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O Mensageiro das Estrelas - Galileu Galilei - 1610

Livro escrito pelo cientista Galileu Galilei em 1610 sob título original de "Sidereus Nuncius". Livro científico

Livro escrito pelo cientista Galileu Galilei em 1610 sob título original de "Sidereus Nuncius". Livro científico

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EDIÇÕES<br />

DA FUNDAÇAo CALOUSTE GULBENKIAN<br />

TEXTOS CLÁSSICOS - As raízes da cultura estão naquelas obras chama<strong>das</strong> clássicas,<br />

obras cuja mensagem se não esgotou e permanecem fontes vivas do progresso<br />

humano. Por isso a Fundação, ao esquematizar o seu Plano de Edições, julgou que<br />

seria indispensável colocar ao alcance do público lusófono livros que marcassem<br />

momentos decisivos na história dos vários sectores da civilização. Da ciência pura à<br />

tecnologia, da quantidade abstracta ao humanismo concreto, procurar-se-á que os<br />

depoimentos mais representativos figurem nesta nova série editorial. Para dificultar<br />

ao mínimo o acesso do leitor, to<strong>das</strong> as obras serão verti<strong>das</strong> em português e apresen<br />

ta<strong>das</strong> com a dignidade e a segurança que naturalmente lhes são devi<strong>das</strong>. Integrando<br />

na língua pátria estes grandes nomes estrangeiros, supomos contribuir para lima<br />

mais perfeita consciência da própria cultura nacional, cujos clássicos terão tamhém<br />

o lugar que lhes compete no Plano de Edições da Fundação Calouste Gulbenkian .<br />

• GALILEU GALILEI (1564-1642), nascido em Pisa, é um dos maIs célebres<br />

homens de ciência da Europa e uma <strong>das</strong> figuras mais emblemáticas do período llue<br />

se convencionou chamar "revolução científica". Na sequência <strong>das</strong> suas excepcionais<br />

descobertas astronómicas, feitas entre 1609 e 1611 com o auxílio do telescópIo.<br />

iniciou uma ampla campanha em favor do heliocentrismo coperniciano, lançando<br />

um ataque implacável à ftlosofia natural aristotélica, envolvendo-se em debates, disputas<br />

de prioridade, e acesas polémicas que culminariam com um famoso proCt"sso<br />

inquisitorial em 1633. Fez desenvolvimentos da maior importância cicntílic;1 C1I1<br />

mecânica, especialmente no estudo do movimento, e durante a sua carreira dell<br />

aos prelos alguns dos mais influentes textos de ciência do século dez;lscll·.<br />

como o Sidereus Nuncius (<strong>1610</strong>), o II Saggiatore (1623), o Di(//o.go sopri/ / til/r II/I/H;II//<br />

sistemi (1632) e os Discorsi e dill/ostrazioni intorno a d/le n/love scimzr (163!!), G:llllcll i'<br />

habitualmente apresentado como o primeiro cientista moderno. um;1 descnç:io<br />

talvez simplista, mas que sublinha correctamente o facto de. pam além da<br />

notáveis descobertas, ter também desempenhado um papel úniCo na rcdefini 5<br />

' o<br />

<strong>das</strong> metodologias e dos objectivos de várias disciplinas científicas. no uso ino\""t!"t<br />

dos textos impressos de ciência, na implantação de uma retórica ciclHil Ica prúprl;!. C<br />

no lançamento de habilidosas estratégias de aproximação a mCCCIl;\S cientifico .<br />

• Henrique Leitão (n. 1964) é investigador no Centro l ntcrullivnsillino til'<br />

ll.!'<br />

3. a Edição<br />

<strong>Galileu</strong> <strong>Galilei</strong><br />

SIDEREUS NUNCIUS<br />

o MENSAGEIRO DAS ESTRELAS<br />

GaWeu GaWei<br />

História <strong>das</strong> Ciências e da Tecnologia e docente no Mestrado em I IISHíri;\ " \>iI "''' I I;!<br />

da Ciência, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisl!o;l. Tcm llllU<br />

vasta obra publicada sobre diversos aspectos da CIência cumpeia 1105<br />

séculos XV a XVII. É o coordenador da comissão clentific\ cneal regue<br />

da publicação <strong>das</strong> Obras de Pedro Nunes, um projecto da ACldemia dns Cil'll(la l'<br />

da Fundação Calouste Gulbenkian, e foi o coordenador dos projl'CIoS de C:ll .to·<br />

gação e estudo dos impressos e manuscritos cientIficos antigos 11;1<br />

Nacional de Portugal. É membro<br />

1III>Iiol('e.1<br />

de várias associações académir.ls n.lCion.m e<br />

estrangeiras entre as quais se destaca Academia <strong>das</strong> Ciências de LisboJ. a Ill\tory<br />

of Science Society e a European Society for the History of Scic:ncc (mcmbro<br />

do «Scientific Board»). É o único português membro da prestigi.Hh AtJdémic:<br />

Internationale d'Histoire des Sciences.<br />

ISBN 978-972-31-1317-4<br />

111111111111111111111111<br />

9 789 723 113 174<br />

•<br />

Fundação<br />

Calouste<br />

Gulbenkian<br />

3.a Edição<br />

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN<br />

SERVIÇO DE EDUCAÇÃO E BOLSAS


SIDEREUS NUNCIUS<br />

o MENSAGEIRO DAS ESTRELAS<br />

<strong>Galileu</strong> <strong>Galilei</strong>


SIDEREUS NUNCIUS<br />

o MENSAGEIRO DAS ESTRELAS<br />

<strong>Galileu</strong> <strong>Galilei</strong><br />

Tradução, Estudo e Notas por<br />

HENRIQUE LEITÃO<br />

3. a Edição<br />

FUNDAÇÁO CALOUSTE GULBENKIAN<br />

SERVIÇO DE EDUCAÇÃO E BOLSAS


Reservados todos os direitos<br />

de harmonia com a lei<br />

Edição da Fundação Calouste Gulbenkian<br />

Av. de Berna I Lisboa


GALILEU GALILEI (1564-1642)


NOTA DE ABERTURA<br />

É difícil exagerar a importância do Sidereus Nuncius de<br />

<strong>Galileu</strong>. Neste livro delgado, <strong>Galileu</strong> anunciou várias descobertas,<br />

cada uma mais surpreendente e controversa do que a anterior:<br />

a superfície da Lua ser semelhante à da Terra, as inumeráveis<br />

estrelas de que é formada a Via Láctea, os quatro<br />

satélites em torno de Júpiter. Após algumas negociações de<br />

última hora com a corte Medici, em Florença, <strong>Galileu</strong> designou<br />

esses satélites por "<strong>Estrelas</strong> Mediceias". Isto revela que,<br />

para <strong>Galileu</strong>, o Sidereus Nuncius serviu como uma candidatura<br />

a um emprego. Fatigado com o seu cargo rotineiro de professor<br />

de matemática na Universidade de Pádua, <strong>Galileu</strong> viu a<br />

oportunidade de um novo e promissor futuro como matemático<br />

e filósofo da natureza na corte florentina, quando um<br />

"estranho" chegou a Veneza, em Julho de 1609, para apresentar<br />

um dos novos instrumentos recentemente inventado nos<br />

Países Baixos o telescópio. No final de Agosto, <strong>Galileu</strong> já<br />

tinha conseguido fazer um telescópio muito melhor do que o<br />

desse estrangeiro e iniciou a sua série de descobertas surpreendentes<br />

que acabariam, após a publicação do Sidereus Nuncius,<br />

em Março de <strong>1610</strong>, por lhe dar a fama.<br />

Mas não é apenas pelo seu papel singular na carreira pessoal<br />

de <strong>Galileu</strong> que o Sidereus Nuncius é importante. O Sidereus<br />

Nuncius foi um livro que estabeleceu novos standards: para<br />

o papel dos instrumentos nas pesquisas da ciência - <strong>Galileu</strong><br />

7


construiu o seu próprio telescópio melhorado; para o uso de<br />

evidência visual na disciplina da astronomia embora não<br />

fosse a primeira vez, as imagens nunca haviam sido tão importantes<br />

como as gravuras lunares do Sidereus Nuncius; para a<br />

definição da disciplina de astronomia como parte da filosofia<br />

natural (ou da física, como diríamos hoje) - o livro foi entendido<br />

como uma defesa do copernicianismo. Por to<strong>das</strong> estas<br />

razões celebrámos 2009, quatrocentos anos depois <strong>das</strong> primeiras<br />

observações telescópicas de <strong>Galileu</strong>, como o Ano Internacional<br />

da Astronomia. As celebrações começaram em 2008 com uma<br />

conferência comemorando o primeiro pedido de patente para<br />

um telescópio pelo vidreiro oculista de Middelburg, Hans Lipperhey,<br />

em Setembro de 1608. O ano de 2009 assistiu a uma<br />

série de conferências sobre <strong>Galileu</strong> e a história da astronomia,<br />

que tiveram lugar em locais desde o Médio Oriente à Europa<br />

e à América Latina, dirigi<strong>das</strong> a to<strong>das</strong> as audiências, desde especialistas<br />

até crianças. No momento em que escrevo, em Janeiro<br />

de 2010, o pó de toda esta actividade começa a assentar. Celebrámos,<br />

mas será que também aprendemos algo?<br />

O Sidereus Nuncius de <strong>Galileu</strong> é um livro de tal modo<br />

importante que cada geração de estudiosos retorna a ele, descobrindo<br />

sempre novos ângulos: Mario Biagioli sublinhou a<br />

importância do mecenato; historiadores de arte, de Samuel Y.<br />

Edgerton a Horst Bredekamp, discutiram a importância dos<br />

contextos artísticos para as imagens lunares do Sidereus Nuncius;<br />

e outros, como Fernand Hallyn, tornaram as qualidades<br />

literárias e poéticas do livro inteligíveis para todos nós. Esta<br />

atenção renovada e interdisciplinar é talvez a melhor evidência<br />

da importância do livro, não apenas como texto científico, mas<br />

como um produto de cultura, com o qual cada nova geração se<br />

tem de enfrentar, analisando, contextualizando e traduzindo-o.<br />

Talvez o aspecto mais notável do trabalho recente sobre <strong>Galileu</strong>,<br />

o telescópio e o Sidereus Nuncius, que veio à superfície,<br />

mais ou menos, nos últimos dois anos (enquanto celebrávamos),<br />

tenha sido a importância da cultura material na astrono-<br />

8


mia de <strong>Galileu</strong>. Foi feita investigação acerca <strong>das</strong> lentes e 6culos<br />

que antecederam as de <strong>Galileu</strong>, que nos ajuda a compreender<br />

quão importante a artesania e o talento prático foram para o<br />

telesc6pio. Veio à luz do dia uma lista de compras de <strong>Galileu</strong>,<br />

escrevinhada nas costas de uma carta, que mostra como <strong>Galileu</strong>,<br />

insatisfeito com as lentes que conseguia adquirir, recolheu<br />

os materiais e as técnicas para construir o melhor telescópio da<br />

altura. Além disso, cuidadosas investigações de exemplares do<br />

próprio livro, por Albert van Helden, Owen Gingerích e Horst<br />

Bredekamp, revelaram tanta informação nova que podemos<br />

agora seguir a composição do Sidereus Nuncius quase dia a dia.<br />

Mas tudo isto se pode ler nas páginas da excelente introdução<br />

pelo distinto historiador da ciência Henrique Leitão.<br />

H. Leitão recolhe toda a erudição relevante sobre <strong>Galileu</strong>,<br />

o telescópio, e o Sidereus Nuncius, numa bela síntese que<br />

(estou convencido) definirá o standard por muitos anos. Mas o<br />

leitor também encontrará muito para desfrutar sobre a perspectiva<br />

portuguesa deste famoso episódio da história da ciência,<br />

que merece ser melhor conhecida fora de Portugal. É seguido<br />

pela primeira tradução do Sidereus Nuncius feita em Portugal.<br />

Isto torna este livro de uma importância cultural singular para<br />

todos os que são menos versados em Latim, mas não em<br />

conhecimentos e cultura algo que <strong>Galileu</strong>, que escreveu<br />

sobretudo em italiano, teria certamente apreciado.<br />

SVEN DupRf<br />

Ghent, Janeiro 2010<br />

9


PREFAcIO<br />

Quatrocentos anos volvidos após a sua publicação original<br />

em Veneza, surge agora, pela primeira vez no nosso país, uma<br />

tradução para português do Sidereus Nuncius (<strong>1610</strong>), uma obra<br />

que pode, sem qualquer exagero, ser considerada a mais<br />

emblemática, a mais perturbadora, mas também a mais acessível<br />

de to<strong>das</strong> quantas compõem o excepcional panteão dos textos<br />

da "Revolução Científicà'. O Sidereus Nuncius é o livro em<br />

que <strong>Galileu</strong> <strong>Galilei</strong> (1564-1642) deu a conhecer as novidades<br />

que descobrira com o telescópio, e é seguramente uma <strong>das</strong><br />

mais importantes obras em toda a história do pensamento<br />

científico. Não são necessárias, portanto, grandes justificações<br />

para o aparecimento desta tradução portuguesa. Pelo contrário,<br />

dir-se-ia que, antes mesmo da leitura, se impõe um momento<br />

de reflexão acerca do que parece ser um estranho atraso de<br />

quatro séculos.<br />

Há algo de preocupante na circunstância de se ter chegado<br />

ao século XXI sem existir uma tradução portuguesa<br />

do Sidereus Nuncius feita no nosso país (existe, contudo, uma<br />

tradução feita no Brasil). A bem dizer, quase nada do que<br />

<strong>Galileu</strong> escreveu foi alguma vez traduzido em Portugal, o<br />

que não só nos coloca numa posição diferente de praticamente<br />

todos os outros países do mundo ocidental, mas denuncia<br />

uma real falta de interesse pela obra do famoso cientista, a despeito<br />

dos inúmeros protestos de admiração e do tom deda-<br />

11


matórÍo e moralista em que muitas vezes se redigem textos<br />

sobre ele. l<br />

<strong>Galileu</strong> parece ter adquirido, na sociedade portuguesa, o<br />

estatuto paradoxal do ícone do homem de saber, de curiosidade<br />

fervilhante, apaixonado pelo conhecimento, com um espírito<br />

indómito em busca da verdade, mas que não suscita pelo<br />

seu exemplo, nem curiosidade, nem amor ao saber, ao estudo e<br />

à investigação. Pelo menos no que diz respeito à sua própria<br />

obra isso é certo. Há aqui, parece-me, muita matéria para a<br />

reflexão dos especialistas em questões de sociedade, e talvez a<br />

sugestão de alguma prudência nas análises que, com demasiada<br />

facilidade, equacionam "cultura científica" com a popularidade<br />

de certos nomes e a transacção de chavões.<br />

O trabalho que agora se apresenta não se dirige, evidentemente,<br />

ao especialista; tem, sobretudo, um propósito de divulgação<br />

junto de um público culto e informado, mas desconhecedor<br />

dos meandros da erudição galileana. O especialista nunca<br />

dispensará a leitura do texto de <strong>Galileu</strong> na versão latina original,<br />

mas o mesmo já não se pode pedir ao amador, por muito<br />

interessado que seja por estes temas. Por esta razão, não se justificava<br />

que se preparassem anotações muito detalha<strong>das</strong> e muito<br />

técnicas, numa edição que tem propósitos de leitura amplos.<br />

1 À parte alguns textos dispersos, por vezes incluídos em obras<br />

didácticas ou em compilações várias, só conheço as seguintes traduções:<br />

I) GALILEU GALILEI, Cartas, Discussões, DUlogos. Tradução e Prefácio de<br />

António Dias Gomes (Lisboa: Delfos, 1970), com excertos muito reduzidos<br />

da correspondência, documentos e algumas obras de <strong>Galileu</strong>, e Íl)<br />

GALILEU GALILEI, Diálogo dos Grandes Sistemas: Primeira Jornada. Tradução<br />

de Mário Brito; anotação e prefácio de José Trindade Santos (Lisboa:<br />

Gradiva, 1979; com edições posteriores). No panorama geral de quase<br />

total desinteresse pela obra de <strong>Galileu</strong>, só pode haver palavras de louvor<br />

para os que se envolveram na tarefa, sempre difícil, de dar a conhecer<br />

esses trabalhos ao público português. Mas, dito isto, tem de prevenir-se o<br />

leitor de que nenhuma dessas traduções, nem os textos que as acompanham,<br />

foi feita por um historiador de ciência, nem por pessoas familiariza<strong>das</strong><br />

com os contributos de <strong>Galileu</strong>.<br />

12


Mas, por outro lado, sem os elementos essenCiaIS de contextualização<br />

e alguns esclarecimentos pontuais, a obra seria<br />

dificilmente compreensível para o leitor actual. Nenhum texto<br />

flutua a-historicamente sobre a época em que foi escrito,<br />

encontrando-se sempre relacionado com as polémicas, as personagens<br />

e o espírito do seu tempo, de maneira que a compreensão<br />

fica muito melhorada com o esclarecimento destes<br />

elementos externos.<br />

A decisão de preparar uma versão portuguesa destinada a<br />

um público culto, mas não especializado, corresponde também<br />

à intenção que moveu <strong>Galileu</strong> a escrever a sua obra. O uso do<br />

latim - que <strong>Galileu</strong> abandonou em trabalhos posteriores -<br />

revela que visava uma audiência instruída e internacional, mas<br />

a estrutura e o conteúdo do livro foram pensados de modo a<br />

permitir a leitura pelos que eram pouco versados em astronomia<br />

ou nas ciências matemáticas.<br />

Como sucede com todos os grandes textos da cultura ocidental,<br />

a variedade e riqueza de traduções, para diversos idiomas,<br />

entre as quais se encontram algumas de excelente qualidade,<br />

significa que todos os problemas de compreensão e/ou<br />

tradução se acham resolvidos, e que to<strong>das</strong> as passagens de<br />

interpretação dúbia foram já amplamente discuti<strong>das</strong> e analisa<strong>das</strong>.<br />

Há, de facto, uma vasta literatura em torno do Sídereus<br />

Nuncíus e, como ficará evidente no que segue, sou imensamente<br />

devedor desses trabalhos, que usei com abundância e a<br />

que me refiro com frequência.<br />

Mas o livro que agora se apresenta tentou atingir algumas<br />

metas que o distinguem de outras traduções e edições em circulação.<br />

Em primeiro lugar, foi feito um esforço para trazer ao<br />

conhecimento do leitor os estudos mais actuais. A quantidade<br />

de trabalhos sobre <strong>Galileu</strong> não tem cessado de aumentar, com<br />

desenvolvimentos de grande importância nas últimas duas<br />

déca<strong>das</strong>. Incluir os dados mais recentes e dar indicação dos<br />

estudos mais modernos da historiografia galileana foi aqui uma<br />

obrigação.<br />

13


Em segundo lugar, nos dias de hoje praticamente todos os<br />

materiais que se referem neste livro, quer fontes, quer literatura<br />

secundária, encontram-se com muita facilidade, estando a<br />

maior parte deles já disponibilizados online. Para dar apenas o<br />

exemplo mais significativo, a monumental edição <strong>das</strong> Opere di<br />

Galileo <strong>Galilei</strong>, por Antonio Favaro, que é o elemento de trabalho<br />

imprescindível para qualquer interessado em assuntos<br />

galileanos, está hoje integralmente disponível online, sem qualquer<br />

custo. Na verdade, os estudos eruditos sofreram uma<br />

revolução silenciosa nos últimos dez anos, motivada pelo facto<br />

de o acesso às fontes ser hoje quase instantâneo. Publicar um<br />

livro sobre <strong>Galileu</strong>, em 2010, sem levar isto em conta, seria<br />

uma tolice. As indicações de fontes primárias que aqui se dão,<br />

além de preencherem um dos quesitos básicos de qualquer trabalho<br />

erudito, são um convite ao leitor a que, agora que o<br />

pode fazer com toda a comodidade em sua casa, explore com<br />

algum pormenor esses documentos.<br />

Finalmente, em terceiro lugar, há aspectos relativos à<br />

divulgação <strong>das</strong> descobertas telescópicas de <strong>Galileu</strong> - e do próprio<br />

telescópio - em Portugal a que se deu um especial destaque<br />

neste trabalho. A história <strong>das</strong> novidades galileanas e do<br />

telescópio entre nós é um dos episódios mais interessantes da<br />

nossa história científica, reflexo do período particularmente<br />

rico e internacional da ciência portuguesa que foram as primeiras<br />

déca<strong>das</strong> do século XVII. Pareceu-nos adequado recordar<br />

aqui esses factos, ainda que brevemente.<br />

* * *<br />

Este livro tomou forma no âmbito <strong>das</strong> comemorações de<br />

2009: Ano Internacional da Astronomia. Agradeço ao Prof João<br />

Fernandes, coordenador destas celebrações em Portugal, ter-me<br />

lançado o desafio que me levou a converter uma tradução<br />

esquemática, e algumas notas dispersas que coligira, numa obra<br />

que se espera consistente e satisfatória. Na Fundação Calouste<br />

Gulbenkian, agradeço ao Dr. Manuel Carmelo Rosa, que<br />

14


acompanha já há anos outros projectos editoriais em que estou<br />

envolvido, e que acompanhou também este com a sua habitual<br />

combinação de profissionalismo, simpatia e suave insistência no<br />

cumprimento de prazos. Ainda na Fundação Gulbenkian, tive,<br />

também, a oportunidade de discutir alguns dos assuntos aqui<br />

tratados com o Ptof. João Caraça, que além disso me indicou<br />

bibliografia e deu sugestões; para ele também o meu agradecimento.<br />

Aos meus colegas e amigos Ana Simões, Bernardo Mota,<br />

Carlota Simões, Guilherme de Almeida, João Filipe Queiró,<br />

José Vaqueto, Luís Miguel Carolino, Luís Tirapicos e Samuel<br />

Gessner, tenho a agradecer muitas conversas em torno dos<br />

assuntos desta obra, correcções, sugestões e esclarecimentos<br />

demasiados para enumerar, o empréstimo de bibliografia ou<br />

apenas as simples, mas importantes, palavras de estímulo. Devo<br />

um agradecimento muito especial ao Prof. Domingos Lucas<br />

Dias, que há muitos anos, com uma generosidade e uma<br />

paciência que ainda hoje me enchem de espanto, me introduziu<br />

na beleza e na precisão da língua latina, e agora me auxiliou<br />

uma vez mais, eliminando alguns erros e sugerindo muitos<br />

melhoramentos de estilo na minha tradução. Como é evidente,<br />

quaisquer lapsos ou infelicidades estilísticas que ainda subsistam<br />

são da minha inteira responsabilidade. Estou também particularmente<br />

reconhecido ao Dr. Sven Dupré, um dos maiores<br />

especialistas da actualidade no telescópio de <strong>Galileu</strong>, que tenho<br />

o privilégio de contar entre os meus amigos, e que teve a amabilidade<br />

de enriquecer este livro com a sua preciosa nota de<br />

abertura. A todos estes e aos muitos outros colegas e amigos<br />

que ao longo dos anos me têm ajudado, aqui fica o meu reconhecimento.<br />

A Janjão e os miúdos aturaram, com a sua habitual boa<br />

disposição, um marido e pai que não tem horários, trabalha<br />

em qualquer divisão da casa e insiste em que todos estejam a<br />

par do último assuntO que está a estudar, por mais recôndito<br />

que seja. É mais que justo que lhes dedique este livro, em<br />

modesta compensação do que os fiz penar.<br />

15


* * *<br />

Como já foi assinalado, a fonte essencial para todos os<br />

estudos galileanos é a edição <strong>das</strong> Opere di Galileo <strong>Galilei</strong> promovida<br />

por Antonio Favaro, que contém todos os trabalhos<br />

científicos de <strong>Galileu</strong>, praticamente toda a sua correspondência,<br />

e muitos mais textos e obras de outros, com directa relação<br />

com <strong>Galileu</strong>. Ao longo deste livro far-se-ão abundantes referências<br />

para esses volumes:<br />

Le Opere di Galileo <strong>Galilei</strong>. Antonio Favaro, ed. Edizione<br />

Nazionale, 20 vols. (Firenze: G. Barbera, 1890-<br />

-1909), com reimpressões em 1929-1939 e em 1964-1966.<br />

To<strong>das</strong> as menções a esta edição serão feitas de maneira<br />

simplificada, apenas como: Opere, volume (em algarismo<br />

romano), número de página (em algarismo árabe). Nunca é<br />

demais recordar que este trabalho magistral está hoje em dia<br />

inteiramente acessível onlíne.<br />

HENRIQUE LEITÃO<br />

Universidade de Lisboa<br />

16


ESTUDO INTRODUTÓRIO<br />

por<br />

HENRIQUE LEITÃO


1<br />

1<br />

1<br />

1<br />

1<br />

1<br />

1<br />

1<br />

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1<br />

1<br />

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1<br />

1<br />

1<br />

1


Uma Gazeta Sideral com "osservazioni di infinito stupore"<br />

Se o epíteto "revolucionário" tem algum sentido em his~<br />

tória da ciência, então deve ser usado para classificar, talvez<br />

mais do que qualquer outra obra, o pequeno opúsculo que<br />

<strong>Galileu</strong> <strong>Galilei</strong> (l564~ 1642) publicou em Veneza, em Março de<br />

<strong>1610</strong>, com o título de Sidereus Nuncius. 1 É difícil encontrar na<br />

história científica um outro exemplo que se lhe compare, quer<br />

na estrondosa comoção que causou imediatamente, quer nas<br />

dramáticas consequências a que deu origem.<br />

I A literatura sobre <strong>Galileu</strong> tem proporções verdadeiramente monu~<br />

mentais, que impossibilitam que se faça aqui qualquer resumo. Limitamo­<br />

-nos a registar a existência, no mercado nacional, de traduções de algumas<br />

obras importantes, cuja leitura se recomenda: STILLMAN DRAKE,<br />

<strong>Galileu</strong>, trad. por Maria Manuela Pecegueiro (Lisboa: D. Quixote, 1981);<br />

ANTONIO BANFI, <strong>Galileu</strong>, trad. por António Pinto Ribeiro (Lisboa: Edições<br />

70, 1986); MARIO BIAGIOLl, <strong>Galileu</strong> Cortesão. A Prdtica da Ciência<br />

na Cultura do Absolutismo, trad. por Ana Sampaio (Porto: Porto Editora,<br />

2003); MICHAEL SHARRAT, <strong>Galileu</strong>, Inovador, trad. por Ana Sampaio<br />

(Porto: Porto Editora, 2010). Outras obras que circulam no nosso país,<br />

de carácter divulgativo, são em geral desaconselha<strong>das</strong>. Pode dizer-se que a<br />

historiografia galileana se divide em dois grandes temas: os estudos sobre<br />

os seus trabalhos científicos e os estudos em torno do «caso <strong>Galileu</strong>». Para<br />

o primeiro destes temas, isto é, os aspectos científicos, existe uma obra<br />

excepcional, já considerada "the fmest book ever written on Galileo"<br />

(Noel Swerdlow), que muito se recomenda: STlLLMAN DRAKE, Galileo at<br />

W0rk. His Scientific Biography (Chicago and London: The University of<br />

Chicago Press, 1978). Ao longo deste estudo daremos indicações bibliográficas<br />

actualiza<strong>das</strong> sobre todos os assuntos tratados.<br />

19


o Sidatu! Ntau;us é a obra em que <strong>Galileu</strong> deu a co nhecer<br />

as novidades que descobrira com o telescópio, em observações<br />

que vinha a fazer desde Outubro ou Novembro de 1609.<br />

Consciente da excepcionalidade do que observara, nos primeiros<br />

meses de 161 0 ocupou+se febrilmente na preparação de um<br />

pequeno resumo desses faCtOS novos e sensacio nais. Num<br />

registo rápido, cm pouco mais de 60 páginas, <strong>Galileu</strong> deu a<br />

conhecer que a Lua tem uma superfície irregular, com montanhas<br />

e vales, que há muiro mais estrelas fi xas do que aquelas<br />

que se co nseguem distinguir a olho nu, que a Via Lactea é<br />

constituida por mirfades de esrrelas muito próximas e, sobrerudo,<br />

que Júpiter tem satélites. Deu também a conhecer ao<br />

mundo o telescópio, instrumento com que fizera essas observações<br />

e que foi imediatamente saudado em inúmeras peças literárias<br />

e numa iconografia variada, mostrando que causara ranro<br />

espanto como as descobertas em si.<br />

A nodcia dos descobrimentos astronóm icos de <strong>Galileu</strong><br />

arravessou a Itália como um relâmpago e alca nçou quase de<br />

imedialO as regiões ma is disranres da Europa. O grande astró+<br />

nomo alemão Johannes Kepler 057 1-1 630) coma que so ube<br />

desres factos, em particular dos s:Hélites de Júpiter, por volta de<br />

15 de Março de <strong>1610</strong>, por intermédio de um amigo, Johann<br />

Matthaus \\í'ackhcr, que, de uma carruagem diante de sua casa,<br />

o pôs ao corrente <strong>das</strong> novidades sensacionais, e do esp:lIHO e<br />

júbilo com que os dois celebraram estes descobrimemos. l<br />

1 O episódio vem rererido por Kepler numa carla cnv i~d~ ~ G~Ii·<br />

lcu cm 19 de Auril de <strong>1610</strong> (Oprrt, X, 320). EsI~ CUla, depois de<br />

expandida c revisla, roi publicad~ com ° titulo de Diurrtat;o cum lIullâo<br />

lidrrto (Png~. D~niel Snl.o~nus. <strong>1610</strong>). onde r~mbt':m se ~ch~ ore<br />

rdaro. Mais ~di~OIe volt';lremos a


Kepler, como outros na altura, não hesitou em comparar <strong>Galileu</strong><br />

a um novo Colombo (Opere, X, 296).3 Em muito poucos<br />

anos as notícias circulavam pelo mundo inteiro. Em 1611<br />

haviam chegado a Moscovo, em 1612, à índia e em 1614,<br />

pelas mãos de um português, era redigido, em Pequim, o pnmeiro<br />

sumário destas notícias extraordinárias em chinês. 4<br />

Biography of Johannes Kepler (Garden City: Doubleday, 1%0); BRUCE<br />

STEPHENSON, Kepler's Physical Astronomy (Princeton, N1: Princeton University<br />

Press, 1987); 10B KOZHAMTHADAM, 5.1., The Discovery of Kepler's<br />

Laws. The interaction of Science, Philosophy and Religion (Notre Dame<br />

and London: University of Notre Dame Press, 1994); RHONDA MAR­<br />

TENS, Kepler's Philosophy and the New Astronomy (Princeton and Oxford:<br />

Princeton University Press, 2000); 1AMES R. VOELKEL, The Composition of<br />

Kepler's Astronomia Nova (Princeton and Oxford: Princeton University<br />

Press, 2001). Existe um repertório bibliográfico útil, se bem que desactualizado:<br />

Bibliographia Kepleriana, ed. Martha List (München: Beck,<br />

1968). As obras de Kepler tiveram uma primeira edição em: Joannis<br />

Kepleri Astronomi Opera Omnia, ed. CHRISTIAN FRISCH, 8 vols. (Frankfurt<br />

und Erlangen: Heyder & Zimmer, 1858-1871), mas hoje em dia<br />

deve usar-se a monumental edição, ainda em curso de publicação pela<br />

Kepler-Komission der Bayerischen Akademie der Wlssenschaften: Johannes<br />

Kepler Gesammelte \%rke (München: Beck, 1937-).<br />

3 Recorda-se, como já explicada antes, que esta referência simplicada<br />

que usaremos repetidamente ao longo deste texto - Opere, volume<br />

(em algarismo romano), número de página (em algarismo árabe) -<br />

remete para a fundamental edição de textos relativos a <strong>Galileu</strong>: Le Opere<br />

di Galileo <strong>Galilei</strong>. ANTONIO FAVARO, ed. Edizione Nazionale, 20 vols.<br />

(Firenze: G. Barbera, 1890-1909), com reimpressões em 1929-1939 e em<br />

1964-1966. Esta célebre edição de Favaro substitui completamente as<br />

anteriores, mas o leitor mais interessado não deixará de consultar pontualmente<br />

a mais antiga, promovida por EUGENIO ALBÊRI et ai., Le Opere<br />

di Galileo Galílei, prima edizione completa, 15 vols. (Firenze: Società Editrice<br />

Fiorentina, 1842-1856). No que diz respeito a documentação sobre<br />

o «caso <strong>Galileu</strong>», a edição de Favaro deve ser complementada com:<br />

I Documenti dei processo di Galileo <strong>Galilei</strong>, a cura di SERGIO PAGANO<br />

(Città dei Vaticano: Archivio Vaticano, 1984), com uma "nu ova edizione<br />

accresciuta, rivista e annotata", publicada em 2009.<br />

4 Sobre a disseminação até Moscovo, ver a carta de Cristoforo de<br />

Zbaraz a <strong>Galileu</strong>, de 8 de Março de 1611 (Opere, Xl, 68); para a chegada<br />

à Índia e China, ver mais abaixo, neste estudo.<br />

21


o Sidereus Nuncius é um opúsculo pensado deliberadamente<br />

para causar sensação. É um relato de coisas espantosas e<br />

admiráveis, algumas nunca antes vistas nem sequer imagina<strong>das</strong>,<br />

conta<strong>das</strong> numa narrativa rápida de tom claramente jornalístico.<br />

As demonstrações são reduzi<strong>das</strong> ao mínimo, não se citam autores<br />

nem se referem outras fontes, não se entra em discussão<br />

com os clássicos nem com os contemporâneos, to<strong>das</strong> os desenvolvimentos<br />

mais longos são remetidos para outras obras que<br />

se anunciam.<br />

<strong>Galileu</strong> refere-se muitas vezes ao seu livro como um<br />

"Avviso", por vezes especificando, "Avviso astronomico", isto é,<br />

um texto destinado a relatar novidades com um tom jornalístico.<br />

5 Esta intenção reflecte-se desde logo no título, com a<br />

famosa ambiguidade entre "mensagem" e "mensageiro" criada<br />

pela palavra Nuncius, uma ambiguidade que atormenta todos<br />

os tradutores que lidaram com esta ohra. 6 Isabelle Pantin assinala<br />

que a melhor tradução francesa para o título, isto é,<br />

aquela que, respeitando o título latino melhor se adequa ao<br />

género do livro, seria "Le courrier des astres". Não optou por<br />

este título sobretudo porque ele perdia a tensão poética do originaI.?<br />

Entre os tradutores modernos só um parece ter corrido<br />

o risco de acentuar deliberadamente a conotação jornalística da<br />

obra chamando-a "Gaceta Sideral".8<br />

5 <strong>Galileu</strong> designa o seu livro desta maneira em muiros locais. Por<br />

exemplo, numa carta que escreveu a 30 de Janeiro de <strong>1610</strong>, quando iniciava<br />

a produção tipográfica da obra: "questo trattato, che in forma di<br />

avviso mando a tutti i filosofi et matematici" (Opere, X, 280-281). Foi<br />

também desta forma que muitos outros se referiram ao livro; por exemplo,<br />

Benedetto Castelli designa-o de '~vviso astronomieo" (Opere, X, 310).<br />

G Ver adiante, nas Notas à Tradução {infra, p. 207), uma explicação<br />

desta dificuldade bem conhecida, e <strong>das</strong> soluções propostas pelos diferentes<br />

tradurores.<br />

7 Vide Siderem Nuncius. LI! Messager Céleste. Texte, traductioll<br />

et notes établis par Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lettres, 1992),<br />

p. xxxvii.<br />

8 "[H]emos decidido aquí romper drásticamente con la tradición,<br />

vertiendo el título como La gaceta sideral Aunque arriesgada, tal decisión<br />

22


o Sidereus Nuncius assinala a primeira grande entrada em<br />

cena do próprio <strong>Galileu</strong>, até aí um professor universitário discreto,<br />

muito talentoso, sem dúvida, mas praticamente sem provas<br />

dada~. Era agora o anunciador <strong>das</strong> mais espantosas notícias,<br />

um "Mercurius alter" (Opere, X, 396), que, com a publicação<br />

do opúsculo, de um dia para o outro, passou a ser considerado<br />

o maior homem de ciência da Itália e da Europa. O Sidereus<br />

Nuncius transformou <strong>Galileu</strong>; na feliz expressão de Noel Swerdlow,<br />

"as descobertas de <strong>Galileu</strong> mudaram o mundo, mas primeiro<br />

mudaram <strong>Galileu</strong>"9. Esta mudança deu-se pelo menos<br />

em dois sentidos, intimamente relacionados. Em primeiro<br />

lugar, o livro assinala uma drástica alteração nos principais<br />

interesses científicos de <strong>Galileu</strong>, até aí preocupado principalmente<br />

com assuntos de mecânica, para a astronomia. É certo<br />

que nunca abandonará as investigações mecânicas, e que estas<br />

virão a tdr a sua coroação máxima no final da sua vida, com a<br />

publicação dos famosos Discorsi e dimostrazion,i matematiche<br />

intorno a due nuove scienze (1638), mas a astronomia tomava<br />

agora um lugar central nas suas reflexões. Em segundo lugar, e<br />

talvez ainda mais importante, o Sidereus Nuncius anuncia o<br />

aparecimento público de <strong>Galileu</strong>, o coperniciano.<br />

A adesão de <strong>Galileu</strong> às teses copernicianas parece ter sido<br />

um processo complicado, com hesitações, avanços e recuos. A<br />

30 de Maio de 1597, escrevia a }acopo Manzoni dando aquelas<br />

que são as primeiras informações conheci<strong>das</strong> acerca do seu<br />

no es totalmente arbitraria. En efecto, avviso, además de «noticia» o<br />

«anuncio», significa también


copernlclanismo (Opere, II, 197-202) e, poucas semanas<br />

depois, a 4 de Agosto de 1597, numa bem conhecida carta a<br />

Kepler, declarava que havia aderido às ideias de Copérnico "há<br />

já muitos anos" (Uin Copernici sententiam multis abhinc annis<br />

venerim", Opere, X, 68-69). Os historiadores têm lido sempre<br />

esta afirmação com muita reserva, tanto mais que nessa mesma<br />

carta <strong>Galileu</strong> anunciava ter várias provas do copernicianismo, o<br />

que não era seguramente verdade. 10 Nos anos seguintes, contudo,<br />

até <strong>1610</strong>, pouco se pode discernir nos seus textos acerca<br />

deste assunto. Dois dos maiores especialistas de <strong>Galileu</strong>, os<br />

historiadores Stillman Drake e William Wallace, advogam<br />

que este teria suspendido ou abandonado as suas convicções<br />

copernicianas no período entre 1604 e <strong>1610</strong>. Seriam as observações<br />

com o telescópio o factor crucial a tornar <strong>Galileu</strong> num<br />

defensor do copernicianismo, como aliás ele próprio reconhece<br />

num passo do seu Dialogo sopra i due massimi sistemi dei<br />

mondo (1632) (Opere, VII, 356) ". Todavia, no Sidereus<br />

Nuncius, a forma como revela a sua adesão ao copernicianismo,<br />

se bem que inequívoca, é ainda algo discreta. Uma defesa<br />

pública e explícita do heliocentrismo copernicano só se dará a<br />

partir de 1613, com a publicação da [storia e dimostrazioni<br />

intorno alie macchie solari, onde torna cada vez mais explícita a<br />

sua campanha em prol do novo modelo de ordenamento<br />

cósmico.<br />

10 Para uma análise desta importante carta, ver: MASSIMO Buc­<br />

CIANTINI, Galileo e Keplero: Filosofia, cosmologia e teologia nell'Età della<br />

Controriforma (Torino: Einaudi, 2003), pp. 49-68.<br />

II O Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo Tolemaico e<br />

Copernicano (Florença, 16321 está em Opere, VII, 21-520, e existem<br />

várias edições modernas, noutros idiomas, com estudos acessórios e notas<br />

explicativas. Acerca do copernicianismo de <strong>Galileu</strong>, vide STlLLMAN<br />

DRAKE, «Galileo's steps to full copernicianism and bacio>, Studies in History<br />

and Philosophy o/ Science, 18 (1982) 93-103 [recolhido em: STILL­<br />

MAN DRAKE, Essays on Galileo and the History and Philosophy o/ Science.<br />

Selected and introduced by N. M. SWERDLOW and T. H. LEVERE<br />

24


De to<strong>das</strong> as formas, quando publica o Sidereus Nuncius,<br />

<strong>Galileu</strong> tem já muito daras as conclusões que pretende retirar<br />

dos novos fàctos·, anunciando por três vezes ao longo do texto<br />

a sua intenção de apresentar uma obra de grande envergadura<br />

sobre o sistema do mundo. De facto, muitas <strong>das</strong> implicações<br />

do que vira nestes meses com o telescópio só serão desenvolvi<strong>das</strong><br />

inteiramente no Dialogo sopra i due massimi sistemi, em<br />

1632.<br />

O Sidereus Nuncius anuncia ainda outras novidades, não<br />

estritamente astronómicas, mas nem por isso menos dramáticas<br />

ou de consequências menos duradouras. O tom e o estilo do<br />

livro antecipam aquilo que será a marca do famoso pisano e<br />

revelam desde logo uma atitude de aproximação ao estudo da<br />

natureza profundamente diferente da preconizada e praticada<br />

nas aulas de filosofia naturaL O profundo desprezo de <strong>Galileu</strong><br />

pelos filósofos que ele considera meros "comparadores de<br />

textos" (Opere, X, 423) - e, ainda mais, pela "abordagem 610-<br />

sófica" ao estudo da natureza, é evidente em inúmeros passos<br />

dos seus escritos, mesmo antes de ter razão de queixa <strong>das</strong> intrigas<br />

e manobras de professores de filosofia contra si. Estes, por<br />

seu lado, constituíram os seus adversários mais constantes e<br />

mais tenazes. Quando não evidenciaram uma hostilidade<br />

aberta, mostraram-se incapazes de compreender a grandeza dos<br />

(Toronto: University of Toronto Press, 1999), vol. 1, pp. 351-363];<br />

STILLMAN DRAKE, Gali/eo at \%rk. His Scientific Biography J Chicago and<br />

London: The University of Chicago Press, 1978), pp. 109-110; WILLIAM<br />

WALlACE, Galileo and His Sources. The Heritage o[ the Collegio Romano in<br />

Galileos Science (Princeton: Princeton University Press, 1984), pp. 259-<br />

-260; NOEL M. SWERDLOW, «Galileo's discoveries with the telescope and<br />

their evidence for the Copernican theory», in PETER MACHAMER (ed.),<br />

The Cambridge Companion to Galileo (Cambridge: Cambridge University<br />

Press, 1998), pp. 244-270; WILLIAM R. SHEA, «Galileo the copernican»,<br />

in: JOSÉ MONTESINOS y CARLOS SOLíS (eds.), Largo Campo di Filosofare.<br />

Eurosymposium Gali/eo 2001 (La Orotava: Fundación Canaria Orotava de<br />

la Historia de la Ciencia, 2001), pp. 41-59.<br />

25


seus descobrimentos. Como observou Stillman Drake há já<br />

alguns anos, com a excepção de Campanella, nenhum filósofo<br />

apoiou <strong>Galileu</strong> - uma afirmação que talvez peque por ser um<br />

pouco exagerada, mas que traduz aquele que foi o sentimento<br />

geral dos filósofos para com o famoso cientista. 12<br />

<strong>Galileu</strong> ensaiou também a utilização de uma nova linguagem<br />

visual, num corte absoluto com os códigos de representação<br />

habitualmente usados em astronomia. As suas gravuras da<br />

Lua foram possivelmente mais determinantes na aceitação<br />

da natureza rugosa da superfície do satélite do que qualquer<br />

argumento ou demonstração, e a sua descrição visual do movimentO<br />

dos satélites de Júpiter é completamente inovadora,<br />

aproximando-se quase de uma narrativa cinematográfica.<br />

Igualmente importante é o facto de o Sidereus Nuncius ter<br />

sido peça capital na aproximação que <strong>Galileu</strong> vinha a desenvolver<br />

à corte do Grão Ducado da Toscana e à família Mediei.<br />

As apura<strong>das</strong> técnicas de ascenção social, de gestão da sua carreira,<br />

de relação com os seus mecenas e o seu hábil sentido de<br />

cortesão têm recebido muita atenção nos últimos anos e é hoje<br />

claro que nenhuma descrição da carreira e feitos de <strong>Galileu</strong><br />

pode prescindir do conhecimento destes elementos 13.<br />

Il Sobre este assunto, veja-se: Galileo Agaimt the Philosophers.<br />

Translations with Introducdons and Notes by Stillman Drake (Los Angeles:<br />

Zeitlin and Ver Brugge, 1976). A apreciação é talvez um pouco exagerada<br />

porque, como depois recordou Edward Rosen, além de Campaneila<br />

também Marin Mersenne e Pierre Gassendi manifestaram o seu<br />

apoio a <strong>Galileu</strong>. Vide EDWARD ROSEN, «Galileo and the philosophers»,<br />

Journal of the History of Ideas, 39 (1978) 147.<br />

• 13 Estes assuntos são magistralmente analisados na obra de MARIO<br />

BlAGIOLI, GaliJeo Courtier: The Practice of Scíence in the Culture of Absolutism<br />

(Chicago and London: The University of Chicago Press, 1993).<br />

[Tradução portuguesa: <strong>Galileu</strong> Cortesão. A Prática da Ciência na Cultura<br />

do Absolutismo, trad. por Ana Sampaio (Porto: Porto Editora, 2003)]. A<br />

publicação desta obra teve enormes efeitos entre os estudiosos de temas<br />

galileanos e deu origem a uma polémica de grande interesse para os que<br />

queiram compreender os problemas com que a história da ciência actual-<br />

26


Já há alguns anos que <strong>Galileu</strong> planeava obter emprego ou,<br />

pelo menos, transitar para a esfera de protecção da corte Toscana.<br />

Fora tutor de matemática do jovem Cosme de' Medici<br />

no Verão de 1604 e mantivera depois disso o contacto com<br />

ele, que se intensificou em 1609, quando Cosme ascendeu ao<br />

cargo de Grão-Duque. A 30 de Janeiro de <strong>1610</strong>, escreveu um<br />

breve relatório <strong>das</strong> suas descobertas, que enviou para a corte,<br />

iniciando assim um processo de aproximção que culminaria<br />

com a nomeação dos satélites de Júpiter e a dedicatória do<br />

Sidereus Nuncíus a Cosme. O nome dos Medici fICava para<br />

sempre ligado às mais importantes descobertas observacionais<br />

da história da astronomia, e <strong>Galileu</strong> seria recompensado com a<br />

entrada na corte florentina. <strong>Galileu</strong> planeou cuidadosamente<br />

esta aproximação, em busca de um estatuto que lhe era indispensável<br />

para a legitimação <strong>das</strong> suas ideias científicas. Na verdade,<br />

era uma jogada muito ambiciosa, já que tinha como<br />

objectivo a criação de uma categoria socioprofissional sem precedentes,<br />

a de filósofo e matemático de corte, estatuto que ele<br />

negociou e conseguiu obter dos Mediei. 14<br />

mente se debate. Vide MICHAEL H. SHANK, «Galíleo's day in COUft», Journal<br />

for the Hirtory oi Astronomy, 25 (1994) 236-243; MARIO BIAGIOLI,<br />

«Playing with the evidence», Early Science and Medicine, 1 (19%) 70-<br />

-105; MICfIAEL H. SHANK, «How shall we practíce history? The case of<br />

Mario Biagioli's Ga/deo Courtier», Early Science and Medicine, 1 (I 9%)<br />

106-150. Uma interessante análise do <strong>Galileu</strong> de Biagioli no panorama<br />

geral da historiografia galileana foi levada a cabo por NICHOLAS JARDINE,<br />

«A Tria1 of Galileos», Isis, 85 (I994) 279-283.<br />

14 Este tema foi analisado detidamente na literatura especializada.<br />

Mario BiagioH, no seu <strong>Galileu</strong> Cortesão, dedica-lhe bastante atenção, mas<br />

mesmo antes da leitura destes acontecimentos numa lógica de mecenato,<br />

a historiografia galileana já havia notado a importância que <strong>Galileu</strong>, apesar<br />

de não nutrir grande simpatia pelos filósofos, atribuíra ao título de<br />

filósofo para si próprio. Veja-se: MAURlCE CLAVELlN, «Galilée astro nome<br />

philosophe», in: JosÉ MONTESINOS y CARLOS SOLfs (eds.), Largo Campo<br />

di Filosofore. Eurosymposium Ga!ileo 2001 (La Ororava: Fundación Canaria<br />

Orotava de la Historia de la Ciencia, 2001), pp. 19-39.<br />

27


É também o livro onde GaliJeu revela publicamente de<br />

maneira mais clara a sua participação em práticas astrológicas,<br />

um envolvimento que os historiadores de épocas passa<strong>das</strong>, querendo<br />

acentuar os traços modernos da sua personalidade, em<br />

geral ocultaram. Só Antonio Favaro dedicou alguma atenção ao<br />

assunto, mas o seu trabalho mais importante sobre o tema acabou<br />

praticamente esquecido. 15 Nas últimas déca<strong>das</strong>, contudo, o<br />

cenário mudou radicalmente e, hoje em dia, sabe-se bastante<br />

mais sobre estas actividades. Não existem dúvi<strong>das</strong> de que <strong>Galileu</strong><br />

praticou astrologia durante toda a sua carreira e especialmente<br />

durante o seu período paduano. Bem mais importante<br />

do que os horóscopos que fez para mecenas e patronos<br />

- pois, naturalmente, parte <strong>das</strong> suas obrigações na corte da<br />

Toscana consistia em fazer previsões astrológicas -, fez horóscopos<br />

para as suas fllhas (Opere, XIX, 218-220), para alunos e<br />

para alguns amigos (Opere, XIX, 205-206). O seu amigo Gianfrancesco<br />

Sagredo (1571-1620) solicitava-lhe horóscopos regularmente<br />

e <strong>Galileu</strong> aconselhava-o com base em previsões astrológicas<br />

(Opere, X, 96-97). Conhecem-se também duas cartas<br />

astrais que <strong>Galileu</strong> fez para o seu próprio nascimento. 16 É mais<br />

complexo apurar qual o valor que atribuía às previsões astrológicas,<br />

pois um famoso passo no Dialogo sopra i due massími sistemi<br />

(1632) (Opere, VII, 135-136) e outras indicações dispersas<br />

parecem indicar algum cepticismo ou descrença em pelo menos<br />

algumas destas práticas. I?<br />

15 ANTONIO FAVARO, «Galileo astrologo secondo i documenti editi<br />

e inediti", Mente e Cuore, 8 (1881) 99-108.<br />

16 Cartas que, infelizmente, Favaro não incluiu nas Opere, embora<br />

delas tenha dado notícia na «Astrologia nonulla» (Opere, XIX, 205);<br />

foram recentemente estuda<strong>das</strong> em grande detalhe por NOEL SWERDLOW,<br />

«Galileo's horoscopes», Journal for the History of Astronomy, 35 (2004)<br />

135-141.<br />

17 Como é argumentado em: MASSIMO BUCClANTINI and MICHELE<br />

CAMEROTA, .Once more about Galileo and astrology: a neglected testimony",<br />

Galilaeana: Journal of Galikan ttuaies, 2 (2005) 229-232. A !ire-<br />

28


o telescópio<br />

o Sidereus Nuncius é o livro que anuncia o telescópio<br />

como um novo e revolucionário instrumento científico. <strong>Galileu</strong><br />

dá-lhe grande destaque logo no frontispício da obra onde<br />

sobressai a palavra "perspicilii" em letras de tipo grande e<br />

quando, no início do texto, declara que vai apresentar "grandes<br />

coisas", uma. delas é o próprio instrumento "com o auxílio do<br />

qual elas se tornaram manifestas aos nossos sentidos". O telescópio<br />

é, pois, parte integrante e essencial da "mensagem" que<br />

<strong>Galileu</strong> tem para dar. Kepler, como sempre, não deixou escapar<br />

a indicação e comparou o telescópio a um ceptro que, abrindo<br />

ratura sobre a relação de <strong>Galileu</strong> com práticas astrológicas é hoje muito<br />

significativa; pode ver-se: GERMANA ERNST, «Aspetti delI'astrologia e della<br />

profezia in Galileo e Campanella», ín PAOLO GALLUZZI (ed.), Novità<br />

Celmi e Crisi dei Sapere (Firenze: Giunti Barbera, 1984), pp. 255-266,<br />

NICHOLAS KOLLERSTROM, «Galileo's As trology» , in JosÉ MONTESINOS y<br />

CARLOS Sor.1s (eds.), Largo Campo di Filosofare. Eurosymposium Galileo<br />

2001 (La Ororava: Fundación Canaria Orotava de la Historia de la<br />

Ciencia, 2001), pp. 421-431; GlNO AruuGHI, «Appunti su Galileo e l'astrologia»,<br />

TorriceUiana, 45 (1994) 128-134; H. DARREL RUTKIN, «Galileo<br />

astrologer: astrology and mathematical practice in the late-sixteenth and<br />

early-seventeenth centuries», Galilaeana: Journal of Galilean studies, 2<br />

(2005) 107-143. A revista especializada em história da astrologia Culture<br />

and Cosmos dedicou recentemente um número temático ao assunto [vol.<br />

7, n.O 1, (2003)J, publicada também em livro: NICHOLAS CAMPION and<br />

NICK KOLLERSTROM (eds.), Galileo's Astrology (Bristol: Cinnabar Books,<br />

2004). Um dos desenvolvimentos mais interessantes desta questáo foi a<br />

descoberta, por Antonino Poppi, de uma denúncia apresentada na lnquisiçáo<br />

de Veneza, em 21 de Abril de 1604 - sete anos, portanto, antes<br />

<strong>das</strong> famosas denúncias de que viria a ser vítima em Roma, em 1611 -,<br />

com a acusaçáo de fatalismo excessivo com que, alegadamente, <strong>Galileu</strong><br />

fazia prediçóes astrológicas para os seus clientes. Vide ANTONINO POPPI,<br />

Cremonini e <strong>Galilei</strong> inquisiti a Padava nel 1604. Nuovi documenti d'archivio<br />

(Padava: Editrice Antenore, 1992), especialmente «La denuncia contro<br />

ii <strong>Galilei</strong>», pp. 41-61; ANTONINO POPPI, Cremoníni. <strong>Galilei</strong> e gli<br />

lnquisitore dei Santo a Padava (Padova: Centro Studi Antaniani, 1993).<br />

29


os segredos do cosmos, convertia cada homem num rei com<br />

senhorio sobre as obras da criação.l!!<br />

<strong>Galileu</strong> nunca reclamou ter sido o inventor do instrumento,<br />

mas fez sempre questão em deixar claro que construíra<br />

ele próprio os seus telescópios e que, tendo-os aperfeiçoado<br />

muito, fora ele quem os convertera realmente em instrumentos<br />

científicos, tendo feito estes descobrimentos e progressos por<br />

uma especial graça de Deus. Esta posição é evidentemente<br />

atreita a más interpretações, quer por parte dos contemporâneos,<br />

quer dos historiadores, que foi exactamente o que aconteceu.<br />

19 Para mais, a história da invenção do telescópio foi<br />

sempre polémica, permanentemente envolvida em dúvi<strong>das</strong> e<br />

atormentada por inúmeras questões de prioridade. O delicado<br />

equilíbrio que <strong>Galileu</strong> escolheu para descrever a sua posição<br />

relativamente à génese do instrumento parece ter sido apenas<br />

mais um episódio numa história já de si mergulhada em equívocos<br />

e discussões. 2o<br />

IS "O multiscium, et quovis sceptro preciosius Perspicillum: an, qui<br />

te dextra tenet, ille non Rex, non Dominus constituatur operum Dei?" J.<br />

KEPLER, Dioptrice (Augsburg, 1611), p. 14, também Johannes Kepler<br />

Gesammelte Werke (München: Beck, 1937-), vaI. IV, p. 344. Sobre o<br />

impacto causado pelo novo instrumento óptico, agora associado a grandes<br />

descobertas, veja-se o capítulo "II cannocchiale nell'immaginario<br />

barocco», in ANDRFA BATTISTINI, Galileo e i Gemiti. Miti letterarí e retorica<br />

della scienza (Milano: Vita e Pensiero, 2000), pp. 15-60.<br />

19 A posição de <strong>Galileu</strong> é um convite ao equívoco e para mais ele<br />

nunca deu qualquer passo para corrigir os que pensavam ter sido ele o<br />

inventor do instrumento. Um dos que assim pensaram foi Giovanni Bartoli,<br />

no prefácio que escreveu na obra de Marcantonio de Dominis, De<br />

radiis et /ucis in vitris perspectivis et iride (Veneza, 1611). Seja como for,<br />

importa sublinhar que, estritamente falando, <strong>Galileu</strong> nunca se apresentou<br />

como inventor do telesc6pio. Veja-se, sobretudo, o modo como ele se<br />

explica no II Saggiatore (Opere, X, 258-259). Sobre esta questão veja-se<br />

também o trabalho de EDWARD ROSEN, «Did Galileo claim he invented<br />

the telescope?», Proceedings oi the Amerícan Philosophical Society, 98<br />

(1954) 304-312.<br />

20 O trabalho clássico sobre a origem do telesc6pio, recolhendo<br />

todos os documentos e notícias pertinentes, é: CORNELIS DE WAARD, De<br />

30


Conhecem-se desde a mais remota antiguidade "tubos<br />

ópticos" (evidentemente sem lentes) empregues em observações<br />

astronómicas, que continuaram a ser usados ao longo da Idade<br />

Média em várias culturas. É· claro que estes "instrumentos"<br />

Uitvinding der verrekijkers (den Haag: Boek en Steendrukkerij, 1906),<br />

divulgado sobretudo através do artigo de ANTONIO FAVARO, «L'invenzione<br />

del telescopio secondo gli ultimi studi», Atti dei Reale Istituto Veneto di<br />

Scienze, Lettere ed Artí, 66 (1907) 1-54, e depois usado em VASCO RON­<br />

CHI, Gali/eo e ii suo Cannoeehiale (Torino: Boringhieri, 1964). Está também<br />

na base daquela que é, hoje em dia, a referência fundamental sobre<br />

o assunto: ALBERT VAN HELDEN, "The Invention of the Tdescope», Transaetions<br />

01 the Ameríean Philosophieal Society, 67 (1977) 5-67. São ainda<br />

trabalhos importantes os seguintes: SILVIO BEDINI, «The tube of long<br />

visiono The physical characteristics of the early 17 th century tdescope»,<br />

Physis, 13 (1971) 147-204; ALBERT VAN HELDEN, "The historical problem<br />

of the invention of the telescope», Hístory 01 Scienee, 13 (1975)<br />

251-263; A. VAN HELDEN, «The Astronomical Telescope, 1611-1650»,<br />

Annali de!l1stituto e Museo di Storia de/Ia Scienza di rlrenze, 1 (1976)<br />

13-36; ROLF WILLACH, "Der lange Weg zur Erfindung des Fernrohres»,<br />

in JÜRGEN HAMEL, INGE KEIL (eds.), Der Meister und die Fernrohre. Das<br />

WechseLspie! zwischen Astronomie und Optik in der Gesehichte [= Acta Hiscorica<br />

Astronomiae, voI. 33] (Frankfurt am Main: Harri Deutsch, 2007),<br />

pp. 34-126, que recentemente foi traduzido para inglês: R. WILLACH,<br />

The Long Route to the Invention 01 the Te/escope l = Transactions 01 the<br />

American Philosophícal Society, voI. 98, Pt. 5] (Philadelphia: American<br />

Philosophical Society, 2008); GIORGIO STRk'JO (ed) , II Telescopio di Gali­<br />

/eo. Lo Strumento ehe ha cambiato ii mondo (Firenze: Giunti, 2008). Continuam<br />

a ser muito úteis as obras clássicas sobre o assunto: A. DAN]ON e<br />

A. COUDER, Lunette et Tê/escapes: théoríe, conditions d'empioi, description,<br />

réglage (Paris: Éditions de la Revue d' optique théorique et instrumentale,<br />

1935); HENRY C. KING, The History 01 the Telescope (London: C. Griffin,<br />

1955); VASCO RONCHI, L'Ottica Scienza della Visione (Bologna: Zanichelli,<br />

1955); ROLF RIEKHER, Fernrohre und ihre Meister, 2.a ed. (Berlin:<br />

Verlag Technik, 1990). Dois livros recentes apresentam a história do<br />

telescópio ao grande público: FRED WATSON, Stargazer. The Life and<br />

Times 01 the Telescope (Crows Nest: Allen and Unwin, 2004) e RICHARD<br />

DUNN, The Telescope. A Short History (Greenwich: National Maritime<br />

Museum, 2009). Daremos referências mais específicas ao longo de todo<br />

o texto.<br />

31


nada têm que ver com o instrumento óptico, mas o seu aparecimento<br />

em relatos escritos e em alguma iconografia foi suficiente<br />

para gerar fábulas sobre a origem do telescópio. 21 Na<br />

verdade, a pré-história do telescópio está ligada à confecção<br />

medieval de lentes e aos progressos artesanais na arte de polir<br />

o vidro e fabricar óculos durante a Idade Média. As lentes<br />

apareceram na Europa medieval em finais do século XlII e os<br />

óculos adaptados para a leirura existem desde os inícios do<br />

século XIV, sendo a mais antiga representação conhecida de uns<br />

óculos de 1350.<br />

Ao longo da Idade Média, a qualidade dos vidros e as<br />

técnicas de polimento foram sucessivamente melhorando, contando-se<br />

Florença e Veneza entre os mais importantes centros<br />

de produção de vidro e lentes. No início do século XVI estavam<br />

reunidos todos os conhecimentos práticos capazes de levar à<br />

construção <strong>das</strong> primeiras lunetasY Não admira, pois, que a<br />

partir de então se comecem a multipliar as reclamações de<br />

prioridade na invenção do telescópio. O estudioso Domenico<br />

Argentieri sugeriu que Leonardo da Vinci (1452-1512) havia já<br />

montado um sistema de duas lentes para ver ao longe, por<br />

21 TH. HENRI MARTIN, «Sur des instruments d'optique faussement<br />

attribués aux anciens par quelques savants modernes», Bu/Jetino di Bibliografia<br />

e di storia delle scienze matematiche e foiche, 4 (1871) 165-238;<br />

ROBERT EISLER, «The Polar Sighting-Tube», Archives /nternationales d'Histoire<br />

des Sciences, 6 (I949) 312-332; HENRI MrCHEL, «Les tubes optiques<br />

avant le télescope», Gel et Terre, 70 (1954) 175-184.<br />

21 Sobre óptica medieval, ver: DAVID C. LINDBERG, Theories of<br />

Vision from al-Kindi to Kepler (Chicago: University of Chicago Press,<br />

1976); SUZANNE CONKLlN AKBARI. Seeing through the VeiL Optical Theory<br />

and Medieval Allegory (Toronto: University of Toronto Press, 2004).<br />

Sobre a invenção dos óculos, EDWARD ROSEN, «The invention of eyeglasses»,<br />

Journal for the History of Medicine and Allied Sciences, 11 (1956)<br />

13-46; 183-218; VINCENT IIARDI, «Eyeg!asses and Concave Lenses in<br />

Fifteenth-Century Florence and Milan: New Documents», Renaissance<br />

Quarterly, 29 (1976) 341-360 e. sobretudo, VINCENT ILARDI. Renaissance<br />

Vision from Spectacles to Telescopes (Philadelphia: American Philosophical<br />

Society, 2007).<br />

32


volta de 1508, antecipando assim os fabricantes holandeses e<br />

<strong>Galileu</strong> em mais de um século. 23 Sempre atentos a que os seus<br />

compatriotas não sejam deixados para trás, os historiadores britânicos<br />

também se pronunciaram, defendendo que o telescópio<br />

tinha sido feito primeiramente pelos ingleses Thomas Digges<br />

(ca. 1546-1595) e William Bourne (ca. 1535-1582).24 Segundo<br />

outros, o invento já viria anunciado na Homocentrica (1538) de<br />

Girolamo Fracastoro (ca. 1478-1553), e recentemente, como se<br />

o assunto não fosse já bastante confuso, foi argumentado que o<br />

telescópio teria tido a sua origem na Catalunha. 25 Esta profu-<br />

23 DOMENICO ARGENTIERI, «Leonardo's Oprics», in Leol/ardo dIZ<br />

Vinci (New York: Reynal and Company, 1956), pp. 405-436; originalmente:<br />

Leonardo da Vinci (Novara: Istituto Geografico De Agostini,<br />

1940). S. L VAVlLOV, "Galileo in the History of Optics», Soviet Physics<br />

Uspekhi, 7 (1965) 569-616 [originalmente: Usp. Fiz. Nauk. 83 (1964)<br />

583-615].<br />

24 Trata-se daquilo que é conhecido na literatura como o "telescópio<br />

isabelino" ["Elizabethan telescope"], cuja prioridade foi reclamada<br />

pelo historiador britânico Colin Ronan, e que alimentou durante alguns<br />

anos uma animada polémica. Vide COUN A. RONAN, «Leonard and Thomas<br />

Digges», Endeavour, 16 (1992) 91-94; JOACHIM RIENITZ, «'Makc<br />

Glasses to See the Moon Large'. An Attempt to Outline the Early History<br />

of the Telescope», Bulletin o/ the Scientific Instrument Society, 37<br />

(1993) 7-9; COUN A. RONAN, «There Was an Elizabethan Telescopc»,<br />

Bulletin o/ the Scientific Instrument Society, 37 (1993) 2-3; GERARD :LE.<br />

TURNER, «There Was No Elizabeman Telescope», Bu/letin o/ the Scientific<br />

Instrument Society, 37 (1993) 3-5; COUN A. RONAN, «The Invention of<br />

the Reflecting Telescope», Yearbook o/ Astronomy (1993) 129-140; EWAr>:<br />

A. WHITAKER, «The Digges-Bourne Telescope: An Alternative Possibility»,<br />

Journal o/the British Astronomical Association, 103 (1993) 310-312;<br />

COUN A. RONAN, "Postscript concerning Leonard and Thomas Digges<br />

and me Invention of the Telescope», Endeavour, 17 (1993) 177-179.<br />

25 Em Setembro de 2008, o inglês Nick Pelling, seguindo investigações<br />

inicialmente feitas por José Maria Simon de Guilleuma (1886-<br />

-1965), sugeriu que a descoberta do telescópio se devesse ao catalão<br />

Juan Roget, tendo sido feita em cerca de 1593. NICK PELLlNG, "Who<br />

invented the telescope?», Hístory Today, 58 (2008) 26-31.<br />

33


são de candidatos tem alguma justificação pois imediatamente<br />

após a publicação do Sidereus Nuncius foram muitos os que<br />

reclamaram a prioridade no invento do instrumento, a tal<br />

ponto que quem se interessar por perseguir este assunto deve<br />

estar pronto para entrar naquilo a que Favaro chamou "un<br />

dedalo inestricabile di nomi" 26,<br />

De todos os possíveis inventores do telescópio no século<br />

XVI apenas Giovanni Baptista Della Porta (1535-1615) parece<br />

recolher o consenso dos investigadores. Na sua famosa Magiae<br />

natura/is sive de miracu/is rerum (1558 e 1589), Porta discutiu<br />

muitos fenómenos e artefactos ópticos. A primeira edição da<br />

obra (Nápoles, 1558) tinha apenas quatro livros, mas a<br />

segunda edição (Nápoles, 1589), muito mais expandida, em<br />

vinte livros, teve urna enorme difusão, sendo inclusivamente<br />

traduzida para vários idiomas. Foi nesta edição que apresentou<br />

um arranjo óptico com duas lentes, para aumentar a visão.27<br />

Depois de ter sabido do aparecimento do telescópio galileano,<br />

Della Porta escreveu ao príncipe Cesi, na Accademia dei Lincei,<br />

em Roma, a 28 de Agosto de 1609, reclamando a sua prioridade<br />

no invento do instrumento que, segundo ele, já fizera nos<br />

anos oitenta do século dezasseis (Opere, X, 252).28 Esta reclamação<br />

parece ter ficado mais ou menos aceite entre os membros<br />

da Accademia dei Lincei, corno se deduz de um verso<br />

composto por Johann Faber (Giovanni Fabro) , secretário dessa<br />

26 ANTONIO FAVARO, «La invenzione del telescópio secondo gli<br />

ultimi studi», Atti de! Reale Istituta Veneta di Scienze, Lettere ed Arti, 60,<br />

parte 2 (1907), l-54, cito na p. 54.<br />

27 Sobre a óptica de Della Porta, ver: DAVID C. LINDBERG, «Opties<br />

in sixteenth-century Ital}">, in PAOLO GALLUZZI (ed.), Navità Celesti e<br />

Crisi de! Sapere (Fírenze: Giunti Barbera, 1984), pp. 131-148.<br />

28 Della Porta reclamava a sua prioridade em termos fortes acusando<br />

os novos telescópios de serem "una coglionaria [ ... ] presa dai mio<br />

libro 9 De refractianl' (Opere, X, 252). Há um ligeiro lapso na frase<br />

pois, como já foi notado por vários estudiosos, o que se refere ao telescópio<br />

encontra-se no livro oitavo da Magiae Naturalis (1589). Ver também<br />

(Opere, X, 508).<br />

34


Academia. 29 Também Kepler sabia que Della Porta havia proposto<br />

o telescópio antes e disse-o numa carta a <strong>Galileu</strong>. 30 Em<br />

abono desta tese que faz remontar o invento do telescópio a<br />

Itália deve ainda registar-se que o filho de Zacharias Jansen<br />

(1588-1632) - um dos holandeses associado ao aparecimento<br />

dos primeiros telescópios relatou que o seu pai fabricara o<br />

primeiro telescópio em 1604, seguindo o modelo de um InStrumento<br />

italiano que ostentava os dizeres "anno 1590".31<br />

29 "Porta tenet primas, habes, Germane, secun<strong>das</strong> II Sunt Galilaee,<br />

tuus terria regna labor". Uma tradução, com alguma liberdade, é a<br />

seguinte: "Porta tem a primeira reclamação; Tu, germânico [= holandês]<br />

tens a segunda; a terceira, <strong>Galileu</strong>, pertence ao teu trabalho". O poema<br />

está na abertura do 1/ Saggiatore (Roma, 1623) (Opere, VI, 205).<br />

30 "Incredibile multis videtur epichirema tam efficacis perspicilli, at<br />

impossibile aut novum nequaquam est; nec super a Belgis prodiit, sed tot<br />

iam annis antea proditam a lo. Baptista Porta, Magiae Naturalis libro<br />

XVII, Cap. X." Trata-se da carta de 19 de Abril de <strong>1610</strong> (Opere, X, 323-<br />

-324), que depois foi impressa como Dissertatio cum Nuntio Sidereo em<br />

Praga, <strong>1610</strong>, e logo depois em Florença.<br />

31 A informação é transmitida por Isaac Beeckman (1588-1637),<br />

no seu diário. Beeckman aprendera a polir lentes com Johannes Jansen,<br />

o filho de Zacharias (vide ALBERT VAN HELDEN, «The Invention of the<br />

Telescope», Tramactiom o[ the American Philosophical Society, 67 (1977)<br />

5-67). Mas cumpre recordar que as possibilidades continuam em aberto,<br />

pois nunca faltaram candidatos ao disputado lugar de primeiro inventor<br />

do telescópio. Para adicionar mais alguns exemplos, recorde-se que numa<br />

carta a <strong>Galileu</strong>, a 24 de Abril de <strong>1610</strong>, também o florentino Raffaello<br />

Gualterotti reclamou ter feito o telescópio em 1598 (Opere, X, 341-342).<br />

Mais recentemente foi observado que o célebre Benito Arias Montano<br />

(1527-1598) já em 1575, no Elucidationes in quatuor evangelia (Antuerpiae,<br />

Ex officina Chistophoro Plantini, 1575), num comentário ao passo<br />

bíblico <strong>das</strong> tentações de Cristo (cap. IV do Evangelho segundo S. Lucas),<br />

apresenta uma possível referência ao telescópio ao referir-se a um instrumento<br />

óptico com o qual se conseguia ver perto o que estava longe. Vide<br />

JOHN L. HEILBRON, «The invention of the telescope», Journai for the History<br />

o[ Astronomy, 39 (2008) 530-531; JOSÉ M. VAQUERO, "Una nota<br />

sobre Atias Montano y el uso dei telescopio antes de 1575», Revista de<br />

Estudios Extremefios (no prelo).<br />

35


Seja como for, o entendimento actual entre os historiadores<br />

parece ser o de que, apesar de ser provável que em<br />

finais do século XVI alguém tenha chegado à combinação adequada<br />

de lentes que permitem obter o efeito do telesc6pio, a<br />

hist6ria do instrumento deve começar obrigatoriamente com<br />

o "telesc6pio holandês", não s6 porque a evidência documental<br />

é incontroversa a partir daí, mas também porque os seus<br />

inventores foram os primeiros a dar sinal de terem compreendido<br />

as imensas potencialidades do instrumento, tentando<br />

patenteá-lo e comercializá-lo.<br />

Em Setembro de 1608, Hans Lipperhey (faI. 1619), um<br />

vidreiro (oculista) de Middelburg, deslocou-se até Haia, a capital<br />

da República Holandesa, para submeter uma patente de um<br />

instrumento para ver ao longe. Lipperhey aproveitou a sua<br />

estadia para propagandear o seu instrumento, mostrando-o e<br />

fazendo demonstrações do seu uso a vários nobres, cortesãos e<br />

outras pessoas influentes, inclusivamente ao príncipe Maurício<br />

de Orange. O excepcional interesse do instrumento ficou claro<br />

desde logo e Lipperhey foi instado a produzir mais telesc6pios.<br />

Ao mesmo tempo, as noticias começaram a circular de imediato.<br />

Mas o assunto rapidamente se complicou pois a autoria<br />

do invento foi logo disputada, com reclamações de Zacharias<br />

Jansen, também de Middleburg, e de Jacob Metius (faI. 1628),<br />

de Alkmaar. A patente não foi concedida a Lipperhey, e em<br />

resultado da polémica a notícia do telesc6pio ainda mais se<br />

propagou.<br />

E não s6 a noticia. Nos meses seguintes foram distribuídos<br />

alguns telesc6pios a governantes e notáveis da Europa. Para<br />

além dos que estavam na posse <strong>das</strong> autoridades holandesas,<br />

sabe-se que por esta altura foram enviados telescópios para o<br />

Rei de França e o seu primeiro-ministro, e para o Papa, em<br />

Roma. 32<br />

32 É muito difícil saber exactamente como seriam estes instrumentos<br />

e o assunto estará para sempre envolto em alguma obscuridade. Não<br />

sobreviveu nenhum dos primeiros telescópios construído por Lipperhey<br />

36


o primeiro relato impresso mencionando um telescópio<br />

acha-se num pequeno folheto publicado em Haia em 1608,<br />

sem nome de autor nem de impressor, dando notícia da visita<br />

de uma embaixada do Sião. No final, sem qualquer relação<br />

com o assunto anterior, recolhe-se a notícia do excitante novo<br />

invento:<br />

Peu de iours deuant le despart de Spinola de la<br />

Haye, un faiseur de lunettes de Mildebourg pauure<br />

homme, fort religieux et craignant Dieu, fist present à<br />

son Excellence de certa ines lunettes, moyennant lesquelles<br />

on peut decouurir et voir distinctement les choses eloignées<br />

de nous de trois et quatre lieux, comme si nous les<br />

voions à cent pas pres de nous : estant sur la tour de la<br />

haye on voit par lesdictes lunettes clairement l'horloge de<br />

Delft, et les fenestres de l'Eglise de Leyden, nonobstant<br />

que lesdites villes soyent esloignées l'une d'une heure et<br />

l'autre de trois heures et demi de chemin de la Haye.<br />

Messieurs les Estats l'ayant sçeu, enuoyerent vers son<br />

Excellence pour !es voir, qui les leur enuoyat, disant que<br />

par ces lunettes ils verroyent les tromperies de l'ennemi.<br />

Spinola aussi les vid auec grand estonnement, et dit à<br />

monsieur le prince Henty, à cette heure ie ne sçaurois<br />

plus estre en seurté, car vous me verrez de loing. A quoy<br />

le dit Sieur Prince respondit, nous deffendrons à nos gens<br />

de ne tirer point à vous. Le maistre faiseur desdites lunettes<br />

a eu trois cents escus, et en aura plus e~ faisant<br />

d'auantage, à la charge de n'apprendre ledit mestier à personne<br />

du monde, ce qu'il a promis tresuolontiers, ne voulant<br />

point que les ennemis s'en peussent preualoir contre<br />

nous, lesdites lunettes seruent fort en des sieges, et en<br />

ou Metius. Partes de telescópios construidos por Zacharias Jansen entre<br />

<strong>1610</strong> e 1618 parecem ter sobrevivido até ao século xx, mas hoje em dia<br />

já não existem. Além disso, documentação muito relevante para uma<br />

reconstituição mais pormenorizada desta história perdeu-se tragicamente<br />

durante a segunda guerra mundial.<br />

37


semblables occasions, car d'une lieue loing et plus, on<br />

peut aussi distinctement remarquer toutes choses, comme<br />

si elles estoyent tout aupres de nous : et mesmes les etoiles<br />

qui ordinairement ne paroissent à nostre veue et à nos<br />

yeux pour leur petitesse et foiblesse de nostre veue, se<br />

peuuent voir par le moyen de cest instrument. 33 [ ••• ]<br />

Este relato é de grande interesse, e por ele se confirma<br />

que desde o início os utilizadores de telescópios indagaram os<br />

céus com o novo instrumento ("et mesmes les etoiles qui ordinairement<br />

ne paroissent à nostre veue ec à nos yeux pour leur<br />

petitesse et foiblesse de nostre veue, se peuuent voir par le<br />

moyen de cest instrument"). Não foi, pois, <strong>Galileu</strong> o primeiro<br />

a prescrutar os céus com a luneta. Teria ele tido conhecimento<br />

deste relato surpreendente? Os historiadores têm-se inclinado a<br />

responder na negativa mas isso permanece, como diz um deles,<br />

"a fascinating possibility" 34.<br />

Foi apenas uma questão de poucas semanas até que o instrumento<br />

fosse conhecido em muitas cidades europeias. Se se<br />

der crédito a alguns relatos, vendiam-se já telescópios no<br />

Outono de 1608, na feira de Frankfurt. 35 Na Primavera de<br />

33 Ambassades du Roy de Siam Envoyé a L'Excellence du Prince Maurice,<br />

arriué à la Haye le 10. Septemb. 1608. ~an de grave 1608. Publicado,<br />

com estudo, em: STILlMAN DRAKE, The Unsung Joumalist and the<br />

Origin 01 the Telescope (Los Angeles: Zeidin and Ver Brugge, 1976).<br />

Drake assinala que é possível haver um erro do título da obra; onde se<br />

lê "Siam" deveria estar "Ceará", do Brasil.<br />

34 Como diz Stíllman Drake: "I do not rhink ir was [ ... ] but this<br />

remains a fascinaring possibility. If true, ir would mean that the world<br />

owes to the anonymous journaIísr nor only Galileo's attemion to the<br />

naval and commercial value of the instrumem, but aIs o his fateful rurning<br />

of attention from physics to astronomy." ln S. DRAKE, The Unsung<br />

Journalist and the Origin 01 the Telescope, p. 11.<br />

35 A informação é de Simon Mayr [Simon Marius], personalidade<br />

acerca de quem se dirá mais adiante, no prefácio seu Mundus Jovialis<br />

(Nuremberga, 1614). Nesta obra, Mayr afirma ter feito observações dos<br />

céus com um telescópio desde o Verão de 1609.<br />

38


1609 já se encontravam à venda, em Paris, lunetas rudimentares,<br />

com um poder de ampliação de três vezes, e o número de<br />

relatos acerca do novo artefacto óptico multiplicou-se. 36 Pouco<br />

depois, as primeiras notícias chegavam ao sábio italiano.<br />

<strong>Galileu</strong> deixou três relatos acerca do modo como chegou<br />

ao conhecimento do telescópio. Para além do que conta no<br />

Sidereus Nuncius, explicou os acontecimentos numa carta de 29<br />

de Agosto de 1609 a Benedetto Landucci (Opere, X, 253), e,<br />

anos depois, em 1623, no II Saggiatore (Opere, VI, 258). Infelizmente,<br />

esses três relatos apresentam discordâncias significativas,<br />

o que, aliado ao facto de não se conhecer correspondência<br />

de <strong>Galileu</strong> no período entre 9 de Março e 24 de Agosto de<br />

1609, torna impossível reconstituir com segurança o que se<br />

passouY Aqui, e na Cronologia, no final deste Estudo, resumimos<br />

o que parece ser a sucessão de eventos mais provável e<br />

consensual entre os historiadores.<br />

36 A primeira descrição de um telescópio num impresso encontra­<br />

-se, em latim, na obra de ]OHANNES WALCHIUS, Decas fabularum humanis<br />

generis (Strasbourg: L. Zetzneri, 1609), pp. 247-248, e consistia de<br />

um tubo com duas lentes.<br />

37 A reconstituição dos acontecimentos foi levada a cabo e discutida<br />

sobretudo nos seguintes trabalhos: EDWARD ROSEN, «When did<br />

Galileo make his first telescope?», Centaurus, 2 (1951) 44-51; STILLMAN<br />

DRAKE, «Galileo Gleanings VI: Galileo's first telescopes at Padua and<br />

Venice», Isis, 50 (1959) 245-254 [também em: STILLMAN DRAKE, Essays<br />

on Galileo and the History and Philosophy 01 Science. Selected and introduced<br />

by N. M. SWERDLOW and T. H. LEvERE (Toronto: University of<br />

Toronto Press, 1999), vol. 3, pp. 33-44]; STILLMAN DRAKE, Galileo at<br />

Work. His Scientific Biography (Chicago, The University of Chicago Press,<br />

1978), pp. 137-142; ALBERT VAN HELDEN, «Galileo and the telescope»,<br />

in PAOLO GALLUZZI (ed.), Novità Celesti e Crisi dei Sapere (Firenze:<br />

Giunti Barbera, 1984), pp. 149-158. Pode encontrar-se um bom resumo<br />

em Sidereus Nuncius. Le Messager Céleste. Texte, traduction et notes établis<br />

par Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lemes, 1992), pp. xiv-xxi, e<br />

também, naquele que creio ser o mais recente balanço crítico da questão,<br />

no livro de MICHELE CAMEROTA, Galileo <strong>Galilei</strong> e la Cultura Scientifica<br />

nell'età della Controriforma (Roma: Salerno Editrice, 2004), pp. 152-158.<br />

39


Segundo parece, tudo terá começado com uma notícia do<br />

telescópio holandês que chegou a Paolo Sarpi (1552-1623), em<br />

Veneza, em Novembro de 1608. 38 Sarpi, um amigo e correspondente,<br />

com quem <strong>Galileu</strong> discutiria variados assuntos científicos<br />

ao longo dos anos, transmitiu, por sua vez, essas novidades<br />

a alguns correspondentes franceses, em particular a<br />

Jacques Badovere, em Paris, a quem, numa carta de 30 de<br />

Março de 1609, pediu confirmação dos rumores. 39<br />

<strong>Galileu</strong> pode ter recebido as primeiras notícas acerca do<br />

telescópio em Maio de 1609 quer através de Sarpi, quer de<br />

Badovere a quem alude no Sidereus Nuncius - não<br />

podendo excluir-se ainda uma outra fonte, visto saber-se que, a<br />

partir da Primavera de 1609, vários telescópios circulavam já<br />

por Itália. Se se der crédito completo a <strong>Galileu</strong>, ele não teve<br />

38 O frade Paolo Sarpi passou à história sobretudo corno um crítico<br />

da política e dos Estados papais, um temível adversário de Roma. Vide<br />

Paolc Sarpi tra Venezia e l'Europa (Torino: Einaudi, 1979), em especial<br />

GAETANO COZZI, «Galileo <strong>Galilei</strong>, Paolo Sarpi e la società veneziana»,<br />

nas pp. 135-234; DAVID WOOrrON, Pa% Sarpi: Between Rcnaissance and<br />

Enlightenment (Cambridge and New York: Cambridge University Press,<br />

1983); VICENZO FERRONE, «Galileo tra Paolo Sarpi e Federico Cesi: premesse<br />

per una ricerca», in PAOLO GALLUZZI (ed.), Novità Celesti e Crisi<br />

dei Sapere (Firenze: Giunti Barbêra, 1984), pp. 239-253. Sarpi foi um<br />

correspondente habitual de <strong>Galileu</strong>, tendo inclusivamente contribuído<br />

para a formulação da teoria galileana <strong>das</strong> marés. Vid. STILlMAN DRAKE,<br />

«Origin and Fate of Galileo's Theory of Tides», Physis, 3 (961) 282-<br />

-290, depois revisto corno «Galíleo's Theory of the Tides», in Ga/ileo Studies:<br />

Personality, Tradition and Revo/ution (Ann Arbor: University of<br />

Michigan Press, 1970), pp. 200-213.<br />

39 Paolo Sarpi noticia o seu conhecimento do telescópio numa<br />

carta a Francesco Castrino a 9 de Dezembro de 1608 e também a<br />

Jerome Groslor de l'Isle a 9 de Maio de 1609. Relatou, também, estes<br />

factos a Jacques Badovere, a 30 de Março de 1609. Infelizmente, estas<br />

importantes cartas não foram incluí<strong>das</strong> por Antonio Favaro na edição <strong>das</strong><br />

Opere di Galileo Gali/ei. Podem encontrar-se em: PAOLO SARPI, Lettere ai<br />

protestanti. ed. MANuo DUILIO BUSNELLI, 2 vols. (Bari: Giuseppe Laterza<br />

& Figli, 1931).<br />

40


ocaslao de ter nas mãos qualquer exemplar destas lunetas<br />

holandesas, tendo apenas recebido informações oralmente, mas<br />

sem ver directamente qualquer instrumento.<br />

Outra possibilidade é que <strong>Galileu</strong> só tenha ouvido falar<br />

do telescópio pela primeira vez aquando de uma estadia em<br />

Veneza, entre 18 de Julho e 3 de Agosto de 1609. Nessa ocasião<br />

teria tido oportunidade para discutir com Paolo Sarpi estes<br />

assuntos, não se podendo eliminar completamente a possibilidade<br />

de até ter visto um telescópio.<br />

O que não oferece dúvi<strong>das</strong> é que, no Verão de 1609,<br />

<strong>Galileu</strong> já sabia que precisava de polir uma lente objectiva<br />

convexa (na realidade, plano-convexa)· e uma ocular plano-côncava<br />

e alinhá-las convenientemente. Entre finais de Julho e<br />

os primeiros dias de Agosto desse ano, <strong>Galileu</strong> construiu o<br />

seu primeiro telescópio. Seria uma luneta com um aumento<br />

de três vezes, que em muito pouco se deveria distinguir <strong>das</strong><br />

lunetas holandesas que se vendiam em muitos mercados da<br />

Europa. Sabe-se muito pouco acerca desse primeiro instrumento.<br />

Importa recordar que quando <strong>Galileu</strong> teve as primeiras<br />

notícias se encontrava particularmente bem preparado para<br />

explorar as potencialidades que agora se abriam. Dominava<br />

bem a tradição perspectivista medieval e, o que talvez seja mais<br />

significativo, parece ter tido alguma experiência prática neste<br />

campo. <strong>Galileu</strong> estava em contacto frequente com os fabricantes<br />

de óculos e já em 1602, um seu correspondente relatava<br />

que havia recebido um par de "occhiali" da sua oficina (Opere,<br />

X,93).<br />

Se se aceita que <strong>Galileu</strong> teve as primeiras notícias em<br />

Maio, o intervalo de tempo entre essas notícias e a efectiva<br />

construção de um telescópio só em Julho/Agosto parece exigir<br />

alguma explicação e tem levado a algumas especulações. Sabe­<br />

-se hoje que ele e muitos dos seus contemporaneos perseguiam,<br />

já há algum tempo, a concepção de um instrumento que permitisse<br />

ver ao longe, ensaiando combinações de lentes e espelhos.<br />

É muito possível que ao ouvir os primeiros rumores<br />

<strong>Galileu</strong> tenha julgado tratar-se de mais um desses instrumentOS,<br />

tendo gastado algumas semanas a testar arranjos com len-<br />

41


tes e espelhos, até mudar para a configuração adequada, com<br />

duas lentes. 4o<br />

Por tentativa e erro, melhorando as suas técnicas de polimento,<br />

é muito provável que <strong>Galileu</strong> tenha descoberto que, na<br />

configuração usada (objectiva convexa e ocular côncava), o<br />

efeito telescópico resulta de a objectiva ser fracamente convergente<br />

e a ocular fortemente divergente. Em meados de Agosto,<br />

havia já conseguido construir uma luneta com ampliação de<br />

cerca de nove vezes (Opere, X, 250), a que passou a chamar<br />

perspicillum. Na posse do novo instrumento, pensou na possibilidade<br />

de obter algumas vantagens e, então, com o auxílio de<br />

Paolo Sarpi, estabeleceu contactos com o Senado de Veneza.<br />

<strong>Galileu</strong> fez uma primeira demonstração do uso do telescópio,<br />

para um grupo de notáveis venezianos, a 21 de Agosto,<br />

a partir do campaníle da catedral de São Marcos, e no dia 24<br />

mostrou-o ao Senado. 41 Ele próprio descreveu a sensação provocada<br />

pelo novo instrumento referindo o "infinito stupore", e<br />

o facto de mesmo homens idosos, senadores e outros nobres,<br />

terem subido a escadaria para poderem presenciar a demonstração.<br />

42 Muitos anos depois ainda recordava, com evidente pra-<br />

40 Esta é a tese desenvolvida longamente no livro de EILEEN REE­<br />

VES, Galileos Glassworks. The Telescope and the Mirror (Cambridge and<br />

London: Harvard Vniversity Press, 2008).<br />

41 O nobre veneziano Antonio Priuli, que viria a ser Doge de<br />

Veneza, e que ajudou <strong>Galileu</strong> em várias ocasiões, registou estes factos no<br />

seu diário, descrevendo o telesc6pio então usado por <strong>Galileu</strong>: "era di<br />

banda, fodrato aI di fuori di rassagottonada cremisina, di longhezza tre<br />

quarte 1/2 incirca et di larghezza di uno scudo, con due vetri, uno cavo,<br />

l'altro no, per parte" (Opere, XIX, 587). Para urna discussão deste<br />

excerto, com urna versão em italiano actual, e mais informações sobre as<br />

primeiras lunetas de <strong>Galileu</strong>, ver: GIORGIO STRANO, «La lista deli a spesa<br />

di Galileo: Vn documento poco noto sul telescopio», Galilaeana, 6<br />

(2009) 197-211.<br />

42 "mostrarIa et insieme a tutto ii Senato, com infinito stupore di<br />

tutti; e sono stati moltissimi i gentil'huomini e senatori, li qualí, benche<br />

vecchi hanno piu d'una volta fatte le scale de' piu alti campanili di Vene-<br />

42


zer, a sensação que causara em Veneza (Opere, VI, 258). A<br />

carta ao Doge que acompanhava o telescópio que doou ao<br />

Senado, e que é o primeiro documento em que descreve o instrumento,<br />

refere "un nuovo artifizio di un occhiale cavato dalle<br />

piu recondite speculazioni di prospettiva, il quale conduce<br />

gl' oggetti visibili cosi vicini ali' occhio, et COSI grandi et distinti<br />

gli rappresenta, che quello che e distante, verbi grazia, nove<br />

miglia, ci apparisce come se fusse lontano un miglio solo"<br />

(Opere, X, 250-251). <strong>Galileu</strong> explica de seguida as vantagens<br />

militares que resultam do instrumento, sublinhando que "per<br />

ogni negozio et impresa marittima o terrestre puo essere di giovamento<br />

inestimabile".<br />

O resultado desta iniciativa foi muito positivo. Convencidos<br />

<strong>das</strong> grandes vantagens da luneta, as autoridades venezianas<br />

recompensaram os esforços de <strong>Galileu</strong> com a garantia de que o<br />

seu contrato na universidade de Pádua seria renovado até ao<br />

final da vida e que o seu salário seria aumentado para 1 000<br />

florins por ano (Opere, X, 254; XIX, 115-117, 501). Mas, ou<br />

porque esta oferta continha algumas condições que lhe desagradavam,<br />

ou porque tinha alimentado expectativas ainda mais<br />

eleva<strong>das</strong>, <strong>Galileu</strong> recebeu estas notícias com decepção. 43<br />

tia per scoprire ín mare vele e vasselli tanto lontaní, che venendo a mtte<br />

vele verso ii porto, passavano 2 hore e piu di tempo avanti che, senza il<br />

mio occhiale, potessero essere veduti" (Opere, X, 253).<br />

43 (Opere, XIX, 116-117). Curiosamente, <strong>Galileu</strong> nunca referiria<br />

Sarpí como sua fonte de informação, nem como elemento central nos<br />

seus contactos com o Senado de Veneza, e é possível que este tivesse<br />

ficado magoado com a omissão. Tudo leva a crer que as relações entre os<br />

dois homens se tivessem esfriado nesse período, muito possivelmente por<br />

questões de prioridade e por Sarpí achar que os seus contributos não<br />

haviam tido o reconhecimento devido por parte de <strong>Galileu</strong>. Embora a 16<br />

de Março de <strong>1610</strong> (isto é, 3 dias após a publicação do Siderem Nuncius),<br />

Sarpi fale sobre o telescópio (Opere, X, 290), não diz nada sobre o livro<br />

e, surpreendentemente, a 27 de Abril de <strong>1610</strong>, numa altura em que em<br />

Veneza não se falava de outra coisa. numa carta a Jacques Leschassier, diz<br />

que ainda não leu o livro de <strong>Galileu</strong>. Vide PAOLO SARPI, Lettere ai Gal/i-<br />

43


o que <strong>Galileu</strong> fez em seguida iria mudar o curso da história<br />

da ciência. Consciente de que outros facilmente fariam<br />

telescópios de qualidade comparável às dos que então dispunha,<br />

concentrou-se em melhorar apreciavelmente a qualidade<br />

dos seus instrumentos. Em Novembro de 1609, tinha conseguido<br />

um telescópio com ampliação da ordem <strong>das</strong> vinte vezes<br />

e, no início de <strong>1610</strong>, dispunha já de telescópios com ampliação<br />

de trinta vezes, que no Sidereus Nuncius classifica de "excelentes"<br />

e que diz ter construído sem olhar a canseiras nem despesas.<br />

44 Com melhores instrumenros, <strong>Galileu</strong> começou a<br />

observar os céus.<br />

Quais seriam as características ópticas dos primeiros telescópios<br />

galileanos, em particular daqueles que usou para fazer as<br />

observações relata<strong>das</strong> no SidereusNuncius? Não há qualquer<br />

cani, a cura di B. Ulianich (Wiesbaden: F. Steiner, 1%1), p. 79. Para<br />

além de ter sido decisivo na divulgação <strong>das</strong> primeiras notícias acerca do<br />

telescópio e nos contactos de <strong>Galileu</strong> com o senado veneziano, Sarpi<br />

tivera também importantes discussões científicas com <strong>Galileu</strong> nos anos<br />

anteriores ao aparecimento do Siderem Nuncim. A reacção de Sarpi<br />

parece ter sido seguida por outros venezianos que, após a publicação do<br />

Siderem Nuncim parecem ter julgado que <strong>Galileu</strong> não fora suficientemente<br />

justo para com eles. Sobre as relações de <strong>Galileu</strong> com Sarpi neste<br />

período, ver: EILEEN REEVES, Painting the Heavens, Art and Science in the<br />

Age ofGalileo (Princeton: Princeton University Press, 1997), pp. 104-112.<br />

44 Parece, no entanto, que não usou estes melhores telescópios para<br />

fazer as observações do Siderem Nuncíus porque, apesar de terem ampliações<br />

da ordem <strong>das</strong> trinta vezes, não davam imagens níti<strong>das</strong> e o campo de<br />

visão era excessivamente limitado. Esta opinião, subscrita por Stillman<br />

Drake e Ewan Whitaker, entre outros, hoje é consensual entre os historiadores.<br />

Vide STILLMAN DRAKE, «Galileo's first telescopic observations»,<br />

journai for the History of Astronomy, 7 (1976) 153-168 [também em:<br />

STILLMAN DRAKE, Essays on Galileo and the Hístory and Philosophy of<br />

Science. Selected and introduced by N. M. SWERDWW and T. H. LEVERE<br />

(Toronto: University of Toronto Press, 1999), vol. 1, pp. 380-395];<br />

EWAN A. WHITAKER, «Galileo's lunar observations and the dating of the<br />

composition of Siderem Nuncius», journal for the Hístory o/ Astronomy, 9<br />

(1978) 155-169.<br />

44


dúvida que, por parâmetros actuais, se podem considerar instrumentos<br />

muito deficientes, o que, aliás, só põe em relevo a<br />

excepcional capacidade e a determinação do sábio pisano. 45<br />

O telescópio com que <strong>Galileu</strong> fez as observações do Sidereus<br />

Nuncius é um tubo com duas lentes nos extremos: uma<br />

ocular plano-côncava com uma distância foc~l de cerca de<br />

cinco centímetros, e uma objectiva plano-convexa com distância<br />

focal de aproximadamente 70 a 100 cm. Tratava-se de<br />

lunetas com aberturas de aproximadamente 40 mm e ampliações<br />

ligeiramente superiores a 20 vezes. O campo visual andaria<br />

pelos 12-15 minutos e a resolução pelos 1,25 minutos de<br />

arco. A estes parâmetros muito modestos haveria que somar a<br />

má qualidade do vidro, com muitas bolhas, ainda longe de ser<br />

incolor, e os graves efeitos de aberração cromática e aberração<br />

esférica. <strong>Galileu</strong> aprendeu a minimizar os problemas de aberração<br />

esférica colocando um diafragma, isto é, um ecrã diante<br />

da objectiva, reduzindo as aberturas para cerca de 15-20 mm,<br />

utilizando apenas a região em torno do eixo <strong>das</strong> lentes (Opere,<br />

X, 485, SOl). A primeiro menção de <strong>Galileu</strong> ao uso de diafragmas<br />

encontra-se numa carta de 7 de Janeiro de <strong>1610</strong>, onde<br />

explica que a objectiva convexa deve ser parcialmente tapada,<br />

45 Sobre os parâmetros ópticos e demais aspectos técnicos <strong>das</strong> primeiras<br />

lunetas de <strong>Galileu</strong>, ver: ANTONIO FAVARO, «ln torno ai cannocchiali<br />

costruiti e usati da Galileo Galitei", Atti dei Reale lstituto Veneto di<br />

Scienze, Lettere ed Am, 60 (1900-1901) 317-342; GIORGIO ABETTI, "I<br />

cannocchiali di Galileo e dei suoi discepoli,), L'Universo, 4 (1925) 685-<br />

-692; VASCO RONCHI, "Sopra le caratteristiche dei cannocchiali [di GalileoJ<br />

e sulla loro autenticità", Rendiconti della R. Accademia Nazionale dei<br />

Lincei, 32 (1925) 339-343; STILLMAN DRAKE, Galileo at Work. His Scientific<br />

Biography (Chicago and London: The University of Chicago Press,<br />

1978), pp. 140-153; ALBERT VAN HELDEN, Catalogue o[ Early Te/escopes<br />

(Firenze: Giunti, 1999); GrORGIO STRANO (ed), II Telescopio di Ga/i/eo.<br />

Lo Strumento che ha cambiato ii mondo (Firenze: Giunti, 2008). Uma<br />

excelente e moderna introdução a rodos os problemas científicos e técnicos<br />

relacionados com telescópios para o leitor menos familiarizado é:<br />

GUILHERME DE ALMEIDA, Telescópios (Lisboa: Plátano Editora, 2004).<br />

45


com o que as imagens ficam muito mais níti<strong>das</strong>. 46 Dois dos<br />

telescópios de <strong>Galileu</strong> que sobreviveram até aos nossos dias<br />

mostram, de facto, o emprego de um diafragma de cartão para<br />

tapar parte da objectivaY O melhoramento gerado pela aplícação<br />

do diafragma deve atribuir-se a <strong>Galileu</strong> já que os telescópios<br />

holandeses originais não o tinham e não há notícia de que<br />

antes de <strong>Galileu</strong> alguém os tivesse usado. 48 Segundo o próprio<br />

46 "E bene che ii vetro colmo, che e ii lontano dalI' occhio, sia in<br />

parte coperto, et che ii pertuso che si laseia aperto sia di figura ovale,<br />

perche cosl si vedranno li oggetti assai piu distintamente" (Opere, X,<br />

278). Esta carta de 7 de Janeiro de <strong>1610</strong> (Opere, X, 273-278), que teremos<br />

oportunidade de citar algumas vezes, é de grande importância na<br />

história da composição do Sidereus Nuncius já que se trata do primeiro<br />

relato de observações astronómicas feitas por <strong>Galileu</strong> e corresponde efectivamente<br />

a um primeiro esboço do que viria depois a ser o livro. Foi<br />

enviada a um destinatário não identificado, mas Favaro argumentou que<br />

se tratava de Antonio de' Mediei, um personagem importante na corte<br />

toscana. Apesar de Drake ter questionado esta atribuição, sugerindo que<br />

o destinatário seria Enea Piccolomini [STILLMAN DRAKE, «Galileo's first<br />

telescopic observations», Journal for the History o[ Astronomy, 7 (1976)<br />

153-168J, a sugestão de Favaro tem sido aceite por quase todos os historiadores.<br />

O efeito e a função do diafragma não foram imediatamente<br />

compreendidos por toda a gente. Em Dezembro de <strong>1610</strong>, Cristóvão Clávio<br />

perguntava a <strong>Galileu</strong> qual a utilidade de tapar parcialmente as objectivas<br />

(Opere, X, 485).<br />

47 ALBERT VAN HELDEN, Catalogue o[ Early Telescopes (Firenze:<br />

Giunti, 1999), pp. 30-33. Num dos telescópios a objectiva tem uma<br />

abertura de 37mm mas o diafragma reduz a uma abertura de 15mm; no<br />

outro, a abertura da lente de 51 mm está reduzida a 26 mm pelo diafragama.<br />

Os testes modernos confirmam que realmente o uso de diafragma<br />

melhora substancialmente a qualidade <strong>das</strong> imagens forneci<strong>das</strong><br />

pelo telescópio. Vid. VICENZO GRECO, GIUSEPPE MOLESINI, FRANCO<br />

QUERCIOU, «Optical tests of Galileo's lenses», Nature, 358 (1992) 101;<br />

YAAKOV ZIK, «Galileo and the telescope: The status of theoretical and<br />

practical knowledge and techniques of measurement and experimentation<br />

in the development of the instrument», Nuncius, 14 (1999) 31-67; Y AA­<br />

KOV ZIK, «Galileo and optical aberrations», Nuncius, 17 (2002) 455-465.<br />

48 Sven Dupré argumentou que <strong>Galileu</strong> introduziu diafragmas nos<br />

seus telescópios em consequência dos seus estudos sobre a natureza da<br />

46


<strong>Galileu</strong>, o emprego do diafragma resultava em melhores imagens,<br />

por duas razões: por um lado, porque era sempre conveniente<br />

polir lentes grandes, pois assim se atenuavam os efeitos<br />

devidos às irregularidades nos bordos, uma conhecida causa de<br />

imperfeições, e, por outro, porque embora as lentes maiores<br />

proporcionassem maiores campos de visão, davam origem' também<br />

a imagens mais nebula<strong>das</strong> (Opere, X, 501-502).<br />

A combinação de uma objectiva convergente com uma<br />

ocular divergente (aquilo a que depois se chamou a configuração<br />

"galileana", por oposição a outras, como, por exemplo, a<br />

"keplerianà', em que a ocular é uma lente convexa, convergente)<br />

dá origem a uma imagem direita. Neste tipo de telescópios,<br />

a ocular possui uma distância focal reduzida, f, e a objectiva<br />

a distância F. A objectiva produz uma imagem real<br />

invertida e a ocular uma imagem final, que é virtual e direita.<br />

No chamado "ajustamento normal", o objecto e a imagem<br />

estão situados no inflnito e os focos <strong>das</strong> duas lentes coincidem,<br />

sendo então a separação entre as duas lentes dada por L = F + f<br />

(sendo f negativo, de acordo com as convenções). A ampliação<br />

angular (m) para ajustamento normal será dada, para os ângulos<br />

pequenos que interessam, pela razão -FIf, isto é, pelo quociente<br />

<strong>das</strong> distâncias focais da duas lentes.<br />

A questão histórica de interesse prende-se em saber o que<br />

é que <strong>Galileu</strong> compreendia de tudo isto e de que maneira foi<br />

capaz de ir melhorando progressivamente os seus telesc6pios,<br />

em particular, conseguindo melhores ampliações. Alguns historiadores<br />

(van Helden, por exemplo) são da opinião de que<br />

foi apenas por tentativa e erro que <strong>Galileu</strong> percebeu que a<br />

ampliação dependia da razão <strong>das</strong> distâncis focais <strong>das</strong> duas lentes,<br />

mas recentemente Sven Dupré argumentou que o asSUntO<br />

é mais complexo, pois no final do século dezasseis não era<br />

claro que uma lente côncava tivesse também uma distância<br />

luz dos astros, que vinha a fazer desde o aparecimento da nova de 1604.<br />

Vid. SVEN DUPRl!, «Galileo's telescope and celestial light», Journal for the<br />

History o/ Astronomy, 34 (2003) 369-399.<br />

47


foca1. 49 Segundo este investigador, <strong>Galileu</strong> baseou-se na óptica<br />

do seu tempo, cujos princípios levavam a considerar que a<br />

ampliação do telescópio estaria relacionada com o diâmetro da<br />

lente convexa; mas embora <strong>Galileu</strong> continuasse a pensar que a<br />

ampliação estava apenas relacionada com a lente convexa<br />

(objectiva), percebeu que não tinha que ver com o seu diâmetro,<br />

mas sim com a sua distância focal,5°<br />

A descrição, muito sumária, apresentada no Sidereus Nuncius,<br />

não menciona a possibilidade de focagem e seguramente<br />

muitos dos primeiros leitores não consideraram esse problema e<br />

a sua possível solução. Todavia, algumas <strong>das</strong> primeiras lunetas<br />

que circularam em Itália já tinham essa capacidade e numa<br />

carta de 28 de Agosto de 1609, de Giovanni Battista della<br />

Porta ao príncipe Cesi, mostra-se uma luneta cujo comprimento<br />

pode ser variado, permitindo a focagem (Opere, X,<br />

252). <strong>Galileu</strong> fala explicitamente do assunto na carta de 7 de<br />

JaneÍro de <strong>1610</strong> a Antonio de' Medici, explicando que "e bene<br />

che ii cannone si possa alungare e scociare un poco, cioe 3 o<br />

49 ALBERT VAN HELDEN, «Galileo and the telescope», in PAOLO<br />

GALLUZZI (ed.), Novità Cclesti e Crisi dei Sapere (Firenze: Giunti Barbera,<br />

1984), pp. 149-158; SVEN DUPRÉ, «Ausonids mirrors and Galileo's lenses:<br />

The telescope and sixteenth century practical optical knowledge»,<br />

Galilaeana. Journal of Galilean Studies, 2 (2005) 145-180.<br />

50 No 11 Saggiatore (1623) explicou que a ampliação é função do<br />

ângulo visual subtendido pelo olho: "ii telescopia ingrandisce gli ogetti<br />

cal portargli Sono maggior angola" (Opere, VI, 254). O ponto é subtil e<br />

deve registar-se que nem Kepler compreendia que a ampliação é dada<br />

pela razão entre as distâncias focais, pensando que o efeito era devido<br />

apenas à lente convexa. Esta noção dominará a compreensão do efeito<br />

telescópico ao longo de todo o século XVII, durante o qual o aumento da<br />

ampliação dos telescópios foi feito a partir do uso de lentes convexas<br />

com distâncias focais cada vez maiores. Vide Á"ITONI MALET, «Kepler<br />

and the Tdescope», Annals of Science, 60 (2003) 107-136; ALBERT VAN<br />

HELDEN, «The tdescope in the seventeenth century», Isis, 65 (1974) 38-<br />

58; ALBERT VAN HELDEN, "The Astronomical Tdescope, 1611-1650»,<br />

Annali de1l7stituto e Museo di Storia della Scienza, 1 (1976) 13-35.<br />

48


4 dita in circa" e que se lhe deve antepor um diafragma<br />

(Opere, X, 278).<br />

<strong>Galileu</strong> praticamente nada disse acerca da teoria que<br />

explica o funcionamento do instrumento, apesar de prometer<br />

uma explicação no Sidereus Nuncius. Embora tivesse reclamado<br />

em vários locais que chegara à concepção do telescópio devido<br />

a "recondite speculazioni di prospettiva", isto é, às suas análises<br />

dos princípios teóricos da ciência da perspectiva, a verdade é<br />

que parece nunca ter dominado os princípios ópticos subjacentes<br />

ao funcionamento do instrumento. 51 Em particular, é óbvio<br />

que não entendeu a Dioptrice (1611) de Kepler, e numa conversa<br />

ocorrida nos meses finais de 1614, com um francês que<br />

o visitava (Jean Tarde), queixou-se de que o livro de Kepler era<br />

"si obscur qu'il semble que l'autheur mesme ne s'est pas<br />

entendu"52 - uma apreciação que só pode classificar-se como<br />

muito injusta e como mais um exemplo do surpreendente desprezo<br />

a que votou o matemático alemão. A 13 de Setembro de<br />

1616, um seu correspondente, Malatesta Porta, escrevia-lhe<br />

recordando a promessa feita,53 mas nem nesta ocasião, nem nos<br />

anos seguintes, <strong>Galileu</strong> colmatou esta lacuna, limitando-se a<br />

dar indicações muitO vagas no II Saggiatore (Roma, 1623)<br />

(Opere, VI, 259) e em alguma correspondência dispersa.<br />

;1 Veja-se, por exemplo, Opere, X, 250-251. É interessante observar<br />

que ao mesmo tempo que insistia no facto de a sua descoberta ter sido<br />

fruto de especulações teóricas, <strong>Galileu</strong> explicava que o "Olandese" que<br />

primeiramente fizera o instrumento procedera meramente por tentativa e<br />

erro (Opere, VI, 259).<br />

;2 Opere, XIX, 590. Jean Tarde 0561-1636) deixaria interessantes<br />

relatos <strong>das</strong> suas viagens em Itália, com muitas notícias relativas a <strong>Galileu</strong><br />

e ao período dos descobrimentos telescópicos. Vide JEAN TARDE, Deux<br />

voyages en Italie: à la rencontre de Galilée. Pré&ce et notes de FRANÇOIS<br />

MOUREAU; texte établi par FRANÇOIS MOUREAU et MARCEL TETEL<br />

(Genéve: Slatkine, 1984).<br />

53 "Promise V. S. nel suo Aviso Sidereo d'insegnare il modo vero di<br />

formare il telescopio, si che potessero vedersi cutte le forme che sono alla<br />

natural vista invisibili; ne fino a questo giorno l'ha fatto" (Opere, XII,<br />

281).<br />

49


A insistência no reduzidissimo domínio de óptica teórica<br />

por <strong>Galileu</strong> tem sido um topos da literatura especializada, sancionada<br />

por autoridades como Vasco Ronchi, Olaf Pedersen,<br />

David Lindberg, entre muitos outros. Recentemente, contudo,<br />

Sven Dupré tem mostrado como <strong>Galileu</strong> conseguiu ter uma<br />

compreensão do funcionamento do telescópio baseando-se nos<br />

conhecimentos disponíveis junto dos praticantes da matemática<br />

do século XVI, muito em especial como a Theorica specu/i concavi<br />

sphaerici de Ettore Ausonio, que <strong>Galileu</strong> conhecia bem e<br />

copiou entre 1592 e 1601, foi importante para as suas ideias<br />

sobre o funcionamento do telescópio. 54<br />

Como é evidente, é também possível que <strong>Galileu</strong> soubesse<br />

muito mais do que explicou, e que tivesse mantido a máxima.<br />

discrição sobre os princípios ópticos relevantes para o funcionamento<br />

do telescópio pelo desejo de os manter secretos. 55<br />

Se não esclareceu quase nada acerca dos princípios teóricos,<br />

<strong>Galileu</strong>, tal camo os seus contemporâneos, também não<br />

divulgou quase nenhumas indicações concretas sobre os métodos<br />

práticos pelos quais construiu o telescópio, a tal ponto que<br />

há muitas interrogações sobre o modo como, na prática, se<br />

levava a cabo este procedimento. 56 Só em 1618 surgiria o livro<br />

54 Vide SVEN DUPRÉ, «Ausonio's mirrors and Galileo's lenses: The<br />

telescope and sixteenth century practical optical knowledge», Galílaeana.<br />

Journal oi Galilean Studies, 2 (2005) 145-180.<br />

55 A possibilidade de <strong>Galileu</strong> não ter publicado uma teoria do<br />

telescópio apenas por desejo de mantê-Ia secreta é discutida por MARIO<br />

BIAGIOLl, «Replication or monopoly? The economics of invention and<br />

discovery in Galileo's observations of <strong>1610</strong>», Scimce in Context, 13<br />

(2000) 547-592; YMKOV ZIKand ALBERT VAN HELDEN, «Between discovery<br />

and disclosure: Galileo and the telescope», in: MARCO BERETTA,<br />

PAOLO GALLUZZI and CARLO TRIARICO (eds.), Musa musaei: Studies on<br />

Scientific Instruments and Collections in honour oi Mara Miniati (Firenze:<br />

Leo S. Olschki, 2003), pp. 173-190; MARIO BIAGIOU, Galileos InstrumenU<br />

oi Credito Telescopes, Images, Secrecy (Chicago: The Universiry of<br />

Chicago Press, 2006).<br />

56 Vide FRANCO PALLADINI, «Un trattato sulla costruzione dei<br />

cannocchiale ai tempi di <strong>Galilei</strong>: Principi matematici e problemi tecno-<br />

50


de Geronimo Sirtori, Telescopium: Siue ars perficiendi novum<br />

illud Galilaei visorium instrumentum ad sidera, com informação<br />

detalhada sobre as técnicas para polir lentes adequa<strong>das</strong> e construir<br />

telescópios. (Curiosamente, como explicaremos adiante<br />

mais detidamente, neste assunto são importantes as notas de<br />

construção de telescópio de um professor do colégio jesuíta de<br />

Santo Antão em Lisboa.) A documentação também não permite<br />

clarificar totalmente se, nos primeiros tempos, <strong>Galileu</strong><br />

recorria a artesãos para o ajudarem na construção dos telescópios,<br />

embora se saiba que, em anos posteriores, vários artesãos<br />

trabalharam para ele construindo telescópios e que pelo menos<br />

um deles, Ippolito Francini, teve alguma mmaY<br />

A despeito <strong>das</strong> suas limitações, os telescópios construídos<br />

por <strong>Galileu</strong> foram, durante alguns anos, os melhores telescópios<br />

do mundo. Foram, por isso, solicitados por muitas pessoas,<br />

e o próprio <strong>Galileu</strong> tomou a iniciativa de os enviar a<br />

muitos, tendo para isso transformado a sua casa numa verdadeira<br />

oficina de produção de instrumentos ópticos. 58<br />

logici», Nouvelles de la République des Lettres, 1 (1987) 83-102; ROLF<br />

WILLACH, «Der lange Weg zur Erfindung des Fernrohres», in JÜRGEN<br />

HAMEL, INGE KEIL (eds.), Der Meister und die Fernrohre. Das Wechselspiel<br />

zwischen Astronomie und Optik in der Geschichte [= Acta Historica Astronomiae,<br />

voI. 331 (Frankfurt am Main: Harri Deutsch, 2007), pp. 34-<br />

126; GIORGIO STRANO (ed) , II Telescopio di Galileo. Lo Strumento che ha<br />

cambiato il mondo (Firenze: Giunti, 2008).<br />

57 CARLO VITTORlO VARETTI, «I:artefice di Galileo, Ippolito Francini<br />

detto ii Tordo», Reale Accademia dei Lincei, serie IV, voI. 15 (1939)<br />

nos. 3-4, Roma.<br />

58 Michele Camerota elencou as individualidades a quem <strong>Galileu</strong><br />

enviou telescópios durante a sua carreira científica, num passo que pelo<br />

seu interesse transcrevemos na íntegra: "alcuni tra i piu importanti<br />

monarchi del tempo (Cosimo II de' Medici, Carlo d'Austria, Maria de'<br />

Mediei, Regina di Francia, Filippo IV di Spagna, Massimiliano di<br />

Baviera, Ladislao IV di Polonia, Leopoldo d'Austria, l'Elettore di Colonia,<br />

Ernesto di Baviera), a numerosi nobili e prelati (tra gli alui: Paolo<br />

Giordano Orsini, ii cardinale Francesco Maria dei Monte, ii cardinale<br />

51


A documentação da época permite verificar como era difícil<br />

realizar observações com os deficientes instrumentos da<br />

altura. Escrevendo a um correspondente, <strong>Galileu</strong> transmitiu<br />

informações preciosas acerca do uso do instrumento na prática:<br />

lo strumento si tenga fermo, et pereio e bene, per<br />

fuggire la titubatione della mano che dai moto delI' arterie<br />

et dalla respiratione stessa procede, fermare ii cannone in<br />

qualche Iuogo stabile. I vetei si tenghino ben tersi et netti<br />

daI panno o nuola che iI fiato, l'aria humida e caliginosa,<br />

o il vapore stesso che daIi' occhio, et massime riscaldato,<br />

evapora, vi genera sopra (Opere, X, 277-278).<br />

Mas as dificuldades surgiam logo no fabrico dos instrumentos.<br />

Numa carta a Belisario Vinta (1542-1613), secretário<br />

de Estado do Grão-Duque da Toscana, a 19 de Março de<br />

<strong>1610</strong>, <strong>Galileu</strong> diz que fez, com grande esforço e despesa, mais<br />

de sessenta "occhiali" mas que só muito poucos eram suficientemente<br />

bons para observar as estrelas mediceanas. 59 E quanto<br />

ao mero polimento de lentes, as dificuldades eram ainda maio-<br />

A1essandro Peretti di Montalto, monsignor Giuseppe Acquaviva, ii cardinale<br />

Francesco di Joyeuse, ii cardinale Scipione Borghese, ii cardinale<br />

Odoardo Farnese, ii cardinale Roberto Ubaldini, I' ambasciatore toscano a<br />

Roma, Francesco Niccolini, Federico Landi, príncipe di Valditaro), nonché<br />

a diversi eruditi (Paolo Gualdo, Bartolomeo Imperiali, Federico Cesi,<br />

Pierre Gassendi, Nicolas-Claude Fabri de Peiresc, Tiberio Spinola,<br />

Daniello Antonini, Matthias Bernegger)". MICHELE CAMEROTA, Galileo<br />

<strong>Galilei</strong> e la Cultura Scientifica nell'età della Controriforma (Roma: Salerno<br />

Editrice, 2004), p.158.<br />

59 "gl' occhiali esquisitissimi et atti a mostrar tutte te osservazioni<br />

sono molto rari, et io, tra piu di 60 fatti com grande spesa et fatica, non<br />

ne ho potuti elegger se non piccolissimo numero" (Opere. X, 301). No<br />

rascunho dessa carta escrevera que só dez em mais de cem eram aceitáveis<br />

(Opere, X, 298), mas mesmo que estes números contenham algum<br />

exagero é indubitável a dificuldade em produzir telescópios capazes.<br />

52


es pois, depois de poli<strong>das</strong>, só pouquíssimas eram aprova<strong>das</strong><br />

para serem aplica<strong>das</strong> em telescópios. 60<br />

O próprio <strong>Galileu</strong> teve, por vezes, dificuldades em mostrar<br />

os novos corpos celestes. Em Abril de <strong>1610</strong>, deslocou-se a<br />

Bolonha com o intuito de pessoalmente mostrar estas novidades<br />

ao famoso astrónomo Giovanni Antonio Magini (1555-<br />

-1617), num episódio que redundou num clamoroso fracasso,<br />

tendo <strong>Galileu</strong> de retirar-se mais cedo, humilhado. 61 E noutras<br />

ocasiões (por exemplo, na corte dos Mediei), recomendou enfaticamente<br />

que não tentassem ver as luas de Júpiter sem ele<br />

estar presente para ajudar (Opere, X, 289).<br />

E as dificuldades práticas não eram tudo. O telescópio<br />

introduzia ainda um conjunto de problemas novos, com os<br />

quais <strong>Galileu</strong> iria ter de se confrontar ao longo da vida. Como<br />

justificar que as observações telescópicas não eram meras ilusões<br />

ópticas quando imediatamente se verificou que as lunetas também<br />

geravam, com facilidade, ilusões ópticas? Como aceitar os<br />

resultados - muitas vezes perturbadores - de um instrumento<br />

cujo funcionamento não se compreendia nem se sabia<br />

explicar? E uma vez que muitas observações telescópicas não se<br />

limitavam simplesmente a melhorar as observações feitas à vista<br />

60 Sobre a dificuldade em polir lentes convenientes veja-se a carta<br />

de Sagredo a <strong>Galileu</strong>, em 23 de Abril de 1616, onde se refere que de<br />

300 lentes feitas só 22 foram considera<strong>das</strong> aptas e, destas, só 3 julga<strong>das</strong><br />

suficientemente boas para usar em telescópios, isto é, uma taxa de aceitação<br />

de cerca de um por cento (!) (Opere, XII, 257-259).<br />

61 Embora saibamos destes acontecimentos pela pena não muito<br />

simpática de Martin Horky, não oferece dúvida o desastre que esta tentativa<br />

de mostrar os novos planetas a Magini supôs para <strong>Galileu</strong>. Numa<br />

carta para Kepler, de 27 de Abril de <strong>1610</strong>, Horky relata os acontecimentos<br />

que presenciou, dizendo que embora todos tivessem reconhecido que<br />

o telescópio funcionava como <strong>Galileu</strong> dizia para as observações terrestres,<br />

isso já não era verdade para as observações astronómicas. Al, concordavam<br />

todos os presentes nas sessões em casa de Magini, o telescópio iludia.<br />

<strong>Galileu</strong> foi incapaz de proporcionar observações incontroversas e,<br />

ficando muito calado, saiu rapidamente (Opere, X, 343).<br />

53


desarmada, mas entravam em conflito directo com essas, como<br />

explicar as discrepâncias? No fundo, como foi possível a <strong>Galileu</strong><br />

tornar aceites e credíveis as suas descobertas com o telescópio?62<br />

As estratégias desenvolvi<strong>das</strong> por <strong>Galileu</strong> - confirmações<br />

alternativas, testemunhas, representações visuais convincentes,<br />

insistência na superioridade dos própios telescópios, etc. -<br />

revelar-se-iam de imenso sucesso. Como fez notar o historiador<br />

Albert van Helden, o que é realmente surpreendente não é que<br />

tenham surgido dúvi<strong>das</strong> e hesitações, mas, pelo contrário, que<br />

tantos tivessem ficado convencidos <strong>das</strong> descobertas de <strong>Galileu</strong><br />

em tão pouco tempo, quando se pensa nas dificuldades <strong>das</strong><br />

observações, na sua fraca qualidade e na oposição generalizada<br />

ao copernicianismo. 63<br />

As observações telescópicas de <strong>Galileu</strong><br />

o Sídereus Nuncius é composto essencialmente por dois<br />

tratados - um primeiro sobre a Lua e um segundo sobre os<br />

62 Foram vários os fenómenos ópticos ilusórios registados por contemporâneos<br />

de <strong>Galileu</strong>, alguns deles eminentes homens de ciência. Por<br />

exemplo, Giovanni Magini queixou-se de que, ao olhar para o Sol com<br />

o telescópio protegido por lentes escureci<strong>das</strong>, via três sóis (Opere, X,<br />

345). Sobre os problemas relacionados com as discrepâncias entre as<br />

observações telescópicas e as observações a olho nu, veja-se HAROLD r.<br />

BROWN, «Galileo on the telescope and the eye», Journal for the History 01<br />

Ideas, 46 (1985) 487-501. Sobre as estratégias desenvolvi<strong>das</strong> por <strong>Galileu</strong><br />

(e pelos que se seguiram) para tornar credíveis as observações com o<br />

telescópio, ver: ALBERT VA:>I HELDEN, «Telescopes and Authority from<br />

Galileo to Cassini», Osiris, 2 nd series, 9 (1994) 8-29. Todos estes temas,<br />

como é bem sabido, foram analisados por dois autores que adoptam,<br />

contudo, diferente pontos de vista: PAUL FEYERABEND, Agaimt Method:<br />

Outline 01 an Anarchistic Theory 01 Knowledge (London: Verso, 1978);<br />

MARIO BIAGIOLI, Galileo's Instruments 01 Credito Telescopes, Images, Secrecy<br />

(Chicago and London: The University of Chicago Press, 2006).<br />

63 Vide ALBERT VAN HELDEN, «The telescope in the seventeenth<br />

ccnrury», Isi!, 65 (1974) 38-58, esp. p. 51.<br />

54


satélites de Júpiter - introduzidos por umas breves pagmas<br />

acerca do telescópio, e separados por uma digressão, também<br />

de poucas páginas, sobre as estrelas fIxas.<br />

A superfície da Lua<br />

Tudo leva a crer que <strong>Galileu</strong> começou a observar a Lua<br />

sistematicamente com o telescópio a partir de 30 de Novembro<br />

de 1609. 64 Não foi o primeiro homem a fazê-lo pois já no<br />

Verão desse mesmo ano, em Londres, o inglês Thomas Harriot<br />

(ca. 1560-1612) fIzera e registara observações da superfície da<br />

64 A datação e a reCOnStltUIçaO <strong>das</strong> observações da superfície da<br />

Lua feitas por <strong>Galileu</strong> deram origem a interessante e rico debate entre os<br />

historiadores. Uma primeira proposta de datação, por Guglielmo Righini,<br />

numa comunicação apresentada em 1974 e publicada no ano seguinte,<br />

fez iniciar uma troca de opiniões com Owen Gingerich a que depois se<br />

juntou, com outros argumentos, Stillman Drake. Pouco depois Ewan A.<br />

Whitaker, um eminente especialista em cartografia lunar, analisou roda a<br />

questão, tendo proposto uma datação (que em grande medida confirma<br />

a de Righini) e que é hoje em dia aceite quase unanimente. Os trabalhos<br />

relevantes são: GUGLIELMO RIGHINI, «New light on Galíleo's lunar observations»,<br />

in MARIA LUISA RIGHINI BONELLI and WILLIAM SHEA (eds.),<br />

Reason, Experiment, and Mysticism ln the Scientific Revolution (New York:<br />

Science History Publications, 1975), pp. 59-76; OWEN GINGERICH, «Dissertario<br />

cum Professore Righini et Sidereo Nuncio», ibid., pp. 77-88;<br />

STILLMAN DRAKE, «Galileds first telescopic observations"> journal for the<br />

History 01 Astronomy, 7 (1976) 153-168 [também em: STILLMAN DRAKE,<br />

Essays on Galileo and the History and Philosophy 01 Science. Selected and<br />

introduced by N. M. SWERDLOW and T. H. LEVERE (Toronto: University<br />

of Toronto Press, 1999), voI. 1, pp. 380-395]; EWAN A. WHITAKER,<br />

«Galileo's lunar observations and the dating of the composition of Sidereus<br />

Nuncius», journal for the History 01 Astronomy, 9 (1978) 155-169.<br />

Para um enquadramento geral da questão, veja-se: EWAN A. WHITAKER,<br />

«Selenography in the seventeenth century», in R. TATON and C. WILSON<br />

(cds.), Planetary Astronomy fiom the Renaissance to the Rise 01 Astrophysics.<br />

Vol. 2, Part A: Tjcho Brahe to Newton (Cambridge: Cambridge University<br />

Press, 1989), pp. 119-143.<br />

55


Lua, com um primeiro desenho feito em Julho de 1609. Harriot,<br />

contudo, parece nunca ter tido mais do que um interesse<br />

estritamente cartográfico, representando o que pensava serem<br />

os continentes, mares e litorais da Lua. E, na verdade, mesmo<br />

depois de ter lido o Sidereus Nuncius, fez desenhos da superfície<br />

lunar com algum detalhe, mas muito inferiores aos de<br />

<strong>Galileu</strong>. 65 De facto, o italiano empreendeu estes estudos com<br />

uma determinação e uma genialidade sem igual, possuindo, na<br />

altura, uma luneta com uma ampliação e uma resolução muito<br />

melhor do que as de Harriot.<br />

65 Existem dois desenhos da superfície lunar por Harriot datados<br />

de, respectivamente, 26 de Julho de 1609 e 17 de Julho de <strong>1610</strong>, isto é,<br />

um anterior e outro posrerior à publicação do Siderem Nuncim. Sempre<br />

ciosos dos contributos científicos dos ingleses do passado, os historiádores<br />

anglo-saxónicos têm feito o possível por descobrir algum outro<br />

aspecto notável nestas observações, para além do facto de terem sido as<br />

primeiras observações lunares com telescópio. Ewan Whitaker, por exemplo,<br />

defende que Harriot foi o primeiro a observar a libração em latitude<br />

(isto é, óptica) da Lua [EWAN A. WHITAKER, «Selenography in the seventeenth<br />

century», in R. TATON and C. WILSON (eds.), Planetary Astronomy<br />

fiom the Renaissance to the Rise o/ Astrophysics.VoI. 2, Part A: Ijcho Brahe<br />

to Newton (Cambridge: Cambridge University Press, 1989), na p. 122].<br />

Vejam-se os trabalhos de JOHN W. SHIRLEY, «Thomas Harriot's lunar<br />

observations», Science and History: Studies in Honor o/ Edward Rosen, Studia<br />

Copernicana, 16 (1977) 283-308; TERRIE F. BLOOM, «Borrowed perceptions:<br />

Harriot's maps of the Moon», Journa/ for the History o/ Astronomy,<br />

9 (1978) 117-122, AMIR R. ALEXANDER, «Lunar maps and coastal<br />

outlines: Thomas Hariot's mapping of the moon», Studies in History and<br />

Philosophy o/ Science, 29 (1998) 345-368, STEPHEN PUMFREY, «Harriot's<br />

maps of the Moon: new interpretations», Notes and Records o/ the Royal<br />

Society, 63 (2009) 163-168. Para a actividade científica, em geral, de<br />

Harriot, usem-se as duas importantes colectâneas: JOHN W. SHIRLEY<br />

(ed.), Thomas Harríot: Renaissance Scientist (Oxford: Clarendon Press,<br />

1974), e JOHN W SHIRLEY (ed.), A Source Book for the Study o/Thomas<br />

Harriot (New York: Arno Press, 1981). Para os aspectos biográficos deve<br />

ver-se sobretudo: JOHN W. SHIRLEY, Thomas Harriot: A Biography<br />

(Oxford: Clarendon Press, 1983) e ROBERT Fox (cd.), Thomas Harriot.<br />

An Elizabethan Man 01 Science (Aldershot: Ashgate, 2000).<br />

56


A natureza da Lua e, em particular, da sua superfície, fora<br />

sempre objecto de discussões e debates desde a Antiguidade, ao<br />

longo de toda a Idade Média até às vésperas do surgimento do<br />

telescópio. As manchas da Lua são bem visíveis a olho nu e<br />

levaram a que praticamente todos os povos as tenham tentado<br />

interpretar. Já no Neolítico se havia discutido essas manchas.<br />

Uma ideia que circulava desde a antiguidade, inicialmente proposta<br />

por Clearco, era a de que essas manchas se deviam ao<br />

reflexo da superfície da Terra. Anaxágoras havia já declarado<br />

que a Lua era feita como a Terra, com planícies e ravinas e<br />

vários outros, como Heraclides e Platã.o (pela boca de Sócrates,<br />

no Pédon) , haviam argumentado que a Lua era como uma<br />

outra Terra. 66<br />

Acima de tudo, havia Plutarco, que dedicara uma obra<br />

importante e muito divulgada ao assunto, De fade quae in orbe<br />

lunae apparet [Sobre a face que se vê no disco lunar], onde afirmava<br />

que a Lua é como a Terra, com montanhas e vales, e<br />

onde discutia muitos outros temas relacionados, como as manchas<br />

lunares, a explicação da origem e natureza da luz que<br />

irradia da Lua, a matéria de que a Lua é feita, os eclipses, a<br />

possibilidade de a Lua ser habitada, etc. 67 Estas discussões pro-<br />

66 As ideias antigas sobre a natureza da Lua são estuda<strong>das</strong> por<br />

CLAIRE PRÉAUX, La Lune dans 14 pensée grecque [Mémoires de la Classe<br />

des Lettres, 2' série, t. LXI/4, 1973] (Bruxelles: Palais des Académies,<br />

1973) e SOPHlE LUNAIS, Recherches sur 14 Lune - I. Les Autt'urs Latins de<br />

la fin des guerres puniques à la fin du regne des Antonim (Leiden: E. J.<br />

Brill, 1979). Ver ainda LIBA TAUB, Aetna and the Moon. Explaining<br />

Nature in Ancient Greece and Rome (Corvallis: Ofegon State Universiry<br />

Press, 2008). Como referência geral para to<strong>das</strong> as questões que digam<br />

respeito à descrição da Lua deve usar-se: EWAN A WHITAKER, Mapping<br />

and Naming the Moon. A History o/ Lunar Cartography and Nomenclature<br />

(Cambridge: Cambridge Universiry Press, 1999).<br />

67 O De focie quae in orbe /unae apparet faz parte dos Mora/ia de<br />

Plutarco. Existem edições modernas em vários idiomas, mas não em português.<br />

A edição mais recomendável (texto grego e tradução inglesa)<br />

encontra-se em: PlutarchS Mora/ia. Vol. XII. With an English transIation<br />

57


longaram-se por toda a Idade Média e Renascimento, influenciando<br />

pensadores e artistas. Era corrente a explicação, de origem<br />

averroista, segundo a qual a Lua recebia a luz do Sol diferentemente,<br />

em função da sua densidade, o que explicaria a<br />

existência <strong>das</strong> diferentes tonalidades, isto é, <strong>das</strong> manchas na sua<br />

superfície. 68 Mesmo nas vésperas <strong>das</strong> descobertas galilelanas,<br />

estes assuntos eram discutidos em alguns dos texto mais<br />

influentes, como, por exemplo, no comentário ao De caelo<br />

(1593) do Curso conímbríceme e, sobretudo, por Kepler, na sua<br />

Optica (1604).69 Kepler não se limitou a citar Plutarco abunby<br />

HAROLD CHERNISS and WILLIAM C HELMBOLD (Cambridge, Mass.:<br />

Harvard University Press; London: William Heinemann, 1957), pp.<br />

1-223. Veja-se ainda P. RAINGEARD, Le Peri tou Prosopou de Plutarque.<br />

Texte critique avec traduction et commentaire (Paris: Les BelIes Lettres,<br />

1934). Sobre a relação de <strong>Galileu</strong> com o texto de Plutarco, ver: PAOLO<br />

CASINI, «II Dialogo di Galileo e la luna di Plutarco», in PAOLO GALLUZZI<br />

(ed.), Novità Celesti e Crisi deI Sapere (Firenze: Giunti Barbera, 1984),<br />

pp. 57-62; PAOLO CASINI, "Plutarco, Galileo e la faccia della luna», Intersezioni,<br />

4 (1984) 397-404;<br />

68 Veja-se, sobretudo, ROGER ARIEW, «Galileo's lunar observations<br />

in the context of medieval lunar theory», Studies in the History and Philosophy<br />

o/ Science, 15 (1984) 213-226. De notar também que as representações<br />

artísticas captaram a irregularidade da superfície da Lua muito<br />

antes do aparecimento do telescópio. Por exemplo, as representações<br />

naturalistas da Lua pelo pintor flamengo Jan Van Eyck (1385?-1441),<br />

feitas entre 1420 e 1437 (vide S. L. MONTGOMERY, «The fim naturalistic<br />

drawing of the Moam>, Journal for the History o/ Astronomy,<br />

25 (1994) 317-320) ou os desenhos feitos por Leonardo da Vinci entre<br />

1505-1514 (vide G. REAVES and C PEDRETTI, "Leonardo da Vinci's<br />

drawings of the surface features of the Moon», Journal for the History<br />

o/ Astronomy, 18 (1987) 55-58), estão longe de representar um astro com<br />

atributos de perfeição celeste.<br />

69 Commentarii Collegii Conimbricemis Societatis Iesu in Quatuor<br />

Libros De Coelo ArÍ5totelis Stagiritae. Olisipone, Ex Officina Simonis<br />

Lopesii, 1593 [com edições posteriores], especialmente pp. 264-265.<br />

Sobre as discussões acerca da Lua no Curso conimbricense e, mais geralmente,<br />

em Portugal, veja-se: BERNARDO MACHADO MOTA, «A Naturalísrica<br />

da Lua em Portugal nos séculos XVI e XVII», Colóquio Revisitar os<br />

58


dantemente, subscrevendo a sua tese central acerca de uma<br />

equivalência essencial entre a Lua e Terra, mas, mais importante,<br />

introduziu uma noção muito inovadora ao afirmar que a<br />

aceitação dessas ideias acerca da natureza da Lua era o primeiro<br />

passo na aceitação do copernicianismoJo Aliás, Kepler ficaria<br />

tão fascinado com o De focie quae in orbe lunae apparet, de<br />

Plutarco, que, anos mais tarde, faria uma tradução completa a<br />

partir do original grego.? 1<br />

<strong>Galileu</strong>, contudo, certamente para acentuar a espectacularidade<br />

<strong>das</strong> suas próprias observações e a importância do telescópio,<br />

não deu qualquer indicação destas discussões nem da<br />

existência de uma longa tradição' polémica acerca da natureza<br />

da Lua, nem muito menos da posição de Kepler acerca deste<br />

assunto. Limitou-se, numa frase breve, a mencionar a "opinião<br />

Saberes. Actas (Lisboa; no prelo). Kepler discute vários assuntos relativos à<br />

natureza da Lua no seu Ad Vitellionem Paralipomena, quibus Astronomiae<br />

Pars Optica Traditur (Frankfurt, 1604), apresentando catorze citações do<br />

livro de Plutarco. Este importante texto de Kepler está no vol. II da Joannis<br />

Kepleri Opera Omnia e também no vol. II da Kepler Gesammelte<br />

Werke. Há uma tradução inglesa desta obra: JOHANNES KEPLER. Optics.<br />

Paralipomena to Witelo and Optical Part of Astronomy. Translated by<br />

William H. Donahue (Santa Fe, New Mexico: Green Hon Press, 2000).<br />

70 "Tandem vero, ubi Plutarchus, ubi Maestlinus aequis in philosophia<br />

auribus fuerint capti: tum bene Aristarchus cum Copernico suo discipulo<br />

sperare incipiat." Optica, ed Fritsch, p. 290; JOHANNES KEPLER.<br />

Optics. Paralipomena to Witelo and Optical Part of Astronomy. Trad. W.<br />

H. Donahue, p. 267.<br />

71 Kepler traduziu, anotou, e deu aos prelos o livro de Plutarco<br />

como um anexo à sua obra, publicada postumamente pelo seu filho:<br />

Somnium, seu Opus Posthumum de Astronomia Lunari (Frankfurt, Zaga,<br />

1634), fols. 97-184. Vide Kepler's Somnium. The Dream, or Posthumous<br />

Work on Lunar Astronomy. Translated, with a Commentary by EDWARD<br />

ROSEN (Madison: Universiry of Wisconsin Pres, 1967), especialmente,<br />

«Appendix D: Kepler Translation of Plutarch's Mooil», pp. 209-211;<br />

JOHANNES KEPLER, El Sueno o la Astronomia de la Luna. Introducción,<br />

traducción, notas e índices: FRANCISCO SOCAS (Huelva: Universidad de<br />

Huelva, 2001).<br />

59


pitagórica de que a Lua é uma outra Terrà'.· O aparecimento<br />

do telescópio permitia a <strong>Galileu</strong> fazer uma ousada manobra<br />

retórica, impondo um verdadeiro corte na longa tradição dos<br />

estudos sobre a Lua. Ao ignorar todos os textos e as ricas discussões<br />

do passado, <strong>Galileu</strong> indicava implicitamente que o<br />

telescópio inaugurava uma nova era. Não se sentia, assim, na<br />

necessidade de dialogar com as opiniões do passado que<br />

haviam ficado ultrapassa<strong>das</strong> - mas não necessariamente rebati<strong>das</strong><br />

- com o advento da luneta.<br />

Nem todos ficaram convencidos com esta manobra.<br />

Quando começaram a ser divulga<strong>das</strong> as observações galileanas<br />

da superfície da Lua, alguns contemporâneos acharam que o<br />

que se estava a divulgar como novo era assunto antigo e bem<br />

sabido. 72 E tinham bastante razão pois até o próprio <strong>Galileu</strong> já<br />

era da opinião de que a Lua era como a Terra, com montanhas<br />

e vales, alguns anos antes de a ver com o telescópio. Em 1606,<br />

na sequência <strong>das</strong> discussões provoca<strong>das</strong> pelo aparecimento da<br />

nova estrela de 1604, publicara, sob o pseudónimo de Alimberto<br />

Mauri, uma obra intitulada Considerazioni { ..} intorno<br />

alia stella apparita 1604, onde defendia já esta ideia.7 3 No<br />

entanto, como rapidamente se constataria, uma coisa é discutir<br />

com base em textos, argumentos, e autoridades. Outra coisa,<br />

muito diferente, é ver, sobretudo quando o "ver" era guiado<br />

pela pena e pela mente de um homem genial.<br />

72 Foi, por exemplo, o caso de Giovanni Camilo Gloriosi que imediatamente<br />

relacionou as notícias da<strong>das</strong> por <strong>Galileu</strong> com o texto de Plutarco;<br />

"Quae de luna refert, veterrima sunt, Pythagoraeque adscribantur;<br />

qua de re disertíssimus extat Plutarchi libellus" (Opere, X, 363).<br />

73 Comiderazioni [. . .] sopra alcuni luoghi dei discorso di Lodouico<br />

delie Colombe intorno alia stella apparita 1604 (Firenze, Giovanni Antonio<br />

Caneo, 1606). O texto está traduzido para inglês por Stillman Drake<br />

em; Galileo Agaimt the Philosophers (Los Angeles: Zeitlin and Ver Brugge,<br />

1976), pp. 73-130, com um importante estudo nas pp. 55-71. Sobre este<br />

texto e as circunstâncias intelectuais que rodearam a sua produção, ver:<br />

EILEEN REEVES, Painting the Heavem, Art and Science in the Age 01 Galileo<br />

(Princeton: Princeton Universiry Press, 1997), pp. 91-137.<br />

60


Entre 30 de Novembro e 18 de Dezembro, <strong>Galileu</strong> observou<br />

a Lua em diversas fases, fazendo cuidadosos desenhos do<br />

que via. Para além <strong>das</strong> gravuras que estão no Sidereus Nuncius,<br />

conhecem-se alguns outros desenhos e aguarelas da Lua também<br />

feitos por ele.7 4 Muito recentemente foi localizado um<br />

exemplar do Sidereus Nuncius, absolutamente idêntico aos da<br />

primeira edição, mas que, em lugar <strong>das</strong> gravuras, apresenta<br />

aguarelas que tudo leva a crer foram feitas pelo próprio <strong>Galileu</strong>.l<br />

5 As gravuras da edição original do Sidereus Nuncius são de<br />

boa qualidade, mas nas edições seguintes decaíram muito de<br />

nível.<br />

74 Preservaram-se sete desenhos a aguarela feitos por <strong>Galileu</strong><br />

(Biblioteca Nazionale Centrale di Firenze, Cod. <strong>Galilei</strong>ana 48, em<br />

manuscritos não-datados). É convicção entre os historiadores de que as<br />

aguarelas foram executa<strong>das</strong> por <strong>Galileu</strong> enquanto observava e não a posteriorí,<br />

relembrando o que vira. Vide EUZABETH CAVICCHI, «Painting the<br />

Moon», Sky and Telescope, 82 (1991) 313-315. Sobre <strong>Galileu</strong> como<br />

artista veja-se especialmente: HORST BREDEKAMP, «Gazing Hands and<br />

Blind spots: Galileo as Draftsman», in jÜRGEN RENN (ed.), Galíleo ín<br />

Context (Cambridge: Cambridge University Press, 2001), pp. 153-192;<br />

HORST BREDEKAMP, Galitei der Künstler. Der Mond. Die Sonne. Die<br />

Hand (Berlin: Akademie Verlag, 2007). Veja-se também a discussão<br />

acerca <strong>das</strong> teses principais deste livro por OWEN GINGERICH, «The<br />

curious case of the M-L Sidereus Nuncius», Galilaeana, 6 (2009) 141-<br />

-165. Em particular, os desenhos da Lua por <strong>Galileu</strong> mostram que ele<br />

dominava as técnicas do disegno, uma observação que os historiadores já<br />

haviam feito há alguns anos: Vide WOLFGANG KEMPF, «Disegno: Beitrage<br />

zur Geschichte des Begriffs zwischen 1547 und 1607», Marburger Jahrbuch<br />

for Kunstwissenschaft, 19 (1974) 219-240; SAMUEL Y. EDGERTON,<br />

The Herítage of Giottos geometry: Art and science on the eve of the scientifie<br />

revolution (Ithaca and London: ComeI! University Press, 1991),<br />

pp. 223-253; CHRYSA DAMIANAKI, Galileo e Ie arti figurative (Roma: Vecchiarelli<br />

Editore, 2000); HORST BREDEKAMP, «Gazing hands and blind<br />

spots: Galileo as draftsman», Science in Context, 13 (2000) 423-463.<br />

75 Este é agora conhecido como o exemplar MI, de Martayan-Lan,<br />

o conhecido livreiro nova-iorquino que deu a conhecer o livro. Não cabe<br />

aqui fazer-se uma análise detalhada <strong>das</strong> diferentes representações da Lua<br />

61


o estudo da superfície lunar por <strong>Galileu</strong> é antes de mais<br />

nada um monumento à sua capacidade de observação e ao seu<br />

talento gráfico. Fica bem patente a sua grande capacidade artística,<br />

mas fica ainda mais explícita a sua compreensão da<br />

importância <strong>das</strong> representações visuais como elementos persuasivos<br />

de imenso poder,76 No Sidereus Nuncius <strong>Galileu</strong> apresenta<br />

cinco gravuras da Lua na verdade apenas quatro são distintas<br />

pois há uma repetição em diferentes fases, procurando,<br />

muito mais do que uma cartografia precisa da Lua, fazer uma<br />

descrição visual dos diferentes tipos de acidentes e relevos da<br />

superfície lunar e a sua semelhança com os correspondentes<br />

terrestres.<br />

Algumas destas observações haviam sido da<strong>das</strong> a conhecer<br />

na carta de 7 de Janeiro de <strong>1610</strong> que enviou a Antonio de'<br />

Mediei e, na verdade, quando semanas depois preparou o Sidereus<br />

Nuncius usou muito do texto que escrevera nessa missiva.<br />

deixa<strong>das</strong> por <strong>Galileu</strong>, mas seria insensato não chamar a atenção do leitor<br />

para a descoberta <strong>das</strong> novas aguarelas, uma <strong>das</strong> maiores novidades nos<br />

estudos galileanos nos últimos anos, comunicada pela Universidade de<br />

Pádua a 28 de Março de 2007 e analisada por William R. Shea a Horst<br />

Bredekamp. Vide GIOVANNI CAP RARA, "E Galileo dipinse ii volto della<br />

Luna», Corriere della Sera, 27 Março 2007, pp. 15-18; RICHARD OWEN,<br />

«The Galil.eo sketches that turned the universe on its head», The Times,<br />

28 Março 2007, pp. 6-7; M. BECKER, «<strong>Galilei</strong>s erste Mond-Bilder entdeckt»,<br />

Spiegel 30 Março 2007; JEFF ISRAELY, «Galileo's Moon View» ,<br />

Time, 16 Agosto 2007.<br />

76 Acerca deste tema, a literatura recente tem sido adicionada com<br />

trabalhos de grande importância. Veja-se: WILLIAM R. SHEA, «How Galileo's<br />

mind guided his eye when he first looked at the moon through a<br />

telescope», in: GÉRARD SIMON and SUZANNE DÉBARBAT, Opties and<br />

Astronomy [= Proceedings of the XX Úl International Congress of History<br />

of Science, Liege, 20-26 July 1997, vol. XII] (Turnhout: Brepols, 2001),<br />

pp. 93-109; SARA EUZABETH BOOTH and ALBERT VAN HELDEN, «The<br />

Virgin and the lelescope: The Moons of Cígo/i and Galileo», Scienee in<br />

Context, 13 (2000) 463-488 [republicado in: jÜRGEN RENN (ed.), Galileo<br />

in Context (Cambridge: Cambridge Universíry Press, 2001), pp. 193-<br />

-216].<br />

62


Ao redigir o Siderem Nuncius, <strong>Galileu</strong> percebeu que necessitava<br />

de criar uma nova linguagem visual para acompanhar a descrição<br />

de factos tão surpreendentes. As gravuras que preparou não<br />

têm a pretensão de cartografar a superfície lunar e, quando<br />

compara<strong>das</strong> com imagens reais da Lua, imediatamente se reconhece<br />

que estão muito longe de serem representações fiéis. Pelo<br />

menos desde meados do século XVII que vários astrónomos<br />

fizeram notar que, considera<strong>das</strong> como descrições cartográficas<br />

da Lua, as gravuras do Sidereus Nuncim são muito deficientes?7<br />

Mas a representação exacta dos detalhes lunares nunca foi a<br />

intenção de <strong>Galileu</strong>. As gravuras que apresenta são peças<br />

visuais de um argumento. Aliás, a comparação <strong>das</strong> aguarelas<br />

que primeiramente desenhou, enquanto observava com o telescópio,<br />

com as gravuras depois publica<strong>das</strong>, mostra que as primeiras<br />

são muito mais fiéis à realidade e que <strong>Galileu</strong> intencionalmente<br />

deformou e exagerou muitos aspectos do que vira,<br />

. para construir e ilustrar os seus argumentos. As imagens apresenta<strong>das</strong><br />

são o ponto de partida e apoio visual de um argumento<br />

que <strong>Galileu</strong> monta acerca <strong>das</strong> zonas claras e escuras da<br />

Lua, do modo como essas zonas de claridade e escuridão vão<br />

variando com a passagem do tempo, e do que se pode deduzir<br />

dessas mutações.<br />

A análise de <strong>Galileu</strong> é verdadeiramente excepcional, sendo<br />

toda baseada na observação de pontos luminosos e escuros e<br />

manchas mais ou menos brilhantes na superfície da Lua, na<br />

sua distribuição espacial e sua variação com o decorrer do<br />

tempo. O telescópio não lhe mostrou directamente o perfil de<br />

77 O primeiro a assinalar esse facto foi o grande astrónomo e selenógrafo<br />

polaco Johannes Hevelius (1611-1687), na Selenographia síve<br />

Lunae descriptio (Gdansk, 1647), p. 205. Recentemente, por exemplo,<br />

idênticas críticas foram feitas por especialistas em cartografia lunar:<br />

ZDENEK KOPAL and ROBERT W. CARDER, Mapping the Moon, past and<br />

present (Dordrecht and Boston: Reidel, 1974), p. 4. Uma importante<br />

obra de referência para este tipo de estudos é o livro de JOHN E.<br />

WESTFALL, Atlas o/ the Lunar Terminator (Cambridge: Cambridge University<br />

Press, 2000).<br />

63


montanhas lunares, nem nunca <strong>Galileu</strong> reclamou tal coisa. Pelo<br />

contrário, como explicou numa carta ao matemático jesuíta<br />

Christoph Grienberger, a conclusão de que a Lua tem montanhas<br />

não é obtida pelos sentidos directamente, mas sim pela<br />

"conjunção do discurso com as observações e aparências" 78. A<br />

existência de montanhas e vales, cordilheiras e depressões é,<br />

pois, uma dedução a partir <strong>das</strong> propriedades do brilho da<br />

superfície da Lua, uma dedução com que nem todos concordariam.<br />

Observando com o telescópio e interpretando os resultados<br />

foi possível concluir que a Lua tem zonas de planície,<br />

montanhas e vales. Esta natureza irregular e montanhosa da<br />

Lua é especialmente evidente examinando o terminador, isto é,<br />

a linha que separa a região escura da região iluminada. Compreendendo<br />

que alguns pontos brilhantes, na zona obscurecida<br />

da Lua, seriam os cumes de montanhas lunares iluminados<br />

pelo $pl, <strong>Galileu</strong> foi ainda capaz de fornecer estimativas para a<br />

altura <strong>das</strong> montanhas da Lua, com um argumento geométrico<br />

simples mas muito engenhoso.7 9 Explicou ainda porque é que<br />

78 Carta a Christoph Grienberger, a 1 de Setembro de 1611:<br />

"Come dunque sappiamo noi, la Luna esser montuosa? Lo sappiamo non<br />

coi semplice senso, ma coll' accopiare e congiungere ii discorso coll' osservationi<br />

et apparenze sensate, argumentando simil guisa" (Opere, XI, 183).<br />

79 A explicação é bem conhecida e figura em praticamente todos os<br />

textos que tratam deste assunto. Para uma discussão mais pormenorizada,<br />

ver: FLORIAN CAJORI, «History of determination of the heights of mountains»,<br />

!sis, 12 (1929) 482-514; C. W. ADAMS,


essas montanhas não tornavam de aspecto rugoso o perfil exterior<br />

do disco lunar, como uma consequência da sobreposição<br />

visual de muitas cordilheiras lunares ou devido ao efeito óptico<br />

dos vapores atmosféricos da Lua, o que explicou detalhadamente<br />

com um diagrama (<strong>Galileu</strong> abandonaria mais tarde, só<br />

depois da publicação do Sidereus Nuncius, a ideia de qualquer<br />

fenómeno atmosférico na Lua).<br />

A importância que ele atribuía às gravuras da Lua é<br />

evidente pois quando pensou em fazer uma nova edição do<br />

Sidereus Nuncius, uma <strong>das</strong> suas intenções era melhorar essas<br />

representações, incluindo uma série completa de imagens da<br />

superfície da Lua para toda uma lunação (Opere, X, 300).<br />

Um dos pontos centrais em toda a discussão acerca da<br />

Lua tem que ver com o fenómeno da chamada Lua cinzenta,<br />

ou Lua cendrada, a que <strong>Galileu</strong> chamará "luz secundária" da<br />

Lua, isto é, a ténue luminosidade que se pode observar na<br />

parte obscura da Lua quando está na fase crescente. A interpretação<br />

mais tradicional desta iluminação subtil atribuía-a à<br />

luz solar, baseando-se na ideia de que o globo lunar era parcialmente<br />

translúcido e que, quando era exposto à luz do Sol,<br />

ficava impregnado dessa iluminação. <strong>Galileu</strong> discutiu o fenómeno<br />

com atenção e mostrou tratar-se de luz que atinge a Lua<br />

depois de ter sido reflectida pela Terra (tal como a Lua ilumina<br />

a Terra com luz reflectida do Sol, também a Terra ilumina a<br />

Lua com luz reflectida). Diz que já discutira e explicara este<br />

assunto alguns anos antes, mas não refere que nem sequer fora<br />

o primeiro a fazê-lo. 80 É possível que não estivesse a par de<br />

que um século antes já Leonardo da Vinci havia sugerido uma<br />

tal explicação, num dos seus apontamentos manuscritos, mas<br />

sabia certamente que Michael Maestlin (1550-1631), na sua<br />

Disputatio de eclipsibus solis et /unae (Tübingen,1596), já tratara<br />

BO O tema da luz secundária e da sua explicação por <strong>Galileu</strong> é tratado<br />

desenvolvidamente na obra de EILEEN REEVES, Painting the Heavens,<br />

Art and Science in the Age 01 Galileo (Princeton: Princeton University<br />

Press, 1997).<br />

65


do assunto, e que Kepler já dera uma explicação completa do<br />

fenómeno na sua Optica (1604).81 Mas o que torna este<br />

assunto de importância capital é que, para <strong>Galileu</strong>, a luz secundária,<br />

revelando uma simetria entre a Lua e a Terra, servia<br />

como uma <strong>das</strong> indicações mais convincentes a favor do estatuto<br />

planetário da Terra, isto é, do copernicianismo. O assunto<br />

permaneceria de grande importância no programa coperniciano<br />

em que <strong>Galileu</strong> se empenhou ao longo dos anos. Mesmo já<br />

nos seus últimos anos de vida voltaria a este assuntO a propósito<br />

do livro de Fortunio Liceti, Litheosphorus, sive de lapide<br />

Bononiensí lucem (Udine, 1640), em que o autor defendia que<br />

a luz da Lua era devida a um fenómeno semelhante ao da<br />

pedra de Bolonha, isto é, um fenómeno de fosforescência. 82<br />

Todavia, como foi já argumentado convincentemente por<br />

Roger Ariew, não pode dizer-se que as observações de <strong>Galileu</strong><br />

61 No capítulo «De illustratione mutua lunae et terrae», in Ad<br />

Vitellionem Paralipomena, quibus Astronomiae Par, Optica Traditur (Frankfurt.<br />

1604), Kepler discute o assunto e transcreve o passo relevante de<br />

Maesdin. Veja-se: Kepler Gesammelte Werke. vol. II, pp. 221-225. e. na<br />

tradução inglesa: Johannes Kepler. Opties. Paralipomena to Witelo and<br />

Optieal Part o[ Astronomy. Trad. W. H. DONAHUE, pp. 263-268. Sobre a<br />

questão tratada por Leonardo (sobretudo no Codex Arundel), ver;<br />

E. MILLOSEVICH, «Leonardo e la luce cinerea». in Per iI 4° eentenario<br />

della morte di Leonardo (Bergamo; Istituto di Studi Vinciani. 1919),<br />

pp. 17-19.<br />

62 Numa carta ao príncipe Leopoldo da Toscana <strong>Galileu</strong>. criticou<br />

esta explicação relembrando as suas observações da Lua acerca do assunto<br />

(Opere. VIII, 467). Sobre esta questão, ver: S. L VAVlLOV, «Galileo in the<br />

History of OpriCS», Soviet Physics Uspekhi, 7 (1965) 569-616 [originalmente;<br />

Usp. Fiz. Nauk. 83 (1964) 583-615]. Eileen Reeves defende que<br />

<strong>Galileu</strong> teria voltado ao estudo da luz secundária num trabalho intitulado<br />

De visu et colcribus que anunciou numa carta a Belisario Vinta a 7 de<br />

Maio de <strong>1610</strong> (Opere, X, 352), mas cujo rasto se desconhece, não se<br />

sabendo sequer se chegou efectivamente a ser terminado. Vide EILEEN<br />

REEVES, Painting the Heavem: Art and Scienee in the Age o[ Galileo (Princeeon:<br />

Princeton University Press, 1997), pp. 113-118.<br />

66


tivessem anulado completamente a descrição averroista. 83 Talvez<br />

por isso, ou porque a observação da superfície lunar com um<br />

telescópio é muito simples de fazer, estas descobertas acerca do<br />

relevo da Lua e do seu brilho secundário foram as que suscitaram<br />

mais reservas e contestações. O mmoso matemático jesuíta<br />

Cristovão Clávio [Clavius) (1538-1612), se bem que estivesse<br />

pronto para aceitar to<strong>das</strong> as outras observações telescópicas de<br />

<strong>Galileu</strong>, incluindo a supreendente observação de satélites de<br />

Júpiter, nunca aceitou completamente as opiniões de <strong>Galileu</strong><br />

relativas à Lua.<br />

A análise da superfície da Lua por <strong>Galileu</strong> é um feito do<br />

mais notável brilhantismo científico. Para que seja convenientemente<br />

apreciado importa ter presente que foi realizado em<br />

condições muito desfavoráveis: os campos visuais dos telescópios<br />

de que dispunha (cerca 12 a 15 minutos de arco) apenas<br />

lhe permitiam ver cerca de um quarto da Lua cheia. <strong>Galileu</strong><br />

praticamente abandonou o estudo da superfície da Lua após a<br />

redacção do Sidereus Nuncius, o que se viria a converter num<br />

campo de intenso trabalho científico sob o nome de Selenografia.<br />

Todavia ainda fez mais uma descoberta importante, ao<br />

observar, na década de 1630, as librações da Lua 84 •<br />

83 ROGER ARIEW, .Galileo's lunar observations in rhe context of<br />

medieval lunar theory», Studies in the History and Philosophy o/ Science,<br />

15 (1984) 213-226.<br />

84 <strong>Galileu</strong> explicou a Iibração óptica (ou em latitude) da Lua no<br />

Dialogo sopra i due massimi sistemi dei mondo (1632) (Opere, VII, 90-91).<br />

Mais tarde, numa carta a Fulgenzio Micanzio, a 7 de Novembro de<br />

1637, anunciou a descoberta de um outro tipo libração, que hoje se<br />

designa por libração em longitude (Opere, XVII, 214-215), tendo continuado<br />

a investigar este fenómeno nos meses seguintes, vide (Opere, XVII,<br />

291-297). Sobre este assunto, ver: WILLIAM R. SHEA, Galileo's Intellectuai<br />

Revolution (New York: Science History Publications, 1972), pp. 185-186;<br />

STILLMAN DRAKE, Gaiileo at Work. His Scientific Biography (Chicago and<br />

London: The University of Chicago Press, 1978), p. 385. Como já se<br />

assinalou atrás, é possível que Harriot tenha sido o primeiro a notar a<br />

libração em latitude, mas <strong>Galileu</strong> não teve de certeza notícia disso.<br />

67


Toda a discussão em torno da Lua serviu a <strong>Galileu</strong> de<br />

ocasião para introduzir, como um tema que se irá repetindo<br />

em toda a sua obra posterior, a ideia da semelhança e da<br />

co-familiaridade entre a Lua e a Terra e, portanto, a afirmação<br />

de que a Terra é apenas mais um planeta. Aliás, será durante a<br />

discussão da superfície lunar que <strong>Galileu</strong> fará a mais explícita<br />

referência ao movimento da Terra em todo o Sidereus Nuncius.<br />

A natureza da Lua, do seu brilho e a sua semelhança com a<br />

Terra são extensamente trata<strong>das</strong> no Dialogo sopra i due massimi<br />

sistemi del mondo (Florença, 1632), constituindo uma parte<br />

central <strong>das</strong> discussões do primeiro dia (Opere, VII, 86-131).<br />

As estrelas fIXas<br />

<strong>Galileu</strong> começou a observar com atenção as estrelas fixas<br />

pouco depois de dispor de telescópios. No Sidereus Nuncius<br />

referiu-se apenas às suas observações de Orionte [Oríon] e <strong>das</strong><br />

Plêiades, mas, por apontamentos manuscritos, é possível saber<br />

que examinou também com atenção outras constelações. 85 Apesar<br />

de ter referido as suas observações <strong>das</strong> estrelas logo na carta<br />

a Antonio de' Mediei - "molte stelle fisse si veggono con l'occhiale,<br />

che senza non si discernono" (Opere, X, 277) - a<br />

inclusão deste assunto no livro parece ter sido uma decisão tardia,<br />

feita até com alguma precipitação, e quando <strong>Galileu</strong> se<br />

referiu a uma segunda edição que pensava fazer, mencionava<br />

como um dos melhoramentos uma secção muito maior sobre<br />

as estrelas fixas, com gravuras de to<strong>das</strong> as constelações (Opere,<br />

X, 299-300).<br />

Desde 1604, quando apareceu uma nova nos céus, que<br />

<strong>Galileu</strong> se interessava pela natureza da luz dos astros. Nessa<br />

altura defendera que, quer estrelas, quer planetas, iluminavam<br />

85 Vide Sidereus Nuncius. Le Messager Céleste. Texte, traductíon et<br />

notes établis par Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lemes, 1992), p. xxiii.<br />

68


por reflectirem luz. 86 Com o telescópio, contudo, corrigiu essa<br />

primeira explicação, concluindo que os planetas apenas reflectem<br />

luz, e que somente as estrelas brilham com luz própria.<br />

Mas a observação telescópica de estrelas revelaria um comportamento<br />

inesperado. <strong>Galileu</strong> notou que quando as via com o<br />

telescópio, embora elas se passassem a ver com brilhos muito<br />

mais intensos do que a olho nu, continuavam a aparecer muito<br />

pequenas, pontuais. Um comportamento muito diferente, portanto,<br />

dos planetas, que, observados com o telescópio, revelam<br />

uma forma bem definida de discos. A 7 de Janeiro relatava<br />

estes factos do seguinte modo:<br />

I pianeti si veggono rotondissimi, in guisa di piccole<br />

lune piene, et di una rotondità terminata et senza irradiatione:<br />

ma le stelle fisse non appariscono cosi, anzi si veggono<br />

folgoranti et tremanti assai piu con I' occhiale che<br />

senza, et irradiate in modo che non si scuopre qual figura<br />

posseghino (Opere, X, 277).<br />

Na verdade, o problema era ainda mais perturbador pois<br />

as estrelas pareciam, efectivamente, diminuir de tamanho<br />

quando vistas através do telescópio, enquanto todos os outros<br />

corpos são ampliados. Ou seja, o telescópio parecia funcionar<br />

de modo diferente para diferentes objectos celestes; um complicado<br />

problema que <strong>Galileu</strong> tinha de explicar. 87<br />

86 Vide SVEN DUPRÉ, «Galileo's telescope and celestial light», Journa!<br />

for the History 01 Astronomy, 34 (2003) 369-399; ElLEENREEVES,<br />

Painting the Heavens, Art and Science in the Age 01 Ga!i/eo (Princeton:<br />

Princeton University Press, 1997), pp. 57-90.<br />

S7 A razão verdadeira é a difracção que ocorre quando a luz passa<br />

por uma abertura pequena, como a pupila do olho ou a objectiva do<br />

telescópio, e que impossibilita obter imagens níti<strong>das</strong> de objectos muito<br />

pequenos. As estrelas são tão pequenas que, seja qual for o seu tamanho<br />

real e a ampliação da luneta, o que se vê são apenas os seus discos de<br />

difracção.<br />

69


A ideia de <strong>Galileu</strong> para explicar este estranho facto consistiu<br />

em argumentar que, à vista desarmada, as estrelas são<br />

vistas sempre rodea<strong>das</strong> de uma irradiação, uma espécie de<br />

"cabeleirà' de raios luminosos que saem da estrela em to<strong>das</strong> as<br />

direcções, que as faz parecer de muito maior dimensão, mas<br />

que esta irradiação seria eliminada (como que "rapada", é a<br />

expressão que usa) ao passar pelo telescópio. Com esta explicação<br />

<strong>Galileu</strong> conseguia não somente tornar coerente o funcionamento<br />

do telescópio, produzindo o mesmo efeito para todos os<br />

objectos celestes observados, mas conseguia também anular<br />

uma importante crítica de Tycho Brahe contra o sistema de<br />

Copérnico. 88<br />

É interessante notar que, para explicar este assunto, <strong>Galileu</strong><br />

invocou observações não-telescópicas <strong>das</strong> estrelas. Podia<br />

assim atacar as estimativas e os argumentos de Tycho Brahe<br />

(que nunca tivera telescópios), ao mesmo tempo que desligava<br />

o problema do diâmetro <strong>das</strong> estrelas da questão da fiabilidade<br />

do instrumento. 89<br />

O problema do brilho <strong>das</strong> estrelas ocupá-lo-ia até ao fim<br />

da vida e serviria para introduzir uma profunda análise e crítica<br />

<strong>das</strong> ideias tradicionais associa<strong>das</strong> à percepção visual. Depois<br />

<strong>das</strong> primeiras menções no Sidereus Nuncius, voltaria ao assunto<br />

88 Argumentando contra o sistema de Copérnico, Tycho Brahe<br />

fizera notar que se as estrelas estivessem às enormes distâncias da Terra,<br />

necessárias para tornar insensíveis os efeitos da paralaxe estelar, então,<br />

atendendo à sua dimensão aparente, elas teriam que ser absolutamente<br />

gigantescas. Sem explicitar que se referia a este argumento de Brahe,<br />

<strong>Galileu</strong> respondeu no Sidereus Nundus do modo que se descreve acima,<br />

e voltou ao assunto, mais desenvolvidamente e agora citando pelo nome<br />

o astr6nomo dinamarquês, no terceiro dia do Dialogo sopra i due rrulSSimi<br />

sÍ!temi dei mondo (1632) (Opere, VII, 385-392). As objecções de Brahe<br />

encontram-se na sua correspondência, publicada. pela primeira vez em<br />

1596 em Uraniborg com o título de Epistolae astronomícae.<br />

89 Vide HENRY R. FRANKEL, «The importance of Galileo's nomelescopie<br />

observations concerning the size of the fixed stars», Isis, 69 (1978)<br />

77-82.<br />

70


na terceira carta sobre as manchas solares, em Istorie e dimostrazioni<br />

intorno alie macchie solari (1613) (Opere, V, 196-197)<br />

no Discorso delle comete (1619), escrito em nome de Mario<br />

Guiducci (Opere, VI, 79-85), no II Saggiatore (1623) (Opere,<br />

VI, 354-361), onde está a discussão mais desenvolvida deste<br />

tema, no Dialogo sopra i due massimi sistemi dei mondo (1632)<br />

(Opere, VII, 356-365), e mesmo no Le operazioni astronomiche,<br />

um trabalho redigido já quase no fim da vida que ficaria<br />

incompleto (Opere, VIII, 453-464). O argumento que <strong>Galileu</strong><br />

foi progressivamente desenvolvendo nestes trabalhos era o de<br />

que a vista desarmada produz ilusões ópticas que o telescópio<br />

resolve, e que, portanto, a nossa visão directa não deve ser confiada<br />

quando se trata de observações de fenómenos astro nómicos.<br />

90<br />

Observando com o telescópio duas zonas bem conheci<strong>das</strong><br />

do céu - na constelação de Orionte a zona do cinturão e da<br />

espada, e as Plêiades, na constelação do Touro -, <strong>Galileu</strong> verificou<br />

a existência de dezenas de novas estrelas fixas, invisíveis a<br />

olho nu e por isso totalmente desconheci<strong>das</strong> até então. 91 As<br />

90 Uma vez que o argumento será desenvolvido e aperfeiçoado em<br />

publicações posteriores ao Sidereus Nuncius, não cabe aqui analisá-lo<br />

em detalhe, mas importa sublinhar que o ponto essencial introduzido<br />

por <strong>Galileu</strong> reside numa progressiva afirmação de que vários problemas<br />

relacionados com as observações telescópias resultam de uma não correcta<br />

apreciação dos deftitos da visão a olho nu. Por exemplo, a coroa de irradição<br />

em torno <strong>das</strong> estrelas é, segundo <strong>Galileu</strong>, gerada pelo olho, sendo<br />

o telescópio que a permite eliminar. Qualquer pessoa compreende o<br />

passo arrojado que <strong>Galileu</strong> está a propor, alterando as noções tradicionais<br />

de teoria da percepção e sugerindo que os sentidos humanos não possuem<br />

um estatuto especial, devendo ser tratados e analisados como meros<br />

instrumentos. Vide HAROLD I. BROWN, «Galileo on the telescope and the<br />

eye», Journal for the History o/ ldeas, 46 (1985) 487-501; SVEN DUPRI:,<br />

«Galileo's telescope and celestial light», Journal for the History 01 Astronomy,<br />

34 (2003) 369-399.<br />

91 Qualquer bom atlas celeste esclarece a posição e a moderna descrição<br />

destes grupos de estrelas. Veja-se, por exemplo, MAxlMO FERREIRA,<br />

GUIUIERME DE ALMEIDA, Introdução à Astronomia e às Ohservações Astronómicas<br />

(Lisboa: Plátano, 1995).<br />

71


Plêiades são um enxame aberto (Messier 45) conhecido desde a<br />

mais remota antiguidade. Pelo menos seis estrelas são bem visíveis<br />

sem instrumentos ópticos, mas em condições favoráveis<br />

podem chegar a ser vistas 14. Estes dois exemplos eram suficientes<br />

para deixar claro o que sucederia se todos os céus<br />

fossem examinados sistematicamente. De uma assentada, o<br />

número de estrelas e, portanto, o gigantismo do universo,<br />

aumentava espantosamente. Deve ainda mencionar-se que as<br />

gravuras que <strong>Galileu</strong> apresentou não são absolutamente rigorosas<br />

quanto à localização <strong>das</strong> estrelas, mas são surpreendentemente<br />

completas já que apresentam quase sem falhas to<strong>das</strong> as<br />

estrelas até uma magnitude de +6.<br />

<strong>Galileu</strong> dirigiu também o seu telescópio para duas zonas<br />

celestes que na altura se julgavam ser nebulosas. Observou<br />

que a "nebulosà' da cabeça de Orionte [nebuia capita Orionis,<br />

À-Orionis] e a "nebulosà' de Presépio, no Caranguejo, que no<br />

catálogo de Ptolomeu são descritas como nebulosas, e sempre<br />

assim haviam sido considera<strong>das</strong> pelos astrónomos, eram, afinal,<br />

constituí<strong>das</strong> por numerosas estrelas, muito próximas umas <strong>das</strong><br />

outras. Na altura em que publicou estes resultados, o consenso<br />

em torno deste assunto começava a desaparecer, pois desde o<br />

início do século XVII, antes mesmo do aparecimento do telescópio,<br />

já vários autores haviam questionado a descrição antiga:<br />

no famoso catálogo de Johannes Bayer (1564-1617), Uranometria<br />

(Augsburg, 1603), o mais influente atlas celeste do século<br />

XVII, a "nebulosà' da cabeça de Orionte aparece já resolvida<br />

em três estrelas, sendo o aspecto nebular abandonado.92 Mas<br />

92 A Uranometria (Augsburg, 1603) é uma obra de grande qualidade<br />

artística e tipográfica, com excelentes gravuras, composta por 51<br />

estampas: representam-se primeiro as 48 constelações ptolomaicas, e<br />

depois, numa única estampa, as 12 novas constelações do hemisfério Sul.<br />

As duas últimas gravuras são representações completas do hemisfério<br />

norte e do hemisfério sul. Bayer adoptou a convenção (originalmente<br />

proposta por Piccolomini) de usar letras gregas para indicar a magnitude<br />

estelar <strong>das</strong> estrelas mais brilhantes e letras romanas para as mais fracas e,<br />

72


seria <strong>Galileu</strong>, ao mostrar que essa "nebulosa" era afinal um<br />

agregado de 21 estrelas muito próximas, quem desferiria a derradeira<br />

machadada na concepção antiga.<br />

De modo semelhante, a "nebulosà' do Presépio (hoje em<br />

dia com a designação de agregado Messier 44 [M44, NGC<br />

2632], um enxame aberto), facilmente visível a olho nu, é<br />

conhecida desde a mais remota antiguidade; os gregos chamavam-lhe<br />

Manjedoura, e Ptolomeu, no seu famoso Catálogo,<br />

inclui-a também entre as sete nebulosas lista<strong>das</strong> no Almagesto. 93<br />

Sem lentes não se conseguem distinguir as estrelas, vendo-se<br />

apenas uma mancha difusa, mas <strong>Galileu</strong>, com o telescópio,<br />

resolveu-a num aglomerado de 38 estrelas.<br />

Estas observações telescópicas pareciam resolver definitivamente<br />

a questão da verdadeira natureza <strong>das</strong> zonas nebulosas do<br />

céu, e, baseado neste esclarecimento, <strong>Galileu</strong> explicava que era<br />

exactamente o que também se observava na Via Láctea, sobre<br />

em geral, a ordem dos alfabetos corresponde a uma ordem decrescente de<br />

brilho o que passaria a ser conhecido como a nomenclatura de Bayer.<br />

O atlas de Bayer foi muito popular, a despeito de ter sido publicado nas<br />

vésperas do aparecimento do telescópio, o que iria alterar profundamente<br />

a história da astronomia. Depois da primeira edição de 1603 foi reeditado<br />

em 1624, 1639, 1641, 1648, 1655, 1661, 1666 e 1689. I-Iouve<br />

também várias edições do texto, sem os mapas. Sobre a história deste e<br />

de outros famosos atlas celestes, como o Firmamentum Sobiescianum<br />

(1690) de Johannes Hevelius (1611-1687), o Atlas coelestis (1729), de<br />

John Flamsteed (1646-1719), e a Uranographia (1801), de Johann Elert<br />

Bode (1747-1826), veja-se: DEBORAH J. WARNER, The Sky Explored:<br />

Celestial Cartography, 1500-1800 (New York: Alan R. Liss; Amsterdam:<br />

Theatrum Orbis Terrarum, 1979); GEORGE S. SNYDER, Maps olthe Heavens<br />

(New York: Abbeville Press, 1984); PETER WHITFlELD, The Mapping<br />

01 the Heavens (London: the British Libraray; 1995); FELICE STOPPA, Atlas<br />

Coelestis: II cielo stellato nella scienza e nell'arte (Mílano: Salviatí Editore,<br />

2006); NICK KANAS, Star Maps. Hirtory, Artistry, and Cartography (Berlin<br />

and New York: Springer, 2007).<br />

93 Vide Ptolemjs Almagest. Translated and Annotated by G. J. Too­<br />

MER (Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1998), p. 366.<br />

73


cuja verdadeira natureza leitosa sempre houvera grandes controvérsias.<br />

94<br />

As observações .de agregados estelares descritas no Sidereus<br />

Nuncíus cóntêm, como já foi notado há muito, uma curiosa<br />

ausência que é o facto de <strong>Galileu</strong> não fazer qualquer menção à<br />

famosa Nebulosa de Orionte (M42), um objecto estelar cujo<br />

aspecto nebular é facilmente visto a olho nu, e que surge<br />

espectacular mesmo quando visto com telescópios muito<br />

modestos. Tendo <strong>Galileu</strong> prescrutado com atenção toda a constelação<br />

de Orionte, é difícil compreender como lhe possa ter<br />

escapado este corpo celeste. 95 Para mais, a nebulosa de Orionte<br />

seria descoberta poucos meses depois, no final de <strong>1610</strong>, por<br />

Nicholas-Claude Fabri de Peiresc (1580-1637), e seria desenhada<br />

pela primeira vez em 1653, pelo astrónomo siciliano<br />

Giovanni Battista Hodierna (1597-1660).96<br />

94 Sobre as diferentes concepções acerca da natureza da Via Láctea<br />

desde a antiguidade, vide STANLEY L. ]AKI, The Milky Wáy, an Elusive<br />

Road to Science (New York: Science History Publications, 1972). É interessante<br />

notar que no caso da Via Láctea <strong>Galileu</strong> mencionou - até em<br />

termos enfáticos - a existência de uma longa tradição de discussões, ao<br />

passo que deixou completamente em silêncio as longas discussões acerca<br />

da natureza da Lua.<br />

95 Sobre este assunto, com várias possíveis explicações para a<br />

observação tardia desta nebulosa, realizada só no final de <strong>1610</strong>, veja-se:<br />

THOMAS G. HARRISON, «The Orion Nebula: Where in History is it?»,<br />

Quarterly Journal o[ the Royal Astronomícal Society, 25 (1984) 65-79,<br />

onde o autor propõe a teoria de um súbito aumento de brilho na nebulosa<br />

de Orionte no final do ano de <strong>1610</strong>, o que finalmente a teria tornado<br />

visível. Owen Gingerich questionou esta explicação e faz notar que,<br />

querendo <strong>Galileu</strong> mostrar que afinal as u,ebulosas não eram mais do que<br />

aglomerados de estrelas, a observação da nebulosa de Orionte seria um<br />

contra-exemplo que ele prudentemente omitiu. Esta explicação é lógica, e<br />

até concorda com a personalidade de <strong>Galileu</strong>, mas deixa, apesar de rudo,<br />

em aberto a dúvida de saber porque não existem referências a esta nebulosa<br />

anteriores a <strong>1610</strong>; OWEN GINGERICH, «The mysterious nebulae,<br />

<strong>1610</strong>-1924», Journal o[ the Royal Astronomical Society o[ Canada, 81<br />

(1987) 113-127.<br />

96 Peiresc viveu em Pádua entre 1600 e 1602 e, nesse período, foi<br />

discípulo de <strong>Galileu</strong> e frequentador do círculo em torno de Paolo Sarpi.<br />

74


É também interessante notar o que não estd dito no Sidereus<br />

Nuncius relativamente às estrelas fixas, isto é, qualquer<br />

menção do uso do telescópio para tentar observar a paralaxe<br />

anual dessas estrelas. 97 <strong>Galileu</strong> tinha perfeitamente presente<br />

o primeiro estudo biográfico sobre ele foi o de PIERRE GASSENDI, Viri<br />

illustris Nico/ai C/audii Fabricii de Peiresc, Senatons Aquisextiensis (Paris:<br />

Cramoisy, 1641), do qual há uma recente tradução francesa: Vie de Peíresc,<br />

trad. ROGER LAsSALLE e AGNES BRESSON (Paris: Belin, 1992). Sobre<br />

a sua relação com GaIHeu, ver: ANTONIO FAVARO, «Nicolas Fabri de Peiresc»,<br />

in PAOLO GALUZZI (ed.), Amici e cornspondentí di Galileo, 3 vols.<br />

(Firenze: Salimbeni, 1983), voI. 3, pp. 1537-1581, e também CECILIA<br />

RIZZA, «Galileo neIla corrispondenza di Peireso), Studi Francesi, 5 (1961)<br />

433-451. Ver ainda: PIERRE HUMBERT, Un Amateur, Peimc, 1580-1637<br />

(Paris: Desclée de Brouwer, 1933); SEYMOUR L. ClIAPIN, «The astronomical<br />

activiries of Nicolas Claude Fabri de Peireso>, !sis, 48 (1957) 13-<br />

-29; JEAN BERNI:-IARDT et alo Peiresc, ou la passion de connattre. CoIloque<br />

de Carpentras, novembre 1987. Textes réunis sous la direcrion de ANNE<br />

REINBOLD (Paris: Vrin, 1990); LISA SARASOHN, «Nicolas-Claude Fabri de<br />

Peiresc and the patronage of the new science ln the 17 d , century», Isis,<br />

84 (1993) 70-90; PETER N. MILLER, Peíresc's Europe: Leaming and Virtue<br />

in the Seventeenth Century (New Haven: Yale University Press, 2000).<br />

Sobre Hodierna, ver: G. FODERA SERIO, L. INDORATO and P. NASTASI,<br />

«G. B. Hodierna's observations of nebulae and his cosmology», Joumal<br />

for the History of Astronomy, 16 (1985) 1-36; MARIO PAVONE e MAURI­<br />

ZIO TORRINI (eds.), G. B. Hodierna e i! sec% cristaDino. Atti del Convegno<br />

di Ragusa, 22-24 otrobre 1997 (Firenze: L. S. Olschki, 2002).<br />

97 A paralaxe anual <strong>das</strong> estrelas é a aparçnte variação na posição <strong>das</strong><br />

estrelas próximas, relativamente ao fundo de estrelas distantes, ao longo<br />

do ano, em virtude do movimento da Terra. É frequente referir-se<br />

Robert Hooke (1635-1703) como tendo sido o primeiro a tentar medir<br />

a paralaxe com um telescópio, mas isso é incorrecto pois antes dele <strong>Galileu</strong><br />

e Benedetto Castelli, entre outros, já o haviam tentado, como se<br />

explica aqui. Hooke, no seu An Attempt to Prove the Motion of the Earth<br />

from Observations (London: 1674) refere as dificuldades em aceitar<br />

o copernicianismo e a necessidade de um "experimentum crueis". Os<br />

ângulos de paralaxe são muito mais pequenos do que se· pensava no<br />

século XVlI (a Proxima centauri tem uma paralaxe da ordem dos<br />

0,78 segundos de arco) e só foram medidos pela primeira v


a importância da observação de paralaxe estelar, o que seria<br />

uma confirmação indiscutível do movimento anual da Terra e,<br />

portanto, do copernicianismo. Na sua correspondência com<br />

Kepler, depois de, em Agosto de 1597, lhe confidenciar que<br />

era copernicano "há já muitos anos", o matemático alemão respondeu,<br />

a 13 de Outubro de 1597, instando-o a medir a paralaxe<br />

estelar (Opere, X, 68-71). Quando, a partir de finais de<br />

1609, conseguiu ter telescópios adequados, seria naturalíssimo<br />

que tivesse tentado fazer essas medições cruciais. Aliás, alguns<br />

contemporâneos julgaram, em Julho de <strong>1610</strong>, que a comoção<br />

em torno do Sidereus Nuncius se devia ao facto de <strong>Galileu</strong> ter<br />

medido a paralaxe estelar, provando assim a veracidade da teoria<br />

heliocêntrica (Opere, Xl, 133-136). Todavia, não o fez, nem<br />

deu notícia de o ter tentado nos meses que antecederam a<br />

publicação do Sidereus Nuncius, sendo o livro completamente<br />

omisso quanto a esta medição crucial.<br />

Os desenvolvimentos principais relativamente a este<br />

assunto ocorreriam já após a publicação do livro. 98 Em 23 de<br />

Julho de 1611, um correspondente, Giovanni Lodovico Ramponi,<br />

escrevia a <strong>Galileu</strong> explicando um método engenhoso para<br />

medir a paralaxe a partir da observação de estrelas muito próximas<br />

(Opere, Xl, 159-162). Nos anos seguintes, sobretudo em<br />

companhia do seu discípulo e amigo Benedetto Castelli (I 578-<br />

-1643), <strong>Galileu</strong> envolveu-se em várias tentativas para medir a<br />

paralaxe. Estava persuadido de que o valor do ângulo de paralaxe,<br />

se bem que diminuto, estava ao alcance dos seus melhores<br />

telescópios, mas acabou por constatar que isso não era possíveL<br />

No Dialogo sopra i due massimi sistemi deI mondo (1632),<br />

98 Vide HARALD SIEBERT, «The early search for stellar parallax:<br />

Galileo, CasteIli. and Ramponi». Journal for the History o[ Astronomy, 36<br />

(2005) 251-271. Para um desenvolvimento maior desta questão veja-se o<br />

capítulo 3, «Die Fíxsternparallaxe - Probierstein der Heliozentrik», in<br />

HARALD SIEBERT, Die grosse kosmologische Kontroverse. Rekonstruktionsversuche<br />

anhand des Itinerarium exstaticum von Athanasius Kircher SJ (J 602-<br />

1680) (Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2006), pp. 155-294.<br />

76


pela boca de Salviati, <strong>Galileu</strong> discutiu longamente a importância<br />

da paralaxe anual e o facto de se tratar de um teste crucial<br />

para o copernicianismo. No entanto, apesar de explicar como<br />

se deveria levar a cabo essa observação (segundo o método proposto<br />

por Ramponi, mas sem o citar), omitiu completamente o<br />

facto de ele próprio se ter dedicado a essas medi<strong>das</strong>, o que se<br />

pode talvez explicar pelo falhanço <strong>das</strong> suas tentativas (Opere,<br />

VII, 399-416).<br />

Os satélites de Júpiter<br />

A mais importante observação astronómica relatada no<br />

Sidereus Nuncius é, sem dúvida, a dos satélites de Júpiter, e foi<br />

assim que o próprio <strong>Galileu</strong> a considerou. 99 Foi também a<br />

observação mais inesperada, pois absolutamente nenhuma teoria<br />

astronómica do passado, por mais exótica que fosse, tinha<br />

alguma vez sugerido a existência de planetas menores rodando<br />

em torno dos planetas conhecidos, nem qualquer observação<br />

99 Veja-se como no frontispício do Sidereus Nuncius a observação<br />

dos satélites de Júpiter é enfatizada e como, ao longo de todo o texto,<br />

essa observação, "que excede imensamente toda a admiracrão", é sempre<br />

posta em destaque. Todos os documentos e acontecimentos da vida de<br />

<strong>Galileu</strong> neste período testemunham o lugar único e excepcional que ele<br />

atribuiu à descoberta dos satélites de Júpiter. As notas pessoais destas<br />

observações estão no famoso Cod. <strong>Galilei</strong>ana 48 da Biblioteca Nazionale<br />

Centrale di Firenze. A primeira observação, a 7 de Janeiro de <strong>1610</strong>, já<br />

foi chamada "possibly the most exciting single manuscript page in the<br />

history of science" (in OWEN GINGERICH and ALBERT VAN HELDEN,<br />

«From Oçchiale to Printed Page: The Maklng of Galileo's Sidereus<br />

Nuncius», Journal for the History of Astronomy, 34 (2003) 251-267, na<br />

p. 251). Sobre estas observacrões ver também: ]. MEEUS, «Galileo's first<br />

records of ]upiter's satellites», Sky and Telescope, 24 (1%2) 137-139; w.<br />

L. ROBINSON, «Galileo on the moons of ]upiter», Annalr of Science, 31<br />

(1974) 165-169; ]OHN ROCHE, «Harriot, Galileo, and ]upiter's sateIlites»,<br />

Archives Internationales d'Histoire des Sciences, 32 (1982) 9-51.<br />

77


tinha fornecido indícios nesse sentido. lOo <strong>Galileu</strong> declarou que<br />

essa descoberta fora uma graça especial que Deus lhe concedera<br />

e insistiu sempre que ninguém antes dele tinha alguma vez<br />

visto, ou sequer suspeitado da existência desses astros, e que ele<br />

fora absolutamente o primeiro a observá-los.<br />

Em Janeiro de <strong>1610</strong>, Júpiter estava em condições particularmente<br />

favoráveis para ser observado. linha passado a oposição,<br />

quando estava à menor distância da Terra, e era o astro<br />

mais brilhante da noite. 101 <strong>Galileu</strong> estava seguramente interessado<br />

em observar o movimento do planeta que, por esses dias,<br />

percorria um arco de retrogradação (i.e., de Leste para Oeste).<br />

No dia 7 de Janeiro, observou Júpiter, notando que tinha<br />

três pequenas estrelas perto de si, duas para o lado Este e uma<br />

para o lado Oeste. Nesse mesmo dia, escrevendo a Antonio de'<br />

Mediei, dava a primeira notícia dessa observação curiosa:<br />

"questa sera ho veduto Giove accompagnato da 3 stelle fisse<br />

totalmente invisibili per la lar picciolezzà' (Opere, X, 277), e<br />

num desenho reproduzia a observação. As estrelas encontravam-se<br />

dispostas ao longo de uma linha recta paralela à eclíptica,<br />

uma disposição curiosa, mas muito útil para quem queria<br />

100 Recentemente tem-se discutido se os satélites de Júpiter seriam<br />

visíveis a ollio nu. Existem confirmações contemporâneas de pessoas com<br />

excepcional acuidade visual serem capazes de detectar esses astros à vista<br />

desarmada, mas não é crível que alguém tivesse detectado esses planetas<br />

antes de saber que eles lá estavam. Sobre os limites de visibilidade, com<br />

análise particular da possibilidade de algumas observações galileanas<br />

terem sido feitas anteriormente, sem telescópio, ver: BRADLEY E. SCHAE­<br />

FER, «Glare and celestial visíbiliry», Publications of the Astronomica/ Society<br />

of the Pacific, 103 (1991) 645-660; BRADLEY E. SCHAEFER, «Astronomy<br />

and the limics of vision», Vistas in Astronomy, 36 (1993) 311-361.<br />

101 <strong>Galileu</strong> tinha por hábito fazer as suas observações de preferência<br />

ao início da noite, e, de facto, nos primeiros dias de Janeiro de <strong>1610</strong>, só<br />

Júpiter e Saturno apareciam ao princípio da noite; mas Saturno estava<br />

muito baixo, apenas poucos graus acima do horizonte, difícil ou possivelmente<br />

até impossível de avistar. Júpiter, pelo contrário, encontrava-se<br />

alto no céu Oriental.<br />

78


inspeccionar em detalhe o movimento de Júpiter. No dia 8,<br />

contudo, observou que, estranhamente, a disposição dessas<br />

pequenas estrelas era diferente. No dia 9, não pôde fazer<br />

observações porque estava enevoado, mas no dia 10 voltou a<br />

observar que as estrelas se dispunham num arranjo diferente de<br />

qualquer um que tivesse visto até então. <strong>Galileu</strong> concluiu que<br />

eram as próprias estrelas que se estavam a deslocar: um comportamento<br />

estranhíssimo.<br />

No dia 13, a perplexidade aumentava, pois surgia agora<br />

uma quarta pequena estrela que <strong>Galileu</strong> não vira anteriormente<br />

(devido ao pequeno campo de visão <strong>das</strong> suas lunetas e ao facto<br />

de em dias anteriores alguns dos satélites terem estado quase<br />

sobrepostos ou demasiado próximos de Júpiter). Alguns historiadores<br />

especularam que teria sido a observação de quatro<br />

pequenas estrelas que decidira <strong>Galileu</strong> a dirigir-se aos quatro<br />

Mediei. 102<br />

<strong>Galileu</strong> não demorou muitos dias a chegar à conclusão<br />

absolutamente surpreendente - de que se tratavam de satélites<br />

de Júpiter. A 30 de Janeiro, dava conta, pela primeira vez,<br />

desta extraordinária descoberta, numa carta a Belisario Vinta,<br />

relatando o seu descobrimento de quatro novos planetas orbitando<br />

em torno de uma "stella molto grande". Estava tão entusiasmado<br />

com o seu descobrimento e tão preocupado que<br />

outra pessoa o pudesse também fazer que, prudentemente, não<br />

especificou que a "estrela" em causa se tratava de Júpiter. 103<br />

102 Acerca do momento em que observou o quarto satélite, comentou<br />

Westfall, talvez com algum cinismo: "Now Galileo was sure he had<br />

found what he wanted, a ticket to Florence", RICHARD S. WESTFALL,<br />

«Science and patronage: Galileo and the te/escope», !sis, 76 (1985)<br />

11-30, na p. 19.<br />

103 "Ma quello che eccede tutte le meraviglie, ho ritrovati quattro<br />

pianeti di nuovo, et osservati li loro movimenri proprii et particolari, differenti<br />

fra di loro et da turti li altri movimenti dell'alrre stelle; et questi<br />

nuovi pianeti si muovono intorno ad un alua stella molto grande, non<br />

altrimenti che si movino Venere et Meccurio, et per avventura li altri pianeri<br />

conosciuti, intorno ai sole" (Opere, X, 280).<br />

79


<strong>Galileu</strong> designa sempre os novos astros que descobriu<br />

por stel/a, pequenas estrelas (stellulae) ou planeta, mas Kepler<br />

sugeriu um termo específico, propondo inicialmente circu/atores<br />

(Opere, X, 337) e, meses depois, numa carta a <strong>Galileu</strong><br />

em Outubro de <strong>1610</strong>, designando-os pela primeira vr:::z como<br />

"satélites de Júpiter" (Jovíales satellítes) (Opere, X, 458), termo<br />

que usou no título do relatório <strong>das</strong> suas próprias observações,<br />

Narratío de observatís a se quatuor Iovís satellitíbus (1611). <strong>Galileu</strong>,<br />

contudo, nunca usou o termo satélite, nem tão pouco<br />

luna. 104<br />

No Sidereus Nuncius são relata<strong>das</strong> as observações dos satélites<br />

de Júpiter feitas entre 7 de Janeiro e 2 de Março de <strong>1610</strong>,<br />

num rotai de 65 observações. Para dar conta deste descobrimento<br />

sensacional e também, sem dúvida, para eliminar possíveis<br />

objecções, <strong>Galileu</strong> alterou completamente os códigos de<br />

representação habituais em astronomia, apresentando as suas<br />

observações, dia-a-dia, numa sequência de diagramas: uma<br />

apresentação verdadeiramente inovadora, quase cinematográfica,<br />

em que a enorme profusão de imagens ilustrando as diferentes<br />

posições dos satélites em torno de Júpiter, impõe-se quase dispensando<br />

mais argumentos, mas simplesmente pelo peso esmagador<br />

da evidência visual.<br />

Não se devem esquecer as dificuldades em observar estes<br />

pequenos planetas com instrumentos tão deficientes como os<br />

de que <strong>Galileu</strong> dispunha. No manuscrito original do Sidereus<br />

Nuncius <strong>Galileu</strong> assinalava algumas destas dificuldades dizendo<br />

que ainda não havia sido capaz de determinar os períodos des-<br />

104 O termo sateller designa um acompanhante ou pagem de uma<br />

pessoa importante. Kepler relatou esses factos na sua Narrario de observatis<br />

a se quatuor lovis sarillitibus (1611) (Opere, III/I, 185). Há um;t tradução<br />

francesa do texto de Kepler: Galilée. Le Message Céleste. Traduction<br />

complete du Latin en Français, avec des notes, par Jean Peyroux. Suivie<br />

de la Dissertation avec le Messager Céleste et de la Narration sur les<br />

Satellites de Jupiter de Jean Kepler, traduits pour la premiere fois du<br />

Latin en Français (Paris: Blanchard, 1989).<br />

80


ses planetas e que ainda não havia sido capaz de os distinguir<br />

convenientemente uns dos outros, pois não diferiam significativamente<br />

em cor ou tamanho (Opere, IIIII, 46), mas depois riscou<br />

este trecho que na versão impressa acabou. por ser omitido.<br />

<strong>Galileu</strong> percebeu imediatamente não apenas a importância<br />

científica da sua descoberta, mas também as suas potencialidades<br />

na muito desejada aproximação à corte dos Mediei, e,<br />

como explicaremos mais adiante, decidiu dedicá-la a Cosme II.<br />

A meio de Fevereiro, enquando ainda fazia observações, entrou<br />

em contacto com Belisario Vinta, o Secretário de Estado da<br />

corte toscana, para se informar do melhor modo de levar a<br />

efeito esta dedicação.<br />

Ciente da excepcionalidade destas observações e da relativa<br />

fucilidade em as fàzer, para quem possuísse um telescópio<br />

de qualidade aceitável, <strong>Galileu</strong> foi extremamente cauteloso na<br />

divulgação destas notícias. Nas primeiras folhas manuscritas<br />

que deixou ao impressor havia apenas menção de grandes descobertas<br />

e de novas "Cosmica Sydera", mas nenhuma revelação<br />

de que circulavam nas vizinhanças de Júpiter e durante algumas<br />

semanas a sua correspondência revela que, embora fosse<br />

dando a saber que descobrira novos astros, nunca fala de<br />

Júpiter.<br />

Após a publicação do Siderem Nuncius, <strong>Galileu</strong> continuou<br />

a estudar intensamente o movimento destes satélites, com o<br />

objectivo de determinar os seus períodos sinódicos, num trabalho<br />

que é um monumento de genialidade científica, quer do<br />

ponto de vista teórico, quer do ponto de vista da dificuldade<br />

<strong>das</strong> observações por ele leva<strong>das</strong> a cabo. lO ) Em 1612, conseguiu<br />

105 O assunto não pode ser aqui analisado em detalhe. A sensacional<br />

descoberta na Biblioteca do Palazzo Pitti. no final do século XIX. p~r<br />

Eugenio A1beri, dos manuscritos com as observações e os cálculos de<br />

<strong>Galileu</strong> para determinar os períodos dos satélites de Júpiter alterou completamente<br />

o que se pensava ter sido o interesse de <strong>Galileu</strong> por estes<br />

astros. Esses manuscritos estão em Opere, III/2. Veja-se; ST1LLMAN<br />

DRAKE, «Galileo and Satellite prediction», Journal for the History o[<br />

81


finalmente determinar esses períodos. Publicou imediatamente<br />

os resultados, aproveitando para isso o facto de estar a dar aos<br />

prelos o Discorso [. .. ] intorno alle cose che stanno in su l'acqua<br />

(; che in quella si muovono, um livro que, no entanto, nada<br />

tinha a ver com a questão astronómica. 106<br />

Os historiadores concordam em geral que a descoberta<br />

dos satélites de Júpiter, esvaziando assim a objecção que pretendia<br />

negar o movimento da Terra pela impossibilidade de a<br />

Lua a acompanhar, foi um facto decisivo na conversão de <strong>Galileu</strong><br />

a um copernicianismo explícito e militante. Para mais,<br />

Astronomy, 10 (1979) 75-95 [também em: STILLMAN DRAKE, Essays on<br />

Galileo and the History and Philosophy of Science, selected and introduced<br />

by N. M. SWEROLOW and 1: H. LEVERE (Toronto: University ofToronto<br />

Press, 1999), vol. 1, pp. 410-429]; JOHN ROCHE, «Harriot, Galileo, and<br />

Jupiter's Satellites,>, Archives Intemationa/es d'Histoire des Sciences, 32<br />

(1982) 9-51; SUZANNE DÉBARBAT and CURTIS WILSON, «The Galilean<br />

satellites of Jupiter from Galileo to Cassini, Rõmer and Bradley», in R.<br />

TATON and C. WILSON (eds.), Planetary Astronomy [rom the Renaissance<br />

to the Rise of Astrophysics'yoL 2, Part A: Tjcho Brahe to Newton (Cambridge:<br />

Cambridge University Press, '1989), pp. 144-157. Impõe-se recordar<br />

que só haveria mudanças significativas na descrição do sistema<br />

joviano a partir de finais do século XIX, com a descoberta de novos satélites:<br />

Ama/tea (período: 0,498179 dias; diâmetro: 188 km; descoberto por<br />

E. Barnard, em 1892), Hima/ia (período: 250,5662 dias; diâmetro: 186<br />

km; descoberto por C. Perrine, em 1904), e Elara (perlodo: 259,6528<br />

dias; diâmetro: 76 km; descoberto por C. Perrine, em 1905). Hoje em<br />

dia são conhecidos mais de sessenta e três satélites de Júpiter, identificados<br />

por letras romanas segundo a distância a Júpiter.<br />

106 Discorso a Serenissimo Don Cosimo II Gran Duca di Toscana<br />

Intomo alie cose che stanno in su l'acqua à ehe in quella si muovono (florença,<br />

1612), in (Opere, N, 57-141). Além de dar a conhecer os períodos<br />

dos satélites de Júpiter, aí se refere também aos seus "ultimi scoprimenti"<br />

de "Saturno tricorporeo e delle mutazioni di figure in Venere,<br />

simili a quelle che si veggono nella Luna, insieme con le conseguenze<br />

che da quelle dependo no" (Opere, IV, 63). Os valores orbitais modernos,<br />

do período (em dias) e do diâmetro (em quiilómetros), dos quatro satélites<br />

galileanos são: lo (1,7691 ti; 3630 km); Europa (3,5511 ti; 3138<br />

km); Ganímedes (7,1545 ti; 5262 km); Calisto (16,6890 ti; 4800 km).<br />

82


quando foi capaz de estabelecer os períodos, deu-se conta de<br />

que os satélites mais interiores eram mais rápidos e os mais<br />

exteriores mais lentos, exactamente como no sistema coperniciano.<br />

No Sidereus Nuncius <strong>Galileu</strong> não desenvolveu em detalhe<br />

todos estes argumentos, fazendo apenas notar que os planetas<br />

mais interiores têm períodos menores do que os mais exteriores<br />

e usando a comparação entre Júpiter com os seus satélites e<br />

a Terra com a Lua para refutar o sistema de Tycho Brahe (sem<br />

o nomear). Mas mais tarde, no Dialogo sopra i due massimi sistemi<br />

deI mondo (1632), invocaria as suas observações destes<br />

satélites para fundamentar o sistema coperniciano.<br />

<strong>Galileu</strong> continuou sempre interessado nos satélites de<br />

Júpiter, o que o levou a propor um processo de determinação<br />

da longitude baseado no seu movimento. Tendo observado pela<br />

primeira vez, em 1612, um eclipse de um satélite de Júpiter,<br />

deu-se conta de que esses eclipses podiam servir como fenómenos<br />

capazes de proporcionar uma medição absoluta do tempo<br />

e, portanto, um dos ingredientes indispensáveis para a medição<br />

da longitude. O princípio era exacto, mas tudo ficava dependente<br />

da possibilidade de preparar tabelas de eclipses suficientemente<br />

precisas e de fazer observações com o rigor necessário.<br />

A partir de 1613, <strong>Galileu</strong> tentou convencer o governo de Espanha<br />

da aplicabilidade do método, mas sem grande sucesso. No<br />

final da sua vida, retomou estas tentativas, mas agora com o<br />

governo dos Países Baixos. IO ?<br />

107 O processo, como é evidente, enferma de dificuldades tremen<strong>das</strong>,<br />

praticamente inultrapassavéis. Para além da necessidade de tabelas<br />

dos movimentos dos satélites de Júpiter com grande rigor, a maior dificuldade<br />

prende-se com a própria observação dos satélites. Com os deficientes<br />

telescópios de então (em especial com campos de visão muito<br />

limitados), a que se juntariam os balanços do mar, seria praticamente ~<br />

impossível fazer observações de rigor aceitável. A história <strong>das</strong> tentativas<br />

de <strong>Galileu</strong> e <strong>das</strong> suas negociações com os governos espanhóis e holandeses<br />

pode ler-se em diversos estudos: SILVIO A. BEDINI, The Pulse o/ Time:<br />

Galileo, the Determination o/ Longitude, and the Pendulum Clock (Florence:<br />

Leo S. Olschki, 1991), pp. 7-21; GEERT VANPAEMEL, «Science<br />

83


No ano de 1614, Simon Mayr [Marius] (1570-1624)<br />

publicava em Nuremberga uma obra intitulada Mundus Iovialis<br />

anno MDC.IX Detectus Ope Perspicilli Belgici onde reclamava<br />

ter observado os satélites de Júpiter desde finais de Novembro<br />

de 1609, começando a registar sistematicamente as suas posições<br />

a partir de 29 de Dezembro de 1609. <strong>Galileu</strong> publicou<br />

uma refutação devastadora no II Saggiatore (1623), mas hoje<br />

em dia é muito difíCil apurar quem tinha razão. lOS Num<br />

aspecto, contudo, Marius saiu vencedor, pois a designação<br />

«estrelas de Mediei» foi rapidamente abandonada, em favor da<br />

designação de inspiração clássica de lo, Europa, Ganimede,<br />

Calisto que Marius propusera no Mundus Iovialis .<br />

. Disdained: Galileo and the Problem of Longitude», in C. S. MAFFEOLl<br />

and L. C. PALM (eds.), Italian Scientists ln the Low Countries ln the<br />

XVIlth and XVJIlth Cmturies (Amsterdam: Rodopi, 1989), pp. 111-129;<br />

ALBERT VAN HELDEN, "Longitude and the Satellites of Jupiter», in WIL­<br />

LIAM J. H. ANDREWES (ed.), The Quest for Longitude (Cambridge, Mass.:<br />

Harvard University, 19%), pp. 86-100; JESOS SANCHEZ NAVARRO, «El<br />

juego de la imaginación. Galileo y la longitud», in: JOSÉ MONTESINOS y<br />

CARLOS SOLtS (eds.), Largo Campo di Filosofare. Eurosymposium Galileo<br />

2001 (La Orotava: Fundación Canaria Orotava de la Historia de la<br />

Ciencia, 2001), pp. 61-83.<br />

108 Entre outros aspectos, <strong>Galileu</strong> notara que, como Marius usava o<br />

calendário Juliano, o seu dia 29 de Dezembro correspondia a 8 de<br />

Janeiro no calendário gregoriano, ou seja, um dia depois da primeira<br />

observação dos satélites de Júpiter pelo próprio <strong>Galileu</strong>. Acerca desta<br />

polémica, veja-se: J. H. JOHNSON, «The Discovery of the First Four<br />

Satellítes of jupiter», Journal o[ the British Astronomical Association, 41<br />

(1930-31) 164-171; PIETRO PAGNINI, «Galileo and Simon Mayer», Journal<br />

o[ the British Astronomical Association,41 (1930-31) 415-422 ;<br />

EDWARD ROSEN, «Mayr (Marius), Simon», Dictionary o[ Scientific Biography,<br />

16 vols. (New York : Charles Scribner's Sons, 1970-1980), vol. 9,<br />

pp. 248-248. Pode encontrar-se uma tradução inglesa (parcial) do Mundus<br />

Jovialis, em: A. O. PRICKARD, «The 'Mundus Jovialis' of Simon<br />

Marius», The ObserVatory, 39 (1916) 367-381,403-412, 443-452, 498-<br />

-504.<br />

84


A escrita do Sidereus Nuncius e a ligação aos Mediei<br />

Quase se poderia dizer que o Sídereus Nuncius constituiu<br />

a estreia de <strong>Galileu</strong> na publicação de obras científicas, pois<br />

antes dele apenas havia dado aos prelos em 1606 - numa edi~<br />

ção limitadíssima e que só se vendia em sua própria casa -<br />

um pequeno opúsculo sobre um instrumento matemático<br />

designado por "compasso geométrico e militar" 109.<br />

A escrita e publicação do Sidereus Nuncius foi muito<br />

rápida, quase de impulso. Não existem indicações que levem a<br />

concluir que, durante o ano de 1609, <strong>Galileu</strong> tivesse qualquer<br />

intenção de publicar um livro sobre as suas observações astronómicas.<br />

O facto que o fez subitamente tomar essa resolução<br />

foi a conclusão de que Júpiter era circundado por satélites,<br />

conclusão a que chegou poucos dias depois de uma primeira<br />

observação, a 7 de Janeiro de <strong>1610</strong>, de três pequenas estrelas<br />

em torno do planeta. Numa carta que escreveu nesse mesmo<br />

dia fez um resumo <strong>das</strong> observações que já tinha feito, mas não<br />

deu indicação de pretender vir a escrever qualquer livro (Opere,<br />

X, 273-278). Contudo, os manuscritos com as notas <strong>das</strong> obser~<br />

vações feitas poucos dias depois apresentam uma curiosa<br />

mudança que parece mostrar o dia preciso em que essa resolu~<br />

ção se materializou: nas notas de observações do dia 15 de<br />

Janeiro, <strong>Galileu</strong> deixou de tomar apontamentos em italiano,<br />

passando a escrever em latim, para assim parece - depois<br />

redigir de maneira mais expedita o seu livro.<br />

A redacção do Sidereus Nuncius terá então começado em<br />

meados de Janeiro, e em finais do mês o livro estava muito<br />

109 Le Operazioni dei Compasso Geometrico e Militare (Pádua, 1606),<br />

que se encontra in: (Operr, II, 363-424). Veja-se a edição inglesa, com<br />

um importante estudo: GALlLEO GALlLEI, Operations of the Geometric and<br />

Militar} Compass, translated, with an introduction by STILLMAN DRAKE<br />

(Washington: Smithsonian InstitutÍon Press, 1978).<br />

85


adiantado, quase pronto. lIO No dia 30 de Janeiro, <strong>Galileu</strong><br />

encontrava-se em Veneza para tratar já da impressão da obra,<br />

escrevendo então a Belisario Vinta:<br />

lo mi trovo al presente in Venezia per fare stampare<br />

akune osservazioni le quali cal mezo di uno mio occhiale<br />

ho fatte ne i corpi celesti; et si come sono di infinito stupore,<br />

cosi infinitamente rendo grazie a Dia, che si sai<br />

compiaciuto di far me solo primo osservatore di cosa<br />

ammiranda et tenuta a tutti i secaI i oculta (Opere, X,<br />

280-281).<br />

Nas semanas seguintes, enquanto fazia ainda apuramentos<br />

no texto e se ocupava da importante questão <strong>das</strong> figuras, <strong>Galileu</strong><br />

tratava de chegar a um acordo com o impressor. Embora<br />

Veneza fosse desde há muito um grande centro da indústria<br />

tipográfica e livreira, acabaria por entregar a impressão a Tommaso<br />

Baglioni, um tipógrafo a quem já confiara, em 1607, a<br />

impressão da Difesa [. .. } contro alle calunnie [. .. } di Bal<strong>das</strong>sar<br />

Capra, mas que tinha na altura uma fama ainda relativamente<br />

modesta. 111<br />

Foi também nessa semana que, por intermédio de Vinta,<br />

sondou os Mediei acerca da possibilidade de o livro lhes ser<br />

dedicado, pondo em marcha os passos mais decisivos na sua<br />

110 Sobre o processo de redacção do livro pode ver-se em especial o<br />

trabalho de OWEN GINGERICH e ALBERT VAN HELDEN, «From Occhíale<br />

to Printed Page: The Making of Galileo's Sidereus NunciUJ», Journal for<br />

the History 01 Astronomy, 34 (2003) 251-267.<br />

III Diftsa di Galileo <strong>Galilei</strong> nobile fiorentino, Lettore di Matematiche<br />

nello Studio di Padoua contro alie Calunnie ed imposture di Bal<strong>das</strong>sar<br />

Capra Milanese (ln Venetia, Tomaso Baglioni, 1607) encontra-se em<br />

Opere, II, 515-601. Sobre Baglioni veja-se: A. CIONI, «Baglioni, Tommaso»,<br />

in Dizionario Biograftco degli Italiani (Roma: lstituto della Enciclopedia<br />

Italiana, 1963), vol. V, p. 249. A casa Baglioni viria a ganhar<br />

depois grande notoriedade, quando liderada por Paolo, o filho de Tommaso.<br />

86


aproximação à corte do Grão-Ducado da Toscana. lI2 A ligação<br />

de <strong>Galileu</strong> à família Mediei tinha já alguns anos; fora tutor de<br />

matemática do jovem Cosme, tendo passado várias tempora<strong>das</strong><br />

na corte toscana: quase todo o Verão de 1605 (Opere, X, 144-<br />

-145), algumas semanas em Outubro de 1606 (Opere, X,<br />

158-162), e quase todo o Verão de 1608 tOpere, X, 214-215).<br />

Em 1606, dedicara a Cosme o seu Le Operazioni dei compasso<br />

geometrico et militare (Padova, 1606)113 e em Setembro de<br />

1608, aquando do casamento de Cosme e Maria Madalena de<br />

Áustria, havia escrito à Grã-Duquesa Cristina propondo uma<br />

nova representação heráldica. Mas, apesar de todo o empenho<br />

colocado por <strong>Galileu</strong>, que nunca escondeu o seu desejo de<br />

regressar a Florença, abandonando a Universidade de Pádua,<br />

estas aproximações não tiveram qualquer efeito duradouro.<br />

Em 1609, Cosme sucedia a seu pai, Fernando I, ascendendo<br />

ao cargo de quarto Grão-Duque da Toscana, o que<br />

abria novas possibilidades. <strong>Galileu</strong> não estava particularmente<br />

feliz com a sua situação na Universidade de Pádua e, como<br />

vimos, uma <strong>das</strong> primeiras coisas que fez após se ter dado conta<br />

do potencial do telescópio havia sido a tentativa, no Verão de<br />

1609, junto do Senado de Veneza, de melhorar as condições<br />

contratuais que o ligavam à Universidade de Pádua. O resul-<br />

112 PAOLO GALLUZZI, .xIl mecenatismo mediceo e le scienze», in C.<br />

VASOLI (ed.), Idee, istituzioni, scienza ed arti nella f:


tado deste esforço, apesar de favorável, não havia agradado<br />

inteiramente a <strong>Galileu</strong>, que terá certamente pensado em<br />

melhores alternativas, possivelmente em Florença.<br />

Mas o que alteraria completamente os acontecimentos<br />

seria a extraordinária descoberta de satélites em torno de Júpiter,<br />

no início de Janeiro de <strong>1610</strong> e a decisão, tomada poucos<br />

dias depois, de escrever um livro relatando esses factos notáveis.<br />

A 30 de Janeiro de <strong>1610</strong>, escreveu um breve relatório <strong>das</strong> suas<br />

descobertas, que enviou à Corte dos Mediei (Opere, X, 280-<br />

-281), iniciando assim um processo de aproximação que culminaria<br />

com a dedicatória do Sidereus Nuncius a Cosme II e o<br />

baptismo dos satélites como "estrelas mediceias".<br />

A 13 de Fevereiro, isto é, pouco mais de um mês depois<br />

de ter observado pela primeira vez um dos novos corpos celestes,<br />

<strong>Galileu</strong> escrevia a Belisario Vinta dando a conhecer a sua<br />

intenção de baptizar os noyos planetas com um nome relacionado<br />

com os Medici e pedindo o parecer sobre qual a melhor<br />

designação a atribuir às luas de Júpiter. <strong>Galileu</strong> hesitava entre<br />

Cosmica Sydera, em honra de Cosme, e Medicea Sydera, em<br />

homenagem a toda a família (Opere, X, 283). Poucos dias<br />

depois, Vinta respondia dizendo que a designação Cosmica<br />

deveria ser evitada por causa da ambiguidade que poderia causar<br />

(entre Cosme e cosmos), e que a designação Medicea Sydera<br />

deveria ser usada (Opere, X, 284-285). Mas <strong>Galileu</strong>, que vivia<br />

estes dias em estado quase febril de emoção, não esperara pela<br />

resposta e já mandara imprimir a parte inicial da obra que abria<br />

com um título que dizia "Cosmica Sydera" (fuI. 5). Não houve<br />

mais remédio senão colar uma tira de papel com o nome corrigido,<br />

Medicea, em todos os exemplares que foi possível.<br />

O nome dos Mediei ficava assim para sempre ligado às<br />

mais importantes descobertas observacionais da história da<br />

astronomia, e <strong>Galileu</strong> seria recompensado com a nomeação de<br />

matemático e filósofo da corte florentina. A importância desta<br />

ligação estreita aos Mediei não deve ser diminuída, e não<br />

somente porque as condições materiais passariam a ser muito<br />

mais favoráveis, permitindo a <strong>Galileu</strong> o sossego suficiente para<br />

se dedicar às suas investigações. Como o historiador Robert<br />

88


Westman fez notar já há alguns anos, a elevada distinção social<br />

associada ao cargo de matemático e filósofo particular dos<br />

Medici viria a ter repercussões muito mais profun<strong>das</strong>, já que o<br />

baixo estatuto disciplinar <strong>das</strong> matemáticas aplica<strong>das</strong>, como a<br />

astronomia, a óptica e a mecânica, haviam constituído um dos<br />

principais, se não mesmo o principal, obstáculo para a legitimação<br />

epistemológica do copernicianismo. 1I4 Consciente ou não<br />

de to<strong>das</strong> estas implicações, quando <strong>Galileu</strong> decidiu dedicar as<br />

luas de Júpiter à célebre família florentina, estava a tomar um<br />

dos mais importantes passos na divulgação do copernicianismo.<br />

A impressão foi febril. Entre o dia em que <strong>Galileu</strong> pela<br />

primeira vez entregou texto manuscrito ao impressor e a saída<br />

da obra dos prelos decorreram apenas seis semanas, e o processo<br />

foi tudo menos sereno, com várias adições de material e<br />

alterações de última hora. O próprio <strong>Galileu</strong>, numa carta a<br />

Belisario Vinta, desculpava-se de o livro não ter saído com o<br />

aprumo que o assunto merecia devido à urgência em o publicar,<br />

revelando que o Sidereus Nuncius estava ainda a ser escrito<br />

quando as partes iniciais estavam já a ser impressas, com receio<br />

de que outra pessoa o pudesse ultrapassar na descoberta e<br />

divulgação dessas notícias (Opere, X, 300). De facto, decidiu, à<br />

última hora, incluir algumas coisas (por exemplo, os cálculos<br />

sobre a altura <strong>das</strong> montanhas da Lua) e outras partes foram<br />

introduzi<strong>das</strong> quando o livro já se encontrava a imprimir (parte<br />

do texto sobre as estrelas fixas, entre foI. 16ve foI. 17r), acabando<br />

toda a montagem tipográfica do livro por revelar algum<br />

desacerto. 1l5<br />

114 ROBERT S. WESTMAN, «The astronomer's role in the sixteenth<br />

century. A preliminary study». History 01 Science, 18 (I980) 105-147.<br />

115 Desacerto que o leitor mais interessado pode confirmar com um<br />

exame do facsimile que acompanha a presente edição. Para além dos problemas<br />

de paginação e na ordenação dos cadernos causados pela introdução<br />

tardia de algumas páginas, que os bibliógrafos já apontaram, note-se<br />

ainda como na página final o impressor foi obrigado a usar muitas abreviaturas,<br />

para que o texto não excedesse o espaço disponível. Omitimos<br />

uma descrição bibliográfica mais exaustíva do Sidereus Nuncius, que o leitor<br />

encontrará facilmente na literatura da especialidade.<br />

89


o corpo do livro estava praticamente todo impresso<br />

em meados de Fevereiro e por essas datas <strong>Galileu</strong> começou a<br />

ocupar-se <strong>das</strong> derradeiras questões administrativas, <strong>das</strong> autorizações<br />

e <strong>das</strong> páginas de abertura, que o tipógrafo foi apressadamente<br />

imprimindo à medida que lhe eram entregues. A 26 de<br />

Fevereiro, os Riflrmatori do Estudo de Pádua, encarregues de<br />

examinar a obra, comunicavam ao Conselho dos Dez não ter<br />

objecções à publicação da obra - que é designada nestes<br />

documentos por Astronomica Denuntiatio ad Astrologos (Opere,<br />

XIX, 227) - e passados poucos dias, a 1 de Março, o mesmo<br />

Conselho dos Dez concedeu a necessária autorização de publicação<br />

(Opere, XIX, 227-228).<br />

A dedicatória foi datada de 12 de Março e nesse mesmo<br />

dia, ou no seguinte, <strong>Galileu</strong> tinha nas mãos um primeiro<br />

exemplar, ainda sem acabamentos, da sua extraordinária obra. 116<br />

No dia l3 de Março de <strong>1610</strong>, o Sidereus Nuncius estava finalmente<br />

disponível para o público.<br />

Com o livro nas mãos, <strong>Galileu</strong> iniciou o que viria a ser<br />

uma enorme e bem planeada campanha de divulgação. Mas,<br />

antes de mais nada, era urgente selar as relações com os<br />

Mediei. No próprio dia em que o livro era publicado escreveu<br />

ao Grão-Duque oferecendo-se para levar um telescópio (Opere,<br />

X, 289). <strong>Galileu</strong> não tinha agora grandes dúvi<strong>das</strong> de que conseguiria<br />

o ambicionado lugar na corte do Grão-Duque e tratava<br />

já dos últimos detalhes. Um dos mais importantes era a<br />

116 A dedicatória a Cosme II é um texto complexo, cheio de alusões<br />

implícitas e um rico subtexto, tudo envolvido numa linguagem<br />

astrológica. Darrel Rutkin argumentou que <strong>Galileu</strong> se terá inspirado na<br />

dedicatória de Kepler ao imperador Rudolfo II que abre a Astronomia<br />

nova (1609), e que, por sua vez, Kepler se inspirara em textos análogos<br />

de Tycho Brahe. Vide H. DARREL RUTKIN, «Celestial Offerings: Astrological<br />

Motifs in the Dedicatory Letters of Kepler's Astronomia Nova and<br />

Galileo's Sidereus NunciUSl>, in W. NEWMAN and A. GRAFTON (ed.),<br />

Secrets 01 Nature, Astrology and ALchemy in Early Modem Europe (Cambridge,<br />

Mass.: The MIT Press, 2001), pp. 133-172.<br />

90


sua designação precisa, que <strong>Galileu</strong> sempre insistiu que<br />

incluísse, além de matemático, também o título de filósofo. A<br />

7 de Maio de <strong>1610</strong>, escrevia a Belisario Vinta, recordando a<br />

necessidade imperiosa de adicionar o título de filósofo natural,<br />

oferecendo a justificação, pouco convincente, de ter gasto<br />

muitO mais tempo a estudar filosofia do que matemática. 117 A<br />

razão verdadeira era mais profunda, mas mais difícil de explicar.<br />

Apesar de toda a sua desconfiança, e até aversão, pelos filósofos<br />

e pelos estudos filosóficos, <strong>Galileu</strong> sabia bem que, só<br />

como matemático, dificilmente teria credibilidade e autoridade<br />

suficientes para a campanha coperniciana que planeava iniciar.<br />

IIB<br />

Em Julho de <strong>1610</strong> estavam finalmente defini<strong>das</strong> as condições<br />

contratuais que ligariam <strong>Galileu</strong> à corte dos Medici. Essas<br />

condições eram o melhor que se poderia esperar: <strong>Galileu</strong> seria<br />

professor de matemática na Universidade de Pisa, mas sem<br />

obrigação de dar aulas ou sequer de residir em Pisa, e seria o<br />

filósofo e matemático do Grão-Duque, com um vencimento<br />

anual de 1000 scudi florentinos. Resolvi<strong>das</strong> algumas questões<br />

domésticas - que incluíram o abandono de Marina Gamba, a<br />

mulher que em Pádua lhe dera três filhos, mas que, presumi-<br />

117 "quanto ai titolo et preresto dei mio seCVIZlO, io desidererei,<br />

oltre ai nome di Matemarico, che S. A. cí aggiugnesse quello di Filosofo,<br />

professando io di havere studiato piu anni in filosofia, che mesi in matematica<br />

purà' (Opere, X, 353).<br />

118 Para além disso, sabe-se também que <strong>Galileu</strong>, tal como Kepler,<br />

questionou a tradicional separação entre filósofos e astrónomos (ou matemáticos),<br />

o que pode também estar em jogo na sua exigência do título<br />

de matemático e filósofo. <strong>Galileu</strong> aborda esta questão, explícita ou implicitamente,<br />

em vários dos seus textos. Por exemplo, no Dialogo referiu-se<br />

ao que devia fazer um "astrónomo filósofó', por oposição ao que se esperava<br />

de um "astrónomo puro calculator" (Opere. VII, 369). Esta redefinição<br />

do programa da astronomia - pois é disso que se trata - iniciada<br />

por <strong>Galileu</strong> e Kepler, não pode ser mais do que indicada aqui, já que as<br />

suas ramificações são muito mais complexas e profun<strong>das</strong> do que tem<br />

cabimento tratar neste local.<br />

91


velmente, <strong>Galileu</strong> não considerava companhia adequada para o<br />

ambiente sofisticado da corte florentina 1l9 - ficou tudo<br />

pronto para a mudança. No dia 7 de Setembro de <strong>1610</strong>, <strong>Galileu</strong><br />

partia de Pádua, chegando a Florença a 12 de Setembro de<br />

<strong>1610</strong>.<br />

Observações posteriores ao Sidereus Nuncius<br />

A publicação do Sidereus Nuncius não fez com que <strong>Galileu</strong><br />

abran<strong>das</strong>se a sua dedicação à astronomia e a intensidade<br />

com que estudava os céus com o telescópio. Bem pelo contrário.<br />

Em certo sentido pode até dizer-se que as mais importantes<br />

descobertas viriam a ser feitas depois, e que, quando não se<br />

tratou de novas descobertas, foram pelo menos importantes<br />

precisões e desenvolvimentos de observações feitas anteriormente.<br />

120<br />

Saturno tricorpóreo<br />

A 25 de Julho de <strong>1610</strong>, <strong>Galileu</strong> fez a descoberta de mais<br />

uma "stravagan tissima meraviglia". Observando o planeta<br />

Saturno com o telescópio, constatou que parecia um astro<br />

grande ladeado por duas pequenas estrelas, uma de cada lado,<br />

muito próximas ou mesmo pega<strong>das</strong> a ele, e que não se<br />

mOVIam: uma configuração que depois ficou conhecida como<br />

119 As duas filhas, Virginia (n. 1600) e Livia (n. 1601) foram com<br />

<strong>Galileu</strong> para Florença, tendo o filho Vincenzo (n. 1606) ficado com a<br />

mãe por ser muito pequeno, até que, anos mais tarde, em 1613, <strong>Galileu</strong><br />

também o mandou buscar.<br />

120 <strong>Galileu</strong> foi noticiando várias destas descobertas em cartas e<br />

outros textos e pela primeira vez em letra de forma, de maneira muito<br />

breve, no prefácio do Delie cose che stanno in su l'acqua, em 1612 (Opere,<br />

IV, 63).<br />

92


"Saturno tricorpóreo". Sabemos hoje que se trata do facto de<br />

Saturno estar rodeado por um anel, mas que <strong>Galileu</strong> não pôde<br />

observar nitidamente.<br />

Esta descoberta vinha mesmo a calhar, pois embora ainda<br />

não tivesse entrado formalmente ao serviço do Grão-Duque,<br />

<strong>Galileu</strong> sentia já a pressão em cumprir o que havia prometido,<br />

apresentando novas e admiráveis nodcias dos céus. Poucos dias<br />

depois (a 30 de Julho), escreveu a Belisario Vinta relatando<br />

estes factos extraordinários e desenhando a configuração obser- .<br />

vada, mas pedindo o maior segredo (Opere, X, 409-410). Para<br />

garantir a sua prioridade, <strong>Galileu</strong> transmitiu também a descoberta<br />

a alguns astrónomos, entre os quais Kepler, na forma de<br />

um anagrama. 121<br />

Só a 13 Novembro, numa carta a Giuliano de' Mediei,<br />

<strong>Galileu</strong> esclareceu o anagrama, que devia ler-se: altissimum planetam<br />

tergeminum observa vi, ("observei o planeta mais alto<br />

[= Saturno) tricorpóreo"). Explicava também, nessa carta, as<br />

observações que havia feito, avisando que, se Saturno fosse<br />

observado com telescópios de fraca qualidade, a sua real confi-<br />

121 Devemos o conhecimento destes acontecimentos ao que Kepler<br />

narra acerca deles na sua Narratio de observa tis a se quatuor [ovis sattelitibis<br />

(1611) (Opere, I1I1I, 185) e depois, mais detalhadamente, no importante<br />

prefácio, «ln Dioptricen praefatio de usu et praestantia perspicilli<br />

nuper inventi deque Novis coelestibus per id detectis», nas pp. 1-28 da<br />

Dioptrice seu demonstratio e01-um quae visui et visibilibus propter Conspicili4<br />

non ita pridem inventa accidunt (Augsburg, 1611); a parte relativa a<br />

Saturno está nas pp. 15-16. Como explica, Kepler recebeu de <strong>Galileu</strong> o<br />

anagrama: $ m a is m r m i I m e p o e t a I e u mi b une n ugt t<br />

a u i r a $, que resolveu na forma: Salve umbistineum geminatum Martia<br />

proles [= Salve, dupla companhia, filhos de Marte], ficando assim convencido<br />

(erradamente) de que <strong>Galileu</strong> anunciava a descoberta de satélites<br />

de Marte. A Dioptrice encontra-se no voI. IV de Johannes Kepler Gesammelte<br />

~rke. Pode encontrar-se uma tradução inglesa de parte do prefácio<br />

em: The Sidereal Messenger of Galileo <strong>Galilei</strong>: and a Part of the Prefoce to<br />

Kepler~ Dioptrics, te. EDWARD STAFFORD CARLOS (London: Rivingrons,<br />

1880; reprinted, London: Dawsons of Pall Mail, 1%0), pp. 77-111.<br />

93


guração não se observaria, parecendo apenas um astro oblongo<br />

(Opere, X, 474) - exactamente como alguns dos seus contemporâneos<br />

o iriam ver.<br />

Tudo isto era verdadeiramente sensacional, mas estavam<br />

guarda<strong>das</strong> ainda mais surpresas. No final de 1612, ao observar<br />

de novo Saturno, constatou que a configuração havia mudado:<br />

agora não se avistavam as pequenas "estrelas" dos seus lados.<br />

<strong>Galileu</strong>, que havia dedicado ao assunto certamente muitas<br />

horas de reflexão e observação predisse, no entanto, que elas<br />

reapareceriam no ano de 1613 (Opere, V, 237). Realmente,<br />

nesse ano de novo se voltaram a ver os dois pequenos astros<br />

que ladeavam Saturno, mas ficava lançado o problema aos<br />

astrónomos: o que eram estas configurações mutáveis de<br />

Saturno? A questão consistia, no essencial, em saber qual <strong>das</strong><br />

duas possibilidades era a verdadeira: se Saturno era esférico e<br />

estava rodeado de dois pequenos planetas, ou se o próprio<br />

Saturno era tricorpóreo. O assunto era de tal modo intrigante<br />

que <strong>Galileu</strong> não o podia abandonar, mas o mistério iria adensar-se<br />

ainda mais. Com efeito, no Verão de 1616, observou<br />

que a sua forma tinha mudado, parecendo agora que dos lados<br />

do corpo de Saturno saiam duas alças ou pegas, numa configuração<br />

que passou então a designar por ansae (pegas) (Opere,<br />

XII, 276).122 <strong>Galileu</strong> continuou a observar e a desenhar a<br />

forma de Saturno ao longo dos anos. Em 1623, no II Saggiatore<br />

apresenta um diagrama de Saturno na configuração com<br />

pegas (Opere, VI, 361), e em 1640, já perto do final da sua<br />

vida, escrevia a Benedetto Castelli relatando as suas observações<br />

(Opere, XVIII, 238-239).<br />

122 Sobre as observações de Saturno ver em particular: ANTONIO<br />

FAVARO, «lutorno alIa apparenza di Saturno osservata da Galileo GalHei<br />

nell'Agosto dell'anno 1616», Atti dei Reale Istítuto l&ncto di Scicnze, Lettere<br />

ed Arti, 9 (1900-1901), parte II, 415-432; A VAN HELDEN, «Saturn<br />

and his anses», Journal for the History 01 Astronomy. 5 (1974) 105-121; A<br />

VAN HELDEN, «'Annulo Cingitur': The solution of the problem of<br />

Saturn», Journal for the History 01 Astronomy. 5 (1974) 155-174.<br />

94


o problema, entretanto, já havia atraído a atenção de<br />

outros, como Gassendi e Francesco Fontana, e, depois, a partir<br />

dos anos quarenta, muitos outros, como Bouilliau, Hevelius,<br />

Riccioli e Grimaldi, juntar-se-iam às observações sistemáticas e<br />

ao estudo da forma de Saturno. <strong>Galileu</strong> suspeitara que estas<br />

estranhas configurações de Saturno tivessem que ver com o alinhamento<br />

entre o planeta e a Terra, mas o enigma só seria clarificado<br />

com o esclarecimento definitivo da existência de um<br />

anel em redor de Saturno, algumas déca<strong>das</strong> depois, por Christiaan<br />

Huygens (l629-1695), nas suas obras De Saturni tuna<br />

observatio nova (den Haag, 1656) e Systema Saturnium, sive de<br />

causis mirandorum Saturni Phanenomenon, et comite ejus planeta<br />

novo (den Haag, 1659) e, ainda mais tarde, quando Jean<br />

Dominique [Giovani Domenico] Cassini (1625-1712), em<br />

1675, notou que esse anel era duplo.123<br />

Fases de Vénus<br />

Observando Vénus com o telescópio, entre Outubro e<br />

Dezembro de <strong>1610</strong>, <strong>Galileu</strong> deu-se conta de que o planeta exibia<br />

um ciclo de fases muito semelhante ao da Lua, passando<br />

de Vénus crescente a Vénus cheio. A descoberta era de interesse<br />

excepcional pois permitia decidir entre os vários sistemas<br />

cosmológicos conhecidos na altura. Para além do antigo sistema<br />

geocêntrico de Ptolomeu e da bem conhecida proposta<br />

heliocêntrica de Copérnico apresentada em 1543, o dinamar-<br />

123 Vide WALTER OBERSCHELP und REINHARD OBERSCHELP, «Cassini,<br />

Campani und der Saturnring», in JÜRGEN HAMEL, INGE KEIL (eds.),<br />

Der Meister und die Fernrohre. Das Wechselspiel zwischen Astronomie und<br />

Optik in der Geschichte [= Acta Historica Astronomiae, vol. 33] (Frankfurt<br />

am Main: Harri Deutsch, 2007), pp. 164-184. As duas obras de<br />

Huygens referi<strong>das</strong> estão no vol. 15 <strong>das</strong> Oeuvres Completes de Christian<br />

Huygens publiées par la Société Hollandaise des Sciences, 22 vols. (La Haye:<br />

M. Nijhoff, 1888-1950).<br />

95


quês Tycho Brahe (1546-1601) havia sugerido, no seu livro De<br />

mundi aetherei recentioribus phaenomenis, publicado em 1588,<br />

um arranjo cosmológico que mantinha a Terra imóvel no centro<br />

do universo e o Sol rodando em torno dela, mas com<br />

todos os planetas orbitando em torno do Sol. Este sistema<br />

tinha as vantagens de manter a imobilidade da Terra, sendo, ao<br />

mesmo tempo, do ponto de vista cinemático, completamente<br />

equivalente ao heliocentrismo de Copérnico. 124<br />

No sistema de Ptolomeu, Vénus apareceria sempre como<br />

um crescente, de maior ou menor tamanho, quando visto da<br />

Terra - se se considerasse, como era o mais habitual, que<br />

estava abaixo do Sol. Se, por outro lado, se achasse que estava<br />

acima do Sol, apareceria sempre como um disco. Porém, se<br />

Vénus circulasse em torno do Sol - como acontece no<br />

modelo de Copérnico e de Tycho Brahe -, apresentaria um<br />

ciclo de fases completo, passando de um crescente para um<br />

disco (Vénus cheio), à semelhança <strong>das</strong> fases exibi<strong>das</strong> pela Lua.<br />

O próprio Copérnico, no início do capítulo lOdo livro I do<br />

De revo/utioníbus se referira à diferente aparência de Vénus<br />

124 De Mundi Aetherei Recentioribus Phaenomenis Liber Secundus<br />

(...), Uraniburgi, 1588. Pode encontrar-se no Tomo IV de: 1jchonis<br />

Brahe Dani Opera Omnia, edidit L L. E. DREYER, 15 vok (Hanniae, in<br />

Libraria Gyldendaliana, 1913-1929) [reimpr. fac-sim: (Amsterdam: Swets<br />

& Zeitlinger, 1972)]. Tycho Brahe parece ter trabalhado neste modelo<br />

desde 1577, dando-lhe a sua formulação final por volta de 1583-84, e<br />

publicando-o em 1588. Embora a publicação regular do De Mundi<br />

Aetherei só viesse a aconrecer a partir de 1603, desde 1588 que circulavam<br />

alguns exemplares e que o novo modelo cosmológico era conhecido.<br />

O estudo biográfico clássico sobre o astrónomo dinamarquês é J. L. E.<br />

DREYER, 1jcho Brahe: A Picture of Scientific Life and Work in the Sixteenth<br />

Century (Edinburgh: Adam and Charles Black, 1890), hoje em dia<br />

completemenrado pelo de VICTOR THOREN, The Lord of Uraniborg. A<br />

biography of1jcho Brahe (Cambridge: Cambridge University Press, 1990).<br />

É também importante o livro de JOHN ROBERT CHRISTlANSON, On<br />

1jcho's Island. 1jcho Brahe and His Assistants, 1570-1601 (Cambridge:<br />

Cambridge University Press, 2000).<br />

96


dependendo da sua posição relativamente ao Sol. Mas Copérnico,<br />

sem telescópio, não tinha qualquer possibilidade de<br />

observar a face de Vénus.<br />

Quando <strong>Galileu</strong> observou Vénus com um telescópio,<br />

constatou que o planeta exibia ao longo dos dias um ciclo de<br />

fases completo, passando de Vénus crescente a Vénus cheio.<br />

Ficava assim demonstrado que Vénus circulava em torno do<br />

Sol: um resultado excepcionalmente importante, que lançava<br />

um golpe definitivo no sistema ptolomaico. As duas únicas<br />

possibilidades eram agora o ordenamento planetário segundo<br />

Copérnico ou segundo Tycho Brahe.<br />

A 1 de Janeiro de 1611, <strong>Galileu</strong> escreveu a Giuliano de'<br />

Medici explicando a extraordinária importância da observação<br />

<strong>das</strong> fases de Vénus que, segundo ele, era dupla: por um lado<br />

resolvia uma antiga discussão, confirmando que os planetas não<br />

têm luz própria e, por outro, mostrava inequivocamente que<br />

Vénus circula em torno do Sol. <strong>Galileu</strong> omitia qualquer menção<br />

ao sistema de Tycho Brahe, tornando assim as fases de<br />

Vénus num poderosíssimo argumento a favor do copernicianismo.<br />

125 De facto, esta observação convertir-se-ia para <strong>Galileu</strong><br />

talvez no mais poderoso argumento a favor do copernicianismo,<br />

a tal ponto que, no Dialogo sopra i due massimí sístemi<br />

deI mondo (1632), fez o elogio de Copérnico por este ter proposto<br />

o heliocentrismo mesmo sem observar as fases de Vénus.<br />

A história da descoberta <strong>das</strong> fases de Vénus gerou uma<br />

viva polémica entre os historiadores pois alguns, baseados em<br />

certas peculiaridades do desenvolvimento cronológico destes<br />

descobrimentos, argumentaram que <strong>Galileu</strong> teria procedido<br />

125 "dali a quale mirabile esperienza haviamo sensata et certa<br />

dimonstrazione di due gran questioni (. .. ). L'una e, che i pianeti mtti<br />

sono di loro natura tenebrosi (. .. ); l'altra, che Venere necessariisimamente<br />

si volge intorno ai sole, come anco Mercurio et mtti li altri pianeti,<br />

cosa ben creduta da i Pittagorici, Copernico, Keplero et me, ma<br />

non sensatamente provata, come hora in Venere et in Mercurio" (Opere,<br />

XI, 12).<br />

97


desonestamente, "roubando" a ideia ao seu discípulo Benedetto<br />

Castelli. A cronologia dos acontecimentos foi a seguinte. A 11<br />

de Dezembro de <strong>1610</strong>, <strong>Galileu</strong> escreveu a Giuliano de' Mediei,<br />

enviando um anagrama que continha a observação de que<br />

Vénus apresentava fases tal como a Lua (Opere, X, 483). No<br />

final desse ano tornou pública a descoberta, relatando-a a Clávio<br />

e a Castelli, a 30 de Dezembro (Opere, X, 499-505), e<br />

decifrando o anagrama a Giuliano de' Medici, na já mencionada<br />

carta de 1 de Janeiro de 1611 (Opere, XI, 11-12).<br />

Sucede, porém, que no dia 5 de Dezembro de <strong>1610</strong>, Benedetto<br />

Castelli enviara uma carta a <strong>Galileu</strong> - carta que este<br />

receberia por volta do dia 11 de Dezembro, se não mesmo<br />

nesse pr6prio dia -, prevendo as fases de Vénus (Opere, X,<br />

480-482). Embora <strong>Galileu</strong> viesse a dizer que já tinha feito essas<br />

observações "da 3 mesi in quà', alguns historiadores lançaram<br />

dúvi<strong>das</strong> sobre esta afirmação, "acusando-o" de ter usado, sem<br />

dar crédito, uma ideia que era originalmente de Castelli. Certos<br />

traços da personalidade de <strong>Galileu</strong> - em particular a sua<br />

habitual renitência em dar a outros o crédito devido -- tornaram<br />

plausível esta tese, mas, apesar disso, hoje em dia poucos<br />

a subscrevem, sendo consensual que <strong>Galileu</strong> já observara as<br />

fases de Vénus antes que a carta de Castelli lhe tivesse chegado.<br />

126<br />

126 A tese de uma desonestidade por parte de <strong>Galileu</strong> nesta importante<br />

descoberta é já antiga. Foi proposta pela primeira vez por Raffaello<br />

Caverni, ainda no século XIX, e refutada anos depois por Antonio Favaro<br />

[ANTONIO FAVARO, «Galileo <strong>Galilei</strong>, Benedetto Castelli e la scoperta delle<br />

fasi di Venere», Archeion, 1 (1919) 283-269}. A acusação foi de novo formulada,<br />

de maneira mais penineme, por Richard Westfall, num trabalho<br />

que gerou alguma polémica [RICHARD WESTFALL, «Science and Patronage:<br />

Galileo and the Telescope», !sis, 76 (1985) 11-30]. Sobre as observações<br />

<strong>das</strong> fases de Vénus e o debate em torno da verdadeira autoria<br />

desta descoberta, veja-se: OWEN GINGERICH, «Galileo and the phases of<br />

Venus», Sky and Telescope, 68 (1984) 520-522 [recolhido posteriormente<br />

em: O. GINGERICH, The Great Copernicus Chase: and other adventures in<br />

astronomical history (Sky Publishing Corp., 1992), pp. 98-104]; STILLMAN<br />

98


Manchas solares<br />

Existem registos escritos da observação a olho nu de<br />

manchas solares desde o ano 165 a. c., com muitas observações<br />

no Extremo Oriente, mas apenas algumas na Europa. 127<br />

DRAKE, «Galileo, Kepler, and phases of Venus», Journal for the History of<br />

Astronomy, 15 (1984) 198-208 [também em: STILLMAN DRAKE, Essays on<br />

Galiko and the History and Philosophy of Science. Selected and introduced<br />

by N. M. SWERDLOW and T H. LEVERE (Toronto: University of Toronto<br />

Press, 1999), vol. 1, pp. 396-409.]; OWEN GINGERICH, «The phases of<br />

Venus in <strong>1610</strong>», Journal for the History of Astronomy, 15 (1984) 209-10;<br />

WILUAM T PETERS, «The Appearences of Venus and Mars in <strong>1610</strong>»,<br />

Journal for the History of Astronomy, 15 (1984) 211-214. A última peça<br />

contra a tese da desonestidade terá sido o trabalho de PAOLO PALMIERI,<br />

«Galileo did nor steal the discovery of Venus' phases. A counter-argumem<br />

to Westfall», in JosÉ MONTESINOS y CARLos SOLis (eds.), Largo<br />

Campo di Filosofore. Eurosymposium Galileo 2001 (La Orotava: Fundación<br />

Canaria Orotava de la Historia de la Ciencia, 2001), pp. 433-444, e<br />

PAOLO PALMIERI, «GaHleo and the discovery of the phases of Vénus»,<br />

Journal for the History of Astronomy, 32 (2001) 109-129.<br />

127 Estas observações estão cataloga<strong>das</strong> em: A D. WITTMANN and<br />

Z. T. Xu, «A catalogue of sunspot observations from 165 BC to AD<br />

1684», Astronomy and Astrophysics Supplement Series, 70 (1987) 83-94;<br />

K. K. C. YAU and F. R. STEPHENSON, (


o seu estudo sistemático e científico, contudo, só foi realizado<br />

na Europa a partir de 1609, com o aparecimento do telescópio.<br />

A questão de quem foi o primeiro europeu a observar<br />

manchas solares com telescópio permanece controversa. Não<br />

subsistem dúvi<strong>das</strong> de que a primeira obra impressa sobre o<br />

assunto tenha sido o livro de Johannes Fabricius, De maculis in<br />

Sole observatis, publicado no Outono de 1611, mas é sabido<br />

não ter sido Fabricius o primeiro a observá-las. <strong>Galileu</strong> e<br />

Thomas Harriot observaram manchas em finais de <strong>1610</strong>,<br />

enquanto Johannes e David Fabcicius as observaram pela primeira<br />

vez só em Março de 1611.<br />

<strong>Galileu</strong> mostrou imagens de manchas solares a muitas<br />

pessoas em Roma durante a sua viagem em 1611, mas não<br />

empreendeu, nessa altura, qualquer estudo sistemático do<br />

assunto. 128 Só se ocuparia destas observações a partir de Abril<br />

prindpos físicos e astrofísicos associados a estes fenómenos, mas com<br />

atenção à história da sua observação veja-se: D. JUSTIN .sCHOVE, Sumpots<br />

Cycles (Stroudsburg, PA: Hutchinson Ross, 1983); KUNITOMO SAKURAI,<br />

«The Solar Activity in the Time of Galileo», Journal for the History o/<br />

Astronomy, 11 (1980) 164-173, e o recente livro de J. M. VAQUERO and<br />

M. V ÁZQUEZ, The Sun Recorded Though History (New York: Sprínger,<br />

2009), em especial o capítulo 2, «Naked-Eye Sunspots», pp. 57-102.<br />

128 BERNARD DAUME, «Galilée et les taches solaires (<strong>1610</strong>-1613)>>,<br />

in Galilée. Aspects de sa vie ct de son t1?uvre (Paris: Presses Universitaires de<br />

France, 1968), pp. 186-251. Ver também S. DRAKE, «Sunspots, Sizzi,<br />

and Scheiner», in Galileo Studies: Personality, Tradition and Revolution<br />

(Ann Arbor: University of Michigan Press, 1970), pp. 177-199: KEITH<br />

HUTCHISON, «Sunspots, Galileo, and the Orbit of the Earth», lsis, 81<br />

(1990) 68-74; O capítulo «The significance of the Sunspot Quarrel», em<br />

JEAN DIETZ Moss, Nove/ties in the Heavens: Rhetorie and Science in the<br />

Copernican Controversy (Chicago: University of Chicago Press, 1993), pp.<br />

97-125; JOHN D. NORTH, «Thomas Harriot and the First Telescopic<br />

Observations of Sunspots», in JOHN W. SHIRLEY (ed.), Thomas Harriot:<br />

Renaissance Scientist (Oxford: Clarendon Press, 1974), pp. 129-165; WIL­<br />

LIAM R. SHEA, «Galileo, Scheiner, and the Interpretation of Sunspots»,<br />

!sis, 61 (1970) 498-519, e também: WILLIAM R. SHEA, Galileo's InteUec-<br />

100


de 1612. Quem já estava a fazer estudos sistemáticos <strong>das</strong><br />

manchas solares desde Outubro de 1611 era Christoph Scheiner<br />

(1573-1650), um jesuíta professor de matemática em<br />

Ingolstadt, que publicou uma obra dedicada exclusivamente ao<br />

tema em Janeiro de 1612 : Tres Epistolae de Maculis Solaribus<br />

Scriptae ad Marcum Welserum. Quando <strong>Galileu</strong> recebeu esse<br />

livro, com um pedido para que expressasse a sua opinião,<br />

encontrava-se doente e ocupado com a publicação do Discorso<br />

[ .. } intomo alle cose che stanno in su l'acqua, e só alguns meses<br />

depois teve oportunidade de investigar em detalhe com o seu<br />

discípulo Benedetto Castelli. Scheiner defendera que as manchas<br />

eram devi<strong>das</strong> ao trânsito de satélites em torno do Sol, ao<br />

passo que <strong>Galileu</strong>, embora sem ter a certeza do que se tratava,<br />

explicou que as manchas estavam localiza<strong>das</strong> na superfície<br />

do Sol.<br />

A breve trecho envolveram-se numa polémica famosa<br />

durante o ano de 1612 que culminaria com a publicação, no<br />

Verão de 1613, <strong>das</strong> três cartas de <strong>Galileu</strong> que, em certa<br />

medida, assinalam o fim da polémica. <strong>Galileu</strong> só voltaria ao<br />

assunto anos depois no II Saggiatore (1623), mas, entretanto,<br />

Scheiner tinha prosseguido e aumentado as suas investigações,<br />

publicando entre 1626 e 1630 a Rosa Ursina, uma verdadeira<br />

enciclopédia do assunto.<br />

tua/ Revo/ution (New Yark: Science Histary Publicatians, 1972); A MARK<br />

SMITH, «Galileo's Proof for the Earth's Motion from the Movement of<br />

Sunspots», Isis, 76 (1985) 543-551; AORIAAN W. VUEGENTHART, «Galilea's<br />

Sunspots: Their Role in 17th-Century Allegorical Thinking», Physis,<br />

7 (1965) 273-280; ALBERT VAN HELDEN, «Galileo and Scheiner on<br />

Sunspots : A case Study in the Visual Language of Astronomy», Proceedings<br />

ofthe American Phi/osophical Society, 140 (1996) 358-196; Também<br />

o capítulo 3, «Solar drawings», de J. M. VAQUERO and M. VAzQUEZ,<br />

The Sun Recorded Though History (New Yark : Springer, 2009), pp. 103-<br />

-173.<br />

101


Neptuno<br />

Analisando com cuidado os apontamentos manuscritos de<br />

<strong>Galileu</strong>, foi possível determinar que ele observara o planeta<br />

Neptuno em 28 de Dezembro de 1612 e depois em 28<br />

de Janeiro de 1613', enquanto fazia observações telescópicas<br />

de Júpiter e dos seus satélites. 129 De facto, no final de 1612,<br />

Neptuno estava muito próximo de Júpiter, tendo uma ocultação<br />

em 16l3. <strong>Galileu</strong> registou-o como uma estrela fixa, isto é,<br />

. sem se aperceber de que estava a ver um novo planeta. Trata­<br />

-se da primeira observação registada de Neptuno, muito antes<br />

da sua descoberta "oficial", em 1846. Como sucede em questões<br />

deste género, alguma polémica rodeou inicialmente estas<br />

notícias, que hoje se aceitam sem dificuldade, havendo apenas<br />

debate em torno de saber se <strong>Galileu</strong> se apercebeu ou não de<br />

que se tratava de um planeta e não uma estrela.<br />

o impacto do Sidereus Nuncius<br />

<strong>Galileu</strong> começou a divulgar as sensacionais descobertas<br />

celestiais que ia fazendo em cartas particulares a partir de<br />

129 A primeira pessoa a notar esta observação foi Charles T. Kowal,<br />

que deu um relato muito informal do seu descobrimento no texto:<br />

CHARLEST. KOWAL, «Galileo's observations of Neptune», DIO, 15 (2008)<br />

3-6. Em parceria com Stillman Drake, Kowal publicou dois artigos em<br />

1980 com esta notícia: STILLMAN DRA.KE and CHARLES T KOWAL, "Gali-<br />

100'5 Sighting of Neptune», Scientifie American, 243 (1980) 52-59 [também<br />

em: STILLMAN DRA.KE, Essays on <strong>Galileu</strong> and the Histury and PhiLosophy<br />

uf Scienee. Selected and introduced by N. M. SWERDLOW and<br />

T. H. LEVERE (Toronto: University of Toronto Press, 1999), vol. 1,<br />

pp. 430-441] e CHARLES T. KOWAL and STILLMAN DRA.KE, «Galileo's<br />

Observations of Neptune», Nature, 287 (25 Septo 1980) 311-313. Estes<br />

artigos geraram uma troca de opiniões posterior. Sobre este assunto deve<br />

veNe sobretudo: GORDON E. TAYLOR, «The Observations of Neptune by<br />

Galileo», Journal of the British Astronomieal Assuciation, 95 (1985) 116-<br />

-117; E. M. STANDISH and A. M. NOBILl, «Galileo's observations of<br />

Neptune», Baltie Astronomy, 6 (1997) 97-104.<br />

102


Dezembro de 1609, quando ainda não tinha sequer formado a<br />

intenção de redigir um opúsculo dedicado ao assunto. A 7 de<br />

Janeiro de <strong>1610</strong>, escrevia a Antonio de' Medici um primeiro<br />

relatório, extenso, acerca desses descobrimentos (Opere, X, 273-<br />

-278) e, nas semanas seguintes, revelaria, de modo esporádico e<br />

fragmentário, mais algumas <strong>das</strong> novidades.<br />

O aparecimento do Sidereus Nuncius provocou um<br />

impacto imediato. Em poucos dias, primeiro Veneza, depois<br />

toda a Itália, e finalmente os mais diversos pontos da Europa,<br />

receberam com espanto, excitação ou incredulidade, as sensacionais<br />

notícias. Os quinhentos e cinquenta exemplares postos<br />

à venda esgotaram em menos de uma semana (Opere, X, 300),<br />

e tal era a apetência por infurmações acerca destes factos que<br />

ainda no ano de <strong>1610</strong> apareceu em Frankfurt uma edição ilegal<br />

do livro.<br />

No próprio dia em que o Siderem Nundus era publicado<br />

(13 de Março), o embaixador inglês em Veneza, Sir Henry<br />

Wotton, apressava-se a escrever para fazer chegar o mais rapidamente<br />

possível ao rei Jaime I a informação acerca desta<br />

"strangest piece of news". Wotton dava a conhecer a comoção<br />

que se vivia em Veneza com a divulgação dessas inauditas novidades<br />

celestes que pareciam deitar por terra convicções milenárias.<br />

130<br />

130 "I sent herewith unto his Majesty the strangest piece of news<br />

(as 1 may justly call it) that he hath ever yet receíved from any part of<br />

the world; whích is the annexed book (come abroad this very day) of the<br />

Mathematical Professor at Padua, who by the help of an optical instrument<br />

(which both enlargeth and approximateth the obj ect) ". Carta ao<br />

conde de Salísbury, 13 de Março de <strong>1610</strong>, in: LoGAN PEARSAll SMITH,<br />

The Lifo and Lettm o/ Sir Henry Wotton, 2 vols. (Oxford: Clarendon<br />

Pres5, 1907), voI. I, pp. 486-487. Ao embaixador inglês também não lhe<br />

escaparam as implicações astrológicas dos satélites de Júpiter. Ver também<br />

I. BERNARD COHEN, The Birth o/ a New Physícs, 2. a ed. (New York: W.<br />

W. Norton, 1985), pp. 75-76. Há uma tradução portuguesa: O Nascimento<br />

de uma Nova Física (Lisboa: Gradiva, 1988).<br />

103


Haviam passado somente alguns dias sobre o aparecimento<br />

do livro e já <strong>Galileu</strong> escrevia a Belisario Vinta, a 19 de<br />

Março, revelando a sua intenção de, a "brevissimo tempo" fazer<br />

uma reimpressão, mas com as figuras melhora<strong>das</strong> e incluindo<br />

muitas mais: planeava mostrar diagramas da Lua ao longo de<br />

toda uma lunação, desenhar muito mais constelações e determinar<br />

o período dos satélites de Júpiter. Planeava também que<br />

essa edição fosse em italiano (Opere, X, 299-300). Nos meses<br />

seguintes, vários amigos de <strong>Galileu</strong>, como, por exemplo, Federico<br />

Cesi, insistiram para que desse aos prelos quanto antes<br />

uma nova edição do Sidereus Nuncius, com as novas observações<br />

(Opere, XI, 175). O aparecimento da edição pirata, em<br />

Frankfurt, ainda no ano de <strong>1610</strong>, de algum modo saciou o<br />

interesse dos muitos leitores que ainda não tinham podido ler<br />

a obra, mas não correspondia à actualização que muitos esperavam:<br />

essa edição mantinha o texto original, sem quaisquer<br />

acrescentos ou alterações, e apresentava gravuras de qualidade<br />

inferior às da edição original.<br />

Benedetto Castelli recebeu o livro poucos dias após a<br />

publicação e imediatamente o leu "piu di dieci volte con<br />

som ma meraviglia e dolzezza grande d'animo" (Opere, X, 310).<br />

E foi também passados apenas poucos dias que, a muitas centenas<br />

de quilómetros de distância de Veneza, em Praga, Kepler<br />

teve as primeiras notícias destes factos. l3l A opinião de Kepler<br />

foi <strong>das</strong> mais procura<strong>das</strong> neste período. Em Praga, Rudolfo II<br />

recebeu uma <strong>das</strong> primeiras cópias do Sidereus Nuncíus e, desejoso<br />

de um julgamento abalizado sobre o conteúdo, mostrou-a<br />

ao seu matemático imperial. Mas também <strong>Galileu</strong> estava<br />

ansioso por saber a opinião de Kepler e, através do embaixador<br />

da Toscana em Praga, fez-lhe chegar uma cópia, com o pedido<br />

expresso de que este desse a sua opinião. Kepler recebeu este<br />

131 Recorde-se que Kepler soube da publicação do Sidereus Nuncius<br />

e do seu conteúdo logo por volta de i5 de Março, no conhecido episódio<br />

com Johann Mattthaus Wackher. Vide supra, p. 20.<br />

104


exemplar em 8 de Abril de <strong>1610</strong>. Dias depois (a 13), Kepler<br />

visitava o embaixador, altura em que este lhe anunciou que<br />

<strong>Galileu</strong> muito desejava saber a sua opinião mas, infelizmente,<br />

isso teria que ser feito depressa pois os correios partiam para<br />

Florença em breve. Kepler, como sempre, acedeu ao pedido de<br />

<strong>Galileu</strong> com generosidade e entusiasmo e, em menos de uma<br />

semana, a 19 de Abril, entregou ao embaixador uma carta,<br />

dirigida a <strong>Galileu</strong>, com as suas opiniões sobre o Sídereus Nuncius<br />

(Opere, X, 319-340).<br />

De to<strong>das</strong> as partes continuavam a chegar a Kepler pedidos<br />

de confirmação de tão sensacionais descobrimentos. Para<br />

satisfazer a to<strong>das</strong> essas solicitações, ele começou a divulgar a<br />

carta que tinha mandado a <strong>Galileu</strong> e, pouco depois, tendo-a<br />

corrigido e ampliado um pouco, imprimiu-a num opúsculo<br />

que dedicou ao embaixador da Toscana em Praga, intitulando-a<br />

Dissertatio cum nuncio sidereo. m A despeito dos elogios com<br />

que cobriu o autor do Sidereus Nuncius, o astrónomo alemão<br />

teve também o cuidado de, delicadamente, clarificar assuntos<br />

132 A carta original, de Kepler para <strong>Galileu</strong>, é de 19 de Abril de<br />

<strong>1610</strong> e pode encontrar-se em (Opere, X, 319-340). Foi depois impressa<br />

como Dissertatio cum nuncio sidereo (Praga, Daniel Sedesanus, <strong>1610</strong>).<br />

Pode encontrar-se na Joannis Kepleri Astronomi Opera Omnia, C. FRISCH<br />

ed., vol. II, pp. 485-506, em Johannes Kepler Gesamme/te Werke, vol. IV,<br />

pp. 281-311 e ainda em (Opere, III/I, 97-125). Há várias edições<br />

modernas deste importante texto <strong>das</strong> quais se deve preferir a seguinte:<br />

Keplers Conversation with Galileos Sidereal Messenger. First Complete<br />

Translation, with an Introduction and Notes, by EDWARD ROSEN (New<br />

York and London: Johnson Reprinr Corp., 1965). Há também uma tradução<br />

francesa: Galilée. Le Message Céleste. Traduction complête du Latin<br />

en Français, avec des notes, par Jean Peyroux. Suivi de la Dissertation<br />

avec le Messager Céleste et de la Narration sur les Satellites de ]upiter de<br />

Jean Kepler, traduits pour la premiere fois du Latin en Français (Paris:<br />

Blanchard, 1989), e uma espanhola: Galileo <strong>Galilei</strong>. La Gaceta Sideral,<br />

Johannes Kepler. Conversación con ei mensajero sideral Introducción, traducción<br />

y notas de Carlos Solís Santos (Madrid: A1ianza Editorial, 2007<br />

[l.a ed. 1984]), nas pp. 117-190.<br />

105


que <strong>Galileu</strong>, por temperamento e por estratégia, muitas vezes<br />

deixava de modo pouco claro. Kepler explicou que <strong>Galileu</strong> não<br />

fora o inventor do telescópio, que não fora o primeiro a falar<br />

da natureza rugosa da superfície lunar e que não fora também<br />

o primeiro a referir que havia muito mais estrelas nos céus. 133<br />

Mas o tom geral era de aprovação incondicional e a Dissertatio<br />

cum nuncio sidereo rapidamente se divulgou. Uma boa indicação<br />

do enorme interesse que to<strong>das</strong> estas novidades suscitavam<br />

foi o aparecimento de uma edição pirata da Dissertatio, o que<br />

muito desagradou a Kepler.<br />

A confirmação <strong>das</strong> observações de <strong>Galileu</strong> por Kepler e o<br />

modo entusiasmado e elogioso como este publicitou os argumentos<br />

e as deduções do italiano foram a mais importante<br />

validação do Sidereus Nuncius que <strong>Galileu</strong> podia desejar. Que<br />

passa<strong>das</strong> apenas algumas semanas da publicação do livro começasse<br />

a circular, a partir de Abril de <strong>1610</strong>, primeiro em manuscrito<br />

e depois em impresso, um texto pela mão do mais<br />

respeitado astrónomo da Alemanha, confirmando as novas<br />

observações, foi um dos mais importantes factores na credibilização<br />

dos novos descobrimentos.<br />

Kepler, contudo, tinha confirmado o Sidereus Nuncius<br />

sem que tivesse alguma vez observado com um telescópio. Por<br />

isso, como tantos outros faziam nessa altura, a 9 de Agosto<br />

de <strong>1610</strong> pediu a <strong>Galileu</strong> um telescópio com o qual pudesse<br />

observar os satélites de Júpiter (Opere, X, 413-417). A resposta<br />

de <strong>Galileu</strong> roça o escândalo. Tendo já garantida a aprovação<br />

pública do Sidereus Nuncius por Kepler, não lhe interessava<br />

que um génio do calibre do alemão começasse a fazer obser-<br />

133 Meses mais tarde, Michael Maesdin escrevia uma breve carta ao<br />

seu antigo aluno ]ohannes Kepler onde saudava a publicação da Dissertatio<br />

cum Nuncio Sidereo e onde, visivelmente irritado com a apropriação<br />

por <strong>Galileu</strong> de feitos que não eram seus, e a sua desagradável incapacidade<br />

em dar o crédito devido aos que o haviam precedido, saudava<br />

Kepler por ter clarificado este asSUntO, "arrancando as penas" com que o<br />

italiano indevidamente se ornamentara. (Opere, X, 428).<br />

106


vações: a 19 de Agosto, <strong>Galileu</strong> respondeu a Kepler dizendo<br />

que não tinha nenhum telescópio disponível (Opere, X, 421-<br />

-422).<br />

Só no final do ano Kepler conseguiria obter um telescópio,<br />

por outras vias, iniciando imediatamente as suas próprias<br />

observações e iniciando-se também na construção destes instrumentos.<br />

O resultado destas investigações seria da maior importância.<br />

Para além da confirmação <strong>das</strong> descobertas galileanas, fez<br />

o seu próprio programa de investigação dos satélites de Júpiter,<br />

que publicou em Narratío de observatís a se quatuor Iovis satellitíbus<br />

(1611) (Opere,III/l, 185), mas sobretudo, ele, que já<br />

havia publicado o Ad Vitellionem Paralipomena, quibus Astronomiae<br />

Pars Optíca Traditur (Frankfurt, 1604), usou todo o seu<br />

domínio de assuntos ópticos para reformular os princípios<br />

teóricos da ciência à luz do novo instrumento, produzindo<br />

a Dioptrice (Augsburg, 1611), a obra que funda a óptica<br />

moderna.<br />

Entretanto, os encómios ao livro e ao génio de <strong>Galileu</strong><br />

pareciam não ter limite, cada um saudando-o da maneira mais<br />

entusiasmada e eloquente de que era capaz. Na prisão, em<br />

Nápoles, Tommaso Campanella (1568-1639), louvava-o numa<br />

carta plena de elogios, como o descobridor de "um novo céu e<br />

uma nova Terrà' (Opere, XI, 23), e em Inglaterra um admirador<br />

dizia que <strong>Galileu</strong> "hath done more in his threefold discoverie<br />

than Magellane in opening the streights to the South<br />

Seà'134.<br />

O louvor era geral, mas não era unânime. Sobre um<br />

fundo de aplauso genaralizado ouviam-se apesar de tudo algumas<br />

vozes discordantes e algumas opiniões desfavoráveis. Apenas<br />

um mês havia passado sobre o aparecimento da obra e<br />

134 Sir William Lower escrevendo a Thomas Harriot, a 21 de<br />

Junho de <strong>1610</strong>, dt. in: JOHN ROCHE. «Harriot. Galileo, and Jupiter's<br />

satellites», Archives lnternationa/es d'Histoire des Sciences, 32 (1982) 9-51,<br />

na p. 16.<br />

107


já Georg Fugger escrevia a Kepler, a 16 de Abril de <strong>1610</strong>,<br />

acusando <strong>Galileu</strong> de se apropriar de ideias de outros e de ter<br />

apenas copiado um telescópio que vira (Opere, X, 316). Protestos<br />

deste género e reclamações de prioridade foram-se multiplicando<br />

nas semanas seguintes, mas, para além destas, outro tipo<br />

de objecções não tardaram em aparecer.<br />

Logo em Junho de <strong>1610</strong>, Martin Horky (n. ca. 1590),<br />

que era assistente do astrónomo Giovanni Antonio Magini e<br />

havia estado presente quando, em Abril, <strong>Galileu</strong> tentara sem<br />

sucesso mostrar os satélites de Júpiter na casa de Magini,<br />

publicou uma Brevissima peregrinatio contra Nuncium Sidereum<br />

(Opere, IIIIl, 127-145). A obra não tinha qualidade e o ataque<br />

acabou por se traduzir num fiasco, a tal ponto que Magini<br />

escreveu a <strong>Galileu</strong> explicando que não tinha nada a ver com o<br />

assunto e expulsou Horky de sua casa. Mais importante, e de<br />

consequências que viriam a ser mais nefastas, foi o texto intitulado<br />

Contra ii moto della Terra que Ludovico delle Colombe<br />

(1565-1616) escreveu entre finais de <strong>1610</strong> e o ano de 1611, e<br />

que fez circular em diversas cópias, contendo um arrazoado de<br />

objecções sem muito nexo ou consistência mas em que, pela<br />

primeira vez, eram levanta<strong>das</strong> objecções de origem escriturística<br />

às observações de <strong>Galileu</strong> (Opere, IlIIl, 251-290). Pela mão de<br />

um professor de filosofia, o argumento religioso entrava em<br />

cena.<br />

Poucos meses depois, Francesco Sizzi (ca. 1585-1618)<br />

publicou em Veneza a Dianoia Astronomica, Optica, Physica<br />

(1611) contendo também objecções - não muito convincentes,<br />

diga-se - às observações de <strong>Galileu</strong> (Opere, III/I, 201-<br />

-250). Em particular, Sizzi usava argumentos numerológicos<br />

para "provar" que os satélites de Júpiter não podiam existir<br />

realmente. No ano seguinte, Giulio Cesare Lagalla (1576-<br />

-1624), professor de filosofia em Roma, publicava o De phaenomenis<br />

in orbe lunae novi telescopii um nunc iterum suscitatis<br />

(Veneza, 1612), uma obra inspirada no texto de Plutarco,<br />

questionando não a capacidade do novo instrumento, mas a<br />

argumentação usada por <strong>Galileu</strong> na análise da superfície da<br />

Lua. Como já se assinalou, as observações lunares conti<strong>das</strong> no<br />

108


Sidereus Nuncius foram o aspecto mais questionado do livro,<br />

tendo gerado várias refutações. 135<br />

Alguns ataques, como o de Francesco Sizzi e o de Ludo~<br />

vico Delle Colombe foram especialmente desagradáveis, por<br />

virem de homens que se mexiam com muito à vontade nos<br />

círculos mais restritos da corte florentina e terem publicado as<br />

suas diatribes em obras dedica<strong>das</strong> aos Mediei.<br />

<strong>Galileu</strong> não esqueceu as críticas. Muitos anos depois, no<br />

início do II Saggiatore (1623), referia-se, com evidente azedume,<br />

aos que tinham atacado as suas novidades telescópicas<br />

(Opere, VI, 213-215).<br />

Seja como for, o aparecimento do Sidereus Nuncius foi<br />

inquestionavelmente um estrondoso sucesso e estes críticos, se<br />

bem que revelem a existência de tensões que, com o passar dos<br />

anos, se viriam a tornar importantes, não foram, na altura,<br />

mais do que ruído de fundo vagamente perceptível diante do<br />

aplauso geral.<br />

Mas o maior impacto <strong>das</strong> descobertas de <strong>Galileu</strong> foi o<br />

provocado junto dos matemáticos e astrónomos da Companhia<br />

de Jesus. As primeiras notícias acerca <strong>das</strong> observações telescópi~<br />

cas de <strong>Galileu</strong> causaram grande comoção entre os astrónomos<br />

do Collegio Romano, mas não se pode dizer que tenham apanhado<br />

os jesuítas completamente de surpresa. Tal como sucedera<br />

a <strong>Galileu</strong>, também os rumores de um novo instrumento<br />

óptico haviam chegado aos jesuítas e, logo depois, o próprio<br />

instrumento. Pelo final de 1609, ou, o mais tardar, nos inícios<br />

de <strong>1610</strong>, tinham já começado a fazer observações telescópicas<br />

135 Apenas mais um exemplo: em Maio de 1611 teve lugar em<br />

Mantua, na presença do cardeal Gonzaga, uma conferência onde se discutiu<br />

o assunto e que deu lugar à circulação de um manuscrito de título<br />

«De lunarium montium altitudine problema mathematicum» (Opere,<br />

mil, 299-307).<br />

109


dos céus. l36 O aparecimento do Sidereus Nuncius, em Março de<br />

<strong>1610</strong>, tornou ainda mais urgentes as investigações dos jesuítas.<br />

Quando, alguns anos mais tarde, Christoph Grienberger,<br />

um dos mais competentes matemáticos jesuítas, escreveu a<br />

<strong>Galileu</strong> relatando os primeiros tempos do uso do telescópio no<br />

colégio romano, referiu que, entre Abril e Setembro de <strong>1610</strong>,<br />

um dos seus confrades, o padre Giovanni Paolo Lembo, sem<br />

ter informações de <strong>Galileu</strong>, construíra um telescópio com o<br />

qual rora capaz de observar a irregularidade da superfície lunar,<br />

as muitas estrelas novas nas Plêiades, em Orionte e em muitas<br />

outras constelações, mas sem conseguir ver os novos planetas,<br />

isto é, os satélites de }úpiter. 137<br />

136 Isto pode inferir-se da carta de Paul Guldin, em Roma, a<br />

Johann Lanz, em Munique, a 13 de Fevereiro de 1611, publicada em:<br />

AUGUST ZIGGELAAR, «Jesuit astronomy north of the Alps. Four unpublished<br />

jesuit letters, 1611-1620", in: UGO BALDlNI (Ed.) Christoph Cl4vius<br />

e l'Attività Scientifica dei Gesuiti nett'età di Galil-eo (Roma: Bulzoni,<br />

1995), pp. 101-132. Um dos primeiros telescópios que existiram no<br />

colégio romano foi seguramente a luneta holandesa que Peter Scholier,<br />

um aluno da universidade de Lovaina, enviou ao seu antigo mestre ado<br />

van Maelcote em 1609 ou <strong>1610</strong>. Sobre este envio e as primeiras actividades<br />

telescópicas dos jesuítas, veja-se EILEEN REEVES and ALBERT VAN<br />

HELDEN,


..<br />

Apesar dos esforços, os jesuítas foram durante algum<br />

tempo incapazes de observar as luas de Júpiter, e este incapacidade<br />

tornou-os progressivamente cépticos relativamente a esta<br />

novidade; por volta de Setembro as suas sérias dúvi<strong>das</strong> começam<br />

a ser conheci<strong>das</strong>. Em Outubro, Lembo, provavelmente<br />

com o apoio de Grienberger, tinha pronto um segundo telescópio,<br />

de melhor qualidade. Com este novo instrumento foi<br />

possível observar pela primeira vez, as fases de Vénus, fenómeno<br />

que investigaram sistematicamente durante quatro meses.<br />

Os jesuítas conseguiram também, finalmente, observar os satélites<br />

de Júpiter mas continuaram com dúvi<strong>das</strong> se se tratariam<br />

de planetas ou não.<br />

Em Novembro-Dezembro, Antonio Santini enviou de<br />

Veneza um telescópio de excelente qualidade como presente<br />

para Clávio. Com este melhor telescópio, os jesuítas finalmente<br />

fizeram observações inequívocas dos satélites de Júpiter e da<br />

forma peculiar de Saturno. A 17 de Dezembro de <strong>1610</strong>, Clávio<br />

escreveu a <strong>Galileu</strong> uma carta cheia de louvores, informando<br />

que to<strong>das</strong> as novas observações haviam sido confirma<strong>das</strong> pelas<br />

observações do colégio romano (Opere, X, 484-485).<br />

Por esta altura, os matemáticos do colégio romano já<br />

tinham resolvido todos os problemas técnicos e levavam a cabo<br />

observações telescópicas sistematicamente. Na verdade, o colégio<br />

romano tornara-se mesmo num dos mais importantes focos<br />

de divulgação e confirmação de tão espantosas novidades.<br />

Cientes da importância <strong>das</strong> observações astronómicas, as<br />

autoridades eclesiásticas de Roma tentaram confirmar esses factos<br />

extraordinários. A 19 de Abril de 1611, o cardeal Roberto<br />

Bellarmino questionava os matemáticos jesuítas acerca <strong>das</strong><br />

novas observações, colocando, em particular, as seguintes perguntas<br />

(Opere, Xl, 87-88); 1. Se é verdade que com o telescópio<br />

se vê uma multidão de novas estrelas. 2. Se Saturno se<br />

acha realmente rodeado por dois planetas mais pequenos. 3. Se<br />

Vénus tem fases. 4. Se a Lua tem uma aparência irregular.<br />

5. Se Júpiter tem satélites. Uns dias depois (a 24 de Abril), os<br />

matemáticos responderam, confirmando as observações galilea-<br />

111


nas, manifestando apenas alguma incerteza acerca do que realmente<br />

se via na Lua (Opere, Xl, 92-93).138<br />

A confirmação <strong>das</strong> observações telescópicas pelos jesuítas<br />

do colégio romano fOi talvez o mais importante passo na cre-<br />

138 A resposta dos matemáticos do Collegio Romano às cinco perguntas<br />

coloca<strong>das</strong> pelo cardeal Bellarmino é um documento do maior<br />

interesse, que vale a pena transcrever extensamente: "[ ... ] AlIa prima, e<br />

vero che appaiono moltissime stelle mirando con \' occhiale nelle nuvolose<br />

deI Cancro e Pleiadi; ma nella Via Lattea non e cosl certo che tutta<br />

consti di minute stelle, et pare piu presto che siano parti piu dense continuate,<br />

benche non si puo negare che non ci siano ancora nella Via Lattea<br />

molte stelle minute. E vero che, per quel che si vede nelle nuvolose<br />

dei Cancro et Pleiadi, si puo congetturare probabilmente che ancora<br />

nella Via Lattea sia grandissima moltitudine di stelle, le quali non SI<br />

ponno discernere per essere troppo minute.<br />

Alia 2 a , habbiamo osservato che Saturno non e rondo, come si<br />

vede Giove e Marte, ma di figura ovata et oblonga in questo modo 000;<br />

se bene nou habbiam visto le due stellette di qua et di là tanto staccate<br />

da quella di mezzo, che possiamo dire essere stelle distinte.<br />

Alia 3a, e verissimo che Venere si scema et cresce come la luna: et<br />

havendola noi vista quasi piena, quando era vespertina, habbiamo osservato<br />

che a puoco a puoco andava mancando la parte illuminata, che<br />

sempre guardava ii sole, diventando tueta via piu cornicolata; et osservatala<br />

poi matutina, dopo la congiontione coi sole, l'habbiamo veduta cornicolata<br />

con la parte illuminata verso ii sole. Et hora va sempre crescendo<br />

secondo il lume, et mancando secondo ii diametro visuale.<br />

AlIa 4 a , non si puo negare la grande inequalità della luna; ma pare<br />

ai P. Clavio piu probabile che non sia la superficie inequale, ma piu<br />

presto che iI corpo lunare non sia denso uniformemente et che habbia<br />

parti piu dense et piu rare, come sono le macchie ordinarie, che si<br />

vedono con la vista naturale. Altri pensano, essere veramente inequale la<br />

superficie: ma infin hora noi non habbiamo intomo a questo tanta certezza,<br />

che lo possiamo affermare indubitatamente.<br />

AlIa 5', si veggono intomo a Giove quattro stelle, che velocíssimamente<br />

si movono hora tutte verso levante, hora tutte verso ponente, et<br />

quando parte verso levante, et quando parte verso ponente, in linea quasi<br />

retta: le quali non ponno essere stelle fisse, poiche hanno moto velocissimo<br />

et diversissimo dalle stelle fisse, et sempre mutano le distanze fra di<br />

loro et Giove. [ ... ]<br />

112


dibilização <strong>das</strong> novidades que <strong>Galileu</strong> descobrira e do valor do<br />

instrumento que usara para as descobrir.<br />

Entretanto <strong>Galileu</strong> fazia uma viagem até Roma, para algumas<br />

discussões científicas e sobretudo para cimentar a sua posição<br />

recolhendo apoios cruciais. Chegou à cidade eterna a 29<br />

de Março de 1611, como convidado de honra do embaixador<br />

toscano, para uma verdadeira viagem triunfal durante três<br />

meses. Um dos importantes apoios a recolher era o do grupo<br />

de notáveis que se reunia em torno do príncipe Federico Cesi<br />

(1585-1630), sob a designação de Accademia dei Lincei, por<br />

quem <strong>Galileu</strong> foi entusiasticamente recebido, estabelecendo<br />

uma ligação que seria da maior importância na sua carreira<br />

futura. 139 Os "linces" publicar-lhe-iam as suas "cartas sobre as<br />

manchas solares" (lstoria e dimostrazioni intorno alie macchie<br />

solart) em 1613 e o II Saggiatore, em 1623. Seria num famoso<br />

banquete dos Lincei em sua honra, a 14 de Abril de 1611, que<br />

l;l9 A ligação de <strong>Galileu</strong> com a Accademia dei Lincei seria muito<br />

importante no desenrolar da sua carreira, sendo a literatura sobre este<br />

tema já muito extensa. Vejam-se, sobretudo, os trabalhos seguintes, por<br />

dois reputados historiadores da ciência: STILLMAN DRAKE, «The Accademia<br />

dei LÍncei», Scíence, 151 (1966) 1194-1200 [também em: STILLMAN<br />

DRAKE, Essays on Galileo and the History and Philosophy 01 Science. Se/ected<br />

and introduced by N. M. SWERDLOW and T. H. LEVERE (Toronto:<br />

University of Toronto Press, 1999), voI. 1, pp. 126-141], e RICHARD S.<br />

WESTFAll, «Galileo and the Accademia dei LÍncei», in PAOLO GALLUZZI<br />

(ed.) , Novità Celesti e Crisi dei Sapere (Firenze: Giunti Barbera, 1984),<br />

pp. 189-200. Os estudos mais recentes servem como pontos de partida<br />

actualizados, com indicações bibliográficas para to<strong>das</strong> as questões relativas<br />

aos Lincei: DAVID FREEDBERG, The Eye 01 the Lynx. Galileo, his friends,<br />

and the hegínníngs 01 Modem Natural History (Chicago and London: Chicago<br />

University Press, 2002); AJ-..'TONIO GRANITI (00.), Federico Cesi. Un<br />

Príncipe Naturalista (Roma: Bardi, 2006); LUIGI GUERRINI, I trattati<br />

naturalistlei di Federico Cesi (Roma: Accademia Naúonale dei Lincei,<br />

2006); A. BATTISTINI, G. DE ANGEUS, G. OUMI (eds.) , All'orígíne della<br />

sclenza moderna: Federico Cesi e l'Accademia dei Lincei (Bologna: II<br />

Mu/ino, 2007).<br />

113


vma a nascer o termo "telescopium", proposto por Demisiani<br />

ou pelo próprio Cesi (Opere, Xl, 420). <strong>Galileu</strong> foi formalmente<br />

recebido como o sexto membro dessa Academia a 25 de Abril<br />

de 1611, uma honra que muito prezou, tendo desde então passado<br />

a assinar o seu nome como "Galileo <strong>Galilei</strong> Linceo".<br />

Mas <strong>Galileu</strong> estava sob~etudo interessado em recolher as<br />

honras e o crédito que os matemáticos jesuítas lhe poderiam<br />

conferir. O enorme prestígio científico do Colégio Romano,<br />

agora que os padres haviam confirmado as suas observações,<br />

era um capital de credibilidade que não se podia desperdiçar. 14o<br />

Aceitando o convite para visitar o colégio, teve várias discussões<br />

científicas com os matemáticos jesuítas e, no princípio de<br />

Maio, foi recebido apoteoticamente para uma série de celebrações<br />

que culminaram com um discurso do jesuíta flamengo<br />

Oddo van Maekote (1572-1615) (Opere, I1III, 293-99).<br />

Por volta de 1612, entre os jesuítas, o telescópio tinha<br />

passado a circular muito para além do círculo restrito dos<br />

fabricantes de instrumentos ou dos especialistas matemáticos e<br />

muito para lá também <strong>das</strong> sessões de demonstração para aristocratas<br />

e soberanos. Tinha-se tornado parte indispensável do<br />

treino científico de qualquer pessoa culta.<br />

A euforia com que os jesuítas se associaram a estes descobrimentOs<br />

e com que celebraram o seu descobridor não ocultava,<br />

contudo, as dificuldades que se levantavam. As novas<br />

140 O mais completo estudo sobre o Colégio Romano ainda é o de<br />

RICARDO G. VILLOSLADA, Storia deI Collegio Romano dai suo inizio<br />

(155]) alia soppressione della Compagnia di Gesu (1113) (Romae, Apud<br />

Aedes Universitatis Gregorianae, 1954), mas, para os aspectos que importam<br />

à ciência, devem ver-se os importantes acrescentos e correcções em:<br />

UGO BALDINI, Legem Impone Subactis. Studi su Filosofia e Scienza dei<br />

Gesuiti in Italia, 1540-1632 (Roma: Bulzoni Editare, 1992); UGO BAL­<br />

DlNI, «The Academy of Mathematics of rhe CoIlegio Romano from 1553<br />

to 1612», in: MORDECHAI FEINGOLD (ed.), Jesuit Science and the Republic<br />

oi Letters (Cambridge, Mass.: The MIT Press, 2003), pp. 47-98.<br />

114


observações colocavam sérios problemas cosmológicos e ques~<br />

donavam de maneira grave as noções tradicionais. Um dos<br />

mais dramáticos testemunhos dessas dificuldades vem do próprio<br />

Clávio, na edição de 1611 da sua Opera Mathematica l41 •<br />

Depois de uma breve descrição <strong>das</strong> observações telescópicas e<br />

consciente de que elas desfechavam um golpe definitivo nas<br />

antigas ideias cosmológicas, Clávio rematava com estas palavras<br />

famosas, que bem pode dizer-se que representam o fim de uma<br />

época: "Quae cum ita sint, videant astro no mi, quo pacto orbes<br />

coelestes constituendi sint, ut haec phaenomena possint salvari"<br />

["Sendo as coisas assim vejam os astrónomos de que modo se<br />

devem constituir os orbes celestes de modo a salvar estes fenómenos"].142<br />

A tarefa de reconstruir um modelo astronómico e<br />

cosmológico concorde com as novas observações já não cairia<br />

141 Trata-se do Vol. III <strong>das</strong> Opera Mathematica de Clávio, publicado<br />

em Mainz, em 1611, onde está contido o seu comentário à Esfera<br />

de Sacrobosco. O Commentarius in Sphaeram /oannis de Sacro Bosco de<br />

Clávío teve várias edições entre 1570 e 1611, mas evidentemente apenas<br />

na última se referem as observações de <strong>Galileu</strong>. (Depois da morte da<br />

Clávio houve ainda uma outra edição, em 1618). Sobre o conteúdo desta<br />

obra de Clávio veja-se JAMES M. UnIS, Between Copernicus and Galileo.<br />

Christoph CÚlvius and the Collapse of Ptolemaic Cosmology, (Chicago and<br />

London: The Universiry of Chicago Press, 1994). Para análises mais detalha<strong>das</strong>,<br />

veja-se UGO BALDlNl (ed.), Christoph Clavius e l'Attività Scientifica<br />

dei Gesuiti nell'età di Galileo (Roma: Bulzoni, 1995), bem como os<br />

trabalhos: UGO BALDIW, Legem Impone Subactis. Studi su Filosofia e<br />

Scienza dei Gesuiti in Italia, 1540-1632, (Roma: Bulzoni Editore, 1992);<br />

UGO BALDlNI, Saggi sulla cultura della Compagnia di Gesu (secoli XVI­<br />

XVIII) (Padova: CLEUP, 2000). Os estudos mais detalhados sobre Clávio<br />

não podem dispensar o estudo da sua correspondência: Christoph CÚlvius:<br />

Corrispondenza. Edizíone critica a cura di UGO BALDINI e PIER DANIELE<br />

NAPOLlTANI (Pisa: Universítà di Pisa, Dipartimento di Matematica,<br />

1992), 6 vols.<br />

142 CLAVIUS, Opera Mathematica, (Mainz, 1611), vol. 3, p. 75.<br />

Veja-se, adiante (infla, pp. 124-125, nota 155), a versão em português<br />

deste famoso trecho, por Giovanni Paolo Lembo.<br />

115


I<br />

sobre o próprio Clâ'vio, que faleceria pouco depois, em 1612.<br />

A possibilidade óbvia de uma adesão ao sistema de Tycho<br />

Brahe não se mostrava, à partida, tão atractiva, em parte porque<br />

o próprio Clávio nunca ocultara o seu desagrado por esse<br />

modelo. O astrónomo dinamarquês nunca é mencionado na<br />

vasta obra do jesuíta alemão e Jan Vremann (I 583-1620)<br />

- um jesuíta croata que trabalhou com Clávio em Roma e<br />

que passaria por Portugal - confidenciou na sua correspondência<br />

que Clávio, "per varií rispetti e poco amico di<br />

Tichone" 143. Os jesuítas encontravam-se, pois, numa situação<br />

complicada. Os anos seguintes foram de intenso debate interno<br />

na Companhia, debates que em certo sentido terminaram com<br />

a publicação, em 1620, da Sphaera mundi seu cosmographia, de<br />

Giuseppe Biancani 0566-1624), que marca a adopção oficial<br />

pela Companhia de Jesus do sistema de Tycho Brahe. l44<br />

<strong>Galileu</strong> vivia então o momento mais alto da sua carreira.<br />

As objecções aos factos do Sidereus Nuncius e demais observações<br />

telescópicas caiam, uma por uma, sob o peso da contínua<br />

143 Carta de Vreman a G. A. Magini, in: ANTONIO FAVARO, Carteggio<br />

inedito di Ticone Brahe, Giovanni Keplero e di altri celebri astronomi<br />

e matematici dei secoli XVI e XVII con Giovanni Antonio Magini<br />

(Bologna, 1886), p. 327.<br />

144 Veja-se: MICHEL-PIERRE LERNER, «Lentrée de Tycho Brahe chez<br />

les jésuites ou le chant du cygne de Clavius», in: Luce Giard, (dir.), Les<br />

Jésuites à la Renaissance. Systeme éducatif et production du savoir (Paris:<br />

Presses Universitaires de France, 1995) pp. 145-185; W G. L. RA,.'lDLES,<br />

The Unmaking of the Medieval Christian Cosmos, 1500-1160. From Solid<br />

Heavens to Boundless Aether (Aldershot: Ashgate, 1999), pp. 174-181;<br />

EDWARD GRANT, «The Partial Transformation of Medieval Cosmology by<br />

Jesuits in the sixteenth and seventeenth centurÍes», in: MORDECHAI FEIN­<br />

GOLO (ed.), Jesuit Science and the Republic of Letters (Cambridge, Mass.:<br />

The MIT Press, 2003), pp. 127-155; Luis MIGUEL CAROUNO, «The<br />

making of a Tychonic cosmology: Cristoforo Borri and the development<br />

of Tycho Brahe's astronomical system in the early seventeenth-century»,<br />

Journal for the History of Astronomy, 39 (2008) 313-344.<br />

116


confirmação <strong>das</strong> observações iniciais. Roma estava rendida ao<br />

seu génio científico e à importância <strong>das</strong> suas descobertas. O<br />

cardeal Francesco Maria dei Monte escrevia ao Grã-Duque<br />

Cosme II, a 31 de Maio de 1611, dando conta do grande<br />

sucesso de <strong>Galileu</strong> em Roma e dizendo que, se ainda fossem os<br />

tempos da antiga República Romana, lhe seria erguida uma<br />

estátua no Capitólio (Opere, Xl, 119).<br />

Novidades telescópicas de <strong>Galileu</strong> em Portugal<br />

As novidades telescópicas de <strong>Galileu</strong> foram conheci<strong>das</strong> em<br />

Portugal devido aos padres da Companhia de Jesus. Diferentemente<br />

de outros grandes debates científicos, em outras épocas,<br />

o debate cosmológico do século XVII, iniciado em consequências<br />

<strong>das</strong> observações com o telescópio, ressoou quase de imediato<br />

entre nós, mercê dos canais de comunicação que a Companhia<br />

de Jesus possibilitava. Na verdade, aquele que poderia<br />

ser chamado o "período jesuíta" da história científica portuguesa<br />

teve características que o distinguem de to<strong>das</strong> as outras<br />

épocas, sendo a principal a existência de uma extensa e eficaz<br />

rede de comunicação entre Portugal e a Europa, o que permitiu<br />

a profunda internacionalização da prática científica no<br />

nosso país. Nessa rede, as noticias acerca do telescópio circularam<br />

de maneira muito célere, sendo rapidamente conheci<strong>das</strong> e<br />

comenta<strong>das</strong> em Lisboa e, imediatamente depois, circula<strong>das</strong> para<br />

fora da Europa, num movimento de enorme amplidão geográfica<br />

e uma espantosa celeridade. O mesmo se passou com O<br />

próprio instrumento que, através da rede de colégios e residências<br />

jesuítas, circulou rapidamente até Lisboa, e daí a muitos<br />

outros pontos do globo.<br />

A notícia dos debates astronómicos que se desencadearam<br />

em Itália em torno a <strong>1610</strong> chegou muito cedo a Portugal. A<br />

«Aula da Esfera» do Colégio de Santo Antão mantinha uma<br />

relação estreita com a Academia de Matemática de Clávio e<br />

devido a este facto as novidades científicas foram conheci<strong>das</strong> e<br />

117


discuti<strong>das</strong> em Lisboa pouco depois. 145 Examinando a lista de<br />

professores de matemática do colégio de Santo Antão verifica­<br />

-se que, no período entre <strong>1610</strong> e 1614, leccionou o padre<br />

Sebastião Dias, e essas aulas foram possivelmente a primeira<br />

ocasião para a divulgação <strong>das</strong> novidades telescópicas em Portugal.<br />

Infelizmente não se conhecem quaisquer notas de aula<br />

deste professor, o que não permite confirmar esta suposição.<br />

Sabe-se, todavia, que por estes anos as notícias circulavam já<br />

por Lisboa.<br />

Em Novembro de 1612, da fndia, o padre Giovanni<br />

Antonio Rubino (1578-1643), que partira de Lisboa a 25 de<br />

Março de 1602, escrevia uma carta surpreendente, revelando<br />

que já lhe chegara a notícia dos telescópios e <strong>das</strong> novas descobertas<br />

que com eles se haviam feito:<br />

Mi scrÍssero d'Italia che s'inventarono certi occhiali<br />

con i quali se veggono le cose distintamente 15 e 20<br />

145 Sobre a relação estreita da Academia de MatemátÍca do Colégio<br />

Romano com a «Aula da Esfera» do Colégio de Santo Antão, veja-se:<br />

UGO BALDlNI: «As assistências ibéricas da Companhia de Jesus e a actividade<br />

científica nas missões asiáticas (1578-1640). Alguns aspectos culturais<br />

e institucionais», Revista Portuguesa de Filosofia, 54 (1998) 195-<br />

-245; UGO BALDINI, «The Portuguese Assistancy of the Society of Jesus<br />

and scientific activities in íts Asian Missions until 1640», in Luís<br />

SARAIVA (ed.), História <strong>das</strong> Ciências Matemáticas. Portugal e o Oriente.<br />

History o/ Mathematical Sciences. Portugal and East Asia (Lisboa: Fundação<br />

Oriente 2000), pp. 49-104; UGO BALDINI, "I:insegnamento della<br />

matematica nel Collegio di S. Antão a Lisbona, 1590-1640», in NUNO<br />

DA SILVA GONÇALVES (coord.), A Companhia de Jesus e a Missionação no<br />

Oriente. Actas do Colóquio Internacional, 21-23 Abril 1997 (Lisboa: Brotéria,<br />

Fundação Oriente, 2000), pp. 275-310. Estes trabalhos são completados<br />

por: UGO BALDINI, «The teaching of mathematics in the Jesuit<br />

colleges of Portugal from 1640 to Pombah" in LufS SARAIVA, HENRIQUE<br />

LEITÃO (eds.), The Practice o/ Mathematics in Portugal. Papers from the<br />

International Meeting organized by the Portuguese Mathematical Society,<br />

Óbidos, 16-18 November, 2000 (Coimbra: Imprensa da Universidade de<br />

Coimbra, 2004), pp. 293-465.<br />

118


miglia lontano et si scuoprono molte novità ne' cieli,<br />

principalmente nelli pianeti. Sarà grande charità mandarmeli<br />

Vostra Riverenza et insieme qualche tratatello sopra<br />

tali occhialí se v'e dimonstratione delle cose che si veggono.<br />

E se V. R. non me li puo mandare, per non haver<br />

commodità o per non haver danari, la prego quanto<br />

posso che mi mandi in scriptis et in figuris il modo e l'inventione<br />

come si fanno, quanto piu chiaramente sarà possibile;<br />

ch'io in questi paesi li mandaro fare, perche non<br />

mancano o fficial i ne moIta copia di cristalli. 146<br />

Se assunto era já conhecido na fndia no final de 1612,<br />

não poderia deixar de ser comentado em Lisboa vários meses<br />

antes. Aliás, como se sabe, as notícias da apoteótica recepção<br />

de <strong>Galileu</strong> no Collegio Romano, em Maio de 1611, reverberaram<br />

imediatamente pelos colégios da Companhia, e naturalmente<br />

em Portugal também. 147<br />

Da grande velocidade de circulação, do enorme alcance<br />

geográfico e, sobretudo, do entusiasmo que as novidades telescópicas<br />

causaram entre os jesuítas portugueses, é testemunho<br />

146 ln TACCHI VENTURI, Alcune lettere dei P. Antonio Rubino<br />

(1900), pp. 17-18 A carta vem também citada em: PASQUALE D'ELIA,<br />

Galileo in Cina. Relazioni attraverso íl Collegio Romano tra Galileo e i<br />

gesuiti scienziati missionari in Cina (<strong>1610</strong>-1640) (Romae: Apud Aedes<br />

Universitatis Gregorianae, 1947). [Existe urna tradução inglesa: PASQUALE<br />

D'ELIA, Galíleo in China. Relations through the Roman College between<br />

Galiieo and the Jesuit scientist-missionaries (<strong>1610</strong>-1640), trad. R. Suter<br />

and M. Sciascia (Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1%0),<br />

pp. 18-19)<br />

147 Na altura o Pe. Odo van Maelcote pronunciou um discurso de<br />

homenagem a <strong>Galileu</strong>, resumindo os seus recentes descobrimentos, intitulado<br />

Nuntius Sidereus Collegii Romani (Opere, III/I, 291-298). Notícias<br />

desta cerimónia circularam muito rapidamente, chegando, por exemplo, à<br />

Flandres (Opere, Xl, 162-163). Cópias do discurso de van Maelcote também<br />

foram distribuí<strong>das</strong>; Grienberger parece ter preparado algumas, por<br />

exemplo, o excerto que enviou ao próprio <strong>Galileu</strong> (Opere, Xl, 274).<br />

119


excepcional o funoso Tianwen /üe (Sumário de questões sobre o<br />

Céu), que o jesuíta português Manuel Dias Júnior (1574-1659)<br />

publicou na China em 1615,148 Esta seria uma <strong>das</strong> mais li<strong>das</strong> e<br />

cita<strong>das</strong> entre to<strong>das</strong> as obras publica<strong>das</strong> pelos jesuítas na China<br />

durante o século XV1I, e é notável a vários títulos. O facto mais<br />

relevante, contudo, é que, no final, contém algumas páginas<br />

descrevendo as observações de <strong>Galileu</strong> - as primeiras que<br />

alguma vez foram redigi<strong>das</strong> em chinês:<br />

Há pouco tempo, um famoso sábio ocidental, versado<br />

em astronomia, e que se dedicou a observar as<br />

coisas misteriosas do Sol, da Lua e <strong>das</strong> estrelas, ciente da<br />

fraqueza dos seus olhos, construiu um instrumento maravilhoso<br />

para vir em auxílio deles. Com este instrumento,<br />

um objecto da grandeza' de um ce, posto a uma distância<br />

de 60 li, vê-se como se estivesse diante dos olhos. A Lua,<br />

observada com este instrumento, aparece mil vezes maior.<br />

Vénus, com este instrumento, aparece grande como a Lua;<br />

a sua luz aumenta e diminui exactamente como a do<br />

disco da Lua. Saturno com este instrumento é, pela figura<br />

aqui anexa, de forma arredondada como um ovo de galinha,<br />

com duas pequenas estrelas aos seus lados, que não<br />

se pode saber se são exactamente aderentes ou não a ele.<br />

Júpiter, com este instrumento, vê-se sempre rodeado de<br />

quatro pequenas estrelas que giram em torno dele muito<br />

velozmente; umas do lado Este e outras do lado Oeste,<br />

ou [vice-versa], umas do lado Oeste e outras do lado<br />

Este, ou to<strong>das</strong> do lado Este, ou to<strong>das</strong> do lado Oeste; mas<br />

o seu movimento é muito diferente daquele [<strong>das</strong> estrelas]<br />

148 HENRIQUE LEITÃO, «The contents and context of Manuel Dias'<br />

Tianwentüe>', in Luis SARAIVA and CATHERINE JAMI (eds.), History of<br />

Mathematical Sciences: Portugal end the East, III. The Jesuits, the Padroado<br />

and East Asian Science (1552-1773) (Singapore: World Scíentific, 2008),<br />

pp. 99-12; RUI MAGONE, «The textual tradition of Manuel Dias' Tianwenlüe»,<br />

ibidem, pp. 123-138.<br />

120


<strong>das</strong> 28 constelações. [ ... ] No dia em que este instrumento<br />

chegar à China daremos mais pormenores do seu maravilhoso<br />

uso. 149<br />

Manuel Dias náo tinha, portanto, um telescópio, que<br />

ainda não chegara à China, mas já conhecia perfeitamente os<br />

novos factos celestes. Dias partira de Lisboa a 11 de Abril de<br />

1601 e, por conseguinte, só pode ter tomado conhecimento<br />

destes factos quando já se encontrava no Oriente. Além disso,<br />

não tendo sido um aluno no Colégio Romano - diferentemente<br />

de Rubino -, não é de crer que tenha sabido <strong>das</strong><br />

novas observações e do novo instrumento óptico por intermédio<br />

de alguma missiva particular enviada por algum dos padres<br />

da Academia de Clávio. Quer isto dizer que, por estas datas,<br />

estas notícias eram já amplamente conheci<strong>das</strong> nas redes e<br />

comunidades jesuítas, da Europa ao Extremo Oriente. ISO<br />

Em resumo, as notícias do telescópio e <strong>das</strong> novidades<br />

galileanas foram conheci<strong>das</strong> em Portugal o mais tardar desde<br />

1611, e a partir daqui transmiti<strong>das</strong> aos mais distantes pontos<br />

149 Esta transcrição encontra-se no Tianwen lüe, f. 43 a-b. Vide<br />

HENRIQUE LEITÃO, «The contents and context of Manuel Dias' Tianwenlüe,>,<br />

op. cito para mais explicações acerca deste passo.<br />

150 Na China, aliás, as descobertas de <strong>Galileu</strong> conhecerão uma<br />

divulgação extensa. Poucos anos depois, em 1626, o missionário Johann<br />

Adam Schall von Bel! (1591-1666) publicaria o Yuan-jing shuo (Sobre o<br />

telescópio), um tratado inteiramente dedicado ao novo instrumento, com<br />

várias gravuras ilustrando as observações galileanas. A literatura sobre este<br />

assunto é muito vasta. Como estudos gerais, para além do já mencionado<br />

d'Elia, Galileo in Cina, veja-se ainda o voI. III [Mathematics and the<br />

Sdences of the Heavens and the Earth] de JOSEPH NEEDHAM, Scíence<br />

and Civilization in China (Cambridge: Cambridge University Press,<br />

1959); KEIZO HASHIMOTO, Hsü Kuang-Ch' i and Astronomical Reform.<br />

The Process o[ the Chinese Acceptance o[ Western Astronomy, 1629-1635<br />

(Osaka: Kansai University Press, 1988). Veja-se igualmente E. ZÜRCHER,<br />

N. STANDAERT, A, DUDINK, Bibliography o[ the Jesuít Mission in China,<br />

ca. 1580 ca.1680 (Leiden: Leiden Uníversity, 1991).<br />

121


do mundo. Quanto ao aparecimento do próprio instrumento,<br />

a primeira notícia concreta de um telescópio em mãos portuguesas<br />

vem do Brasil. No relatório da batalha de Guanxanduba,<br />

travada a 19 de Novembro de 1614, o Major Diogo de<br />

Campos Moreno refere que o comandante Jerónimo de Albuquerque<br />

observava o inimigo com "hum oculo de longa<br />

vista".151 A aparente banalidade com que o assunto é referido<br />

deixa supor que o telescópio não fosse já uma grande novidade.<br />

Mas a personalidade a quem mais se ficou devendo a<br />

introdução <strong>das</strong> ideias de <strong>Galileu</strong> e do telescópio no nosso país<br />

foi ao padre Giovanni Paolo Lembo que, como já referimos,<br />

fora o principal responsável pela construção de telescópios no<br />

Collegio Romano e que confirmara as observações de <strong>Galileu</strong><br />

no importante relatório ao cardeal Bellarmino em Abril de<br />

1611. 152 Lembo começou a leccionar na «Aula da Esfera» do<br />

151 DIOGO DE CAMPOS MORENO, «Jornada do Maranhão por<br />

ordem de S. Magestade feito o anno de 1614», in Colecçáo de noticias<br />

para a história e geografia <strong>das</strong> nações ultramarinas que vivem nos domlnios<br />

Partuguezes, ou lhes são vizinhas (Lisboa: Academia Real <strong>das</strong> Sciencias,<br />

1814). Veja-se também: ENGEL SWITER, «The first known te/escopes carried<br />

to America, Asia and the Ardc, 1614-39», Journalfor the History af<br />

Astronomy, 28 (1997) 141-145.<br />

152 Giovanni Paolo Lembo nasceu em Beneveto, Itália, por volta de<br />

1570, e ingressou na Companhia de Jesus a 22 de Fevereiro de 1600, em<br />

Nápoles. De 1604 a 1607 estudou filosofia no colégio de Nápoles e em<br />

1607 foi chamado para Roma, onde estudou Teologia e frequentou a<br />

academia matemática de Clávio. Nesta academia parece ter-se ocupado,<br />

sobretudo, com instrumentos astronómicos (no Verão de <strong>1610</strong> construiu<br />

o primeiro telescópio do Colégio Romano). Em Abril de 1611, aparece<br />

como um dos quatro signatários da resposta ao cardeal Bellarmino. De<br />

1611 a 1614 encontra-se novamente no colégio de Nápoles, com tarefas<br />

administrativas. Em 1614, o Geral Acquaviva envia-o para ensinar matemática<br />

em Lisboa. A estadia de Lembo em Lisboa foi curta. Foi professor<br />

no colégio de Santo Antão nos anos de 1615 a 1617, mas em<br />

Dezembro deste ano regressou a Itália, por motivos de saúde. Faleceu em<br />

Nápoles pouco depois, a 31 de Maio de 1618. Os dados biográficos<br />

122


colégio de Santo Antão em Abril de 1615. Aparecia, assim, em<br />

Lisboa, nos anos cruciais do debate cosmológico, um dos<br />

homens mais informados acerca destes assuntos; a sua actividade<br />

lectiva na "Aúla da Esfera", no período em que o debate<br />

em torno <strong>das</strong> questões cosmológicas literalmente explodia pela<br />

Europa, é um dos acontecimentos de maior importância na<br />

história científica do Colégio de Santo Antão.<br />

O curso que Giovanni Paolo Lembo leu em Santo Antão<br />

nos anos 1615-1617 é um dos documentos mais importantes<br />

da história da ciência em PortugaL Chegou até nós através <strong>das</strong><br />

notas toma<strong>das</strong> por um aluno não identificado, num manuscrito<br />

de cerca de 140 fólios, redigido em português, e que se<br />

encontra em bom estado de conservação.153 Tem muitas figuras,<br />

desenha<strong>das</strong> à mão, sobretudo diagramas astronómicos e<br />

matemáticos, representações de máquinas e outros artefactos<br />

tecnológicos, cobrindo um leque de assuntos muito ambicioso.<br />

Para além <strong>das</strong> matérias De Sphera e <strong>das</strong> questões náuticas, que<br />

são uma constante nos cursos deste período, Lembo tratou um<br />

conjunto de outras matérias, que incluem noções de trigonometria,<br />

uma introdução à geometria de Euclides, e noções<br />

sobre o cômputo eclesiástico. Figuram de maneira proeminente<br />

neste curso muitos aspectos relacionados com máquinas e instrumentação<br />

vária, reflectindo possivelmente os interesses do<br />

professor que, como já dissemos, se destacara como construtor<br />

de instrumentos no Colégio Romano.<br />

sobre Lembo são recolhidos de BALDlNI, "As assistências ibéricas», op. cit.,<br />

p. 232, e de ROMANO GAITO, Tra Scienza e lmmaginazione. Le matematiche<br />

presso ii coliegío gesuitico napoletano (1552-1670 ca.) (Firenze:<br />

Olschlci, 1994), p. 35.<br />

153 Lisboa, ANTT, Manuscritos de Livraria, 1770; Sphaera Mundi:<br />

A Ciência na «Aula da Esfera". Manuscritos Científicos do Colégio de Santo<br />

Antão nas colecções da BNP. Comissário ciendfico: HENRIQUE DE SOUSA<br />

LEITÃO; coordenação técnica: LIGIA DE AzEVEDO MARTiNS (Lisboa:<br />

Biblioteca Nacional de Portugal, 2008), pp. 121-124.<br />

123


A parte maiS tnteressante deste curso, naturalmente, é a<br />

dedicada à astronomia. Logo no Prólogo, Lembo alude aos<br />

"longemirà' modernos (foI. Iv), naquela que é muito possivelmente<br />

a primeira referência ao telescópio em português. Mais<br />

adiante, ao discutir o número de orbes, menciona pela primeira<br />

vez o nome de Copérnico, "varão doctíssimo". O autor<br />

prossegue analísando seguidamente o movimento dos orbes<br />

celestes, cotejando as várias hipóteses cosmológicas, o que<br />

obriga a fàzer uma primeira referência ao possível movimento<br />

da Terra. l54 Depois de descrito, o heliocentrismo coperniciano<br />

é rejeitado. Como se tornará habitual entre os professores da<br />

«Aula da Esfera», a objecção ao heliocentrismo está centrada<br />

sobretudo em argumentos técnicos (físicos e astronómicos) e<br />

só marginalmente são aludidos os problemas escriturÍsticos<br />

que levantava. Mas se a opinião de Copérnico parece de rejeitar,<br />

Giovanni Lembo mostra que também o modelo geocêntrico<br />

defendido pelo seu mestre Clávio não é aceitável em vista<br />

dos novos descobrimentos na astronomia, explicando que o<br />

próprio Clávio, no fim da vida, confrontado com essas novas<br />

observações, indicara a necessidade de repensar todo o ordenamento<br />

cosmológico.1 55 Ou seja, segundo o teor <strong>das</strong> aulas de<br />

154 Não são as primeiras mençóes a Copérnico e ao seu sistema que<br />

se conhecem entre nós. As primeiras são as importantes observações que,<br />

em 1566, Pedro Nunes dedicou ao De revolutionibus. Ao longo do século<br />

XVI encontram-se várias outras menções ao astrónomo polaco e ao heliocentrismo<br />

em fontes portuguesas. Sobre este assunto veja-se: HENRIQUE<br />

LEITÃO, «Uma nota sobre Pedro Nunes e Copérnico», Gazeta de Matemática,<br />

143 (2002) 60-78 e HENRJQUE LEiTÃO, «Anotaçóes ao De arte<br />

atque ratione nauigandi», ln Obras de Pedro Nunes, vol. IV (Lisboa: Academia<br />

<strong>das</strong> Ciências de Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2008),<br />

pp. 515-794, esp. pp. 665-668; 729-735.<br />

155 Lembo introduz aqui, em tradução portuguesa, a extensa, e<br />

famosa, citação de Clávio, a que já antes aludimos, e cujo original se<br />

encontra em: CLAVIUS, Opera Mathematica, (Malnz, 1611), vol. 3, p. 75:<br />

"Não quero encobrir ao lector, que pouco tempo ha me trouxerão de<br />

Frandes hum instromento a modo de hum cano comprido em cuias<br />

124


Lembo em Lisboa, o problema cosmológico, do correcto ordenamento<br />

dos orbes celestes de modo a salvar as aparências e<br />

tomando em consideração as novas observações de <strong>1610</strong>, está<br />

em aberto.<br />

A mais importante de to<strong>das</strong> as observações telescópicas,<br />

pelo menos no que se refere ao ordenamento dos orbes, é a de<br />

que Vénus exibe fases. To<strong>das</strong> as outras observações (mesmo a<br />

dos satélites de Júpiter) podem, apesar de tudo, ser incorpora<strong>das</strong><br />

num esquema ptolomaico. A observação de fases em<br />

Vénus, contudo, ao mostrar que Vénus não está sempre entre<br />

a Terra e o Sol, obriga a uma radical transformação do<br />

esquema planetário tradicional. O curso de Lembo revela uma<br />

completa compreensão deste facto. O professor italiano desenbases<br />

digo em cuias basses estão postos 2 vidros ou occulos, pelo quoal<br />

os obiectos que estão longe nos pareçem muito perto e muito [fl.33r]<br />

maiores do que realmente são com este instrumento se vem muitas<br />

estrellas no firmamento que sem elle de nenhum modo se podem ver,<br />

prinçipalmente no 7 estrello yunto da nebulosa de Cancro, no Orion, na<br />

via Lactea que comummente chamão estrada de sam Tiago, e noutras<br />

partes mas isto não repugna ao que assima dissemos do numero <strong>das</strong><br />

estrellas serem 1022 porque ahi fallamos <strong>das</strong> estrellas que sem ajuda<br />

deste instrumento se podem ver commodamente. A Lua tambem<br />

quoando esta com pontos ou mea chea pareçe noctauelmente despedacada<br />

e a aspera, de modo que não posso deixar de me espantar muito<br />

auer tantas desigoaldades no corpo da luã. Mas açerca deste pOntO veiasse<br />

<strong>Galileu</strong> <strong>Galileu</strong>, no Libra que intitulou nuntio <strong>das</strong> estreilas, e se emprimio<br />

em Venesa no anno de <strong>1610</strong>, no quoal escreueo varias obseruaçóins<br />

<strong>das</strong> estrellas que eIle primeiro fez entre outras cousas que com este instrumento<br />

se vem he huã espantosa scilicet que venus recebe a luz do Sol<br />

ao modo da luã de modo que appareçe com pontas maiores, ou menores,<br />

conforme á distançia que tem do Sol, o que muitas veses com outros<br />

obseruei estando aqui em Roma, e Saturno tem 2 estrellas maes pequenas<br />

iuntas assi, huã para o Oriente e outra pata o Ocçidente }uppiter tem 4<br />

estrellas erratícas as quoaes varião o sitio que entre sy tem e com o<br />

mesmo Planeta }uppiter marauilhosamente pello que vejão os astronomos<br />

como hão de ordenar os orbes crelestes para saluar estas Phenomenas e<br />

apparençias, e atee qui Clauio. (fls. 32v-33r).<br />

125


volverá o seu argumento, que o levará a propor uma nova disposição<br />

dos orbes. Lembo começa por relatar a observação de<br />

fases no planeta Vénus que fizera em Roma, em <strong>1610</strong>, e<br />

depois, num passo que é do maior interesse para a história da<br />

ciência em Portugal, revela que fizera o mesmo em Lisboa:<br />

A mesma observação fiz os meses passados estando<br />

Ja aqui em Lixboa e a mostrei não somente a meus<br />

ouvintes; mas tambem a outras pessoas curiosas (muitas)<br />

qua a virão com pontas do mesmo modo que a luã, ao<br />

principio menores, depois maiores cada vez mais; falo<br />

com testemunhas de vista. (fl. 33v)<br />

Esta é a primeira referência documental conhecida atestando<br />

a realização de observações com um telescópio em Portugal.156<br />

É interessante notar que Lembo dá a entender que a<br />

audiência que testemunhou essas observações era mais ampla<br />

do que os seus alunos da «Aula da Esfera», incluindo também<br />

muitas outras "pessoas curiosas", revelando assim que o colégio<br />

de Santo Antão se tinha transformado no centro de irradiação<br />

<strong>das</strong> novidades científicas.<br />

O manuscrito prossegue com uma cuidada explicação<br />

da origem de fases no planeta Vénus, comentando de seguida<br />

156 O assunto é um pouco mais desenvolvido em: HENRIQUE LEI­<br />

TÃO, «Galileo's Telescopic Observations in Portugal", em: José MontesÍnos<br />

y Carlos Solís (eds.), Largo Campo di Filosofore. Eurosymposium Galileo<br />

2001 (La Orotava: Fundación Canaria Orotava de la Historia de la<br />

Ciencia, 2001), pp. 903-913; HENRIQUE LEITÃO, «Os Primeiros Telescópios<br />

em Portugal», em: Actas do I. o Congresso Luso-Brasileiro de História<br />

da Ciência e da Técnica, (Évora: Universidade de Évora, 2001), pp. 107-<br />

118; HENRIQUE LEITÃO, "O debate cosmológico na "Aula da Esferà' do<br />

Colégio de Santo Antão», ln: Sphaera Mundi: A Ciência na


o professor italiano que o mesmo fenómeno se dá com Mercúrio<br />

e que a dificuldade em o observar é simplesmente devida à<br />

pequenez do planeta e ao facto de estar sempre mais próximo<br />

do Sol do que Vénus. Uma vez mais, o autor refere as observações<br />

leva<strong>das</strong> a cabo em Lisboa. O facto dos planetas Vénus e<br />

Mercúrio exibirem fases tem profun<strong>das</strong> implicações no ordenamento<br />

dos orbes, revelando que esses dois planetas orbitam em<br />

torno do SoL Lemho apresenta, então, o seu modelo de ordenamento<br />

cosmológico, que é uma variação do sistema de<br />

Tycho Brahe. 157 .<br />

Na parte final do manuscrito (fl. 135r-v), encontram-se<br />

instruções para a construção de um telescópio. Trata-se de instruções<br />

muito práticas, relaciona<strong>das</strong> com a técnica necessária<br />

para o polimento <strong>das</strong> lentes. São muito importantes e interessantes,<br />

pois instruções práticas sobre o modo de polir lentes só<br />

começam a aparecer no início do século dezassete, já que até aí<br />

estes conhecimentos eram transmitidos apenas no âmbito<br />

muito reservado da formação de artesãos. Tanto quanto conseguimos<br />

apurar, o Colégio de Santo Antão foi a primeira instituição<br />

jesuíta da Europa onde os alunos foram iniciados no<br />

polimento de lentes para construção de telescópios.<br />

As notas de aula de Giovanni Paolo Lembo são do maior<br />

interesse pois revelam a vitalidade <strong>das</strong> discussões em torno <strong>das</strong><br />

novidades astronómicas na «Aula da Esfera» pelos anos de<br />

1615-17. Por elas se fica a saber que nessa altura já se fàziam<br />

observações telescópicas em Lisboa e se discutiam as implicações<br />

dos vários fenómenos observados. Fica também a saber-se<br />

que, no Colégio de Santo Antão, se construíam telescópios e se<br />

ensinava que o modelo de Ptolomeu estava irremediavelmente<br />

ultrapassado. Também se percebe que a influência da «Aula da<br />

Esfera» se estendia para além dos limites <strong>das</strong> suas lições e dos<br />

157 No a. 36v é apresentado o diagrama do arranjo cosmológico<br />

defendido opr Giovanni Paolo Lembo, com a legenda: "Ordo orbium<br />

ca:lestium ex sentencia P. Pauli Lembo J taly (Societatis Jesus) preceptoris<br />

nostrj".<br />

127


seus alunos. Os seus mestres eram reconhecidos e as suas<br />

opiniões eram procura<strong>das</strong> e, como se viu, as demonstrações<br />

eram também, por vezes, segui<strong>das</strong> por outras "pessoas curiosas".<br />

Não tem qualquer fundamento supor que em Portugal não<br />

se conhecessem as novidades astronómicas descobertas por<br />

<strong>Galileu</strong> e os debates que elas originaram. Pelo contrário, o<br />

local por onde essas novidades entraram no país, onde foram<br />

conheci<strong>das</strong> e discuti<strong>das</strong>, foi precisamente o colégio dos jesuítas<br />

em Lisboa.<br />

As aulas de Lembo e a discussão dos possíveis arranjos<br />

cosmológicos não foram uma excepção em Santo Antão, muito<br />

pelo contrário. Nas primeiras déca<strong>das</strong> do século XVII todos os<br />

professores da «Aula da Esfera» discutiram nas suas lições os<br />

graves problemas astronómicos e cosmológicos que dominavam<br />

a atenção da Europa culta da altura. Nessas aulas as novidades<br />

galileanas foram estuda<strong>das</strong> em detalhe. O modelo cosmológico<br />

ptolomaico foi rejeitado, o modelo astronómico coperniciano,<br />

embora não aceite, foi discutido e explicado. Como praticamente<br />

todos os matemáticos da Companhia de Jesus - e, na<br />

verdade, a maioria dos astrónomos europeus da altura -, os<br />

professores da «Aula da Esfera» defenderam a adopção do sistema<br />

de Tycho Brahe (ou alguma variante) que, adequando-se<br />

à nova evidência observacional, não levantava os problemas de<br />

uma Terra em movimento.<br />

Sensivelmente pela altura em que Lembo deixava de leccionar,<br />

passava por Lisboa um impressionante grupo de jesuítas-matemáticos<br />

que estiveràm em Portugal pelos anos de 1617-<br />

-1618, acabando por partir para o Oriente em Abril de 1618:<br />

Giacomo Rho (ca. 1592-1638), Johannes Schreck (1576-<br />

-1630), Wenzel Pantaleon Kirwitzer (ca. 1589-1626), e Johann<br />

Adam Schall von BeU (1591-1666). Todos estes homens eram<br />

autoridades em assuntos científicos e destacar-se-iam pela sua<br />

acção científica no Extremo Oriente. Traziam consigo não apenas<br />

livros e instrumentos, mas sobretudo o domínio mais avançado<br />

de muitos assuntos científicos e o conhecimento <strong>das</strong> polémicas<br />

cosmológicas, que assim eram discuti<strong>das</strong> em Santo Antão<br />

por professores, alunos, e "muitas outras pessoas curiosas".<br />

128


No Outono de 1620, iniciava as suas aulas de matemática<br />

em Santo Antão o alemão Johann Chrisostomus Gall (IS86~<br />

-1643), que havia estudado no colégio de Ingolstad e acompa~<br />

nhara de perto o debate acerca do ordenamento cosmológico.<br />

Evidentemente, nas suas lições [BNP, Cod. 1869] dedicou uma<br />

atenção especial aos assuntos cosmológicos e aos debates em<br />

torno do ordenamento celeste. As notas destas aulas que sobreviveram<br />

mostram uma discussão cuidada dos novos factos<br />

observados com o telescópio que Gall designa por "óculo<br />

astronómico" (foI. 81r) ou "óculo comprido" (foI. 81v) - e<br />

uma discussão pormenorizada dos vários sistemas celestes: o de<br />

Ptolomeu, o de Tycho Brahe e o de Copérnico. A discussão<br />

destes tópicos no curso de Gall é muito interessante, pois<br />

mostra que, mesmo após a condenação do heliocentrismo, em<br />

1616, o assunto era discutido abertamente no Colégio de<br />

Santo Antão.<br />

Gall leccionou durante vários anos, num período crítico<br />

de debates cientIficos. Foi sucedido por um homem ainda<br />

mais interessante a que já aludimos, o jesuíta italiano Cristoforo<br />

Borri, que viria a desempenhar um papel de grande<br />

importância nos debates cosmológicos da época. 158 A his-<br />

158 Sobre Borri, veja-se, sobretudo, o estudo de DOMINGOS MAuRf­<br />

CIO GOMES DOS SANTOS, «Vicissitudes da Obra do Pe. Cristovão Borrh>,<br />

Anais da Academia Portuguesa de História, 2. a série, vol. 3 (1951) 119-<br />

-150. Vejam~se ainda os seguintes: ANTÓNIO ALBERTO DE ANDRADE,<br />

«Antes de Vernei nascer .u o Pe. Cristovão Borri lança. nas escolas, a primeira<br />

grande reforma científica», Brotiria, 40 (1945) 396-379; UGO<br />

BALDlNI.


toriografla portuguesa mais antiga identificara Borri como o<br />

homem que introduzira o conhecimento de <strong>Galileu</strong> e <strong>das</strong> descobertas<br />

galileanas em Portugal. Na verdade, ele não foi de<br />

modo algum o primeiro, pois, vários anos antes, Lembo já o<br />

havia feito, e depois Gall continuara. Mas porque Borri foi<br />

uma personalidade muito mais expansiva do que Lembo ou<br />

Gall e, sobretudo, porque viria a publicar, em Portugal, um<br />

livro sobre o assunto, o seu papel como divulgador <strong>das</strong> novidades<br />

astronómicas foi de fàcto excepcional.<br />

Borri passara uma primeira vez por Lisboa por volta de<br />

1615, em trânsito para o Oriente, e já nessa altura discutira<br />

em Portugal as novas ideias astronómicas. Após alguns anos na<br />

Ásia (onde, entre outros afazeres, se continuou a envolver em<br />

questões de astronomia), retornou à Europa. Foi nesse período<br />

que deu aulas no colégio de Santo Antão, entre 1627 e 1628.<br />

Tal como Lembo ou Gall, Cristovão Borri explicou nas suas<br />

aulas que em face <strong>das</strong> novas observações cosmológicas o sistema<br />

cosmológico ptolomaico não era aceitável. Explicou a<br />

natureza <strong>das</strong> novas observações, comentou em detalhe o funcionamento<br />

e os princípios ópticos do telescópio, insistiu também<br />

na necessidade de reformular profundamente a filosofia<br />

natural de base aristotélica, defendendo, em particular, que os<br />

céus teriam uma natureza fluida, não sendo compostos de<br />

orbes rígi<strong>das</strong>. Borri não achou que o sistema copernici;.no<br />

- cujos prós e contras discutiu - fosse aceitável e avançou<br />

com um ordenamento cosmológico semelhante ao de Tycho<br />

Brahe.<br />

Embora estas polémicas novidades tenham sido discuti<strong>das</strong><br />

pelos jesuítas de formação matemática que leccionavam na<br />

"Aula da Esfera", isso não significa que todos os jesuítas em<br />

Portugal as abraçassem. Como noutras regiões da Europa, também<br />

no nosso país os filósofos da Companhia tiveram muitas<br />

vezes dificuldades em compreender e em aceitar as novidades<br />

que os seus confrades matemáticos lhes transmitiam. Borri<br />

envolveu-se em polémicas com alguns jesuítas portugueses,<br />

sobretudo com os filósofos do colégio de Coimbra, e algumas<br />

130


delas parecem ter tido como base a diferença de opinião acerca<br />

de assuntos astronómicos;159<br />

Um dos momentos mais importantes na difusão destes<br />

novos saberes foi a publicação, em 1631, em Lisboa, depois de<br />

venci<strong>das</strong> algumas resistências, da Col/ecta astronomica, a excepcional<br />

obra em que Borri deu a conhecer ao público geral as<br />

novidades astronómicas. A Collecta astronomica é o primeiro<br />

livro publicado em Portugal em que se discutem de maneira<br />

desenvolvida o telescópio, as novas observações astronómicas e<br />

as suas implicações cosmológicas, e os vários sistemas astronómicos;<br />

é o primeiro livro impresso no nosso país em que se<br />

explica porque o modelo de Ptolomeu é insustentável e em que<br />

se defende que os céus têm uma natureza fluida e não rígida.<br />

Trata-se, portanto, de um documento do maior valor na história<br />

da ciência em Portugal, e mesmo da ciência europeia da<br />

época, pois o seu impacto sentiu-se muito para além <strong>das</strong> fronteiras<br />

nacionais.<br />

Nos anos seguintes, o inglês Ignace Stafford (1599-1642),<br />

que leccionou na «Aula da Esfera» entre 1630 e 1636, continuou<br />

a analisar estes importantes assuntos astronómicos nas<br />

suas aulas. Merece atenção especial o completíssimo tratado<br />

sobre a natureza e usos dos paralaxes (BNP, PBA 240, p. 351-<br />

-393) que existe em várias cópias. Neste texto cita alguns dos<br />

159 As clivagens entre matemáticos e filósofos da Companhia de<br />

Jesus em Portugal foram já analisa<strong>das</strong> no que se refere a algumas questões<br />

científicas. Ver, por exemplo: Luts MIGUEL CAROLINO, «Philosophical<br />

teachíng and marhematical arguments: Jesuit philosophers versus<br />

Jesuit marhematicians on the controversy of comets in Portugal (1577-<br />

-1650)>>, History 0/ Universities, 16 (2) (2000) 65-95; Luts MIGUEL<br />

CAROLINO e HENRIQUE LEITÃO, «Natural Philosophy and Mathematics<br />

in Portuguese Universities, 1550-1650», in: MORDECHAI FEINGOLD and<br />

VICTOR NAVARRO BROTONS (eds.), Universities and Science in Early<br />

Modem Period, (Dordrecht: Springer, 2006), pp. 153-168; BERNARDO<br />

MACHADO MOTA, O Etatuto <strong>das</strong> Matemdticas em Portugal nos Séculos XVI<br />

e XVII (Dissertação de Doutoramento, Faculdade de Letras da Universidade<br />

de Lisboa, 2008).<br />

131


mais importantes astr6nomos do período, incluindo alguns que<br />

pela sua afiliação religiosa ou pelas opiniões que publicamente<br />

defenderam talvez não se esperassem encontrar citados num<br />

colégio jesuíta: Rothman, Kepler, Scaliger, etc.<br />

Entre 1638 e 1641, foi professor na


mento ptolomaico tradicional (no capítulo de título «Propense<br />

e reietasse a hypothesi ptolemaica, e comum acerca do numero<br />

e ordem <strong>das</strong> spheras celestes»), no capítulo quarto deste Tratado<br />

3.°, "Apontaose alguns Phenomenos e apparencias novas<br />

que os Mathematicos destes tempos observão" (foI. 1 02r) são<br />

examina<strong>das</strong> as novidades astronómicas que levam a que, no<br />

capítulo quinto, se chegue à proposta final: "Poense a nossa e<br />

verdadeira hypothesi que he a Tichonianà' (foI. 105v).<br />

Esta edição<br />

Usámos o texto do Sidereus Nuncius publicado em <strong>1610</strong><br />

(Veneza, Baglione), que hoje em dia é facilmente acessível em<br />

versões digitaliza<strong>das</strong>, disponíveisonline, ou em facsimile (por<br />

exemplo, Galileo <strong>Galilei</strong>. Sidereus Nuncius. A reproduction of<br />

the copy in me British Library (Alburgh: Archival Facsimiles<br />

Ltd., 1987». Apresentamos uma reprodução facsimilada deste<br />

texto. Confrontámos com o. texto fixado por Antonio Favaro<br />

na edição nacional <strong>das</strong> Opere di Galileo (Opere, IIIIl, pp. 53-·<br />

-96). Favaro, como se sabe, fez algumas correcções e modificações<br />

de pontuação no texto original, sem as indicar. Em alguns<br />

casos pontuais confrontámos também com o próprio manuscrito<br />

de <strong>Galileu</strong>, in Opere, III/I, pp. 17_50. 160<br />

160 Conhecem-se dois manuscritos do Sidereus Nuncius. Um deles,<br />

autógrafo e praticamente íntegral, é o que foi reproduzido por Favaro in<br />

Opere, III/L pp. 17-50. O outro, também autógrafo, mas muito incompleto,<br />

não foi reproduzido nessa edição, embora Favaro tenha anotado<br />

algumas <strong>das</strong> suas variantes (vid. Opere, III/I, 59-70). O volume III/I <strong>das</strong><br />

Opere contém todos os principais materiais relacionados com o Sidereus<br />

nuncius. Para além do manuscrito referido, e do texto de <strong>1610</strong>, inclui<br />

ainda os seguintes: Johannes Kepler, Dissertatio cum Nuncio sidereo,<br />

pp. 97-126; Martin Horky, Brevíssima Peregrinatio contra Nuncium Sidereum,<br />

pp. 127-145; Francesco Sizzi, Dianoia astronomica, optica, physica,<br />

pp. 201-250; Ludovico deli e Colombe, Contro ii moto della Terra, pp.<br />

251-290; Nuntius Sidereus Colegii Romani, pp. 291-298; De Lunarum<br />

montium altitudine, problema mathematicum, pp. 299-307, entre outros.<br />

133


De <strong>1610</strong> a 1900 foram prepara<strong>das</strong> nove edições, em<br />

latim, do Sídereus Nuncius. Quatro em publicações .independentes<br />

ou incluí<strong>das</strong> em obras de outros autores (Veneza, <strong>1610</strong>;<br />

Frankfurt, <strong>1610</strong>; Londres, 1653; Amsterdão, 1682) e cinco em<br />

colectâneas de obras de <strong>Galileu</strong> (1655/56; 1718; 1744; 1843;<br />

1892).161<br />

Cotejámos a nossa tradução com aquelas que são actualmente<br />

as traduções de referência: a muito recente, em língua<br />

inglesa, Galileo's Sídereus Nuncius or A Siderea/ltl/essage. Translated<br />

from the Latin by WILI.IAM R. SHEA; Introduction and<br />

Notes by William R. Shea and Tiziana Bascelli (Sagamore<br />

Beach: Science History Publications, 2009), e a outra, também<br />

para língua inglesa, Ga/í/eo GaMei. Sidereus Nuncius or The<br />

Siderea/ Messenger. Translated with introduction, conclusion<br />

and notes by Albert van Helden (Chicago and London: The<br />

University of Chicago Press, 1989); as de língua francesa, Ga/i­<br />

/eo <strong>Galilei</strong>. Le Messager des Étoiles. Traduit du latin, presenté et<br />

annoté par Fernand Hallyn (Paris: Seuil, 1992) e Sidereus Nuneius.<br />

Le Messager Cê/este. Texte, traduction et notes établis par<br />

Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lettres, 1992); a italiana, Ga/i­<br />

/eo Ga/ilei. Sidereus Nuncius. Traduzione con testo a fronte e<br />

note di Maria Timpanaro Cardini (Firenze: Sansoni, 1948), e<br />

na versão moderna, a cura di Andrea Battistini (Venezia: Marsilio,<br />

1993); a espanhola, Ga/i/eo Galileí. La Gaceta Sideral,<br />

johannes Kepler. Conversación con el mensajero sideral Introducción,<br />

traducción y notas de Carlos Solís Santos (Madrid:<br />

Alianza Editorial, 2007 [1 a ed. 1984]), com o Sidereus Nuncius<br />

nas pp. 37-116; e a tradução alemã, por Malte Hossenfelder,<br />

Gali/eo <strong>Galilei</strong>. Sidereus Nuncius. Nachricht von neuen Sternen.<br />

Dialog über die Weltsysteme (Auswahl). Vermessung der Holle<br />

Dantes. Marginalien zu Tasso. Herausgegeben und eingeleitet<br />

161 Vid. Sidereus Nuncius. Le Messager Céleste. Texte, traduction et<br />

notes établis par Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lettres, 1992), pp.<br />

xc-xcvii, para uma descrição bibliográfica detalhada dessas edições.<br />

134


von Hans Blumenberg (Frankfurt am Main: Insel Verlag,<br />

1965), com o Sidereus Nuncius nas pp. 79-131.<br />

Pontualmente, em passos especialmente problemáticos ou<br />

apenas para observar outras soluções estilísticas, verificámos<br />

também a tradução (parcial) de Stillman Drake, em Discovenes<br />

and Opinions oi Ga/ileo (Garden City, NY: Anchor Book,<br />

1957), com o Sidereus Nuncius nas pp. 21-58, bem como a<br />

tradução completa em Stillman Drake, Te/escopes, Tides and<br />

Tactics: A Ga/i/ean Dia/ogue about the "Starry Messenger" and<br />

Systems oi the Wor/d (Chicago: University of Chicago Press,<br />

1983).162<br />

Uma menção especial deve ser feita à tradução portuguesa<br />

publicada no Brasil: GALILEU GALILEI, A Mensagem <strong>das</strong> <strong>Estrelas</strong>.<br />

Tradução, Introdução e Notas de CARLOS ZILLER CAM E­<br />

NIETZKI; Revisão crítica de Adriano da Gama Kury (Rio de<br />

Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins; Salamandra,<br />

162 Por outro lado, não nos pareceu necessário consultar outras traduções,<br />

de acesso relativamente fácil, como a italiana Nunzio Siderio, tr.<br />

Luisa Lanzillotta (Milano, 1953) [= vol. 34 de La Letteratura Italiana], as<br />

espanholas, El Mensajero de los Astros, trad. José Fernandes Chin, introd.<br />

por José Babini (Buenos Aires: Editorial Universitária de Buenos Aires,<br />

1964), e EI Mensaje y El Mensajero Siderea~ introd. e trad. de Carlos<br />

Solís Santos (Madrid: Alianza Editorial, 1984), ou ainda outras, mais<br />

antigas, como a primeira tradução em língua inglesa, The Sidereal Messenger<br />

o[ Galileo <strong>Galilei</strong> and a Part o[ the Prefoce to Kepler's Dioptrics containing<br />

the original account o[ Gali/eos astronomical discoveries. A translation<br />

with introductíon and notes by Edward Stafford Carlos (London,<br />

1880; reprinted, London: Dawsons of Pall Mali, 1960), ou as francesas:<br />

Alexandre Tinelis, abbé de Castelet, Le messager céleste (Paris, 1681); Sidereus<br />

Nuncius; Le Message C/leste. Texte établi et traduit par Émile Namer<br />

(Paris: Gauthier-ViIlars, 1964); Galilée. Le Message Cêleste. Traduction<br />

complete du Latin en Français, avec des notes, par Jean Peyroux. Suivi<br />

de la Dissertation avec le Messager Céleste et de la Narration sur les<br />

Satellites de ]upiter de Jean Kepler, traduits pour la premiere fois du<br />

Ladn en Français (Paris: Blanchard, 1989).<br />

135


1987), que depois foi reeditada com o título modificado:<br />

GALILEU GALILEI, O <strong>Mensageiro</strong> <strong>das</strong> <strong>Estrelas</strong> (São Paulo: Duetto<br />

Editorial, Scientific American Brasil, 2009). O texto produzido<br />

visou deliberademente um público amplo, não tendo havido<br />

hesitações em modernizar, o que foi sempre feito pela mão<br />

segura do tradutor, um especialista em história de ciência de<br />

créditos firmados. O estudo introdutório é muito breve e as<br />

notas explicativas e de contexto reduzi<strong>das</strong> ao mínimo. Ou seja,<br />

uma obra de qualidade indiscutível, mas de propósitos e ambições<br />

diversos dos nossos.<br />

Recordamos que o texto original do Sidereus Nuncius é,<br />

hoje em dia, de consulta muito fácil já que se encontra disponibilizado<br />

em versões digitaliza<strong>das</strong>, na Internet. As obras completas<br />

de <strong>Galileu</strong>, com a versão do Sidereus Nuncius editada por<br />

Favaro, estão também disponíveis na rede. Uma última menção<br />

para o CD-ROM editado pela empresa Octavo, com uma<br />

excepcional digitalização da obra de <strong>Galileu</strong> e da tradução<br />

inglesa de Albert van Helden, com to<strong>das</strong> as facilidades de<br />

busca (vid: www.octavo.com]<br />

A sempre difícil tarefa de traduzir <strong>Galileu</strong> foi norteada<br />

pelo desejo de procurar respeitar algumas <strong>das</strong> características do<br />

seu estilo e, em particular, do estilo que empregou no Sidereus<br />

Nuncíus. <strong>Galileu</strong> é, ao mesmo tempo, um autor com grande<br />

preocupação de claridade e precisão na linguagem, mas também<br />

muito atento ao efeito retórico dos seus textos. Tem um<br />

bom domínio da língua latina, mas no Sidereus Nuncius optou<br />

por uma linguagem despida, sem adornos, por vezes roçando<br />

um registo quase meramente técnico, tendo alguns achado o<br />

estilo "aridus" (Opere, X, 316). Contudo, não há qualquer<br />

monotonia no texto, que se apresenta sempre incisivo e tenso<br />

em cada página.<br />

HENRIQUE LEITÃO<br />

Universidade de Lisboa<br />

136


BREVE CRONOLOGIA<br />

1609 Maio Em Pádua, <strong>Galileu</strong> teria r?], pela primeira vez,<br />

ouvido falar do telescópio holandês.<br />

18 Jul.-3 Ago. Estando em Veneza, <strong>Galileu</strong> tem, possivelmente,<br />

pela primeira vez [?], notícias sobre o<br />

telescópio. Visita PaoIo Sarpi e com ele discute<br />

o instrumento. Pode ter visto um telescópio.<br />

Ago. 4<br />

De volta a Pádua, começa a ensaiar com combinações<br />

de lentes côncavas e convexas e a<br />

breve trecho reproduz o efeito telescópico.<br />

5-20 Ago. Constrói, com êxito, um instrumento que<br />

aumenta cerca de dez vezes. Decide ir a<br />

Veneza.<br />

Ago. 21<br />

Em Veneza, faz uma demonstração do telescópio<br />

na torre de S. Marcos.<br />

24-24 Ago. Mostra o instrumento no Senado de Veneza. É<br />

recompensado com novas condições contratuais,<br />

muito favoráveis.<br />

Ago.29 Escreve a Benedetto Landucci (Opere, X, 253-<br />

-254).<br />

137


Nov. 30.<br />

Dez. 4<br />

Dez. 17<br />

Dez. 18<br />

Em Pádua, pouco depois do pôr do sol,<br />

observa e desenha a Lua de quatro dias,<br />

usando um telescópio com ampliação de cerca<br />

de vinte vezes. Continua a observar até a Lua<br />

"quase se pôr:' (por volta <strong>das</strong> 8 da tarde),<br />

fazendo, neste dia e nos seguintes, mais desenhos.<br />

Escreve a Michelangelo Buonarroti, mencionando<br />

melhorias na sua luneta e "se calhar<br />

outra descobertà' (Opere, X, 271).<br />

Observa a Lua por volta <strong>das</strong> 5 da manhã; nota<br />

sombras provoca<strong>das</strong> pelas fronteiras montanhosas<br />

do M. Serenitatis.<br />

Continua observações; nota particularmente o<br />

pôr do sol na cratera Albaténio.<br />

Dez. 18-<strong>1610</strong> Jan. 6<br />

Observa estrelas, aglomerados, a Via Láctea e<br />

Júpiter com telescópio de 8X durante este<br />

período.<br />

<strong>1610</strong> Jan. 7<br />

Jan. 8<br />

Usando o instrumento de 20X, observa estrelas,<br />

incluindo Júpiter, perto do qual notou três<br />

pequenas estrelas pela primeira vez. Escreve<br />

uma carta a Antonio de' Mediei (ou a Enea<br />

Piccolomini) resumindo as suas observações<br />

telescópicas até à data, isto é, sobretudo as<br />

observações lunares (Opere, X, 273-278).<br />

Observa Júpiter outra vez num impulso casual.<br />

Nota que o movimento aparente de Júpiter<br />

relativamente às "três estrelas fixas" não era na<br />

direcção prevista.<br />

138


Jan.9<br />

Jan. 10<br />

Jan. 13<br />

Jan. 15<br />

Jan. 16<br />

Jan. 23<br />

Jan. 30<br />

Jan. 31<br />

Fev.7<br />

Mar. 1<br />

Mar. 2<br />

Grande desejo de observar Júpiter é impedido<br />

pelas nuvens.<br />

Começa uma série de observações de Júpiter e<br />

dos seus satélites.<br />

Relata um quarto satélite pela primeira vez.<br />

Primeira compreensão cabal da natureza orbital<br />

dos movimentos <strong>das</strong> pequenas "estrelas" em<br />

torno de Júpiter, isto é, que são satélites.<br />

Relato <strong>das</strong> observações muda de italiano para<br />

latim. Decide publicar to<strong>das</strong> as observações.<br />

A partir deste dia, começa a escrever a primeira<br />

porção do texto do Sídereus 'Nuncíus.<br />

Primeiros esboços da região do cinturão de<br />

Orionte e <strong>das</strong> regiões de Sirius e de Prócion.<br />

Em Veneza, com o impressor; provavelmente<br />

enVIa os quatro desenhos da Lua para gravação.<br />

Faz desenhos <strong>das</strong> Plêiades, a olho nu e com<br />

telescópio.<br />

Faz esboços melhorados de estrelas do ciinurão<br />

de Orionte e da região da espada.<br />

Licença para publicar concedida.<br />

Última observação de Júpiter para inclusão no<br />

livro.<br />

139


Mar. 3 em diante<br />

Escreve, ou pelo menos completa, uma cópia<br />

do texto para o impressor durante este<br />

período; provavelmente muda de "8" para "10"<br />

meses e escreve a dedicatória.<br />

Mar. 8<br />

Mar. 12<br />

Mar. 13<br />

Mar. 18<br />

Mar. 19<br />

Livro registado.<br />

Data a dedicatória.<br />

Chega a Veneza; encontra a impressão completa<br />

mas ainda com as folhas soltas. Envia um<br />

exemplar do livro acompanhado de uma carta<br />

para Belisario Vinta.<br />

De regresso a Pádua; observa Júpiter.<br />

Envia cópia do livro pronro a Cosme II de'<br />

Mediei. O livro esgota em Veneza.<br />

140


GALILEU GALILEI<br />

o MENSAGEIRO DAS ESTRELAS<br />

tradução por<br />

HENRIQUE LEITÃO


MENSAGEIRO!<br />

DAS ESTRELAS,<br />

que desvela espectáculos<br />

GRANDES E IMENSAMENTE ADMIRÁVEIS,<br />

propondo a cada um, mas sobretudo<br />

AOS FILÓSOFOS E ASTRÓNOMOS, contemplar o que<br />

G A L I L E U G A L I L E I,<br />

NOBRE FLORENTIN0 2 ,<br />

professor de matemática da Universidade de Pádua 3 ,<br />

observou com o auxílio de uma<br />

LUNETA 4<br />

por ele recentemente concebi<strong>das</strong>, na FACE DA LUA,<br />

AS INUMERÁVEIS ESTRELAS FIXAS, A VIA LACTEA,<br />

NEBULOSAS<br />

e, sobretudo,<br />

QUATRO PLANETAS6<br />

revolvendo em torno de JÚPITER, a distâncias e<br />

com períodos diferentes, com espantosa rapidez, os quais<br />

ninguém até hoje divisara, e agora pela primeira vez<br />

foram vistos pelo Autor<br />

E POR ELE DESIGNADOS DE<br />

ESTRELAS MEDI CEIAS.<br />

Veneza, Tommaso Baglioni, <strong>1610</strong>


1<br />

1<br />

1<br />

1<br />

1<br />

1<br />

1<br />

1<br />

1<br />

1<br />

1<br />

1


[2r]<br />

AO SERENíSSIMO<br />

COSME II DE MEDICI,<br />

QUARTO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA7,<br />

Foi ilustre, certamente, e cheio de humanidade, o desígnio<br />

daqueles que se esforçaram por proteger da inveja os<br />

feitos notáveis dos homens eminentes pela sua virtude e<br />

defender do esquecimento e da morte os seus nomes<br />

merecedores de imortalidade. 8 Dai as imagens lega<strong>das</strong> à<br />

memória da posteridade, quer as esculpi<strong>das</strong> no mármore<br />

quer as forja<strong>das</strong> no bronze; daí as estátuas erigi<strong>das</strong>, tanto<br />

as pedestres como as equestres; daí as colunas e as pirâmides,<br />

como diz o poeta, de custos astronómicos; 9 daí,<br />

por fim, as cidades edifica<strong>das</strong>, distingui<strong>das</strong> pelos nomes<br />

daqueles que a posteridade reconhecida julgou deverem<br />

ser confiados à eternidade. Tal é, com efeito, a condição<br />

do espírito humano, que, se não é continuamente solicitado<br />

pela representação <strong>das</strong> coisas que, do exterior, nele<br />

irrompem, toda a lembrança se escoa facilmente para fora<br />

dele.<br />

Outros, porém, olhando a meios mais sólidos e mais<br />

duradouros, confiaram a celebração eterna dos grandes<br />

homens não à pedra e ao metal, [2v] mas ao cuidado <strong>das</strong><br />

Musas e aos monumentos incorruptíveis <strong>das</strong> letras. 10 Mas<br />

porque relembro eu estas coisas como se o engenho<br />

humano, afeito a estes domínios, não tivesse ousado ir<br />

mais além? Com efeito, olhando mais adiante e compreendendo<br />

perfeitamente que todos os monumentos<br />

145


humanos acabam por perecer sob a força do tempo e da<br />

velhice, concebeu símbolos mais incorruptíveis em relação<br />

aos quais o tempo voraz11 e a invejosa velhice não reivindicassem<br />

para si nenhum direito. E, assim, passando para<br />

os céus, inscreveu naqueles conhecidos orbes eternos dos<br />

astros mais brilhantes os nomes daqueles que, por seus<br />

feitos ilustres e quase divinos, foram julgados dignos de<br />

disfrutar com as estrelas de uma vida eterna. Por isso, a<br />

fama de Júpiter, Marte, Mercúrio, Hércules, e outros<br />

her6is por cujos nomes as estrelas são designa<strong>das</strong>, não se<br />

apagará antes que o pr6prio resplendor <strong>das</strong> estrelas se<br />

extinga. Ora, esta invenção da sagacidade humana, nobre<br />

e admirável entre to<strong>das</strong>, caiu no esquecimento há muitos<br />

séculos, ocupando os antigos her6is essas brilhantes sedes<br />

e mantendo-as como que por direito pr6prio. Em vão a<br />

piedade de Augusto se esforçou por incluir Júlio César no<br />

seu número, pois, quando ele desejou nomear como astro<br />

Juliano a estrela que tinha aparecido no seu tempo,<br />

daquelas a que os gregos chamam «cometa» e que n6s<br />

chamamos «cabeleira» 12, ela, desaparecendo pouco depois,<br />

frustrou a esperança de tão grande ambição.13 Mas agora,<br />

Príncipe Sereníssimo, podemos augurar a Vossa Alteza<br />

coisas mais verdadeiras e mais felizes, pois mal começaram<br />

a brilhar na terra os imortais ornamentos da vossa alma,<br />

mostraram-se nos céus uns astros brilhante que, como línguas,<br />

[3r] hão-de narrar e celebrar por todo o tempo as<br />

vossas extraordinárias virrudes. 14 Eis, pois, quatro estrelas<br />

reserva<strong>das</strong> para o vosso nome ilustre, e não são elas da<br />

multidão <strong>das</strong> menos notáveis estrelas ftxas, mas da ordem<br />

ilustre <strong>das</strong> estrelas vagueantes, que, com movimentos sem<br />

dúvida diferentes, fazem os seus percursos e 6rbitas com<br />

uma velocidade maravilhosa em torno da estrela de J úpiter,<br />

a mais nobre de to<strong>das</strong> elas, como sua autêntica descendência,<br />

enquanto to<strong>das</strong> juntas, em mútua harmonia,<br />

completam as suas revoluções cada doze anos em torno<br />

do centro do mundo, isto é, em torno do próprio SoL 15<br />

146


Na verdade, parece que, com argumentos claros, o<br />

próprio Criador dos Astros me exortava a designar esses<br />

novos planetas pelo nome ilustre de Vossa Alteza, de preferência<br />

a todos os outros. Efectivamente, do mesmo<br />

modo que essas estrelas, como digna descendência de<br />

Júpiter, nunca se afastam do seu lado senão por pequena<br />

distância, assim, quem ignora que a clemência, a bondade<br />

de espírito, a gentileza <strong>das</strong> maneiras, o esplendor do sangue<br />

real, a majestade no agir e a amplidão da autoridade<br />

e mando sobre os outros, to<strong>das</strong> estas qualidades que acharam<br />

um domicílio e sede em Vossa Alteza, quem, digo<br />

eu, ignora que tudo isto emana da benigna estrela de<br />

Júpiter, segundo [ordem de] Deus que é a fonte de todo<br />

o bem? Foi Júpiter, Júpiter digo eu, que no nascimento<br />

de Vossa Alteza, tendo já passado pelos vapores turvos do<br />

horizonte, ocupando o meio do céu 16 e iluminando o<br />

ângulo ocidental a partir da sua casa real I?, desse sublime<br />

trono olhou sobre o Vosso nascimento afortunado e derramou<br />

todo o seu esplendor e grandeza sobre o ar mais<br />

puro, a fim de [3v] que o Vosso pequeno e terno corpo<br />

juntamente com a Vossa alma, adornada já por Deus com<br />

os mais nobres ornamentos, haurisse com o seu primeiro<br />

sopro todo esse poder universal e autoridade. Mas porque<br />

uso argumentos prováveis quando posso tudo deduzir e<br />

demonstrar a partir de razões necessárias? Aprouve a Deus<br />

Todo-Poderoso que eu não fosse julgado indigno pelos<br />

Vossos Sereníssimos Pais para a tarefa de instruir Vossa<br />

Alteza nas ciências matemáticas, tarefa que cumpri nos<br />

passados quatro anos, na altura do ano em que é mais<br />

habitual descansar de estudos mais severos. 18 Quanto a<br />

isso, visto ter eu, por evidente acção divina, a felicidade<br />

de servir Vossa Alteza e, por isso, receber de mais perto<br />

os raios da vossa inaudita demência e benignidade, será<br />

porventura uma surpresa que eu, que sou Vosso súbdito<br />

não apenas por desejo mas também por origem e natureza,19<br />

tivesse o meu espírito de tal modo inflamado que,<br />

147


dia e noite, não pensasse em quase nada mais do que em<br />

tornar conhecido quão grato estou para convosco e quão<br />

desejoso de promover a vossa glória?<br />

E, assim, uma vez que sob os vossos auspícios, Sereníssimo<br />

COSME, descobri essas estrelas, desconheci<strong>das</strong> de<br />

todos os anteriores astrónomos, decidi, com todo o<br />

direito, adorná-las com o muito augusto nome da Vossa<br />

família. Se fui o primeiro a descobri-las, quem me negará<br />

o direito de também lhes atribuir um nome e as chamar<br />

ESTRELAS MEDICEIAS, esperando que tanta dignidade<br />

seja adicionada a estes astros por esta designação como foi<br />

conferida a outras estrelas por outros heróis? Pois, sem<br />

falar dos vossos Sereníssimos Ancestrais, de cuja glória<br />

eterna [4r] todos os monumentos da história dão testemunho,<br />

apenas o Vosso mérito, Supremo Herói, pode<br />

garantir a essas estrelas a imortalidade do nome. Quem,<br />

de facto, duvidará que por grande que seja a expectativa<br />

que suscitastes com os mais auspiciosos começos do vosso<br />

reino, não só a mantereis e defendereis, mas a havereis de<br />

superar por larga margem, de modo que, uma vez vencidos<br />

os vossos pares, vos confrontareis convosco e dia a dia<br />

vos superareis a vós e à vossa grandeza?<br />

Recebei, pois, Clementíssimo Príncipe, esta honra ligada à<br />

vossa família que os astros Vos reservavam e disfrutai<br />

durante muito tempo estas bençãos divinas trazi<strong>das</strong> até<br />

Vós não apenas pelas estrelas mas por Deus, o Criador e<br />

Moderador <strong>das</strong> estrelas.<br />

Em Pádua, no quarto dia antes dos Idos de Março,<br />

MDCX 20<br />

o mais leal servo de Vossa Alte'"za,<br />

<strong>Galileu</strong> <strong>Galilei</strong><br />

148


Suas Excelências os Senhores Chefes do Excelente Conselho<br />

dos Dez 21, abaixo assinados, com o testemunho dos<br />

Senhores Reformadores do Estudo de Pádua, segundo o<br />

relatório de dois a este assunto designados, a saber, do<br />

Reverendo Pe. Inquisidor, e do secretário examinador do<br />

Senado Giovanni Marauiglia, sob juramento, como no<br />

livro intitulado SYDEREVS NVNCIVS, etc. do senhor<br />

<strong>Galileu</strong> <strong>Galilei</strong> não se encontra coisa alguma contrária à<br />

Santa Fé Católica, aos princípios e aos bons costumes, e<br />

que é digno de ser impresso, concedem a licença para que<br />

possa ser impresso nesta cidade.<br />

No primeiro dia de Março de <strong>1610</strong><br />

Senhor Marco Antonio Valaresso } Ch c d Ex I<br />

. eres o ce ente<br />

Senhor Nlcolú Bon<br />

Conselho dos Dez<br />

Senhor Lunardo Marcello<br />

Bartolomeo Comi no<br />

Secretário do Mui Ilustre Conselho dos Dez<br />

<strong>1610</strong>, a 8 de Março, registado no livro a foI. 39<br />

Giovanni Battista Breatto<br />

Coadjutor do Ofício contra a Blasfémia<br />

149


MENSAGEM ASTRONÓMICN 2 ,<br />

que contém (? apresenta<br />

AS RECENTES OBSERVA ÇÓES><br />

flitas com uma nova luneta, da superficie- "; Lua,<br />

da Via Láctea e dtJ.S nebulosas, de inumeráveis e.:;t;relas fixas,<br />

e ainda de quatrc planetas designados. par .<br />

ASTROS DE COSME23,<br />

nunca até hoje vistos.<br />

GRANDES COISAS, na verdade, são as que proponho neste<br />

pequeno tratado para que sejam examina<strong>das</strong> e contempla<strong>das</strong><br />

por cada um dos que estudam a natureza. Coisas<br />

grandes, digo, pela própria excelência do assunto, pela sua<br />

novidade absolutamente inaudita e ainda por causa do<br />

instrumento com o auxílio do qual elas se tornaram<br />

manifestas aos nossos sentidos.<br />

Grande, na verdade, é o facto de à incontável multidão<br />

de estrelas fixas que, com as faculdades naturais, se<br />

puderam observar até hoje, acrescentar e expor abertamente<br />

aos olhares incontáveis outras, nunca antes vistas e<br />

que ultrapassam mais de dez vezes o número daquelas<br />

que se conhecem de há muito. 24<br />

É magnífico, e muito agradável ao olhar, poder<br />

observar o corpo lunar, que está afastado de nós cerca de<br />

sessenta raios terrestres 25, como se [5v] não estivesse mais<br />

distante do que duas dessas unidades; a tal ponto que o<br />

151


diâmetro dessa mesma Lua parece quase trinta vezes, a<br />

sua superfície noventa vezes e o seu volume quase vinte<br />

e sete mil vezes maiores do que quando são vistos simplesmente<br />

à vista desarmada. 26 Daí, consequentemente,<br />

que qualquer pessoa compreenda, com a certeza dos sentidos,<br />

que a Lua não é de maneira nenhuma revestida<br />

de uma superfície lisa e perfeitamente polida, mas sim de<br />

uma superfície acidentada e desigual, e que, como a própria<br />

face da Terra, está coberta em to<strong>das</strong> as partes por<br />

enormes protuberâncias, depressões profun<strong>das</strong>, e sinuosidades.<br />

Além disso, não parece coisa de somenos ter eliminado<br />

as controvérsias acerca da Galáxia ou Via Láctea e<br />

ter revelado a sua natureza aos sentidos, quanto mais<br />

à inteligência; e será' maravilhoso e sumamente belo.<br />

demonstrar claramente, como se apontando com um<br />

dedo, que a substância dessas estrelas, que até ao presente<br />

todos os astrónomos chamavam nebulosas, é muito diferente<br />

do que até agora se pensou.<br />

Mas aquilo que excede imensamente toda a admiração,<br />

e o que especialmente nos impeliu a dar notícia a<br />

todos os astrónomos e filósofos, é que descobrimos quatro<br />

estrelas errantes 27, nem conheci<strong>das</strong> nem observa<strong>das</strong> por<br />

ninguém antes de nós, que,tal como Vénus e Mercúrio<br />

em torno do $01 28 , têm os seus períodos em torno de um<br />

certo astro insigne entre o número dos conhecidos, ora o<br />

precedendo, ora o seguindo, e nunca ficando afasta<strong>das</strong><br />

dele para .além de certos limites. To<strong>das</strong> estas coisas foram<br />

descobertas e observa<strong>das</strong> há alguns dias 29 por meio de<br />

uma luneta concebida por mim depois de ter sido iluminado<br />

pela graça divina 30.<br />

Coisas talvez mais excelentes serão descobertas com o<br />

tempo, ou por mim ou por outros, com a ajuda de um<br />

instrumento semelhante, cuja forma e construção, assim<br />

152


como as circunstâncias de sua invenção, [6r] mencionarei<br />

brevemente em primeiro lugar, e depois resumirei a história<br />

<strong>das</strong> observações feitas por mim.<br />

HA CERCA DE DEZ MESES 31<br />

chegou aos nossos ouvidos<br />

o rumor 32 de que um belga 33 havia construído uma<br />

luneta com o auxílio da qual os objectos visíveis, mesmo<br />

que estivessem muito afastados da vista do observador, se<br />

viam distintamente, como se estivessem próximos. Acerca<br />

deste admirável efeito circularam alguns relatos, uns<br />

dando-lhe crédito e outros negando-o. Isto mesmo me foi<br />

confirmado passados poucos dias por uma carta enviada<br />

de Paris pelo nobre francês Jacques Badovere 34 , o que<br />

finalmente me fez dedicar-me completamente a descobrir<br />

as razões e a conceber os meios pelos quais pudesse chegar<br />

à invenção de um instrumento semelhante, o que<br />

consegui passado pouco tempo, baseado na teoria <strong>das</strong><br />

refracções 35. Inicialmente, preparei um tubo de chumbo<br />

em cujas extremidades ajustei duas lentes de vidro, ambas<br />

planas numa face, sendo uma delas convexa na outra face,<br />

e a outra côncava. Aproximando o meu olho da lente<br />

côncava observei os objectos bastante maiores e mais próximos.<br />

Na verdade, surgiam três vezes mais próximos e<br />

nove vezes maiores do que quando vistos a olho nu.<br />

Construí, depois, um outro [instrumento] mais exacto que<br />

apresentava os objectos sessenta vezes maiores. 36 Finalmente,<br />

sem poupar qualquer trabalho ou dinheiro, foi-me<br />

possível construir um instrumento tão excelente que as<br />

coisas com ele vistas apareciam quase mil vezes maiores e<br />

mais do que trinta vezes mais próximas do que quando<br />

observa<strong>das</strong> apenas com as faculdades naturais. Seria completamente<br />

supérfluo enumerar quantas e quais as vantagens<br />

deste instrumento, tanto na terra como nos mares.<br />

Mas, deixando as coisas terrestres, apliquei-me à investiga-<br />

153


ção <strong>das</strong> celestes. Primeiro, vi a Lua de tão perto [6v]<br />

como se ela estivesse afastada apenas por dois raios terrestres<br />

37. Depois observei muitas vezes, com incrível alegria<br />

na alma, tanto as estrelas fixas como as errantes, e, ao<br />

verificar o seu grande número, comecei a imaginar um<br />

método pelo qual pudesse medir a distância entre elas, o<br />

que por fim descobri. Neste assunto, convém pôr de<br />

sobreaviso todos os que pretendam fazer este tipo<br />

de observações. Em primeiro lugar, com efeito, é necessário<br />

que preparem uma luneta de grande precisão, que<br />

apresente os objectos de maneira brilhante, distintamente,<br />

sem estarem obscurecidos, e que os aumente pelo menos<br />

quatrocentas vezes, pois então os mostrará vinte vezes<br />

mais próximos. 38 De facto, se o instrumento não for de<br />

tal sorte, tentarão em vão ver to<strong>das</strong> aquelas coisas que nós<br />

observámos nos céus e abaixo enumeraremos. Mas para<br />

que qualquer pessoa consiga, com pouco trabalho, determinar<br />

a ampliação do instrumento, desenhe dois círculos<br />

ou dois quadrados num papel, um dos quais será quatrocentas<br />

vezes maior do que o outro, o que sucederá<br />

quando o diâmetro do maior for vinte vezes o comprimento<br />

do outrO. 39 Depois olhará de longe, em simultâneo,<br />

ambas as folhas postas numa mesma parede, a mais<br />

pequena com o olho aplicado à luneta e a maior com o<br />

outro olho, à vista desarmada. Isto pode ser feito facilmente<br />

com ambos os olhos abertos ao mesmo tempo. k<br />

duas figuras aparecerão, então, do mesmo tamanho, se o<br />

instrumento ampliar os objectos de acordo com a proporção<br />

desejada.<br />

Depois de um tal instrumento ter sido preparado,<br />

deverá investigar-se o método de medir distâncias, o que<br />

é conseguido da seguinte maneira. Para facilitar a compreensão,<br />

seja ABCD o tubo e E o olho do observador.<br />

Quando não há lentes no tubo, os raios visuais seguem<br />

154


até ao objecto FG segundo as linhas rectas ECF e EDG,<br />

mas, coloca<strong>das</strong> as lentes, [7r] seguem ao longo <strong>das</strong> linhas<br />

refracta<strong>das</strong> ECH e EDI.40 Com efeito, os raios são apertados<br />

e onde antes, [propagando-se] livremente, eram<br />

dirigidos para o objecto FG, agora apenas compreendem<br />

a parte HUI<br />

lo C<br />

:-=<br />

E-:t ::1<br />

D<br />

.,<br />

HJ<br />

(i<br />

Então, tendo achado a razão da distância EH para a linha<br />

HI, determina-se pelas tabelas de senos o valor do ângulo<br />

subtendido no olho pelo objecto HI, achando que este<br />

ângulo tem apenas alguns minutos. Ora, se aplicarmos à<br />

lente CD cartões perfurados, uns com buracos maiores,<br />

outros com menores, colocando ora um ora outro, conforme<br />

necessário, formaremos à vontade ângulos vários,<br />

subtendendo mais ou menos minutos. Por este processo<br />

podemos medir convenientemente, com um erro menor<br />

do que um ou dois minutos, o intervalo entre estrelas<br />

separa<strong>das</strong> umas <strong>das</strong> outras por alguns minutos. Seja suficiente<br />

para o presente, contudo, termos tocado ligeiramente<br />

neste assunto e tê-lo, por assim dizer, roçado apenas<br />

com a ponta dos lábios, pois numa outra ocasião<br />

tornaremos pública uma teoria completa deste instrumento.<br />

42 Vamos agora relatar as observações feitas por nós<br />

nos dois últimos meses 43, convidando todos os amantes<br />

da verdadeira filosofia para o início, seguramente, de<br />

grandes contemplações.<br />

Falemos, em primeiro lugar, da face da Lua que está<br />

voltada para nós, que, [7v] para facilitar a compreensão,<br />

155


distinguirei em duas partes, uma mais clara e outra mais<br />

escura. 44 A mais clara parece rodear e inundar [de luz] 45<br />

todo o hemisfério, enquanto a mais escura cobre, como<br />

uma nuvem, essa face, enchendo-a de manchas. Estas<br />

manchas, um pouço escuras e bastante vastas, são visíveis<br />

a todos e em to<strong>das</strong> as épocas foram observa<strong>das</strong>. Por essa<br />

razão lhes chamaremos as manchas grandes ou antigas,<br />

para as diferenciar de outras, de menor tamanho, mas a<br />

tal ponto numerosas que recobrem toda a superfície lunar<br />

mas especialmente a parte mais luminosa. Estas, na verdade,<br />

não foram observa<strong>das</strong> por ninguém antes de nós.<br />

Do seu exame muitas vezes repetido deduzimos que<br />

podemos discernir com certeza que a superfície da Lua<br />

não é perfeitamente polida, uniforme e exactamente esférica,<br />

como um exército de filósofos acreditou, acerca dela<br />

e dos outros corpos celestes, mas é, pelo contrário, desigual,<br />

acidentada, constituída por cavidades e protuberâncias,<br />

como a face da própria Terra, que está marcada, aqui<br />

e acolá, por cadeias de montanhas e profundezas de vales.<br />

As aparências a partir <strong>das</strong> quais isro se pode deduzir são<br />

as seguintes:<br />

No quarto ou quinto dia após a conjunção, quando<br />

a Lua se nos apresenta com cornos resplandecentes, o<br />

limite que separa a sua parte escura da sua parte luminosa<br />

não se estende regularmente, seguindo uma linha oval,<br />

como sucederia num sólido perfeitamente esférico, mas<br />

traça uma linha desigual, acidentada e notavelmente<br />

sinuosa, como a figura aqui ao lado mostra. 46 Com efeito,<br />

uma espécie de excrescências brilhantes estendem-se em<br />

grande número na parte escura, para lá da fronteira entre<br />

a luz e as trevas e, ao contrário, pequenas partes escuras<br />

avançam para dentro da parte luminosa. Além disso, também<br />

uma grande quantidade de pequenas manchas enegreci<strong>das</strong>,<br />

[8r] completamente separa<strong>das</strong> da parte obscura,<br />

156


espalha-se por quase roda a extensâo já inundada pela luz<br />

do Sol, com excepção rodavia daquela parte que tem as<br />

manchas grandes e antigas. Ora, notámos logo que essas<br />

pequenas manchas têm to<strong>das</strong> e sempre em comum que a<br />

sua parre enegrecida está virada para O Sol, enquanto, do<br />

lado opOSto ao Sol, estão coroa<strong>das</strong> de extremidades mais<br />

luminosas, como arestas resp landecentes. Ora, remos na<br />

Terra uma visão tOralmente semelhante, no momento do<br />

nascer do Sol, quando dirigimos o nosso olhar sobre os<br />

vales que ainda não estão banhados de luz, e as montanhas<br />

que os cercam resplandecem, já do lado opostO, ao<br />

Sol. E, tal como as sombras <strong>das</strong> cavidades terrestres diminuem<br />

11 medida que o Sol se eleva, assim também estas<br />

manchas lunares perdem as suas trevas 11 medida que a<br />

pane luminosa cresce.<br />

157


[8v] Na verdade, não se vê apenas que na Lua a fronteira<br />

entre as trevas e a luz é desigual e sinuosa, mas - o que<br />

suscita ainda mais espanto - que um enorme número de<br />

pontos brilhantes aparece no seio da parte escurecida da<br />

Lua, completamente separados e desligados da zona iluminada<br />

e afastados dela por um intervalo que não é<br />

pequeno. Estes pontos aumentam pouco a pouco, passado<br />

algum tempo, em grandeza e luminosidade, e, passa<strong>das</strong><br />

duas ou três horas, juntam-se ao resto da zona brilhante<br />

que então aumentou. Entretanto, contudo, mais e mais<br />

pontos como que pululando daqui e dali, iluminam-se,<br />

na parte escura, aumentam e finalmente unem-se à superfície<br />

luminosa, que agora está ainda mais dilatada. A<br />

mesma figura mostra-nos o exemplo disso. Ora, não é<br />

verdade que na Terra, antes do nascer do Sol, quando a<br />

sombra ainda cobre as planícies, os cimos dos montes<br />

mais elevados estão iluminados pelos raios solares? E que<br />

após um curto intervalo de tempo a luz se espalha, iluminando<br />

as partes médias e mais largas desses montes? E,<br />

por fim, quando o Sol já se levantou, não se juntam as<br />

iluminações <strong>das</strong> planícies e <strong>das</strong> colinas umas às outras?<br />

Na Lua, todavia, este contraste entre as elevações e as<br />

depressões parece exceder em muito a desigualdade do<br />

relevo terrestre, como mostraremos mais adiante.<br />

Entretanto, não quero de maneira nenhuma passar<br />

em silêncio um facto digno de atenção, que observei<br />

quando a Lua avançava para a primeira quadratura 47 e<br />

acerca do qual o mesmo desenho precedente dá uma imagem.<br />

Um enorme golfo tenebroso, com efeito, situado<br />

para o lado do corno inferior, insinua-se na parte luminosa.<br />

Tendo observado durante muito tempo este golfo<br />

sombreado e vendo-o todo mergulhado na escuridão,<br />

finalmente, passa<strong>das</strong> cerca de duas horas, começou a despontar<br />

uma espécie de cume luminoso, um pouco abaixo<br />

do meio da cavidade. Crescendo pouco a pouco, apresentava<br />

uma forma triangular e estava ainda completamente<br />

158


separado e desligado da zona luminosa. Logo depois,<br />

começaram a brilhar em torno dele três outras pequenas<br />

pontas, [9r] até que, quando a 'Lua tendia já para o<br />

ocaso, essa figura triangular estendeu-se e ampliou-se,<br />

para finalmente se unir ao resto da parte luminosa e,<br />

como um enorme promontório, sempre rodeada dos três<br />

picos brilhantes já mencionados, irrompeu no golfo escuro.<br />

Nas extremidades dos cornos, tanto do corno superior<br />

como do corno inferior, emergiam também alguns pontos<br />

resplandecentes e completamente isolados do resto da luz,<br />

como se vê desenhado na mesma figura. Havia, também,<br />

uma grande quantidade de manchas escuras em cada<br />

corno, mas sobretudo no inferior; entre essas manchas,<br />

aquelas que estão mais perto da fronteira entre luz e trevas<br />

aparecem maiores e mais escuras, enquanto as mais<br />

afasta<strong>das</strong> aparecem menos escuras e mais apaga<strong>das</strong>. Mas<br />

sempre, como já dissemos antes, a parte escurecida da<br />

mancha está do lado da irradiação solar, enquanto uma<br />

franja mais resplandecente bordeja a mancha na parte<br />

oposta ao Sol e virada para a zona sombria da Lua. Esta<br />

superfície da Lua, onde está assinalada pelas manchas<br />

como a cauda de um pavão está pelos olhos de azur, assemelha-se<br />

a esses pequenos vasos de vidro que, mergulhados<br />

ainda incandescentes na água fria, adquirem uma<br />

superfície encarquilhada e ondulada de onde lhes vem a<br />

designação popular de «taças de gelo».<br />

No que respeita às manchas grandes da Lua, não se<br />

vêem tão interrompi<strong>das</strong> e cobertas de depressões e protuberâncias,<br />

aparecendo mais regulares e uniformes, emergindo<br />

apenas nelas, aqui e ali, pequenas zonas brilhantes.<br />

Deste modo, se alguém quiser ressuscitar a antiga opinião<br />

pitagórica segundo a qual a Lua seria uma outra Terra 48,<br />

a sua parte mais brilhante seria mais apta a representar a<br />

superfície terrena e a sua parte mais obscura a superfície<br />

aquosa 49. Quanto a mim, nunca duvidei de que, se o<br />

globo terrestre, banhado pelos raios solares, fosse visto de<br />

159


longe, a superfície de {erra firme se oferece ri a mais clara<br />

ao olhar [9vJ e a parte de água mais escura. Além disso.<br />

na Lua, vê-se que as grandes manchas são mais cava<strong>das</strong><br />

do que as zonas mais claras, pois tanro na fase crescenre<br />

co mo na fase minguante, vê-se sempre surgir no limi te da<br />

luz c <strong>das</strong> trevas, aqui e ali, em torno <strong>das</strong> próprias manchas<br />

grandes. os bordos da partc mais clara. como tivémos<br />

o cuidado de mOStrar nas figuras . E os conrornos <strong>das</strong><br />

di tas manchas não são somenre mais cavados, mas também<br />

mais uniformes c não cmrecorrados por rugas ou<br />

as perezas. A parte mais iluminada, além di sso, eleva-se<br />

muito perto <strong>das</strong> manchas, a tal ponro que antes da primeira<br />

quadratura, como nas vizi nhanças da segu nda,<br />

enormes protuberâncias se elevam acentuadamenre, perto<br />

de uma certa mancha ocupando a região superior, isto é,<br />

boreal, da Lua, tanto acima co mo aba ixo del a, co mo os<br />

desenhos aqui juntos mostram:<br />

160


IIOr]<br />

Antes da segunda quadratura, vê-se essa mesma mancha<br />

rodeada de contornos mais negros que. como os cumes<br />

<strong>das</strong> montanhas muiro altas. aparecem mais escuros<br />

do lado opOStO ao Sol e mOStram-se mais brilhantes<br />

onde estão diante do Sol. Dá-se o inverso nas cavidades.<br />

cuja pane oposta ao Sol aparece resplandece me. mas<br />

escura e sombreada a que está situada do lado do Sol.<br />

Depois, quando a superfkie luminosa diminuiu, logo que<br />

a dita mancha está quase totalmente coberta pelas trevas,<br />

as costas mais luminosas <strong>das</strong> montanhas emergem paulatinamente<br />

da obscuridade. As figuras seguintes ilustram<br />

esse duplo fenómeno:<br />

I G I


[IOv]<br />

162


[llr] Há uma outra coisa que observei não sem alguma<br />

admiração e que não posso· omitir. A área em torno do<br />

centro da Lua está ocupada por uma cavidade maior do<br />

que to<strong>das</strong> as outras e de forma perfeitamente redonda. 50<br />

Observei isto perto de ambas as quadraturas e desenhei-o<br />

tanto quanto me foi possível na segunda figura<br />

acima. Oferece o mesmo aspecto, quanto à sombra e à<br />

iluminação, que ofereceria na Terra uma região semelhante<br />

à Boémia se fosse encerrada por todos os lados por<br />

montanhas muito altas, coloca<strong>das</strong> na periferia num círculo<br />

perfeito. Ora, na Lua, está rodeada de cordilheiras<br />

tão eleva<strong>das</strong> que o lado que é vizinho à parte escura da<br />

Lua se vê banhado de luz antes que a linha divisória<br />

entre a luz e as sombras chegue ao diâmetro que secciona<br />

em dois essa figura. Mas, tal como nas outras manchas, a<br />

sua parte sombreada está diante do Sol, enquanto a parte<br />

brilhante está virada para a parte escura da Lua, o que,<br />

sugiro eu pela terceira vez, se deve considerar um argumento<br />

muito forte acerca da rugosidade e irregularidade<br />

espalha<strong>das</strong> em toda a região brilhante da Lua. Ora, entre<br />

essas manchas são sempre mais escuras as que são vizinhas<br />

à fronteira entre a luz e a escuridão, enquanto as mais<br />

afasta<strong>das</strong> aparecem ou mais pequenas ou menos escuras,<br />

de tal modo que, finalmente, quando a Lua está em oposição<br />

e cheia, a escuridão <strong>das</strong> depressões difere da luminosidade<br />

<strong>das</strong> proeminências por uma muito ligeira e<br />

ténue diferença.<br />

Estas coisas que acabámos de descrever foram vistas<br />

nas partes mais brilhantes da Lua. Nas manchas grandes,<br />

porém, tal contraste entre depressões e proeminências não<br />

se vê da mesma maneira como o que somos necessariamente<br />

levados a reconhecer nas partes brilhantes, devido à<br />

mudança de formas causada pela variável iluminação dos<br />

raios do Sol ao divisar a Lua de muitas diferentes posições.<br />

No entanto, nas manchas grandes há, sem dúvida,<br />

[11 v] áreas mais escuras, como mostramos nas figuras,<br />

163


mas têm sempre a mesma aparência e a sua escuridão não<br />

aumenta nem diminui. Elas aparecem, com diferenças<br />

muito ligeiras, ora um pouco mais escuras, ora um pouco<br />

mais claras, consoante os raios de Sol incidem nelas mais<br />

ou menos obliquamente. Além disso, unem-se de modo<br />

fluido com as partes vizinhas <strong>das</strong> manchas numa união<br />

suave, misturando e confundindo as suas fronteiras. Contudo,<br />

as coisas sucedem de modo diferente às manchas<br />

que estão na parte mais brilhante da Lua, pois, tal como<br />

penhascos íngremes eriçados de rochas de arestas vivas,<br />

eles estão divididos por uma linha que separa abtuptamente<br />

a luz <strong>das</strong> trevas. Além disso, no interior dessas<br />

manchas maiores são vistas outras áreas mais claras - na<br />

verdade, algumas muito brilhantes. Mas a aparência destas<br />

e <strong>das</strong> mais escuras é sempre a mesma, sem qualquer<br />

mudança na forma, luz ou sombra. É então sabido com<br />

certeza e fora de qualquer dúvida que elas se vêem desta<br />

maneira por causa de uma dissemelhança real <strong>das</strong> partes e<br />

não apenas por causa <strong>das</strong> desigualdades nas figuras que<br />

tomam essas zonas, segundo as diferentes iluminaçóes do<br />

Sol que move diversamente as sombras. Isto sucede de<br />

facto nas outras manchas, mais pequenas, que ocupam a<br />

parte mais brilhante da Lua; elas alteram-se dia a dia,<br />

aumentando, diminuindo e desaparecendo, visto que só<br />

resultam <strong>das</strong> sombras <strong>das</strong> proeminências que se elevam.<br />

Mas sinto que muitas pessoas são afecta<strong>das</strong> por grandes<br />

dúvi<strong>das</strong> neste assunto e ficam tão embaraça<strong>das</strong> por<br />

uma grave dificuldade que são leva<strong>das</strong> a pôr em dúvida a<br />

conclusão já explicada e confirmada por tantas aparências.<br />

Pois se aquela parte da superfície da Lua que reflecte de<br />

maneira mais brilhante os raios de Sol está cheia de<br />

sinuosidades, isto é, de inumeráveis elevações e depressões,<br />

porque é que na Lua crescente o bordo virado para<br />

o ocaso, e na Lua decrescente o bordo virado para o<br />

Oriente, e na [12r] Lua cheia toda a periferia, não são<br />

vistos desiguais, rugosos e sinuosos, mas perfeitamente<br />

164


edondos e circulares e não irregulares, com proemmencias<br />

e depressões? Tanto mais que todo o bordo é composto<br />

da substância lunar mais brilhante que, como dissemos,<br />

é completamente irregular e coberto com depressões,<br />

pois nenhuma <strong>das</strong> manchas grandes chega até ao extremo<br />

do bordo, mas to<strong>das</strong> se vêem aglomera<strong>das</strong> longe da periferia.<br />

Uma vez que tais aparências apresentam uma oportunidade<br />

para sérias dúvi<strong>das</strong>, proponho uma explicação<br />

dupla e daqui uma dupla resolução da dúvidaY Primeiro,<br />

se as proeminências e depressões no corpo lunar estivessem<br />

espalha<strong>das</strong> apenas ao longo da periferia circular que<br />

delimita o hemisfério visto por nós, então a Lua poderia,<br />

sem dúvida, e deveria mesmo, mostrar-se-nos numa<br />

forma análoga a uma roda dentada, isto é, delimitada por<br />

uma linha eriçadã e sinuosa. Se, contudo, não houvesse<br />

apenas uma única cadeia de proeminências distribuí<strong>das</strong><br />

apenas ao longo de uma única circunferência, mas antes<br />

muitas filas de montanhas, com as suas lacunas e sinuosidades,<br />

dispostas ao longo do circuito externo da Lua - e<br />

estas não apenas no hemisfério visível mas também do<br />

outro lado (mas perto da fronteira entre os hemisférios) -<br />

então o olho, vendo de longe, não poderia de modo<br />

algum distinguir entre proeminências e depressões. Pois os<br />

intervalos entre os montes dispostos num mesmo círculo<br />

ou numa mesma cadeia estão escondidos pela interposição<br />

de fila após fila de outras proeminências; e isto especialmente<br />

se o olho do observador estiver localizado numa<br />

mesma linha com os cumes dessas elevações. Assim, na<br />

Terra, os cumes de muitas montanhas situa<strong>das</strong> próximas<br />

umas <strong>das</strong> outras parecem estar dispostos numa superfície<br />

plana se o observador estiver muito longe e situado na<br />

mesma altitude. Assim também, num mar encapelado, as<br />

cristas eleva<strong>das</strong> <strong>das</strong> on<strong>das</strong> parecem estender-se num<br />

mesmo plano, [12v] muito embora, entre as on<strong>das</strong>, haja<br />

muitas cavas e golfos tão fundos que não apenas as quilhas<br />

mas também os convés, os mastros e as velas de<br />

165


navios grandes ficam ocultos. Uma vez, pois, que na própria<br />

Lua e em torno do seu perímetro há uma disposição<br />

complexa de proeminências e depressões, e o olho, vendo<br />

de longe, está localizado aproximadamente no mesmo<br />

plano que esses picos, ninguém se deve surpreender que,<br />

com os raios visuais rasantes, eles se mostrem numa linha<br />

uniforme e nada sinuosa. A esta razão pode adicionar-se<br />

uma outra, nomeadamente que, tal como em torno da<br />

Terra, existe em torno do corpo lunar um orbe de substância<br />

mais densa do que o resto do éter, capaz de receber<br />

e reflectir a irradiação solar, embora sem tanta opacidade<br />

que- possa inibir a passagem da visão (especialmente<br />

quando não é iluminado).s2 Esse orbe, iluminado pelos<br />

raios solares, oferece e mostra o corpo lunar com o<br />

aspecto de uma esfera maior e, se fosse mais espesso,<br />

poderia limitar a nossa vista de modo a não alcançar<br />

o corpo sólido da Lua. E é, de facto, mais espesso em<br />

volta da periferia da Lua; não absolutamente espesso, digo<br />

eu, mas mais espesso em relação aos nossos raios visuais<br />

que o intersectam obliquamente. Por isso, pode dificultar<br />

a nossa visão e, especialmente quando está iluminado,<br />

esconder a periferia da Lua que está exposta ao Sol. Isto<br />

vê-se claramente na figura junta, na qual o corpo lunar<br />

ABC está rodeado pelo orbe vaporoso DEG:<br />

166


[l3r] o olho, desde F, alcança as partes médias da Lua,<br />

como em A, através dos vapores mais finos DA; para o<br />

lado <strong>das</strong> partes extremas, porém, uma abundância de<br />

vapores mais profundos, EB, bloqueia com o seu limite<br />

a nossa visão. Uma indicação disto é que a parte da<br />

Lua banhada pela luz parece ser de maior circunferência<br />

do que o restante orbe mergulhado nas trevas. Poderá talvez<br />

achar-se esta mesma causa razoável para explicar porque<br />

é que em parte nenhuma se vêem as manchas maiores<br />

da Lua estender-se até ao limite exterior, embora fosse<br />

esperado que algumas delas se encontrassem perto dele.<br />

Parece plausível, contudo, que sejam invisíveis porque<br />

estão escondi<strong>das</strong> sob vapores mais espessos e mais brilhantes.<br />

Parece-me ter ficado suficientemente claro, pelas aparências<br />

já explica<strong>das</strong>, que a superfície mais brilhante da<br />

Lua esteja coberta por todo o lado com proeminências e<br />

depressões. Falta-nos agora falar acerca dos seus tamanhos,<br />

demonstrando que as rugosidades terrestres são muito<br />

menores do que as lunares; digo menores falando absolutamente,<br />

não apenas em proporção aos tamanhos dos seus<br />

globos. Isto vê-se claramente da seguinte maneira.<br />

Como foi muitas vezes observado por mim que, em<br />

diferentes posições da Lua relativamente ao Sol, dentro<br />

da parte escura da Lua alguns cumes aparecem banhados<br />

de luz, mesmo estando muito longe da linha divisória da<br />

luz, comparando a sua distância a essa linha com o diâmetro<br />

lunar total, descobri que essa distância algumas<br />

vezes excede a vigésima parte do diâmetro 53. Assumindo<br />

isto, considere-se o globo lunar, cujo círculo máximo é<br />

CAp, e o centro é E, e cujo diâmetro, CF, está para o<br />

diâmetro da Terra como dois está para sete. E visto que<br />

de acordo com as observações mais rigorosas o diâmetro<br />

terrestre tem 7000 milhas italianas, CF terá 2000 milhas,<br />

[13v] CE 1000 e a vigésima parte de todo CF será de<br />

167


100 milhas 54. Seja agora CF o diâmetro do círculo<br />

máximo<br />

que divide a parte luminosa da parte escura da Lua<br />

(devido à distância muito grande do Sol em relação à<br />

Lua, este círculo não difere sensivelmente de um círculo<br />

máximo), e esteja A distante do ponto C um vigésimo<br />

desse diâmetto; trace-se o semidiâmetro EA que, quando<br />

estendido, intersecta a tangente GCD (que representa um<br />

raio de luz) no ponto D. O arco CA ou a linha recta CD<br />

serão, portanto, 100 [partes nas unidades em que] CE<br />

vale 1000, e a soma dos quadrados de CD e CE é<br />

1 010000 [dessas unidades] que é igual ao quadrado de<br />

ED. Todo o ED será, portanto, maior que 1004, e AD<br />

mais do que 4 unidades <strong>das</strong> quais CE tem 1000. Portanto,<br />

a altura AD na Lua, que representa na Lua um<br />

pico que se eleva até ao raio de Sol GCD, e que está<br />

afastado da linha divisória C pela distância CD, é maior<br />

168


[14r] do que 4 milhas italianas. Mas na Terra não existem<br />

montanhas que tenham sequer a altura de 1 milha vertical.<br />

É, pois, evidente que as proeminências lunares são<br />

mais eleva<strong>das</strong> do que as terrestres. 55<br />

Gostaria de explicar aqui a causa de um outro fenómeno<br />

lunar digno de admiração. Este fenómeno foi por<br />

nós observado, não recentemente mas há já muitos anos,<br />

mostrado a alguns amigos próximos e alunos, explicado, e<br />

dele dei uma demonstração causal. 56 Mas uma vez que a<br />

sua observação é facilitada e mais notória com o auxílio<br />

da luneta, pareceu-me que não era desajustado repeti-la<br />

aqui, especialmente para que o parentesco e a semelhança<br />

entre a Lua e a Terra apareçam mais claramente. 57<br />

Quando a Lua, quer antes quer depois <strong>das</strong> conjunções,<br />

se encontra próxima do Sol, oferece à nossa vista<br />

não apenas aquela parte do seu disco que está adornada<br />

com cornos brilhantes, mas também um ténue círculo,<br />

levemente reluzente, que parece delimitar o contorno da<br />

parte escura (isto é, a parte afastada do Sol) e separá-la<br />

do fundo mais escuro do próprio éter. Mas se examinarmos<br />

este assunto com mais cuidado, veremos não apenas<br />

o rebordo extremo da parte escura brilhando com brilho<br />

ténue, mas toda a face da Lua - nomeadamente aquela<br />

parte que ainda não sente o brilho do Sol - branqueada<br />

por alguma luz não despicienda. A primeira vista, contudo,<br />

só aparece uma fina circunferência brilhante devido<br />

à proximidade <strong>das</strong> partes mais escuras do céu em torno<br />

dela, enquanto, pelo contrário, o resto da superfície<br />

parece mais escuro devido ao contacto com os cornos brilhantes,<br />

que escurecem a nossa visão. Mas se se escolher<br />

um lugar tal que esses cornos brilhantes fiquem ocultos<br />

por um tecto, uma chaminé, ou outro obstáculo entre o<br />

nosso olho e a Lua (mas colocado longe do olho),<br />

ficando a restante parte [14v] do globo lunar exposta à<br />

nossa vista, então descobrir-se-á que esta região da Lua,<br />

embora desprovida de luz solar, também brilha com uma<br />

169


luz considerável, e especialmente quando as trevas nocturnas<br />

já forem espessas devido à ausência do Sol; pois sobre<br />

um fundo mais escuro a mesma luz parece mais brilhante.<br />

Também se verifica que este brilho, por assim dizer,<br />

secundário da Lua, é tanto maior quanto menos distante<br />

a Lua estiver do Sol, pois, à medida que ela fica mais distante<br />

dele, decresce mais e mais de tal maneira que, após<br />

a primeira quadratura e antes da segunda, aparece fraco e<br />

muito dúbio, mesmo observando num céu mais escuro,<br />

enquanto que, no sextilo ou em elongações menores 58,<br />

brilha de uma maneira admirável mesmo no crepúsculo.<br />

Na verdade, brilha de tal modo que, com a ajuda de uma<br />

luneta precisa, se podem ver nela as manchas maiores.<br />

Este brilho maravilhoso causou não pouco espanto<br />

nos que se aplicam à filosofia, tendo avançado alguns<br />

com uma razão e outros com outra, como sua explicação.<br />

Alguns disseram tratar-se do brilho natural e intrínseco da<br />

própria Lua, outros que lhe é conferido por Vénus 59,<br />

outros pelas estrelas; e ainda outros disseram que é dado<br />

pelo Sol, que penetraria a vasta massa da Lua com os seus<br />

raios. Mas tais sugestões refutam-se sem muito esforço e<br />

demonstra-se serem falsas. Pois se este género de luz fosse<br />

próprio da Lua, ou conferido pelas estrelas, a Lua retê­<br />

-la-ia e mostrá-la-ia especialmente durante os eclipses<br />

quando está num céu muito escuro. Mas isto é contrário<br />

à experiência, pois a luz que aparece na Lua durante um<br />

eclipse é muito mais fraca, avermelhada, quase cúprea,<br />

enquanto que esta luz é mais brilhante e mais branca. A<br />

luz que aparece durante um eclipse é, além disso, mutável<br />

e move-se, pairando sobre a face da Lua de tal maneira<br />

que a parte mais perto do bordo do círculo da sombra da<br />

Terra se vê sempre mais brilhante e o resto mais escuro.<br />

Daqui se compreende, sem qualquer dúvida, que esta luz<br />

surge [15r] devido à proximidade dos raios solares incidindo<br />

sobre alguma região mais densa que todeia a Lua<br />

de todos os lados. Por causa deste contacto uma espécie<br />

170


de aurora é espalhada na Lua nas regiões vizinhas [da<br />

periferia], tal como na Terra a luz crepuscular é espalhada<br />

de manhã e de tarde. Trataremos deste assunto mais<br />

desenvolvidamente no livro sobre o Sistema do Mund0 60 •<br />

Quanto a afirmar que esta luz é conferida por Vénus, é<br />

tão infantil a ponto de não merecer resposta. Pois quem<br />

é tão ignorante que não saiba que perto <strong>das</strong> conjunções e<br />

no aspecto sextil é completamente impossível para a parte<br />

da Lua oposta ao Sol ser vista de Vénus? Mas é igualmente<br />

inaceitável que esta luz seja devida ao Sol que,<br />

com a sua luz, penetre e invada o corpo sólido da Lua.<br />

Nesse caso nunca diminuiria, uma vez que um hemisfério<br />

da Lua está sempre iluminado pelo Sol, excepto no<br />

momento dos eclipses lunares. Ora, a luz diminui quando<br />

a Lua se ap~oxima da quadratura e desvanece-se completamente<br />

quando ela passa a quadratura.<br />

Uma vez, pois, que esta luz secundária não é intrínseca<br />

e própria à Lua, e também não é emprestada por<br />

nenhuma estrela nem pelo Sol, e visto que na vastidão do<br />

mundo não resta nenhum outro corpo a não ser a Terra,<br />

pergunto então o que devemos pensar? Que devemos<br />

propor? Será que o corpo lunar, como qualquer outro<br />

corpo escuro e opaco, é banhado de luz pela Terra? Mas<br />

o que é que isso tem de tão espantoso? Mais do que isso:<br />

a Terra, numa troca igual e agradecida, retribui à Lua<br />

uma luz igual àquela que recebe da Lua durante quase<br />

todo o tempo na mais profunda escuridão da noite.<br />

Expliquemos o assunto mais claramente. A Lua, nas<br />

conjunções, quando ocupa um lugar entre o Sol e a<br />

Terra, é inundada pelos raios solares no seu hemisfério<br />

superior, que está virado para o lado oposto da Terra,<br />

enquanto o hemisfério inferior, que está virado para a<br />

Terra, está coberto de escuridão e por isso não ilumina de<br />

maneira alguma a superfície terrestre. Quando a Lua se<br />

afasta pouco a pouco do Sol, uma parte do hemisfério<br />

inferior virado para nós passa a ser iluminada e mostra-<br />

171


-nos uns finos cornos esbranquiçados, iluminando ligeiramente<br />

a Terra. A iluminação solar cresce na Lua [15v]<br />

agora que ela chega à quadratura, e, na Terra, o reflexo da<br />

sua luz aumenta. À medida que o brilho da Lua se<br />

estende ainda mais, para além do semicírculo, as nossas<br />

noites brilham mais claras. Finalmente, toda a face da<br />

Lua que está voltada para a Terra é iluminada com uma<br />

luz muito brilhante que vem do Sol em oposição, e a<br />

superfície da Terra brilha por to<strong>das</strong> as partes, inundada<br />

pelo esplendor lunar. Depois, quando a Lua começa a<br />

decrescer, emite raios mais fracos na nossa direcção e a<br />

Terra é iluminada mais fracamente; e à medida que a Lua<br />

se aproxima da conjunção, a noite escura vem sobre a<br />

Terra. Nesta sequência, portanto, numa sucessão alternada,<br />

a luz lunar espalha sobre nós as suas iluminações<br />

mensais, umas vezes mais brilhantes, outras mais fracas.<br />

Mas o favor é retribuído da mesma maneira pela Terra,<br />

pois quando a Lua está sob o Sol, próximo <strong>das</strong> conjunções,<br />

ela está diante da superfície inteira do hemisfério da<br />

Terra exposta ao Sol e iluminada por raios vigorosos,<br />

recebendo luz reflectida dela. E, assim, por causa desta<br />

reflexão, o hemisfério inferior da Lua, embora destituído<br />

de luz solar, aparece com um brilho considerável. Quando<br />

a Lua está afastada do Sol por um quadrante, ela apenas<br />

vê uma metade iluminada do hemisfério terrestre, a saber,<br />

o ocidental, pois a outra, a metade oriental, está escurecida<br />

pela noite. A Lua é, pois, iluminada menos brilhantemente<br />

pela Terra, e a sua luz secundária aparece-nos por<br />

consequência mais fraca. Pois, se supusermos a Lua em<br />

oposição ao Sol, ela terá diante o hemisfério completamente<br />

tenebroso e coberto de noite escura da Terra<br />

situada a meio. Se, portanto, uma tal oposição se der na<br />

eclíptica 61, a Lua não receberá qualquer iluminação,<br />

ficando privada de ambas as radiações, solar e terrestre.<br />

Nas suas diferentes posições em relação ao Sol e à Terra,<br />

a Lua recebe mais ou menos luz da reflexão terrestre ao<br />

172


estar diante de uma parte maior ou menor do hemisfério<br />

terrestre iluminado. Pois as posições relativas desses dois<br />

globos são sempre tais que, quando a Terra está mais iluminada<br />

pela Lua, a Lua está menos iluminada pela Terra<br />

[16r] e více-versa. Sejam suficientes estas breves coisas que<br />

dissemos aqui acerca deste assunto. Diremos mais no<br />

nosso Sistema do Mundo 62 , onde, com muitos argumentos<br />

e experiências, demonstraremos a reflexão muito forte da<br />

luz solar pela Terra àqueles que defendem que a Terra<br />

deve ser excluída da dança <strong>das</strong> estrelas, especialmente porque<br />

não tem movimento nem luz. Mostraremos, pois,<br />

que ela é [um astro] errante e que ultrapassa a Lua em<br />

brilho, e que não é a lixeira da porcaria e detritos do universo<br />

63, e confirmaremos isto com inumeráveis 64 argumentos<br />

a partir da natureza.<br />

Até aqui discutimos as observações do corpo lunar.<br />

Vamos agora apresentar brevemente o que foi por nós<br />

observado até ao presente acerca <strong>das</strong> estrelas fixas. Em<br />

primeiro lugar, cumpre notar que, quando são observa<strong>das</strong><br />

por meio da luneta, as estrelas, quer fixas quer errantes,<br />

. não se vêem aumenta<strong>das</strong> na mesma proporção em que os<br />

outros objectos, e também a própria Lua, são aumentados.<br />

Nas estrelas esse aumento parece muito menor, de tal<br />

maneira que podeis acreditar que uma luneta capaz de<br />

multiplicar outros objectos, por exemplo, por uma razão<br />

de 100, quase só multiplica as estrelas por uma razão de<br />

quatro ou cinco. A razão para isto está em que, quando<br />

as estrelas são observa<strong>das</strong> à vista desarmada, não aparecem<br />

de acordo com o seu tamanho simples e, por assim dizer,<br />

nu, mas sim irradia<strong>das</strong> de um certo brilho e com uma<br />

cabeleira de raios brilhantes, especialmente quando a<br />

noite é já avançada. Por causa disto, parecem muito maiores<br />

do que se lhes fossem retira<strong>das</strong> essas cabeleiras empresta<strong>das</strong>,<br />

pois o ângulo visual é determinado não pelo corpo<br />

primário da estrela mas pelo brilho circundante. Talvez<br />

173


isto se perceba melhor [16v] a partir do seguinte: as estrelas,<br />

emergindo por entre as primeiras luzes no crepúsculo<br />

vespertino, mesmo se forem de primeira grandeza 65, aparecem<br />

muito pequenas, e até Vénus, se se nos apresenta<br />

ao meio-dia, é visto tão pequeno que mal parece igualar<br />

uma pequena estrela de última grandeza. As coisas são<br />

diferentes para outros objectos e para a própria Lua, que,<br />

quer seja observada ao meio dia ou na mais profunda<br />

escuridão, parece-nos sempre do mesmo tamanho. As<br />

estrelas vêem-se, por isso, raia<strong>das</strong> no meio da escuridão,<br />

mas a luz do dia pode rapá-las da sua cabeleira 66; e isso<br />

sucede não apenas com a luz do dia mas também com<br />

uma nuvem pequena e ténue que se interponha entre a<br />

estrela e o olho do observador. O mesmo efeito também<br />

se consegue com véus escuros ou vidros coloridos, que,<br />

interpondo-se e opondo-se, fazem com que o brilho<br />

envolvente abandone as estrelas. A luneta faz a mesma<br />

coisa, pois, primeiro, retira às estrelas o brilho emprestado<br />

e acidental e, depois, aumenta os seus globos simples (se<br />

de facto as suas figuras são globulares), e por isso parecem<br />

aumenta<strong>das</strong> por uma razão muito menor. Efectivamente,<br />

pequenas estrelas de quinta ou sexta grandeza parecem de<br />

primeira grandeza quando vistas pela luneta. o7<br />

A diferença entre a aparência dos planetas e <strong>das</strong><br />

estrelas fixas também parece digna de nota. Com efeito,<br />

os planetas apresentam os seus globos exactamente redondos<br />

e circulares, como pequenas luas, inteiramente cobertos<br />

de luz, ao passo que as estrelas fixas não aparecem de<br />

modo algum delimita<strong>das</strong> por contornos circulares mas, ao<br />

invés, como luminárias cintilando em toda a volta com<br />

raios brilhantes. Elas aparecem com a mesma forma<br />

quando são observa<strong>das</strong> com a luneta como com a vista<br />

desarmada, mas muito maiores, de tal maneira que uma<br />

pequena estrela de quinta ou sexta grandeza parece igual<br />

ao Cão, que é certamente a maior de to<strong>das</strong> as estrelas<br />

fixas. 6s [17r']<br />

174


Na verdade, com a luneta poderá ver-se uma tal<br />

multidão de outras estrelas abaixo da sexta grandeza, que<br />

escapam à vista desarmada, tão numerosa que é quase<br />

inacreditável, pois podem observar-se mais do que seis<br />

outras ordens de grandeza. As maiores destas, que podemos<br />

designar de sétima grandeza, ou primeira grandeza<br />

<strong>das</strong> invisíveis, mostram-se maiores e mais brilhantes com<br />

o auxílio da luneta do que as estrelas da segunda grandeza<br />

quando vistas a olho nu. Para que possam ver-se um ou<br />

dois exemplos da quase inconcebível multidão delas,<br />

decidi reproduzir dois asterismos, para que a partir desses<br />

exemplos se possa formar um julgamento acerca <strong>das</strong><br />

outras. No primeiro tinha decidido representar toda a<br />

constelação de Orionté 9 mas, vencido pela enorme multidão<br />

de estrelas e pela falta de tempo, diferi esse<br />

empreendimento para uma outra ocasião. Com efeito,<br />

dentro do limite de um ou dois graus existem e disseminam-se,<br />

em torno <strong>das</strong> antigas, mais de quinhentas 70 novas<br />

estrelas. Por esta razão, às três no cinturão de Orionte e<br />

às seis na sua espada que já foram observa<strong>das</strong> de há<br />

muito 71 adicionei oitenta, muito próximas, vistas recentemente,<br />

respeitando as suas distâncias tão rigorosamente<br />

quanto possível. Para que se distingam desenhei maiores<br />

as conheci<strong>das</strong> ou antigas, traçando os seus contornos com<br />

linhas duplas, e as outras invisíveis, menores, usando<br />

linhas simples. Também respeitei tanto quanto possível a<br />

diferença de tamanhos.<br />

No segundo exemplo, desenhei as seis estrelas do<br />

Touro chama<strong>das</strong> PLÊIADES (digo seis porque a sétima<br />

quase nunca aparece) conti<strong>das</strong> nos céus entre limites<br />

muito estreitos. 72 Perto destas encontram-se mais de quarenta<br />

outras estrelas invisíveis, nenhuma <strong>das</strong> quais afastada<br />

<strong>das</strong> seis antes menciona<strong>das</strong> mais do que meio grau. Assinalei<br />

apenas trinta e seis destas, respeitando as suas distâncias<br />

mútuas, os tamanhos, e a distinção entre antigas e<br />

novas, tal como no caso de Orionte.<br />

175


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Asterismo do cinturão e espada de Orionte<br />

176<br />

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Constelação <strong>das</strong> Plêiades<br />

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Aquilo que foi por nós observado em terceiro lugar<br />

foi a essência 73 ou matéria da própria Via IÁCTEA que,<br />

com auxílio da luneta, pode ser observada com os sentidos,<br />

de modo que to<strong>das</strong> as disputas que durante tantas<br />

gerações torturaram os filósofos são derimi<strong>das</strong> pela certeza<br />

visível, e nós somos libertados de argumentos palavrosos,14<br />

De facto, a GALÁXIA não é outra coisa senão um aglomerado<br />

de incontáveis estrelas reuni<strong>das</strong> em grupo. Para<br />

qualquer região que se aponte a luneta oferece-se logo à<br />

vista um enorme número de estrelas, muitas <strong>das</strong> quais<br />

parecem bastante grandes e conspícuas, mas a multidão<br />

<strong>das</strong> pequenas é verdadeiramente insondável.<br />

E como não é apenas na GAlÁXIA que se observa<br />

essa luminosidade leitosa, como uma nuvem esbranquiçada,<br />

mas muitas outras zonas de cor semelhante<br />

brilham tenuamente, dispersas por todo o éter, se se<br />

aponta uma luneta a qualquer uma delas, topa-se com<br />

uma [IBv'] densa multidão de estrelas. Além disso (e que<br />

é ainda mais notável), as estrelas que foram designa<strong>das</strong> de<br />

177


NEBULOSAS por todp, ,astrónomos até hoje são<br />

enxames de pequenas esr'. -L" reuni<strong>das</strong> de forma espantosa.<br />

Embora cada uma individualmente escape à nossa<br />

vista, por causa da sua pequenez ou da sua grande distância<br />

a nós, da junção dos seus raios nasce aquele brilho<br />

que até hoje se atribuía a uma parte mais densa dos céus,<br />

capaz de reflectir os raios <strong>das</strong> estrelas ou do Sol. Observámos<br />

algumas destas e queremos reproduzir os asterÍsmos<br />

de duas delas.<br />

No primeiro tem-se a NEBULOSA chamada Cabeça<br />

de Orionte, na qual contámos vinte e uma estrelas.<br />

Na segunda está a NEBULOSA chamada PRESÉ­<br />

PIO, que não é apenas uma única estrela mas a reunião<br />

de mais de quarenta pequenas estrelas. Além dos Aselos<br />

assinalámos trinta e seis estrelas, dispostas como segue: 75<br />

Nebulosa de Orionte<br />

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[19r'] Descrevemos brevemente as observações feitas, até<br />

agora, da Lua, <strong>das</strong> estrelas fixas e da GALÁXIA. Falta-nos<br />

revelar e divulgar aquilo que parece ser o mais importante<br />

da presente matéria: quatro PLANETAS nunca vistos<br />

desde o principio do mundo até aos nossos dias, as circunstâncias<br />

da sua descoberta e observação, as suas posições<br />

e as observações feitas nos últimos dois meses 76<br />

acerca dos seus deslocamentos e mudanças. E convoco<br />

todos os astrónomos a que se dediquem a investigar e a<br />

determinar os seus períodos, o que, por falta de tempo,<br />

não nos foi possível levar a cabo até agora. Contudo,<br />

advertimo-los novamente de que necessitarão de uma<br />

luneta muito precisa, como a que descrevemos no princípio<br />

deste nosso relato, se não arriscam-se a empreender<br />

essa investigação em vão.<br />

Assim, então, no sétimo dia de Janeiro do presente<br />

ano de <strong>1610</strong>, na primeira hora da noite 77, quando eu<br />

examinava os astros do céu através da luneta, Júpiter<br />

mostrou-se, e, como me tinha munido de um instrumento<br />

excelente, vi (o que não tinha acontecido antes<br />

devido à fraqueza do outro instrumento) que três pequenas<br />

estrelas estavam perto dele - pequenas, mas muito<br />

brilhantes. Embora achasse que eram do número <strong>das</strong><br />

estrelas fixas, apesar de tudo intrigaram-me, pois pareciam<br />

estar dispostas exactamente ao longo de uma linha recta<br />

paralela à eclíptica, e ser mais brilhantes do que as outras<br />

da mesma gtandeza. A sua disposição entre si e em relação<br />

a Júpiter era a seguinte:<br />

Ori.<br />

* O *<br />

Occ.<br />

[19v'] Isto é, duas estrelas estavam no lado Este e uma,<br />

no Oeste; a mais oriental e a ocidental pareciam um<br />

pouco maiores do que a outra. Não me preocupei mini-<br />

179


mamente com a distância entre elas e Júpiter, pois, como<br />

já disse antes, achei que eram estrelas fixas. Mas quando,<br />

no oitavo [dia] voltei a estas observações, guiado não sei<br />

por que destino 78, encontrei um arranjo muito diferente.<br />

As três pequenas estrelas estavam to<strong>das</strong> para o Oeste de<br />

Júpiter, achando-se mais perto umas <strong>das</strong> outras do que na<br />

noite anterior, separa<strong>das</strong> por intervalos iguais, como se<br />

mostra no desenho seguinte:<br />

Od.<br />

o * * *<br />

Oec.<br />

Aqui, embora não tivesse de maneira nenhuma virado o<br />

meu pensamento para a aproximação mútua dessas estrelas,<br />

comecei, no entanto, a ficar intrigado por que razão<br />

Júpiter podia estar para Leste <strong>das</strong> ditas estrelas fixas<br />

quando no dia anterior ele estava para Oeste de duas<br />

delas. Suspeitei que talvez, contrariamente aos cálculos<br />

astronómicos, o seu movimento fosse directo e que, por<br />

essa razão, tivesse ultrapassado essas estrelas com o seu<br />

movimento próprioJ9 Por isso esperei impacientemente<br />

pela noite seguinte. Mas fiquei desapontado na minha<br />

esperança pois o céu estava totalmente coberto com<br />

nuvens.<br />

Mas no décimo dia as estrelas apareceram dispostas<br />

do seguinte modo relativamente a Júpiter:<br />

Od.<br />

* * O<br />

Oec.<br />

Estavam ao seu lado apenas duas, ambas para a parte<br />

oriental; a terceira, segundo me pareceu, estava oculta por<br />

Júpiter. Estavam igualmente como antes em linha recta<br />

180


com Júpiter e localiza<strong>das</strong> exactamente segundo a longitude<br />

do Zodíaco. Tendo visto estas coisas e porque não<br />

me era possível de maneira nenhuma atribuir semelhantes<br />

mutações a Júpiter [20r'] e porque, além disso, me dei<br />

conta de que eram sempre as mesmas estrelas (pois<br />

nenhumas outras, quer precedendo, quer seguindo Júpiter,<br />

estavam presentes ao longo do Zodíaco por uma<br />

grande distância), mudei desde aí a minha perplexidade<br />

em admiração, concluindo que a permutação aparente<br />

tinha a sua origem não em Júpiter, mas nas ditas estrelas.<br />

Por esta razão decidi continuar daí em diante as observações<br />

com mais exactidão e rigor.<br />

Foi assim que, no dia décimo primeiro, vi a seguinte<br />

disposição:<br />

Ori,<br />

* * o Oec:.<br />

Estavam apenas duas estrelas orientais, <strong>das</strong> quais a do<br />

meio distava três vezes mais de Júpiter do que da mais<br />

oriental. E a mais oriental era cerca de duas vezes maior<br />

do que a outra, enquanto na noite anterior elas haviam<br />

aparecido aproximadamente iguais. Então, estabeleci e<br />

determinei, sem a mais pequena dúvida, que existiam no<br />

céu três estrelas errantes em torno de Júpiter, como<br />

Vénus e Mercúrio em torno do Sol. Isto acabou por ser<br />

constatado com uma clareza meridiana por muitas observações<br />

posteriores; e que não eram apenas três mas sim<br />

quatro astros errantes, fazendo as suas revoluções em<br />

torno de Júpiter. O relato que segue apresentará as<br />

mudanças nas suas posições, rigorosamente determina<strong>das</strong><br />

e sem interrupções. Também medi as distâncias entre elas<br />

com a luneta, pelo processo explicado adma. Juntei, além<br />

disso, as horas <strong>das</strong> observações, especialmente quando<br />

181


foram feitas mais do que uma na mesma noite, pois as<br />

revoluções destes planetas são tão céleres que é geralmente<br />

possível aperceber diferenças de hora em hora.<br />

Assim, no décimo segundo dia, na primeira hora da<br />

noite, vi os astros dispostos desta maneira:<br />

Ori.<br />

o cc.<br />

A estrela mais oriental [20v'] era maior do que a mais<br />

ocidental, mas ambas eram muito conspícuas e brilhantes.<br />

Uma e outra estavam dois minutos afasta<strong>das</strong> de Júpiter.<br />

Na terceira hora começou também a aparecer uma terceira<br />

pequena estrela, que antes não se via, que quase<br />

tocava Júpiter no lado Este e era muito diminuta. To<strong>das</strong><br />

estavam na mesma linha recta e alinha<strong>das</strong> ao longo da<br />

eclíptica.<br />

No décimo tercei to dia, pela primeira vez, foram vistas<br />

por mim quatro pequenas estrelas, na seguinte disposição<br />

relativamente a Júpiter:<br />

Oti.<br />

Occ;<br />

Três estavam a Oeste e uma, a Este. Formavam uma<br />

linha quase recta, mas a estrela no meio <strong>das</strong> ocidentais<br />

estava um pouco desviada para norte da linha recta. A<br />

mais oriental estava dois minutos afastada de Júpiter; os<br />

intervalos entre as restantes estrelas e Júpiter eram de<br />

apenas um minuto. To<strong>das</strong> estas estrelas exibiam o mesmo<br />

tamanho e, embora pequenas, eram, apesar de tudo,<br />

muito brilhantes, muito mais luminosas do que as estrelas<br />

fixas do mesmo tamanho.<br />

182


No décimo quarto dia o tempo estava nebuloso.<br />

No décimo quinto dia, à terceira hora da noite, as<br />

quatro estrelas estavam dispostas relativamente a Júpiter<br />

como na figura seguinte:<br />

Ori.<br />

o *<br />

Occ.<br />

Estavam to<strong>das</strong> para Oeste, dispostas aproximadamente<br />

numa linha recta, excepto que a terceira contada a partir<br />

de Júpiter estava um pouco [21r'] elevada para o Norte.<br />

A mais próxima de Júpiter era a mais pequena de to<strong>das</strong>,<br />

e as outras apareciam sucessivamente maiores. Os intervalos<br />

entre Júpiter e as seguintes três estrelas eram todos<br />

iguais e de dois minutos; mas a mais ocidental estava a<br />

quatro minutos da sua mais próxima. Eram muito brilhantes<br />

e não cintilavam, como sempre apareceram, quer<br />

antes, quer depois. Mas à sétima hora estavam presentes<br />

apenas três estrelas, nesta disposição com Júpiter:<br />

Od.<br />

o * * *<br />

Occ.<br />

Isto é, estavam perfeitamente alinha<strong>das</strong>. A mais próxima<br />

de Júpiter era muito pequena e afastada dele três minutos;<br />

a segunda estava um minuto afastada desta; e a terceira<br />

da segunda quatro minutos e trinta segundos. Pas:..<br />

sada uma hora, contudo, as duas pequenas estrelas no<br />

meio estavam ainda mais próximas, distando uma da<br />

outra por apenas trinta segundos.<br />

No décimo sexto dia, à primeira hora da noite,<br />

vimos três estrelas dispostas na seguinte ordem:<br />

183


Ori.<br />

*<br />

O cc.<br />

Duas flanqueavam Júpiter, afasta<strong>das</strong> dele, em cada lado,<br />

quarenta segundos BO, e a terceira estava a oito minutos de<br />

Júpiter no Oeste. As mais próximas de Júpiter pareciam<br />

ser não maiores, mas mais brilhantes do que a mais afastada.<br />

No décimo sétimo dia, trinta minutos após o ocaso,<br />

a configuração era a seguinte:<br />

Ori.<br />

* O *<br />

O cc.<br />

Havia apenas uma estrela no Oriente, [21v'] a três minutos<br />

de Júpiter. De maneira análoga, havia outra a onze<br />

minutos de Júpiter, para o O!=ste. A oriental aparecia duas<br />

vezes maior do que a ocidental, e não havia mais do que<br />

estas duas. Mas passa<strong>das</strong> quatro horas, na verdade quase à<br />

quinta hora da noite, começou a emergir uma terceira no<br />

lado oriental, que, suspeito, tinha antes estado unida com<br />

a primeira. A disposição era a seguinte:<br />

Ori.<br />

** o * Occ.<br />

A estrela do meio, muito próxima da oriental, estava apenas<br />

a vinte segundos dela, e estava desviada um pouco<br />

para Sul da linha recta traçada pelas estrelas mais exteriores<br />

e por Júpiter.<br />

No décimo oitavo dia, vinte minutos após o pôr do<br />

sol, a disposição era a seguinte:<br />

184


Ori.<br />

* o * Occ.<br />

A estrela oriental era maior do que a ocidental e estava<br />

oito minutos afastada de Júpiter, enquanto a estrela ocidental<br />

estava a dez minutos de Júpiter.<br />

No décimo nono dia, à segunda hora da noite, este<br />

era o arranjo <strong>das</strong> estrelas:<br />

Od.<br />

* o * *<br />

Occ.<br />

Estavam, portanto, três estrelas precisamente em linha<br />

recta com Júpiter; a única [estrela] oriental distava de<br />

Júpiter seis minutos; entre Júpiter e a primeira para o<br />

ocidente havia um intervalo de cinco minutos, enquanto<br />

esta estrela estava quatro minutos afastada da mais<br />

ocidental. Nesta altura, eu não tinha a certeza se entre<br />

a estrela oriental e Júpiter havia uma pequena estrela,<br />

muito perto de Júpiter, quase que tocando-o. Na quinta<br />

hora, porém, vi claramente esta [22r t ] pequena estrela,<br />

ocupando agora um lugar precisamente a meio entre<br />

Júpiter e a estrela oriental, de maneira que a configuração<br />

era assim:<br />

Oli.<br />

* • O * *<br />

Occ.<br />

Além disso, esta estrela observada em último lugar era<br />

muito pequena; todavia, pela hora sexta, tinha quase a<br />

mesma grandeza que as outras.<br />

185


No vigésimo dia, à uma hora e qumze minutos, foi<br />

observado um arranjo deste tipo:<br />

Oc


No vigésimo primeiro dia, às zero horas e trinta<br />

minutos, estavam três estrelas pequenas para Leste, igualmente<br />

espaça<strong>das</strong> umas <strong>das</strong> outras e de Júpiter.<br />

Ori.<br />

O CC'.<br />

Estimei os intervalos em cinquenta segundos. Havia também<br />

uma estrela para Oeste, a quatro minutos de Júpiter.<br />

A que estava mais próximo de Júpiter do lado oriental era<br />

a menor de to<strong>das</strong>. As outras eram um pouco maiores e<br />

.. .<br />

quase 19uals entre SI.<br />

No vigésimo segundo dia, à hora segunda, a configuração<br />

<strong>das</strong> estrelas era deste tipo:<br />

OrL<br />

* *<br />

O cC'.<br />

A distância da [estrela] oriental a Júpiter era de cinco<br />

minutos; a distância de Júpiter à mais ocidental era de<br />

sete minutos. As duas estrelas ocidentais do meio estavam<br />

a quarenta segundos uma da outra, estando a mais próxima<br />

de Júpiter a um minuto dele. As pequenas estrelas<br />

no meio eram menores do que as dos extremos e estavam<br />

na mesma linha traçada ao longo do Zodíaco, excepto<br />

que <strong>das</strong> três ocidentais a do meio estava ligeiramentedesviada<br />

para o Sul. Mas na sexta hora da noite apareceram<br />

neste arranjo:<br />

O ri. .. o * 'N


A oriental era muito pequena e, como antes, distava cinco<br />

minutos de Júpiter. As três ocidentais estavam igualmente<br />

afasta<strong>das</strong> de Júpiter e entre si, com intervalos de cerca um<br />

minuto e vinte segundos cada; [23r'] a estrela mais próxima<br />

de Júpiter aparecia menor do que as outras duas<br />

que se seguiam; e to<strong>das</strong> pareciam estar exactamente ao<br />

longo da mesma linha recta.<br />

No vigésimo terceiro dia, quarenta minutos depois<br />

do ocaso, a configuração <strong>das</strong> estrelas era esta:<br />

Od.<br />

* * O *<br />

O cC'.<br />

Estavam três estrelas alinha<strong>das</strong> com Júpiter ao longo do<br />

Zodíaco, como sempre tinham aparecido; duas encontravam-se<br />

para oriente e apenas uma para ocidente. A mais<br />

oriental estava a sete minutos da seguinte, e esta a dois<br />

minutos e quarenta segundos de Júpiter, e Júpiter a três<br />

minutos e vinte segundos da ocidental. Eram to<strong>das</strong> aproximadamente<br />

da mesma grandeza. Mas na quinta hora, as<br />

duas estrelas que antes estavam mais próximas de Júpiter<br />

já não eram visíveis, escondendo-se, em minha opinião,<br />

atrás de Júpiter; a disposição era esta:<br />

Oti.<br />

* O<br />

O cC'.<br />

No vigésimo quarto dia foram observa<strong>das</strong> três estrelas,<br />

to<strong>das</strong> para o lado Leste, e aproximadamente na mesma<br />

linha recta com Júpiter, pois a do meio desviava-se ligeiramente<br />

para o Sul. A estrela mais próxima de Júpiter<br />

estava a dois minutos dele, a seguinte a trinta segundos<br />

188


desta, e a mais oriental a nove minutos daquela; e to<strong>das</strong><br />

eram muito brilhantes.<br />

Oei.<br />

* ** O<br />

Oct'.<br />

Mas à hora sexta só se divisavam duas, neste arranjo:81<br />

Oei.<br />

* o Oct'.<br />

[23v'] isto é, precisamente numa linha recta com Júpiter,<br />

do qual a mais próxima estava afastada três minutos<br />

enquanto a outra estava a oito minutos desta. Se não<br />

estou em erro, as duas estrelas do meio observa<strong>das</strong> antes<br />

tinham.:.se unido numa só.<br />

No vigésimo quinto dia, à uma hora e quarenta<br />

minutos, a formação era a seguinte:<br />

Oei.<br />

* * o Oct'.<br />

Havia, com efeito, apenas duas estrelas para o lado oriental,<br />

sendo elas bastante grandes. A mais oriental estava a<br />

cinco minutos da do meio, e a do meio, a seis minutos<br />

de Júpiter.<br />

No vigésimo sexto dia, às zero horas e quarenta<br />

minutos, o arranjo <strong>das</strong> estrelas era assim:<br />

Oei. *<br />

* o *<br />

189<br />

Oct'.


Viam-se realmente três estrelas <strong>das</strong> quais duas estavam<br />

para Leste e a terceira para Oeste de Júpiter. Esta última<br />

estava a cinco minutos dele, enquanto a oriental do meio<br />

estava a cinco minutos e vinte segundos dele. A mais<br />

oriental estava a seis minutos da do meio. Estavam dispostas<br />

numa mesma linha recta e eram da mesma grandeza.<br />

Seguidamente, na hora quinta, a disposição era<br />

quase a mesma, diferindo apenas nisto, que perto de<br />

Júpiter uma quarta estrela havia aparecido no Leste,<br />

menor do que as outras, e então afastada trinta segundos<br />

de Júpiter, mas ligeiramente elevada para o Norte acima<br />

da linha recta, como se vê na figura junta:<br />

Oei.<br />

* * *0 * o cc.<br />

No vigésimo sétimo dia, uma hora depois do ocaso, apenas<br />

se divisava uma [24r'] pequena estrela que estava para<br />

o Leste, nesta configuração: .<br />

Od. o o cc.<br />

Era verdadeiramente pequena e distante de Júpiter sete<br />

minutos.<br />

No vigésimo oitavo e vigésimo nono dias, não foi<br />

possível observar nada por causa da interposição <strong>das</strong><br />

nuvens.<br />

No trigésimo dia, à primeira hora da noite, viram-se<br />

as estrelas dispostas desta maneira: 82<br />

Od.<br />

* O *. o cc.<br />

190


Uma estava para Leste, a dois minutos e trinta segundos<br />

de Júpiter, e duas estavam para Oeste, <strong>das</strong> quais a mais<br />

próxima de Júpiter estava a três minutos dele e a outra a<br />

um minuto desta. As estrelas mais exteriores e Júpiter<br />

estavam dispostas numa linha recta, mas a estrela do meio<br />

estava ligeiramente elevada para Norte; a mais ocidental<br />

era menor do que as outras.<br />

No último dia [de Janeiro], na segunda hora, apareceram<br />

duas estrelas para o Leste e uma para Oeste:<br />

Oei.<br />

** O<br />

o cc.<br />

A estrela no meio <strong>das</strong> orientais estava a dois minutos e<br />

vinte segundos de Júpiter; a mais oriental a trinta segundos<br />

da do meio. A estrela ocidental estava a dez minutos<br />

de Júpiter. Estavam aproximadamente na mesma linha<br />

recta, estando apenas a oriental, mais perto de Júpiter,<br />

ligeiramente elevada para Norte. Mas à quarta hora as<br />

duas mais orientais estavam ainda mais próximas uma da<br />

outra:<br />

Oei. O *<br />

o cc.<br />

[24v'] Estavam, com efeito, apenas distancia<strong>das</strong> de vinte<br />

segundos. Nestas observações a estrela ocidental aparecia<br />

muito pequena.<br />

No primeiro dia de Fevereiro, à segunda hora da<br />

noite, a formação era a seguinte:<br />

Oei.<br />

*<br />

~O * o ce.<br />

191


A estrela mais oriental estava a seis minutos de Júpiter e<br />

a ocidental a oito [minutos]. Para o Leste, uma estrela<br />

muito pequena estava vinte segundos afastada de Júpiter.<br />

Traçavam uma linha perfeitamente recta.<br />

No segundo dia [de Fevereiro], as estrelas apareciam<br />

nesta ordem:<br />

Oei. * o *<br />

* Occ.<br />

Uma estrela única no Leste estava a seis minutos de J úpiter;<br />

Júpiter estava afastado quatro minutos da mais próxima<br />

no Oeste; e en tre esta e a estrela mais ocidental<br />

havia um intervalo de oito minutos. Estavam precisamente<br />

numa mesma linha recta e eram quase da mesma<br />

grandeza. Mas à sétima hora havia quatro estrelas, entre<br />

as quais Júpiter ocupava a posição do meio:<br />

Oei.<br />

* *0 *<br />

* Occ.<br />

A mais oriental destas estrelas estava quatro minutos afastada<br />

da seguinte, esta um minuto e quarenta segundos de<br />

Júpiter; Júpiter distava seis minutos da ocidental mais<br />

perto dele, e esta, oito minutos da mais ocidental. Estavam<br />

to<strong>das</strong> juntas ao longo da mesma linha recta traçada<br />

ao longo do Zodíaco.<br />

No terceiro dia [de Fevereiro], à sétima hora, as<br />

estrelas estavam dispostas nesta sequência:<br />

Ori.<br />

192<br />

*<br />

Occ.


A oriental estava a um minuto e trinta segundos de Júpiter,<br />

a ocidental mais próxima [25r'] a dois minutos; e a<br />

outra ocidental estava dez minutos afastada desta. Estavam<br />

precisamente na mesma linha recta e eram de igual<br />

grandeza.<br />

No quarto dia, à segunda hora, havia quatro estrelas<br />

em torno de Júpiter, duas orientais e duas ocidentais, dispostas<br />

exactamente numa mesma linha recta, como na<br />

figura junta.<br />

Od.<br />

* ~O * *<br />

o ce.<br />

A mais oriental distava três minutos da seguinte,<br />

enquanto esta estava a quarenta segundos de Júpiter;<br />

Júpiter estava a quatro minutos da ocidental mais próxima,<br />

e esta, a seis minutos da mais ocidental. As suas<br />

grandezas eram aproximadamente iguais; a que estava<br />

mais perto de Júpiter parecia um pouco menor do que as<br />

outras. Mas à sétima hora as estrelas orientais estavam<br />

apenas afasta<strong>das</strong> [entre elas] trinta segundos.<br />

Od.<br />

** O * *<br />

O ce.<br />

Júpiter estava a dois minutos da [estrela] oriental mais<br />

próxima e a quatro minutos da [estrela] ocidental<br />

seguinte, e esta estava a três minutos da mais ocidental de<br />

to<strong>das</strong>. Eram to<strong>das</strong> iguais e estavam dispostas numa<br />

mesma linha recta traçada ao longo da eclíptica.<br />

No quinto dia o céu estava enevoado.<br />

No sexto dia, apareciam apenas duas estrelas a flanquear<br />

Júpiter, como se vê na figura junta:<br />

193


Od.<br />

* o *<br />

Oec.<br />

(25v'] A [estrela] oriental estava a dois minutos de Júpiter<br />

e a ocidental a três minutos. Estavam numa mesma<br />

linha com Júpiter e eram de igual grandeza.<br />

No sétimo dia, havia duas estrelas perto de Júpiter,<br />

ambas para Leste, dispostas da seguinte maneira:<br />

Od.<br />

Oec.<br />

Os intervalos entre elas e com Júpiter eram iguais, a<br />

saber, de um minuto, e uma linha recta passava por elas<br />

e pelo centro de Júpiter.<br />

No oitavo dia, à primeira hora, estavam presentes<br />

três estrelas, to<strong>das</strong> para Leste, como na figura:<br />

Oli. -o<br />

Oec.<br />

A (estrela] mais prOXlma de Júpiter, bastante pequena,<br />

estava a um minuto e vinte segundos afastada dele; a<br />

[estrela] do meio estava a quatro minutos desta e era bastante<br />

grande; e amais oriental, muito diminuta, estava a<br />

vinte segundos desta última. Não conseguia determinar se<br />

a mais próxima de Júpiter seria apenas uma ou duas<br />

pequenas estrelas, pois parecia-me, por vezes, que havia<br />

outra estrela perto dela, para o Leste, excessivamente<br />

pequena e separada dela por apenas dez segundos. Estavam<br />

to<strong>das</strong> dispostas na mesma linha recta ao longo do<br />

Zodíaco. Mas, na hora terceira, a estrela mais próxima de<br />

194


Júpiter quase o tocava. Estava apenas a dez segundos dele,<br />

enquanto as outras se tinham afastado de Júpiter, estando<br />

a do meio a seis minutos de Júpiter. Finalmente, na<br />

quarta hora, aquela que antes estava mais próxima de<br />

Júpiter, agora não se via, por estar unida com ele.<br />

No nono dia, às zero horas e trinta minutos, estavam<br />

duas estrelas perto de Júpiter [26r'] para o Leste, e uma<br />

para o Oeste, nesta formação:<br />

OrL •<br />

* o • Oe".<br />

A [estrela] mais oriental, que era bastante pequena, estava a<br />

quatro minutos da seguinte; a do meio, maior, estava sete<br />

minutos afastada de Júpiter; Júpiter estava quatro minutos<br />

afastado da estrela ocidental, que era pequena.<br />

No décimo dia, à uma hora e trinta minutos, duas<br />

estrelas muito pequenas, ambas para Leste, foram vistas<br />

nesta disposição:<br />

Ori. • -o Oe".<br />

A mais afastada estava a dez minutos de Júpiter e a<br />

mais próxima, a vinte segundos, e situavam-se na mesma<br />

linha recta. Mas, na quarta hora, a estrela mais próxima<br />

de Júpiter já não aparecia e a outra apareceu tão diminuída<br />

que mal se conseguia divisar, embora o ar estivesse<br />

muito límpido e estivesse mais distante de Júpiter do que<br />

antes, pois estava agora afastada doze minutos.<br />

No décimo primeiro dia, à primeira hora, estavam<br />

presentes duas estrelas para o Leste e uma para o Oeste.<br />

195


Ori. *<br />

* o * Oe('.<br />

A ocidental estava a quatro minutos de Júpiter; a oriental<br />

mais próxima estava igualmente a quatro minutos de<br />

Júpiter, enquanto a mais oriental estava a oito minutos<br />

desta. Eram bastante visíveis e estavam na mesma linha<br />

recta. Mas na terceira hora apareceu a oriente uma quarta<br />

estrela, perto de Júpiter, menor do que as outras, separada<br />

de Júpiter trinta segundos<br />

Ori.<br />

* * -o * Oe('.<br />

[26v'] e ligeiramente desviada para Norte da linha recta<br />

traçada pelas outras estrelas. Eram to<strong>das</strong> muito brilhantes<br />

e bem visíveis. Mas na quinta hora e meia a estrela oriental<br />

mais próxima de Júpiter, tendo-se afastado dele, tinha<br />

alcançado uma posição no meio entre ele e a estrela mais<br />

oriental sua vizinha. E estavam to<strong>das</strong> precisamente ao<br />

longo da mesma linha recta e eram da mesma grandeza,<br />

como se pode ver na figura aqui:<br />

Ori.<br />

* * * O *<br />

Oe('.<br />

No décimo segundo dia, às zero horas e quarenta minu-.<br />

tos, apareciam duas estrelas para Leste e, igualmente, duas<br />

para Oeste:<br />

Ori.<br />

* * Oe('.<br />

196


A estrela oriental mais afastada estava a dez minutos<br />

de Júpiter enquanto a mais remota para Oeste estava afastada<br />

oito minutos. Eram ambas muito conspícuas. As<br />

outras duas estrelas estavam muito perto de Júpiter e<br />

eram muito pequenas, especialmente a mais oriental, que<br />

estava a quarenta segundos de Júpiter, enquanto a ocidental<br />

estava a um minuto. Mas na quarta hora, a pequena<br />

estrela que estava próxima de Júpiter para o Leste já não<br />

aparecIa.<br />

No décimo terceiro dia, às zero horas e trinta minutos,<br />

viam-se duas estrelas para o Leste e também duas<br />

para o Oeste.<br />

Od.<br />

* O "'*<br />

o CC'.<br />

A estrela oriental mais próxima de Júpiter, bastante visível,<br />

estava a dois minutos dele, e a mais oriental, menos<br />

aparente, estava quatro minutos afastada desta. Das ocidentais,<br />

[27 r'] a mais afastada de Júpiter, que era bem<br />

visível, estava separada dele por quatro minutos. Entre ela<br />

e Júpiter aparecia uma pequena estrelinha mais perto da<br />

estrela mais ocidental, pois não estava a mais de trinta<br />

segundos dela. Estavam to<strong>das</strong> precisamente numa mesma<br />

linha recta, ao longo do Zodíaco.<br />

No décimo quinto dia (pois no décimo quarto o céu<br />

esteve coberto de nuvens), à primeira hora, a posição <strong>das</strong><br />

estrelas era assim:<br />

Oei.<br />

*"'0<br />

O cc.<br />

Havia, portanto, três estrelas para o Leste, mas nenhuma<br />

se via a Oeste. A estrela oriental mais perto de Júpiter<br />

197


estava a cinquenta segundos dele, a seguinte estava a vinte<br />

segundos desta, e a estrela mais oriental, a dois minutos<br />

desta última e era maior do que as outras, pois as duas<br />

mais próximas de Júpiter eram muitíssimo pequenas. Mas<br />

por volta da hora quinta só se via uma <strong>das</strong> estrelas perto<br />

de Júpiter, afastada dele trinta segundos:<br />

Ori.<br />

* -o o cc.<br />

A elongação da [estrela] mais oriental em relação a Júpiter<br />

aumentara, pois era então quatro minutos. Mas na<br />

hora sexta, além <strong>das</strong> duas coloca<strong>das</strong> para Leste, como acabámos<br />

de dizer, via-se uma pequena estrela, muitíssimo<br />

minúscula, para o lado Oeste, afastada dois minutós de<br />

Júpiter:<br />

Od.<br />

*<br />

o cc.<br />

No décimo sexto dia, à sexta hora, estavam na disposição<br />

seguinte:<br />

Od. * o * *<br />

o cc.<br />

A saber, a estrela mais oriental estava sete minutos afastada<br />

[27v'] de Júpiter; Júpiter estava a cinco minutos da<br />

estrela seguinte para o Oeste, e esta, a três minutos<br />

da última a Oeste. Eram to<strong>das</strong> sensivelmente da mesma<br />

grandeza, bastante visíveis e exactamente na mesma linha<br />

traçada ao longo do Zodíaco.<br />

198


No décimo sétimo dia, à primeira hora, estavam presentes<br />

duas estrelas, uma oriental, a três minutos de Júpiter,<br />

e outra ocidental distanciada dez minutos. Esta<br />

[estrela) era algo menor do que a oriental:<br />

Ori..<br />

* o • Oee.<br />

Mas na sexta hora a oriental aproximara-se de Júpiter,<br />

estando apenas a cinquenta segundos distante dele,<br />

enquanto a [estrela) ocidental estava mais longe, isto é, a<br />

doze minutos. Numa e noutra observação estavam na<br />

mesma linha e ambas eram bastante pequenas, especialmente<br />

a que estava para Leste na segunda observação.<br />

No dia 18, à primeira hora, estavam presentes três<br />

estrelas, <strong>das</strong> quais duas ocidentais e uma oriental:<br />

Ori.<br />

* o *- *<br />

Oee.<br />

A estrela oriental estava a três minutos de Júpiter, a ocidental,<br />

mais próxima a dois minutos, e a outra estrela<br />

mais ocidental estava a oito minutos da do meio. To<strong>das</strong><br />

estavam precisamente na mesma linha recta e tinham<br />

aproximadamente a mesma grandeza. Mas à segunda hora<br />

as estrelas mais próximas de Júpiter estavam afasta<strong>das</strong> por<br />

espaços iguais pois a ocidental estava agora três minutos<br />

afastada dele. Mas na sexta hora apareceu uma quarta<br />

pequena estrela entre a mais oriental e Júpiter, na configuração<br />

seguinte:<br />

Ori.<br />

* * * Oce.<br />

199


A estrela mais oriental estava a três minutos da seguinte,<br />

[28r'] e esta estava a um minuto e cinquenta segundos<br />

de Júpiter; Júpiter estava a três minutos da estrela oci-<br />

. dental seguinte, e esta a sete minutos da estrela mais<br />

ocidental. Eram to<strong>das</strong> quase iguais, apenas a oriental<br />

perto de Júpiter era um pouco menor do que as outras, e<br />

estavam to<strong>das</strong> na mesma linha recta paralela à eclíptica.<br />

No dia 19, às zero horas e quarenta minutos, viam­<br />

-se apenas duas estrelas, bastante grandes, para o lado<br />

Oeste de Júpiter, precisamente alinha<strong>das</strong> com Júpiter na<br />

mesma linha traçada ao longo da eclíptica:<br />

Od.<br />

o * *<br />

Oee.<br />

A [estrela] mais próxima de Júpiter estava a sete minutos<br />

dele e a seis minutos da estrela mais ocidental.<br />

No dia 20, o céu estava enevoado.<br />

No dia 21, à uma hora e trinta minutos, observavam-se<br />

três pequenas estrelas, muito diminutas, na<br />

seguinte disposição:<br />

Oei.<br />

o Occ.<br />

A [estrela] oriental estava a dois minutos de Júpiter, Júpiter,<br />

a três minutos da seguinte estrela ocidental, e esta, a<br />

sete minutos da mais ocidentaL Estavam precisamente na<br />

mesma linha recta, paralela à eclíptica.<br />

No dia 25, à uma hora e trinta minutos (pois<br />

durante as três noites anteriores o céu esteve coberto de<br />

nuvens), apareceram três estrelas,<br />

Oei. • .. o o cC' •<br />

200


duas para Leste, cujas distâncias entre elas e Júpiter eram<br />

iguais [28v'] a quatro minutos. A Oeste havia uma única<br />

estrela, a dois minutos de Júpiter. Estavam precisamente<br />

numa mesma linha recta, ao longo da eclíptica.<br />

No dia 26, às zero horas e trinta minutos, só havia<br />

duas estrelas, uma para Leste a d'::Z minutos de Júpiter e<br />

a outra para o Oeste, afastada seis minutos:<br />

Oei.<br />

o *<br />

Oe,".<br />

A [estrela] oriental era algo menor do que a ocidental.<br />

Mas à quinta hora apareceram três estrelas. Além <strong>das</strong> duas<br />

já assinala<strong>das</strong>, divisava-se uma terceira, perto de Júpiter,<br />

Orá.<br />

*<br />

Oe,".<br />

para o Oeste, muito pequena, que antes tinha estado<br />

oculta atrás de Júpiter, e que estava a um minuto dele. A<br />

[estrela] oriental aparecia mais afastada do que antes, isto<br />

é, estava agora a onze minutos de Júpiter. Nesta noite foi<br />

possível observar, pela primeira vez, o avanço de Júpiter e<br />

dos seus planetas adjacentes ao longo do Zodíaco, tendo<br />

por referência uma estrela fixa; observava-se, com efeito,<br />

uma estrela fixa a Leste, a onze minutos do planeta mais<br />

oriental e algo deslocada para o Sul, do seguinte modo:<br />

Orá.<br />

o- *<br />

* fixa<br />

201


No dia 27, à uma hora e quarenta minutos,83 as estrelas<br />

apareceram nesta configuração: 84<br />

Od.<br />

* **<br />

O cC'.<br />

* fixa<br />

A [estrela] mais oriental estava a dez minutos de Júpiter,<br />

a estrela seguinte, perto de Júpiter, a trinta segundos; a<br />

ocidental seguinte estava (29r'] a dois minutos e trinta<br />

segundos de Júpiter, e a estrela mais ocidental estava distante<br />

desta um minuto. As estrelas mais perto de Júpiter<br />

apareciam pequenas, especialmente a oriental, enquanto as<br />

estrelas mais exteriores eram muito visíveis, especialmente<br />

a ocidental. Formavam uma linha recta traçada exactamente<br />

ao longo da eclíptica. O avanço destes planetas<br />

para o Leste discernia-se claramente pela comparação com<br />

a já referida estrela fixa. De facto, Júpiter, com o seu cortejo<br />

de planetas, aproximava-se dela, como pode ser visto<br />

na figura junto. Mas, à quinta hora, a estrela oriental<br />

mais perto de Júpiter estava um minuto afastada dele.<br />

No dia 28, à primeira hora, só se viam duas estrelas,<br />

uma oriental, a nove minutos de Júpiter, e uma ocidental<br />

a dois minutos dele. Eram razoavelmente conspícuas e<br />

encontravam-se numa mesma linha recta. Esta linha era<br />

intersectada perpendicularmente por uma linha da estrela<br />

fixa ao planeta oriental, como se mostra na figura:<br />

Od.<br />

* o *<br />

o cC'.<br />

* fixa<br />

202


Mas à quinta hora distinguia-se uma terceira pequena<br />

estrela, para Leste, afastada de Júpiter dois minutos,<br />

numa disposição deste tipo:<br />

Od.<br />

* * O *<br />

Oce.<br />

No primeiro dia de Março, às zero horas e quarenta<br />

minutos, avistavam-se quatro estrelas, [29v'] to<strong>das</strong> a Leste.<br />

A mais próxima de Júpiter estava a dois minutos dele, a<br />

seguinte, a um minuto desta, e a terceira, a vinte segundos,<br />

e era mais brilhante do que as outras. Desta, finalmente,<br />

a mais oriental estava a quatro minutos e era<br />

menor do que as outras:<br />

Ori. * ... O O ce.<br />

Formavam aproximadamente uma linha recta excepto que<br />

a terceira estrela a partir de Júpiter estava ligeiramente<br />

elevada. A estrela fixa formava um triângulo equilátero<br />

com Júpiter e com a estrela mais oriental, como se mostra<br />

na figura.<br />

No segundo dia [de Março], às zero horas e quarenta<br />

minutos, havia três planetas, dois para o Leste e um para<br />

o Oeste, nesta configuração:<br />

Ori. O *<br />

Oce.<br />

* fixa<br />

203


o mais oriental estava a sete minutos de Júpiter,<br />

enquanto este estava a trinta segundos do planeta<br />

seguinte. O ocidental estava dois minutos afastado de<br />

Júpiter. Os [planetas] mais exteriores eram maiores e mais<br />

brilhantes do que o outro, que aparecia muito pequeno.<br />

O mais oriental parecia um pouco elevado para o Norte,<br />

acima da linha recta, passando por Júpiter e pelos outros.<br />

A estrela fixa que já referimos estava afastada oito minutos<br />

do planeta ocidental ao longo da linha traçada desse<br />

planeta 85 perpendicularmente à linha recta, passando por<br />

todos os planetas, como a figura mostra.<br />

Pareceu-me bem adicionar estas comparações de<br />

Júpiter e os seus planetas adjacentes com a estrela fixa<br />

[30r'] para que a partir delas qualquer pessoa possa compreender<br />

que o avanço dos ditos planetas, em longitude e<br />

em latitude, está exactamente de acordo com os mOVimentos<br />

que se deduzem <strong>das</strong> tabelas.<br />

Estas são as observações dos quatro planetas Mediceus<br />

que foram recentemente, e pela primeira vez, descobertos<br />

por mim, a partir <strong>das</strong> quais, embora não seja ainda<br />

possível calcular os seus períodos, é permitido, ao menos,<br />

fazer alguns reparos importantes.<br />

Em primeiro lugar, como eles algumas vezes seguem,<br />

e outras vezes precedem Júpiter com intervalos iguais, e<br />

estão afastados dele para Leste e também para Oeste apenas<br />

com intervalos muito estreitos, acompanhando-o quer<br />

no movimento retrógrado quer no directo, ninguém pode<br />

duvidar que completam as suas revoluções em torno dele,<br />

ao mesmo tempo que, todos juntos, completam um<br />

período de doze anos em torno do centro do mundo.<br />

Além disso, rodam em círculos desiguais, o que se deduz<br />

claramente do facro de que, nas maiores elongações de<br />

Júpiter, nunca se podem ver dois planetas em conjunção,<br />

enquanto, por outro lado, se encontram dois, três e às<br />

vezes mesmo todos perto de Júpiter.<br />

204


Depreende-se ainda que as revoluções dos planetas<br />

que descrevem círculos menores em torno de Júpiter são<br />

mais rápi<strong>das</strong>. Com efeito, as estrelas mais próximas de<br />

Júpiter são vistas muitas vezes para o Leste quando no dia<br />

anterior apareciam para o Oeste, e vice-versa, enquanto,<br />

do exame cuidadoso dos seus retornos minuciosamente<br />

anotados, o planeta que percorre o maior orbe parece ter<br />

um período semimensal 86 •<br />

Temos, além disso, um excelente e esplêndido argumento<br />

para eliminar os escrúpulos daqueles que, embora<br />

admitindo tranquilamente a revolução dos planetas em<br />

torno do Sol no sistema coperniciano 87, ficam tão perturbados<br />

pela circulação de uma única Lua em torno da<br />

Terra, enquanto as duas juntas completam um orbe anual<br />

em torno do Sol, que concluem que esta constituição do<br />

universo deve ser recusada como impossível. Pois aqui<br />

temos não apenas um planeta revolvendo em torno de<br />

outro enquanto ambos se deslocam ao longo de um<br />

grande círculo em torno do Sol, mas os nossos sentidos<br />

mostram-nos quatro estrelas vagueantes [30v'] em torno<br />

de Júpiter, à semelhança da Lua em torno da Terra, ao<br />

mesmo tempo que to<strong>das</strong> elas com Júpiter percorrem um<br />

grande orbe em torno do Sol no intervalo de doze anos.a 8<br />

Finalmente, não podemos passar em silêncio a razão<br />

por que sucede que as estrelas Mediceias, enquanto completam<br />

as suas revoluções muito pequenas em torno de<br />

Júpiter, parecem por vezes duplicar de tamanho. Não<br />

podemos de maneira nenhuma buscar a razão nos vapores<br />

terrestres, pois as estrelas aparecem maiores ou mais<br />

pequenas enquanto os tamanhos de Júpiter e <strong>das</strong> estrelas<br />

fixas vizinhas se vêem completamente inalterados. Por<br />

outro lado, parece absolutamente inconcebível que elas se<br />

aproximem e afastem da Terra no perigeu e apogeu <strong>das</strong><br />

suas revoluções a ponto de causar tais grandes mudanças.<br />

De facto, o pequeno círculo que percorrem não pode, de<br />

205


maneira nenhuma, ser capaz de produzir esse efeito;<br />

quanto a um movimento oval (que neste caso teria que<br />

. ser quase direito), parece ser inconcebível e de maneira<br />

nenhuma concordante com as aparências. 89<br />

Ofereço com agrado o que me parece neste assunto e<br />

submeto-o ao julgamento e censura dos bons filósofos. É<br />

bem sabido que por causa da interposição dos vapores<br />

terrestres o Sol e a Lua parecem maiores, mas as estrelas<br />

fixas e os planetas mais pequenos. Por esta razão, perto<br />

do horizonte as luminárias parecem maiores mas as estrelas<br />

mais pequenas e geralmente invisíveis; e diminuem<br />

ainda mais se esses vapores são inundados de luz. 90 Por<br />

essa razão, as estrelas parecem muito pequenas durante o<br />

dia e nos crepúsculos; mas não a Lua, como já afirmámos<br />

antes. Pelo que já dissemos acima e também pelas coisas<br />

que serão discuti<strong>das</strong> mais amplamente no nosso Sistema 91,<br />

é igualmente certo que não apenas a Terra mas também a<br />

Lua tem o seu próprio orbe vaporoso em seu redor. E<br />

podemos, por isso, fazer o mesmo julgamento acerca dos<br />

restantes planetas, de tal maneira que não parece inconcebível<br />

colocar ao redor de Júpiter um orbe mais denso do<br />

que o resto do éter em torno do qual os planetas MEDI­<br />

CEUS são levados, como a Lua em torno da esfera dos<br />

elementos. E no apogeu, pela interposição deste orbe, eles<br />

parecem mais pequenos, enquanto no perigeu, por causa<br />

da ausência ou. atenuação deste orbe, parecem maiores.<br />

A falta de tempo impede-me de prosseguir este<br />

assunto. O honesto leitor pode esperar em breve mais<br />

sobre estes temas.<br />

FIM<br />

206


NOTAS<br />

I NuncÍus. A tradução desta expressão tem sido porventura<br />

uma <strong>das</strong> maiores fontes de discussão entre os que se ocuparam de<br />

verter o texto para os diferentes vernáculos. De um ponto de vista<br />

estritamente linguístico é impossível decidir se Sidereus Nuncius signí~<br />

fica <strong>Mensageiro</strong> ou Mensagem (<strong>das</strong> <strong>Estrelas</strong>). Não há dúvida de que<br />

<strong>Galileu</strong> tinha em mente o sentido de "Mensagem", mas é também<br />

certo que nunca se opôs nem corrigiu quando vários dos seus con~<br />

temporâneos usaram o sentido de "<strong>Mensageiro</strong>". Ao longo dos tempos,<br />

vários tradutores optaram por uma, ou por outra, <strong>das</strong> possibilidades,<br />

mas recentemente a maioria parece ter preferido a tradução<br />

"<strong>Mensageiro</strong>", baseada sobretudo em questões de tradição. Essa foi a<br />

opção seguida por Edward Stafford Carlos. Stillman Drake e Albert<br />

Van Helden nas suas consagra<strong>das</strong> traduções inglesas, e por Fernand<br />

Hallyn e Isabelle Pantin nas traduções francesas mais recentes. É interessante<br />

reparar que, em 1987, Carlos Ziller Camenietzski apresentou<br />

no Brasil a primeira tradução portuguesa, com o título A Mensagem<br />

<strong>das</strong> <strong>Estrelas</strong>, mas na reedição de 2009 esse título foi alterado para<br />

O <strong>Mensageiro</strong> <strong>das</strong> <strong>Estrelas</strong>. A mais importante excepção deve-se a<br />

William Shea, que, na sua tradução de 2009, usou· o título A Sideral<br />

Message. Uma opção interessante (mas algo radical) foi a do tradutor<br />

espanhol Carlos Solís, que decidiu acentuar o carácter sensacional e<br />

jornalístico do livro de <strong>Galileu</strong>, baptizando-o de La Gaceta Sideral.<br />

Todos os tradutores apresentam justificação para a sua escolha e<br />

quanto a nós, não tendo sido convencidos pelos argumentos em contrário,<br />

limitamo-nos a seguir a escolha mais habitual. Sobre este<br />

assunto, ver: EDWARD ROSEN, «The tide of Galileo's Sidereus Nun~<br />

cius», Isis, 41 (1950) 287-289. EDWARD ROSEN, "Stillman Drake's<br />

DiscoverÍes and Opinions of Galileo», Isis, 48 (I 957) 440-443;<br />

STILLMAN DRAKE, «The Starry Messenger», Isis, 49 (1958) 346-347.<br />

2 Patricio, no latim original, no sentido de membro da<br />

nobreza. <strong>Galileu</strong> pode reclamar sem exagero ser nobile florentino, um<br />

"nobre florentino". A sua família tem raízes antigas e distintas em<br />

Florença, que se podem identificar a partir do século XIII. O nome<br />

oríginal da família era Buonaiuti. mas a certa altura um ramo tomou<br />

o nome Gamei. O trabalho clássico sobre este assunto é o estudo<br />

de ANTONIO FAVARO, «Ascendenti e collaterali di Galileo <strong>Galilei</strong>»,<br />

207


Archivio Storico Italiano, 47 (1911) 346-378, mas qualquer boa biografia<br />

de <strong>Galileu</strong> esclarece as suas origens. Veja-se em especial<br />

MICHELE CAMEROTA, Galíleo GaMei e la Cultura Scientifica nell'età<br />

della Controriforma (Roma: Salerno Editrice, 2004), pp. 25-37 e as<br />

indicações bibliográficas aí apresenta<strong>das</strong>. Pode ver-se a árvore genealógica<br />

de <strong>Galileu</strong> em: Opere, XIX, 17.<br />

3 <strong>Galileu</strong> foi professor em Pádua entre 1592 e <strong>1610</strong>. No final<br />

da sua vida, recordaria essa época como os melhores dezoito anos da<br />

sua vida (Opere, XVIII, 209). Sobre este período veja-se: GIOVANNI<br />

SANTINELLO (ed.), Galileo e la cultura padovana (Padua: CEDAM,<br />

1992), e o capítulo III, «Patavina libertas», em MICHELE CAMEROTA,<br />

Galileo GaMei e la Cultura Scientifica nell'età della Controriforma<br />

(Roma: Salerno Editrice, 2004), pp. 75-149.<br />

4 Perspicilli. Escrevendo em latim, <strong>Galileu</strong> usou o termo perspicilium<br />

para designar o novo instrumento. Em italiano escrevia<br />

occhiale, e no seu tempo foram correntes os termos occhiale o cannone,<br />

canone a veder lontano, cannochiale, ou termos análogos (vide<br />

por exemplo, Opere, X, 250, 255, 257, 259, 260, 261, 297). O primeiro<br />

livro impresso onde surge o termo "telescopium" é a obra do<br />

professor romano Giulio Cesare Lagalla, De phaenomenis in orbe<br />

lunae novi telescopii usu a D. Gatileo Galileo nunc iterum suscitatis<br />

physica disputatio (Venetiis, 1612), mas o termo circulava já antes,<br />

tendo sido cunhado aparentemente por Federico Cesi ou (segundo E.<br />

Rosen) por Joannes Demisianus durante um jantar da Accademia dei<br />

Lincei. Sobre esta questão, veja-se: EDWARD ROSEN, The Naming oi<br />

the Telescope (New York: Henry Schulman, 1947). Em Portugal, o<br />

primeiro termo conhecido (1615) é longemira, que surge nas notas<br />

<strong>das</strong> aulas do professor jesuíta Giovanni Paolo Lembo (ANTT, Ms.<br />

Liv. 1770). Os tradutores mais recentes empregaram os termos<br />

spyglass (Drake, Van Helden, Shea) , lunette (Hallyn e Pantin), anteojo<br />

(Solís). Hossenfelder não traduz o título mas, um pouco mais<br />

adiante, traduz perspicilium por Augenglass. Ao longo do texto de<br />

<strong>Galileu</strong>, para evitar anacronismos, usámos sempre o termo "luneta",<br />

mas no Estudo e demais anotações empregámos o termo que depois<br />

ficou consagrado: "telescópio". Poder-se-ia argumentar que a solução<br />

mais correcta seria usar aquele que parece ter sido o termo português<br />

do período ("óculo"), mas também aqui levámos em consideração<br />

a tradição mais habitual entre os tradutores.<br />

208


S Perspicilli nuper a se reperti. Muito se escreveu já sobre o<br />

sentido correcto a atribuir a esta expressão, que depende da tradução<br />

do verbo reperio. Drake: "lately invented by him"; Van Helden:<br />

"lately devised by him"; Hallyn: "récemment conçue par lui"; Pandn:<br />

"qu'il venait d'inventer". A posição de <strong>Galileu</strong> acerca disto foi clara,<br />

embora nem sempre compreendida por todos. <strong>Galileu</strong> reconheceu<br />

que os holandeses haviam sido os primeiros a fazer um telescópio e<br />

sempre disse que a notícia disso lhe tinha chegado. Por exemplo, no<br />

II Saggiatore (1623) foi completamente claro acerca da prioridade da<br />

invenção, falando de um "Olandese, primo inventor del telescopio"<br />

(Opere, VI, 259). Mas também sempre insistiu em que a sua concepção,<br />

se bem que posterior, havia sido independente, e não uma cópia<br />

de qualquer telescópio. Veja-se EDWARD ROSEN, «Did Galileo daim<br />

he invented the telescope?», Proceedings 01 the American Philosophical<br />

Society, 98 (1954) 304-312.<br />

6 <strong>Galileu</strong> usou o termo "planetas" para se referir aos corpos<br />

celestes que orbitam em torno de Júpiter, e nunca usou o termo<br />

"satélites", proposto por Kepler. Sobre este assunto, ver o Estudo,<br />

p.80.<br />

7 Cosme II de Mediei (1590-1621), filho de Fernando I (1549-<br />

1609) e de Cristina de Lorena (1565-1637), casados em 1589; acedeu<br />

ao trono em 1609, pela morte do pai. No original vem designado<br />

como Magno Haetruriae Duei, usando o antigo termo Etruria<br />

para designar a Toscana. Cosme II seria um grande protector de<br />

<strong>Galileu</strong>. Veja-se: FERDINAND SCHEVILL, The Mediei (New York: Harper,<br />

1960 [orig. 1949]); FURIO DIAZ, II Granducato di Toscana: I<br />

Mediei (Torino: UTET, 1976); J. R. HALE, Fiorence and the Mediei:<br />

The Pattem 01 Control (London: Thames and Hudson, 1977);<br />

RICHARD FREMANTLE, God and Money. Florence and the Mediei in the<br />

Renaissance: Including Cosimo Is Uffizi and its Coilection (Florence: L.<br />

S. Olschki, 1992). Mais especificamente sobre o mecenato cientifico<br />

da família Medici, ver os textos e imagens do excelente catálogo: I<br />

Mediei e te Seienze. Strumenti e Macchine neile coltezioni Granducali.<br />

A cura di FILIPPO CAMEROTA e MARA MrNIATI (Firenze: Giunti Editore,<br />

2008). O estudo <strong>das</strong> relações entre <strong>Galileu</strong> e os Medici não<br />

pode dispensar, hoje em dia, os trabalhos de Mario Biagioli a que já<br />

aludimos antes, apesar de, como também mencionámos, a sua interpretação<br />

ter levantado alguma polémica.<br />

209


8 Sobre o estilo deste prefácio recorde-se a feliz expressão de A.<br />

Battistini quando disse tratar-se de uma dedicatória "piena di cerimoniose<br />

genuflessioni verbali". ln: ANDREA BATTISTINI, Ga/ileo e i<br />

Gesuití. Miti letterari e retorica de/Ia scienza (Milano: Vita e Pensiero,<br />

2000), p. 22. Sobre a estrutura e o valor literário e social destas cartas<br />

dedicatórias, veja-se: KEVIN DUNN, Pretexts o/ Authority: Rhetoric<br />

o/ Authorship ln the Renaissance Preface (Stanford: California University<br />

Press, 1994) e S. TARQUINI, Simbologia dei Potere. Codici di<br />

Dedica aI Pontefice ne/ Quattrocento (Roma: Roma nel Rinascimento,<br />

2001). Mais especificamente sobre estas cartas na literatura científica,<br />

veja-se: NICHOLAS JARDINE, «The places of astronomy in earlymodem<br />

cu/ture», Journal for the History o/ Astronomy, 29 (1998)<br />

49-62.<br />

9 Sumptas ad sydera ducti. <strong>Galileu</strong> alude a um passo <strong>das</strong> Elegias<br />

de Propércio (liv. III, no. 2, verso 19): "Nam neque Pyramidum<br />

sumptus ad sidera ducti", na tradução portuguesa: "Pois nem o<br />

esplendor <strong>das</strong> Pirâmides ergui<strong>das</strong> até aos astros", in: PROPÉRCIO, Elegias.<br />

Tradução portuguesa de Aires A. Nascimento, Maria Cristina<br />

Pimentel, Paulo F. Alberto, J. A. Segurado e Campos (Lisboa: Centro<br />

de Estudos Clássicos; Assis: Accademia Properziana dei Subasio,<br />

2002), p. 153.<br />

10 A inspiração para este passo vem de Horácio, nas suas Odes<br />

(livro III, ode 30, versos 1-5): "Exegi monumentum aere perennius 1/<br />

Regalique situ pyramidum altius, II Quod non 'imber edax, non<br />

Aquilo impotens 1/ Possit diruere aut innumerabilis 1/ Annorum<br />

series et fuga temporum." Na tradução portuguesa de Ema Barcelos:<br />

"Erigi um monumento mais duradouro que o bronze, 1/ mais alto<br />

que a construção real <strong>das</strong> pirâmides, que nem o Inverno voraz, nem<br />

o indomável Aquilão /I ou a série inumerável dos anos e a fuga do<br />

tempo /I poderão destruir." ln: HORÁCIO, Odes Escolhi<strong>das</strong>. Texto<br />

latino e versão portuguesa por Ema Barcelos (Porto: Porto Editora,<br />

1975), pp. 52-53.<br />

11 Tempus edax ... invidiosa vetustas. As expressões são de<br />

Ovídio, Metamorfoses, xv, 34. Vid. OVíDIO, Metamorfoses, tradução<br />

por Domingos Lucas Dias, voi. II (Lisboa: Vega, 2008), p. 362.<br />

210


12 Tal como a palavra grega Cometes [K0J..lTj1:TJS], também o<br />

termo latino Crinitas significa farta cabeleira.<br />

13 O episódio do aparecimento do cometa durante os jogos<br />

organizados por Augusto em memória de Júlio César é relatado por<br />

Suetónio no par. LXXXVIII da «Vida de Caio Júlio César». Vide<br />

Suetónio, Os Doze Césares. Tradução e notas de João Gaspar Simões,<br />

3 a ed. (Lisboa: Editorial Presença, 1979), p. 50.<br />

14 Esta carta dedicatória a Cosme II está plena de linguagem<br />

astrológica. Mario Biagioli trouxe à luz do dia o rico simbolismo,<br />

com frequente recurso à astrologia, em que <strong>Galileu</strong> envolveu muitas<br />

<strong>das</strong> suas descobertas, relacionando-as com a imagética dos Mediei.<br />

Vide MARIO BIAGIOLI, <strong>Galileu</strong> Cortesão. A Prática da Ciência na Cultura<br />

tÚJ Absolutismo (Porto: Porto Editora, 2003) [originalmente: Galileo<br />

Courtier: The Practice 01 Science in the Cu/ture o[ Abso!utism (Chicago<br />

and London: The University of Chicago Press, 1993)]. Sobre<br />

este assunto, veja-se também: GUGLIELMO RIGHINI, «~Oroscopo<br />

Galileano di Cosimo II de Medici», Annali dell1stituto e Museo di<br />

Storia della Scienza di Firenze, 1 (1976) 2~-36; H. DARREL RUTKlN,<br />

«Celestial Offerings: Asrrological Motifs in the Dedicatory Letters of<br />

Kepler's Astronomia Nova and Galileo's Sidereus Nuncíus», in W.<br />

NEWMAN and A. GRAFTON (ed.), Secrets o[ Nature, Astrology and<br />

Alchemy in Early Modem Europe (Cambridge, Mass.: The MIT Press,<br />

2001), pp. 133-172.<br />

15 O centro é identificado como o centro do mundo. <strong>Galileu</strong><br />

. revela logo aqui na dedicatória, sem margem para dúvi<strong>das</strong>, a sua<br />

opção coperniciana. Este passo tem o interesse de ser a primeira<br />

expressão pública conhecida do copernicianismo de <strong>Galileu</strong>. Mais<br />

adiante, já no final do livro, referir-se-á explicitamente ao "sistema<br />

coperniciano" (na p. 205). Recorde-se que a dedicatória e as últimas<br />

páginas do Sidereus Nuncius foram as derradeiras partes a serem escritas<br />

por <strong>Galileu</strong>, sensivelmente nos mesmos dias. O período de rotação<br />

de Júpiter em torno do Sol é de 11 anos e 315 dias.<br />

16 Mediurnque coeH. Meio do céu: termo astrológico. A intersecção<br />

da eclíptica com o meridiano do lugar.<br />

211


17 Orientalemque angulum sua Regia illustrans. O ângulo<br />

oriental é o formado pela intersecção da eclíptica com o horizonte<br />

oriental, isto é, refere-se ao signo que está a nascer. O passo tem<br />

alguma dificuldade de tradução que, no entanto, já foi resolvida pelos<br />

anteriores tradutores. O ablativo "sua Regia" tem aqui valor instrumental<br />

e refere-se à casa regida por Júpiter, isto é, Sagitário. <strong>Galileu</strong><br />

dá, portanto, uma indicação temporal bastante precisa: Júpiter encontrava-se<br />

no ponto mais elevado da sua trajectória e o signo Sagitário<br />

estava a nascer. Estes factos são confirmados nos dois horóscopos<br />

(cartas natais) de Cosme II que <strong>Galileu</strong> fez (só um está completo).<br />

18 <strong>Galileu</strong> fora tutor de matemática do jovem Cosme no Verão<br />

de 1605 (Opere, X, 144-145), em Outubro de 1606 (Opere, X, 158-<br />

-162), e novamente no Verão de 1608 (Opere, X, 214-215). Em<br />

1606 dedicou a Cosme o seu Le Operazioni de! compasso geometrico et<br />

militare (Padova, 1606) (vid. Opere, II, 367-368).<br />

19 <strong>Galileu</strong> relembra e reafirma a sua origem toscana.<br />

20 4. Idus Martii. Isto é, 12 de Março.<br />

21 O Conselho dos Dez era o órgão que tutelava as questões de<br />

segurança interna da República Veneziana, em que se incluía também<br />

a censura dos livros. A autorização de publicação do livro foi dada<br />

pelo Conse!ho dos Dez, depois de o livro ter sido examinado pelos<br />

Reformadores [Riformatorz] da Universidade de Pádua. É interessante<br />

observar que no relatório que foi enviado pelos Riformatori o livro de<br />

<strong>Galileu</strong> tem o título de Astronomica denuntiatio ad astro logos (Opere,<br />

XIX, 227-228). Sobre os mecanismos de exame e censura de livros<br />

neste período em Veneza veja-se a obra clássica e indispensável de<br />

PAUL E. GRENDLER, The Roman Inquisition and the Venetían Press<br />

(Princeton: Princeton University Press, 1977). Elementos complementares<br />

sobre esta questão por GAETANO COZZI, «Religione, moralità e<br />

giustizia a Venezia: vicende della magistratura degli Esecutori contra<br />

la Blasfemia», in GAETANO COZZI, La Società Veneta e ii suo Diritto<br />

(Venezia: Fondazione Cini, 2000), pp. 65-148.<br />

22 Astronomicus nuncius. Embora acerca da correcta tradução<br />

da palavra "nuncius" no título Sidereus Nuncius tenha havido sempre<br />

uma diversidade de opiniões entre "mensagem" ou "mensageiro", a<br />

212


expressão "astronomicus nuncius" tem sido sempre traduzida com o<br />

sentido de "mensagem astronómica". Astronomicus nuncius parece ter<br />

sido o segundo título que <strong>Galileu</strong> pensou para o livro, já que antes o<br />

havia designado por Astronomica denuntiatio, e depois passou a chamar<br />

Sidereus Nuncius.<br />

23 Cosmica Sydera. Como se explica no Estudo, esta parte do<br />

texto foi impressa antes de <strong>Galileu</strong> ter recebido as instruções para<br />

alterar o nome para "estrelas de Mediei". Ver p. 88.<br />

24 O famoso Catálogo de Ptolomeu, nos livros VII e VIII do<br />

Atmagesto, listava 1022 estrelas. Vide Ptolemy's Almagest. Translated<br />

and Annotated by G. J. Toomer (Princeton, New Jersey: Princeton<br />

University Press, 1998), pp. 339-399. Para estudos mais avançados,<br />

ver: Cl.AUDIUS PTOLEMAUS, Der Sternkatalog des Almagest. Die arabish-mittelalterliche<br />

Tradition, ed. Paul Kunitzsch, 3 vols. (Wiesbaden,<br />

1986-1991) e GERO GRASSBOFF, The History o[ Ptokmy's Star Catalogue<br />

(New York; Springer, 1990).<br />

25 terrestres diametros, no original. Tem sido muitas vezes<br />

interpretado como um lapso de <strong>Galileu</strong>, referindo "diâmetros" terrestres<br />

quando deveria dizer "raios", mas corresponde na verdade a um<br />

uso muito peculiar do termo por <strong>Galileu</strong>, que escreve "diâmetro"<br />

quando quer dizer "semidiâmetro" [Le raio], dizendo então "diâmetro<br />

inteiro" quando se refere ao "diâmetro". Na tradução usámos a terminologia<br />

actual. Veja-se EDWARD ROSEN, «Galíleo on the distance<br />

between the Earth and the Moon», Isis, 43 (1952) 344-348.<br />

26 Como é evidente, se as distâncias lineares são aumenta<strong>das</strong> 30<br />

vezes, a superfície de um corpo aumentará 30 2 = 900 vezes e o seu<br />

volume 30 3 27 000 vezes.<br />

27 Erraticas stellas. Além desta designação, <strong>Galileu</strong> também usa<br />

vagam para referir-se aos planetas, por oposição às estrelas fixas.<br />

28 Para acompanhar a analogia que <strong>Galileu</strong> propõe é preciso<br />

recordar que as e10ngaçães de Vénus e Mercúrio são sempre bastante<br />

limita<strong>das</strong>. Mercúrio nunca está a mais de 28° do 50\' e Vénus, nunca<br />

a mais de 45°. A noção de que Vénus e Mercúrio circulam em torno<br />

do Sol é muito anterior ao sistema de Copérnico.<br />

213


29 Signific;,. que esta parte do texto foi escrita pouco depois da<br />

descoberta dos satélites de Júpiter, isto é, em meados de Janeiro de<br />

<strong>1610</strong>.<br />

30 Diuina prius aluminante gratia. A noção de ter sido especialmente<br />

iluminado por Deus para conseguir o descobrimento do<br />

telescópio e, depois, dos novos fenómenos celestes, não é, como se<br />

poderia pensar à primeira vista, um mero floreado literário. <strong>Galileu</strong><br />

esteve sempre profundamente convicto de ter sido objecto de uma<br />

especial eleição por Deus, só a ele concedida, e refere-o repetidamente.<br />

Por exemplo, Opere, VI, 383; X, 280; XI, 80.<br />

31 Menses abhinc decem fere. No manuscrito: "há cerca de<br />

oito meses" ("menses abhinc 8 fere", Opere, III/I, 18), alterado<br />

depois pelo próprio <strong>Galileu</strong>.<br />

32 rumor ... increpuit. <strong>Galileu</strong> InSIStiU sempre em que Só lhe<br />

chegara uma notícia do telescópio e que, apenas com base nesse<br />

informe, sóúnho, havia sido capaz de reconstruir o instrumento.<br />

Além deste passo, assim o afirma numa carta de 29 de Agosto de<br />

1609 a Benedetto Landucci (Opere, X, 253), e também no II Saggiatore<br />

(Opere, VI, 258).<br />

33 quodam Belga. O termo tem uma acepção muito lata.<br />

Hallyn considera que o termo "ne peut être traduit que par une<br />

périphrase" e propõe: "un habitant des Provinces des Pays-Bas"<br />

(HALLYN, p. 117). No II Saggiatore (I623) <strong>Galileu</strong> usa o termo "un<br />

Olandese" (Opere, VI, 258).<br />

34 Iacobo Badovere. Refere-se a Jacques Badouere (Badouer,<br />

Badovere, Badoire), nobre francês de uma família de origem veneziana.<br />

Estudou na Universidade de Pádua entre 1598 e 1599, ficando<br />

alojado na casa de <strong>Galileu</strong>, com quem teve aulas priva<strong>das</strong> de assuntos<br />

científicos. Ao regressar a França tornou-se secretário do rei Henrique<br />

N. Nascido no seio de uma famllia protestante, converteu-se ao<br />

catolicismo em 1604. Sobre Badovere: ANTONIO FAVARO, «Amici e<br />

corrispondenti di Galileo <strong>Galilei</strong>: Giacomo Baduere», Atti dei Reale<br />

Istituto 1&neto di Scienze, Lettere ed Arti, 65 (1905) 193-201; B.<br />

ULIANICH, «Badoer, Giacomo», in Dizionario Biografico degii Italianí<br />

214


(Roma: Istituto delta Encidopedia Italiana, 1960), vol. 5, pp. 114-<br />

-116; FRANCO MUSARRA, «Giacomo Badovere e il problema dei<br />

'Libertini'», Ateneo Véneto, 11 (1973) 121-137.<br />

3S <strong>Galileu</strong> repetirá noutros locais que chegou a mvenção do<br />

telescópio por especulações da "teoria <strong>das</strong> refracções", mas, como já se<br />

explicou, não foi certamente assim que as coisas se passaram. Ele<br />

nunca chegou a dominar os princípios ópticos subjacentes ao telescópio<br />

e parece nem sequer ter compreendido a teoria do instrumento<br />

quando foi apresentada por Kepler na Dioptrice (1611), como, aliás,<br />

confidenciou a um visitante (Opere, XIX, 590). <strong>Galileu</strong> aperfeiçoou<br />

os seus telescópios por tentativa e erro, experimentando, numa sucessão<br />

de melhoramentos certamente notável, mas muito mais artesanal<br />

do que teórica.<br />

36 Um destes telescópios foi oferecido ao Senado de Veneza.<br />

37 TeUuris díametros. De novo, o uso de "diâmetros" a significar<br />

"semidiâmetros", isto é, raios. Corrigimos na tradução.<br />

38 Note-se como <strong>Galileu</strong> distingue claramente entre a nitidez da<br />

imagem de um telescópio e a sua ampliação.<br />

39 O procedimento' aqui descrito não é originalmente de<br />

<strong>Galileu</strong>, sendo o utilizado pelos fabricantes de lentes de finais do<br />

século XVI. Uma técnica muito semelhante vem descrita na obra de<br />

Benito Daza de Valdés, Uso de los Antojos (1623).<br />

40 <strong>Galileu</strong> subscreve uma teoria extramissionista (ou emlSSIQnista)<br />

da visão segundo a qual os raios saem do olho; infelizmente a<br />

explicação dada não é totalmente dara.<br />

41 No manuscrito do Sidereus Nuncius pode ver-se um diagrama,<br />

muito simples, de um telescópio que parece mostrar duas lentes<br />

convexas (Opere, IIIII, 19). O diagrama que foi depois impresso<br />

é ainda mais simplificado, a tal ponto que é praticamente inútil. Em<br />

particular, <strong>Galileu</strong> não faz qualquer tentativa de explicar o ponto<br />

essencial, isto é, como se formam as imagens. Pode observar-se, contudo,<br />

que, de acordo com o desenho, todo o efeito óptico parece<br />

provir da objectiva (convexa), enquanto a ocular (concava) parece não<br />

215


alterar de forma significativa o trajecto dos raios. Como se explica no<br />

Estudo introdutório, isto parece estar de acordo com o que se julga<br />

ter sido a compreensão de <strong>Galileu</strong> da óptica involvida.<br />

42 Esta promessa nunca foi cumprida; <strong>Galileu</strong> nunca apresentou<br />

a sua teoria do telescópio, apesar de, em anos seguintes, no li<br />

Saggiatore (1623) (Opere, VI, 259), no Dialogo sopra i due massimí<br />

sistemi (1632) (Opere, VII, 388-389), e em alguma correspondência<br />

dispersa, ter dado indicações (mas sempre muito vagas) acerca da desses<br />

princípios teóricos. Os leitores do Sidereus Nuncius, contudo,<br />

recordaram-lhe, por vezes, a promessa feita (Opere, XII, 281).<br />

43 Como <strong>Galileu</strong> iniciou as suas observações telescópicas da Lua<br />

em meados/fim de Novembro, o passo indica que esta parte do texto<br />

foi redigida em meados de Janeiro, isto é, que foi uma <strong>das</strong> primeiras<br />

partes a ser escrita, já que se pode estabelecer o início da redacção do<br />

Sidereus Nuncius em 15 de Janeiro de <strong>1610</strong>.<br />

44 Muitos dos parágrafos relativos às observações da superfície<br />

da Lua são retira<strong>das</strong> da carta de 7 de Janeiro de <strong>1610</strong> (Opere, X,<br />

273-277).<br />

45 Pertundere. <strong>Galileu</strong> usa quase sempre o termo "perfundere"<br />

quando se refere à iluminação da Lua pelo Sol, um termo que remete<br />

mais para uma teoria da impregnação do que para uma teoria de<br />

reflexão. Sobre as teorias da época relativas à origem e aos processos<br />

associados à luz da Lua é indispensável consultar a obra de EILEEN<br />

REEVES, Paínting the Reavem, Art and Science in the Age 01 Galileo<br />

(Princeton: Princeton University Press, 1997).<br />

46 Trata-se da linha que modernamente se designa por "terminador".<br />

47 Quadratura é a pOSlçaO de um astro que se encontra a 900<br />

em relação ao Sol. Na Lua a primeira quadratura é o quarto crescente.<br />

48 É o UnlCO passo onde <strong>Galileu</strong> deixa entender que já antes<br />

dele se havia defendido que a Lua era como uma outra Terra. Na<br />

verdade, como se explica mais no texto, muitos autores da Antigui-<br />

216


dade, com especial destaque para Plutarco, haviam defendido que a<br />

Lua era como a Terra, com montanhas e vales.<br />

49 <strong>Galileu</strong> pensa que há água na Lua. Mais tarde mudará de<br />

opinião (Opere, VII, 125; XII, 240).<br />

50 A cavidade tem sido geralmente identificada com a cratera<br />

A1baténio, embora não seja possível fazê-lo com segurança absoluta.<br />

O desenho de <strong>Galileu</strong> está manifestamente exagerado, para tornar<br />

mais convincente a semelhança entre a Lua e a Terra, e a cavidade<br />

tem uma circularidade e um tamanho que não se vêem em qualquer<br />

cratera verdadeira da Lua. Kepler achou que esta enorme cavidade<br />

pudesse ser uma construção de habitantes da Lua; KEPLER, Dissertatio<br />

cum nurtcio sidereo (Praga, Daniel Sedesanus, <strong>1610</strong>), vide Johannes<br />

Kepler Gesammelte Wérke (München: Beck, 1937-), vol. IV, pp. 299.<br />

51 Posteriormente, numa carta de 1 de Setembro de 1611 ao<br />

jesuíta Christoph Grienberger (Opere, XI, 190-192), <strong>Galileu</strong> apresentou<br />

uma explicação mais detalhada da razão porque o bordo da Lua<br />

se vê perfeitamente circular apesar <strong>das</strong> cadeias de montanhas.<br />

52 Inicialmente, isto é, desde 1604, ano em que apareceu uma<br />

supernova, <strong>Galileu</strong> defendeu a ideia de que a Lua teria uma atmosfera<br />

(Opere, II, 282), posição que aqui também explicita. Tudo leva a<br />

crer que começou a mudar de opinião nos anos imediatamente<br />

seguintes à publicação do Sidereus Nuncius, e, na «Segunda Jornada»,<br />

no Dialogo sopra i due massimi sistemi (1632), descarta já essa possibilidade<br />

(Opere, VII, 125-126). Ver ainda Opere, XII, 240; XVIII,<br />

240.<br />

53 Para mais informação sobre estes cálculos e os parâmetros<br />

usados, veja-se Pantin, pp. 70-73.<br />

54 Como é evidente, <strong>Galileu</strong> usa valores aproximados. A questão<br />

<strong>das</strong> unidades de medida antigas é habitualmente complicada, mas<br />

neste caso tem uma explicação fácil já que a milha itálica foi <strong>das</strong><br />

mais divulga<strong>das</strong>. Trata-se da milha romana (ca. 1478 m), que foi<br />

muito conhecida e usada em toda a Europa com o nome de "miliare<br />

vetus" ou milha itálica.<br />

217


55 A demonstração da altura dos montes da Lua foi contestada<br />

por um Johann Georg Brengger, e depois defendida por <strong>Galileu</strong>,<br />

numa troca de correspondência entre finais de <strong>1610</strong> e o início de<br />

161l. Vid. Opere, X, 461-462, 466-473; XI, 13-14, 38-41.<br />

56 <strong>Galileu</strong> vai explicar o fen6meno da luz cinzenta ou luz cendrada<br />

(às vezes também luz cinérea) da Lua. Vide RONALDO ROGÉRIO<br />

DE FREITAS MOURÃO, Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica<br />

(Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987), p. 492. Como <strong>Galileu</strong><br />

explica, o fenómeno foi por ele observado há anos atrás, sem<br />

telescópio. Este assunto é tratado extensamente na obra de EILEEN<br />

REEVES, Painting the Heavens, Art and Science in the Age of Galileo<br />

(Princeton: Princeton University Press, 1997).<br />

57 Cognatio atque similitudo inter Lunam atque Tdlurem. A<br />

insistência na similitude entre a Lua e a Terra (e até provavelmente a<br />

escolha da palavra cognatio) remete indirectamente para o copernicianismo.<br />

Vide De revolutionihius, I, 10: "Tellus quoque minime fraudatur<br />

lunari ministerio, sed ut Aristoteles de animalibus ait, maximam<br />

Luna cum terra cognationem habet" (De revolutionibus, 1543, foI.<br />

9 v). Infelizmente, a versão portuguesa de referência, por A. Dias<br />

Gomes e Gabriel Domingues, [NICOLAU COPÉRNICO, As Revoluções<br />

dos Orbes Celestes (Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984)],<br />

apresenta na p. 53 uma tradução algo deficiente deste trecho: "Também<br />

a Terra não é nada prejudicada com a companhia da Lua, mas<br />

como diz Aristóteles no seu livro De animalibus, possui uma afinidade<br />

íntima com a Terrà', onde deveria estar, na última parte: "mas<br />

como diz Aristóteles no seu livro De animalíbus, a Lua possui uma<br />

afinidade íntima com a Terrà'.<br />

58 Sextilo. Aspecto que corresponde a uma diferença angular de<br />

60°; Conjunção (0°), Oposição (180°); Quadratura (90°), Trino<br />

(120°).<br />

59 É o UI1lCO passo em que <strong>Galileu</strong> faz uma alusão directa ao<br />

planeta Vénus no Sidereus Nuncius, mas sem dar qualquer indicação<br />

<strong>das</strong> suas possíveis fases.<br />

60 Systema mundi. Anuncia aqui e num passo um pouco mais<br />

adiante que pretende escrever uma obra sobre o sistema do mundo.<br />

218


A 7 de Maio de <strong>1610</strong>, ou seja, poucos dias depois da publicação do<br />

Siderem Nuncius, numa carta a Belisario Vinta, listando as obras que<br />

planeava escrever, <strong>Galileu</strong> refere um "De sistemate seu constítutione<br />

universi, concetto immenso e pieno di filosofia, astronomia e geometria"<br />

(Opere, X, 351). A obra a que alude s6 surgiria mais de trinta<br />

anos depois e trata-se evidentemente do Dialogo sopra i due massimi<br />

sistemi (1632). Embora as origens do termo "sistema" [crúcr't1]I.lU,<br />

.rystema] radiquem no sentido que lhe era dado pelos est6icos da antiguidade,<br />

a expressão "sistema do mundo" [.rystema mundt] só entrou<br />

no vocabulário corrente da astronomia no final do século XVI. Sobre<br />

a expressão "sistema do mundo", ver: MICHEL-PIERRE LERNER, «The<br />

origin and meaning of "World System"», Journal for the History 01<br />

Astronomy, 36 (2005) 407-44l.<br />

61 Isto é, se for um eclipse.<br />

62 De novo volta a referir-se à obra que pensava escrever e que<br />

viria a ser o Dialogo sopra i due massimi sistemi (1632). Ver a nota 60<br />

para mais informação.<br />

63 Um excerto muito importante. A ideia de que, com o heliocentrismo,<br />

a Terra teria sido afastada de uma posição priviligeada no<br />

centro do Mundo e, portamo, menorizada, é um dos clichés herdados<br />

do Iluminismo, e que hoje em dia domina a cultura popular. Mas é<br />

uma noção errada, que não corresponde ao que os contemporâneos<br />

pensavam e deixaram registado. Importa recordar que a posição da<br />

Terra do geocentrismo, no centro do mundo, sempre foi considerada<br />

como a mais ignóbil. O centro era também "o fundo", o "em baixo".<br />

Foi o heliocentrismo coperniciano que elevou a Terra e o Homem a<br />

uma nova dignidade. <strong>Galileu</strong> foi sempre muito claro acerca disto e<br />

voltou a insistir com veemência neste aspecto anos depois, no Dialogo<br />

sopra i due massimi sistemi (1632), pela boca de Salviati, quando este<br />

declara: "quanto alia Terra, noi cerchiamo di nobilitarla e perfezionarla,<br />

mentre proccuriamo di farIa simile a i corpi celesti e in certo<br />

modo metterla quasi in cielo" (Opere, VII, 62). A ideia de que o centro<br />

era um lugar de especial nobreza foi já refutado pelos mais eminentes<br />

his~oriadores, como, por exemplo, Arthur Lovejoy: "But the<br />

actual tendency of the geocentric system was preciseJy the opposite,<br />

for the center of the world was not a position of honor; it was rather<br />

the place farthest removed fcom the Empyrean, the bottom of the<br />

219


creation, to which the dregs and baser e1ements sank. The actual centre<br />

indeed was hell", ARTHUR O LOVEJOY, The Great Chain 01 Being<br />

(New York: Harper and Row, 1960), pp. 101-102. A opinião de que<br />

o centro é o pior lugar do mundo aparece claramente em Aristóteles<br />

(De caelo, liv. II, cap. 3, 293 a) e em Cícero (De natura deorum, liv.<br />

II, cap. 6, 17), por exemplo. Em 1640, John Wilkins defendia que o<br />

principal argumento contra o copernicianismo a ser refutado era<br />

aquele "fram the Víleness of our Earth, because it consists of a more<br />

sordid and base Matter than any other part of the World; and therefore<br />

must be situated in the Center, which is the worst place, and at<br />

the greatest distance from those Purer incorruptible Bodies, the Heavens",<br />

«A Discourse concerning a new planet, tending to prove, that<br />

('tis probable) our Earth is one of the Planets», in JOHN WILKINS,<br />

Mathematical and Philosophical W0rks (London: John Nicholson,<br />

1708), p. 200. Sobre este assunto, vide REMI BRAGUE, «Le géocentrisme<br />

comme humiliation de l'homme», in R. BRAGUE et J. F.<br />

COURTiNE (eds.), Herméneutique et ontologie. Hommage à P. Aubenque<br />

(Paris, 1990), pp. 203-223, depois como: REMI BRAGUE, «Geocentrism<br />

as a humiliation for man», Medieval Encounters, 3 (I997) 187-<br />

210; DENNIS R. DANIELSON, «The great copernican cliché», American<br />

Journal 01 Physics, 69 (2001) 1029-1035; DENNIS R. DANIELSON,<br />

«The bones of Copernicus», American Scientist, 97 (2009) 50-57;<br />

DENNIS R. DANIELSON, «Myth 6: That copernicanism demoted<br />

humans fram the center of the cosmos», in: RONALD L. NUMBERS<br />

(ed.), Galileo goes to jail and other myths about science and religion<br />

(Cambridge, Mass. and London: Harvard University Press, 2009),<br />

pp. 50-58.<br />

64 Rationibus sexcentibus. <strong>Galileu</strong> escreve, literalmente,<br />

centos argumentos", com o sentido de muitos ou inumeráveis.<br />

" . selS-<br />

65 Primae ... magnitudinis. O termo moderno ("magnitude")<br />

refere uma quantidade adimensional e supõe já uma compreensão do<br />

fenómeno do brilho estelar que <strong>Galileu</strong> não tinha, e por isso traduzimos<br />

sempre por "grandezà'. Tal como os antigos, <strong>Galileu</strong> associava o<br />

brilho <strong>das</strong> estrelas à sua grandeza física real: as estrelas mais brilhantes<br />

eram, por conseguinte, maiores. A escala de grandeza estelar teve<br />

a sua origem pelo século segundo a. c., quando Hiparco classificou<br />

as estrelas visíveis a olho nu em seis grupos. As mais brilhantes foram<br />

220


chama<strong>das</strong> de primeira grandeza, as outras a seguir de segunda grandeza<br />

e assim em diante, até às de sexta grandeza. Na versão portuguesa<br />

do Atlas Celeste de Flamsteed, edição de 1804 [Atlas Celeste,<br />

arranjado por Flamsteed ( ... ) Primeíra edição portugueza, revista e correcta<br />

pelo Doutor Francisco Antonio Ciera, e pelo Coronel Custódio<br />

Gomes Vi/las-Boas (Lisboa: na Impressão Régia, 1804)] usa-se ainda o<br />

termo "grandeza". Sobre magnitude estelar, ver: MAxIMO FERREIRA e<br />

GUILHERME DE ALMEIDA, Introdução à Astronomia e às Observações<br />

Astronómicas (Lisboa: Plátano, 1995), pp. 196-201.<br />

66 <strong>Galileu</strong> recorre a uma curiosa analogia, comparando os raios<br />

em torno <strong>das</strong> estrelas a cabelos e usando ao longo do trecho a terminologia<br />

correspondente: intonsa, crines, cape/latura. Assim, uma estrela<br />

com a sua irradiação é como se não tivesse o cabelo cortado<br />

(intonsa).<br />

67 <strong>Galileu</strong> voltará a este assunto do diâmetro aparente <strong>das</strong> estrelas<br />

fixas em outras ocasiões. Por exemplo, no II Saggiatore (1623)<br />

(Opere, VI, 363), e num passo importante, na «terceira jornada» do<br />

Dialogo sopra i due massimi sÍstemi (1632) (Opere, VII, 387-388).<br />

Vide HAROLD L BROWN, «Galileo on the tdescope and the eye»,<br />

Journal o/ the History o/Ideas, 46 (1985) 487-501.<br />

68 Refere-se a Sirius (a-Canis Major), a mais brilhantes <strong>das</strong><br />

estrelas visíveis. Sobre Sirius, veja-se: RICHARD HINCLEY ALLEN, Star<br />

Names. Their Lore and Meaning (New York: Dover, 1963), pp. 120-<br />

-129; PAUL KUNITZSCH and TIM SMART, A Dictionary o/ Modem Star<br />

Names. 2 nd revised edition (Cambridge, Mass.: Sky Publishing, 2006),<br />

p. 22. Para a terminologia portuguesa correntemente em uso veja-se,<br />

por exemplo: MAxIMO FERREIRA e GUILHERME DE ALMEIDA, Introdução<br />

à Astronomia e às Observações Astronómicas (Lisboa: Plátano,<br />

1995).<br />

69 Em português pode dizer-se Ocion ou Orionte, mas esta<br />

segunda designação tornou-se mais habitual entre os astrónomos.<br />

70 Plures quingentis. Também aqui não se deve tomar esta<br />

expressão à letra. <strong>Galileu</strong> não está a dar um o resultado numérico<br />

preciso de uma contagem que tenha feito, mas simplesmente a querer<br />

significar uma grande multidão de estrelas.<br />

221


71 As três estrelas no cinturão de Orionte são as conheci<strong>das</strong><br />

"três Marias": Mintaka (o-Orionis), Alnilam (e-Orionis) e Alnitak<br />

(Ç-Orionis). Entre as seis da espada conta-se a nebulosa de Orionte<br />

(M42) que, como se explica no Estudo, estranhamente <strong>Galileu</strong> não<br />

refere (supra, p. 74).<br />

72 Seis são mais brilhantes do que a quinta grandeza; a sétima<br />

é mais brilhante do que a sexta grandeza, mas geralmente só é perceptível<br />

a pessoas com muito boa acuidade visual. Sobre as Plêiades<br />

no Catálogo de Ptolomeu: Ptolemy's Almagest. Translated and Annotated<br />

by G. J. Toomer (Princeton, New Jersey: Princeton University<br />

Press, 1998), p. 363.<br />

73 Essentia. O termo causa alguma perplexidade de tradução,<br />

mas aqui está usado no sentido de substância. Aliás, como assinalou<br />

Isabelle Pantin (PANTIN, p. 81, n. 101), este é o termo empregue na<br />

tradução de Aristóteles, com comentários de Averróis, na edição de<br />

Giunta, (Meteor. I, cap. 6, relativo a Meteor. 18 344bl1: «De Lactei<br />

circuli essentia opinio propria», Veneza, 1562, t. V, 410r).<br />

74 O mais importante estudo <strong>das</strong> concepções antígas acerca da<br />

Via Láctea encontra-se na obra de STANLEY L. JAKI, The Milky ~y:<br />

An Elusive Road for Science (New York: Science History Publications;<br />

Newton Abbot: David and Charles, 1973).<br />

75 O Presépio [Praesepe] (M44) , que os gregos designavam por<br />

Manjedoura, está na constelação do Caranguejo (Câncer): os Aselos<br />

(do latim, Asellus, -i, diminutivo de Asinus, ou seja, burrico, jumento)<br />

são as duas estrelas grandes da gravura: Asellus Borealis ou Burro do<br />

Norte (r-Cancri), e Asel!us Australis ou Burro do Sul (o-Cancri).<br />

Sobre a mitologia associada ao Presépio veja-se o livro de ANTÓNIO<br />

MAGALHÃES, Mitos no Céu (Lisboa: Gradiva, 2004), pp. 99-100, de<br />

onde copio a seguinte explicação: "Para Ptolomeu e para os Gregos,<br />

Gama e Delta eram Onoi, os Asnos. Os latinos chamaram-lhes<br />

«Aselli» ou "Asili» , com o mesmo significado, donde resultou a designação<br />

actual, "Asellus». Os nomes nas diversas línguas eram em geral<br />

equivalentes a estes termos e também a referência aos burros em volta<br />

da manjedoura".<br />

76 Isto é, entre 7 de Janeiro de <strong>1610</strong> e 2 de Março de <strong>1610</strong>.<br />

222


77 Hora sequentis noctis prima. A primeira hora da noite não<br />

se refere à uma hora depois da meia noite. No tempo de <strong>Galileu</strong>, o<br />

tempo era contado a partir do põr do sol e o dia civil começava e<br />

terminava com o põr do sol. A primeira hora em Pádua a 7 de<br />

Janeiro de <strong>1610</strong> começou por volta <strong>das</strong> 16h30.<br />

78 Nesdo quo Fato ductus. Cumprindo a vontade dos deuses,<br />

como um herói épico.<br />

79 Segundo as Ephemerides coelestium motuum (Veneza, 1582)<br />

de G. A. Magini, que <strong>Galileu</strong> possuía, Júpiter seria retrógrado de 8<br />

de Outubro de 1609 até 4 de Fevereiro de <strong>1610</strong>.<br />

80 min: O. sec: 40. Aqui e em ocorrências semelhantes simplificámos<br />

a tradução omitindo os zero minutos e escrevendo apenas os<br />

segundos.<br />

81 Figura corrigida de acordo com o que se tornou habitual em<br />

algumas edições modernas do Sidereus Nuncius (por exemplo, as de<br />

Van Helden e Shea): no original falta uma estrela que foi inserida,<br />

entre parêntesis rectos.<br />

82 Entre 30 de Janeiro e 13 de Fevereiro <strong>Galileu</strong> encontrava-se<br />

em Veneza, para tratar de assuntos relacionados com a publicação do<br />

livro, e foi aí que fez as observações nessas noites.<br />

83 O original tem Ho.1.m.4, mas trata-se de um lapso de <strong>Galileu</strong><br />

(que, aliás, também se verifica no manuscrito). Em vez de 4<br />

minutos deve ser 40 minutos. Corrigimos na tradução.<br />

84 Figura corrigida. No original falta uma estrela que foi inserida,<br />

entre parêntesis rectos.<br />

85 Aqui trata-se da estrela fixa. Um lapso de <strong>Galileu</strong>.<br />

86 O valor real é de cerca 16 dias e 18 horas. Na altura em que<br />

escreveu o Sidereus Nuncíus, <strong>Galileu</strong> ainda não havia determinado o<br />

período dos satélites de Júpiter - um dos seus mais notáveis feitos<br />

em astronomia -, mas já concluira que os períodos são maiores<br />

quanto mais afastados de Júpiter estão os satélites. <strong>Galileu</strong> não tira<br />

223


mais ilações desta observação, mas ela é de extremo significado.<br />

Alguns historiadores sugeriram que este argumento teria desempenhado<br />

um papel central na aceitação do sistema coperniciano: "I<br />

would suggest that this realization that the earth could likewise keep<br />

the moon in tow was absolutely central to Galileo's conversion to a<br />

strong. enthusiastic heliocentrismo Later, when he had determined the<br />

periods of the circumjovials. he realized thar the innermost satellite<br />

was rhe quickest to round Jupiter, the outee satellite was the slowest,<br />

and so on. Behold! A miniature Copernican system!", OWEN GINGE­<br />

RlCH, «Truth in Science: Proof, Persuasion, and the Galileo AfIain> ,<br />

Perspectives on Science and Christian Faith, 55 (2003) 80-87, cito na<br />

p.84.<br />

87 A única alusão directa ao nome de Copérnico e ou do sistema<br />

astronómico por ele proposto. Na Dedicatória, contudo, <strong>Galileu</strong><br />

já deixara clara a sua adesão ao heliocentrismo copernidano.<br />

88 Um passo importante em que <strong>Galileu</strong>, sem fazer uma identificação<br />

explícita, ataca o modelo de Tycho Brahe e os seus apoiantes<br />

(e não o modelo ptolomaico). Note-se que a comparação é estabelecida<br />

entre Júpiter e os seus satélites e a Terra com a Lua. Vide WADE<br />

L. ROBISON, «Galileo on the moons of Jupiten., Annals o/ Science. 31<br />

(1974) 165-169.<br />

89 Movimento oval. <strong>Galileu</strong> nunca deu crédito à proposta revolucionária<br />

de órbitas elípticas apresentada por Kepler na Astronomia<br />

Nova (1609).<br />

90 Deve notar-se que o primeiro destes fenómenos descritos por<br />

<strong>Galileu</strong> - o aumento <strong>das</strong> luminárias pelo efeito dos vapores perto do<br />

equador não é rcal. Quanto ao bem conhecido efeito do aumento do<br />

Sol e Lua perto do horizonte era sabido de há muito tratar-se de<br />

uma ilusão devido à perspectiva.<br />

91 Refere-se novamente ao que virá a ser o Dialogo sopra i due<br />

massimi sistemi (1632).<br />

224


GALILEU GALILEI<br />

S/DEREUS NUNe/us<br />

Reprodução facsimilada da edição de Veneza,<br />

Tommaso Baglioni, <strong>1610</strong>


SIDEREVS<br />

NVNCIVS<br />

MAGNA, LONGEQVE ADMln.AnlLlA<br />

!>pl.'dacula r~ndeD6 ~ fufj,icicodaq1re propom:ns<br />

vnicuiquc .. pr:rfcrrun vero<br />

P lJ 1 L O S O P II IS,


SERENISSIMO<br />

COSMO MEDICES II.<br />

MAGN O HiETR VRllE<br />

D v C I 1111·<br />

'1\. ttclarum fim" Allple hUlIlI!11it atis<br />

pIe num tOrUm jUft mflitutum, qui<br />

excellentium f7./irtute "'PirOrUTIJ tU<br />

prttclare g.eflAs Ab imlid,a tutari ~<br />

eorumque immol·tAlitate digna no ..<br />

mma ab cbllUione , atque Imcri/tI<br />

'Vindicare conal; flnt. Hine Ad mcmor;am paflerita.<br />

tit prodrttt ImAgines, "'Pel mart/Jore inJculpttt, "Vel ex<br />

tt,f. fiatt; hinc POjitlC .Ú.1tlflt tA1I1 pedelires''fuà1n..J<br />

cqu~flresj hinc Co/umnarum,at'fue 7Jyramidum,"Ptin ..<br />

quit il!e,fomptur ad Sydera dua,; hinc.denique'VrIJfs<br />

a:dip"catl?, {orumquc I11fignittt IJomimbus , 'luos gral"<br />

pojleritAS II:ternit ati comrnendandos exi!hmault'. Eiu]:<br />

TI10dlt fi mimbumanlt mentis conditio J "'Pt "ifi alJidu;s<br />

rcrum fimu!acris m tam extrin(uus irrumpentibus<br />

ptdfctur, omnis ex illa recordatio lad/e eJ/luat.<br />

Veí'llm alij firrâora, ac diulttrtJiora j}eflanleS,ttter ..<br />

?Ulm fumN10rum 'Virorum prttconium non foxú,ac me ..<br />

eA. 2. tal/is<br />

[229]


tal/ii ,{eJ ."'fu/ârllmtufl(Jái~ j & ÍlJ(()rruptis li/fera ..<br />

rum 11I0mlmem;s conftcrarunt. eAt 'luid ego ~fJ4 C01l:­<br />

memoro I 'Juaft t"f/(ro humana fllertlA /;is contenta re­<br />

I.itmibus J -vlterilis progredi non fil 4Ufa) attamfn /Otlgius<br />

illa prolficiens" cum optím~ intelf,geret omnia hUmana<br />

monumenttl, t"f/i, tr:mpeflat!J "''Veluflate ftl,ndcrn<br />

interirl', incorrt'ptiora Signa ex.cogitauit, jlJ qlla Tem.<br />

ptlS edax, 41'lue itmidio/À. Pttujltts nuli"1II ftbi itu -vin..<br />

d/carrt. ln elE/um ittl,quem1;rans,clarijJimol·umSy ..<br />

JcrUill1'i(·tis.> fempiternis illisOrbi/"u eom1lJ nom:ntl<br />

confign4uit;l 1ui 06 t.f,re,gitl, I ac proft diuíntl, flcinord.<br />

Iligm ha!.uú font, qui 'VnJ cum eA.flris ~uo ftmpiter ...<br />

110 fruerentur. ~am 06 rem 11011 prius 10uis:1 (!..'ll ar-<br />

. tis, .5l-1ercurij , Hercl!lis" citterorumquc heroum''l"rJ ..<br />

rum '11~tnini6I1s Stellit tl,fpeUtl,11ttlr "lã"Ja ohftldr.tbi- .<br />

tur" q"àm ipforum Syderum jplendor extinguatur.<br />

Boc tl,utem hl41J1t1,1M I"gtl,citdtis inumlunl cum primis<br />

nflbile J tl,C lIlirAnd"m mu/tortlm iam flc"lQrum inter­<br />

IltI,/lo exoleuit, priftis heroifJus lucid.u il/ll,l fides oc~<br />

C"1'tUJtibuS, If.C fio qUA(i jure tencntibus: in quorum<br />

c 4tum fi·uftrA piel4s eAlIgu.fti /u/ium C~forem coallare<br />

conata e{J: nam (:umStc/J"mju() tempore exorttl,fIJ l<br />

ex ijs" qutJt Gr.eri Cometas, noflri Crinitas ""..,ocant,<br />

lultum ... \ydus nuncu/,arl "Poluiffet,breui illae'#tI,nefienl,<br />

tant.e cupldUlltis jpem tlelufit. At'Jui lJ11ge 'Verio ..<br />

ra, ac filiciora.l 7>rl11ceps S ere1J~ffime, Celjiludini tute.<br />

poJJi$TIIUS Au.~urari ; n411J 'VIX dum in terris imrnortalia<br />

tl,mm; IUI decora [u/gere C4perllnt, cum;n CallS 111-<br />

,;t/4 ~.1Jcr~ft lê ()fI,runJ~ 'lHIC tAl1'1esam /mgu4 P'4-<br />

Han ..<br />

[230J


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Jlantiftitn41 'Vir/lltt I IU41 in (JtJ1lJt ttmpusl0'luantur,<br />

'" ,elebrlm. En igitur ,!ualuor Sydcr4 tuo ,",lytO"o...<br />

mini referu4ta) neljue i#a de gregario J ae minus in{lgni<br />

inerrantium numero, fld ex illuflr; 'Vagantium<br />

lJrdine , qu~ quidem difparibul ;nter fo mOlibus tir ..<br />

,um Iouil ~'te"am e~terarum lIJbi/1]imam, tan'luam<br />

germana tius pr9geniel) mrfos fuos) or"esque (onft...<br />

âlln! ce/eritAre mirab;!i interea dum '7.JnAntmi con ...<br />

cordia cirea mundi eentrum, cir,a Solem nempe tE'''<br />

fi/m, oml1ia fimul duoderimo qU0'lue Anno magnas<br />

CO"UO!Uti011eS ablôluunt. 'Vt a"tem ínclito Celfiludi-<br />

11is tUd: nomini pr" c&teris nONOS bofle 'PlanetAS de ..<br />

fli11ltrem, 'pfêmet Syderum Opifex perfpicúis 14rg.umtn<br />

tis me admonere 'VijUs efl. Etenim que1IJAdmoduIII<br />

bte Stell.e tamquam Ioue digna proles nunquam ab illie,,s<br />

latere, nijí exíguo interual/o di/cedunt; ila qllis<br />

iglJOrat clementia1n, animi manfoetNdinem J moru",<br />

foatltitatem, regij fangllinis (plendorem, in aélioni ..<br />

Ims mllieflarem J authoritatis ~ &' lm/,erq in alios<br />

ámplitnJinrm, qUdi qUidt'm omnia in tll4 Ce/fitudme<br />

fi6i dortliclllUm, fAC fldem collocarunt ~ quis inqutt11l<br />

ignorat /JótC omnia ex benignijJimo lluis Afiro, Ihu,,­<br />

dum 7JCUffJ omlzillm bonorum fintem, emanáre? 11Ippiter,<br />

[u/,/,iur inquarn, à primo CeljitJidmis tu.e ortll<br />

turbidos H()ri~1Jtis "Ptf/,ores iAm trtm/gr:lJüs meduunq;<br />

reli carJinem o"upans ) Orientalemq!le angulum lu"<br />

7\egia i/luflrans,ftzlicijJimum /,Artúex flblim:- illo tro<br />

no projpexit,omnemq;fplendorewJ atq; am;/lttld:1JC11I<br />

ruam in F"rijJimum Aer(m projúd'l J 'VI ''7.milJ.crj.trI'<br />

útam<br />

[231]


'Ila m t'f,'im ) tI( potcJIdum une"u", corpuftulum 1'T.I11J<br />

(um animo 110/;;lí07;bIlS ornam, 71tis iam À Dco dccnr4-<br />

to ~p"imo lPiríttl hAuriret. V crum 'luid c ... (O proba6;.<br />

libus t'Vtor argtJmentatiol1ibUS:> (um rd ncajfari4 propemodum<br />

ratltme cOl1cll"dere ) ac demonflrare qutam I<br />

r.pIMu;t7)eo Dptimo Maximo:> "Ptà Seren~lfmis pa ...<br />

rentibus tuis no» indignus exi/Hmarer:> qui Ce/fitudi ..<br />

'fIi tute itJ lradendh Jvlathemttticis diftplinis operam<br />

nauarem, quod quidem pr~fíiti qllatl~or foperioribus<br />

1J.111Jis pl'oxtmJ elapfts, tO al1l1i tcmpare ii quo 4 fluerio.<br />

ribus jludijs ocium ej(e confieuit. .i00 drca cum mi·<br />

bi di,,;nitus plane comigerit;'Pt Ce/filudi"; tu.e i'ft(eruirem:><br />

atque ;deo incredibilis Clemtnti~, de bmi;;nitatis<br />

IU.e radlOs propius exaperim; quid mirum fi animus<br />

meus adeo incaluit:> 'VI nihil aliud propfmodum<br />

dia, notiesque meditetur:> qUd11J rvt e,go.1 qui nOI1 (o.<br />

lum a»imIJ> fid ttiam ipfo o1'tu.1 ae natura.fol, tUd...J<br />

Jominatione fom, tuoe e,lori.e cupidijJimus:> cr qulll1J<br />

gratijJimtfs {rgare cjJecr .... e:no.fc4r! Ji(.u~cum itaftnt:t<br />

(um te Aujpice C OS ME SerenijJime, has Sul/as<br />

!uperiori/;us Aflronom;s omnibus incognitas explora.<br />

uerim ~ optimo iure eM r:Auguflilfmo l'].>rofoPi.e tu.e nomine<br />

in{iglúre dureu;. i!.!.,od ft il/as primus indagaui)<br />

'luis me iure reprtChendat, fi ijfliem quoque nome."<br />

impofuero,ac ME DIC AE A sr DE 1{ A Appellaro<br />

?jperanJ [ore, 'Vt tantl~m dignitatis ex hac appellatione<br />

ijs S"derilJUs acudat.) qÚIl'l1/um ttlitt ctetcr;s<br />

Heroibus attt,tlerrmt. :JV:.!.m "Pt taceam de SefenijJimil<br />

tui! c.9J-laioribt-:s.) '1uorll.m gloriam jttlipiurnam omnwm<br />

[232]


4-<br />

nium hiftor;ArUm mOnUlnt11t4 tefl4ntur ) fol4 tU4 'Vir..<br />

tus ) Maxime H eros , illit eAflris impertir; poteft 1If1 ..<br />

tninis immortalitatrm. CHi mim duMum effe poteJi<br />

'1U;lI 'luam tui e xpell ationem ft/ici(s imis lmperij Au-'<br />

fpicijs concitaft;, quamuis fommam ~ tam 1I01l1"/um.<br />

Jieffineas, aC tuear;s , 'Vlrum etiam longo intel-ual{a<br />

flperatt~rus /is ? "Pt cum alios tui /imites 'Vieeril, te ...<br />

Cum nJhiJominus ipfe certes.) ti, te ipfo , Ae magllitudi.<br />

"Oe tua in dies 1IIaior eUdias •<br />

Sufcipe itaque Clemcnriflime '1'rineeps bane ti"; ali<br />

eAftris' refiruatam gemiliciam gloriam, & illis diNinis<br />

bonis, 1Utl non tam ti Stellir, quttm d Stellttrum Opifiee<br />

.) ac ModerAtore 'Defl ti"i Jeferuntur, '1"4111 d,ll ..<br />

tiflime fruere.<br />

, DAtum Pat4úij 4.Iàus M4rty, ""l 'De x.<br />

Celfitudinis tUI:<br />

tAJJirJifsimul SeruiiJ<br />

[233]


cu : EcccllentimmiSignori Cari deU; Etc. Conr. de' X.<br />

infràfcritti) hauuia fede dalli Sig.Reformatori dc:J Studio<br />

d~Padoua"per reJarione delli due à qucfto deputati , doe<br />

daI Reuer.P .1nquifitoT,& dai Circ:Sccrcrario dei Scn~lto<br />

Gio.Marauiglia~con giuramc:r:rc 1 come nelljbro ImitoIa ..<br />

to S Y DE R E V S N VNCIVS" &c. di D.GaliIeo<br />

GaJilci. non li troua aleuna cofa contraria alia Santa<br />

Fede CattQlica,Prendpi)& buoni cofiumi.& che c degDO<br />

di Sta1llpa,conccdono licenza, che poffi cífer ftampato in<br />

quefia.Cinà.<br />

D.atumDie primo Martij <strong>1610</strong>.<br />

D.M.Ant.Val~e{ro<br />

l>.Nicoio BOA ( Capi deU'E". Conf. de' X.<br />

D,Lunardo Mar,eUo .)<br />

t11ullriffimi Contilij X,Secretariu$<br />

Ba11holom~us Comi nus •<br />

i 6 lO. adi 8.Mar:zo. Regid. in libro à carte 39-<br />

lOltl •. B:tptiíla Breatro off.<br />

Con • .8laíph.Coad.<br />

[234]


ASTRONOMICVS<br />

NVNCIVS<br />

o BSE R. Y .4 T 10 N ES Jl. B C E N S H.4 BIT'" 6<br />

N 'IIi Ptrj}killi iI,nll.;' ;~L"",~ fMir~L"éie, çir"'­<br />

Stt/li.rf, ncbllújis ~ ;n""meril jxis ~ fi/til'.;.<br />

(jllll'lIor p/4nclis<br />

C O S M I C -Â S r DEitA<br />

IJII1:CNp/llis ~<br />

nlllUjfl/l1ll Ç"'Ú,lJis t1dhllç t,.,i",1I1 J<br />

.11'1'11 tltÇl"TAIU.<br />

A-C N Arequidern in b3C exigua<br />

tralbtione fingulis de Natura<br />

fpeculantibus infpicienda, coo·<br />

tcmpJanda


OBSElt VAT. SIDERBAH<br />

per duas tantum cafdem dimenfiones dillaret; adeo<br />

vt eiufJcm Lunz diameter vicibus quafi terdenis, fuperficies<br />

vera noningcntis:# foliduln autem corpus<br />

vkibus pl'Oxime viginti feptem mil11bu$ mains appa.<br />

reat,J quam dum libera tantumacie fpeétatur: ex qUQ<br />

deinde [enfaea certitudine quifpiam intelligat, Lun3m<br />

fuperficie leni 1 & per palita nequaquam effi: indutam ...<br />

fcd a[peta. & ina:quali, de vduti ipfiusmet Telluris<br />

facies ingentibus tumoribus" profundis lacunis, ate<br />

que anfi-aétibus vndiquaque confeItam exifiere.<br />

Altcrcationes infuper de Galaxya,J feu de Laéteo<br />

circulo fubfiuliífe:l eiufquc. elfentiam fenfui, nedum<br />

inteUcétui manifeftaífe, parui momcnti exirtimandulD<br />

rninime videtur dnfuperque fubfi.amiam Stcllarú .. quas.<br />

Nebulofas hucvfque Afironomorum quilibet appella ...<br />

uit digit.o demonfirare o longeque aliam dfe quam ereditum<br />

haétcnus efi,iocundum erit, arque perpulcrum ..<br />

Verum, quod omnem admirationem longe fupe ..<br />

rat, quodve ad Monitos faciendos cundos Afironomos,.<br />

atque Philofophos nos· apprime impulit.,. ii·<br />

lud ell:, quod [ciJicet Quatllor Erraricas Srellas nemi ..<br />

ni eoruro, quI ante nos,. cogruras) aut obt.eruatas ad.<br />

inuenimus,. qua: drca StdIam quandam infignem e<br />

numero cognit3rum ,. inllar Veneris) atque MercuriJ<br />

circa Solem, ruas. habent periodos.) ea.mque modo<br />

pr;eeunt, modo fubfcquunrur) nunqu


ItECENS HABITAE. ,<br />

caGonem prius breuiter commemorabo , d einde habi ..<br />

tarum à me ObCeruationum hiftoriam recenfebo.<br />

ME N SI B V S abhinc de,! fere rumor ad aures<br />

noRras increpuit .. fuiífe à quodam Belga Per.<br />

fpiciUum elaboratum.. cuius beneficio 'obieéta vifibi·<br />

lia .. licet ab oculo infpicientis longe dínica, veJutipropinquadHl:inde<br />

,ernebantur; ac huius profedo admirabilis<br />

effeétus nonnuUz expedentiz circumferebantur,<br />

quibus lidem alij przbebant.) negabant alij.<br />

Idem paucos poR dies mihi per literas à nobiJi Gallo<br />

lacobo Badouere ex L metia confirmarum (R, quod<br />

tandem in cauCa fuit .. vt ad radones inquiren<strong>das</strong>,<br />

necnon media excogitanda, per quz ad confimilis Or·<br />

gani inuentionem deuenirem;me totum conuerteremj<br />

quam paulopoft doélrinzde RefraéHonibus innixus<br />

a1fequutus fum i.1C tubuto primo plumbeum mihi paraui.)<br />

in cuius extremitatibus vitrea duo Perfpicilla lt<br />

ambo ex altera parte plana .. ex altera vero vnum fphzefiei:<br />

conuexum, alterum vero éauum aptaui i oculum<br />

dcinde ad cauam admouens obiecta fatis magna, &<br />

propinqua intuims fum.; triplo enim viciniora, nonuplo<br />

vero maiora app.lrebant, quam dum 101a natutaU<br />

acie fpedareutur. Alium poítmodum exaéHorem<br />

mihi elaboraui .. qui obieda plurqual11 Ccxageties malora<br />

reprrefemabat. Tandem labori nuIlo ~ nullifquê<br />

fumptibus parcens, co .i me deucntum efi, vt Orga.<br />

num mjhi conílruxerim adco exceHens:» vt res per ipfulU<br />

vira: millics fere maiores appareant ~ 3.C plufquaol<br />

in terdecupla rJtioneviciniores, quam li naturali tan"<br />

tum facultare (jlcctemur. Huius InRrumenti quOt,<br />

quantaque lint commoda cam in re terrcílri, quam in<br />

Marittima omnino fuperuac3.neum toret enumerare.<br />

Sed miais terrenis.. 3d C(l!leílium fpcculationes me<br />

COlltuli: ac Lunam prius tam ex propinquo 'um in •<br />

.ü ao tuil:us)<br />

[237]


OBSElt VAT. SIDEREAE<br />

tuitus"ac fi vix per duas Telluris diametros abcfTet ..<br />

Poll bane Stellas tutn fixas, tum vagas incredibHi a·<br />

nimi iocunditate fa;opius obferuaui j eumque harum<br />

maximam frequenriam vidC'rcm. de ratione qua illarum<br />

interlHtia dimetiri poífem excogitare c~pi" ac<br />

d~mum reperi. Q,tIa de re IinguJos pra!monitos elfc<br />

decet. qui ad huiufcemodi obferuationes accedere<br />

volum. Primo eoim necefiadum ea, vt fibi Perfpicil·<br />

Jum pareiU exaél:jffimum) quod ohieéta peUucida)<br />

diíHnda, & DuUa caligine obduêla reprcrfenret) cademquead<br />

minus fccuooum quatereemuplam rationem<br />

multiplicet. tune enim ma bisdccupl0 viGiniora<br />

communHrabit; niti cnim tale fucIit lnftrumemum,.<br />

ca omnla" qux à nobi$. confpe~a wal in c~lis II quzvê<br />

intra enumer:lbunrur II intueri tenrabitur trunra. VI:<br />

autem de muldplicatione inílrumcQd quilibet parua<br />

nego do ,crdor reddatur> circulos binos. aut quadra ..<br />

ta bina eartac~a concornabit II quorum alrcrulll qua.<br />

terccnties altero majus exUl:at) id autem crit tune "dí<br />

maioris di:unetcr" ad diamcuum altcrius longitudinc:<br />

fuerj;: vigecupla;. dciode fupcrficies ambas in eodem<br />

paricte inEiAas íimul à longe fpedabir ~ minoré quidem<br />

altero oculo ad Perfpicillum admoto t ntaiorclU<br />

vere ~!te:o oeulo libero i commodê cnim id ficri li ..<br />

(;Ct vno codcmque tempore oculis ambobus adaper ..<br />

tis; tune enim figurz 301bz eiufdem apparchullt luagnitudinis,<br />

fi Organum [ccundum optaram proportionem<br />

obic:éla multiplicaucrit. ConlimiJi parat& ln ...<br />

firumento, de ratioue dilbntiaru:n dimetiendarum<br />

inquifcndum crit .; quod tali artificio aífequemur. Sit<br />

enim ,fadlioris intelligenti3! gratià,'). Tubus A li CD.<br />

Oculus infPidentis eno E. radi; ~ dum nulla in Tubu<br />

adcílent Perfpidlla 3d .obiedum F G. fccundum li·<br />

neas reGtas B.C.F. E D G.tcrrcntur) íedappolitis Pcrfp"illis<br />

[238]


Â.<br />

E-=f<br />

R.ECENS HABIT AE. .,<br />

fpicUtis ferantu! fccunduQl liDcas refra<strong>das</strong> E C H.<br />

E D L. coarltanrur enim ) & qui prius liberi ad F G.<br />

()blcGtum duijcbautur , partem caDtummodo H I. cõ-<br />

C<br />

) ~<br />

D<br />

.,<br />

HJ<br />

G<br />

przbendent: accepra deinde radone ditlanti:e E H.ad<br />

lineam H 1. per tabulam tinuum rcperietur quantic4s<br />

aoguli in oeulo ex obiclto H I. conftituti ~ quem mi.<br />

nu ta q u.rdam tantum continere [om periem us. Q..u od<br />

fi Spceillo C D. bralteas ) aIiàs m:úoribus, ali às vero mi<br />

Doribus perforatas foraminibus aptauerimus) modo<br />

holne modo mam prout opus fuerit fuperimponenres,<br />

angulos ali os , atque aHos p!uribus, paucioribufque<br />

minutis fubtendc:nrcs pro libito confiitucmu$~ quorú<br />

ope StcJlarum intercapcdines per aliquot milluta adinukem<br />

diffirJ.rum J dua vnius, aue a!ccrius minuti<br />

pe,catum commodê dimctiri poterimus. Ha-c ca ..<br />

men fie leuiter tetigilfe~ & quaú prünoribus libaflc:<br />

labijs in pr.:rCenti:lrum fit [.,tis, per aliam cnim occafi()<br />

nem abfolutam hl1ius Organi theoriam ln medium profereanus.<br />

Nunc obferuationes :i l10bis duobus proxi"<br />

mcelapfis mcniibus habitas receufe3mus ~ ad m.agnarú<br />

protettõ contemplationum cxonJia omnes veril' l)hilo-<br />

1ophia: cupidos conuocantcs.<br />

De: fade 311tClll Luna: ~ qUi: ad aIpeaulD .noftrum<br />

vergit<br />

[239]


OBSEtt VAT. SIOEltEAH<br />

v~rgit primo loco dicamus .. quam fadlioris inteIJigen ..<br />

tia: .grada in duas' palres difiinguo ~ alteram nempe<br />

danorem ,obfcuriorem alteram: darior videtur totum<br />

Emifphzrium ambire, arque perfundcre i obfcurior<br />

vero veluti nubes quórdam fadem ipfam inneit, maculofamque<br />

rcddir j ifta: autem macula: fubofcura:, &<br />

fatis amplre vnicuique funt obuire, illafque reuum om ..<br />

ne confpexir; quapropter magnas~' feu antiquas eas<br />

appelJabimus .. ad diíferentiam aliarum macularum amplitudine<br />

minorum, ar frequenda ira confitarum, vt<br />

totam Lunarem fuperflciem) pra:fcrtim vero lucidio ..<br />

rem partem confpergant l ha: vero à nemjne ante nos<br />

obferuata: fuerunt i ex ipfarum autcm firpius iteratis<br />

infpcétionibus ~ in cam dedué'ti fumus fementiam J vt<br />

certo intelligamus~ Luna: fuperncic:m;, non perpoJi~<br />

,tam ) requabilem , exaébffima:que fpha:ricitaris cxiftere,<br />

vr magna Philofophorum coors de ipfa, deque reliquis<br />

corporibus cceleftibus opinara cft) Ced contra inrequa..<br />

!em, arperam , ,auiratibus, tumoribtiíque confcrram.<br />

non fecus;) ac ipliusmetTeJlurisfacieh qua: momium<br />

iugis ,vaIliumque profunditatibus hincindediíHnguitur.<br />

Apparentia: vero ex quibus hzc colligerelicuit<br />

cilJrmodi rum.<br />

Q!Ja.rta aut quinta poft coniundionem die .. cum<br />

íplcndidís Luna fefe nobís comibus offert ~ iam<br />

tCTminus ~ partem obfeuram à Juminofa diuidens,<br />

non a:quabilitcr fc(;undum ouakm lineamextenditur..<br />

vtluti in folido 'perfede fphreri(oaccidcret ;<br />

fed in(equabili) afpera) & -admodum finuofa linea<br />

defignarur, veluti appa-fira figura r-epra?fentar. compIures<br />

ením ve1utiexcrefcentiz lucidre vltra lueis tenebrarumqtiê<br />

conttuia. in partt"ln obkuram extenduntur<br />

.. & contra renebricora: paniculz jntta .,Iumen<br />

mgrcdiuniur. Quinimo;) & magna nigricantium macularum<br />

(240J


RECENS HABlT AE. g<br />

cularum t:xiguarum copia, amoino à ttl1cbrofa parte<br />

{eparatarum} COram feri: plagam iam Satis lumine pc!'~<br />

furam vndiquaquc conrpergit, illa r.ltem ~cepta par·<br />

te quz magnis ,& antiquis maculis cfl aftcaa. Adnotauimus<br />

autem) modÇ> diébs cxiguas maculas in hoc<br />

1cmpcr ~ & OInnes conucnirc) vt panem habcant ni·<br />

gricantem locum Salis rerpicientemi ex aduerCo amem<br />

.solis lucidioribus tcrminis ~ qualí candcnribus iugis co<br />

ronentur. Ar confimilcm pçnitus afpcGtum babemus<br />

in Terra cirea Salis cxortum) dum vallc:s nondulU lu ..<br />

mine perfuf3.s) montes vero iIlas ex aducrfo Salis. dr ..<br />

cundamcs i.:.m iam fplendorc: fuJgcntcs intuemur! ae<br />

vcluti rcrrefidum cauiratum vmbrol Sole fublimio ra<br />

perente immimuuntur, ir:! & Lunares jíl:r maculz s<br />

,rc:fccntc parte luminar<br />

.. t e m:b r ~s ami[[ull[ •<br />

1241 J


OBSEJ\ VAT. SIDERBAH<br />

Verom 0011· modo tenebrarum & luminis confioJ.<br />

in Luna inzqualia , ac finuora cernuntur, fcd .. quod<br />

maiorem infere: admirationem, pcrmulc:!' apparenc<br />

lucida: cufpidcs intra tenebrofam Lunx partem ·om ...<br />

nino ab lIIuminata plaga diuifoe .. & auulfa", ab eac.;uc<br />

non per cxiguam intercapedinem djffita:, quz paula ..<br />

tim aliqua interieéla mora magnitudine, & lumine<br />

augentur; roll vero [cçundam horam, aut t(rtiam,<br />

reJiquz parti Iucida!,& ampliori iam fadz iungunrur;<br />

ínterim tamen ali~ .. arque aliz hincinde quafi pulIula·ntes<br />

intra tcnebrofam partem acccnduntur, augen:<br />

tur, 3(: demum C'idem Juminofa;o fuperfidei magis 3d·<br />

huccxtenfz, copulantur. Huius cxemplum eadem fi.<br />

gura nobiscxibet. Ar non ne in eerris ante SoUs exor<br />

tum, vmbr3adhuc p13flities occupanre, :l1d!limomm<br />

cacnmina montium Solaribus rê\dijs iJ1uIlrantur? non·<br />

ne exiguo inrcrieao tempore ampliJcur lumen dum<br />

mcdÍll',,&brgiores corundemmonrium part.es ilJumi.<br />

llantur j ac tandem erro iam Sole planicierum, & col~<br />

Hum i1Jumln:uiones iunguntur f Huiufmodi autem<br />

cmíncnti:".nlln ) & cauitarum difcrimina in Luna longê<br />

lat.eque terrcfirem afperitatem fuperarevidentur li vt<br />

infral~cmonfirabimus. Intcrim filenuo minimc inuol"<br />

uam quid animaduerftone dignum à me Qbferu.uum '<br />

dum Luna ad primam quadraturam properaret , euiu!<br />

ctiam imaginem eadem Cupra polira delineado pra-fefen;<br />

ingcns eoim finus renebrofus jn partem lumino ..<br />

fam fubit li vcrfus inferius cornu· locatus; quem quidé<br />

finu11l cum diutius obferuaffem , rotumque obfcurum<br />

vidiffem, tandem poft duas fere horas paulO inEia me·<br />

diulll cauicatis vcncx quidam lUI11!nofus exurgcre elepit<br />

I hic vero paulatiOl ,refcens trigonam figur,j m PI a!<br />

fe fCl"cbat, eratquc omnino atlhuc à lumino13 t:'tdc rc·<br />

uulíus, ac fcparatus; mex circ.a .il1um trcs alia:: ctl11}iJc.\'<br />

exigucr<br />

[242]


Jl E C EN S H A BIT AB. ,<br />

exjgu~ Jucere c~perunt; dom~c, Luna iam occafuDl<br />

verfus tendente. trigo na illa figura extenfa, & 3m.<br />

plior iam fàéta cum reliqua luminofa pane neétebatur ..<br />

ac inftar ingentis promontorij, à tribus iam comme ..<br />

nlOratis Iucidis vcrtidbus adhuc obldfa. in tenebro ..<br />

fum finum erumpebat. ln extremis quoque cornibus<br />

tàm fuperiori ilquàm inferiori fplendlda qUírdam pua<br />

da t & ornnino à rcliquo lumine diliunétaemergebane<br />

; ",eJuei in eadem figuradepidum cernitur. Erat ..<br />

que magna obfcurarummacularum vis in vtroquecor<br />

nu, maxime autem in inferiori ; quarum maiores, &<br />

-ob[curiores apparent , qu~ termino lucis, & tentbrarum<br />

viciniores [unt;remotiores vero obfcura' minus.<br />

ac magis dilu t-3?Sempcr tamen ) vt fupra quoque me ..<br />

mimmus ) nigricans iplius macula: pars irradiationis<br />

Solaris locum r-efpidt .. [plendidiorveró limbuI nigricantem<br />

maculam in pane SoU auerfa, & Lunz tene ..<br />

Inolam plagam refpidente, circundat. Hzc Lunaris<br />

[LI pel fides, q uà maculis, inftar Pauonis cauda cfrUe<br />

leis oculis> ditlinguitur .. vitrcis illis vafculis redditut'<br />

coniimilis ii qU:l adhuc calcmia in frigidam immilfa<br />

perfraétam :> vndofamq; Cupedidem acquiruBtJcx quo<br />

à vulgo GladalesCial'l nuneun'pantur. Verummagna:<br />

eiufdem Lunz maeul~ confimili modo interrupta!) at·<br />


OBSHVAT. SIDEREAE<br />

&um daturam. DcprdIíores iofuper in Luna ccrnuntur<br />

magnzmacub:, quim dariores plagz; in illa c:nim<br />

ram crCfceatc j qoam dccrcfec:ntc (eroper in lucis tenebrarumque<br />

confitúo l promiocntc hincinde dn:a iplas<br />

magnas maculu contcrmiui partis lucidioris i vclutl in<br />

deCcribcndis ngufi.s obferuauimus j ncque dcprcfii.ores<br />

tantummodo fune diaarum macularum tcrmini, (cd<br />

zquabiliorcs,Dee rugis, aue afpt.rlr3ubus interrupti.<br />

l.ucidior veró pars maxime pro pc maculas eminet i a­<br />

dto vt, & ante quadraturaul primam ~ & in ipla ferme<br />

fecunda circamacul.1m quandam ,fupcriorcrn J barcakm<br />

ncmp~ Lun~ pJagam occupantcm valdi: a((QUantur<br />

tam Cupra iUam" quàm intra ingentes qU.l.'d;t emi·<br />

DeDU"', vcluti appoútz przec/CrUnt dclincationcs.<br />

(244J<br />

HóEC


.... ~~RECENS HABITAE. n<br />

-<br />

H~c ~adem m:rcuTa ante quadraturam<br />

nigrioribus quibufdam ttrminis circumualJ.1flt C'onfpi.<br />

ciwr i qui t3nquam altillima montiwu juga (;x parte<br />

Soli aucrfa obfcuriores apparcnt» quà vcro Solc:m re·<br />

fpiciunr Jucidiorcs extant; cuius oppofitum in cauit3-<br />

tibus.acci .. iit) quaruO'\ p3rJ SoU auerfa fplendcns apparte)<br />

obfcura vero) ac vmbl'ofa) quz ex pane Solis<br />

{ir,] di . lmminuta deindc luminor; fupcrticic, cum<br />

primum t O ta fteme diaa macula tcncbtis cfiobduda,<br />

dariora rnõtium d?rf3 cmincntcr [cncbras rcandunt.<br />

HJnc dupliccm apparcnd,uu fc:quente$ .6gur~ ,ommolleam.<br />

[2451<br />

c • Vnum


•<br />

--- _..- .....<br />

[246J


R E C EN S H A BIT AE. r r<br />

Vnum quoque obliuioni minime tradam, quod nó<br />

niRaliqua c\Im admiratione adnotaui: mcdium quafi<br />

Lunz locum à cauitate quadam OccupatLlm cffe celiquis<br />

olunibus maiori,ac figura perfeétz rotunditatis;<br />

hane: prope quadraturas ambas confpexi eandemque<br />

in Cecundis Cupra poRtis liguris quantLlm licuit imitatus<br />

fum •. Eundenl qu\o ad obumbrationem, & illu.<br />

minationem facit afpetlum, ac faceret in terds regio<br />

confirnilis BoemlZ',) li montibu, altjffimis, inquc pe.<br />

ripha:riam perfeéH cin:uli difpofids ocduderetur vn·<br />

dique: in Luna cnim adeo ela tis iugis vallatur, Vt C).'.<br />

trema horatenebroCa: Lume parti contermina Solis<br />

lumine perfura fpeétetur ~ priufquàm tueis v-mbrcrque<br />

terminus ad médiam ipfius figura: diameuum peningat.<br />

De more au.tCtn reliquarum macularum,vmbrofa<br />

ilIius pau Solemrefpicit ~ lurninoíà vero verfus [encbras<br />

Lume confiítuitur ; '1uod tcrdo Jibenter obier.<br />

uandum admoneo, tanquam firrniffimum argumen.<br />

tum) aCperitatum, ina:qualiratulnque per totam Luna:<br />

e:lariorem plagam dtiperfarum ~ quarum quident.<br />

macuJarum fcmpcr nigriores funtillz) qu.r confinio<br />

luminis, & renebrarum contermina: fuDt ;.remotiores<br />

ver o tum minores I'tum obfcura: minus apparent) ita<br />

vt tandem cum Luna in oppo[ttione torum impleue ..<br />

rir orbem .. modico, admodumq~e renui dif,rimine.<br />

cauitatum opacitas. ab eminentiarum ,andore difac.<br />

per • _I'. • .. 1 o·<br />

Ha;c quz receW.unnus<br />

oh L •<br />

10 c anOfl us unz regIanibus<br />

obferuantur, verum in magnis mae:ulis tal is nó<br />

confpici tur lacu naru m) eminentiarum4. ue differen tia,<br />

ql1alem nece(fariõ confiituere e:ogimur in partelucidio<br />

ri .. ob mutatioDem figurarum ex alia, atque alia iIluminatione<br />

radiorum. Solis· ,. prout mnltiplid pofitu.<br />

LW1a1Uref~icitj. atin magtÜ$ maculise.xifiuot quidem<br />

areolz<br />

[247]


OBSEtt VAT. SIDEltEAE<br />

areoJél' nonnulJ~ fubobfcuriorcs vc1uti in figuris adno·<br />

tanimus I attamen ma;! eundem femper faeium: afpe.<br />

dum, neque inrenditut eatum opaciras, aut remiui·<br />

tur) [ed exiguo admodum difcriminc:: pauJulum ob.<br />

fcuriores modo apparent, modo vero darior,es i fi magis<br />

,aut minus obliqui in eas radij Solares incidanr ~<br />

iunguntur pra!rcrea cum proximis maéularum partibus<br />

leni quadam copula.) confinia mifeentes, ac con ..<br />

fundentes; {ecus vero in maculis accidit fplendidioré<br />

Lun:l fuperfieiem occupantibus; quafi emm abrupta'!<br />

rupes afperis, & angularis feopulis confirz, vmbrarú,<br />

Juminumque rudibus difcriminibus ad fineam difrer.<br />

m;na'ltur. Speét.lOtur infuper intra eafdem magnas<br />

maculas areolor quredam alia! dariores, imo nonnullz<br />

lucidiffima': vtrum & harum, & obfeuriorum idem fem<br />

per eft afpeélus, nulIa , aut figurarllm t aUI: Jucis ,aue<br />

opacitatis mutatio; adeo vt cvmperrum, indubita ..<br />

tumque fit,apparcrc ilI;I$ ob veram partium diIlimila.<br />

ritarem, non amem oh imrqualitates tantum in figuris<br />

eafundem partium , vmbras ex varijs Solis illumi.<br />

nalioOlbus diuer6modc mouentibus; quod bene c-ontingit<br />

de macuJis alijs minoribus clariorem Luna' par.<br />

tcm occupantibus; indies cnim permutanrur, augentur,<br />

imminuuntur ,abolenrur; quippe qua: ab vmbris .<br />

t:lnturn eminentiarum ortum ducunr.<br />

Verum magna hic dubitatione complu res affici fentio,<br />

adeoque graui difllcultatc occupad , vt iam explicatam<br />

,& toe -'pparcntijs confirmatam concJufionem<br />

in dubium reuocaie cogantur. Si enim pau illa Lunatis<br />

fu perficiei ~ q Ua! fplendidius Solares radios fel or.<br />

quet, anfi aGtibus;) tumoribus feificet, & lacunis innumeris<br />

dt rCplctà; cur in crcfcemi Luna extrema dr ..<br />

cumfcrenria, qu~ occalum verfus lpedat, in dccrefcemi<br />

vera altera femidrcumferenda oricntalis, ac in<br />

p1eniiu-<br />

[248]


RECENS HABIT AE.<br />

pieoilunio tota periph~ria non inzoquabilis) afpera» &<br />

finuofa) verunl exaéte rotunda, & ciJcínar.lJOoulhíque<br />

tumoribus) aut cauiratibus corrofà eonfpich:ur! arque<br />

tx eo maxime, quia tOtuS integer limbus ex dariori<br />

Lunre fubltaoria conaat, '-luam tuberofam, laeunof.zmque<br />

totam etre di\(imus) magnarum cnim ma,ularulll<br />

nuIla ad extremum vfque perimetfUm exporri.<br />

gitUf, fed omoes procul ab orbita aggregátír ,eroun·<br />

tur. Huius apparentizo anfam tam grauiter dubitan.<br />

di prrebends" duplicem ,aufam JO ac proiodeduplicem<br />

dubitationis foJutionem in medium affero. Primo e ..<br />

nim; fi tumores) & cauitates in corpore Lunari fccundum<br />

vnicam t3DtUnl circuli periphreriam) emi[.<br />

phrerium nobis confpicuum tcrminantem, protende"<br />

renrur i tune poífct quidem, imo deberet Luna fUD<br />

fpeeie quaíi dentara! rotzo fe fe nobás ofteodere ~ tuherofo<br />

nempe ~ ac finuofo ambitu terminata, ar fi non<br />

vna tantum eminentiarum feries, iuxta vnicam folummodo<br />

circumfc:renriam difpofitaruJn, fed permulei<br />

montium ordines cum fuis lacunis. & anfraétibus cirea<br />

extremum Ll1nz 'ambitum coordinari fuerint, ijq;<br />

non modo in emifph.zrio apparenre) fed in auerfo criá<br />

(prope ramen emifphiriorum finitorem) tuoe oculus<br />

à looge protpidens cminentiarum cauil:atunlque di.'<br />

(crímina depraohendere min.ime poterit~. intercapedincs<br />

emm momium in codem circulo ~ feu in eadem<br />

ferie difpofitorum :. obieétu aliarum eminentiarum in<br />

all;s) atque aJijs ordinibus conftiturarum) occultaotuf»<br />

idque maxime I fi oculus afpicíentis in cadem reda cú<br />

diétarum eminentiarum verricibus fucdt Ioeatus. Si;<br />

in terra multorum ) ac frequencium montium iuga feeundum<br />

planam fuperfidem difpofita appal'ent,fi pro.<br />

fpidens procul fuerit ,& in pari aJtitudine conftitu[us.<br />

,sic cftuofi pelagi fublimes vndarum vertices fecunJum<br />

. ideal<br />

[249]<br />

II


OBSEllVATIONES SIDEREAE<br />

idem planum videmur atenu ,quamuis inter fluélus<br />

maxima voraginum,)& lacunarum fitfrequentia,adc:o ..<br />

que profund~rum ~ vt fublimium nauigioru Innon modo<br />

carinz, verum eriam puppes, m;aJi ~<br />

ac vela inter<br />

mas ahfcondantur. Quia igittlr in ipf.1 Luna, & drca<br />

eiu$ pc:rimetrum muJriplex efl cminentiarum ,& caui.<br />

tatum coordinatio) & oculus e longinquo Cpedans in<br />

eodcmfcre plano cumvcrtidbus iHarum loçarur ine~<br />

mini mirnm elfe debet quod radio viCorio iIlos abra·<br />

dcnti, fecUl1dum zquabilem Jineam) minimeque an·<br />

fraétuofam fe fe off-crant. Huic rationi altera 1ubncéli<br />

porefl~ quod nempe drca Lunarc corpus e fi .. vehu:i d:­<br />

ta Tcrr,:uD, orbis quidam denfióris fubfiantiz reliquo<br />

a;terc;, qui Solis irradiationem concipere .. atque refiedere<br />

valet, quamuis tanta non fit opacitate przdims,<br />

vrvifui (pra:ofcrrlm dum ilIuminarusnon fuerir) tran·<br />

íitum imberc valeat. Orbis ifiz à radiJs Solaribus illuminatus<br />

.. Lunare corpus fub maioris fpha:ore fpedem<br />

rcddit. repra:fematque: etfetque potisaciem noLham<br />

terminare quominus ad Luna:' Colidiratem pertingeter,<br />

ti cr:dIities eius fotet profundior; arque profundior<br />

quidcm dt circa Lun~ periphaoriam, profundíor<br />

inquam non abfoluLe., [ed ad radios nofiros) oblique<br />

iIlum; Cccantes, r.elatus; ac proinde vifum nofirum jni.<br />

bere potcfl, ac pra:fertim luminofus exifiens, Lunçquc<br />

pcripheriam Soli expofitam obtegere. Quod clarius in<br />

appotita figura intdligitlu;in qua Lunare corpus ABC.<br />

[250]


RECENS HABIT AE. 13<br />

ab orbe vaporofo dreundacur DE G. Oeulus v(ro<br />

ex F. :ld pauesintermedias Luna:) vt ad A. pcrtingit<br />

per vapores DA. roinus profundos i at \'crius extremam<br />

Íloram" profllndiommcopia vaporum E B.<br />

afpeétum' nonrum ruo termino pra-cJudit. Signuffi<br />

huius efi, quod pars Luna: lumine perfuCa amplióris<br />

circumfcremi.r apparet.) quam reliquum orbis<br />

tcnc.:brofi : atque hane eandem ,aufam quifpíam for ..<br />

te t.ationabilcm exiClimabif, (ur maiores Luna: macu·<br />

JS; nulla ex parte ad cxtremum vfque ambitum protendi<br />

confpiciamur, cum tamen opinabjle Ut nonnullas<br />

ctiam ,irea iHum reperiri; incon[picuas:tamen etfc ue·<br />

dibJle videtur ex co" quod fub profundiori, ac lud~<br />

diori vaporum copia abfcond:mrur •<br />

Eífe igitUr dariorem Luna: fuperfidem tumoribus;t<br />

~tque lacunis vndiquaque confperfam, ex iam expli


OBSElt VAT. SIDEREAB<br />

vero 1000. pars Jurem vige1ima tOdus. C F. milil<br />

ria 100. Sit modo C F. Dimetiens drcul.i. maximi .<br />

Juminofam Lunz partem ab obCcura' diuidentis ( oh<br />

maximamenim elongationem Solisà Luna hic circu.<br />

lus à maximo Cenlibiliter non differr:) ac fecunduin vigefimam<br />

illius panem di[tct A.' à punda. C. &' protrahatur<br />

Ccmidiameter E A. qui extenfus occurrat cum<br />

contingente G. C. D. (qu~radjum ilfuminanrcm re·<br />

przfentat) in punéto D. erit igitUí arcus C A. (eu retIa<br />

CD. 100. qualiumCE. cft 1000. &' aggreg3tum<br />

quadratorum D C. C E .. 10100QO. cui quadratum<br />

DE. zqualcctl:tota igitur ED .. erirplusquàm 1004'<br />

& AD. plusquàm 4. qualium CE. fuir 1000. Sub ..<br />

limitas igitur AD. in Luna) quz verticê quem piam<br />

ad vCque SoUs radium G C O. elaru, & à termino C.<br />

per diftantianl CD. rcmotú .. defignat;) eminentior (fi:<br />

milia.<br />

[252]


RBCBNS HABtT AE. 14<br />

miliaribus Italids 4- verumin TelIure nulli ext3nt mOR<br />

tes, qui vix ad vnius miliarij altitudinem perpendicularem<br />

acced.mq manifefium igiturrelinquitur ) Lunares<br />

eminencias terrefiriblJs .etre fublimiores.<br />

Lubet hoc 10.co alterius cuiufdam Lunaris arpar ...<br />

tionis admiratione dignre caufam affignare, qu~licet<br />

à nobis non recens , fed multis abhinc annis obferuata<br />

fir, nonnullifque familiaribus amid~, & difcipulis o­<br />

ftenfa" explicata ~ atque per caufam declaraia; quia<br />

!amen..eius.obferuatioPerfpicilli opefadlior rcdditur,<br />

atque-euidentior ~ nonincongrue hocin loco reponen<br />

dam effe duxi;idque etiam tum maxime. vt cognatio)<br />

atque íimilitudo .inter Lunam ,atque Tellul'cm elafius<br />

appareat.<br />

D.nm Luna·tum ante, tumetiam pofi: conilJnétione<br />

non pro~ul.à Sole: rcperitur, non modo ipfius globus ex:<br />

parte qua lucentibl:fs cornibus .cxorn3tur vifui nofiro<br />

fpedandum fc fe offcrt ,.verum etiam tenuis qu~dam<br />

fublucens pcriphreria, tencbrof;:e partis. Soli ncmpe<br />

aucrf;:eorbitam delineare) arque ab ipfius retheris obfcuriori<br />

campo f('itJngere vid ur. Verum .fiexadio.<br />

ri in (petl:ione rcm confideremus ) videbimus non tan·<br />

tum extremum cenébrofre partis limbum incerta


OBSEIt VAro SIDERBAB<br />

reliqua Lunaris globi afpcétui nofiro. expolira l'elin·<br />

quatur) tuncIuce non exigua hanc quoque Lunxplagam,<br />

lkct Solari lumine defiitutam lplendcrc depr~hcnder,<br />

idque potiIIimum .. fi ialn noéturnus orror ob<br />

folis abfenei:un increuerit,) in campo coim obfcuriori<br />

eadem lux darior apparet. Compcrtum infupcr eH,<br />

hane fecundam (vt ica dic3.In) Lun~ dariratem maiorém<br />

cne qua ipfa minus à Sole dilliterit; per elongationcm<br />

enim ab co remittitur magis, magisquc > ~dco<br />

''c pofi primam quadratur.:un, & ante fecundam, debilis,<br />

& acmodum incerta comperiatur, licct ln 00·<br />

[curiori ccrIo (peaetur; cum tamcn in fextiti, & mi.<br />

nori eJongatione, quamuis inter crepufcula mirum<br />

immodl101 flllgear : fiJIgeac inquam adco ~ vt ope exadi<br />

Perfpicilli magn~ maculiE in ipfa difringu:mtur.Hic<br />

mirabHis fulgor non modicam philofophantibus intulit<br />

admirationem; pro cuius C3tlf.1 affercnd.1 a1ij alia<br />

in medium protulerunt. Q.!.lidam coim proprium cOe)<br />

ae naturalem jpfiusmer: Lun;r fplendorclll dixerunt ;<br />

alij à Venere illi cífeimpcnitum, alij à Stt:llis omni.<br />

bus, alij à Sole/'quiradijs fuis profundam Lun~ foli.<br />

diratem permeet. Verum huiufcemodi prolaea exi·<br />

guo labore coarguuntur .J ac fàl!i[atis euincuntur. Si<br />

cnim aut proprium eífct.J am i Stellis collatum durmodi<br />

lumen, ilfud maxime in Ec1ypfibus n:tinerct, Q.<br />

ílcnderetque:J cum in ob[curiffimo cttlo deftil:uatur;<br />

quod tamcn aduerfatur experienri;r: fulgor cnim qui<br />

in deliquijs apparel: in Luna longe minor ett ~ (ubru ...<br />

Jils, ac quafi aencus; hic vero darior, & candidior; eft<br />

infiJ per ille mutabilis) ac loco mobilis i v.agatur cnim<br />

per Lunre fadem, ade o ve pars ma, qu;r pcriphxriz<br />

circuli \'mbr~ terrefiris propinquior dl:.J darior, reliqua<br />

vera obícurior [cmper fpcdetur; ele quo omni<br />

proculdubio id acddere intelligimus, ex radiorum 50.<br />

larfum<br />

[254J


RECENS HABIT AE.<br />

larium \Ticinitate tangentium craffiorcm quandam regictnem)quz<br />

Lunam orbiculariter ambit,eIC quo cõtadu Ao<br />

foraquórdam in uicinasLunzplagas ctrunditur .. nófecus<br />

ac in terris tum mane) tum vefperi crepufculinUln fpargitúr<br />

lumen; qua de re fufiu! in libra de Sifiemate mundi<br />

pertraétabimus.Alferere autem à Venere impertitam tiuf<br />

modi lucem puerile adco dl1vt refponfione fit indignum;<br />

quis'enim adco infcius erit,vt non intelligar .. drca coniun<br />

tHonem.& intra fatilem afpeétúlpartcm Lunz,Soli auer.<br />

Cam vt à Venercfpeéietur omnino eífeimpolIibilc' EIlc ao<br />

tem ex Sole,qui ruo lumine profundam Lun~ roliditatem<br />

penetrct,a tque perfundatJpariter efi inopinabilc; nunqui<br />

cnim imminueretur )cum femper emjfph~rium Lunz à So<br />

lc fi[ ilJuftratum, tempore Lunarium Edypfium excepto:<br />

dinúnuirur tamen dum Luna ad quadraturam properat.&<br />

omnino ét heb~atur Idum quadratum fuperauerit. Cum<br />

itaque eiufmodi recundarius fufgor .. nec Lunz fit congeni<br />

tus,atq ue proprius,nec à Stellisvllis)nec. à. Sole mutuatus,<br />

cumq; iam in Mu ndi vaftitare corpus aliud fuperMt nullú.<br />

nili rola Tellusi quid qU2'foopinandum? quid proferendum?<br />

llunquid à Terra ipfum Lunare corpus,3ut quidpii<br />

aliud opacum, atque tcnehro[um lumine perfundi' quid<br />

mirum? maxime: éequa gr31:aqiJe permutatione rependit<br />

TeIlus parem illuminationem ipli Luna;'lqualem & ipfai<br />

Luna in profundioribus noais tenebris toto fere tempore<br />

recipil:. Rem darius aperíamus. Lunain coniund!o.<br />

nibus,.cum medium inter Solem & Terram obrinet locú t<br />

Solaribus radijs in fuperiori ruo emi[ph~rio T err~ auerfo<br />

pertunditur; emirph~JÍum vero inferius, quo Tcrram<br />

a[pieit tcnebris eU ()bduétum; nullatenus jgitur terrefiré<br />

fuperficiem ilJuUrat. Luna pau latim à Sole digrelfa iam<br />

iall1 aliqua ex parte in emifphzrio inferiori ad nos ver.<br />

gente illuminatur, albicantia cornua .. fubtilia tamen ad<br />

nosconuenit;&leuiter Tcrram illufirat: crefcitin Luna<br />

D 3 iam<br />

[255]<br />

I'


OBSEl VAT. SIDEREAE<br />

iam ad quàdraturam accedcnte SoIaris: i.J1omióatio; lugetur<br />

in tereis eius Juminis reflexio; exrenditur adhuç<br />

(upra femieirculum fplendor in Luna;. & noftr~ dàriorcs<br />

effulgentnoétes j. tandem integer Lun2vultus) quo ter·<br />

ramatpicic, ab oppolito Sole dariffimis fu1goribus frradiatur;<br />

enitetlonge lateque terreflris filpcrficies Lun~.<br />

ri [plendore perfufa; poRmodum decref,cns Luna deblliores<br />

ad nos radios emittit, debilius ilIuminatur terra j<br />

Luna ad,coniuntlionel11 properat. atra nox Terram oe·<br />

,upat. Taliitaque periodo alternis vldbus Lunaris falgormenftruasiUuminationcs<br />

dariores modo) debiliores.<br />

alias nebis largitur ;. verum ~qua lance b cncudum à T d'·<br />

lure compenfatur. Dum enim Luna fub Sole di'ca' coo.<br />

iunélioncsreperitur, fupcrfiGiem terrefiris emilphedj Soli<br />

apoliei, viuidisque radijs ilJuflr·ati integram refpieir ~,<br />

ttaexumque ab irra lumen con-cipit :·ac proiI:1dc ex tali<br />

reflexione ínferius· cmifph~rium Lun~, licet Solar! lu ..<br />

mine deftitutum , nonmodicê Iucens· apparet., Eadem<br />

l.una,per qU3dranten\ à.,Sole remota .l'·dimjdiuro rantum<br />

c:crrefiris·. cmiipha:rjjilluminatum confpidt .l'fcilicct Geei ..<br />

duurn., altera' onim mcdietas oriental is noéte obrc:nebra·<br />

tur:.crgo &ipfaLuna fplendide minus àTcrra iJlufira'"<br />

tuf,. eiufve proiodc lux. iHa fecundaria exílior oobisapparct<br />

•. Qgàd fi lunamin·oppolirione adSoJem ,oofti-·<br />

tuas: fpeólabit ipfà emjfph~rillm intumcdix T dJuds om<br />

nino tcncbrolhm, obfcuraque noéle perfúfum; fi igitut<br />

~dyptica fucrit talis 0ppc tido, nuU~m prorfus iIlumína ..<br />

tionem rcdpjet Luna ,,~olari limul, ac (crreftri irradiatione<br />

delHtula. ln alijs,3rquc:aJijsaqTerrarn~ & adSo~<br />

lero habitudinjbus· maius, minusvc à tcrrcítri refllxio·<br />

ne I('dpic lun~cn.,.· prout maiorcm ...:mt minorem terreilris<br />

cmiJphil'riJ illuminati 'panem fp(;étaucrjr ; is


ltECENS HABITAE. 16<br />

nus vice verfa à Terra illuminetur Lt:ma, &e'côntrà..<br />

Arque h~c pauca de hac rc in pr~fendlo,o diéta fuf.:<br />

ficiant .. fu {ius enim in no!l:ro Sy{tematc Mundi; vbi<br />

complurimis & rationibus, & experimentis vaHdiffi ..<br />

ma Solaris luminis e Tcru reflcxio ofienditur illis 2"<br />

qui c:am à Stellarum corea arccndam cífe iaélitant 2<br />

ex co poti1limum> quod à motu" & à lumine fit va­<br />

(ua: vagam enim iJIam, ac Lunam fplendol'efupcfantem,<br />

non autem fordium, mundanarumque fcoo;<br />

C11m fentinam, eífe demonihabimus, & nlturalibus,<br />

CJuoque radonibus fexecntis connrmabimus.<br />

Dixünushucu[quc: de Obferuationibus· circaLunare<br />

corpus habids) nunc de Stellis fixis ea quz aélenus<br />

à nobis infpcéla fuerunt brcuírer in medium adfel'a-;<br />

mus. Ac primo illud animaduerfione dignum efi,<br />

quod fdlicet Stellz tam nxz" quam errabundre, dum,<br />

adhibiro Perf.pici110 [pcétantur ~ nequ3quam magni~<br />

tu dine augeri videntur iuxta proporcionem eandem.,<br />

fecundum quam obieda reliqua, & ipfamet quoquc<br />

Luna, aeguirunt incrementa; verum in SteUis talis<br />

audio longe minor appartt : adco vt Perfpicillum 2<br />

quod reliqul obieét4 [ecundum centupIam" gratia c ..<br />

xempU racionem multiplicare potens crir,) vix fecundum<br />

quadruplam, aut quintuplam Stc:llas multiplices<br />

rcddcre cre<strong>das</strong>: ratio autem hulus cft, quod feilicet<br />

Afira dum liberal' ac naturali oculorum ade fpeétantur,<br />

non fccundum íiJam fimplicem ~ nudam{lue, vt<br />

ita dicam, magnitudinem fe 1


OBSEft VAT. SIDEltEAE<br />

eo J quod Stellz. in Sotis occafu inter pdm:! trepafculaemergeotes<br />

.. tamedi primz fuerint magoitudi·<br />

nis) exiguzadmodum apparent; & Venus ipfa fi quam<br />

do circa meridicm fe nobJs in confpedum dcderit,<br />

.dco exiHs cernicur, 'ft vix Stellulam magnirudinis vItimir<br />

orquare videatur. Secus in ali,s obieétis, & in ip ..<br />

(


lt E C EN S H A BIT AE. '7<br />

Vel um infra Stellas magnitudióis rext~,adeo numerorum<br />

gregcm aliarum)naturalcm iotuirum fugieotium,per Per-<br />

1pidllum intueberis. vt vix credibile fit->plures coim quam<br />

fcxaliremagnitudinum differenti~videas licet. quarú ma<br />

iares. qual magnitudinis·feptimx, (eu prim..r inuifibiliurn<br />

appcllare po.ífumus, PcrfpiciUi beneficio maiores, & elariores<br />

apparcnr~ quam magnitudinis fecundz Sydera ade<br />

naturali vifa.Vt :lutem de inopinabili fcrê hlarum frequen<br />

tia vnam)alteramve atteftationc:m vidcas Afierifmos duos<br />

fubfcribere placuit. vt ab corum exemplo de ,reteris iudicium<br />

feras. ln primo integram Orionis Conílellatiollcm<br />

pingere decreueram; verum ab ingenti Stellarum copia,<br />

temporis vero inopia obrums ,aggreffionem hane in aliá<br />

occafionem difiuli; adO:ant enim. & drea vetcres ·intra v­<br />

nius, aut alterius gradus limites diffi:minantur plures quin<br />

gentis: quapropter tribus qUa! in Cingulo, & fenis qu~<br />

ill Enfc iampridtm adnotatx fucrum. alias adiaccntes o­<br />

étuaginra reeens vifas appofuimus;earurnq; intcrftitia quo<br />

exaélius licuit feruiluimus; notas" feu vetc:res,diftint-Honis<br />

gratia,Ol.3.iores pinximus .. aç dupliciHnea contornauimus)<br />

alias inconfpicuas,rniaores"ae vnis lineis notauimus; magnitudinum<br />

quoqucdifcrimina quo magis licuit reruaui~<br />

nlUS. ln altero exemplofex StellasTaurj"PLEIAOAS dietas<br />

depinximus (dico autem fex,quandoquidem fçptima<br />

fere nunquam apparet) intra anguiliaimos in ccelocan·<br />

ceUos obclufas, quibus aliz plures quam quadragiotainuiíibiles<br />

adiacent; quarumtnuUa ab aliqua ex pr:rdiétis<br />

fex vix vltra femigradum clongatur ; barum nos tantum<br />

nigintafcx adnot3uimu$ i earumque internitia" magnitu·<br />

dines ) ncenon veterum nouarumque diferimina veluti in<br />

Odonc rcruauimus.<br />

Cjnguli~ & Bnús O R I O N IS Afterifmus.<br />

PLElA.<br />

[259]


*<br />

4J<br />

..<br />

* **<br />

l;It<br />

**<br />

*<br />

~<br />

** *<br />

ii<br />

*<br />

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.~<br />

'*<br />

[260]


PLEIA DVM CoNSTELLATIO.<br />

~<br />

*- $if. iF- ...<br />

t<br />

'* *<br />

*<br />

'* 11;.. -* ~<br />

..<br />

* .<br />

...<br />

•<br />

if<br />

it· *~<br />

*.'* ... ~ 4'<br />

it<br />

*<br />

-*<br />

*<br />

Quod tcnio loco à nobis fuit' obCeruatum) eO: ipftuf..<br />

met LACTEI Circuli etfentja~ feu materies, quam Perfpicilli<br />

beneficio adeo ad fenCum Iicet inmeri ) Vt & alter·<br />

cationes omnes,qua" per tot (recu}a PhiloCophos excrucia<br />

runt aboculata cercicudil1e dirimanrllr)nosque à vcrbofis<br />

dirputationibus Hberemur. Efi enim G A L A X Y A nihil<br />

aliud ~ QU3U1 innumerarum.Stellarum coaceru3tim confitarum<br />

congcries;inquamcunq; enim rcgionem iIlius Perfpicillum<br />

dirigas,ffatim Stellarum ingens frequcntia fc fe<br />

in confpeélum profert,quarum complures fatis magn~,ac<br />

valde confpicuz videntur;fed exiguarum multi tudo pror ..<br />

fus inexpIorabilis ctt<br />

Atcum non tallt'l1m in GALAXYAIadeusille c~ndor.<br />

vcluti albicantis nubis rpeéletur,fed complurc:s confimi1is<br />

coloris 3reoJz rparfim per zthera úlbfulgcant,fi in ilIarum<br />

qua lnlibet Specillum conuertas S tc:l1ar um coo íl:i pa tlrum<br />

cç:tum<br />

[261]


OBSElt VAT. SIDEREAB<br />

ccctum oIfendes. Amplius (quod magis mirabilis) StcIla;o<br />

ab ARronomis fingulisin hancvfqucdié NEBVLOSAE<br />

appellat~, StclluJ.ll"um mirum immodum confirarum grc<br />

gesfut1t; ex quarum radiorum commixtionc .. dum vnaqueque<br />

ob exiliratcrn,feu maximam à nobis remotionem,<br />

oculorum adem fugir. candor me confurgir, qui denuo!:'<br />

pars c Srcllarurn, am Solis radios retorquere valens,<br />

hucufque creditu$ eft. Nos exiUis nonnullas obfcruauimus;<br />

& dl1al"um Afterifmos fubncétcre \'oIl1imuS'.<br />

ln primo habes NEBVLOSAM Capicis Orionis appe1-<br />

latam .. in qua Stellas vigintivnas numcrauim uso<br />

Secundus NEBVLOSAM PRAESEPE nnncupatam<br />

continct,qure non vna untú SteIla cO: .. fed congcries Sec!.<br />

lularum plurium quam quadragima: nos prxtcr Ardlos<br />

triginrafcx notauimus ln Ilune ~ qui feq uÍtur o rJincm di·<br />

fpautas.<br />

NEBVLO S A pRAESEPE.<br />

NEBVLOSA ORIONIS.<br />

** J(.<br />

.*<br />

*<br />

~<br />

* *"<br />

'Yf *~<br />

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-#-<br />

~<br />

**<br />

*<br />

[262]<br />

*"


RS CE N S HAB IT AE.<br />

,.Pf~ 1-:';<br />

De Luna ) de inerrant ibus S tdJis) ac de Gala:xya /<br />

qua: haétenus,obferuat:1 funt breuiter enarr.1uimus.<br />

Supcrefi vr, quod maximum in pnrfenti negodo exi"<br />

ítimandum videtur, qllatuor PLANETAS à primo<br />

mundi c:xordio 3d nofira vÚlue tt;mpora nunquam<br />

confpetIos, occafionem reperiendi, arque obCeruan'·<br />

di ,nec non jpforum loca, atque per dU0S proximê<br />

menfes obfcruadones circa eorundem latÍones ~<br />

mutationes habitas, aperi:.unus ,ac prLmulgcmlj~: a·<br />

firollQmos omnes COnLl0C3nres ) vt ad il!orllln perío~<br />

dos inquiren<strong>das</strong>, atq; dcfinien<strong>das</strong> Ce confel':!Or, quod<br />

,l1obis in h;,ínc vfqll~ dÍi:m ou remporis anguttiam af·<br />

ft:qui minímc licuit. lhos tamen itcrum monims fa­<br />

,cimus, nc ad ralem infpcétiollcm incaíIllm accedant ,<br />

Pcrfpicillo cxaélíflinlo opus effc ,& quale in principio<br />

fcrmoni'i hUÍus, ~cfcriplimus. .<br />

Díc üaquc t~pdma lanuarij infiantis anni millcli.'<br />

mi fCXcclltdimi dcdmi, hOfl fC


OBSERVATIONES SIDER EAE<br />

ex pane {'eilieee Odentali dure aderant Stell.z , vn3 vero<br />

Occ3fum vcrfus. Odentalior arque Ocddentalis, re·<br />

liqua paulo maiores apparabant) de diféantia intel'<br />

ipfas & Iouem minime follicicus tili ;fi,,~ cnim vti di·<br />

ximus primo creditz fuerunt; cum amem die oétaua,<br />

ncfdo quo Fato duélus ,ad infpcétiom:m. ci,lndem re~<br />

llerfus eífcm.) longe aliam cófiitutlonem reped ; erant<br />

cnim tres SteUul~ oecidcntalcs·ornncs à loue) .ltque<br />

inter fe quam fuperiori node vidniores, paribufque<br />

incerfiitijs mutuo dilrcparat~ .. ve1uti appouta prafe.<br />

fere delineado. Hk lícct ad mutuam Stetlarum ap ...<br />

propinquationem minirnc cogitaciollcUl appulltfem,.<br />

Ori.<br />

o * * *<br />

Occ.<br />

exitare tamen czpit, quon.1m pado J uppiter ab om,·<br />

nibus prxdiétis fixis poífct orientalior reperiri, cum<br />

à binis CI< illis pridie occidentalis [ui(fet: ac proinde<br />

veritus fum ne forte, (e.eus à computo. afuonomico,dire~us<br />

[Ol'ct, ac ptopterea motu proprio SteU.1s ilIas<br />

anteuertiífet:. qnapropter maximo cum deliderio requentem<br />

expcétaui noti;.:m; veru'll1á fpe ti'ufiratus fui,.<br />

nubibus enim vndiqu


lt E C B N S H A BIT AE. 'l.&Y<br />

nulla radone reponi poífe inrclligerem , atque iofuper<br />

fpedat3S Stellas femper cafdem lilifle cognofcerem,<br />

( nullor enim alior:l aut pra-cedentcs, aut confequeates<br />

intra magnum interuallum iuxta longitudincm Zodiaci<br />

aderant) iam ambiguitatenl in admirationcm<br />

pcrmutans) apparenrem commurationem non in loue,<br />

têd in Stellis adnoratis repofitã eífe compcri ; ac pro.<br />

inde ocul:uc ~ & fcrupulose magis deinceps obferuan.<br />

dum tore fum ratus.<br />

Die itaq; vndccima eiufcemodi confiitutionem vidi:<br />

Od.<br />

* * o Oe,.<br />

Stcltas fcilic::et tantum duas orientalesj qU3Tum media<br />

triplo diflabat à 10ue: I quam ab oricnta1iori: cratque<br />

orientalior duplo fel C maior rcHqua ~ cum tamen<br />

anrccedenti noéle a:qualc:s ferme apparuifrent. Sta(utum<br />

ideo:l omnique rlOcul dubioà me deCl'ctum fuir,<br />

:tres jn ccelis adtllc ::,rellas vagantes circa Iouem , in·<br />

fiar Vencris ~ atque ~.1ercurjj drca Solem: qlJod tandem<br />

luce meridiana darius in alijs polhnodum compluribusinfpcaionibus<br />

obferu:Jtú eH; 3(; non tantum<br />

tres l vel'um quatuor cfie vaga Sydera circ.1 Juuem fuas<br />

drcullluoludones obc.l1nda; quorum perrnutarioncs<br />

eJolaaius ccnlcqucnter oLfCrtluas fubfequens narrado<br />

miniftrabit; intcrflltia ql10q ue inter ipíà per Pcripidllum<br />

,fuperius explicara rarionc ~ Jimcdtus fum: horas<br />

infilper obfcrll:uionnrn .. prxfcnim cum plures in<br />

e~ldcm noétc: hi.ibim' fuuullt aJ'poi"ui; adeo coim ce~<br />

leres horum Plallcrarum CXlal1t rcuolutiones, vt holarias<br />

quoque dlticremias plcrunquc liceat accipcre.<br />

Die igitur duodccim3 ~ hora lcqucmis nodls pri-<br />

1U3 h3cratione difpofitaSrdc1'3 vidi. EratoricntaJior<br />

E z S,ella<br />

[265]


OBSERVAT. SIDEREAE<br />

o ri.<br />

o cc.<br />

SrelIa. ocddenraliori maior" ambl? tamen valdc confpicuíl:,<br />

ac fplcndid.r: vera qu~ diíbbar à fone ',ruplllis<br />

pl'illlis duobu5; tcrda q'uoque SrcUula apparerc ('fpit<br />

hora tereia prius minime ,onfpé~a " qua: ex parte<br />

orientali louem fere tangebar, cratque admodu1l1 c­<br />

xigua. Onmes fuerunr in cad em retta, & fccundum<br />

Edyptka: Jongitudil1;,.m eool'din:u.r.<br />

Die dcdmatérdJ. primll1ll à me quatnor conij)cd';r:<br />

fucrunt Stclll1hl' iI) hac ad loucm confiiwtionc. Erant<br />

trcs ocddt:malcs, & voa oricntalis i lincam pro;>;;im\::<br />

Oti.<br />

Occ.<br />

rettam confritll(;bant ; media cnÍl:n occidéralium pau·<br />

Iulull1 à l"Caa Scpccnrrioncm vedus dcflcacb.:tt. A.be·<br />

rut orienralior.i IOLlc minut.1 duo: n.:liquarum, &<br />

louis itucreJpcJincs eram íiogutc vllius tamum mi·<br />

llUti. StcUz Otlll1í:S caadcm pr.l' f:: tcrebant magtlitudincal<br />

; ac.lkct cxjgu~an ;) luddiflilllx tJmcn CI".i,m t ,ac<br />

fixis ciuí'Jem maguirudinis longe (ul;;lldidiorcs.<br />

Dic dccimatlu:m:a n~lbiloíà. tuit [Clllih:üas.<br />

Dic dcd111aquint.1) hora noétis tcrti.1 ia proxime<br />

dcpiétJ fÍJcrunt habirudine (Iu:ltuor Stclla: ad loucll1 ;<br />

Ori.<br />

o .. " *<br />

*<br />

Occ.<br />

ocddenta!c$ omncs: aC in cadcl11 proxim reéb linca<br />

difpQlitX i qUJ! ~11iU1 tcrda à louc 1li.uucrabatur paululwm<br />

[266]


RECEN S HA BIT AE. J..9 :2'<br />

lulum in boream atcollcbatur; propinquior Ioui Cl·at<br />

OlnniUffi minima.) rcJiqu3; confcquentcr maioresap.<br />

parCbélnt ; intcruaJla inter louem,& tria confequantia<br />

~ydera crant a:qualia omnia, ac duorum minutorum:<br />

at occidentálius aucrar à tibi propinquo minutis quatUOl".<br />

Eram lucida vaI de ) & nihiJ fi.. intillanri a :I llualia<br />

fl.:mpt:r rum ~HllC) tum poct apparucrunt. Vcrumhora<br />

fcptíllía trcs íolummodo aderal1t SteU.r, in huiuf·<br />

Oei.<br />

o " * *<br />

O cC'.<br />

cemodi cum loue 'lij)e~l1. Erant ncmpc in eadem rclta<br />

ad vngucm) vkiniof loui >crat admodum exígua,<br />

& ab illo l(:mota per minuta p;-im:t tria;ab hac [cçuuda<br />

diftabat min: vno; terda vcró à fecunda min: pr: 4~<br />

fcc: 3 o. PoU vero aliam horam dllX Stcllul.r .mcdl.r<br />

adlme viciniores eram i abel'ant cnim mia: f,: vix 30.<br />

t.lntum.<br />

Dic dccim:J[exta hora prima noétis tres viJimus<br />

StcUas iuxta hunc crdincm difpofit3S. Du~~ loucnl<br />

Oei.<br />

*<br />

O cC'.<br />

intcrdpicb:1llt ab co per ~lin: o. r~c: 40. hin~il1dc remo<br />

r.e" tcrria vcro occidcl1tJlis à lone din:ab~lt min: 8. lo ..<br />

ui proxim.r non maiores) fcd Juddl0l'CS apparcbant<br />

rcmoriori.<br />

Uic.: dccituafcptimahora ab occaú, o. min: 30' huiufmodi<br />

fuit conf1gur.u.io. ~tclla VIU tamum oriclualis i<br />

Oei.<br />

* O<br />

*<br />

O cC'.<br />

loue<br />

[267]


OBSEll VAT. SIDEREAH<br />

lave di nabat min: 3- occidentalis pari ter \'oa à Ioue<br />

difians min: II, OrientaHs duplo maior apparebat cc·<br />

cidenrali i nec plures aderanr quam ifi.r duer. Vcrum<br />

pofi horas quatuor , hora oempe proximê quinra ~ ter ...<br />

tia ex pane orientaJi enaergere cçpir:1 qu~ ante~, VI:<br />

opinor cum priori iunéta erat; fuitque talis paGuo •<br />

Ori.<br />

** O<br />

* Occ.<br />

Media StelIa orientali qU3m proxima min: tantum fec~<br />

lO. elongabatur ab ilIa, & à linca reéta per (xrremas,<br />

& louem produéta pauJulum verfus aufirú dedioabat.<br />

Die dccima oéhlua hora o. mio: 10. ab occ


lt E C E N S H A BIT AE. ,.,.<br />

di medi um iam inter '9uem) & oriental cm S[ellam<br />

locum exquifitc OI;'U pantem,J ita Vt talis fuerit confi:·<br />

Oti.<br />

* • O * *<br />

Occ.<br />

guratia. SteIla inful'er nouHnmc cOi1fp~cll adllV)dunl<br />

cxigua fuit; vcruntamen hora fcxta rcliquis UlJgnitu ..<br />

dine fere fuit a:qualis.<br />

Die vigefima hora I. min: I S. coníHtu [io conlimilis<br />

vifa cfi. Aderant tres 5tcllula: adcoexigua:) vt vi~<br />

Occ.<br />

percipi polfcnt ;à loue, & il1tcr fe non magis dirra. ..<br />

bant minuto vno : incertus eram nunquid ex occidente<br />

dUa! ~ an tres adeiTct1t Stcllula:. Circa horam fextam<br />

boc pado crant difpofitz. Orientalís enhn àloue<br />

Od.<br />

Occ.<br />

dUplo magis aberat quam antea, nempe mino' ". media<br />

occidcntalis à Ioue diíi:ahat mio: o. Ce,; 40.ab ocdden ..<br />

taliod vera mio: o. fec: 2,0. Taadrlll hora feptíma ues<br />

C'xoccidcnte vifz fherunt StelJul.r .louí plOxíml abc..<br />

Oti. .. O .. ,. ... Occ.<br />

rat ab ca min: o. Ccc: ~o. intcr hane & occ:identJlioreOl:<br />

interual1ü crat mioutorum fecundorum 40. inrel' hlS<br />

"CIO alia f~ca:abatur paululum ad meridiem deflcttes3<br />

ab·<br />

[269]


OBSERVAT. SIDEREAE<br />

ab occidenraliori non pluribus decem fc:cundis remota.<br />

Die vigefimaprima hora. o. m: 3 o. adcrant ex oriente<br />

StcUu!z tres) zqualiter inter fe, & à Ioue dixrantes ;<br />

Oci.<br />

Oec.<br />

interílitia. vero ,fecundum exiflim.3tionem 50. fecundorum<br />

minucorum fue;:rc, aderat quoque Srel1a ex oc~<br />

cidente à loue difrans lTIim pr: 4. Orientalis loui pro.<br />

xima crac omnium mini ma I reltqua! vero aliquãto ma·<br />

iores, atque lnter fe proximc xqualcs.<br />

Die vjgefima fecunda hora J. contimilis fuit StcUarum<br />

dífpÕútio. A SteHa oriemali ad loucm minuto.<br />

Oci.<br />

* *<br />

Oec.<br />

rum primorum ,.. fui r inreru:lllum à Ioue ad oecident:lliorcm<br />

pr: 7. Dure vero oeddcntales incermcdi.:e dix<br />

tab.:mt 3d inuiccm minto {eé:40' propinquior vero Iam<br />

abcrat ab illo m. p. I. lpfre mc(lire Stellulx 1 minores<br />

erant C'xtrcmis: file!ul1t vcro fecundum eandem rc:­<br />

étam lincam iuxta lodiaci longitudinem e~tenf;e, nUi<br />

quod tdum occideotalium media paululum in aulh i't<br />

ddledebat. Sed hora noêlis fcxta in hac confritu tio-<br />

Ori.<br />

Oec.<br />

ne vjfx 1unt. Orientali$ admodum (xigna erat; dif.<br />

Uns à loue vr anrc.1. min: pr. 5. Ttes ve! à occidc:nra-<br />

1cs) & à 10ue > & ad in!licem .xqualltcr daimebantur, .<br />

erantquc jntercapedines finguJiC mio: I. {e':lo.pIO~i.<br />

mê<br />

[270J


· RECENSHABITAB. ~<br />

me·: & Stclla loui vicinior rcliquis duabus.requl:oti":<br />

bus minorapparcbat; omnefquein eadem reGtac:xqui.<br />

{ite dixpofit~ vidcbantur.<br />

Die vigefima tertia hora o. min: 40. ab oc·eafu, in húc<br />

{erme modum Stcllarum ,ollLUtutio le ha.buit: tr,mt<br />

Oei.<br />

* * O *<br />

Oec.<br />

tres SteJIz cum Ioue in relta linea fecundum Zodiaci<br />

longitudincm; veluti femper fuerunt: OrÍentales<br />

crant dUa!, vna véro ocddenc:alis _ OrJentalioraberat<br />

·à fcquenti mio: pr: 7- h.rc vera à Ioue mino 2. [e'=-4o.<br />

luppiter ab occidentali min: 3. fec::o. erantque omnes<br />

magnitudine t-':I'C i;l;'1 uales _ Sed hora quinta, duz S[cl ..<br />

lêe, qux prius {oui erant proxim~ainpJius noncernebantur<br />

~ fuo lvue vt arbüror ladtantcs fuitque rabs<br />

afpettus.<br />

Od.<br />

* o<br />

Oec.<br />

Die vigefimaquarra tres Srcllz orient~Ies omnes vi ..<br />

fre funt., ac 1'Cl


OBSE'R. VATIONES SIDERBAS<br />

folulDlDodo feCe otferebant StelJz in hoc potitu: nem ..<br />

pecumloue in eadem reéb lineaad vnguem"à quo<br />

cIongabatur propinquior min: p~ 3' altera vero ab bac<br />

min: p:8. in vnam, Di fafior ,coierant dutE mediz priu$<br />

obfcruatz Stellufór.<br />

Dic Yigelimaquinta hora J. min: +0. ira Ce habebat<br />

Ori.<br />

* o<br />

OC


ii-<br />

RECE N S HABtT AE.<br />

tum Stenula confpiciebatur ~ eaquc orieDtalis recua-<br />

OcL o O cc.<br />

dum hane conlHrutionem : cratque admodum exigua.<br />

&à Ioue t'emota mio: 1.<br />

Dic vigefima odaua, IX vigelima nona ob nubiulR<br />

interpofitionem nihil obferuare (j,uit.<br />

Die trigetima hora prima nodis, tali paao confti ..<br />

tuta fpeétabantur J}'dera:vnum aderat -orientale,à loue<br />

O ri.<br />

o te.<br />

ãill:aD$ min: 2. fcc: 3 o. duo vera ex occidente, quo.<br />

rum !ouj propinquius aberat aO eo mio: 3- rcJiquum<br />

ab hoc min: J.e eICtremorum & lOllis pofitus in eadcID<br />

teda hnea fuit I ar media Stella paululum in Boream<br />

attollebarur: Occidel'ltalior fuit reliquis minor.<br />

Die vItima hora fecunda vifz funt orientales StelJ.z<br />

dU2, voa vero occidua. Orientalium media à Joue<br />

OcL<br />

** O<br />

O te.<br />

aberatmin: 2. fec: 10. OrientaJior VttO ab ipfa media<br />

min:o. Cec: 30. O~cidelltalis<br />

diLtabat.à Iouemin: lO.<br />

eranc in eadem reda lineaproxime, orientaHs tantum<br />

loui vicinÍor modicum quiddam to Septentdonem e-<br />

1cuabatur. Hora vero quarta duz orientales vicinio-<br />

Ori.<br />

** O *<br />

O te.<br />

F z res<br />

[273J


OBSERVAT. SIDEREAE<br />

res ad inuicem adhuc erant; aherant enim Colummo..<br />

do min: Cec. 2 o. apparuit in hiCce obferuatiollibus oecidentaIis<br />

Stclfa Caris exígua.<br />

Die Februarij prim3. hora nodis fecunda conlimilis<br />

fuit confiitutio. Diftabat orientalior StcUa à Ioue<br />

Oei.<br />

*<br />

* O ce.<br />

min: 6. ocddentalis vera S. ex parte orientali SteJIa<br />

quredam admodum exígua à loue difiabat minutis fecundis<br />

lO. rcétam 3d vnguem ddignabant Jineam.<br />

Die fecunda iuxca hUl1C ordinem viril' funt SreUz.<br />

Vna tantUln oriéntalis à louc diLlabat min: 6. Iuppi-<br />

Od. * o * * O ce.<br />

ter ab Qccidentali vidniori aberat min:4- inter hane<br />

& occidentaliorem min: 8. fuir intercapedo; erant in<br />

eadem reda ad \'llguem, & eilifdem fere magnirudi.<br />

ais. Scd hoca [cp ti ma,. qi.latuor aderant Stellil' /1 inter<br />

Od. * *0 *<br />

* o ce.<br />

quas luppitcr mediam occupabat fedeln. HarlJmSretlJru<br />

ln orkntalior dHb.bar à [equenti min: of. hil'e à lo. ..<br />

ue min: 1. fcc: 40. luppiter ab occidentali fibi viciniori<br />

aberat mim 6. hmc vera aD. occidentaliori min.8.<br />

cralltque parirer omncs jn


RECENS HABITAR. 2~<br />

dentaJis proxima mino ~. ab hac vero elongabatur oe-<br />

Ode<br />

*<br />

Oec.<br />

cidentalior altera mim 10. erant pr~cise in cadem retta:l<br />

& magnitudinis zqualis. .<br />

Die quarta hora fecunda drca Iouem quatuor fia·<br />

bant 8cclléE, oriemalcs du~, ac dUlE occidcmales io<br />

Ori. * 4';0 * *<br />

Oec.<br />

(adem ad vnguem rcéb linea difpoíicre 1# vt in proxima<br />

figura. Oricntalior dill:abat à fcquenti mino 3. h~c<br />

vero à .loue aberat mio. o. fec. 40. lu ppiter à proxima<br />

ocddentali min.4. ha;c ab occidcntaliori mjn. 6. ma·<br />

gnitudínc crant tere fquales II proximior loui rcliquis<br />

paulo minor apparebat. Hora autem fepcima orien·<br />

tales Stella; djftabant cantum mino o. fec. 3 Q. luppiter<br />

Ori.<br />

** O * *<br />

Oec.<br />

ab orientali viciniori aoerat mino :.ab ocddentali vero<br />

fequcnre mino 4. hxc vero áb oécidentaliori diltabat<br />

min'3. erant(lue aqualcs omues ,& in cademreda<br />

fecu odum Eclypticam cxtellCa.<br />

Dic quinta Crelum fuit nubiloCum.<br />

Die fexta dUa! folummodo apparucrunt Stcllz me-<br />

Ode<br />

* O *<br />

Oec.<br />

[275]<br />

dium


OBSERVAT. SIDEREAE<br />

dium lo uem intercipientes ~ vt in figura appolira fpeaatur<br />

: orientalis à. loue di(bbat min.2.. occidtntaJis<br />

verÓ mino 3' era'nt in eadem reda cum 10ue, & magni.<br />

tudioe pares.<br />

Die feprima dUér adftabant StclIz # à Ione orienta·<br />

Ori.<br />

OeC'.<br />

les ambz, in hu oe difpofitz modum. interc3pedines<br />

inter ipfas) & louem eram zquales vnius nempe mi­<br />

Iluri primi;ac per ipfas,& eentrum !ouÍs reda linea<br />

. incedebat.<br />

Die odaua hora primaaderant tres SteUz orienta-<br />

O ri.<br />

-o OeC'.<br />

Jcs omnes vt in defcriptione; 10ui proxima cxigua<br />

fatis dift.abat ab co mio. I. [cc. 20. media vero abhac<br />

min'4' erarque fatis magna; oricntalioradmo4um exi<br />

gua ab hac diftabat mino o. Iee. 10. anceps eram nun ..<br />

quid loui proxima vna tantum,,:1O


R E C EN S H A BIT AE. ,.•<br />

orientales, & voa occ;identalis ia tali difpofitione • O~<br />

Od.<br />

- * o •<br />

OC


OBSER. VAT. SIDEREAE<br />

minor) à Ioue diffita per mine o. fec. 30. & à reGla linea<br />

per reJiquas Src:llas protrada modkum in Aqui1o~<br />

nem defleétens, fplendidifsimao erant omnes, ac v:lldc<br />

conrpicuír. Hora vero quinta cum dimidia iam SteUa<br />

oric:malis loui proxima) ab ilIo rc:motior fada mediú<br />

imer ipfum, & ~tellam oriemaHorcm libi propinquam<br />

obtinc:bat locum , crantque omnes jn cadem red .. li.<br />

nca ad vnguem, & cjufdc:m magnitUdinis, vt in appofita<br />

defcriptione videre licet.<br />

Od.<br />

* * * O *<br />

Oee.<br />

Djcduoclccima hora o. min'40. Stellir binre ab ortu<br />

hina: paritc:r ab occafu adHabant. Orientalls remotior<br />

Od. * -o- * o ce.<br />

à Ioue difiabat mine 10. Ionginquior vere Occiqenta·<br />

!is abcrat min.8. eranrque ambadàtlS confpicuao, re·<br />

liqure dUa:! loui erant viciJlifiimet, & admodum exígua:<br />

, prxferrim Oriemalis, (lua: à loue díftabat min.<br />

o. reco 40 Ocddcntalis vero min I. Hora vero quarta<br />

Scc:lluIJ quóC louí erar proxima ex oric:mc ampHus non<br />

apparcbat. '<br />

Dic dC!dmatertia hora di. mi n. 3 o dure SrcJJa: a pp:r ..<br />

rebant ab ortu,dua: infuper ab o,ca{~.Orjelltalis a, lol.i<br />

Ori. .. * O .* o ce.<br />

vi,inior fatis pelfpicua diílabar ab co mino 2. ab h:l


RECE N S HABtT AE. '-7<br />

denta1ibu s remotior à louc confpicua vald~ ab eó di ..<br />

rimebatur mino 4. illter bane & loucm interddebat<br />

Stelll1la exigua) ac. occidcntaliori 5teltre vicinior )Cl1m<br />

ab ea non magis abeffet mino o. fec. 3 o. eram omnes<br />

in eadem reda fccundum Ec1ypti,.z longirudinem 3d<br />

vnguem.<br />

Die decimaquinta ( nam dccimaquarta cO!Ium nu.<br />

bibus fuir obduétum ) hora prima talis fuir anrorum<br />

politus. trcs ncmpe erant orientales Stell6r , nuI!a ve·<br />

Oei.<br />

*uo o cC'.<br />

ro cemcbatur occidcntalis: Orientalis Ioui proxima<br />

difiabat ab co mino o. fcc. SOo fequcns ab hae aherat<br />

min. o. fcc. 20. ab hac vera oricntalior mino I. erat·<br />

que reliquis maior: viciniores enim lou1 eram ad.<br />

mocium cxigua:. Scd hora proxime quinta) ex Std.<br />

Oei.<br />

*<br />

~O o cC'.<br />

lis loui proxhnis vna tantum cerncbatur à Ioue di":<br />

fians mino o. fec. 30. Oricntalioris vero eJongatio à<br />

10U(: ;:dauéla erat ~ fuit enim tune mino 4. Ar hora<br />

fcxta prlrter duas I vt modo didum til ab oriente<br />

Oei.<br />

*<br />

o cC'.<br />

conilitutas) vna verrus occafum cerncbàtur Stcllula<br />

admodum exigua, à Joue remota min.2.<br />

Die decimalcxta hora fexta in tali con!Hcutione<br />

Ilctcrunt. SteUôI nempe oricntalis à Iouc: min: 7. a·<br />

G bc:ru<br />

[279]


OBSERVAT. SIDEREAE<br />

berat: tuppiter à fequenti occidua mino 5'. h~c vero<br />

à reliqua occident.lliori mino 3 .. erant omnes duf-<br />

Ori. * o * *<br />

OCC'.<br />

dcm proxime magnitudinis, (atis confpicua:, & in<br />

eadeM reda linea exquifitc fecundum Zodiaci dultum.<br />

Die decimafeptilna H. I. dua: aderant Stel1or, orien ..<br />

talisvna à Ioue diftáns mio'3o o"idcntalisalteradHbis.<br />

Ori..<br />

* o .. o CC'.<br />

mino 10. h~c er:n aliquanto minor orientali •. Sed hora<br />

6. orienralis proximior erat lo ui diftabat nempe mi ~.<br />

fec. 5 o.ocddcntalis vero remonor fui t ) Cciliccc mino u.<br />

Fuerunt ln vtraque obferuatione in eàdem reéta,& amhor<br />

fatis exigua!;.pra:fertim orientalis in fecunda obfaua.<br />

iione.<br />

Die J 8.110.1, tres adCr3'1t Stcllz; quarum dua: oeci.·<br />

dc:nta1cs 1 oricntaüsvero vna;·diftabat oricntalls à loue<br />

Ori.<br />

* o *. *<br />

OCC'.<br />

min'3o Occidentalisproxima m;.,.occideruaJiorreliqua<br />

abcrat à mediam.8. O,nm::sfueruntin eademreéta ad<br />

vngucm,& e:i&.ira~m fere magniwdinis. Ar Hora ,..Su:l­<br />

Iz viciôiores parihus à Ioue 3berant interftitijs:oeddua<br />

enim :lberat ipfa quoque m.3. Sed Hora 6.qu3rta Std ...<br />

lula "ifa di iw.a od~ntaliorem & Iouem ia tali configu<br />

ratione. Orientalior dillabat àJequc:nti m.3.fc'luens·à<br />

loue<br />

[280]


RECENS HA BITAB. 21<br />

Ioue m.x.fec. So.luppiter:lb oc:cidcntalifequcntim. 3-<br />

Oti.<br />

* * Oce.<br />

h~c vero ab occidentaliori m.,.crãr fere ~quales)orien<br />

taJis tantum loui proxima re1iquis erat paulo minor.<br />

erantque in eadem reda ~dypti,~ paralJcIa.<br />

Die 19- Ho.o. m'4o.~tel1z dua: folnmmodo ocdduç<br />

à loue confpetla: fueruntfat.{.s magna' ) & ln eademre~<br />

Od. o *<br />

Occ.<br />

da cum Ioue ad vnguem~ ac recundum Ec1ypticz dudi.'i.<br />

difpouta'. Propinquior à Ioue difiabat m. 7. h~c: vero<br />

ob ocddenraliori m.6.<br />

Dic :lo.Nubilofum fuir crelum.<br />

Die 11. Ho. I. m. 30. Htllulz"trcs faris cxiguz cernebanturinhac<br />

COllíHtutÍone. Oricntalis aberat àloue<br />

Od. =- o·<br />

Oce.<br />

•<br />

m.1. Iuppiter ab ocddentali requente.In.3.hzc vero ab<br />

ocddentaliori m. 7. eraRt ad vnguE in eadem reda Ecly.<br />

pEicz pa13l1cla. "<br />

Die 2. S'. HO.l.m. 3 o.(nam fuperioribus tribus noéH~<br />

bus ,a::ú fuit Dubibus obduétum) U'cs apparuerút Std<br />

Od. •<br />

o ·<br />

Oe('.<br />

ltr. Orientales du~ .. qU31'Um dHlantiz inter fe :. & à Ioue<br />

G a a:quales<br />

[281]


OBSERVAT.SIDEREAE<br />

aquàJes fueru Llt)


RECENS HABITAE. 2!1<br />

min.:.fcc. 3o.ab bac occidentalior di1l:abat min.l. Vicio<br />

Od.<br />

* o **<br />

Oee.<br />

* fixa<br />

niores loui exigu3! apparebant) pr.-rCertim Orientalis II<br />

extrcm:r vero eran t admoJum conrpicuzo in pdm is vero<br />

oecídua, rcéllmquelineam fe.::undum Eclyptic:r duo<br />

aum defignabant ad vnguem. Horum PJancrarum pro<br />

grclfus verfus ortum ex .collatione ad pr~did:am fixa.m<br />

lnanifeftê ccrnebarur, ipfi coim Iuppitcr cum adfiamib.<br />

Planeeis vicinior er3t J vt in appofita figuravidere licet.<br />

Sed Ho. 5'. StcJla olÍentalis loui proxima aberat ab co<br />

mino I.<br />

Die 28. Ho, 1. du.-r tantum SteU;r videbantur; ()rien~<br />

talis difians à.Ioue min.9. Occidcntaüs vero ln l.Erant<br />

Oei. * o *<br />

Oee.<br />

* fixa<br />

fatis confpicux, & in eadc1l1 red: .. : :Jd quam Iinc~am fixa<br />

pcrpendicufarirer incidebat in Planetam orientalé, ve·<br />

luti in figura. Sed hora S. tertia Stellula ex oriente di·<br />

Oti. * * O *<br />

Oee.<br />

fians à Ione m. 2.confpeéta cl in eiufmodi cõíl:itutione.<br />

l.)i~ 1.Marti j Ho. o. m. 40. quatuor SttUa: orien tales<br />

omnes<br />

[283]


OBSER. VAT. SIDEREAE<br />

omnes confpcdz funt)quarum Ioui proxima aberat ab<br />

co m.a. [equc:ns ab hac m.l. rertia m.o. [c(.2.o. crar/Iue<br />

Oei. *_ .. o o cC'.<br />

* fixa<br />

rcliquis dador;' ab iRa vero diRabat orientaHor n1.+ &<br />

reJiquis crat minor.Rcélam proxime ddignab:mt Jineã)<br />

nili quod rcuia ~ loue paululum atrollebatur.Fix3 cum<br />

loue, & oriemaliori trigonum zquilaterum confiitue~<br />

bat ut in figura.<br />

Dic 3. Ho.o.m'4o.trcs adllabant Planeta',orientales<br />

dúo",vnus veróocclduus in'tali conllguratlone. Abe12t<br />

Oei.<br />

o *<br />

o cC'.<br />

* lixa<br />

orientalior i [ouem.7 ab hocdiíbbat fequés m.o.f.30.<br />

Occ.ident31isvero clong:lbaturàloue m.l. er3nt extr~<br />

1111 !uddiores.ac maiores rcliquo > qui admodú exiguus<br />

apparebat.Oricntalior à reda linca pcrreliquos & louE<br />

duéta paululum in llorcam vid.:batur clatus. Fixa iam<br />

adnotata ab occidcnta:i,Planeta m.8.difiabat,(c€údum<br />

pcrpendiculal'cm ab ipfo Planeta ouéLlm fupcr lincam<br />

rdtam per Plan.crus omnes O\tenfam;vcluti appofita fi·<br />

gura demonítr:::.t.<br />

Hafcc louis, & adiacentium Flanetarum ad Fixá collatio·<br />

[284]


RECEN S HABIT AE. 3-<br />

I.:ttiones apponercplacuit) "it ex illis eorundé Planetarum<br />

progrdfus)tumfecundú longitudinem)tum etiamfecúdii<br />

latitudinem~cum motibus,qui ex tabulis auriuntur ad vn-<br />

. guem congruere qu~libetinteUigercpo~t.<br />

Hz funtobferu3uonesquaruor Medlceorum Planetarum<br />

recens,3C primo ã me repertorum , exquibusquáuiS'<br />

iUorum periodos numeris colHgere nondú dcturj licet fal·<br />

tem qua:dam animaduerCtone digna pronunciare. Ac primo<br />

cum Iouem coníimillbusintcríHtijs modo confequan<br />

tur,modo przeanr,ab eoq; tum verfus onum~tum in occa<br />

fum anguftiffimis tamú diuaricationibus clongenmr ,cun<br />

demq;.retrogradum pariter~ :ltq; dircdum concomitéEUr~<br />

c..Jllin drca iLum fuas confidant conuerfioncs.interea dum<br />

cirea mundi centrum omnes vnà duo decênales periodos<br />

àbfoluunt.nemini dubiú effe poteft. Conuenútur infuper<br />

in circulis inçqualibus) '1' manifefie colligitur ex eo, quia<br />

in maipribus à Ioue digreffionibus núquã binos Planet.1s<br />

iunélos vidcre licuit;cum tamen prope iouem du'o,trcs,&<br />

interdum oes limulconftipati repcrti íint.Oeprçhendjtur<br />

infupcr vclociores effé conuertíones l)lanetarú anguíHo ...<br />

res drcalouem circulos ddcribcntiú;propinquioresenim<br />

Ioui Stcll;r frepius fpeélantur orientales)cum pridic ex oe·<br />

ca!il apparuerint,& e contra :at Planeta maximú permeát'.<br />

orbem, aC(urate przadnotatas reucrfi~nespcrpendenti,<br />

reftitutiones femimenllruas habcre videtur.Exhnium prz<br />

terca przdaruIIH.}; habemus argumentú pro f,rupulo au ii<br />

!is demendo, qui in Sitlemate Copernicano conuerfioné<br />

Planctarum drca Solé> ~quo animo fcrentes,adcó pcrtur<br />

bantur ab vniu$ Lunz circa terr:llationc,intereadú ambo<br />

annuú orbé circa SolE abfolu um,vt h:mc vniuerfi cóftitu':'<br />

tioné ran(j. impoffibilcm encl'cc .. ndj cfIe :ubitrc:ntur; nune<br />

enim ncdum Planedvnúclrcaaliú conuertibilé habemus,<br />

dú ambo magnú drca Soié perlullram orbem; verum qua<br />

'uor ci,,;a lowé inftar Lunx circa T dluré,,(cn[us nobis va·<br />

games<br />

[285J


OBSERVAT. SIDEREAE<br />

~antes offen Stc:JIas,dtlm oEs timul cú Ioue 1~. annorum<br />

jpacio magnú circa Sole pe.meant orbE. Praofcreundú tan<br />

dem non efilEJua nã róne contingat) vt Mcdicea Sidera dú<br />

angufriffimas drca ioue rotadoncs.abfoluunt > femetipfis<br />

intcrdum plusq. duplo maiora vide:antur.Caufam in vapo<br />

ribus rerrenis minimhí.rere polfumils: apparentenim au.<br />

étaJeu mjnuta~dú Iouis ,& propinquarú fixarú moles'Oil<br />

immutatzcernuntur.Acçedereaut illos,adeoq;à tem. c·<br />

longad' circafua: ,õuerfionis perigeú,aut apogeu,vt tant~<br />

mutarionis cãm nandfcantur,oÍno inopinabile vrjná artta<br />

circlllaris latit) id nulla rõnc'prfltare valet;ouafis vero mo<br />

tus(qui i11 hoc cafu l'cétus fcrotffet)&inoprnabllis)& ijs q<br />

apparem nuUa rónc confonus dfe vr. Qpodhacin rc fuccurrit<br />

lubens profero,ac reétê philolophantift iudicio,céfurxq;<br />

cxhibeo.Cõ!lat terrefiriú \'apoJüobitétu Solé,Lu ..<br />

namq; maior


ÍNDICE DE MATÉRIAS<br />

Nota de Abertura, por Sven Dupré................................ 7<br />

Prefácio, por Henrique Leitão ............... ...... .................... 11<br />

Estudo introdutório, por Henrique Leitão ..................... 17<br />

Breve Cronologia............................................................. 137<br />

<strong>Galileu</strong> <strong>Galilei</strong>, O <strong>Mensageiro</strong> <strong>das</strong> <strong>Estrelas</strong>, tradução por<br />

. ( . ~<br />

Hennque Leltao ....................................................... 141<br />

Notas........................................................................ 207<br />

<strong>Galileu</strong> <strong>Galilei</strong>, Sidereus Nuncius. Reprodução facsimilada<br />

da edição de Veneza, Tommaso Baglioni,<br />

<strong>1610</strong>......................................................................... [225]


Esta 3. a edição de<br />

Súlereus Nundus - O <strong>Mensageiro</strong> <strong>das</strong> <strong>Estrelas</strong><br />

foi impressa e encadernada<br />

nas Oficinas da Imprensa Portuguesa - Porto<br />

para a Fundação Calouste Gulbenkian.<br />

A tiragem é de 1000 exemplares encadernados.<br />

Maio de 2010<br />

Depósito Legal n. O 306317110<br />

ISBN 978-972-31-1317-4

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