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OPINIÃO<br />
EDIÇÃO Nº 1 - Comtempo<br />
Equipe responsável:<br />
Gabriela Brack, José Piutti,<br />
Kimberly Souza e Marcos Pitta<br />
Capa, logotipo e layout do<br />
facebook e instagram:<br />
Marília Tofolli<br />
Diagramação:<br />
Marcos Pitta<br />
Textos e imagens:<br />
Gabriela Brack, José Piutti,<br />
Kimberly Souza e Marcos Pitta<br />
<strong>Edição</strong> <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>os para mídias sociais:<br />
José Piutti e Henrique Escher<br />
Charge:<br />
Rodrigo Avelino<br />
Ilustração página 11<br />
Júnior Santos<br />
Ilustração capa<br />
Vimal Mourya<br />
É <strong>ComTempo</strong> <strong>de</strong> estar e precisar<br />
tirar um tempo para ler<br />
A<br />
era digital cada vez mais impressiona<br />
por seu constante crescimento.<br />
No Brasil, segundo dados<br />
<strong>de</strong> 2016 do IBGE, Instituto Brasileiro<br />
<strong>de</strong> Geografi a e Estatístca, 116 milhões<br />
<strong>de</strong> pessoas com ida<strong>de</strong> acima <strong>de</strong> 10 anos<br />
estão conectadas à internet. Isso representa<br />
64,7% da população acima <strong>de</strong>sta faixa etária.<br />
O IBGE divulgou também que o celular<br />
é o principal aparelho para acessar a<br />
web no país. 94,6% dos internautas utilizam<br />
o aparelho telefônico para acessar a internet,<br />
seguido dos computadores, representando<br />
63,7%; tablets, 16,4%, e por último, televisões<br />
com 11,3%.<br />
Com o avanço foi possível perceber<br />
que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as eleições presi<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong> 2010,<br />
notícias falsas começaram a ser divulgadas<br />
na re<strong>de</strong> com maior intensida<strong>de</strong>. A proliferação<br />
das chamadas “fake news” aumentaram nas<br />
eleições presi<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong> 2016, nos Estados<br />
Unidos, e, <strong>de</strong> lá para cá, não cessaram.<br />
Não é preciso muita procura para encontrar<br />
notícias falsas circulando pela re<strong>de</strong>,<br />
assim como não é necessário caminhar longe<br />
<strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong> para ver uma pessoa sem<br />
formação realizando o trabalho <strong>de</strong> um jornalista.<br />
Tudo isso, agrega-se à pressa para dar<br />
um furo, resultando, na maioria das vezes,<br />
um texto <strong>de</strong>fi citário, sem apuração necessária<br />
e tratamento a<strong>de</strong>quado.<br />
Foi nesta situação que surgiu <strong>ComTempo</strong>.<br />
A revista online, produzida por jornalistas<br />
formados e estudantes, chega também para<br />
proporcionar ao seu público uma leitura prazerosa.<br />
O objetivo maior está ligado ao nome.<br />
Pe<strong>de</strong>-se que o leitor das páginas seguintes<br />
disponibilizem, além <strong>de</strong> atenção, tempo para<br />
ler as reportagens <strong>de</strong>sbravadas pela equipe<br />
durante o processo <strong>de</strong> produção. Boa leitura<br />
a todos.<br />
Quem somos nós?<br />
Gabriela <strong>de</strong> Oliveira Brack, formada<br />
em Jornalismo Instituto Municipal <strong>de</strong> Ensino<br />
Superior <strong>de</strong> Bebedouro, em 2017; José<br />
Piutti – Estudante <strong>de</strong> Jornalismo da Unaerp;<br />
Kimberly Souza, formada em Jornalismo pelo<br />
Instituto Municipal <strong>de</strong> Ensino Superior <strong>de</strong> Bebedouro,<br />
em 2016; Marcos Pitta, formado em<br />
jornalismo pelo Instituto Municipal <strong>de</strong> Ensino<br />
Superior <strong>de</strong> Bebedouro, em 2017 e Marília<br />
Toffoli, estudante <strong>de</strong> Publicida<strong>de</strong> e Propaganda<br />
da Unaerp.<br />
2
PESQUISA<br />
O MUNDO EM<br />
SUPERÁVIT<br />
COM A NATUREZA<br />
MARCOS PITTA<br />
Pesquisadora da USP <strong>de</strong> Ribeirão<br />
Preto <strong>de</strong>senvolve plástico que<br />
<strong>de</strong>grada-se 99,9% mais rápido que<br />
o comum no meio ambiente.
(DIVULGAÇÃO)<br />
2.190.000 dias (500 anos) é a projeção para o plástico<br />
comum, produzido com <strong>de</strong>rivado do petróleo (matéria<br />
-prima não renovável, cuja composição não é metabolizada<br />
por micro-organismos), leva para se <strong>de</strong>compor na<br />
natureza. Isso preocupa cada vez mais os ambientalistas<br />
e aqueles atentos à saú<strong>de</strong> do planeta.<br />
120 dias (4 meses), tempo necessário para o plástico bio<strong>de</strong>gradável,<br />
produzido pela USP <strong>de</strong> Ribeirão Preto, com<br />
material biológico, <strong>de</strong>saparecer no meio ambiente. À frente<br />
<strong>de</strong>sta pesquisa, a química Bianca Chieregato Maniglia,<br />
que em entrevista a <strong>ComTempo</strong>, dá <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> seu projeto<br />
e conceitua: “Por ser composto <strong>de</strong> material biológico, é<br />
atacado, na natureza, por outros agentes biológicos, como<br />
bactérias, fungos e algas. Transformam-se em água, CO2<br />
e matéria orgânica”.<br />
Se aprovado para substituir o plástico comum, o produto <strong>de</strong>senvolvido<br />
pela USP-RP, em números, reduziria em 99,9%<br />
o tempo necessário para <strong>de</strong>gradação no meio ambiente. A<br />
natureza ganharia 2 milhões <strong>de</strong> dias a mais para respirar.<br />
Fazendo trocadilho com a economia, o superávit seria <strong>de</strong><br />
2.189.880 dias a mais para todo o mundo.<br />
A i<strong>de</strong>ia<br />
O<br />
fato dos plásticos bio<strong>de</strong>gradáveis não<br />
conseguirem competir com os plásticos<br />
comuns por seu alto custo, foi o estopim<br />
para Bianca iniciar o projeto, com apoio dos órgãos<br />
<strong>de</strong> fomento como Fapesp (Fundação <strong>de</strong> Amparo<br />
à Pesquisa do Estado <strong>de</strong> São Paulo); Capes (Coor<strong>de</strong>nação<br />
<strong>de</strong> Aperfeiçoamento <strong>de</strong> Pessoal <strong>de</strong><br />
Nível Superior), e CNPQ (Conselho Nacional <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento Científico e Tecnológico), como<br />
parte <strong>de</strong> seu mestrado e doutorado. O projeto contou<br />
também com a estrutura do Departamento <strong>de</strong><br />
Química da USP <strong>de</strong> Ribeirão Preto.<br />
“Buscamos matéria prima mais barata<br />
para tornar este material competitivo. Os resíduos<br />
agroindustriais brasileiros ainda são pouco explorados,<br />
sendo muitas vezes, <strong>de</strong>scartados na natureza”.<br />
A química ressalta que os resíduos po<strong>de</strong>m<br />
apresentar gran<strong>de</strong> potencial <strong>de</strong> aplicação tecnológica:<br />
“Foi <strong>de</strong>sta forma, então, que pesquisamos<br />
possíveis resíduos, ainda pouco explorados, com<br />
polímeros interessantes como amido e proteína<br />
para aplicação no setor <strong>de</strong> materiais”. Bianca revela<br />
que o pedido <strong>de</strong> patente <strong>de</strong>ste plástico será feito<br />
ainda em <strong>2018</strong>.<br />
O trabalho <strong>de</strong> obtenção dos plásticos bio<strong>de</strong>gradáveis<br />
envolve, segundo a pesquisadora,<br />
grupo <strong>de</strong> pesquisa com participação <strong>de</strong> alunos<br />
<strong>de</strong> iniciação científica: “Roberta Lopes <strong>de</strong> Paula,<br />
Larissa Tessaro e Bruno Esposto, e <strong>de</strong> mestrado,<br />
Thamiris Garcia, além da fundamental orientação<br />
da Profa. Dra. Delia Rita Tapia Blácido”.<br />
Bianca revela que as proprieda<strong>de</strong>s dos<br />
plásticos <strong>de</strong>senvolvidos durante a pesquisa apresentaram<br />
resultados satisfatórios em relação aos<br />
convencionais, pois possuem boas proprieda<strong>de</strong>s<br />
mecânicas e funcionais, mas, a alta bio<strong>de</strong>gradabilida<strong>de</strong><br />
do plástico, “apesar <strong>de</strong> ser ponto positivo,<br />
po<strong>de</strong> não ser apropriado para produtos que não<br />
sejam <strong>de</strong> rápido consumo”.<br />
Outro fator que faz o plástico <strong>de</strong>senvolvido<br />
pela pesquisadora ainda não ser tão competitivo com<br />
o convencional, é a alta capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> absorver umida<strong>de</strong>,<br />
criando assim, ambiente favorável para maior<br />
proliferação <strong>de</strong> micro-organismos: “Isso prejudica a<br />
conservação dos alimentos, por isso, estamos trabalhando<br />
para controlar estas proprieda<strong>de</strong>s, tornando-o<br />
mais apto para aplicação no mercado”, explica.<br />
Para o produto bio<strong>de</strong>gradável ganhar o<br />
mercado rapidamente, a química consi<strong>de</strong>ra interessante<br />
sua aplicação como blendas, ou seja, “na<br />
forma <strong>de</strong> misturas entre polímeros provenientes<br />
dos resíduos agroindustriais, com polímeros provenientes<br />
do petróleo”. Assim, tem-se o aproveitamento<br />
<strong>de</strong> um resíduo agroindustrial como fonte<br />
alternativa renovável para compor embalagens e<br />
também reduzir a porcentagem <strong>de</strong> fontes sintéticas,<br />
agregando a bio<strong>de</strong>gradabilida<strong>de</strong>: “Além <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>rmos contar com presença das boas proprieda<strong>de</strong>s<br />
dos plásticos comuns”.<br />
Foi esta a consi<strong>de</strong>ração inspiratória para<br />
Bianca iniciar o trabalho <strong>de</strong> pós-doutorado que<br />
realiza atualmente, na Escola Politécnica da USP.<br />
“Trata-se da produção <strong>de</strong> plástico, po<strong>de</strong>ndo inserirse<br />
mais rápido no mercado, que são as blendas <strong>de</strong><br />
polímeros <strong>de</strong> resíduo <strong>de</strong> babaçu com o polímero<br />
polipropileno”, esclarece a pesquisadora.<br />
Os resíduos agroindustriais<br />
brasileiros ainda são pouco<br />
explorados, sendo muitas vezes,<br />
apenas <strong>de</strong>scartados na natureza<br />
4
(DIVULGAÇÃO)<br />
Equipe envolvida na pesquisa do plástico 100% bio<strong>de</strong>gradável.<br />
A curto, médio ou longo prazo?<br />
Uma das perguntas da <strong>ComTempo</strong> à pesquisadora,<br />
foi sobre quanto tempo as benfeitorias<br />
do plástico bio<strong>de</strong>gradável levariam para<br />
modificar o ambiente: “Acredito ser a longo<br />
prazo. A burocracia <strong>de</strong> implantação <strong>de</strong>stes<br />
materiais no mercado ainda é gran<strong>de</strong>, no<br />
entanto, acho que diante <strong>de</strong> antagonismos<br />
como excesso <strong>de</strong> lixos plásticos e o inevitável<br />
esgotamento do petróleo, essa burocracia<br />
ten<strong>de</strong> a diminuir e abrir espaço para estas<br />
vias mais sustentáveis”. Bianca enfatiza<br />
sobre o aumento da conscientização global<br />
<strong>de</strong> que precisa-se buscar alternativas mais<br />
sustentáveis para um planeta saudável.<br />
Em relação ao <strong>de</strong>scarte, a pós-doutoranda<br />
revela que essa proprieda<strong>de</strong> acaba saindo<br />
na frente aos plásticos ver<strong>de</strong>s encontrados<br />
hoje no mercado. “Eles também são elaborados<br />
a partir <strong>de</strong> fontes renováveis – milho,<br />
mandioca, beterraba e cana-<strong>de</strong>-açúcarmas,<br />
essas servem como matérias-primas<br />
para produzir um composto (ácido láctico)<br />
do qual se po<strong>de</strong> sintetizar o polímero (PLA<br />
– ácido polilático). Devido ao fato <strong>de</strong>stes<br />
plásticos não serem produzidos com polímeros<br />
naturais, como proteína e carboidratos,<br />
por exemplo, o material apresenta estrutura<br />
mais complexa e só se bio<strong>de</strong>grada<br />
corretamente em usinas <strong>de</strong> compostagem,<br />
on<strong>de</strong> há condições a<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> luz, umida<strong>de</strong><br />
e temperatura, além da quantida<strong>de</strong><br />
correta <strong>de</strong> microrganismos”.<br />
O que falta?<br />
Para que o plástico <strong>de</strong>senvolvido chegue<br />
ao mercado e, posteriormente, às casas<br />
dos cidadãos, necessita-se ainda, do estudo<br />
da produção <strong>de</strong>ste plástico em larga<br />
escala, através <strong>de</strong> extrusão. “Ao processarse<br />
o material por extrusão, muitas outras<br />
variáveis <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>radas. Acredito<br />
que, diante da boa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes materiais<br />
em formar filmes, futuramente, será<br />
sim, viável a produção <strong>de</strong> plásticos bio<strong>de</strong>gradáveis<br />
ou parcialmente bio<strong>de</strong>gradáveis<br />
a partir <strong>de</strong>stes resíduos agroindustriais. E<br />
consi<strong>de</strong>ro que as blendas po<strong>de</strong>m inserir-se<br />
mais rápido no mercado, por garantir melhores<br />
proprieda<strong>de</strong>s mecânicas e funcio-<br />
nais que os filmes feitos apenas com resíduos<br />
agroindustriais”.<br />
Segundo Bianca, o custo para esta produção<br />
ainda <strong>de</strong>ve ser estudado, mas diante<br />
do preço dos insumos, “quando se fala em<br />
se trabalhar com estes resíduos agroindustriais,<br />
acredito que po<strong>de</strong>mos competir com<br />
os plásticos comuns feitos com 100% <strong>de</strong><br />
material não bio<strong>de</strong>gradável. Outro fato interessante<br />
do plástico produzido a partir <strong>de</strong><br />
resíduos agroindustriais é que esta matéria<br />
-prima não compete com o setor alimentício,<br />
como no caso <strong>de</strong> milho, mandioca, beterraba<br />
e cana-<strong>de</strong>-açúcar”, conceitua.<br />
A boa notícia é o interesse pela pesquisa.<br />
Bianca conta que diversas empresas querem<br />
conhecer mais sobre o projeto e a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> implantar em suas fábricas.<br />
“No entanto, como já foi dito, estamos buscando<br />
conhecer melhor o processo <strong>de</strong> produção<br />
e as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> melhoria das<br />
proprieda<strong>de</strong>s do plástico. Também há diversos<br />
setores como empresas <strong>de</strong> cosméticos,<br />
roupas e alimentos questionando se o plástico<br />
já está sendo vendido”.<br />
5
(DIVULGAÇÃO)<br />
Polêmica dos canudos plásticos<br />
O mundo compartilhou e as re<strong>de</strong>s sociais<br />
encheram-se <strong>de</strong> notícias sobre a poluição <strong>de</strong><br />
plásticos nos oceanos. O maior vilão <strong>de</strong>sta história<br />
foi o canudo. No entanto, pesquisa feita pela<br />
ONG International Coastal Cleanup, aponta este<br />
produto como a sexta causa <strong>de</strong> poluição nos mares<br />
e oceanos, per<strong>de</strong>ndo para garrafas <strong>de</strong> plástico<br />
e suas tampinhas; bitucas <strong>de</strong> cigarro; embalagens<br />
<strong>de</strong> alimentos; sacolas <strong>de</strong> supermercados<br />
e tampas <strong>de</strong> copos, respectivamente. Contudo, a<br />
pesquisadora faz análise: “Os plásticos convencionais<br />
são, em geral, gran<strong>de</strong> problema ambiental,<br />
<strong>de</strong>vido ao seu acúmulo, em especial o canudo<br />
plástico por ser material <strong>de</strong> uso único, dispensável<br />
e, rapidamente <strong>de</strong>scartável”.<br />
O investimento no uso <strong>de</strong> outras matérias-primas,<br />
é apontado pela pesquisadora como<br />
sugestão aos produtores <strong>de</strong>ste material. “Há<br />
campanhas por canudos <strong>de</strong> metal que po<strong>de</strong>m ser<br />
reutilizados, pois são laváveis. Outra elemento interessante<br />
seria o papel, apesar do canudo não<br />
po<strong>de</strong>r ser reutilizado, o tempo <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação do<br />
canudo <strong>de</strong> papel é bem inferior, <strong>de</strong> um a quatro<br />
meses”, explica: “Dentre as inovações, uma empresa<br />
espanhola chamada Sorbos, <strong>de</strong>senvolveu<br />
canudos comestíveis, bio<strong>de</strong>gradáveis e recicláveis<br />
feitos <strong>de</strong> gelatina, amido e açúcar. Portanto,<br />
as empresas atuais <strong>de</strong> canudos plásticos po<strong>de</strong>m<br />
seguir diferentes caminhos mais sustentáveis e<br />
agradáveis para o meio ambiente”.<br />
Bianca consi<strong>de</strong>ra sua pesquisa importante<br />
para o meio ambiente. “Além <strong>de</strong> obter-se material<br />
<strong>de</strong>gradando-se completamente na natureza,<br />
não gerando mais acúmulos <strong>de</strong> lixo, nota-se, que<br />
os resíduos agroindustriais, muitas vezes <strong>de</strong>scartados<br />
como lixo, apresentam gran<strong>de</strong> potencial<br />
para aplicação tecnológica. Outro fato, é não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rmos<br />
mais do petróleo, fonte não renovável,<br />
ou seja, irá se esgotar”.<br />
“Sinto-me realizada em trabalhar com<br />
pesquisa, pois acredito que este caminho tem<br />
muito a agregar futuramente para a construção<br />
<strong>de</strong> um mundo mais limpo e sustentável”.<br />
Plástico <strong>de</strong>senvolvido a partir <strong>de</strong> resíduos agroindustriais, cuja patente <strong>de</strong>ve sair ainda este ano.<br />
Contratempo<br />
Quinta-feira, 2 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> <strong>2018</strong>. O<br />
Conselho Superior da Capes, em nota, alerta<br />
sobre risco <strong>de</strong> paralisação nas ativida<strong>de</strong>s<br />
e pe<strong>de</strong> ao governo fe<strong>de</strong>ral que impeça a redução<br />
nas verbas, já que corria-se o risco <strong>de</strong><br />
corte <strong>de</strong> pelo menos R$ 580 milhões no orçamento<br />
<strong>de</strong> 2019.<br />
No dia seguinte, o Ministério da Educação<br />
em nota, afirma: “Não haverá suspensão<br />
do pagamento das bolsas da Capes”. O presi<strong>de</strong>nte<br />
Michel Temer garantiu a verba, e em reunião<br />
com membros <strong>de</strong> seu conselho científico,<br />
disse: “Se houver problema eventual, não vou<br />
<strong>de</strong>ixar faltar. Eu compensarei”.<br />
O comunicado foi divulgado após<br />
reunião entre os ministros Rossieli Soares, do<br />
MEC, e Esteves Colnago, do Planejamento.<br />
Segundo o MEC, a reunião já estava marcada<br />
antes mesmo da repercussão negativa sobre o<br />
corte <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 11% no orçamento da Capes.<br />
A pesquisadora opinou sobre o que<br />
aconteceria se os cortes na Capes se concretizassem:<br />
“Danos irrecuperáveis, tanto à ciência,<br />
quanto ao <strong>de</strong>senvolvimento do país, pois<br />
a interrupção <strong>de</strong> projetos po<strong>de</strong> causar perda<br />
dos recursos já investidos, saída <strong>de</strong> pesquisadores<br />
para outras áreas e consequentemente,<br />
escassez <strong>de</strong> cientistas qualificados. Isso,<br />
com certeza, prazo para diversos setores,<br />
como a saú<strong>de</strong>, tecnologia e até na economia”.<br />
Sobre a valorização na área <strong>de</strong> pesquisa<br />
no Brasil. “O país tem excelentes centros<br />
<strong>de</strong> pesquisa, no entanto, temos um tímido<br />
investimento do governo. Enquanto o Brasil<br />
consi<strong>de</strong>rar investimento na ciência, tecnologia<br />
e inovação como gasto, não iremos progredir.<br />
Consi<strong>de</strong>ro também a falta <strong>de</strong> projetos que vinculem<br />
o meio acadêmico com as indústrias,<br />
pois há muitas dissertações e teses sendo engavetadas<br />
que po<strong>de</strong>m trazer gran<strong>de</strong> avanço ao<br />
país, se implantadas”.<br />
Sobre país referência em meio ambiente,<br />
Bianca <strong>de</strong>staca os europeus e cita<br />
como exemplo Áustria, Alemanha e Bélgica,<br />
“que apresentam taxa <strong>de</strong> reciclagem <strong>de</strong><br />
mais <strong>de</strong> 58% do lixo produzido, enquanto<br />
o Brasil apresenta reciclagem <strong>de</strong> apenas<br />
13% do lixo urbano. O interessante é como<br />
esses países apresentam mais programas<br />
<strong>de</strong> investimento em ciência e tecnologia e<br />
como essas pesquisas são aplicadas nos<br />
próprios países. O Brasil precisa conscientizar-se<br />
mais sobre a importância <strong>de</strong>ste setor<br />
no <strong>de</strong>senvolvimento, e na possível melhoria<br />
<strong>de</strong> vida <strong>de</strong> todos”, finaliza.<br />
6
ELEIÇÕES<br />
O QUE PENSAM OS<br />
JOVENS SOBRE<br />
No âmbito da representativida<strong>de</strong>, qual o<br />
nível atingido pelos indivíduos que<br />
ocupam e irão ocupar cargos eletivos?<br />
POLÍTICA<br />
GABRIELA BRACK<br />
O<br />
que pensam os jovens sobre política?<br />
Sobre as eleições? Sim! Estamos exatamente<br />
no ano eleitoral. Quem diria que<br />
<strong>2018</strong> chegaria tão rápido, não é mesmo? E que<br />
expressão corriqueira esta: “como o tempo passou<br />
rápido...”.<br />
Tempo. E por falar nele, aqui vai outra<br />
constatação: mesmo com a “semente” da Com-<br />
Tempo plantada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> julho, foi exatamente em 7<br />
<strong>de</strong> <strong>setembro</strong> (exatamente a um mês das Eleições<br />
<strong>2018</strong>), que esta reportagem começou a ser escrita.<br />
Não diria com toda certeza se <strong>de</strong> fato cabe<br />
aqui tamanha sincerida<strong>de</strong>, mas é preciso revelar<br />
que estes escritos, a concepção <strong>de</strong>sta i<strong>de</strong>ia, foi<br />
maquinada, em todo esse tempo, das mais variadas<br />
formas. E o intuito, afinal? Chegamos à conclusão<br />
<strong>de</strong> trazer uma análise “nua e crua” sobre<br />
este cenário, ouvindo jovens aptos ou não a votar.<br />
O que eles pensam sobre o cenário da<br />
política nacional? Como se informam? Sentem-se<br />
representados? Já escolheram seus candidatos?<br />
E afinal, o que é política para eles?<br />
Primeiramente, vamos a alguns dados.<br />
De acordo com números anunciados no início <strong>de</strong><br />
agosto pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no<br />
próximo dia 7 <strong>de</strong> outubro, 147.302.357 eleitores<br />
brasileiros estarão aptos a votar, representando<br />
aumento <strong>de</strong> 3,14% em relação à ultima eleição geral<br />
do país, em 2014.<br />
Além <strong>de</strong> eleger novo(a) presi<strong>de</strong>nte da República,<br />
o eleitorado escolherá <strong>de</strong>putados(as) fe<strong>de</strong>rais, <strong>de</strong>putados(as)<br />
estaduais ou distritais, dois(uas) senadores(as)<br />
por estado e o(a) governador(a) <strong>de</strong> cada<br />
uma das 27 Unida<strong>de</strong>s da Fe<strong>de</strong>ração.<br />
7
meio mais utilizado”.<br />
Sobre as eleições especificamente,<br />
a assistente social acredita ser difícil prever<br />
um <strong>de</strong>sfecho. “Este ano é muito particular.<br />
Por conta da veiculação <strong>de</strong> notícias pelo Facebook,<br />
mídia acessada por muita gente, inclusive<br />
e principalmente jovens, temos uma<br />
valoração dos discursos <strong>de</strong> ódio, que vão<br />
tomando conta das re<strong>de</strong>s sociais <strong>de</strong> uma forma<br />
intensa. Então, se alguém apoia o candidato<br />
X, as pessoas não sabem discutir politicamente,<br />
elas querem emanar seu discurso<br />
<strong>de</strong> ódio”, analisa.<br />
Para Jessica, este tipo <strong>de</strong> posicionamento<br />
tira as pessoas <strong>de</strong> seu verda<strong>de</strong>iro<br />
foco <strong>de</strong> avaliar propostas políticas dos candidatos,<br />
“a jogada que existe por trás <strong>de</strong> cada<br />
fala, <strong>de</strong> cada discurso. Estamos <strong>de</strong>sgastando<br />
tanta energia tentando ‘educar’ as pessoas<br />
com quem dialogamos e têm esse posiciogênero<br />
e faixa etária<br />
Segundo o TSE, dados do<br />
Cadastro Eleitoral apontam<br />
que a maior fatia do eleitorado<br />
brasileiro pertence<br />
ao gênero feminino,<br />
com 77.337.919<br />
eleitoras, o equivalente<br />
a 52,5%, ante<br />
69.901.037 eleitores,<br />
ou 47,5%.<br />
Há ainda 63.401<br />
pessoas aptas<br />
a votar (0,040%)<br />
cujo gênero não foi<br />
informado.<br />
Também militante do feminismo negro, Jessica<br />
Barbosa Vianna faz parte do segundo maior grupo<br />
do eleitorado brasileiro. (Foto: Arquivo Pessoal)<br />
Na divisão<br />
por faixa etária, o maior<br />
quantitativo eleitoral tem<br />
entre 45 e 59 anos, somando<br />
35.742.439 pessoas,<br />
representando<br />
24,26%. Em seguida,<br />
estão os(as) brasileiros(as)<br />
<strong>de</strong> 25 a<br />
34 anos, 31.149.869,<br />
ou 21,15% do eleitorado nacional.<br />
Este segundo grupo, consi<strong>de</strong>rados<br />
jovens, fazem análise sobre a política nacional<br />
e, principalmente, sobre o pleito majoritário<br />
<strong>de</strong> <strong>2018</strong>.<br />
A assistente social Jessica Barbosa<br />
Vianna, 25, conceitua política como o modo<br />
pelo qual as pessoas relacionam-se e compreen<strong>de</strong>m-se<br />
em socieda<strong>de</strong>: “Todo sujeito<br />
é um ser político. Política não é só partido,<br />
mas também um modo <strong>de</strong> sermos, nos posicionarmos<br />
numa socieda<strong>de</strong> com nossos i<strong>de</strong>ais,<br />
valores e princípios. A política serve para<br />
que consigamos transformar a socieda<strong>de</strong> e<br />
sermos transformados por ela também. É o<br />
ser político que consegue fazer isso”.<br />
Já para o <strong>de</strong>signer multimídia e produtor<br />
audiovisual Felipe Arcangelo, 25, política<br />
é a forma como nos organizamos enquanto<br />
socieda<strong>de</strong>. “Temos <strong>de</strong>veres, direitos, e é<br />
preciso uma forma <strong>de</strong> administrar tudo isso”,<br />
conceitua.<br />
Acompanhando o cenário da política<br />
nacional, principalmente após seu ingresso<br />
no ensino superior, Jessica tem como principal<br />
fonte <strong>de</strong> informação a internet, não restringindo-se<br />
às mídias sociais, mas também<br />
acessando portais <strong>de</strong> notícias. “Tento ler o<br />
máximo <strong>de</strong> conteúdo que posso, <strong>de</strong> diferentes<br />
fontes, para ter diferentes<br />
pontos <strong>de</strong> vista sobre o<br />
mesmo assunto”, afirma,<br />
dizendo ainda contar<br />
com a informação<br />
através <strong>de</strong> conversas:<br />
“Tenho um<br />
grupo <strong>de</strong> amigos<br />
bem politizado,<br />
que consegue fazer<br />
discussões<br />
bem legais”.<br />
Felipe revela<br />
não acompanhar<br />
a política com frequência:<br />
“Confesso<br />
que só pesquiso meu<br />
candidato em época <strong>de</strong><br />
eleição, e sempre utilizo a<br />
internet para isso.<br />
Até acompanho um<br />
pouco <strong>de</strong> TV, um<br />
pouco mais <strong>de</strong> rádio,<br />
mas a internet,<br />
com certeza, é o<br />
namento mais violento, que acabamos não<br />
prestando atenção no que realmente está<br />
acontecendo. Então, particularmente, eu não<br />
consigo prever um <strong>de</strong>sfecho. Está difícil”.<br />
Exercendo direito ao voto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 16<br />
anos, por influência <strong>de</strong> seus pais, Felipe analisa<br />
que <strong>de</strong> lá para cá, o cenário das Eleições<br />
<strong>2018</strong> mostra-se diferente. “Os discursos mudaram,<br />
a política está um pouco mais ácida,<br />
tem uma gran<strong>de</strong> massa acompanhando <strong>de</strong>terminado<br />
candidato, outra massa apoiando<br />
os <strong>de</strong>mais candidatos, então, é difícil prever<br />
<strong>de</strong>sfecho para este ano”, analisa.<br />
Ainda sem candidato(a) à presidência<br />
da República <strong>de</strong>finido(a), Jessica aponta que<br />
sua escolha se baseará naquele(a) que for<br />
mais sensato(a) em seus discursos, “No que<br />
eu perceber que realmente faz sua fala baseada<br />
na proposta <strong>de</strong> mudança”.<br />
Já para <strong>de</strong>putados(as), no âmbito fe<strong>de</strong>rativo<br />
a escolha da assistente social está<br />
feita, faltando ainda a <strong>de</strong>cisão aos <strong>de</strong>mais<br />
cargos eletivos. “O candidato que escolhi<br />
para <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral já tem histórico <strong>de</strong><br />
militância, faz discurso coerente, o conheço<br />
pessoalmente, é uma pessoa que já admirava<br />
muito antes. É um dos candidatos que<br />
não se envolve em polêmicas e discursos <strong>de</strong><br />
ódio, mesmo passando por momento tenso<br />
em seu próprio partido, on<strong>de</strong> sua campanha<br />
não foi muito veiculada e com pouco investimento”,<br />
<strong>de</strong>talha.<br />
Com candidato <strong>de</strong>finido “há um bom<br />
tempo”, Felipe <strong>de</strong>seja que seu voto seja útil<br />
e colabore para a eleição <strong>de</strong>le, “Porém, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
do candidato que assumir a vaga,<br />
espero que faça bom governo. Po<strong>de</strong> até parecer<br />
uma frase genérica, mas espero que<br />
seja o pensamento <strong>de</strong> todos: in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong> sua posição política, temos que pensar no<br />
bem comum, que realmente o candidato eleito<br />
governe para todos e coloque em prática<br />
suas propostas”, afirmando já ter nomes para<br />
candidatos ao Legislativo, ainda sem opções<br />
para os <strong>de</strong>mais cargos eletivos.<br />
As mulheres representam 52,5%<br />
do eleitorado brasileiro.<br />
Os homens 47,5%.<br />
8
existe representativida<strong>de</strong> ?<br />
Falando em representativida<strong>de</strong>, Felipe<br />
Arcangelo acredita ser difícil fazer tal<br />
análise. “No meu caso, por exemplo, como<br />
profissional autônomo, <strong>de</strong>pendo <strong>de</strong> alguns<br />
equipamentos importados para po<strong>de</strong>r exercer<br />
minha função. Acontece que os impostos<br />
são absurdos, o que torna inviável a compra.<br />
Necessito <strong>de</strong> um governo que cobre menos<br />
impostos, que as taxas <strong>de</strong> importação sejam<br />
mais baixas. Analisando esta situação do meu<br />
trabalho, do meu lado profissional, o governo<br />
não me representa”, e pon<strong>de</strong>ra: “É claro que<br />
temos que analisar para todos, não somente<br />
o pessoal. Então, realmente é uma pergunta<br />
complicada <strong>de</strong> se respon<strong>de</strong>r”.<br />
Jessica Vianna afirma não se sentir representada<br />
na política, mas faz análise sob outra<br />
perspectiva: “Neste ano (para as eleições)<br />
temos várias frentes com propostas muito boas,<br />
mas num panorama geral, falta muito <strong>de</strong>ssa representativida<strong>de</strong>,<br />
especialmente porque a política<br />
reproduz os interesses <strong>de</strong> uma classe há<br />
muito tempo, então, tem características bem<br />
conservadoras. Assim, os grupos minoritários,<br />
nessa disputa, sempre saem per<strong>de</strong>ndo. Os<br />
partidos acabam investindo naqueles que aten<strong>de</strong>m<br />
mais às <strong>de</strong>mandas daqueles que po<strong>de</strong>m<br />
pagar, então é um problema <strong>de</strong> classe, gênero,<br />
raça, localida<strong>de</strong>. Ainda precisamos avançar<br />
muito nessa questão da representativida<strong>de</strong>. E<br />
os partidos precisam se repensar. Mas repensar<br />
o partido é repensar seu projeto político, e<br />
muitos partidos não farão isso. Já existe uma<br />
classe que domina, para quem a política serve,<br />
para quem a política chega, e a quem ela contempla.<br />
Uma discussão pesada”.<br />
Voto facultativo entre os jovens: por que não votar?<br />
(ARQUIVO PESSOAL)<br />
Thainá Velloso, 16, não viu necessida<strong>de</strong> em<br />
tirar o título <strong>de</strong> eleitor antes dos 18 anos.<br />
Também segundo dados do TSE, jovens<br />
entre 16 e 17 anos representam 0,95% do eleitorado<br />
brasileiro, totalizando em 1.400.617, número<br />
que se refere aos eleitores que ainda estarão nessa<br />
faixa etária em 7 <strong>de</strong> outubro, e po<strong>de</strong>rão exercer<br />
o voto facultativo. Os dados apontam redução <strong>de</strong><br />
14,53% em relação ao pleito <strong>de</strong> 2014.<br />
Também em relação á última eleição, o<br />
percentual <strong>de</strong> jovens aptos ao voto facultativo é<br />
menor. Neste ano, a população com 16 e 17 anos<br />
totaliza em 6.489.062 jovens, 21% dos 1.400.617<br />
que emitiram seu título <strong>de</strong> eleitor. No pleito <strong>de</strong><br />
2014, o percentual <strong>de</strong> votantes nesta faixa etária<br />
em relação ao total <strong>de</strong> jovens era 23%.<br />
A <strong>ComTempo</strong> também buscou saber porque<br />
essa gran<strong>de</strong> faixa da população entre 16 e<br />
17 anos preferiu não votar.<br />
Estudante do 3º ano do ensino médio,<br />
numa escola pública e estagiária numa agência<br />
bancária, Thainá Velloso, 16, não emitiu seu título<br />
neste ano, assim como a maioria dos seus amigos<br />
da mesma ida<strong>de</strong>. “Não vi necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tirar meu<br />
título antes dos 18 anos, por não ter a obrigação <strong>de</strong><br />
votar, e por só haver candidatos péssimos (risos).<br />
Então, quando tirar meu título, meus votos provavelmente<br />
serão nulos”, explica a estudante.<br />
Thainá afirma ter interesse por política,<br />
mas não em gran<strong>de</strong> medida. “Acompanho mais<br />
ou menos o que acontece no país mais pela internet,<br />
ou nos jornais (na TV aberta)”, diz a estudante,<br />
<strong>de</strong>finindo política sob sua perspectiva: “Ela<br />
mostra quem são os governantes do nosso estado...<br />
Acho difícil essa pergunta. Sabemos o que é<br />
política, mas não sabemos explicar”.<br />
Sobre sentir-se ou não representada,<br />
Thainá resume: “Acho que não”.<br />
A também estudante do 3º ano do ensino<br />
médio, mas <strong>de</strong> escola particular, Giulia Calegari, 17,<br />
inclui-se no grupo <strong>de</strong> jovens que optaram por não<br />
exercer seu voto facultativo nas Eleições <strong>2018</strong>, mas<br />
por não se sentir preparada.<br />
“Não acho que eu tenha maturida<strong>de</strong> o suficiente<br />
para ajudar nas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> quem será o<br />
novo representante do país. Minhas i<strong>de</strong>ias estão em<br />
constante processo <strong>de</strong> transformação e creio que<br />
logo elas terão uma forma mais consistente, mas<br />
não por enquanto. É in<strong>de</strong>cisão. Sem contar as polêmicas<br />
e discussões que envolvem o voto. Já estou<br />
no 3º colegial, quis manter minha cabeça um pouco<br />
mais focada nos vestibulares”, explica Giulia, garantindo<br />
não se tratar <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> interesse pela política:<br />
“Mesmo não votando esse ano, tento me envolver<br />
um pouco nos assuntos, para terminar todo o processo<br />
<strong>de</strong> formação da minha opinião, para quando<br />
realmente chegar a hora, eu po<strong>de</strong>r ajudar pra valer”.<br />
Entre as formas que a estudante busca<br />
informações, sua melhor amiga acaba sendo<br />
uma “fonte”. “Ela é super ligada nesses assuntos<br />
políticos, então vivo pedindo informações para<br />
ela. Vira e mexe ela está aqui em casa discutindo<br />
(ARQUIVO PESSOAL)<br />
Giulia Calegari,17, optou por não votar<br />
nesta eleição, por não se sentir preparada.<br />
um pouco o assunto comigo”, conta.<br />
Outra forma <strong>de</strong> abrir os horizontes <strong>de</strong><br />
Giulia foi através da própria escola, um trabalho<br />
proposto por dois professores: “Nós montamos<br />
grupos e escolhemos um candidato, então assistimos<br />
sua entrevista no Roda Viva (na TV Cultura)<br />
e tivemos <strong>de</strong> apresentar suas i<strong>de</strong>ias e propostas<br />
em sala <strong>de</strong> aula, sem expor nossa opinião a respeito<br />
<strong>de</strong>les. Em quase todas as apresentações a<br />
sala entrou em <strong>de</strong>bate”.<br />
Já na <strong>de</strong>finição do que é política, em sua<br />
visão, Giulia é sucinta: “Política é a forma <strong>de</strong> organização<br />
<strong>de</strong> um país, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veriam ser administrados<br />
os direitos e <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> todos os cidadãos”.<br />
Questionada sobre se sentir ou não representada<br />
pelos políticos, a resposta da estudante<br />
é afirmativa, mas pon<strong>de</strong>ra: “Para mim, é<br />
uma bela <strong>de</strong> uma confusão. Alguns aparentam<br />
saber exatamente o que nosso país precisa nesse<br />
momento, mas certas i<strong>de</strong>ias vão contra meus<br />
próprios i<strong>de</strong>ais. Enquanto outros aparentam não<br />
saber com que país eles estão lidando...”.<br />
9
um chamado aos jovens<br />
Também em busca <strong>de</strong> uma análise<br />
mais múltipla e ampla sobre a participação política<br />
dos jovens, principalmente à luz da menor<br />
participação dos jovens entre 16 e 17 anos no<br />
pleito majoritário <strong>de</strong>ste ano, a <strong>ComTempo</strong> encontrou<br />
a Engajamundo, que <strong>de</strong>fine-se como<br />
uma organização <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança jovem que atua<br />
para abrir caminhos para a participação da juventu<strong>de</strong><br />
nas <strong>de</strong>cisões políticas internacionais.<br />
Segundo o Engajamundo, a atuação<br />
da organização está focada, atualmente, em<br />
cinco temas: biodiversida<strong>de</strong>, cida<strong>de</strong>s sustentável,<br />
clima, <strong>de</strong>senvolvimento sustentável<br />
e gênero.<br />
A reportagem enviou questões a Engajamundo,<br />
que fora respondidas pela coor<strong>de</strong>nadora<br />
da organização, Amanda Segnini,<br />
formada em Relações Internacionais pela<br />
PUC-SP e com pós-graduação em Inovação<br />
Social pelo Instituto Amani. Confira a entrevista<br />
na íntegra.<br />
<strong>ComTempo</strong> – É possível fazer análise do porquê um percentual<br />
tão baixo <strong>de</strong> jovens <strong>de</strong>cidiu votar nestas eleições?<br />
Amanda Segnini – Na nossa perspectiva como Engajamundo, isso<br />
acontece porque poucos jovens sentem-se representados com a<br />
maioria dos candidatos que estão ocupando os cargos hoje em dia.<br />
Isso faz com que o interesse por pesquisar outros representantes<br />
seja quase nulo. O resultado <strong>de</strong>sse ciclo é uma eleição com percentual<br />
tão baixo <strong>de</strong> jovens exercendo, <strong>de</strong> fato, o direito ao voto, ou seja,<br />
comparecendo às urnas e não o anulando.<br />
CT – Quais fatores po<strong>de</strong>m levar os jovens a não se interessarem<br />
por política?<br />
Amanda – O distanciamento da política institucional e o encastelamento<br />
das instituições, construindo uma narrativa <strong>de</strong> ser a política<br />
algo distante do nosso cotidiano, diminuindo, por conseguinte, a representação<br />
das diversida<strong>de</strong>s do país, resultando em duplo afastamento:<br />
por não se ver e não enten<strong>de</strong>r a política na sua vida.<br />
CT – Quais ferramentas po<strong>de</strong>riam ser iniciativas para<br />
<strong>de</strong>spertar o interesse?<br />
Amanda – Dispositivos mediadores das dinâmicas on<strong>de</strong> a juventu<strong>de</strong><br />
está presente, como as re<strong>de</strong>s sociais. Nesse sentido, cabe citar a<br />
plataforma #MeRepresenta, que faz o match político entre candidaturas<br />
e pessoas eleitoras, buscando efetivar essa ponte, diminuir o<br />
distanciamento e aumentar a representativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> corpos e pautas<br />
na política institucional. Além do #MeRepresenta e outras plataformas<br />
que estão buscando a reaproximação dos jovens com a política,<br />
o Engajamundo encoraja fortemente a participação das juventu<strong>de</strong>s<br />
em rodas <strong>de</strong> conversa, participação em <strong>de</strong>bates e aproximação com<br />
as temáticas abordadas pelos seus candidatos. Possibilitar que a política<br />
seja um assunto falado abertamente pelos jovens, com respeito<br />
às divergências <strong>de</strong> opinião e buscando que esses jovens se sintam<br />
à vonta<strong>de</strong> em fazer parte <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>bate também são ações que acreditamos<br />
serem possíveis.<br />
CT – Os jovens sentem-se representados por políticos<br />
que ocupam os cargos eletivos?<br />
Amanda – Atualmente, não. O perfil <strong>de</strong> políticos hoje é distante das<br />
faces da juventu<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>rando o congresso e os cargos executivos.<br />
Um congresso extremamente conservador e o mesmo perfil na<br />
maioria dos cargos públicos eleitos: homens, brancos, cisgêneros,<br />
heteronormativos, <strong>de</strong> classe média alta para cima e distantes das<br />
pautas que a juventu<strong>de</strong> vem <strong>de</strong>batendo e reivindicando, seja em movimentos<br />
organizados, seja em re<strong>de</strong>s.
ASSÉDIO<br />
A BOCA<br />
QUE<br />
ENSINA<br />
É A<br />
MESMA<br />
QUE<br />
ASSEDIA<br />
Segundo pesquisa realizada<br />
pela <strong>ComTempo</strong>,<br />
56% dos casos <strong>de</strong> assédio<br />
em instituições <strong>de</strong><br />
ensino partem daqueles<br />
que <strong>de</strong>viam usar a boca<br />
apenas para ensinar.<br />
JOSÉ PIUTTI
“Você não tem capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> passar na minha<br />
disciplina”, foi o que uma jovem estudante<br />
<strong>de</strong> Engenharia Mecânica, preferindo<br />
não se i<strong>de</strong>ntificar, ouviu <strong>de</strong> seu professor<br />
na frente <strong>de</strong> toda sala <strong>de</strong> aula, composta majoritariamente<br />
por integrantes do sexo masculino.<br />
Antes, ela havia ignorado e-mail do educador,<br />
em que a questionava: “Por que você<br />
não sai comigo?”<br />
“Sempre sofri muito preconceito por<br />
ser mulher e estar em ‘curso <strong>de</strong> homem’. Piadinhas<br />
sem graças vindas <strong>de</strong> veteranos e até<br />
mesmo colegas <strong>de</strong> classe são constantes.<br />
Isso <strong>de</strong>smotiva cada vez mais mulheres a encararem<br />
esse tipo <strong>de</strong> situação”, relata a vítima.<br />
O caso é parecido com o <strong>de</strong> V.T, estudante<br />
<strong>de</strong> Direito. Aos 15 anos, tinha acabado<br />
<strong>de</strong> ingressar em curso técnico <strong>de</strong> Serviços Jurídicos,<br />
on<strong>de</strong> um dos professores permitia provas<br />
em duplas. Após uma <strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s,<br />
a então adolescente notou sua nota inferior à<br />
<strong>de</strong> sua parceira.<br />
“Quando reclamei, ele pediu para<br />
chamá-lo no Whatsapp após a aula, pois seria<br />
mais fácil <strong>de</strong> resolver. Ao chegar em casa,<br />
man<strong>de</strong>i mensagem e ele respon<strong>de</strong>u dizendo<br />
que já havia alterado minha nota, e que queria<br />
receber algo em troca. Na hora, apenas<br />
ignorei, mas <strong>de</strong>pois era horrível estar no mesmo<br />
ambiente que ele. Após um tempo, <strong>de</strong>sisti<br />
do curso”.<br />
a boca<br />
Situações como estas estão longe<br />
<strong>de</strong> ser casos isolados. Em enquete aplicada<br />
pela <strong>ComTempo</strong>, foram obtidos 33 relatos <strong>de</strong><br />
assédio, 26 <strong>de</strong>les em instituições <strong>de</strong> ensino.<br />
Do Total, 24 são mulheres. Destes, 56% foram<br />
assediadas por seus professores, 22%<br />
por colegas <strong>de</strong> classe, <strong>de</strong>ntro das salas <strong>de</strong><br />
aulas ou festas promovidas em nome <strong>de</strong><br />
seus cursos, 15% por funcionários da instituições<br />
- variando entre meren<strong>de</strong>iros, lixeiros<br />
e seguranças - e 7% não especificaram<br />
seus agressores.<br />
causas sequelas<br />
A mestre em Ciências Sociais Beatriz Isola Coutinho, configura<br />
assédio como ato que <strong>de</strong>squalifica, submete e fere a dignida<strong>de</strong><br />
humana, e diz que geralmente o fenômeno está relacionado às interações<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />
“Não é raro o assédio estar relacionado às posições hierárquicas<br />
ocupadas pelos indivíduos em <strong>de</strong>terminado ambiente social. Por<br />
essa razão, os relatos <strong>de</strong> assédio nas empresas, cometidos por chefes<br />
ou por outros indivíduos são mais comuns. O mesmo é válido para<br />
assédio sexual, on<strong>de</strong> mulheres e minorias sexuais <strong>de</strong>spontam como<br />
maiores vítimas, pois vivemos em socieda<strong>de</strong> machista e patriarcal”,<br />
conceitua Coutinho.<br />
Segundo Beatriz, estas situações estão enraizadas em nossa<br />
socieda<strong>de</strong>, e existem, porque encontram facilida<strong>de</strong>s em diferentes esferas<br />
da vida social. “Várias ações que caracterizam uma conduta <strong>de</strong><br />
assédio estão arraigadas no comportamento coletivo, e por isso, po<strong>de</strong>m<br />
tornar-se toleráveis ou aceitas pela socieda<strong>de</strong>. Nós temos componentes<br />
culturais, como o machismo, e a quase certeza da impunida<strong>de</strong> por parte<br />
do indivíduo que assedia. As condutas assediantes estão carregadas <strong>de</strong><br />
visões <strong>de</strong> mundo, como o <strong>de</strong>srespeito às diferenças e o abuso do po<strong>de</strong>r.<br />
Isolamento social, complexo <strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong> e dificulda<strong>de</strong>s<br />
em manter uma relação são algumas das sequelas<br />
<strong>de</strong>ixadas nas vítimas <strong>de</strong>ste ato, segundo a doutora em<br />
Psicologia, Fernanda Saviani Zeoti. “Infelizmente, a vítima<br />
assediada sente-se inferior, e isto é um problema. Ela não se<br />
vê capaz, conseguindo fazer as coisas. Tem dificulda<strong>de</strong> em<br />
manter relações, passa a ter postura <strong>de</strong>pressiva, isolada dos<br />
outros e do ambiente familiar.”<br />
O abandono <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s cotidianas, como o caso <strong>de</strong><br />
V.T., que <strong>de</strong>sistiu do curso técnico ao ser assediada por seu<br />
professor, também é uma consequência <strong>de</strong>ssa violência. De<br />
acordo com Fernanda, o medo do encontro com o opressor faz<br />
com que a vítima abandone os locais <strong>de</strong> origem do assédio.<br />
“Se o assédio acontece na vida acadêmica, a pessoa<br />
não vai mais querer estar no local, faltando às aulas, por exemplo,<br />
para fugir da situação, o que gera um <strong>de</strong>créscimo na produtivida<strong>de</strong><br />
e aproveitamento acadêmico. Não vai prestar atenção<br />
nas aulas por preocupação do que po<strong>de</strong> acontecer.”<br />
12
sororida<strong>de</strong><br />
(DIVULGAÇÃO)<br />
Priscila Gama é criadora do aplicativo Malalai.<br />
“Des<strong>de</strong> muita nova - acredite - aos<br />
oito, nove anos, ouvia homens dizendo sobre<br />
como eu e minha irmã, nos tornaríamos<br />
mulheres bonitas e daríamos trabalho. Aos<br />
13, 14, quando andava sozinha na rua, ouvia<br />
homens mexendo comigo. Na universida<strong>de</strong>,<br />
UFV (Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa), havia<br />
recomendações gerais para mulheres<br />
não irem a regiões afastadas sozinhas”, comenta<br />
Priscila Gama, hoje com 34 anos, formada<br />
em Arquitetura e Urbanismo.<br />
Ao acompanhar a HashTag #primeiroassedio<br />
- promovida pela ONG Think Olga<br />
- e se <strong>de</strong>parar com diversas histórias relacionadas<br />
à <strong>de</strong>slocamento, Priscila <strong>de</strong>cidiu agir.<br />
Com planos em mãos, levou sua proposta<br />
para o Startup Weeknd BH - evento que reúne<br />
profissionais e entusiastas para compartilhar<br />
i<strong>de</strong>ias e criar startups.<br />
Entre os competidores, o projeto <strong>de</strong><br />
Priscila ficou em segundo lugar, trazendo a<br />
vida o Malalai, aplicativo que apresenta pontos<br />
positivos e negativos nas rotas das usuárias,<br />
proporcionando segurança para que<br />
possam percorrer seus trajetos diários.<br />
O aplicativo, disponível tanto para<br />
Android como para iOS, funciona da seguinte<br />
maneira: Ao disponibilizar a atual localização<br />
e adicionar um <strong>de</strong>stino, a usuária<br />
recebe possíveis rotas e suas qualificações<br />
e po<strong>de</strong> optar pela mais segura, po<strong>de</strong>ndo ainda<br />
adicionar contatos <strong>de</strong> confiança para que<br />
mensagens automáticas sejam enviadas em<br />
pontos indicados do caminho, proporcionando<br />
segurança a usuária e tranquilida<strong>de</strong> a<br />
quem espera. É possível, também, compartilhar<br />
toda rota <strong>de</strong> maneira simultânea, e caso<br />
o trajeto <strong>de</strong>more mais que o tempo previsto,<br />
o contato escolhido será avisado. Para situações<br />
<strong>de</strong> urgência, o Malalai possui a função<br />
<strong>de</strong> acionamento simultâneo <strong>de</strong> três contatos<br />
confiáveis através <strong>de</strong> SMS e <strong>de</strong> forma gratuita.<br />
Questionada sobre a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />
‘rota segura’, Priscila explica que foram aplicados<br />
conceitos aprendidos em sua graduação.<br />
“No urbanismo existe o conceito<br />
<strong>de</strong> olhos das ruas. Significa que uma região<br />
com maior iluminação, movimento, vizinhança,<br />
por exemplo, será mais segura que uma<br />
região isolada. Os itens escolhidos para mapeamento<br />
têm relação direta com isso.”<br />
13<br />
Segundo pesquisa da Associação<br />
Brasileira <strong>de</strong> Startups, quatro entre <strong>de</strong>z empresas<br />
inovadoras no país não têm uma<br />
mulher sequer trabalhando. Indagada sobre<br />
as dificulda<strong>de</strong>s enfrentadas, Priscila afirma<br />
ser exceção. “É um sentimento dúbio. Tenho<br />
quase certeza que recebi atenção por ser<br />
exceção, mulher negra a frente <strong>de</strong> um projeto<br />
<strong>de</strong> tecnologia falando sobre estupro, e<br />
ao mesmo tempo ser quem eu sou constitui<br />
uma barreira em alguns casos. Tenho sempre<br />
que provar que mereço confiança e atenção<br />
fazendo 10 vezes melhor. Digo que há<br />
a diferença entre culpa e responsabilida<strong>de</strong>:<br />
culpa <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> patriarcal, machista<br />
e racista, minha responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber<br />
que a régua, pra mim, é mais alta”.<br />
Atualmente, o aplicativo conta com<br />
27 mil downloads, com cerca <strong>de</strong> 10% ativos.<br />
Segundo Priscila, são ótimos níveis. Sobre<br />
a caminhada do App, <strong>de</strong>monstra <strong>de</strong>terminação:<br />
“Tem caminhado mais lentamente do<br />
que gostaríamos, com certeza, já que nossa<br />
equipe é formada por três pessoas. Mas não<br />
paramos, porque acreditamos no projeto”, finaliza.
no Brasil<br />
Em pesquisa realizada pelo Datafolha,<br />
42% das brasileiras com 16 anos<br />
ou mais, já foi afirmam já terem sido vítimas<br />
<strong>de</strong> assédio sexual. Os casos são mais<br />
frequentes entre as escolarizadas e com<br />
renda mais alta, 57%, frente àquelas que<br />
estudaram até o ensino fundamental, on<strong>de</strong><br />
a porcentagem chega aos 26%.<br />
Constatou-se que a maioria dos<br />
casos <strong>de</strong> assédio aconteceram nas ruas<br />
e em transportes públicos (29%). Uma em<br />
cada três brasileiras adultas, afirma ter<br />
sido vítima nestes ambientes Como po<strong>de</strong>se<br />
analisar no gráfico acima.<br />
crime?<br />
Além <strong>de</strong> ferir a dignida<strong>de</strong> humana<br />
e gerar danos para a saú<strong>de</strong> mental da vítima,<br />
assédio é crime. Segundo a mestre<br />
em Direito Penal, Leisa Boreli Prizon, a lei<br />
contra o assédio sexual existe, porém não<br />
se aplica em todo âmbito social. A lei citada<br />
pela advogada, <strong>nº</strong> 10.224 do Código Penal,<br />
especifi ca o crime em relações trabalhistas.<br />
“Estes ocorrerão em situações on<strong>de</strong><br />
haja uma relação <strong>de</strong> emprego, hierarquia.”<br />
A pena po<strong>de</strong> variar entre um e dois anos<br />
<strong>de</strong> prisão, po<strong>de</strong>ndo aumentar em um terço<br />
caso a vítima seja menor <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.<br />
no caminho<br />
O relógio marca 10h da manhã, uma<br />
das ruas do bairro Iguatemi, em Ribeirão<br />
-Preto –SP, está movimentada. G.Z, estudante<br />
<strong>de</strong> Arquitetura e Urbanismo, caminhava<br />
para a faculda<strong>de</strong> quando um carro<br />
encostou ao seu lado, na contramão. Sem<br />
enten<strong>de</strong>r o que estava acontecendo, a jovem<br />
aproximou-se, imaginando que o motorista<br />
fosse perguntar algo.<br />
“Na hora, achei que fosse pedir informação,<br />
mas quando entendi o que estava<br />
acontecendo, travei.”, relata. Segundo a<br />
jovem, o motorista estava sem as calças, se<br />
masturbando e lhe dirigindo palavras obscenas.<br />
“Corri, com medo <strong>de</strong>le me seguir”.<br />
Em caso <strong>de</strong> assédio moral, Leisa explica:<br />
“Não há previsão legal para proteção<br />
dos empregados do setor privado no Brasil.<br />
Embora não exista legislação específi ca, o<br />
assediador po<strong>de</strong> ser responsabilizado nas<br />
esferas administrativa, como infração disciplinar,<br />
trabalhista, civil.”<br />
Questionada sobre como proce<strong>de</strong>r<br />
caso a vítima não esteja amparada por leis<br />
específi cas, a advogada elucida: “Há condutas<br />
chamadas <strong>de</strong> assédio po<strong>de</strong>ndo ser<br />
consi<strong>de</strong>radas criminosas, como constrangimento<br />
ilegal, crimes contra honra, racismo,<br />
O mesmo aconteceu com Juliana<br />
Peres, <strong>de</strong> 24 anos. A estudante <strong>de</strong> Publicida<strong>de</strong><br />
esperava, como <strong>de</strong> costume, o transporte<br />
público. Ouvia música em seu fone,<br />
quando percebeu movimentação estranha<br />
ao seu lado. Ao olhar, sentiu nojo. “Um senhor,<br />
<strong>de</strong> uns 60 anos, com a mão <strong>de</strong>ntro<br />
da calça, masturbando-se. Eu xingaria, mas<br />
senti nojo. As ânsias <strong>de</strong> vômito me forçaram<br />
sair <strong>de</strong> lá, com muita raiva.”<br />
“Já passei por ataques <strong>de</strong> pânico<br />
por medo <strong>de</strong> ser estuprada ou assediada na<br />
rua. É mais presente na vida das mulheres<br />
do que muita gente imagina. Vivemos com<br />
medo!”, lamenta.<br />
lesões corporais, ameaças… Nesse caso,<br />
procure fazer anotações <strong>de</strong>talhadas das<br />
situações <strong>de</strong> assédio, como data, horário,<br />
local, testemunhas, <strong>de</strong>scrição dos fatos.<br />
Junte todas as provas possíveis, tais como<br />
bilhetes, presentes e fale com pessoas que<br />
testemunharam. É permitido <strong>de</strong>nunciar situações<br />
<strong>de</strong> assédio próprio ou <strong>de</strong> outras pessoas<br />
na Delegacia <strong>de</strong> Atendimento Especial<br />
à Mulher ou em qualquer <strong>de</strong>legacia comum,<br />
no RH da empresa, no Ministério Público do<br />
Trabalho, Sindicatos, Delegacia do Trabalho”.<br />
14
AS VÁRIAS FACES<br />
DE UM ARTISTA<br />
MARCOS PITTA<br />
Em entrevista a Com-<br />
Tempo, Hugo Bonemer<br />
fala <strong>de</strong> seus ofícios na<br />
arte e da emoção ao interpretar<br />
Ayrton Senna<br />
no teatro.<br />
ENTRETENIMENTO<br />
“Comecei com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>slumbrada da<br />
profissão”. Foi com esta frase que o ator,<br />
dublador, apresentador e músico Hugo<br />
Bonemer, 31, respon<strong>de</strong>u à primeira pergunta:<br />
Como <strong>de</strong>scobriu que queria ser ator?<br />
Com tantos trabalhos colecionados no currículo,<br />
Hugo, em entrevista à primeira edição da<br />
<strong>ComTempo</strong>, fala da carreira, rotina e o novo<br />
trabalho como apresentador do canal L!ke, da<br />
Net/ClaroTV, on<strong>de</strong> indica filmes e séries.<br />
Bonemer conta que sempre via os atores<br />
como pessoas respeitadas e requisitadas: “No<br />
fundo, toda criança quer um futuro on<strong>de</strong> se<br />
sinta amada, e eu sempre confundia atenção<br />
com amor”.<br />
A família nunca foi obstáculo para seus sonhos:<br />
“Cheguei com a informação pronta. Disse<br />
que faria uma peça e me mudaria para São<br />
Paulo. Fui apoiado por todos”.<br />
‘O Pequeno Alfaiate Valente’, foi a primeira<br />
peça do ator, em 1994, aos seis anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.<br />
Des<strong>de</strong> então, a paixão só aumentou e a<br />
i<strong>de</strong>ia, <strong>de</strong> morar para sempre neste mundo, se<br />
concretizava a cada dia.<br />
Segmentos<br />
Em 2008, atuou na peça ‘Mulheres <strong>de</strong> Shakespeare’,<br />
representando Romeu. No fim <strong>de</strong> 2010<br />
foi aprovado pelo diretor Charles Möeller, em<br />
audição para participar da remontagem do<br />
clássico da Broadway, Hair, interpretando o<br />
protagonista Clau<strong>de</strong> Bukowski, em temporadas<br />
no Rio <strong>de</strong> Janeiro, entre 2010 e 2011 e,<br />
em São Paulo, <strong>de</strong> 2011 a 2012.<br />
A estreia na televisão foi em 2012, na série<br />
‘Patamar’, on<strong>de</strong> vivia o co-protagonista Fred,<br />
no canal pago HBO, <strong>de</strong>sempenhando papel<br />
<strong>de</strong> um garoto que vendia drogas nas areias<br />
<strong>de</strong> Ipanema. Hugo mostrou seu talento em 42<br />
países, com transmissão no Brasil, pela HBO<br />
e Cinemax, e pela HBO nos Estados Unidos e<br />
na Europa.<br />
Divulgação-Assessoria <strong>de</strong> Imprensa Hugo Bonemer
No ano seguinte, interpretou um<br />
dos protagonistas da 21ª temporada <strong>de</strong><br />
Malhação, na Re<strong>de</strong> Globo, dando vida a<br />
Martin. Neste trabalho, Hugo teve parceria<br />
com Laís Pinho, cuja trama ganhou<br />
força e tornou-se uma história paralela.<br />
Em 2014, ao lado <strong>de</strong> Sophia<br />
Abrahão, e sob direção <strong>de</strong> Daniel Filho,<br />
estrelou ‘Confissões <strong>de</strong> Adolescente’, no<br />
cinema. Antes disso, protagonizou dois<br />
curtas-metragens, ‘Aperte o Play’, em<br />
2009 e, ‘Talvez eu nem saiba o que é<br />
isso’, em 2011.<br />
Sobre atuar nestes segmentos,<br />
o ator classifica as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada<br />
uma: “Na televisão, o pouco tempo; no<br />
cinema, o pouco dinheiro; e no teatro, o<br />
pouco público”.<br />
Gabriel Felix<br />
Atuar na própria criação<br />
Sobre a peça ‘Frames, Diferente Liberta’,<br />
na qual é produtor e ator, Bonemer<br />
diz que este projeto lhe proporcionou o entendimento<br />
melhor da profissão: “Me estimulou<br />
a acreditar que posso atuar em coisas<br />
que eu mesmo crio”.<br />
Dia a dia<br />
“Minha rotina não é diária, mas semanal.<br />
Isso ocorre porque cada dia da semana<br />
tenho horário específico para levantar<br />
e <strong>de</strong>itar. Durante três dias, o artista <strong>de</strong>dicase<br />
às gravações do L!ke. Outros dois dias,<br />
à <strong>de</strong>dicação é voltada aos estudos e também<br />
para cuidados com a saú<strong>de</strong>: “Faço fisioterapia,<br />
terapia, aca<strong>de</strong>mia... Os dias que<br />
sobram, po<strong>de</strong>m cair em qualquer dia da semana,<br />
nunca é específico”.<br />
Por falar no L!ke, on<strong>de</strong> divi<strong>de</strong> o projeto<br />
com a atriz Mayte Piragibe, Hugo conta<br />
que a maior motivação para iniciar a jornada<br />
foi saber que teria oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conversar<br />
com pessoas que admira com gostos em<br />
comum. “Ter contato com todo tipo <strong>de</strong> conteúdo<br />
audiovisual tem sido bastante enriquecedor.<br />
Gosto <strong>de</strong> estudar para um trabalho,<br />
e quando tenho mais interesse no assunto,<br />
mergulho <strong>de</strong> cabeça. No L!ke, já entrevistei<br />
a atriz Bruna Lienzmayer, o diretor brasileiro<br />
José Alvarenga e o cinematografo italiano<br />
vencedor <strong>de</strong> três Oscars, Vittorio Storano”.<br />
‘Trolls’<br />
A animação produzida pela Netflix,<br />
‘Trolls, o ritmo continua’ tem voz do ator em<br />
um <strong>de</strong> seus personagens, o Tronco. Sobre<br />
também exercer o ofício <strong>de</strong> dublador, Hugo<br />
ressalta a diferença com o audiovisual:<br />
“Existe um foco só. Na dublagem precisa<br />
estar tudo que no audiovisual se dilui em expressão<br />
física e facial”. Para quem acompanha,<br />
o ator adianta que a animação vai para<br />
a terceira temporada.<br />
O ídolo<br />
Em <strong>2018</strong>, Hugo subiu aos palcos dos<br />
teatros mais uma vez. Só que a missão era dar<br />
vida a um dos ícones do Brasil, o piloto Ayrton<br />
Senna. “Foi a primeira vez que não precisei<br />
apresentar um personagem ao público. Todos<br />
chegavam conhecendo e amando ele”.<br />
O ator relata que um dos momentos<br />
mais emocionantes <strong>de</strong> suas apresentações<br />
era perceber às pessoas procurando em seu<br />
rosto, as expressões <strong>de</strong> Senna. “O público<br />
queria, por duas horas, acreditar que o Senna<br />
estava vivo, bem na frete <strong>de</strong>las. Isso é lindo”.<br />
16
Kimberly Souza<br />
PERSONA<br />
INSPIRADA<br />
PELO<br />
DOM<br />
KIMBERLY SOUZA<br />
“A nossa pele é forte.<br />
Fraco é quem nos discriminou.<br />
Se você cortar meu braço,<br />
O sangue é da mesma cor”<br />
17
Lau<strong>de</strong>lina Ferreira da Silva, 78, escolheu<br />
a poesia cujo trecho foi citado acima,<br />
quando a Comtempo a indagou sobre<br />
seu escrito mais marcante. A inspiração vem<br />
<strong>de</strong> um episódio <strong>de</strong> racismo sofrido por uma<br />
<strong>de</strong> suas filhas. A poesia foi ouvida por cerca<br />
<strong>de</strong> 15 mil pessoas no concurso São Paulo<br />
Fala, que dava palco e voz para vítimas <strong>de</strong><br />
discriminação racial.<br />
“Minha filha <strong>de</strong>cidiu se candidatar em uma<br />
padaria que estava contratando. Ela tinha 13<br />
ou 14 anos. Chegando lá, disseram que não<br />
estavam contratando. Minha vizinha, branca,<br />
foi nesta mesma padaria, no mesmo dia, e<br />
conseguiu o emprego. Em outro dia uma senhora<br />
perguntou à minha filha se ela conhecia<br />
alguém que gostaria <strong>de</strong> trabalhar como babá.<br />
No entanto, esta pessoa não po<strong>de</strong>ria ser negra,<br />
pois a neta <strong>de</strong>la tinha medo <strong>de</strong> negros”.<br />
As palavras soltas, vindas da rotina,<br />
dos momentos <strong>de</strong> dor e <strong>de</strong>sespero, ou as que<br />
brotam durante o sono, são anotadas sem<br />
pretensão em folha <strong>de</strong> papel que <strong>de</strong>scansa<br />
ao lado <strong>de</strong> Lau<strong>de</strong>lina, que hoje <strong>de</strong>sfruta do<br />
sucesso <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o lançamento <strong>de</strong> seu primeiro<br />
livro.<br />
Ela escreve <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 52 anos, quando<br />
per<strong>de</strong>u seu marido e encontrou, nas palavras<br />
simples, a forma <strong>de</strong> extrapolar a dor. Simplicida<strong>de</strong>,<br />
inclusive, é a característica principal <strong>de</strong><br />
sua vida, que reflete em suas poesias e que<br />
refletiu no título <strong>de</strong> sua primeira obra: Livro <strong>de</strong><br />
Poesias.<br />
Ele é composto por 43 poesias e foi<br />
lançado em <strong>setembro</strong> <strong>de</strong> 2017, enquanto<br />
Bebedouro sediava os Jogos Regionais dos<br />
Idosos (Jori), recebendo atletas <strong>de</strong> todo o Estado<br />
<strong>de</strong> São Paulo. Lau<strong>de</strong>lina integrava a <strong>de</strong>legação<br />
bebedourense e competiu nas modalida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> vôlei adaptado e coreografia. A<br />
noite <strong>de</strong> autógrafos foi realizada em um clube<br />
enquanto acontecia um baile para os atletas.<br />
Além <strong>de</strong> escritora, ela também produz<br />
peças <strong>de</strong> teatro e toma a frente em causas<br />
das quais faz parte: o movimento negro e o<br />
dos idosos: “Fui diretora <strong>de</strong> Cultura do clube<br />
Alegria <strong>de</strong> Viver, então levava os idosos pra<br />
bailes fora da cida<strong>de</strong> e organizava festas temáticas<br />
aqui. Nos aniversário <strong>de</strong> Bebedouro,<br />
ensaio coreografias para o Desfile Cívico”.<br />
“A gente supera tudo e segue em frente” diz<br />
recuperando o sorriso ao se lembrar das dificulda<strong>de</strong>s<br />
que enfrentou, começando na infância.<br />
A família é migrante <strong>de</strong> Minas Gerais,<br />
mas Lau<strong>de</strong>lina nasceu em Bebedouro. Morava<br />
na Fazenda Santa Alice on<strong>de</strong> seus pais<br />
trabalhavam na colheita <strong>de</strong> laranja.<br />
“Meu marido foi ao necrotério,<br />
pegou minha menina morta no<br />
colo e trouxe para casa.<br />
Comtempo – Como foi sua infância?<br />
Lau<strong>de</strong>lina – Estu<strong>de</strong>i até o quarto ano. Era<br />
muito difícil, tínhamos que pegar a estrada <strong>de</strong><br />
terra para chegar na escola Paraíso Cavalcanti.<br />
Quando chovia, a estrada ficava cheia<br />
<strong>de</strong> barro, e quando o tempo estava seco, levantava<br />
a maior poeira. Comecei a trabalhar<br />
aos 13 anos. Naquela época, o pagamento<br />
era diferente, só recebíamos em <strong>de</strong>zembro.<br />
Então, comprávamos os mantimentos e guardávamos<br />
em um armazém para o ano todo.<br />
Quando precisávamos comprar algo que não<br />
tinha guardado, minha mãe lavava roupa para<br />
outras pessoas e eu ajudava. Ia longe buscar<br />
as trouxas <strong>de</strong> roupa suja, minha mãe lavava<br />
e passava, <strong>de</strong>pois, eu voltava para entregar.<br />
Também trabalhei na lavoura <strong>de</strong> café e nos laranjais<br />
dos Cutrale.<br />
Comtempo – Casou-se? Tem quantos<br />
filhos?<br />
Lau<strong>de</strong>lina – Casei aos 18 anos. Aos 22, mu<strong>de</strong>i<br />
para a cida<strong>de</strong>. Trabalhei embalando laranja.<br />
Entrava às 7h e não tinha hora para sair,<br />
ficava até 2h ou 3h da madrugada. Trabalhei<br />
grávida da minha primeira filha até agosto e<br />
ela nasceu em <strong>setembro</strong>, quando acabou a<br />
safra. Tive 12 filhos, mas minha segunda mais<br />
velha, morreu com um ano e um mês <strong>de</strong> vida.<br />
Ela teve meningite, começou ter diarreia e, um<br />
dia, <strong>de</strong>u gemido tão forte, que a levamos na<br />
Santa Casa às pressas. Ela ficou internada e<br />
só podíamos visita-la às quintas-feiras e domingos.<br />
Fomos visita-la, meu marido, minha<br />
filha mais velha e eu, grávida. A enfermeira<br />
nos disse que ela tinha falecido na nossa última<br />
visita. Não nos avisaram nada. Meu marido<br />
foi ao necrotério, pegou minha menina<br />
morta no colo e trouxe para casa. Um vizinho<br />
fez campanha para arrecadar dinheiro para<br />
o sepultamento. Se estivesse viva, ela teria<br />
mais <strong>de</strong> 50 anos. Hoje tenho 11 filhos, 12 netos<br />
e 4 bisnetos.<br />
Comtempo – Seus filhos tiveram<br />
uma infância diferente da sua?<br />
Lau<strong>de</strong>lina – Os meninos começaram a<br />
trabalhar aos oito ou nove anos, <strong>de</strong>scarregando<br />
tijolos ou na Legião Mirim, que<br />
era como a Área Azul hoje em dia. Já as<br />
meninas começaram a trabalhar em casas<br />
<strong>de</strong> família aos nove anos. Eles nunca me<br />
<strong>de</strong>ram trabalho, foram todos obedientes e<br />
trabalhadores. Hoje, seis dos meus filhos<br />
fazem tratamento psiquiátrico. Meu filho<br />
vive tendo crise com as entida<strong>de</strong>s que moram<br />
em sua cabeça, minha filha não fala<br />
coisa com coisa. Tem uma que às vezes<br />
surta e eu tenho que correr para ajudar,<br />
tem outra que é casada, e o marido é quem<br />
cuida. Outra filha minha teve infarto e até<br />
hoje não se recuperou totalmente. Tudo ficou<br />
mais complicado quando meu marido<br />
faleceu e tive que cuidar da família sozinha.<br />
Comtempo – Como foi quando seu<br />
marido faleceu?<br />
Lau<strong>de</strong>lina – Quando mu<strong>de</strong>i para esta<br />
casa, meu marido <strong>de</strong>cidiu construir um<br />
segundo andar, ele mesmo, sozinho, e eu<br />
disse que ele não ia dar conta. Meus filhos<br />
já estavam maiores, só dois eram adolescentes.<br />
Quando chovia, <strong>de</strong>scia lá do andar<br />
<strong>de</strong> cima uma baita enxurrada, passava pelas<br />
escadas e ia lá para fora. Nessa época<br />
começou a dar bronquite no meu marido.<br />
Ele trabalhava na San<strong>de</strong>rson (hoje conhecida<br />
como Louis Deifrus) e começou a ficar<br />
doente porque trabalhava na câmara fria e<br />
na cal<strong>de</strong>ira, aí <strong>de</strong>u pneumonia, o pulmão<br />
<strong>de</strong>le ficou todo furado, e ele tinha que ficar<br />
afastado do serviço. Às vezes não tinha<br />
nada para as crianças comerem e eu resolvia<br />
dando chá ou água doce para saciar<br />
a fome. Ele morreu sem terminar <strong>de</strong> reformar<br />
a casa. Coitadinho.<br />
18
Comtempo – Foi a partir daí que começou<br />
a escrever poesias?<br />
Lau<strong>de</strong>lina – Quando eu tinha meu esposo,<br />
só me <strong>de</strong>dicava à família. Quando ele<br />
faleceu comecei a escrever. A primeira poesia<br />
que escrevi foi em homenagem ao Bebedouro<br />
Shopping. Depois <strong>de</strong>ssa, escrevia<br />
poesia em homenagem a datas comemorativas,<br />
como o Dia das Crianças; fiz uma poesia<br />
para a ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Bebedouro, escrevi<br />
uma sobre minha relação com meu genro<br />
que é muito engraçada.<br />
Comtempo – A senhora se inspira<br />
em algum poeta?<br />
Lau<strong>de</strong>lina – Não me inspiro em ninguém.<br />
É o dom mesmo que me inspira. A poesia é<br />
um <strong>de</strong>sabafo e a forma que eu encontrei <strong>de</strong><br />
não ficar pensando só em coisas negativas.<br />
Comtempo – Depois das palavras anotadas<br />
no papel, como a senhora constrói a poesia?<br />
Lau<strong>de</strong>lina – Penso sobre o assunto que<br />
quero escrever e vou escrevendo palavras<br />
em um papel que <strong>de</strong>ixo perto da minha<br />
cama. Depois vou juntando tudo, fazendo<br />
as rimas, encaixando as frases para a poesia<br />
ter começo, meio e fim.<br />
“Só tenho a agra<strong>de</strong>cer.<br />
Na ida<strong>de</strong> que estou, o<br />
que tive que fazer, fiz.<br />
Kimberly Souza<br />
Comtempo – Como foi lançar um livro?<br />
Lau<strong>de</strong>lina – Em 2016 o prefeito Fernando<br />
Galvão me encontrou e disse que iria editar<br />
o livro <strong>de</strong> poesias para mim quando me<br />
escutou recitando uma sobre Bebedouro. O<br />
lançamento foi dia 22 <strong>de</strong> <strong>setembro</strong> <strong>de</strong> 2017,<br />
durante o Jori. Foi um sucesso. Muita gente<br />
se interessou e comprou. Fui a escolas falar<br />
sobre o livro, <strong>de</strong>clamei e cantei. As crianças<br />
ficaram encantadas.<br />
Comtempo – E preten<strong>de</strong> escrever<br />
mais livros?<br />
Lau<strong>de</strong>lina – Quero lançar outro livro com<br />
outras poesias, as que não entraram no livro<br />
e as que vou produzir. Depois do lançamento,<br />
já escrevi mais duas ou três.<br />
Comtempo – Qual seu sonho?<br />
Lau<strong>de</strong>lina – Sempre fiquei muito escondida.<br />
Aos poucos fui participando mais dos<br />
movimentos. Comecei a escrever com 52<br />
anos, era para estar no auge <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aquela<br />
época, mas só agora, aos 78, que prestigio<br />
a vida. Só tenho a agra<strong>de</strong>cer. Na ida<strong>de</strong> que<br />
estou, o que tive que fazer, fiz. Agora só vivo<br />
os momentos.<br />
Se interessou pelo livro?<br />
Cada exemplar custa R$10 e po<strong>de</strong> ser adquirido<br />
através do número<br />
(17) 99172-2066 com a própria autora.<br />
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