que os do corpo, embora<br />
estes exerçam uma influência<br />
sobre aqueles. Basta ver, por exemplo,<br />
o instinto de conservação, como<br />
ele existe no bicho e no homem.<br />
Os instintos do corpo se<br />
conjugam com os da alma<br />
Ao ter notícia de uma coisa que<br />
lhe é nociva, o bicho foge ou avança.<br />
Isso é muito menos nobre do que<br />
19
Flavio Lourenço<br />
O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DR. PLINIO<br />
faz o homem que conhece por que<br />
aquilo é nocivo, e estuda o modo de<br />
avançar ou de recuar.<br />
No homem, por causa de nossa<br />
natureza espiritual e animal, os instintos<br />
do corpo se conjugam com<br />
os da alma formando um movimento<br />
harmônico, mas composto de elementos<br />
diversos. Não é, portanto,<br />
como se fosse um só tipo de instinto.<br />
Comecemos por estudar os instintos<br />
do corpo para depois analisar o<br />
efeito disso nos da alma. Em seguida,<br />
consideraremos a relação deles<br />
com a temperança e a intemperança.<br />
Conosco passa-se um fenômeno<br />
que com os animais não se dá. Por<br />
não ter sido atingido pelo pecado original,<br />
o animal tem instintos sempre<br />
harmônicos. Não se conhece um animal<br />
– exceto se estiver louco – que<br />
proceda de um modo contrário aos<br />
seus instintos. Estes são sempre equilibrados<br />
e, quase se diria, mecânicos,<br />
enquanto que no homem os instintos<br />
são desequilibrados e difíceis.<br />
Tomemos como exemplo, num<br />
homem, a tendência ao repouso. Esse<br />
instinto existe de maneira diferente<br />
nos diversos corpos humanos,<br />
de tal maneira a se poder dizer que<br />
em cada homem há uma determinada<br />
peculiaridade, por onde o modo<br />
de repousar nunca se repetiu nem se<br />
repetirá em nenhum outro homem,<br />
o que corresponde às apetências e,<br />
neste sentido, aos instintos de seu<br />
corpo, como também, por conexão,<br />
aos instintos da alma.<br />
Conheci um indivíduo com uma<br />
natureza, por alguns aspectos, tão<br />
plácida que ele não se movia durante<br />
o sono a noite inteira. Ele me disse<br />
ter feito várias experiências de,<br />
antes de se deitar, à noite, pegar<br />
uma parte do lençol, formar um tufo<br />
e segurar na mão. Na manhã seguinte,<br />
quando ele acordava, o mesmo<br />
tufo estava intacto. Quem o conheceu<br />
notava isso muito sente em várias maneiras de<br />
ser dele. Enquanto ele dormia,<br />
era um instinto animal<br />
que estava imperando, exclusivamente.<br />
Mas algo disso<br />
correspondia à alma, por<br />
onde ele levava uma vida muito<br />
calma, tranquila, metódica,<br />
com modos e gestos pacatos.<br />
Vê-se que o corpo tem um certo<br />
jogo de instintos diferente, mas<br />
condicionado ao da alma.<br />
pre-<br />
não ter sido atingido pelo pecado ori- o que corresponde às apetências e,<br />
Repressão ou estímulo<br />
a certas apetências<br />
Flavio Lourenço<br />
Martírio de Santo Inácio<br />
de Antioquia - Catedral<br />
de Palência, Espanha<br />
Em função disso, algumas coisas<br />
podem causar bem ao instinto do<br />
corpo porque o estimulam, e outras<br />
por lhe fazerem contrapeso servin-<br />
do de corretivo. Por exemplo, é possível<br />
que um homem exageradamente<br />
fogoso, por instinto, seja propenso<br />
a frequentar ambientes com penumbras,<br />
a tomar muito sorvete, a vestir-se<br />
com colarinho bastante largo.<br />
Por outro lado, alguém muito indolente<br />
pode receber uma “chicotada”<br />
tomando determinado tipo de bebida.<br />
Assim, para um, o instinto pede a<br />
penumbra, para outro, o licor.<br />
Entretanto é possível acontecer<br />
que, para corrigir uma carência ou<br />
estimular alguma apetência, o instinto<br />
induza a pessoa a um exagero, o<br />
qual pode levá-la à intemperança, ou<br />
já constitua, de si, uma ponta de intemperança.<br />
Posso admitir, por exemplo, que<br />
uma pessoa muito débil, obrigada a<br />
20<br />
“A Temperança” - Catedral da<br />
Assunção, Burgo de Osma, Espanha
enfrentar condições de vida difíceis,<br />
sinta-se muito estimulada tomando<br />
Cointreau. Ora, pode-se conceber<br />
que um homem, sentindo-se dignificado<br />
e mais varonil depois de ter tomado<br />
um gole de Cointreau, fique viciado<br />
nesse licor, a partir disso. Não<br />
se trata apenas do bêbado pelo gosto<br />
de beber, mas é por uma razão<br />
mais complexa, mais delicada: um<br />
bom movimento por onde ele procura<br />
completar-se no Cointreau. Esse<br />
bom movimento leva-o a exagerar<br />
a dose.<br />
Temos assim, ao contrário do animal,<br />
instintos nos quais sempre alguma<br />
coisa é desordenada e pede uma<br />
repressão ou um estímulo. Por conseguinte,<br />
o recurso a determinados<br />
agentes para reprimir ou estimular<br />
determinadas apetências dá ao homem<br />
um deleite no uso desses agentes,<br />
que o gosto pode conduzi-lo ao<br />
exagero.<br />
Sem dúvida, muitas vezes o indivíduo<br />
adquire um vício daquilo que<br />
sua natureza não precisa. Por exemplo,<br />
numa roda de meninos fica bem<br />
fumar, e ele é o único que não fuma.<br />
Então, começa a fumar. A partir desse<br />
momento, ele se habitua ao deleite<br />
proporcionado pelo cigarro, para<br />
o qual, até então, não tinha apetência.<br />
Trata-se, portanto, de uma pura<br />
degustação a que ele se habituou<br />
inutilmente por um ato de servidão<br />
ao ambiente onde estava. Nesse caso<br />
não notamos nada de nobre na origem<br />
desse vício.<br />
Contudo, creio que em muitos casos,<br />
quando se fala do mero bêbado,<br />
talvez se pudesse afirmar a existência<br />
de algo razoável na origem da bebedeira;<br />
mas, por se ter destemperado<br />
e desfeito o elemento razoável,<br />
entrou o mal.<br />
Há instintos mais atingidos<br />
pelo pecado original<br />
Isso tem o seu efeito prático: se<br />
vemos que um homem caiu na intemperança<br />
por um motivo originariamente<br />
bom, é uma ajuda para ele<br />
explicar-lhe o que se passou. Não<br />
é, portanto, a pura descompostura:<br />
“Seu bêbado, seu cretino, seu nojento!”,<br />
mas sim um auxílio.<br />
Qual a vantagem dessa ajuda para<br />
ele?<br />
Como percebe que nem tudo<br />
quanto estão recriminando nele é<br />
mau, ele guarda uma espécie de reserva<br />
contra a descompostura que<br />
está levando, como quem diz: “Vocês<br />
não compreendem bem, mas isso<br />
é bom por um lado. Logo, não<br />
posso aceitar essa descompostura<br />
por inteiro.” E por não poder aceitá-la<br />
inteiramente, ele toma isso como<br />
pretexto para continuar no seu<br />
vício.<br />
Quem o ajude, deve tirar-lhe o<br />
pretexto dizendo: “Por esse lado, isso<br />
seria bom; mas você se desviou e<br />
por isso chegou a tal ponto…”<br />
Acontece que em nós, seres humanos,<br />
há um ou mais instintos especialmente<br />
atingidos pelo pecado<br />
original. À medida que o homem<br />
peca nesses instintos, vai desequilibrando<br />
todos os outros, por via de<br />
consequência.<br />
O jogo temperamental do<br />
homem é como um móbile<br />
Há uma espécie de ornato de origem<br />
chinesa, chamado móbile, que<br />
se pendura nos lustres, constituído<br />
de um sistema de pequenas alavancas<br />
e hastezinhas, feitas com material<br />
delicado imitando cristal. Esse<br />
adorno é calculado de tal maneira<br />
que um vento, batendo num pontinho<br />
qualquer desse sistema de alavancas,<br />
move todas as hastes e inicia-se<br />
uma “dança” sempre diferente<br />
da anterior.<br />
Thiago T.N.<br />
21
O PENSAMENTO FILOSÓFICO DE DR. PLINIO<br />
Navy Art (CC3.0)<br />
tir em nada. Porque num ponto onde<br />
se consinta num desequilíbrio, todo<br />
o mecanismo se altera. Então, começa<br />
uma batalha para conservar o<br />
equilíbrio aqui, lá, acolá. Seria mais ou<br />
menos como um homem puxando um<br />
móbile, e eu querendo segurar com a<br />
mão todas as outras partes para não se<br />
moverem. Não vai! Enquanto estiver<br />
um homem mexendo ali, não há mão<br />
que segure todas as outras hastes.<br />
Então, ou o indivíduo está num estado<br />
em que exerce sobre os instintos<br />
uma vigilância completa, ou, mais cedo<br />
ou mais tarde, ele começa a rolar<br />
para intemperanças progressivas que<br />
podem tomar, e muitas vezes tomam,<br />
proporções assustadoras.<br />
Equilíbrio implícito<br />
dos instintos<br />
Diante dessa descrição a pessoa<br />
se sente mais ou menos desconcerta-<br />
O jogo temperamental de um homem<br />
é como um móbile. Se em algum<br />
ponto ele consentiu que fosse<br />
puxado, todas aquelas partes do móbile<br />
começam a se mexer. E, por um<br />
consentimento a um instinto desordenado,<br />
entra a ciranda de uma espécie<br />
de desequilíbrio total.<br />
Dizer que, ao contrário, a experiência<br />
demonstra haver pessoas equilibradíssimas<br />
em certos pontos, mas<br />
desequilibradas em outros, não corresponde<br />
à realidade. Podem existir<br />
alguns pontos menos desequilibrados<br />
do que outros; mas, onde se<br />
instalou um desequilíbrio, o sistema<br />
corrosivo de todos os desequilíbrios<br />
começa a estalar. E, à maneira<br />
de uma infecção que se instala em<br />
um membro, mais cedo ou mais tarde,<br />
se não é debelada, acaba gangrenando<br />
todo o corpo.<br />
O problema é ter a integridade, eu<br />
quase diria, a pureza de não consenda<br />
e diz: “Não seguro isso. É desejável<br />
segurar e é uma miséria que eu<br />
não o faça; reconheço ter culpa em<br />
não segurar, mas não me peçam isso<br />
porque é um trabalho tão heroico,<br />
hercúleo e constante, que não tenho<br />
forças.”<br />
Ora, a alma fortemente habituada a<br />
considerar as belezas metafísicas, transesféricas<br />
1 , voltada fortemente para o<br />
Absoluto e o sobrenatural tem uma<br />
atitude – instintiva também – de oposição<br />
aos desequilíbrios. Isso oferece ao<br />
indivíduo a possibilidade de não fazer<br />
de cada repressão ao instinto uma caçada<br />
consciente, mas lhe dá uma atitude<br />
de equilíbrio implícito, que é o primeiro<br />
equilíbrio diante do primeiro<br />
desequilíbrio. Dou um exemplo:<br />
Imagine um homem viajando a<br />
bordo de um navio que está balançando<br />
muito. Se ele tem seu jogo de<br />
instintos bem feito, mesmo estando<br />
em pé e conversando com alguém<br />
sobre uma notícia no<br />
jornal, é só o navio começar<br />
a se mover que<br />
seu corpo vai fazendo<br />
contrapeso sem ele estar<br />
pensando nisso.<br />
Nessa situação, vindo<br />
um movimento mais<br />
forte, o qual lhe exija<br />
mais atenção, ele já<br />
está muito mais adiantado<br />
na repressão ao<br />
tombo do que um homem<br />
que só se dará<br />
conta da sacudida do<br />
navio quando quase tiver<br />
ido para o chão. Isso<br />
porque, neste segundo<br />
caso, a tendência<br />
dos instintos para<br />
o equilíbrio é muito<br />
frouxa, está habitualmente<br />
como uma trouxa<br />
de carga. Resultado:<br />
até se mobilizar, ele<br />
não aguenta.<br />
Assim, o equilíbrio<br />
moral e o psicológico<br />
22
comportam essa posição. Um é o homem<br />
dotado de senso do maravilhoso,<br />
diante de quem tudo que o desequilibra<br />
instintivamente toma essa postura;<br />
e ele tem uma prevenção contra o<br />
desequilíbrio mais forte e sério, que é<br />
uma condição de vitória. Pelo contrário,<br />
o homem largado, não voltado para<br />
o maravilhoso, tem uma condição<br />
prévia de preguiça para se entregar e,<br />
portanto, resistirá mal à força do jogo<br />
dos instintos.<br />
Outro elemento a considerar –<br />
uma coisa muito mais adquirida do<br />
que inata – é a boa educação. Ao se<br />
tornar instintiva, a boa educação leva<br />
o indivíduo a notar logo quando<br />
não está agradando e, espontaneamente,<br />
tomar uma posição acertada<br />
diante da pessoa com quem ele trata<br />
para agradá-la. Pelo contrário, quem<br />
não tem essa formação, vai desagradando,<br />
cometendo gafes, fazendo<br />
besteiras, e se lhe disserem:<br />
– Preste atenção no que você disse!<br />
Ele responde:<br />
– Não consigo! Ou trato do tema<br />
de que estou falando, ou cuido de suas<br />
“bonequices”, do modo de pegar<br />
os talheres, etc. Tratar de uma coisa<br />
séria e, ao mesmo tempo, manusear<br />
com distinção e elegância uma xicarazinha<br />
de café ou cortar bem um bife,<br />
não faço. Não é possível.<br />
Mas por quê? Porque o jogo dos<br />
instintos não foi bem afivelado. Em<br />
última análise, porque o gosto do maravilhoso,<br />
do transcendental, do absoluto<br />
não dominou a alma dele. Se<br />
dominar, tudo isso, por um movimento<br />
espontâneo, vai tomando posição.<br />
Ordenação natural<br />
dos instintos e senso<br />
do maravilhoso<br />
Nós deveríamos conhecer o jogo<br />
dos nossos próprios instintos a partir<br />
da posse habitual, do interesse<br />
maior, do gosto pelo maravilhoso.<br />
Quando a alma se dá ao maravilhoso,<br />
o efeito próprio dele é fazer<br />
Exposição de cristais da Boêmia - Praga, República Checa<br />
voltar a apetência de todos os instintos<br />
– que de algum modo se satisfazem<br />
no maravilhoso – para esse ponto<br />
maravilhoso. De maneira que só<br />
naquilo que os instintos têm de baixo<br />
é que são incompatíveis com o maravilhoso.<br />
Em tudo o mais não são.<br />
Tomem, por exemplo, um menino<br />
com o senso do maravilhoso muito<br />
desenvolvido e que, tendo recebido<br />
objetos feitos de madrepérola, está<br />
brincando encantadíssimo. Se alguém<br />
quiser puxar com ele uma conversa<br />
muito banal sobre mecânica, isso<br />
não fará mal à sua alma porque ele<br />
está tão voltado para coisas mais altas<br />
que poderá ouvir aquela conversa<br />
por amabilidade, por afabilidade, e<br />
até pôr duas ou três perguntas sobre<br />
o assunto, mas seu coração não estará<br />
naquilo. Se lhe sugerirem renunciar<br />
a brincar com suas madrepérolas para<br />
assistir a uma corrida de automóveis,<br />
aquela torcida pela velocidade<br />
não lhe diz nada, porque ele prefere<br />
o gosto de ver as madrepérolas.<br />
Isso porque, ao conhecer algo<br />
muito maravilhoso, somos levados a<br />
amar, por conexão, ou estar abertos<br />
para uma série de outras coisas maravilhosas<br />
que não conhecemos. É<br />
um universo. Essas maravilhas de tal<br />
maneira desdobram nossas apetências<br />
harmônica e ordenadamente,<br />
que a tendência para as coisas mais<br />
baixas decai muito.<br />
É uma ordenação natural dos instintos,<br />
mas que vem do amor ao maravilhoso.<br />
Essa espécie de educação<br />
e propensão pelo maravilhoso, antes<br />
de tudo pelo maravilhoso moral, mas<br />
também pelo artístico e por todas as<br />
formas de maravilhoso, por assim dizer,<br />
chumbando o homem no maravilhoso,<br />
é propriamente a via pela<br />
qual as almas caminham no amor de<br />
Deus.<br />
❖<br />
(Extraído de conferência de<br />
9/4/1986)<br />
1) Relativo a “transesfera”. Termo criado<br />
por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> para significar que,<br />
acima das realidades visíveis, existem<br />
as invisíveis. As primeiras constituem<br />
a esfera, ou seja, o universo material;<br />
e as invisíveis, a transesfera.<br />
Willian A.<br />
23
Flávio Lourenço<br />
CALENDÁRIO DOS SANTOS ––––––<br />
Sebastião C.<br />
Cristãs da Misericórdia, na Normandia,<br />
França. Sucedeu a Santa Maria<br />
Madalena Postel no cargo de Superiora<br />
Geral por trinta anos.<br />
5. Santo Adriano de Cesareia, mártir<br />
(†309). Em Cesareia, na Palestina,<br />
durante a perseguição do Imperador<br />
Diocleciano, foi morto à espada.<br />
8. São Pôncio de Cartago, diácono<br />
(†s. III). Foi diácono de São Cipriano,<br />
acompanhando-o no exílio até sua<br />
morte, deixando um valioso volume<br />
sobre sua vida e seu martírio.<br />
9. São Domingos Sávio, leigo<br />
(†1857). Aluno e filho espiritual de<br />
São João Bosco, morreu com apenas<br />
15 anos de idade. Seu lema de vida<br />
era “Antes morrer que pecar”. É um<br />
dos patronos da juventude católica.<br />
10. São Macário, Bispo de Jerusalém,<br />
contemporâneo da Imperatriz<br />
Santa Helena. Construiu a Igreja do<br />
Santo Sepulcro (†335).<br />
São Simplício, Papa (†483). Governou<br />
a Igreja no tempo da invasão dos<br />
bárbaros na Itália. Nesta época confortou<br />
os aflitos, encorajou a unidade<br />
da Igreja e lutou contra a heresia monofisista.<br />
São João Nepomuceno<br />
1. Santa Inês Cao Kuiying, mártir<br />
(†1856). Após a morte do marido, dedicou-se<br />
ao ensino da Doutrina Católica,<br />
por mandato do Bispo, em Xilinxian,<br />
China. Por esse motivo foi presa<br />
e torturada até a morte.<br />
11. IV Domingo da Quaresma.<br />
Beato João Kearney, presbítero e<br />
mártir (†1653). Franciscano irlandês,<br />
foi condenado à morte em Londres<br />
por exercer o ministério sacerdotal,<br />
mas conseguiu fugir. No governo de<br />
Oliver Cromwell foi novamente preso<br />
e enforcado.<br />
2. Beato Carlos, o Bom, mártir<br />
(†1127). Príncipe da Dinamarca e filho<br />
de São Canuto IV, foi depois Conde<br />
de Flandres e de Amiens. Por ser<br />
defensor da justiça e dos pobres, foi<br />
assassinado por soldados enquanto<br />
rezava diante de um altar de Nossa<br />
Senhora.<br />
3. Santa Catarina <strong>Dr</strong>exel, virgem<br />
e fundadora (†1955). Fundou a Congregação<br />
das Irmãs do Santíssimo Sacramento,<br />
na Filadélfia, Estados Unidos,<br />
e utilizou com generosidade os<br />
bens de sua herança para conquistar e<br />
formar a índios e negros.<br />
4. III Domingo da Quaresma.<br />
Beata Plácida Viel, virgem (†1877).<br />
Dirigiu a Congregação das Escolas<br />
São Domingos Sávio<br />
6. São Crodegango, bispo (†766).<br />
Impôs ao clero de sua diocese, Metz<br />
(França), que vivesse dentro do recinto<br />
do claustro sob uma rigorosa norma<br />
de vida. Também promoveu o canto<br />
na Igreja.<br />
7. Beato Leônidas Fëdorov, bispo<br />
e mártir (†1935). Nascido em São Petersburgo<br />
(Rússia), de família ortodoxa,<br />
converteu-se ao catolicismo. Foi<br />
nomeado Exarca Apostólico dos católicos<br />
russos de rito bizantino, sendo<br />
depois enviado aos campos de Kirov,<br />
onde foi martirizado.<br />
Flávio Lourenço<br />
Santo Estevão Harding<br />
24
––––––––––––––––– * MARÇO * ––––<br />
12. São Rodrigo de Córdoba, mártir<br />
(†857).<br />
13. Santa Catarina da Pérsia, már-<br />
tir (†559). Recebeu a coroa do martírio<br />
no tempo de Cosroes I, rei dos<br />
persas, após ser açoitada.<br />
14. Beato Jacó Cusmano, presbítero<br />
e fundador (†1888). Fundou<br />
o Instituto de Missionários<br />
Servos e Servas dos Pobres, na<br />
Itália. Destacou-se por sua caridade<br />
com os enfermos, abandonados<br />
e carentes.<br />
Samuel Holanda<br />
15. Santa Luísa de Marillac,<br />
fundadora, junto com São Vicente<br />
de Paula, das Filhas da de (Vicentinas) (†1660).<br />
16. Santo Heriberto de Colônia,<br />
bispo (†1021). Chanceler do Imperador<br />
Oton III, da Alemanha, serviu<br />
Caridatambém<br />
o Imperador Santo Henrique.<br />
Foi Arcebispo de Colônia e fundador<br />
da abadia beneditina de Deutz.<br />
17. São João Sarkander, presbítero<br />
e mártir (†1620). Jesuíta, foi pároco<br />
de Holesov, na Morávia (República<br />
Tcheca). Por negar-se a revelar<br />
um segredo de confissão, foi submetido<br />
ao suplício da roda, falecendo um<br />
mês mais tarde na prisão.<br />
18. V Domingo da Quaresma.<br />
Santo Alessandro de Cesareia, bispo<br />
e mártir (†c. 250). Indo da Capadócia<br />
a Jerusalém, aceitou ser Bispo<br />
da Cidade Santa, onde fundou uma<br />
preciosa biblioteca e abriu uma escola.<br />
Foi martirizado em Cesareia com<br />
avançada idade.<br />
19. Solenidade de São José, Esposo<br />
de Maria Santíssima. Ver página 2.<br />
20. São João Nepomuceno, Presbítero<br />
e Mártir († 1393). Por defender a<br />
Igreja, sofreu muitas injúrias por parte<br />
do Rei Venceslau da Boêmia. Foi atirado<br />
ao Rio Moldava, em Praga, por<br />
não revelar o segredo de Confissão.<br />
São Turíbio de<br />
Mongrovejo<br />
21. São Nicolau de Flue, religioso.<br />
Ver página 26.<br />
22. São Basílio de Ancira, presbítero<br />
e mártir (†362). Formado pelo Bispo<br />
São Marcelo, não cessou de exortar<br />
o povo da Galícia a permanecer<br />
fiel à Fé Católica. Resistiu energicamente<br />
aos arianos até ser martirizado<br />
pelo Imperador Juliano.<br />
23. São Turíbio de Mongrovejo,<br />
Arcebispo de Lima, Peru, pertenceu à<br />
Ordem Dominicana (†1606).<br />
Beata Annunciata Cocchetti, virgem<br />
(†1882). Em Cemmo, Itália, governou<br />
o Instituto das Irmãs de Santa<br />
Doroteia com fortaleza e humildade,<br />
falecendo aos 82 anos.<br />
24. Beato João do Báculo, presbítero<br />
(†1290). Havendo terminado seus<br />
estudos em Fabriano, Itália, seguiu<br />
São Silvestre, abade, em uma vida monástica<br />
segundo as regras beneditinas.<br />
25. Domingo de Ramos e Paixão do<br />
Senhor.<br />
26. São Ludgero de Münster, bispo<br />
(†809). Discípulo de Alcuíno, pregou<br />
Flávio Lourenço<br />
o Evangelho na Frísia, Dinamarca e<br />
Saxônia, estabelecendo a sede episcopal<br />
em Münster, Alemanha, e fundando<br />
vários mosteiros, convertidos<br />
em centros de propagação da Fé.<br />
27. São Ruperto, bispo (†708).<br />
Pregou o Evangelho no vale do<br />
Danúbio. Foi o fundador da cidade<br />
de Salzburg, na Áustria, e seu<br />
primeiro bispo.<br />
28. Santo Estevão Harding,<br />
abade (†1134). Junto com<br />
São Roberto de Molesmes, foi<br />
fundador da Ordem Cisterciense.<br />
Recebeu São Bernardo de Claraval<br />
com mais trinta companheiros e fundou<br />
doze mosteiros, que uniu com o<br />
vínculo da Carta da Caridade, sem<br />
discórdias e com fidelidade à regra.<br />
29. Ceia do Senhor.<br />
30. Paixão do Senhor.<br />
31. Vigília Pascal.<br />
São Macário<br />
25
HAGIOGRAFIA<br />
Um guerreiro<br />
perfeito<br />
Andrew Bossi (CC3.0)<br />
Embora inclinado desde a<br />
infância à vida contemplativa,<br />
São Nicolau de Flue exerceu<br />
os mais variados ofícios,<br />
como o de um simples pastor,<br />
militar, juiz e pai de família.<br />
Soldado de bravura invulgar,<br />
empunhava numa mão a<br />
espada e na outra o Rosário.<br />
Entretanto, o que mais o<br />
caracterizou foi o fato de em<br />
toda a sua vida, exercendo<br />
as mais variadas atividades,<br />
nunca deixou de ter visões e<br />
revelações místicas.<br />
Pakeha (CC3.0)<br />
26<br />
São Nicolau de Flue - Igreja Paroquial<br />
de Saint-Gallus em Amden, Suíça
Quatorze anos mais tarde, ainda<br />
nessa luta, comandou, como capitão,<br />
uma companhia de cem homens.<br />
Nicolau, na guerra, lutava sempre<br />
tendo numa das mãos a espada e, na<br />
outra, seu Rosário. Soldado de bravura<br />
invulgar, foi agraciado com a mais<br />
alta condecoração de sua terra.<br />
Que linda cena! Entrar esse homem<br />
valoroso no campo de batalha<br />
com uma das mãos portando a espada,<br />
desferindo golpes, e com a outra<br />
segurando o escudo e o Rosário.<br />
É de se notar como o ambiente<br />
que cerca os objetos de piedade foi<br />
mudando ao longo dos séculos, por<br />
causa da influência do espírito “heresia<br />
branca” 2 . Quem, vendo hoje<br />
um Rosário, diria: “Esse objeto me<br />
lembra um guerreiro”? Pelo contrário,<br />
a maioria das pessoas associará<br />
o Rosário a um símbolo do homem<br />
incapaz de guerrear, de tal manei-<br />
C omentarei uma ficha a respeito<br />
de São Nicolau de Flue, ti-<br />
rada do livro Os Santos Militares,<br />
do Pe. Charles Profillet 1 .<br />
Inclinação para a<br />
vida contemplativa<br />
Nicolau de Flue nasceu no dia 25<br />
de março de 1417, falecendo no mesmo<br />
dia, no ano de 1487. Era natural<br />
do cantão de Unterwalden, na Suíça.<br />
Filho de modestos agricultores, demonstrou,<br />
desde criança, aptidões invulgares<br />
de inteligência e piedade.<br />
Por isso seus pais procuraram dar-lhe<br />
uma educação um pouco melhor daquela<br />
que seria ministrada a um futuro<br />
lavrador. Nicolau sentia enorme inclinação<br />
para a vida contemplativa.<br />
Tinha visões que o convidavam a isso.<br />
Mortificava-se tão violentamente<br />
que sua mãe temeu por sua saúde<br />
e procurou orientá-lo nesse sentido. É<br />
interessante que, mesmo com tal vocação,<br />
Nicolau casou-se, tendo numerosa<br />
prole e atingindo seus descendentes<br />
as mais altas dignidades do país.<br />
Casado, continuou com seu gênero<br />
de vida: levantava-se cada noite para<br />
rezar e todos os dias recitava o Saltério<br />
em honra de Nossa Senhora.<br />
Aos 23 anos foi ele chamado a lutar<br />
contra o cantão de Zurique, que se<br />
rebelara contra a Confederação Helvética.<br />
Já naquele tempo, a Suíça era dividida,<br />
como hoje, em cantões, ou seja,<br />
províncias tão pequenas que quase<br />
poderiam ser comparadas a municípios.<br />
Na época de São Nicolau de<br />
Flue, esses cantões eram quase completamente<br />
independentes uns dos<br />
outros. Tinham uma vaga confederação<br />
e viviam numa certa luta entre si,<br />
porque a influência política dentro<br />
da Suíça era disputada pelos países<br />
vizinhos. Cada grupo de cantões – de<br />
língua francesa, alemã, italiana, etc.<br />
– era trabalhado pela potência que<br />
lhe era afim.<br />
Então, isso proporcionava um jogo<br />
político muito intenso. É preciso<br />
considerar que esse foi o século militar<br />
da Suíça. Foi nesse período que<br />
os suíços começaram a se revelar<br />
grandes militares, fornecendo tropas<br />
mercenárias para a Europa inteira.<br />
A Guarda Suíça, que ainda serve<br />
os Papas, é uma reminiscência dessa<br />
tradição. Portanto, nessa época a<br />
Suíça ia entrando no seu período, relativamente<br />
ráp ido, de glória militar.<br />
Numa das mãos a espada,<br />
noutra o Rosário<br />
Que linda cena! Entrar esse homem valoroso<br />
no campo de batalha com uma das mãos<br />
portando a espada, desferindo golpes, e com<br />
a outra segurando o escudo e o Rosário.<br />
27
HAGIOGRAFIA<br />
Alpöhi (CC3.0)<br />
ra a mentalidade “heresia branca”<br />
foi transformando a fisionomia moral<br />
do católico, e a ideia do católico<br />
guerreiro foi se apagando. Ora, essa<br />
é uma grave injustiça para com o Rosário.<br />
Contínuas visões,<br />
mesmo exercendo os<br />
mais variados ofícios<br />
Ao voltar para casa, quiseram fazê-lo<br />
prefeito, mas ele não aceitou por<br />
causa da humildade de sua origem.<br />
Vejam a beleza do espírito de hierarquia!<br />
Ofereceram-lhe um cargo<br />
público, mas ele declara não querer<br />
exercer tal função por ser de uma<br />
origem muito humilde, em respeito<br />
às pessoas de condição mais alta que<br />
havia em seu cantão.<br />
Entretanto, exerceu com rara habilidade<br />
o cargo de juiz. Deixou-o após<br />
nove anos, para se dedicar exclusivamente<br />
ao cuidado de sua alma.<br />
Suas visões não o deixavam. Guardando<br />
o rebanho viu, certa ocasião…<br />
Isso precisa ser visto na atmosfera<br />
suíça. Devemos imaginar uma montanha<br />
na Suíça, com o gado em suas encostas,<br />
aquela paisagem muito bonita,<br />
São Nicolau tocando, ao pôr do sol,<br />
um chifre que serve de corneta para<br />
reunir todo o gado. Depois, rezando o<br />
Angelus sozinho e se dirigindo ao estábulo<br />
para guardar os animais.<br />
Que bela a simplicidade desse homem<br />
que, tendo sido guerreiro, escolhido<br />
para prefeito e juiz, recolhe-se à<br />
vida privada e vai guiar rebanhos.<br />
Ademais, durante todo o tempo<br />
ele teve visões. A ficha afirma: “Suas<br />
visões não o deixavam.” Quer dizer,<br />
tanto enquanto guerreiro, como juiz<br />
e pastor, ele tinha visões.<br />
Então, num tribunalzinho do lugar<br />
está sentado o juiz Nicolau de<br />
Flue. Enquanto as pessoas discutem<br />
para decidir uma causa, de repente,<br />
o olhar dele se torna extático, sua<br />
face se ilumina, ele vê uma cena celeste<br />
qualquer, todo mundo para, os<br />
ódios se desarmam. Quando cessa a<br />
visão, as partes estão reconciliadas e<br />
o pleito está resolvido.<br />
Há algo mais bonito do que um<br />
pastor ter visões nas encostas dos<br />
Alpes? Coisa maravilhosa! Naquela<br />
natureza poética, ele toca o olifante<br />
e, de repente, ouve um Anjo<br />
que continua o seu toque. Esse Anjo<br />
vai para os Céus e o gado se recolhe<br />
tranquilamente ao redil, guiado<br />
por outro espírito angélico. Está feita<br />
uma visão, num desses crepúsculos<br />
ou numa dessas auroras feéricas<br />
da Suíça, em que a neve fica rosada,<br />
azul-claro, e o céu se tinge de todas<br />
as cores... Um Anjo em meio à inocência<br />
daquela natureza é uma coisa<br />
absolutamente superior!<br />
Não vulgarizar os favores<br />
celestes recebidos<br />
Visão de São Nicolau - Paróquia e Santuário de Sachseln, Suíça<br />
Guardando o rebanho viu, certa ocasião,<br />
um lírio maravilhoso que saía de<br />
sua própria boca e elevava-se até as nu-<br />
Peter elektro (CC3.0)<br />
28
Nessas contendas,<br />
com certeza, uma<br />
das partes não tinha<br />
razão – quando não<br />
acontecia de ambas<br />
as partes estarem<br />
de má-fé; para<br />
evitar o derramamento de sangue, os<br />
dois lados iam procurar o Santo. E<br />
São Nicolau de Flue nunca foi malsucedido<br />
na sua missão. Ora, qual<br />
foi a missão em que a ONU foi realmente<br />
bem-sucedida? Ademais, com<br />
que confiança se procurava um Santo,<br />
e com que mil reservas se procura<br />
a ONU... Do que adianta um aparato<br />
jurídico quando falta a santidade?<br />
Pouco antes de morrer, Nicolau foi<br />
atingido por dores violentas. “Ah, como<br />
a morte é terrível!”, dizia ele. Mas exalou<br />
o último suspiro com grande calma.<br />
Há uma concepção “heresia branca”<br />
segundo a qual o Santo nunca<br />
tem medo de morrer. Ele falevens,<br />
mas caía sobre<br />
a terra e era devorado<br />
por um cavalo. Compreendeu,<br />
então, que<br />
a contemplação das<br />
coisas celestes, em sua<br />
vida, era frequentemente<br />
absorvida pelos<br />
cuidados materiais.<br />
Lindo simbolismo:<br />
um pastor vê<br />
uma haste delgadíssima<br />
e um lírio brilhante<br />
que sobe ao céu. É<br />
uma coisa maravilhosa!<br />
Mas, depois, cai<br />
no chão e um cavalo<br />
o come. “Que coisa<br />
esquisita...”, pensaria<br />
ele. Então conclui<br />
que, embora se<br />
elevasse, às vezes, a<br />
considerações muito<br />
altas, as coisas terrenas<br />
faziam passar essas<br />
considerações.<br />
Se a algum de<br />
nós acontecer de, às vezes, ter algum<br />
pensamento muito elevado e depois<br />
voltar para as coisas da Terra – já<br />
não digo que os cavalos comam, mas<br />
os automóveis esmaguem! –, então<br />
seja devoto de São Nicolau de Flue<br />
que, favorecido até por visões, tinha<br />
o mesmo problema.<br />
É um alento para nós vermos como<br />
os Santos lutaram, tiveram as<br />
mesmas dificuldades que nós; como<br />
Nossa Senhora os acorreu maravilhosamente<br />
porque eles eram homens<br />
de oração e de amor de Deus.<br />
Peçamos a São Nicolau de Flue<br />
a graça, que com certeza ele obteve<br />
nessa ocasião, de não vulgarizar, na<br />
São Nicolau apaziguando os cantões<br />
Paróquia e Santuário de Sachseln, Suíça<br />
vida de todos os dias, os favores celestes<br />
recebidos. Imploremos também<br />
que ele se apiede de nós e se<br />
debruce sobre nossa fraqueza, e dê<br />
estabilidade aos bons pensamentos<br />
que possam passar por nossas almas.<br />
Apaziguador de rixas<br />
entre seus conterrâneos<br />
Abandonou, então, mulher e filhos<br />
e fez-se eremita.<br />
Evidentemente, a mulher deve ter<br />
concordado, do contrário ele não ria Santo.<br />
Tornou-se um extraordinário extático.<br />
Por anos, alimentou-se somente seda<br />
Alpöhi (CC3.0)<br />
Santa Eucaristia, recebida<br />
uma vez por<br />
mês.<br />
Amado e venerado<br />
por seus concidadãos,<br />
que muitas vezes<br />
o chamaram para<br />
apaziguar rixas<br />
entre os cantões, ele<br />
sempre obteve êxito<br />
nessas missões.<br />
Notem o que era<br />
a visão política da<br />
Idade Média, apesar<br />
de já decadente.<br />
Aqueles cantões,<br />
como dissemos, tinham<br />
entre si rixas<br />
que chegavam<br />
a provocar guerras.<br />
29
HAGIOGRAFIA<br />
Björn S. (CC3.0)<br />
ce sempre dizendo: “Ó morte, vinde<br />
a mim!” Não é verdade. Há muitos<br />
Santos que faleceram no terror da<br />
morte, mas Deus os sustentou e quase<br />
todos eles, no fim, tiveram uma<br />
morte calma. São Nicolau de Flue<br />
sentiu dores violentíssimas e dizia:<br />
“Como a morte é terrível!” Mas, depois,<br />
a morte foi plácida; ele entregou<br />
a alma a Deus na tranquilidade.<br />
Condecorado com<br />
honras militares mesmo<br />
após a morte<br />
Seus restos mortais foram depositados<br />
na igreja de Saxen, aldeia natal do<br />
bem-aventurado. Quem a visita hoje<br />
vê, sob o altar, o esqueleto do “Irmão<br />
Klaus”, como o chamam, ornado de<br />
ouro e diamantes, trazendo ao pescoço<br />
condecorações de numerosas Ordens<br />
militares...<br />
É uma coisa linda! Como ele foi<br />
santo e militar, as grandes ordens militares<br />
mandam-lhe condecorações com<br />
as quais se cobre o cadáver. De maneira<br />
que esse homem, que em vida teve<br />
apenas uma lutazinha entre os cantões,<br />
está constelado de comendas de<br />
Ordens militares. Notem o respeito à<br />
santidade que isso significa!<br />
…que foram conquistadas pelos seus<br />
descendentes ao servirem outros países.<br />
Isso é muito bonito também. Os<br />
descendentes desse Santo, ao conquistarem<br />
insígnias, enviam para ser<br />
postas sobre o cadáver dele e o condecoram<br />
com elas. Vejam que respeito<br />
à tradição e que amor ao passado<br />
isso indica! A Europa está<br />
cheia de ensinamentos desses.<br />
Aqueles que negam qualquer valor<br />
à hereditariedade levam com isso um<br />
verdadeiro soco. O herói que tira a condecoração<br />
do peito para honrar o San-<br />
to, seu antepassado, dá a entender ser<br />
mais bonito descender de São Nicolau do<br />
que estar coberto de todas as honras da<br />
Terra. Essa atitude é densa, cheia de significado.<br />
Ah, Europa sagrada!<br />
Predicados de um<br />
perfeito guerreiro<br />
Um contemporâneo descreveu o<br />
Beato Nicolau como um homem de estatura<br />
elevada; sua cela tinha seis pés<br />
de altura, o que era o limite extremo<br />
para ele se manter de pé. Magro, a ponto<br />
de parecer feito somente de pele e ossos.<br />
Sua pele era bronzeada. À medida<br />
que foi envelhecendo, o cabelo, no alto<br />
de sua cabeça, adquiriu um tom cinza<br />
escuro. Duas mechas de barba desciam<br />
de seu queixo. Tinha os olhos negros<br />
e serenos, o olhar enérgico e penetrante.<br />
O som de sua voz era másculo,<br />
digno e imponente.<br />
Que beleza! Assim deve ser um homem.<br />
Como isso é diferente de certas<br />
imagens que se veem em igrejas, onde<br />
se tem a impressão de que se aquela<br />
figura falasse emitiria um som roufenho<br />
e amolecido.<br />
Seus pés tocavam a terra, mas seu espírito<br />
parecia pairar nas regiões celestes.<br />
Enfim, está feito nosso preito de admiração<br />
a São Nicolau de Flue. Que ele<br />
nos dê coragem para, nos dias difíceis<br />
que esperam todo homem contemporâneo,<br />
podermos caminhar para o inimigo<br />
empunhando uma arma, o Rosário, e<br />
tendo visões e revelações. Esse é o guerreiro<br />
perfeito!<br />
❖<br />
(Extraído de conferência de<br />
6/4/1971)<br />
1) Não dispomos dos dados bibliográficos<br />
da obra citada.<br />
São Nicolau de Flue<br />
Igreja de Mammern, Suíça<br />
2) Expressão metafórica criada por <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong> para designar a mentalidade<br />
sentimental que se manifesta na piedade,<br />
na arte e na cultura em geral.<br />
As pessoas por ela afetadas se tornam<br />
moles, medíocres, pouco propensas à<br />
fortaleza, assim como a tudo que signifique<br />
esplendor.<br />
Pingelig (CC3.0)<br />
30
LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
Samuel Holanda<br />
Parece um conto<br />
de fadas!<br />
A Torre de Belém dá<br />
a impressão de ser<br />
um castelo completo<br />
e não apenas uma<br />
torre. Ela tem a<br />
pompa, a imponência,<br />
o entretenimento de<br />
uma fortificação. Suas<br />
pedras brancas ao Sol<br />
possuem particular<br />
encanto, parecendo<br />
um conto de fadas. Já<br />
a Catedral de Sevilha<br />
é uma fortaleza meio<br />
eclesiástica e uma<br />
igreja meio fortaleza.<br />
César Torres (CC3.0)<br />
31
LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
Pedro Simões (CC3.0)<br />
Asimples vista da Torre de Belém sempre me<br />
produziu uma impressão parecida, na ordem<br />
natural, com o que seria um êxtase na<br />
ordem sobrenatural. Êxtase é uma atitude da alma<br />
quando há uma comunicação de Deus para com ela,<br />
que a faz ficar fora de si. Há coisas que na ordem natural<br />
podem produzir êxtases. Essa torre me produziu<br />
sempre um êxtase.<br />
Pompa, imponência e<br />
entretenimento de um castelo<br />
Daniel VILLAFRUELA. (CC3.0)<br />
Quando fui a Lisboa, visitei-a detida, prolongada e<br />
embevecidamente, mas não realizei o programa que tinha<br />
a respeito dela. Quem sabe se Nossa Senhora me<br />
dará a oportunidade de fazer isso algum dia: ir até lá à<br />
noite, inteiramente só, dar várias voltas à torre. Mais<br />
ainda, ter uma lancha à minha disposição, de maneira<br />
a poder contemplá-la a várias distâncias no Tejo. Isso<br />
para me fazer a ideia de qual era a atitude de alma de<br />
um missionário ou de um navegante português quando<br />
saía em direção ao Atlântico e via a Torre de Belém<br />
ficando menor… que saudades e embevecimento ela lhe<br />
causaria. E quando voltava e a observava ficar cada vez<br />
maior, que impressão ele experimentava.<br />
Esse edifício dá de tal maneira a impressão de ser um<br />
castelo inteiro, e não uma simples torre, que nos perguntamos<br />
como uma torre pode ser tão bela. Ela tem a pompa,<br />
a imponência, o entretenimento de um castelo, com isso<br />
de lindo: parece um conto de fadas! Sensação causada pela<br />
pedra branca com que é construída, e cujo brilho ao Sol<br />
tem um particular encanto, mas também por um predicado<br />
que se encontra em várias obras de arte portuguesas, e me<br />
agrada muito: o contraste entre o liso e o sobrecarregado.<br />
Notamos que as paredes da torre são inteiramente lisas,<br />
e sua monotonia é remediada, com vantagem, apenas pelo<br />
seguinte: de alto a baixo, uma linha constituída de uma<br />
primeira janela, depois dois pequenos arcos geminados e<br />
divididos por uma coluna graciosa, formando uma só janela.<br />
Em seguida, um terraço com dossel e dois pequenos<br />
arcos que repetem os de cima. Esse terraço é intensamente<br />
ornamentado e muito bonito. Temos então, reunidos numa<br />
superfície pequena, uma sobrecarga de ornatos que seria<br />
quase uma caixa de joias, um escrínio e não um terraço.<br />
Beleza artística e utilidade militar<br />
Logo abaixo temos a unidade assegurada pela última<br />
janela, muito simples, que repete a primeira. Assim, o<br />
epílogo lembra o início. São Tomás dizia que o círculo é<br />
uma figura perfeita porque volta à sua origem, pois tudo<br />
quanto retorna ao seu ponto de partida é perfeito. É<br />
bonito que o ponto de chegada desta linha perpendicular<br />
seja tão semelhante ao ponto de partida, pois essas duas<br />
janelas – a primeira e a última – são iguais.<br />
Notem também, para quebrar a monotonia, essas<br />
guaritas colocadas simetricamente bem nos ângulos da<br />
torre, todas com as mesmas características: o teto muito<br />
sobrecarregado, constituído de vários gomos e encimado<br />
por um cone, no alto do qual encontra-se uma esfera.<br />
32
Carlos L M C da Cruz (CC3.0)<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
O resto, simplicíssimo. Uma simples janela, como costumam<br />
ter as guaritas, cuja pobreza, nudez e singeleza<br />
lembram a primeira e última janelas acima comentadas.<br />
Considerem as ameias da torre. É um alto terraço circular<br />
destinado, evidentemente, a verificar o que dia e<br />
noite se passa ao redor. A torre é concebida para se defender<br />
ela mesma contra um ataque do adversário. Mostrarei,<br />
em breve, os aspectos militares da torre.<br />
No que seria o parapeito, a torre tem uma série de<br />
brasões das casas fidalgas ilustres de Portugal. Cada<br />
uma dessas pontas é um brasão, lembrando as glórias<br />
das casas aristocráticas portuguesas. Uma porta dá<br />
acesso para um salão interno, onde os guardas descansavam<br />
e tomavam refeição.<br />
É muito bonita a altaneria e dignidade dessas várias<br />
divisas lembrando as glórias de Portugal. Assim, ao invés<br />
dos muros “dentados”, como costumam ser as edificações<br />
deste tipo da Idade Média, os “dentes” são representados<br />
por esses emblemas. Reparem como eles têm<br />
uma dignidade, um peso, um tamanho e uma força extraordinários.<br />
No intervalo entre um brasão e outro, o<br />
soldado atirava setas e, mais raramente, projéteis de armas<br />
de fogo primitivas que, na época em que a torre foi<br />
construída, apenas começavam a ser usadas. Feito o disparo,<br />
os combatentes se escondiam atrás dos brasões de<br />
pedra, de maneira a não serem facilmente apanhados.<br />
Vemos, assim, como a beleza artística coincide com a<br />
utilidade militar. O fato mesmo de haver tão poucas janelas<br />
é para defesa, limitando a entrada na torre. Por isso<br />
também a janela de baixo é muito simples e não tem<br />
terraço, para ninguém se pendurar e ficar atacando para<br />
dentro. Ademais, é janela com grade. Tudo com a preocupação<br />
de fazer da torre um uso militar.<br />
O unum se perde no céu<br />
No centro da torre ergue-se um torreão menor do que<br />
ela a fim de dar espaço para a ronda. Há, portanto, duas<br />
rondas: uma no alto, e outra embaixo. Há nisso uma razão<br />
militar muito boa, pois amplia muito o campo de visão<br />
e a possibilidade do acerto nos disparos.<br />
Mas além da razão militar existe uma vantagem estética.<br />
A torre assim como está impressiona muito, mas<br />
deixa na vista uma ilusão que resolve o seguinte problema:<br />
vemos a parte mais larga da torre e, acima dela, a<br />
mais estreita. Entretanto, em cima não existe um unum.<br />
Ora, tudo nesse monumento pede que haja um unum; essas<br />
guaritas pedem um unum. Onde ele está?<br />
A ideia é que o unum se perde no céu. É um unum meio<br />
imaginário, como seria e do cone do Fuji-Yama. Essa ideia<br />
é insinuada pela diferença da largura entre as duas partes<br />
da torre. A parte menor cria na imaginação, subconscientemente,<br />
a ilusão de outras menores que se sucedem, perdendo-se<br />
no céu, o que tem, portanto, uma grande beleza.<br />
Se considerarmos esse terraço na base da torre, que<br />
é a primeira linha da defesa dessa fortificação, percebemos<br />
mais uma vez os escudos e as guaritas repetindo o<br />
elemento ornamental de cima. Embaixo vemos janelas<br />
gradeadas, que dão para o calabouço, pois no porão da<br />
torre existiam prisões.<br />
33
LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
Gabriel K.<br />
É muito bonita a largura desse terraço, porque tem<br />
uma certa relação estética com a altura da torre, fazendo<br />
com que o todo pareça muito amplo, quando na realidade<br />
é simplesmente uma torre. Essa torre está para o<br />
terraço mais ou menos como a rainha estaria para a cauda<br />
de seu vestido. O terraço é uma espécie de projeção,<br />
de cauda magnífica da torre. A rainha de pedra tem uma<br />
cauda também de pedra e olha altiva para a cidade, e dominadora<br />
para o mar. A posição é muito bonita.<br />
Cabral e Dom João VI<br />
Nesse terraço, quando partiam as esquadras portuguesas,<br />
às vezes o próprio rei vinha apreciar a partida<br />
da armada, acompanhado da rainha e outros membros<br />
da família real, com a corte, prelados, guerreiros, magistrados,<br />
que enchiam as muralhas e janelas da torre com<br />
pessoas esplendidamente vestidas. Desses terraços pendiam<br />
tapeçarias, e o colorido era magnífico. Podemos<br />
imaginar a beleza daqueles galeões avançando com o estandarte<br />
da Ordem de Cristo. Uma esquadra com cinco,<br />
oito navios, cânticos do lado de cá, cânticos do lado<br />
de lá. Quando as naus passavam diante do rei, reverência,<br />
com salvas de tiros no tempo das armas de fogo; e as<br />
naus desapareciam aos poucos no Atlântico.<br />
Pela Torre de Belém passou a esquadra de Cabral que<br />
vinha introduzir no mundo essa realidade chamada Brasil.<br />
Por ali passou também – em condições quão diferentes,<br />
mas não despidas de dignidade, nem de glória – a<br />
esquadra na qual Dom João VI vinha fugindo de Junot.<br />
À última hora, quando estava tudo pronto para partir,<br />
deu-se um episódio pitoresco. Ouviu-se do cais: “Para!<br />
Para!” Era um homem que vinha trazendo mais uma escrivaninha<br />
preciosa, esquecida no palácio real.<br />
Aliás, a partida de Dom João VI foi muito bem preparada.<br />
O monarca trouxe todo o ouro do tesouro de Portugal,<br />
o mobiliário dos palácios dele, obras de arte, joias,<br />
e até sardinhas, das quais ele gostava muito e sabia não<br />
haver no Brasil. De maneira que quando comermos sardinhas<br />
frescas, lembremo-nos de que elas descendem<br />
das sardinhas trazidas por Dom João VI.<br />
“Quem não viu Sevilha, não viu maravilha”<br />
Consideremos um outro monumento, agora na Espanha:<br />
a Catedral de Sevilha. Ela nos lembra um antigo<br />
provérbio português: “Quem não viu Sevilha, não viu<br />
maravilha.” Encontramos nesse edifício algo, mas muito<br />
pouco, do que elogiei na Torre de Belém. Essas duas<br />
torres laterais são muito ornadas. Entre elas, um espaço<br />
simples, com fundo claro e um gradeado muito bonito de<br />
ogivas e rosáceas, que fazem o contraste do simples com<br />
o muito embelezado.<br />
Vê-se uma faixa grande e muito ornada com imagens<br />
de Santos encimados por dosséis. Por cima do fundo simples<br />
ao qual aludi, encontra-se o portal com um triângulo<br />
34
magnífico, que é uma expressão da ogiva e, embaixo, uma<br />
porta ogival profunda. Em cima há algo parecido com<br />
aquela diminuição da Torre de Belém e, depois, também<br />
um terraço como no alto daquela torre. Essas guaritas no<br />
canto lembram igualmente a Torre de Belém. Não creio<br />
que isso tenha sido inspirado nela, mas são afinidades de<br />
estilo, muito compreensíveis entre Espanha e Portugal.<br />
A meu ver, o bonito dessa porta é que ela tem qualquer<br />
coisa de monumental. As torres têm uma altivez, levantam-se<br />
do chão com muita decisão e galhardia. Temos<br />
a impressão de que elas seguram o chão como se<br />
fossem garras, e sobem ao céu com uma segurança, uma<br />
inteira despreocupação do perigo de cair, e que sustentam<br />
o peso em cima com uma completa facilidade. Mais<br />
ainda, tenho a impressão de que elas olham do alto de<br />
si mesmas para a terra e para os pobres transeuntes, de<br />
cima para baixo, numa atitude de desafio, quase como<br />
quem diz: “Se ousas, experimenta. Só pela minha fisionomia,<br />
te afugento. É assim que eu sinto a terra.”<br />
Modos inocentes de aproveitar a vida<br />
Notem como esses arcos, que são arrimos das torres,<br />
foram transformados em verdadeiros ornatos pelos arquitetos<br />
muito artísticos do tempo.<br />
Há qualquer coisa de porta de fortaleza nesse magnífico<br />
portal. É uma característica muito sensível para<br />
mim, agrada-me muito essa fusão. Uma fortaleza meio<br />
eclesiástica e uma igreja meio fortaleza realizam a síntese<br />
de que eu gosto, isto é, os mais altos valores do espírito<br />
defendidos pela força e postos dentro da luta, com a<br />
entrega do homem e o risco da vida.<br />
É, por exemplo, a guerra religiosa, a guerra das almas e<br />
dos corpos, com uma integridade que constitui sua beleza.<br />
Um minúsculo pormenor característico da Península Ibérica<br />
é a palmeirinha, tão presente no Sul da Itália, da Espanha,<br />
de Portugal, mais rara no restante da Europa, frequente<br />
no litoral da África do Norte, tão comum no Brasil.<br />
Outra coisa também minúscula, mas que compõe o<br />
ambiente e o panorama: esse chafariz que provavelmente<br />
servia para os cavalos beberem água.<br />
Termino com um pequeno comentário a respeito das<br />
árvores. Em Granada se vê muito isso: no interior do<br />
Alhambra, aquelas partes muito bonitas, com os chafarizes<br />
cantando. Mais ainda: da fonte vêm sulcos para dentro<br />
dos quartos, com regozinhos que fazem com que a<br />
água brinque e corra em pequenos sulcos dentro do próprio<br />
quarto. Para um lugar quente, que maravilha! Esses<br />
são modos inocentes de aproveitar a vida, que tiram a mania<br />
e a obsessão de impureza. Por causa disso a Revolução<br />
combate o quanto pode para fazer com que a vida virtuosa<br />
seja sem graça. Contra isso, devemos nos levantar. ❖<br />
(Extraído de conferência de 15/1/1977)<br />
Smiley.toerist (CC3.0)<br />
35
O cântico da<br />
Flávio Lourenço<br />
fidelidade<br />
na noite<br />
do crime<br />
Os Anjos puderam contemplar,<br />
após o sepultamento de Nosso<br />
Senhor, talvez no próprio<br />
edifício onde se realizou a Santa Ceia,<br />
Nossa Senhora sozinha, no silêncio daquela<br />
noite, a Terra inteira pecando, e<br />
Ela interrompendo as suas orações para,<br />
com melodias que só os espíritos<br />
angélicos conheceram e nós conheceremos<br />
quando formos para o Céu, cantar<br />
as suas reparações.<br />
Ali estava a Santíssima Virgem, que<br />
compôs o Magnificat, tomando ponto<br />
por ponto, descendo ao abismo de cada<br />
infidelidade e rematando a meditação<br />
por um cântico de fidelidade. Que cena<br />
tocantíssima deveria ser essa! A Mãe<br />
de Deus a passou sozinha, porque ninguém<br />
era digno de presenciá-la, somente<br />
os Anjos.<br />
É uma magnífica maneira de meditarmos<br />
a Paixão nos associarmos a esse<br />
canto da Soledade de Nossa Senhora;<br />
inteiramente só, na noite do crime.<br />
O cântico da maior virtude de toda a<br />
Terra, elevando-se até o Céu.<br />
Maria Santíssima da Paz - Igreja de<br />
Santa Maria, Torredonjimeno, Espanha<br />
(Extraída de conferência de<br />
13/4/1968)