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Revista ComTempo, edição nº 2 - de novembro de 2018 a janeiro de 2019

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OPINIÃO<br />

EDIÇÃO Nº 1 - Comtempo<br />

Equipe <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alização e redação<br />

Gabriela Brack, José Piutti, Kimberly Souza e Marcos Pitta<br />

Equipe <strong>de</strong> criação<br />

Marília Toffoli e Henrique Escher<br />

Diagramação<br />

Marcos Pitta<br />

Quantas colheres <strong>de</strong><br />

chá? Ou <strong>de</strong> sopa...<br />

Edição e monitoramento <strong>de</strong> re<strong>de</strong> social<br />

José Piutti<br />

Colaboradores <strong>de</strong> reportagens<br />

Sérgio Júnior, Bárbara Mariano, Mayra Carvalho da Silva, Bruna<br />

Fachina Cardoso e Gabriel Juliano Fiorezzi<br />

Colaboradores <strong>de</strong> artigos<br />

Arthur Fachini e Vitor Rodrigues<br />

Produção da capa<br />

José Piutti, Marília Toffolli e Henrique Escher<br />

Foto da capa<br />

Alexandre Brum<br />

Mo<strong>de</strong>lo da foto <strong>de</strong> capa<br />

Carla Ruela<br />

Brasil. País gran<strong>de</strong>, rico, multicolor,<br />

com paisagens <strong>de</strong> tirar o fôlego,<br />

carregado <strong>de</strong> lutas, <strong>de</strong>rrotas e conquistas<br />

e, agora, <strong>de</strong> novo, <strong>de</strong>rrota.<br />

O país vivenciou, em 28 <strong>de</strong> outubro, o resultado<br />

do segundo turno das eleições presi<strong>de</strong>nciais,<br />

on<strong>de</strong> alguns estados também<br />

escolheram seus governadores.<br />

O resultado foi amargo, mas inquestionável<br />

do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong>mocrático,<br />

afi nal, pouco mais <strong>de</strong> 55% da população<br />

elegeu Jair Bolsonaro, do PSL. Durante o<br />

período <strong>de</strong> campanha, foi notório os ataques<br />

<strong>de</strong> um candidato contra o outro. As<br />

pessoas também foram expostas a propostas<br />

e posições, tanto <strong>de</strong> Bolsonaro, quanto<br />

<strong>de</strong> Fernando Haddad, <strong>de</strong>rrotado após receber<br />

pouco mais <strong>de</strong> 44% dos votos válidos.<br />

O principal argumento dos que votaram<br />

favorável ao presi<strong>de</strong>nte eleito era <strong>de</strong><br />

que não podíamos mais ter no po<strong>de</strong>r, o Partido<br />

dos Trabalhadores, à frente do Brasil<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2002 com a eleição <strong>de</strong> Luís Inácio<br />

Lula da Silva, agora preso por corrupção<br />

passiva e lavagem <strong>de</strong> dinheiro. Depois <strong>de</strong><br />

Lula, eleito duas vezes, foi a vez <strong>de</strong> Dilma<br />

Roussef, também do PT, governar o país<br />

até sofrer Impeachment, em 2017.<br />

Mas, afi nal, continuar com o PT seria<br />

tão ruim assim? O país continuaria la<strong>de</strong>ira<br />

abaixo ou entraria nos eixos? E com a eleição<br />

<strong>de</strong> Bolsonaro, com todas as i<strong>de</strong>ologias<br />

já expostas pelo presi<strong>de</strong>nte eleito, como fi -<br />

cará o Brasil? Retrocesso é a palavra <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>m, velada por ele, mas é a palavra <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>m. Retroce<strong>de</strong>r é bom?<br />

Importante dizer que o discurso <strong>de</strong><br />

Bolsonaro foi bem pensado. Falar <strong>de</strong> segurança<br />

pública, num país que em 2017 regis-<br />

trou 63.800 mortes violentas intencionais<br />

(Dados do Atlas da Violência <strong>2018</strong>) é comovente,<br />

principalmente quando se diz que<br />

quer acabar com a criminalida<strong>de</strong>. Outro assunto<br />

bem <strong>de</strong>fendido pelo presi<strong>de</strong>nte eleito,<br />

foi a questão do estatuto do armamento,<br />

tema que leva muitos a pensar que po<strong>de</strong>rão<br />

andar armados pelas ruas. Ledo engano.<br />

O gran<strong>de</strong> problema foi a não apresentação<br />

<strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s que o presi<strong>de</strong>nte<br />

eleito apresentou. Como acabar com a<br />

criminalida<strong>de</strong>? Dando autonomia para o<br />

policial atirar para matar? Só isso resolverá<br />

todos os problemas <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> do<br />

país? Po<strong>de</strong>ríamos até pensar que o raciocínio<br />

<strong>de</strong>le, e <strong>de</strong> seus apoiadores fosse o correto<br />

se isso realmente fosse funcionar, mas<br />

não.<br />

Bolsonaro pouco falou <strong>de</strong> Educação.<br />

Quando falou, frisou a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incluir<br />

nas disciplinas escolares matérias que<br />

só foram vistas no currículo, em épocas ditadoras.<br />

E por falar neste termo, será que<br />

seus apoiadores sabem o real signifi cado<br />

<strong>de</strong> uma ditadura? Pelo resultado das eleições,<br />

parece que não.<br />

Será que mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ste resultado,<br />

com tudo que o país está prestes a<br />

viver, os brasileiros merecem uma colher <strong>de</strong><br />

chá? Afi nal, será que o Brasil merece mais<br />

uma colher <strong>de</strong> chá? Mais quantas? Por falar<br />

em colher <strong>de</strong> chá, vamos torcer para que<br />

nosso próximo editorial, da nossa próxima<br />

<strong>edição</strong>, a ser veiculada em <strong>janeiro</strong>, mês<br />

em que o presi<strong>de</strong>nte eleito assume o cargo,<br />

não seja repleta <strong>de</strong> versos explicando<br />

quantas colheres <strong>de</strong> chá, ou <strong>de</strong> sopa, serão<br />

necessárias para complementar a receita<br />

do famoso bolo <strong>de</strong> cenoura.


OPINIÃO<br />

O<br />

último dia 3<br />

<strong>de</strong> <strong>novembro</strong><br />

marcou<br />

os 86 anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

a conquista do<br />

voto feminino no<br />

Brasil. Conhecido<br />

como o Dia da Instituição<br />

do Direito<br />

<strong>de</strong> Voto da Mulher,<br />

a data é <strong>de</strong> extrema<br />

importância na<br />

história do movimento feminista no Brasil. A<br />

conquista envolveu um gran<strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong><br />

negociação e luta <strong>de</strong> sufragistas como Bertha<br />

Lutz, que ficou conhecida como a maior<br />

lí<strong>de</strong>r na luta pelos direitos políticos das mulheres<br />

no Brasil (SENADO NOTÍCIAS, 2015).<br />

Segundo a socióloga Jacqueline Pitanguy,<br />

em artigo publicado no relatório “O Progresso<br />

das Mulheres no Brasil 2003-2010”, da Cepia<br />

e ONU Mulheres, “o direito ao voto feminino<br />

constituiu uma das principais lutas pelos direitos<br />

humanos das mulheres nas primeiras<br />

décadas do século XX. Esta luta adquiriu<br />

contornos diversos nos diferentes contextos<br />

em que se <strong>de</strong>senvolveu”. O tempo passou,<br />

direitos e espaços foram conquistados, no<br />

entanto, as mulheres ainda enfrentam <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />

e barreiras sociais.<br />

No Brasil, segundo reportagem do jornal<br />

Folha <strong>de</strong> São Paulo (<strong>2018</strong>), as mulheres<br />

alcançaram nesta eleição o maior percentual<br />

<strong>de</strong> candidatas eleitas para a Câmara dos<br />

Deputados, aumentando <strong>de</strong> 10% para 15%<br />

sua participação – 77 das 513 ca<strong>de</strong>iras. O<br />

aumento é historicamente significativo, no<br />

entanto ainda está muito longe da representação<br />

real das mulheres em relação ao número<br />

populacional e <strong>de</strong> eleitorado. Segundo<br />

dados do Tribunal Superior Eleitoral (<strong>2018</strong>),<br />

as mulheres representam 52% do eleitorado.<br />

Perante o mundo, segundo o ranking do Inter-Parliamentary<br />

Union (<strong>2018</strong>), o Brasil se<br />

encontra em 157º lugar em participação feminina<br />

no Congresso. A posição <strong>de</strong>ve melhorar<br />

um pouco diante do resultado das eleições<br />

<strong>de</strong>ste ano. Também é importante <strong>de</strong>stacar<br />

que a participação entre as próprias mulheres<br />

O COMPROMISSO<br />

COM A LUTA<br />

DAS MULHERES<br />

ARTHUR FACHINI<br />

não é equitativa. Se analisarmos sob a ótica<br />

interseccional, levando em conta a pluralida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e realida<strong>de</strong>s das mulheres,<br />

po<strong>de</strong>remos perceber que as mulheres negras,<br />

indígenas, lésbicas, trans, <strong>de</strong>ficientes,<br />

<strong>de</strong>ntre outras, estão sub-representadas. Isso<br />

afeta diretamente na representativida<strong>de</strong> das<br />

pautas <strong>de</strong>ssas mulheres.<br />

A questão da representação das mulheres<br />

é tão importante que esta faz parte <strong>de</strong><br />

diversos esforços globais promovidos pela<br />

Organização das Nações Unidas (ONU). Em<br />

setembro <strong>de</strong> 2015, os 193 Estados-membros<br />

da ONU se uniram e firmaram um compromisso<br />

global para o futuro. Neste compromisso, a<br />

comunida<strong>de</strong> internacional, incluindo o Brasil,<br />

concordou em juntar esforços para cumprir a<br />

ambiciosa agenda dos Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />

Sustentável, que consiste em 17<br />

objetivos e 169 metas, que <strong>de</strong>vem ser alcançadas<br />

por toda a comunida<strong>de</strong> internacional<br />

até 2030. O Objetivo 5 da agenda estabelece<br />

que o mundo <strong>de</strong>ve alcançar a igualda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> gênero e empo<strong>de</strong>rar todas as mulheres e<br />

meninas. Questões como discriminação, violência,<br />

casamentos prematuros, mutilações<br />

genitais, igualda<strong>de</strong> salarial, proteção social,<br />

li<strong>de</strong>rança, participação política, saú<strong>de</strong> sexual<br />

e direitos reprodutivos, fazem parte das metas<br />

acordadas pela comunida<strong>de</strong> internacional<br />

(NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL, <strong>2018</strong>). Outra<br />

gran<strong>de</strong> iniciativa global para a igualda<strong>de</strong> é<br />

a “Por um planeta 50-50 em 2030: um passo<br />

<strong>de</strong>cisivo pela igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero”. A iniciativa<br />

foi lançada pela ONU Mulheres em apoio à<br />

Agenda 2030, com compromissos concretos<br />

assumidos por mais <strong>de</strong> 90 países. O Brasil<br />

foi um dos primeiros a<br />

a<strong>de</strong>rir à iniciativa através<br />

da sanção da tipificação<br />

do crime <strong>de</strong><br />

feminicídio (ONU MU-<br />

LHERES, <strong>2018</strong>). Outro<br />

importante movimento<br />

para a questão da<br />

igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero é<br />

o movimento global <strong>de</strong><br />

solidarieda<strong>de</strong> “ElesPorElas<br />

– HeForShe” da<br />

ONU Mulheres. Lançado em 2014 com po<strong>de</strong>roso<br />

discurso da atriz Emma Watson, um<br />

convite formal foi feito a homens e meninos a<br />

se juntarem ao movimento, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a importância<br />

da união para a construção <strong>de</strong> um<br />

mundo igualitário. O HeForShe busca conscientizar<br />

sobre os impactos do machismo, da<br />

violência e da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, que impe<strong>de</strong>m<br />

que mulheres e homens, meninas e meninos,<br />

atinjam o seu pleno potencial (ONU MULHE-<br />

RES, 2014). Diversos eventos, parcerias, esforços<br />

e mobilizações surgiram em todo mundo<br />

incentivados por estas iniciativas.<br />

Para que seja possível alcançar estes objetivos<br />

e metas, e honrar os compromissos internacionais<br />

feitos pelo Brasil, é necessário que haja<br />

o engajamento <strong>de</strong> todas e todos, em todas as áreas.<br />

É preciso cobrar as li<strong>de</strong>ranças para que cumpram<br />

com o seu <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> implementar as políticas<br />

necessárias. É preciso nos educar e nos engajar<br />

em iniciativas <strong>de</strong> conscientização, que <strong>de</strong>fendam<br />

o respeito, o reconhecimento da pluralida<strong>de</strong> e a<br />

importância da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos e oportunida<strong>de</strong>s.<br />

É preciso apoiar as mulheres em suas lutas e<br />

pautas. É preciso escutá-las! A acadêmica e professora<br />

estaduni<strong>de</strong>nse Bell Hooks (2015) explica<br />

que “simplificando, o feminismo é um movimento<br />

para acabar com o sexismo, a exploração sexista<br />

e a opressão”. Este movimento, que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a<br />

igualda<strong>de</strong> e o fim da opressão, beneficia a todos.<br />

Por isso, não é preciso ter medo do feminismo.<br />

Precisamos nos solidarizar! Segundo Bell Hooks,<br />

“feminismo é para todo mundo”.<br />

Colaboração <strong>de</strong> Arthur Fachini, formado em<br />

Relações Internacionais pela Universida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Ribeirão Preto (Unaerp).


OPINIÃO<br />

Como começar a ganhar<br />

dinheiro <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa?<br />

VITOR RODRIGUES<br />

Você tem um notebook e uma boa conexão<br />

com a internet? Então saiba que<br />

você está elegível para ganhar a vida <strong>de</strong><br />

um jeito que seus pais e avós nunca sonharam<br />

em fazer: <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa e sem ter que<br />

encarar um escritório lotado das 9h às 17h.<br />

Inclusive, nos próximos artigos posso<br />

contar um pouco mais sobre como surgiram os<br />

famosos “nôma<strong>de</strong>s digitais”, empreen<strong>de</strong>dores e<br />

freelancers autônomos que colocam o notebook<br />

na mochila e rodam por aí trabalhando em cafés,<br />

lojas <strong>de</strong> conveniência, apartamentos do Airbnb etc.<br />

Mas antes que eu comece a divagar, vamos<br />

logo ao que interessa: quais são os primeiros<br />

passos para quem quer criar uma carreira (ou<br />

mesmo fazer uma renda extra) trabalhando em<br />

casa?<br />

1 - Aprenda a monetizar seus hobbies<br />

Eu sempre gostei <strong>de</strong> escrever. Sendo assim,<br />

é natural que hoje em dia a maior parte da<br />

minha fonte <strong>de</strong> renda seja proveniente dos artigos<br />

e posts que crio para os meus clientes.<br />

Minha pergunta para você é: o que você<br />

gosta <strong>de</strong> fazer? Como você po<strong>de</strong>ria monetizar<br />

isso?<br />

Alguém apaixonado por fotografia, por<br />

exemplo, po<strong>de</strong>ria ven<strong>de</strong>r freelas pela internet, ou<br />

fazer dinheiro editando ví<strong>de</strong>os e fotos, ou ainda<br />

criar um curso online <strong>de</strong> fotografia para iniciantes<br />

e ven<strong>de</strong>r pela Hotmart.<br />

Alguém apaixonado por educação física<br />

po<strong>de</strong>ria criar um blog sobre hipertrofia e monetizá<br />

-lo através <strong>de</strong> anúncios. Ou escrever um livro com<br />

os “10 Segredos do ganho <strong>de</strong> massa muscular” e<br />

ven<strong>de</strong>r na Amazon.<br />

Alguém que gosta muito <strong>de</strong> ler po<strong>de</strong>ria<br />

criar um canal no Youtube para postar as resenhas<br />

<strong>de</strong> seus livros preferidos. Além <strong>de</strong> possíveis parcerias<br />

com livrarias e editoras, ainda existe a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r cursos <strong>de</strong> terceiros sobre leitura<br />

dinâmica, por exemplo, através <strong>de</strong> plataformas<br />

como a Hotmart.<br />

Já <strong>de</strong>u para notar que as possibilida<strong>de</strong>s<br />

são diversas, não é?!<br />

2 - Quantas fontes <strong>de</strong> renda você tem<br />

hoje?<br />

Na maioria das vezes, a pergunta acima<br />

soa quase retórica. A cada 100 pessoas, pelo menos<br />

90 respon<strong>de</strong>rão: “Ué, uma só, seu retardado!”.<br />

Mas acalme o seu coração e vamos conversar<br />

um pouco mais sobre como criar múltiplas<br />

fontes <strong>de</strong> renda na internet (este é certamente um<br />

dos assuntos que mais po<strong>de</strong>m aumentar a sua<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida nos próximos anos).<br />

Se hoje você faz como a maior parte das<br />

pessoas, a sua renda po<strong>de</strong> ser resumida em uma<br />

palavra: emprego. O problema é que, se você parar<br />

<strong>de</strong> trabalhar, o dinheiro para <strong>de</strong> entrar.<br />

Vamos a um exemplo?<br />

Pense em um professor <strong>de</strong> matemática e<br />

como ele po<strong>de</strong> monetizar seus trabalhos em <strong>2018</strong>.<br />

Duas formas bastante simples:<br />

1 - Ganhando R$50 por aula <strong>de</strong> 1 hora em<br />

um cursinho da cida<strong>de</strong>.<br />

2 - Montando um curso online <strong>de</strong> “Matemática<br />

para concursos públicos” que custa R$100.<br />

As aulas são gravadas apenas uma vez e po<strong>de</strong>m<br />

ser vendidas para milhares <strong>de</strong> pessoas na internet.<br />

Se esse professor consegue, em um dia,<br />

dar 6 aulas e faturar R$300, o mesmo po<strong>de</strong> ser feito<br />

em 1 hora, enquanto ven<strong>de</strong> 3 unida<strong>de</strong>s do seu<br />

curso.<br />

Que tal as coisas <strong>de</strong>ssa perspectiva? O<br />

mais legal <strong>de</strong> tudo é que a mesma lógica vale para<br />

qualquer outro profissional.<br />

Também vale dizer que os cursos e<br />

e-books são apenas uma opção para renda extra<br />

“automática”... Já conheci gente que tem mais <strong>de</strong><br />

80 fontes <strong>de</strong> renda na internet (um dia eu chego lá<br />

hehe)!<br />

Outras formas <strong>de</strong> criar renda extra automática:<br />

●Escrever um livro e ven<strong>de</strong>r em plataformas como<br />

Amazon e Hotmart<br />

●Gravar uma palestra e disponibilizar online<br />

●Fazer investimentos<br />

●Criar e ven<strong>de</strong>r um software<br />

●Criar e ven<strong>de</strong>r um aplicativo<br />

●Montar uma loja virtual em sistema drop shipping<br />

●Trabalhar com marketing <strong>de</strong> afiliados em plataformas<br />

como a Hotmart<br />

À medida que outras fontes <strong>de</strong> renda são<br />

estabelecidas, você <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá cada vez menos<br />

do emprego atual. Eu garanto a você que nossa<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida aumenta muito quando nos preocupamos<br />

menos se a <strong>de</strong>missão virá ou não no<br />

mês que vem. Faça o teste!<br />

3 - Siga outras pessoas que já estão<br />

on<strong>de</strong> você quer chegar<br />

Você quer rodar o mundo trabalhando só<br />

como freelancer? Montar uma loja virtual e ganhar<br />

muito dinheiro? Ou talvez você queira apenas<br />

manter o emprego atual e fazer uma renda extra<br />

com freelas aos finais <strong>de</strong> semana?<br />

Então acesse agora o seu Instagram e<br />

pesquise por pessoas que já vivem assim.<br />

Além <strong>de</strong> seguir e trocar i<strong>de</strong>ias com essa<br />

galera, esses perfis certamente servirão <strong>de</strong> combustível<br />

naqueles dias ruins on<strong>de</strong> você se pergunta<br />

se está mesmo indo pelo caminho certo.<br />

4 - Nunca pare <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r<br />

Minha dica final é: nunca pare <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r.<br />

Esteja sempre envolvido com cursos e workshops,<br />

vá a eventos e inscreva-se em todos os canais que<br />

julgar interessante no Youtube.<br />

É assim que a gente nunca fica <strong>de</strong>satualizado.<br />

É assim que a gente po<strong>de</strong> gerar cada vez<br />

mais valor aos nossos clientes.<br />

É assim que a gente finalmente se livra das<br />

antigas verda<strong>de</strong>s do mercado profissional e começa<br />

a levar a vida, cada vez mais, do nosso jeito.<br />

Colaboração <strong>de</strong> Vitor Rodrigues, jornalista por<br />

formação, freela por necessida<strong>de</strong>, ven<strong>de</strong>dor por<br />

<strong>de</strong>cisão e escreve sobre tudo isso no blog oredatorfreelancer.com.br.


SOCIAL<br />

MÃES E FILHOS<br />

DO CÁRCERE<br />

BÁRBARA MARIANO<br />

O<br />

sistema carcerário do Brasil<br />

enfrenta problemas graves.<br />

Segundo levantamento do Infopen<br />

– Levantamento Nacional<br />

<strong>de</strong> Informações Penitenciárias<br />

– divulgado em 2016, existem no<br />

Brasil, 726.712 pessoas privadas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>.<br />

Dividindo por sexo, 665.482 são homens<br />

e 42.355 mil, mulheres. No entanto,<br />

o aumento no número <strong>de</strong> mulheres presas<br />

aumentou num período <strong>de</strong> 10 anos. Em<br />

2000, o Brasil tinha 5.601 mulheres na ca<strong>de</strong>ia,<br />

aumento <strong>de</strong> 656%.<br />

Com este salto, outro assunto entra<br />

em questão, as situações das mulheres<br />

nas penitenciárias brasileiras é frágil,<br />

principalmente quando elas são grávidas e<br />

lactantes. Ainda <strong>de</strong> acordo com o Infopen,<br />

durante levantamento realizado em 1.418<br />

unida<strong>de</strong>s prisionais, o número <strong>de</strong> mulheres<br />

encarceradas no Brasil é superior a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vagas (27.029), <strong>de</strong>ixando o<br />

sistema carcerário feminino com déficit <strong>de</strong><br />

15.326 vagas. A taxa <strong>de</strong> ocupação, segundo<br />

o levantamento do Ministério da Segurança<br />

Pública, é <strong>de</strong> 156,7%. Consi<strong>de</strong>rando<br />

os dados populacionais, tem-se taxa <strong>de</strong><br />

40,6 mulheres presas no Brasil, para cada<br />

grupo <strong>de</strong> 100 mil.<br />

Em comparação com outros países<br />

do mundo, o Brasil é o quarto país<br />

que mais pren<strong>de</strong> mulheres. Os Estados<br />

Unidos li<strong>de</strong>ra com 221.870 mulheres presas,<br />

seguido da China (107.131) e Rússia<br />

(48.478).


Quem são<br />

essas mulheres?<br />

Traçando o perfil das mulheres presas, ainda <strong>de</strong> acordo com estatísticas<br />

do Infopen, quando <strong>de</strong>limitadas por faixa etária, as que têm entre<br />

18 e 25 anos representam 27%, seguido das mulheres que possuem entre<br />

25 e 29 anos, com 23%, ou seja, 50% da população carcerária feminina, é<br />

formada por mulheres jovens.<br />

Na classificação raça, cor ou etnia, o estudo aponta que 62% das<br />

mulheres presas são negras; 37% brancas. Em números absolutos, as<br />

estatísticas mostram que no sistema prisional brasileiro, existem 25.581<br />

mulheres negras presas, e 15.051 brancas. Num aprofundamento ainda<br />

maior, po<strong>de</strong>-se afirmar, através do estudo, que para cada 100 mil mulheres<br />

negras, 62 estão presas. Já entre mulheres brancas, para cada 100 mil, 40<br />

estão aprisionadas.<br />

Por escolarida<strong>de</strong>, 66% da população prisional feminina não tem<br />

ensino médio, tendo concluído, no máximo, o ensino fundamental. Cerca<br />

<strong>de</strong> 15% chegaram a concluir o ensino médio. Por estado civil, sabe-se que<br />

62% são solteiras, 23% mantem união estável e outras 9% são casadas.<br />

GRUPO DE RISCO<br />

Dentro <strong>de</strong>sta gigante população carcerária<br />

feminina, existe um grupo que sofre<br />

duplamente ao cumprir sua sentença. Grávidas<br />

e lactantes. Está em vigor a Lei <strong>nº</strong><br />

13.257/2016, que alterou o Art. 18 do Código<br />

<strong>de</strong> Processo Penal, o juiz po<strong>de</strong> substituir<br />

a prisão preventiva, pela domiciliar, quando<br />

a mulher for gestante ou com filho <strong>de</strong> até 12<br />

anos. No entanto, esta lei não é respeitada<br />

pelo Legislativo. Segundo o Cadastro Nacional<br />

<strong>de</strong> Presas Grávidas e Lactantes, criado<br />

em outubro <strong>de</strong> 2017 pela ministra Carmen<br />

Lúcia, são 283 presas grávidas e 178<br />

lactantes em julho <strong>de</strong> <strong>2018</strong>. O ECA (Estatuto<br />

da Criança e do Adolescente) no seu artigo<br />

7º prevê o direito a proteção à vida e à<br />

saú<strong>de</strong> do recém-nascido. Contudo, isso não<br />

vem sendo aplicado aos filhos das <strong>de</strong>tentas.<br />

A advogada criminalista Regina Gue<strong>de</strong>s,<br />

em entrevista a Comtempo, afirma que<br />

quando uma população carcerária, “<strong>de</strong> mais<br />

<strong>de</strong> 40 mil mulheres, on<strong>de</strong> as que não estão<br />

grávidas ou amamentando são mães <strong>de</strong> menores<br />

<strong>de</strong> 12 anos, e o Legislativo simplesmente<br />

não cumpre a lei, há uma falha do Estado<br />

em relação a essas crianças, privadas<br />

do convívio com suas mães”.<br />

Gue<strong>de</strong>s diz ainda que em relação às<br />

gestantes encarceradas, “constata-se série<br />

<strong>de</strong> falhas na estrutura das unida<strong>de</strong>s prisionais,<br />

não i<strong>de</strong>alizadas para a mulher, muito<br />

menos para as gestantes”.<br />

Por experiência, a repórter da Comtempo,<br />

que redige esta matéria diz que “as<br />

acomodações da ca<strong>de</strong>ia não são pensadas<br />

para os sexos, mas para os humanos, <strong>de</strong><br />

modo que é mais uma forma <strong>de</strong> penalizar<br />

quem já está cumprindo sua pena. Ninguém<br />

sequer imagina, mas as grávidas <strong>de</strong>tentas,<br />

<strong>de</strong>vido à lotação da ca<strong>de</strong>ia, muitas vezes<br />

dormem no chão, ou precisam subir em beliches<br />

<strong>de</strong> alvenaria”.<br />

De acordo com as estatísticas do Infopen,<br />

apenas 55 unida<strong>de</strong>s em todo o país<br />

<strong>de</strong>clararam apresentar cela ou dormitório<br />

para gestantes, ou seja, somente 16% dos<br />

presídios mistos ou femininos estão preparados<br />

para aten<strong>de</strong>r a<strong>de</strong>quadamente mulheres<br />

grávidas.<br />

A LEP – Lei da Execução Penalacresceu,<br />

em 2009, o artigo 89, dizendo que<br />

as penitenciárias femininas <strong>de</strong>vem ser dotadas<br />

<strong>de</strong> creches para assistir os maiores <strong>de</strong><br />

seis meses e menores <strong>de</strong> sete anos, com finalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> amparar a criança, enquanto a<br />

responsável estiver presa. Isso não ocorre<br />

em praticamente nenhum Estado da Fe<strong>de</strong>ração.<br />

O CNJ – Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça-<br />

realizou, entre <strong>janeiro</strong> e abril <strong>de</strong> <strong>2018</strong>,<br />

visitas em 33 unida<strong>de</strong>s penais que custodiam<br />

presas grávidas e lactantes. A realida<strong>de</strong><br />

encontrada reforçou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

padronização no atendimento às <strong>de</strong>tentas.<br />

Durante as visitas, apenas quatro penitenciárias<br />

foram <strong>de</strong>stacadas como exemplo <strong>de</strong><br />

atendimento à mulher. São elas: Unida<strong>de</strong><br />

Materno Infantil (RJ), Penitenciária Feminina<br />

<strong>de</strong> Cariacica (ES), Presídio Feminino <strong>de</strong><br />

Santa Luzia (AL) e Colônia Penal Feminina<br />

do Recife (PE).<br />

Segundo a juíza auxiliar da presidência<br />

do CNJ, Andremara dos Santos,<br />

on<strong>de</strong> há envolvimento dos juízes com a<br />

gestão, as penitenciárias ten<strong>de</strong>m a ser bem<br />

geridas, provando que mudar a situação<br />

<strong>de</strong>ssas mulheres e das crianças não será<br />

<strong>de</strong> forma alguma, uma iniciativa solitária,<br />

mas uma comunhão <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

várias camadas da socieda<strong>de</strong>, afinal a violência<br />

ocorre quando somos <strong>de</strong>sassistidos<br />

em todos os âmbitos que um ser humano<br />

po<strong>de</strong> ter”.<br />

Outros problemas encontrados durante<br />

as visitas do CNJ às penitenciárias,<br />

estão nas consultas do pré-natal, e a <strong>de</strong>ficiência<br />

no atendimento médico aos bebês.<br />

Em uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, por exemplo,<br />

bem equipada e assistida, on<strong>de</strong> há até<br />

uma brinquedoteca, vivem 14 bebês sem<br />

registro <strong>de</strong> nascimento. No Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

havia cinco bebês sem registro e sem vacinação<br />

(BCG).


POPULAÇÃO<br />

CARCERÁRIA INVISÍVEL<br />

A escolha sobre a permanência do<br />

bebê, durante os primeiros seis meses <strong>de</strong> vida,<br />

no ambiente carcerário é da mãe. Elas po<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong>cidir permanecer com os filhos durante o período<br />

<strong>de</strong> amamentação, ou se entregam <strong>de</strong> vez<br />

à família, evitando assim que o bebê vivencie a<br />

precarieda<strong>de</strong> do cárcere.<br />

Na maioria dos casos, a escolha das<br />

mães é ficar com os filhos e como na maioria<br />

dos Estados não há uma UMI – Unida<strong>de</strong> Materno<br />

Infantil - a<strong>de</strong>quada, cria-se, assim, a população<br />

carcerária invisível, on<strong>de</strong> crianças são<br />

submetidas a todos os intemperes que po<strong>de</strong>m<br />

surgir <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma carceragem.<br />

“Mesmo sabendo que meu filho estaria<br />

seguro, não suportei quando vi minha mãe o<br />

levando, meus seios transbordavam e eu ardia<br />

em febre. Foi o momento on<strong>de</strong> percebi que<br />

não po<strong>de</strong>ria ser mãe do meu filho”, diz o relato<br />

<strong>de</strong> Renata Silva, ex-presidiária, que em 2006<br />

teve seu filho enquanto cumpria pena no Talavera<br />

Bruce, no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

(Reprodução/Crivelaro/ Getty Images)<br />

“Não suportei quando vi minha mãe o<br />

levando, meus seios<br />

transbordavam e eu ardia em febre”.<br />

O relato <strong>de</strong> Silva mostra os danos causados<br />

à família e provam que são muito maiores<br />

do que se po<strong>de</strong> imaginar. “São vínculos que<br />

não se refazem, sentimentos que dificilmente<br />

se recuperam, e a questão maior que precisase<br />

discutir não é a vitimização <strong>de</strong>ssas mulheres,<br />

mas sim os direitos que são violados ao<br />

extremo, causando danos não somente a elas,<br />

mas a todos que as cercam”. Afinal a finalida<strong>de</strong><br />

do encarceramento é <strong>de</strong> ressocializar o apenado<br />

durante o cumprimento da pena a fim <strong>de</strong><br />

reintegrar essa pessoa a socieda<strong>de</strong> e, principalmente,<br />

que ela não cometa mais crimes, entretanto,<br />

o nota-se um sistema que parece ser um<br />

agravante na sentença <strong>de</strong> quem está <strong>de</strong>tido.<br />

Enquanto isso, 45% da população carcerária<br />

feminina aguarda julgamento. Des<strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> março<br />

<strong>de</strong> 2016, a lei 13.257 assegura direito <strong>de</strong><br />

cumprir prisão domiciliar, mulheres grávidas ou<br />

mães <strong>de</strong> menores <strong>de</strong> 12 anos.<br />

O Infopen mostra ainda que 75% das<br />

mulheres privadas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> têm filhos.<br />

Exemplo<br />

O acompanhamento das mulheres<br />

grávidas ao médico também não é<br />

respeitado. Em fevereiro <strong>de</strong> <strong>2018</strong>, em<br />

São Paulo, a jovem Jéssica Monteiro, 24,<br />

foi presa ao lado do marido Oziel Gomes,<br />

48, portando 90 gramas <strong>de</strong> maconha.<br />

Mesmo estando em trabalho <strong>de</strong> parto, no<br />

momento em que era conduzida para a<br />

audiência <strong>de</strong> custódia, foi encaminhada<br />

sob escolta ao hospital, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>u à luz<br />

a um menino e mesmo acompanhada <strong>de</strong><br />

seu advogado, que comunicou o ocorrido<br />

ao juiz, com testemunho do policial que<br />

os acompanhavam, teve seu pedido <strong>de</strong><br />

prisão mantido, apesar da jovem ser ré<br />

primária.<br />

Jéssica, dois dias após o parto,<br />

voltou à carceragem com o filho nos braços.<br />

Para ajudar a jovem, os policiais da<br />

<strong>de</strong>legacia revezavam-se, provi<strong>de</strong>nciando<br />

água morna para a higiene <strong>de</strong> ambos, enquanto<br />

a transferência para uma unida<strong>de</strong><br />

a<strong>de</strong>quada era provi<strong>de</strong>nciada, já que ela<br />

estava em unida<strong>de</strong> masculina, em cela<br />

improvisada <strong>de</strong> 2x2m, suja e com colchões<br />

<strong>de</strong> espuma improvisados, forrados<br />

com cobertores.<br />

Casos como o <strong>de</strong> Jéssica, provam<br />

que apesar da <strong>de</strong>claração da ministra do<br />

STF - Superior Tribunal Fe<strong>de</strong>ral - Carmen<br />

Lúcia, on<strong>de</strong> disse: “Terminarei meu mandato<br />

sem que nenhum brasileirinho nasça<br />

atrás das gra<strong>de</strong>s” ainda tem-se que evoluir<br />

nesta questão, ao contrário, segundo<br />

a fala da ministra “estamos <strong>de</strong>scumprindo<br />

a Lei do Ventre Livre”. É necessário pensar<br />

nessas crianças encarceradas como<br />

inocentes que estão sendo penalizados<br />

sem nem mesmo saber o que significa infringir<br />

a lei.


QUANTO CUSTA<br />

SUA MEMÓRIA?<br />

Quando procurada no dicionário, a palavra<br />

preservação tem, <strong>de</strong>ntre outros, como resultado:<br />

“Estado do que não se altera por infl u-<br />

ência do tempo, das intempéries”. Já a palavra<br />

memória, expõe, como primeira resposta:<br />

“Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> reter i<strong>de</strong>ias, sensações, impressões,<br />

adquiridas anteriormente”.<br />

Com base nessas duas palavras, tão pouco<br />

usadas e por que não, valorizadas pelas pessoas,<br />

a <strong>ComTempo</strong> traz reportagem sobre<br />

a preservação da memória, pegando como<br />

gancho a <strong>de</strong>struição do Museu Nacional no<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, no primeiro domingo <strong>de</strong> setembro.<br />

Afi nal, qual o valor <strong>de</strong> uma memória? Qual o<br />

real custo da preservação? Por que os brasileiros<br />

têm uma cultura que direciona sua preocupação<br />

para diversas coisas, e coloca em<br />

segundo, ou último plano, a cultura, a preservação<br />

da memória, e sua própria história?<br />

Por que as pessoas só dão valor <strong>de</strong>pois que<br />

per<strong>de</strong>m? Por que pouco ouvia-se falar do<br />

acervo riquíssimo exposto no Museu Nacional?<br />

Por que liberaram verba para a reconstrução<br />

do museu, se po<strong>de</strong>riam ter liberado<br />

para sua preservação?<br />

O brasileiro que não preserva<br />

Apren<strong>de</strong>r com os erros do passado para não<br />

cometê-los no presente ou futuro. Para o historiador<br />

José Roberto Almeida, este é o valor<br />

que a memória possui.<br />

“O fato dos brasileiros não darem valor começa<br />

pelo tipo <strong>de</strong> colonização que foi feita,<br />

predatória, <strong>de</strong> exploração. Da existência dos<br />

índios, pouca coisa sobrou. A memória é<br />

sempre importante porque ela vai dizer quem<br />

você é, vai dar respostas para questões existenciais,<br />

culturais e sociais. Se isso não for<br />

preservado, nossa relação com o passado<br />

vai se per<strong>de</strong>ndo. Vejo que isso não é uma<br />

coisa importante na visão do brasileiro e vejo<br />

isso com tristeza, pois um país que não conhece<br />

sua história, está fadada a repetir os<br />

erros do passado”.<br />

Se <strong>de</strong> um momento para outro você per<strong>de</strong>sse tudo,<br />

quanto custaria reconstruir sua história?<br />

GABRIELA BRACK, KIMBERLY SOUZA, MARCOS PITTA, JOSÉ PIUTTI,<br />

MAYRA CARVALHO, ANA CAROLINA JANUÁRIO<br />

Fotos: Divulgação


É política,<br />

é direitos humanos,<br />

é cidadania<br />

A historiadora e coor<strong>de</strong>nadora do grupo<br />

<strong>de</strong> pesquisa Memórias, Pesquisa e Políticas<br />

Públicas, Sandra Rita Molina conce<strong>de</strong>u entrevista<br />

a <strong>ComTempo</strong> sobre a importância da<br />

preservação dos museus brasileiros e como a<br />

ausência <strong>de</strong>ste cuidado é prejudicial ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />

político, social e econômico <strong>de</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong>.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual a importância da<br />

preservação dos patrimônios históricos<br />

pro Brasil?<br />

Sandra: É a exata medida da preservação da<br />

nossa memória. E por que é importante? Porque<br />

é através da percepção <strong>de</strong> quem nós somos<br />

que <strong>de</strong>cidimos para on<strong>de</strong> vamos. O patrimônio<br />

é a visualização da nossa trajetória. Não<br />

apenas o patrimônio arquitetônico, mas também<br />

o imaterial, os saberes, fazeres e as celebrações.<br />

Vamos pensar no dia 20 <strong>de</strong> <strong>novembro</strong>.<br />

Por que o dia da abolição não é o dia da<br />

consciência negra? Por que só a abolição não<br />

foi suficiente? A população negra <strong>de</strong>ste país enten<strong>de</strong><br />

o treze <strong>de</strong> maio como uma celebração<br />

<strong>de</strong> brancos. Ele trouxe a libertação, mas para<br />

quem? Liberda<strong>de</strong> sem pão, sem emprego, sem<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida? On<strong>de</strong> a população negra vai<br />

buscar seu espaço <strong>de</strong> luta? Percebe como é<br />

importante saber <strong>de</strong> on<strong>de</strong> viemos? Tem a ver<br />

com a construção da nossa cidadania, <strong>de</strong> como<br />

enten<strong>de</strong>mos quais são os nossos direitos como<br />

exercícios <strong>de</strong> nossos <strong>de</strong>veres. Por isso, não temos<br />

tanto investimento para o patrimônio, pois<br />

quanto mais dinheiro investido, mais empo<strong>de</strong>ro<br />

a população <strong>de</strong> baixa renda. E uma população<br />

empo<strong>de</strong>rada cobra por seus direitos.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como a falta <strong>de</strong> museus<br />

prejudica uma socieda<strong>de</strong>?<br />

Sandra: De forma brutal. Po<strong>de</strong>mos observar<br />

isso acontecer quando pessoas começam a<br />

achar que a ditadura não foi tão ruim. Isso é<br />

manipulação da memória. O conhecimento<br />

da história é importante não apenas por retórica<br />

ou cultura, no momento em que estamos<br />

vivendo, em especial no Brasil, ele é estratégico,<br />

porque po<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r quais grupos<br />

políticos estão envolvidos e quais os seus interesses,<br />

é pelo conhecimento histórico que<br />

começamos a enten<strong>de</strong>r o porquê da terra ser<br />

tão disputada nesse país, por que o número<br />

<strong>de</strong> mortes na tão disputado. Eu busco isso lá<br />

atrás, no nosso mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> colonização, <strong>de</strong><br />

coronelismo, on<strong>de</strong> a lei só entrava pela porteira<br />

se o coronel <strong>de</strong>ixasse, é que vou ver a<br />

troca <strong>de</strong> votos que se tem hoje e compreen<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> ela vem - do voto <strong>de</strong> cabresto do<br />

coronelismo. Se antes a história já era importante<br />

nesse país, hoje, frente ao que estamos<br />

vivendo, ela se torna vital porque consegue<br />

mostrar o quanto já caminhamos e o quanto<br />

corremos o risco <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r direitos adquiridos.<br />

É a história que vai dizer pra nossa população<br />

o quanto temos que lutar para ampliar<br />

direitos e não suprimi-los em função <strong>de</strong><br />

uma eficiência econômica, <strong>de</strong> uma crise que<br />

estamos vivendo. Então, se apren<strong>de</strong>r história<br />

antes era importante por uma questão cultural<br />

e <strong>de</strong> sobrevivência <strong>de</strong> nossa memória, hoje<br />

ela é importante por uma questão estratégica<br />

para a proteção aos direitos sociais que foram<br />

adquiridos nos últimos 30 anos. Saber história<br />

hoje, é política, é direitos humanos, é exercício<br />

<strong>de</strong> cidadania, é proteger os direitos daqueles<br />

que ainda não nasceram nesse país.<br />

POR QUÊ PRESERVAR E COMO?<br />

O Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Museus (Ibram)<br />

aponta que existem 3.793 museus no país instalados<br />

em 1.357 dos 5.570 municípios do país. Isso<br />

significa que pouco menos <strong>de</strong> 25% das cida<strong>de</strong>s brasileiras<br />

possuem pelo menos um espaço <strong>de</strong>dicado<br />

à preservação histórica.<br />

Já o Sistema Estadual <strong>de</strong> Museus do Estado<br />

<strong>de</strong> São Paulo (Sisem), que articula os museus<br />

paulistas em favor da preservação, pesquisa e difusão<br />

do acervo, mapeou, em 2010, a existência <strong>de</strong><br />

415 instituições museológicas <strong>de</strong>ntre públicas e privadas,<br />

distribuídas em 190 municípios do Estado.<br />

Rogério Carlos Fábio, representante regional<br />

<strong>de</strong> Barretos, interior <strong>de</strong> São Paulo, do Sisem, <strong>de</strong>senvolve<br />

trabalho <strong>de</strong> levantamento das cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Altair, Barretos, Bebedouro, Cajobi, Colina, Colômbia,<br />

Embaúba, Guaíra, Guaraci, Jaborandi, Monte<br />

Azul Paulista, Olímpia, Pirangi, Severínia, Taiaçu,<br />

Terra Roxa, Viradouro e Vista Alegre do Alto para<br />

avaliar o grau <strong>de</strong> preservação.<br />

“Nunca se falou tanto da importância <strong>de</strong><br />

preservar a história brasileira e <strong>de</strong> cada localida<strong>de</strong><br />

como nos últimos anos. Claro que isso não é unanimida<strong>de</strong>,<br />

mas notamos diferenças significativas <strong>de</strong><br />

um local para outro. Ainda estamos longe <strong>de</strong> políticas<br />

públicas eficazes para a valorização do patrimônio<br />

brasileiro, que <strong>de</strong>vem ocupar espaço importante<br />

quanto ao <strong>de</strong>senvolvimento educacional, turístico,<br />

cultural e econômico <strong>de</strong> cada lugar”, relata Fábio,<br />

em entrevista a <strong>ComTempo</strong>.<br />

O historiador diz como <strong>de</strong>veria ser feita<br />

a preservação: “O primeiro e importante passo<br />

é o projeto museológico que cada museu <strong>de</strong>ve<br />

ter, e que <strong>de</strong>ve ser elaborado por profissionais<br />

Foto: Divulgação<br />

capacitados, como museólogos, historiadores e<br />

arquivistas. É essencial, também, diagnosticar a<br />

situação <strong>de</strong> cada museu público e garantir sua<br />

preservação e manutenção, avaliando riscos.<br />

Muitos museus carecem <strong>de</strong> investimentos e legislação<br />

específica para executarem projetos eficazes”,<br />

enfatiza Fábio.


Não é<br />

velharia, é<br />

história viva<br />

Os primeiros registros <strong>de</strong> um museu<br />

histórico em Bebedouro, interior <strong>de</strong> São<br />

Paulo, são do final da década <strong>de</strong> 1980, na<br />

Casa da Cultura, localizada na Avenida Pedro<br />

Paschoal. Tempos <strong>de</strong>pois, o acervo é levado<br />

a um casarão no centro da cida<strong>de</strong>, na<br />

rua Coronel Conrado Cal<strong>de</strong>ira, lugar on<strong>de</strong><br />

cresceu e recebeu curadoria <strong>de</strong> diversas<br />

autorida<strong>de</strong>s, como a professora Léa Pitelli.<br />

Em 2006, o casarão foi <strong>de</strong>molido, gran<strong>de</strong><br />

parte do acervo foi encaixotado e guardado<br />

no porão da Biblioteca Municipal e uma<br />

pequena amostra, ficou exposta na própria<br />

biblioteca.<br />

Depois <strong>de</strong> 10 anos, o museu ressurge<br />

em outro casarão, à rua Tobias Lima,<br />

centro, como Casa da Cultura “Professor<br />

Wal<strong>de</strong>mar Antônio <strong>de</strong> Mello” e Museu <strong>de</strong><br />

Artes e História “Professora Léa Pitelli”, sob<br />

o comando do recém assumido coor<strong>de</strong>nador<br />

<strong>de</strong> Museus, Teatro e Bibliotecas, Rogério<br />

Carlos Fábio; que organizou o museu<br />

conforme assunto e época: a primeira sala,<br />

com mobília da década <strong>de</strong> 20, ca<strong>de</strong>iras do<br />

legislativo, chapeleiros e telefones antigos.<br />

Ao lado, objetos sacros, bíblias e imagens.<br />

Em outro cômodo, utensílios domésticos<br />

como encera<strong>de</strong>iras, máquina <strong>de</strong> costura,<br />

ferros <strong>de</strong> passar, objetos <strong>de</strong> porcelana e um<br />

filtro <strong>de</strong> água. Uma das salas é <strong>de</strong>dicada à<br />

música e às rádios: aparelhos <strong>de</strong> diversas<br />

épocas, amplificadores, microfones, instrumentos<br />

musicais, discos e fitas. Em outra<br />

sala, objetos marcam a era da ferrovia, artigos<br />

da Revolução <strong>de</strong> 1932 e um rico acervo<br />

da revista Manchete, com edições <strong>de</strong> 1950<br />

a 1990.<br />

O coor<strong>de</strong>nador afirma que o importante<br />

é sempre buscar novos itens para<br />

compor o acervo, e surpreen<strong>de</strong>r o visitante:<br />

“valorizar a história local através do museu<br />

é preservar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do município. Sempre<br />

pensamos como vamos expor o acervo,<br />

mantendo um visual mais limpo e uma mudança<br />

constante com a chegada <strong>de</strong> objetos<br />

significativos. O museu nunca vai estar<br />

pronto, nunca é o lugar <strong>de</strong> coisas velhas, o<br />

museu é o lugar da história viva”, finaliza.<br />

Dos reis do café à<br />

preservação da história<br />

Há 100km <strong>de</strong> Bebedouro, Ribeirão Preto<br />

também possui museus, um <strong>de</strong>les, referência para<br />

a <strong>ComTempo</strong> citar nesta reportagem, possui uma<br />

curiosida<strong>de</strong>: Não é um, mas dois museus <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> uma só história.<br />

O Museu Histórico e <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>m Geral e o<br />

Museu do Café estão localizados on<strong>de</strong> foi à se<strong>de</strong><br />

da antiga Fazenda Monte Alegre, adquirida em<br />

1890 por Francisco Schmidt, barão do café, on<strong>de</strong><br />

residiu até 1918.<br />

Em 1952 foram doados à Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

São Paulo (USP) cerca <strong>de</strong> 240.000 alqueires da<br />

Fazenda Monte Alegre, para a instalação da Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Medicina e, <strong>de</strong>sta área, aproximadamente<br />

17.000 m², que correspon<strong>de</strong>m às construções<br />

e arredores da casa-se<strong>de</strong>, não foram incluídas e<br />

foram concedidas à administração municipal.<br />

Com o objetivo <strong>de</strong> criar um museu na cida<strong>de</strong>,<br />

Plínio Travassos dos Santos começou a recolher<br />

objetos para o acervo, sua maioria, doações.<br />

Quando o acervo chegou a um número consi<strong>de</strong>rável,<br />

foi transferido para o Bosque Municipal on<strong>de</strong><br />

permaneceu <strong>de</strong> 1948 a 1949. Em 28 <strong>de</strong> março <strong>de</strong><br />

1951, já instalado na Fazenda Monte Alegre, o museu<br />

foi inaugurado com as seções <strong>de</strong> Artes, Etnologia<br />

Indígena, Zoologia, Geologia, História e, mais<br />

tar<strong>de</strong>, Biologia. A criação do Museu foi oficializada<br />

através da Lei Municipal n.º 97, <strong>de</strong> 1 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong><br />

1949. Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu valor histórico o local foi<br />

tombado junto <strong>de</strong> seu acervo.<br />

“O Museu Municipal foi por mim organizado<br />

mediante doações <strong>de</strong> materiais que obtive <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

Janeiro <strong>de</strong> 1948, e somente em 1951 foi conseguido<br />

o prédio em que está instalado.” Trecho<br />

extraído <strong>de</strong> carta do Plínio Travassos dos Santos<br />

para o Dep. Dr. Cunha Bueno <strong>de</strong> 1953.<br />

Para contar a história do Ciclo do Café em<br />

Foto: <strong>ComTempo</strong><br />

Ribeirão Preto e no Brasil, Plínio Travassos dos<br />

Santos começou a recolher e colecionar objetos<br />

da cultura cafeeira. Elas foram guardadas no Museu<br />

Histórico e em 1955, foi inaugurado o Museu<br />

do Café <strong>de</strong> Ribeirão Preto, instalado provisoriamente<br />

em três salas e nas varandas que circundam<br />

o edifício.<br />

O prédio do Museu do Café Cel. Francisco<br />

Schmidt foi construído próximo ao Museu Histórico,<br />

por iniciativa da Prefeitura e contou com apoio<br />

do Instituto Brasileiro do Café (IBC) e do Comendador<br />

Geremia Lunar<strong>de</strong>lli. O espaço inaugurado<br />

oficialmente em 26 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 1957.<br />

Atualmente os museus estão fechados <strong>de</strong>vido<br />

a danos estruturais pela falta <strong>de</strong> manutenção,<br />

mas segundo o diretor José Venancio <strong>de</strong> Souza<br />

Junior, o museu passará por obras emergenciais<br />

em breve.<br />

“Fizemos um convênio com o curso <strong>de</strong> Arquitetura<br />

e Engenharia da Universida<strong>de</strong> Moura Lacerda,<br />

que fará um estudo geral <strong>de</strong> todo o complexo,<br />

solo e edificações para nos entregar um estudo<br />

completo e um projeto <strong>de</strong> restauro” diz o diretor<br />

sobre sua primeira providência à frente do museus.<br />

Com um acervo estimado em mais <strong>de</strong> seis<br />

mil peças <strong>de</strong>ntre obras <strong>de</strong> arte e peças históricas, o<br />

patrimônio do Museu do Café Cel. Francisco Schmidt<br />

contém objetos <strong>de</strong> uso na zona rural como<br />

arados, veículos próprios <strong>de</strong> fazendas, arreios,<br />

carro <strong>de</strong> boi, uma coleção <strong>de</strong> moinhos para o processamento<br />

manual dos grãos <strong>de</strong> café, pilão e máquinas<br />

<strong>de</strong>stinadas a <strong>de</strong>scascar e ventilar o café.<br />

O acervo também tem obras <strong>de</strong> arte como<br />

esculturas representando os imigrantes italianos<br />

e alemães e uma série <strong>de</strong> bustos <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s<br />

relacionadas ao café como Dr. Henrique Dumont,<br />

o primeiro rei do café, Francisco Schmidt,<br />

segundo rei do café e Geremia Lunar<strong>de</strong>lli, terceiro<br />

rei do café.


De casa <strong>de</strong> família do interior<br />

a santuário <strong>de</strong> afrescos<br />

Nascido no dia trinta <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> mil<br />

novecentos e três, em Brodowski, no interior paulista,<br />

foi responsável pela difusão da cultura brasileira<br />

pelo mundo no século XX. Filho <strong>de</strong> imigrantes<br />

italianos, Cândido Portinari teve uma infância pobre<br />

em uma fazenda <strong>de</strong> café, on<strong>de</strong> seus pais trabalhavam<br />

na colheita - o que contrasta com sua vida<br />

adulta, on<strong>de</strong> expunha suas obras sobre infância,<br />

mazelas e questões sociais brasileiras em salões<br />

<strong>de</strong> todo o globo.<br />

Com paixão pela arte <strong>de</strong>scoberta ainda na<br />

infância, Portinari não completou sequer o ensino<br />

primário, e aos 14 anos foi recrutado por pintores<br />

e escultores italianos que trabalhavam na restauração<br />

da igreja <strong>de</strong> sua cida<strong>de</strong>. Após isso, mudou-se<br />

para o Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> aprofundou seus estudos<br />

na área. Deu volta ao mundo, expondo suas<br />

mais <strong>de</strong> cinco mil obras, entre pinturas em tamanhos<br />

padrão - como o Lavrador <strong>de</strong> Café - a painéis<br />

gigantescos, como Guerra e Paz, exposto na se<strong>de</strong><br />

da ONU.<br />

Ironicamente, a tinta que traçou seu caminho<br />

foi a mesma que nele pos fiz. Portinari faleceu<br />

no dia seis <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> mil novecentos e sessenta<br />

e dois, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, intoxicado pelos<br />

colorantes por ele utilizados. Sua memória, porém,<br />

segue timbrada em diversas partes do mundo,<br />

como na biblioteca do Congresso, em Washington,<br />

e na Capela da Pampulha, em Belo Horizonte.<br />

Porém, é na casa em que cresceu, em Brodowski,<br />

on<strong>de</strong> suas mais profundas lembranças permanecem.<br />

Localizado na praça que carrega seu<br />

nome, número 298, no centro da cida<strong>de</strong>, o museu<br />

Casa <strong>de</strong> Portinari abriga <strong>de</strong>s<strong>de</strong> objetos <strong>de</strong> uso pessoal<br />

do artista a pinturas murais, feitas por Candido<br />

e amigos. O local conta com recursos tecnológicos<br />

como maquete <strong>de</strong> projeção das reformas do imóvel,<br />

uma foto que conta a história da família, linha<br />

do tempo completa sobre o artista em três idiomas<br />

e jogo da memória interativo. Os jardins da casa<br />

também fazem parte da visita.<br />

Todas as lembranças ali abrigadas são<br />

preservadas por contrato entre a Secretaria do Estado<br />

<strong>de</strong> São Paulo com Organização Social <strong>de</strong> Cultura<br />

ACAM Portinari (Associação Cultural <strong>de</strong> Apoio<br />

ao Museu Casa <strong>de</strong> Portinari), que criada em 1996,<br />

tem como missão gerir as unida<strong>de</strong>s museológicas<br />

por meio <strong>de</strong> pesquisas, conservação e difusão dos<br />

acervos, com responsabilida<strong>de</strong> sócioambiental,<br />

contribuindo para o <strong>de</strong>senvolvimento humano e<br />

comprometendo-se com a justiça social, a <strong>de</strong>mocracia<br />

e a cidadania. A instituição também capta<br />

verbas por meio <strong>de</strong> leis <strong>de</strong> incentivos, através da<br />

venda <strong>de</strong> produtos nas lojas físicas e online, por<br />

meio do programa <strong>de</strong> parceiros e com o ingresso<br />

voluntário.<br />

Segundo Juliana Dias, assessora do museu,<br />

O legado artístico e intelectual <strong>de</strong> Candido<br />

Portinari é um dos maiores patrimônios culturais<br />

do Brasil. “A atual exposição <strong>de</strong> longa duração da<br />

instituição “Narrativas <strong>de</strong> uma vida: um pintor, um<br />

tempo, um lugar...” explica a ligação do artista com<br />

suas origens, a terra natal era sua inspiração e o<br />

seu povo e suas memórias eram por ele frequentemente<br />

retratados em suas telas. O Museu ainda<br />

trabalha com três outras memória locais importantes:<br />

a ferroviária, a cafeeira e a da imigração - principalmente<br />

italiana.”<br />

Segundo ela, manter o museu é um trabalho<br />

complexo e permanente. É preciso pensar<br />

o Museu como um todo. O trabalho realizado<br />

pela instituição é feito por meio <strong>de</strong> programas que<br />

comtemplam os cuidados e a zeladoria da edificação,<br />

a conservação preventiva <strong>de</strong> acervo, a<br />

comunicação do acervo, o trabalho educativo, a<br />

sustentabilida<strong>de</strong> - tanto institucional, quanto ambiental<br />

-, pesquisa, novas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> captação<br />

e <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> público e <strong>de</strong> comunicação<br />

com essas pessoas, É um trabalho complexo<br />

e permanente.” finaliza.<br />

Fotos: Divulgação


Referência <strong>de</strong> memória e preservação?<br />

O Brasil tem!<br />

A <strong>ComTempo</strong> chegou ao Amapá, e posteriormente,<br />

ao Museu Sacaca, espaço que, apesar <strong>de</strong><br />

contar e guardar a memória <strong>de</strong> um Estado, po<strong>de</strong><br />

ser referência em segurança, organização e valorização<br />

da cultura. Em entrevista à reportagem,<br />

Paulo Anchieta, chefe <strong>de</strong> museologia do espaço,<br />

falou sobre a criação do museu e as medidas tomadas<br />

para que o acervo esteja sempre seguro e<br />

bem exposto aos visitantes.<br />

“O Museu Sacaca é, antes <strong>de</strong> tudo, um<br />

museu sobre a história do Amapá, que mesmo<br />

não tendo data específica <strong>de</strong> criação, sua origem<br />

está relacionada à evolução <strong>de</strong> dois outros museus<br />

amapaenses: o Museu Histórico e Científico<br />

Joaquim Caetano da Silva e o Museu <strong>de</strong> História<br />

Natural Ângelo Moreira da Costa Lima. Em 1980,<br />

ambos foram unificados e, tempos <strong>de</strong>pois, com a<br />

criação do IEPA (Instituto <strong>de</strong> Pesquisas Científicas<br />

e Tecnológicas do Estado do Amapá), tiveram seu<br />

corpo-técnico e acervos ampliados, recebendo pequena<br />

exposição permanente montada. Em 1999<br />

foi acrescentado ‘Sacaca’ ao nome do Museu, passando<br />

então a chamar-se Museu Sacaca do Desenvolvimento<br />

Sustentável”, conta o museólogo.<br />

Sacaca, que no regionalismo amazônico<br />

significa ação ou prática <strong>de</strong> bruxo, foi como ficou<br />

conhecido Raimundo dos Santos Souza (1926-<br />

1999), que se tornou ícone da história amapaense<br />

por conta do seu conhecimento em relação às<br />

ervas, à mata e às plantas medicinais. Sabedoria<br />

essa que adquiriu ainda na infância, quando teve<br />

contato, e passou a trabalhar como auxiliar <strong>de</strong> pesquisadores<br />

estrangeiros na época em que o Amapá<br />

ainda pertencia ao estado do Pará.<br />

De acordo com Anchieta, o Museu é composto<br />

por várias ambientações, como a Casa da<br />

Parteira; Casa do Castanheiro; Casa do Ribeirinho;<br />

Totem das Etnias; Maloca Multiuso (espaço<br />

<strong>de</strong>stinado a ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> contos literários <strong>de</strong> histórias,<br />

poesia, teatro); Casa <strong>de</strong> Vidro; Memorial do<br />

Sacaca; Praça do Sacaca; Regatão (barco <strong>de</strong> comércio<br />

que levava mercadorias básicas e recados<br />

até as comunida<strong>de</strong>s mais distantes); Praça das<br />

Etnias; Casa da Exposição Permanente e o Sítio<br />

Arqueológico.<br />

Manutenção e preservação<br />

O Museu, segundo Achieta, é fechado “todas<br />

as segundas-feiras para manutenção <strong>de</strong> toda<br />

a área, tanto da parte predial, quanto do Museu<br />

a Céu Aberto. A equipe <strong>de</strong> conservação e manutenção<br />

do museu trabalha o dia todo verificando,<br />

tanto a limpeza do terreno, quanto a parte elétrica<br />

e hidráulica”, explica o museólogo, que continua,<br />

“Além da manutenção semanal, o museu também<br />

passou por revitalização no início <strong>de</strong> <strong>2018</strong>, on<strong>de</strong><br />

Foto: Museu Sacaca<br />

alguns espaços foram reformados e construídos,<br />

como: Memorial do Sacaca, Bosque do Açaí, Orquidário,<br />

Casa das Parteiras, Museu Escola, Regatão,<br />

passarelas e pontes suspensas. O projeto<br />

<strong>de</strong> revitalização ocorreu com intuito <strong>de</strong> proporcionar<br />

melhor conforto aos visitantes”.<br />

Há gran<strong>de</strong> representação da cultura amazônica<br />

no museu, algo <strong>de</strong> extrema importância<br />

para o Amapá, pois as pessoas começam a conhecer<br />

o que realmente tem no Estado. Quem visita<br />

o museu, tem conhecimento ímpar em relação à<br />

cultura e história amapaense.<br />

Apoio à educação<br />

O Museu Sacaca traz ainda, espaço<br />

educacional, com proposta <strong>de</strong> unir os alunos e o<br />

museu. As ações são operacionalizadas a partir<br />

da iniciativa e da participação dos diversos segmentos<br />

envolvidos, em um processo constante <strong>de</strong><br />

construção e reconstrução. Portanto, o referencial<br />

teórico-metodológico apresentado é o ponto <strong>de</strong><br />

partida, a base necessária à produção do conhecimento,<br />

que é enriquecido no processo. O espaço<br />

apresenta o Planetário Móvel Mayawaka, projeto<br />

itinerante que propõe o trabalho dos alunos com<br />

astronomia, por meio <strong>de</strong> simulações relacionadas<br />

ao céu noturno. É possível mostrar aos alunos o<br />

céu em qualquer época (passado, presente e futuro),<br />

além <strong>de</strong> representar as fases da lua e eclipses,<br />

assim como fenômenos que acontecem ou po<strong>de</strong>m<br />

acontecer.<br />

O Planetário tem dimensões <strong>de</strong> 6m <strong>de</strong> diâmetro<br />

na base e cerca <strong>de</strong> 4,5m e altura, com capacida<strong>de</strong><br />

para 30 pessoas por sessão, que duram<br />

aproximadamente meia hora.<br />

Ainda <strong>de</strong> acordo com o museu, a área<br />

educacional tem o Bloco Pedagógico, construído<br />

com sala <strong>de</strong> monitoria, vestiário, mini auditório, e<br />

<strong>de</strong>pósito, além <strong>de</strong> banheiros femininos e masculinos.<br />

Vale ressaltar que todo o espaço são estruturados<br />

com a<strong>de</strong>quações para acessibilida<strong>de</strong> e<br />

inclusão social.<br />

As ações educativas são coor<strong>de</strong>nadas<br />

pelo setor <strong>de</strong> Ação Cultural e Educativa do Museu<br />

Sacaca em parceria com pesquisadores(as) do<br />

IEPA <strong>de</strong> diversas áreas, escolas e organizações<br />

comunitárias com a proposta <strong>de</strong> fomentar a pesquisa<br />

e o estudo em torno do patrimônio cultural<br />

e do museu enquanto instrumento pedagógico,<br />

através do acesso ao conhecimento científico e<br />

tecnológico e da valorização e preservação do<br />

patrimônio cultural e da cultura amazônica.


A preservação é seu <strong>de</strong>ver<br />

Sem história, somos um amontoado<br />

<strong>de</strong> matéria biológica vagando pela terra<br />

sem propósitos. É preciso preservar, cuidar<br />

e, principalmente, dar valor. É preciso saber<br />

que seus atos hoje, serão sua história amanhã,<br />

que sua formação é possível hoje, porque<br />

alguém lutou ontem e, enten<strong>de</strong>r que se<br />

hoje somos capazes <strong>de</strong> pensar e refl etir, é<br />

porque alguém historiou e tornou esse fato<br />

possível.


FEMINICÍDIO<br />

a ponta do iceberg<br />

GABRIELA BRACK E KIMBERLY SOUZA<br />

Estudos <strong>de</strong> gênero, violência e o crime <strong>de</strong><br />

ódio que começa a ganhar visibilida<strong>de</strong>.<br />

Uma mulher é vítima <strong>de</strong> estupro a cada<br />

9 minutos. Três mulheres são vítimas<br />

<strong>de</strong> feminicídio a cada um dia. Uma<br />

pessoa trans ou gênero-diversas é assassinada<br />

a cada dois dias. Uma mulher registra<br />

agressão sob a Lei Maria da Penha a cada 2<br />

minutos. Os dados trazidos pela <strong>ComTempo</strong><br />

foram retirados <strong>de</strong> dossiês da Agência Patrícia<br />

Galvão, que produz e divulga notícias,<br />

dados e conteúdos multimídia sobre os direitos<br />

das mulheres brasileiras.<br />

Partindo <strong>de</strong> alguns dados que já traçam<br />

panorama da intrínseca cultura machista<br />

e misógina <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong>, trazemos<br />

dados, estudos, análises e até casos do que<br />

po<strong>de</strong> ser chamada a “ponta do iceberg”, o<br />

feminicídio, crime <strong>de</strong> ódio por motivação <strong>de</strong><br />

gênero cuja lei (<strong>nº</strong> 13.104), que o configura<br />

como hediondo, foi sancionada em 2015<br />

pela então presi<strong>de</strong>nte Dilma Rousseff (PT).<br />

Até mesmo respeitando a or<strong>de</strong>m cronológica<br />

do <strong>de</strong>senvolvimento do tema, partimos<br />

<strong>de</strong> entrevista feita em setembro com a psicóloga<br />

Eliane Maio, que ministrou a palestra<br />

‘Gênero e Sexualida<strong>de</strong>’ em Bebedouro (SP).<br />

Formada há 34 anos na primeira turma da<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá (UEM),<br />

Maio também fez cinco especializações, todas<br />

ligadas a sexualida<strong>de</strong>, família ou escola.<br />

É da máxima <strong>de</strong> Sócrates, “só sei que sei<br />

muito pouco”, em suas palavras.


Foto: Arquivo Pessoal<br />

<strong>ComTempo</strong> – Fale um pouco sobre<br />

sua palestra.<br />

Eliane Maio – Trazer esta temática em tempos<br />

atuais, em que a gente anda apanhando<br />

muito, tem que ter vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> trazer um diálogo<br />

sobre o que é gênero e o que é sexualida<strong>de</strong>.<br />

Eu trabalho há anos com esse tema<br />

para dizer que as pessoas não nascem masculinas<br />

ou femininas. A gente apren<strong>de</strong> a ser.<br />

A gente nasce macho ou fêmea porque alguém<br />

<strong>de</strong>cidiu isso ao longo da história, mas<br />

esquecemos que as características culturais<br />

que nos atribuem das quais fazem com que<br />

a masculinida<strong>de</strong> prevaleça e a feminilida<strong>de</strong><br />

seja sempre submissa. Por que as mulheres<br />

sofrem tanto? Por que uma advogada, <strong>de</strong><br />

classe média, branca, foi jogada do prédio<br />

pelo marido? Por causa do machismo. Trabalho<br />

estas temáticas para que busquemos<br />

a igualda<strong>de</strong>, para que a gente compreenda<br />

as amarras do processo cultural, <strong>de</strong>struindo<br />

essas amarras e construindo as escolhas<br />

próprias, o que é mais difícil.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como é possível abordar<br />

gênero e sexualida<strong>de</strong> nas escolas?<br />

Eliane Maio – Em matéria <strong>de</strong> sexo, tem muita<br />

gente que engole hipocrisia e arrota moral<br />

e bons costumes. Na escola, na época <strong>de</strong><br />

festa junina formavam-se os casaizinhos héteros<br />

e, quando faltava, as meninas é que<br />

se vestiam <strong>de</strong> menino e não o contrário. No<br />

ensino médio, nas festas, as meninas levavam<br />

salgado ou doce e os meninos, a bebida.<br />

Isso tem explicação científica? Então, a<br />

escola é um lugar heterosexista e o que precisamos<br />

fazer é <strong>de</strong>sconstruir isso estudando<br />

muito. Como vamos tratar <strong>de</strong> violência sexual?<br />

Contando a história da Branca <strong>de</strong> Neve:<br />

Ela é expulsa <strong>de</strong> casa e vai morar com sete<br />

anões. Ninguém nunca imaginou que ela<br />

vive com sete pintos? Para ela viver naquela<br />

casa ela tinha que lavar, passar e cozinhar.<br />

Bela, recatada e do lar. Aí aparece uma bruxa<br />

– nós, mulheres feministas – com o símbolo<br />

do pecado, que é a maçã. Ela mor<strong>de</strong> e <strong>de</strong>smaia.<br />

No final da história, é a pior das violências.<br />

Como que se chama o homem? Príncipe.<br />

Um homem sem nome, que a Branca <strong>de</strong><br />

Neve nunca viu, e dá um beijo enquanto ela<br />

está <strong>de</strong>smaiada. Isso não po<strong>de</strong>. Então, po<strong>de</strong>mos<br />

contar para as crianças essa história<br />

e abordar vários diálogos, como ensinar a<br />

criança a não <strong>de</strong>ixar ninguém encostar em<br />

seu corpo sem permissão.<br />

Isso é <strong>de</strong>sconstruir. E com igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero.<br />

Não precisamos e nem <strong>de</strong>vemos ensinar<br />

sexo nas escolas, mas <strong>de</strong>vemos trabalhar<br />

a igualda<strong>de</strong>. Qual o apelo científico<br />

para fazer fila <strong>de</strong> menina e <strong>de</strong> menino? Por<br />

que fazer dia dos pais ou das mães? A criança<br />

vai ter que entregar um presente pro pai<br />

que a estupra? Ou fazer um cartão para o<br />

pai que nunca viu? Há mais <strong>de</strong> 5 milhões<br />

<strong>de</strong> crianças sem pai no país. Temos que trabalhar<br />

aquilo que vai refletir no cotidiano da<br />

criança. A igualda<strong>de</strong>.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Pelos locais que passou,<br />

já escutou relatos <strong>de</strong> violência<br />

sexual contra a mulher?<br />

Eliane Maio – Com certeza nesta palestra<br />

<strong>de</strong> hoje, haverão mulheres que sofreram ou<br />

sofrem com violência. Não existe um lugar<br />

ainda que eu fui, que não me contam um<br />

caso <strong>de</strong> violência. Mais <strong>de</strong> 80% das violências<br />

contra mulher são por membros da família,<br />

96% dos que violentam são héteros,<br />

e ficam falando que eu quero transformar o<br />

mundo em gay. Agora eu quero.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Sobre feminicídio: estão<br />

acontecendo mais casos ou<br />

mais casos estão vindo à tona?<br />

Eliane Maio - Minha mãe comentou outro<br />

dia: “quantos casos!”. E eu disse: não, mãe.<br />

Existem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua época. A prima tal, a tia<br />

tal foram mortas pelo marido. Mas tudo era<br />

feito às escondidas. Sobre a advogada, muita<br />

gente criticou porque ela não fugiu, não<br />

colocou fim à relação. E eu digo que isso é<br />

inexplicável. É um envolvimento tão doentio,<br />

que é difícil sair. Teria que empo<strong>de</strong>rar essa<br />

mulher para ela conseguir sair. O feminicídio<br />

se dá pela cultura machista e sexista. Até a<br />

língua portuguesa é sexista. É tudo no masculino.<br />

Em minhas palestras, eu digo “Boa<br />

noite a todas!” e os poucos homens que estão<br />

presentes, reclamam.


Violência e morte <strong>de</strong><br />

mulheres em números<br />

O 12º Anuário Brasileiro <strong>de</strong> Segurança<br />

Pública, divulgado em agosto <strong>de</strong>ste ano, <strong>de</strong>ntre<br />

outros dados relacionados à violência, apresenta<br />

o <strong>de</strong> crimes cometidos contra mulheres,<br />

incluindo por motivação <strong>de</strong> gênero, sendo esta<br />

a primeira vez que o estudo inclui registros <strong>de</strong><br />

violência doméstica.<br />

De acordo com o Anuário, em 2017 foram registrados<br />

221.238 casos <strong>de</strong> violência doméstica,<br />

as lesões corporais dolosas enquadras na<br />

Lei Maria da Penha. O número, segundo o próprio<br />

levantamento, equivale 606 casos por dia.<br />

Os crimes <strong>de</strong> estupro, com base no<br />

estudo, tiveram alta <strong>de</strong> 8,4% em relação a<br />

2016. Somente no ano passado, 60.018 casos<br />

foram registrados em todo o país.<br />

Na “ponta do iceberg” dos crimes contra<br />

mulheres, as mortes somaram 4.539 casos<br />

registrados em 2017, representando crescimento<br />

<strong>de</strong> 6,1% se comparado ao ano retrasado.<br />

Deste número, 1.133 casos <strong>de</strong> morte <strong>de</strong><br />

mulheres foram registrados como feminicídio.<br />

As <strong>de</strong>mais, segundo os registros, são contabilizadas<br />

como homicídio.<br />

Vale ressaltar que mesmo se tratando<br />

<strong>de</strong> números nacionais, eles po<strong>de</strong>m ser maiores,<br />

já que Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os estados do<br />

Espírito Santo, Tocantins, Mato Grosso e Roraima<br />

não informaram dados ao anuário.<br />

Outros dados ainda po<strong>de</strong>m ser analisados,<br />

divulgados neste ano também através da<br />

Agência Patrícia Galvão. Segundo o Atlas<br />

da Violência <strong>2018</strong>, feito pelo Ipea (Instituto<br />

<strong>de</strong> Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo Fórum<br />

Brasileiro d Segurança Pública, a taxa<br />

<strong>de</strong> mortes violentas <strong>de</strong> mulheres é <strong>de</strong> 13 por<br />

dia, em 2016, num cenário em que 4.645 mulheres<br />

foram assassinadas no país. O número<br />

presenta taxa <strong>de</strong> 4,5 mil homicídios para<br />

cada 100 mil brasileiras, aumento <strong>de</strong> 6,4% no<br />

período <strong>de</strong> 10 anos.<br />

De acordo com o Atlas da Violência<br />

do IPEA (Instituto <strong>de</strong> Pesquisa Aplicada) entre<br />

2006 e 2016 a taxa <strong>de</strong> homicídio contra<br />

mulheres negras aumentou 15,4% enquanto<br />

<strong>de</strong> mulheres não-negras houve queda <strong>de</strong> 8%.<br />

No período <strong>de</strong> 2016 a 2017 houve aumento<br />

<strong>de</strong> 30% nos assassinatos contra pessoas<br />

lgbtq+. Das 445 mortes, 191 eram trans, 43<br />

eram lésbicas e cinco eram bissexuais.<br />

Os estudos ainda não fazem distinção<br />

quanto raça e orientação sexual das vítimas,<br />

mas, levando em consi<strong>de</strong>ração que a maioria<br />

das vítimas <strong>de</strong> homicídios no Brasil são<br />

não-brancos e lgbtq+, não fica difícil concluir<br />

que mulheres negras, pardas e indígenas; e<br />

mulheres trans, são as que mais morrem por<br />

feminicídio.<br />

4.539<br />

+6,1%<br />

MORTES DE MULHERES EM 2017<br />

EM RELAÇÃO A 2015<br />

1.133<br />

REGISTRADOS COMO<br />

FEMINICÍDIO


LEI<br />

Cárcere privado, cinco dias <strong>de</strong> negociação,<br />

gran<strong>de</strong> repercussão nacional e internacional<br />

e exploração midiática. Assim po<strong>de</strong><br />

ser <strong>de</strong>finido um dos casos mais emblemáticos<br />

<strong>de</strong> repercussão nacional e internacional:<br />

o ‘Caso Eloá’, da então adolescente <strong>de</strong><br />

15 anos Eloá Pimentel, assassinada pelo exnamorado<br />

Lin<strong>de</strong>mberg Alves.<br />

O caso, por motivação <strong>de</strong> gênero e<br />

que po<strong>de</strong>ria ser configurado como feminicídio,<br />

completou uma década em outubro <strong>de</strong>ste<br />

ano, mas anos antes, já era <strong>de</strong>finido como<br />

base para o projeto que resultou no Trabalho<br />

<strong>de</strong> Conclusão <strong>de</strong> Curso (TCC) ‘O Feminicídio<br />

no Brasil e as Consequências da Cultura Machista’,<br />

da estudante do 5º ano <strong>de</strong> Direito no<br />

Imesb, em Bebedouro, Graziela Rodrigues,<br />

24.<br />

“Antes mesmo entrar na faculda<strong>de</strong>, o<br />

tema violência contra a mulher mexia muito<br />

comigo. E o caso <strong>de</strong> Eloá, especificamente,<br />

sempre pensei em trazer como tema para minha<br />

conclusão do curso, como uma forma <strong>de</strong><br />

homenageá-la e homenagear tantas outras<br />

meninas e mulheres que foram vítimas <strong>de</strong> crimes<br />

como esse”, diz Graziela, que também<br />

tinha 15 anos quando Eloá foi assassinada,<br />

lembrando-se da repercussão do caso. “A mídia<br />

ganhou muito sobre o caso <strong>de</strong> Eloá. Todos<br />

sabiam no que po<strong>de</strong>ria resultar, mas ninguém<br />

se importava, pois era a vida <strong>de</strong> uma menina<br />

que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> morta, virou santa. Mas Eloá<br />

não queria ser santa, ela queria viver”, enfatiza<br />

a estudante.<br />

“A Lei do Feminicídio é necessária,<br />

principalmente pela socieda<strong>de</strong> machista que<br />

vivemos, que nos mata por sermos mulheres<br />

a cada dia mais, e agora tem sido mais<br />

pautado na mídia, o que não ocorria até ano<br />

passado”, fazendo referência a casos como o<br />

da advogada Tatiana Spitzner, assassinada e<br />

jogada da sacada <strong>de</strong> seu prédio, pelo esposo<br />

Luís Felipe Mainvailer. O crime aconteceu<br />

em julho <strong>de</strong>ste ano, em Guarapuava (PR), e<br />

levantou muitas discussões sobre feminicídio<br />

no Brasil.<br />

A estudante analisa que mesmo com<br />

a Lei sancionada, juízes <strong>de</strong> muitas comarcas<br />

DO<br />

insistiam em não consi<strong>de</strong>rar assassinatos<br />

<strong>de</strong> mulheres por motivação <strong>de</strong> gênero como<br />

feminicídio. “A mídia começou a dar muita<br />

visibilida<strong>de</strong> a casos <strong>de</strong> feminicídio, principalmente<br />

após a morte da advogada”, explica<br />

Rodrigues.<br />

“Até alguns anos, mortes <strong>de</strong> mulheres<br />

eram tidas como ‘crime <strong>de</strong> paixão’ ou ‘crime<br />

passional’, e muitos homens foram absolvidos<br />

<strong>de</strong>sta forma. Um caso muito famoso é <strong>de</strong><br />

Doca Street (Raul Fernando do Amaral Street),<br />

que assassinou a socialite Ângela Maria<br />

Fernan<strong>de</strong>s Diniz. Eles tinham um casamento<br />

aberto, mas ele tinham muito ciúme, a matou<br />

e ainda colocou toda a culpa nela e está livre<br />

e solto até hoje.<br />

A estudante ainda analisa a relação<br />

direta entre casos <strong>de</strong> feminicídio e históricos<br />

<strong>de</strong> relacionamentos abusivos, ou seja,<br />

quando o companheiro da vítima já dava sinais,<br />

até mesmo “sutis”, <strong>de</strong> violência: “Muitas<br />

vezes a mulher não consegue sair daquele<br />

relacionamento, por conta dos filhos,<br />

por <strong>de</strong>pendência emocional, financeira... E o<br />

feminicídio é realmente a ponta do iceberg,<br />

porque uma pessoa que começa gritando<br />

com uma mulher também po<strong>de</strong> ser capaz <strong>de</strong><br />

esfaqueá-la”<br />

FE<br />

MI<br />

NI<br />

CÍ<br />

DIO


EDUCAÇÃO<br />

EDUCAÇÃO<br />

TUDO<br />

COMEÇA<br />

A <strong>ComTempo</strong><br />

entrevistou duas<br />

psicopedagogas<br />

que analisaram o<br />

cenário educacional<br />

infantil atual e<br />

opinaram sobre o<br />

que ainda po<strong>de</strong> ser ser<br />

feito para o Brasil Brasil<br />

torna-se referência<br />

referência<br />

em<br />

em<br />

educação.<br />

educação.<br />

12 13<br />

12 13<br />

PELA<br />

EDUCAÇÃO<br />

INFANTIL<br />

MARCOS PITTA<br />

MARCOS PITTA


O<br />

número <strong>de</strong>veria ser zero. Mas, 65,9%<br />

das crianças <strong>de</strong> 0 a 3 anos estão sem<br />

matrículas na escolas e creches. O<br />

Anuário Brasileiro <strong>de</strong> Educação <strong>2018</strong>,<br />

que tem como referência dados <strong>de</strong> 2015 e 2016,<br />

revela que apenas 34,1% das crianças <strong>de</strong>sta faixa<br />

etária estão regularmente matriculadas nas<br />

escolas <strong>de</strong> todo o Brasil.<br />

A meta do Plano Nacional <strong>de</strong> Educação<br />

era atingir, pelo menos, 50% das crianças, mas<br />

esta realida<strong>de</strong> está distante. Observa-se no levantamento<br />

que em 17 anos a taxa <strong>de</strong> alunos<br />

frequentando a escola melhorou 142%, já que<br />

em 2001, o número <strong>de</strong> alunos nas unida<strong>de</strong>s educacionais<br />

era <strong>de</strong> 13,8%.<br />

Quando refere-se a Pré-escola, com<br />

crianças <strong>de</strong> 4 e 5 anos, o Anuário mostra resultados<br />

mais positivos. São 93% das crianças <strong>de</strong>sta<br />

faixa etária com acesso à educação. A a<strong>de</strong>são<br />

também aumentou, tendo em vista que em 2001,<br />

66,4% <strong>de</strong>stes estudantes estavam <strong>de</strong>ntro das<br />

salas <strong>de</strong> aula.<br />

No entanto, dar educação às crianças é<br />

um <strong>de</strong>safio aos municípios brasileiros. O estudo<br />

revela também, a taxa <strong>de</strong> crianças que estão nas<br />

escolas por cada região do país.<br />

Entre crianças <strong>de</strong> 0 a 3 anos, a região<br />

Sul é a que mais aten<strong>de</strong>, são 40,9% <strong>de</strong>ste público<br />

<strong>de</strong>ntro das escolas. Em segundo lugar está<br />

o Su<strong>de</strong>ste com 40,4%. Em terceiro, o Nor<strong>de</strong>ste<br />

com 30,6%. O Centro Oeste vem em seguida,<br />

trazendo <strong>de</strong>ntro das escolas 26,9% das crianças<br />

<strong>de</strong>sta faixa etária. Por último, a região Norte é a<br />

que menos oferece possibilida<strong>de</strong>s para crianças<br />

na educação infantil, são apenas 18,3% que estão<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> escolar.<br />

Apesar das regiões terem quantida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> populações diferentes, observa-se que nenhuma,<br />

em sua proporção, consegue dar educação<br />

a pelo menos meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas crianças.<br />

Já quando os números rementem-se<br />

aos alunos <strong>de</strong> 4 e 5 anos, os dados por regiões<br />

são mais satisfatórios, assim como o acumulado<br />

<strong>de</strong> todo o país já citado anteriormente. Nesta<br />

faixa etária, o último lugar continua com a região<br />

Norte, que oferece educação infantil a 86,9% das<br />

crianças. O Centro Oeste também permanece<br />

como penúltimo, totalizando 88,6%. O terceiro<br />

lugar nesta faixa etária está com o Sul (90,4%),<br />

sendo antecedido pelo Su<strong>de</strong>ste com 94,5% e, o<br />

primeiro lugar, está com o Nor<strong>de</strong>ste, que coloca<br />

<strong>de</strong>ntro da pré-escola, 95,6% das crianças <strong>de</strong>sta<br />

região.<br />

Ainda assim, é possível analisar que<br />

muitas crianças continuam fora das escolas.<br />

Resultado disso é refletido quando os dados<br />

mostram a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> matrículas no ensino<br />

fundamental e médio.<br />

O Anuário revela que em 2017, 75,9%<br />

dos jovens <strong>de</strong> 16 anos concluíram o ensino fundamental.<br />

Já no ensino médio, quando a ida<strong>de</strong><br />

está entre 15 e 17 anos, 67,5% estão <strong>de</strong>ntro das<br />

escolas. No entanto, o quadro é grave. Os indicadores<br />

revelam que 2 milhões <strong>de</strong> jovens entre 15<br />

e 17 anos ainda nem começaram a cursar o ensino<br />

fundamental e outros 903,1 mil não estudam<br />

e não concluíram o ensino médio.<br />

Apesar dos números não serem os esperados<br />

para um país <strong>de</strong> primeiro mundo, notase<br />

que ano após ano, a taxa <strong>de</strong> matrícula nas escolas,<br />

em todas as faixa etárias vêm subindo. No<br />

entanto, não há motivos para comemorar, tendo<br />

em vista os déficits apresentados.<br />

Por isso, a <strong>ComTempo</strong> entrevistou duas<br />

especialistas em educação infantil. Ana Paula<br />

Salazar, psicopedagoga, professora <strong>de</strong> educação<br />

infantil e <strong>de</strong> Sala <strong>de</strong> Recursos (Deficiência Intelectual),<br />

na Secretaria da Educação do Estado<br />

<strong>de</strong> São Paulo e que atualmente aten<strong>de</strong> crianças,<br />

jovens e adultos com dificulda<strong>de</strong>s escolares em<br />

Jaboticabal-SP. E Mariana Galves, psicopedagoga<br />

clínica, alfabetizadora <strong>de</strong> turma do 1º ano do<br />

ensino fundamental e tutora em graduação <strong>de</strong><br />

Pedagogia, além <strong>de</strong> realizar atendimentos psicopedagógicos<br />

clínicos em Ribeirão Preto.<br />

Durante a entrevista, as duas profissionais<br />

opinaram sobre o atual cenário educacional<br />

do Brasil, analisaram a importância da participação<br />

da família na vida escolar das crianças, além<br />

<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>rem questões que envolvem, <strong>de</strong> certa<br />

forma, as discussões sobre escola x opinião<br />

e os malefícios da aproximação, cada vez mais<br />

constante das crianças, com a tecnologia.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual o principal <strong>de</strong>safio da educação infantil pública e privada no Brasil?<br />

Ana Paula: Com o trabalho que <strong>de</strong>senvolvo, vejo que a educação Infantil, tanto no setor público, quanto<br />

no privado, enfrenta <strong>de</strong>safios. O que preocupa, é o fato da re<strong>de</strong> pública não ter estrutura necessária para<br />

esta importante etapa da criança. Já na privada, percebo muitos pais, que por pagarem, terceirizam a<br />

educação que <strong>de</strong>veria acontecer em casa à instituição. Há também o <strong>de</strong>spreparo profissional, mas na<br />

particular tal fato é “mascarado”, o que fica mais explícito na re<strong>de</strong> pública.<br />

Mariana: Existem dois momentos na educação infantil: Creche (0 a 3 anos) e Pré-escola (4 e 5 anos),<br />

sendo a última, etapa obrigatória.<br />

Infelizmente, o acesso à re<strong>de</strong> pública é um gran<strong>de</strong> problema no país. Um ponto importante, é<br />

a questão da infraestrutura, nessa fase, as crianças precisam <strong>de</strong> espaço para explorar e <strong>de</strong>scobrir o<br />

mundo através dos sentidos, sendo assim, é <strong>de</strong>sejável que o espaço físico da escola conte com parques<br />

<strong>de</strong> areia, brinquedos, laboratórios, quadras esportivas, salas <strong>de</strong> arte, bibliotecas, entre outros. Materiais<br />

diversificados como: brinquedos apropriados para a faixa etária, materiais artísticos, livros paradidáticos,<br />

materiais pedagógicos, também são essenciais para o ambiente escolar. Além disso, a valorização dos<br />

profissionais da educação, bem como o investimento na formação continuada, são pontos extremamente<br />

relevantes na garantia <strong>de</strong> uma educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>.<br />

Tanto na escola pública, como na privada, há <strong>de</strong>safio latente em compreen<strong>de</strong>r as características<br />

e peculiarida<strong>de</strong>s do aluno da Educação Infantil. Este <strong>de</strong>ve ser visto como um ser humano completo e<br />

complexo e não apenas como um adulto em miniatura. É indispensável o entendimento <strong>de</strong> que a infância<br />

é uma fase primordial no <strong>de</strong>senvolvimento do sujeito e como tal merece uma atenção especial.<br />

<strong>ComTempo</strong>: A educação é o principal meio para formar um cidadão. Como implantar<br />

uma educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> logo no ensino primário? Qual <strong>de</strong>ve ser a priorida<strong>de</strong><br />

das escolas?<br />

Ana Paula: O papel da escola é transmitir e socializar conhecimentos que <strong>de</strong>verão influenciar principalmente<br />

na formação intelectual da criança. Porém, atualmente, não é o que acontece <strong>de</strong>vido à gestão<br />

governamental que não incentiva o ensino <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> nas escolas, já que muitas são assistencialistas.<br />

Vale ressaltar que a função <strong>de</strong> formar cidadão não se <strong>de</strong>lega somente à escola e sim à família, responsável<br />

por educar e transmitir valores éticos e morais para se viver em socieda<strong>de</strong>. Hoje, acredito que a<br />

priorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser o <strong>de</strong>senvolvimento a<strong>de</strong>quado <strong>de</strong> cada criança, <strong>de</strong> acordo com sua faixa etária.<br />

Mariana: É importante a existência <strong>de</strong> Políticas Públicas <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> que promovam o <strong>de</strong>bate nas<br />

mais diversas esferas educacionais, proporcionando uma unida<strong>de</strong> entre Educação Infantil, Ensino Fundamental<br />

e Ensino Médio. Para que isso ocorra, é preciso ter políticos responsáveis e engajados pela<br />

causa da Educação. A qualificação <strong>de</strong> gestores e professores também é fator relevante nesse processo<br />

<strong>de</strong> melhoria da qualida<strong>de</strong> do ensino. Dessa forma, com as <strong>de</strong>vidas mudanças e parcerias estabelecidas<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o âmbito político até o âmbito educacional, é possível obter avanços nos níveis <strong>de</strong> ensino e apren-


dizagem.<br />

A priorida<strong>de</strong> da escola <strong>de</strong>ve ser o pleno <strong>de</strong>senvolvimento do aluno. Nesse<br />

sentido, faz-se necessário uma educação personalizada, olhar individualizado<br />

para cada discente. Enten<strong>de</strong>r as habilida<strong>de</strong>s e as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

cada estudante, envolver a família no processo <strong>de</strong> ensino e aprendizagem,<br />

convidar a comunida<strong>de</strong> para participar do convívio escolar, atribuir sentido<br />

e relevância social aos conteúdos abordados, são ações que po<strong>de</strong>m fazer<br />

a diferença na formação <strong>de</strong> cidadãos.<br />

<strong>ComTempo</strong>: O que <strong>de</strong>ve ser priorizado num curso <strong>de</strong> pedagogia?<br />

Como as pessoas <strong>de</strong>vem ser preparadas para formar<br />

os futuros cidadãos?<br />

Mariana: A articulação entre a teoria e a prática é um <strong>de</strong>safio nos cursos<br />

<strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores. Abordar a teoria <strong>de</strong> forma reflexiva é essencial<br />

para uma atuação prática assertiva. Como disse Paulo Freire: “A prática <strong>de</strong><br />

pensar a prática é a melhor maneira <strong>de</strong> pensar certo.” Os cursos <strong>de</strong> Pedagogia<br />

e as licenciaturas como um todo <strong>de</strong>vem instrumentalizar os futuros<br />

profissionais para as <strong>de</strong>mandas das escolas do século XXI. Ser professor<br />

hoje já não é mais como há 30 anos, enquanto o sistema educacional não<br />

fizer essa leitura, a relação entre professor e aluno ficará cada vez mais<br />

difícil.<br />

<strong>ComTempo</strong>: O que as escolas com maior vulnerabilida<strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>m fazer para oferecer educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> às crianças?<br />

Ana Paula: É difícil respon<strong>de</strong>r no geral porque cada escola tem uma necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> acordo com a <strong>de</strong>manda da comunida<strong>de</strong>. Penso que é preciso<br />

existir uma participação ativa da família junto à equipe escolar para que<br />

seja pensada a real necessida<strong>de</strong> pela qual aquela criança está indo para a<br />

escola. Todos vão à escola para apren<strong>de</strong>r a ler e escrever, mas atualmente<br />

muitas crianças vão porque as pessoas <strong>de</strong> casa precisa trabalhar, muitos<br />

pais ou responsáveis não enten<strong>de</strong>m a real importância da escola no sentido<br />

<strong>de</strong> educar para a vida, então formam um conceito errôneo sobre a escola.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual a importância da aproximação dos pais com<br />

a escola <strong>de</strong> seus filhos? O que po<strong>de</strong> ser feito para realizar este<br />

elo entre família e escola?<br />

Ana Paula: É fundamental não só a aproximação, como a presença e participação<br />

dos pais. A escola tem um papel e a família tem outro, porém ambas<br />

<strong>de</strong>vem dialogar para o bem estar da criança.<br />

Mariana: Quando a família e a escola falam a mesma língua, o aluno sente-se<br />

seguro e reconhece mais facilmente a importância <strong>de</strong>ssas duas instituições.<br />

Claro que existem assuntos que são prioritariamente <strong>de</strong>cididos e abordados<br />

pela família e práticas que a escola tem maior responsabilida<strong>de</strong>. Todavia, a participação<br />

efetiva dos pais na escola é uma bela receita <strong>de</strong> sucesso.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Sobre a importância do brincar, como esta ação<br />

pedagógica <strong>de</strong>ve ser inserida nas escolas? Qual é, <strong>de</strong> fato, a<br />

importância do brincar?<br />

Ana Paula: O brincar é fundamental em todas as fases da infância, especialmente<br />

na educação infantil. Winnicott foi um psicanalista prático, que através<br />

da observação clínica que realizava com as crianças afirmou: “é no brincar,<br />

e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, po<strong>de</strong> ser criativo e<br />

utilizar sua personalida<strong>de</strong> integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo<br />

<strong>de</strong>scobre o EU (self)”.<br />

Mariana: O brincar é a maneira mais efetiva <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver os aspectos sociais,<br />

emocionais e cognitivos da criança. Cooperação, experimentação, competências<br />

motoras, relações humanas, autonomia, organização, <strong>de</strong>senvolvimento<br />

da linguagem, são alguns dos aspectos que são trabalhados através da<br />

brinca<strong>de</strong>ira. Com as crianças pequenas, <strong>de</strong> até 5 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, a brinca<strong>de</strong>ira<br />

<strong>de</strong>ve ser o carro chefe do processo <strong>de</strong> aprendizagem, brinca<strong>de</strong>iras livres e dirigidas<br />

são essenciais para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> competências básicas para o<br />

pleno <strong>de</strong>senvolvimento do sujeito.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Acredita que seja função da escola estimular o<br />

senso crítico, político e social dos alunos ou não?<br />

Ana Paula: Não exatamente. Acredito que a escola tem função <strong>de</strong> explanar<br />

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fatos e situações e instigar os alunos a ter criticida<strong>de</strong> e posicionamento, mas<br />

<strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ixá-lo livre <strong>de</strong> acordo com suas convicções e vivências, ou seja, cada<br />

um tem que ter o direito <strong>de</strong> pensar diferente do outro, mas também saber<br />

escutar, respeitar e sempre ter bom senso: “Aquilo que não me faz bem, não<br />

fará bem ao outro”.<br />

Mariana: Com toda certeza. A escola tem a importante tarefa <strong>de</strong> auxiliar no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento integral do sujeito. Formar cidadãos críticos, agentes e pensantes<br />

na socieda<strong>de</strong> é um dos principais objetivos da educação.<br />

<strong>ComTempo</strong>: É também papel da escola explicar aos alunos<br />

sobre a vida sexual? Qual sua opinião sobre a educação sexual<br />

ainda na infância?<br />

Ana Paula: Acredito que tudo tem o momento certo <strong>de</strong> acontecer. Como<br />

profissional com <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> experiência em sala <strong>de</strong> aula, muitas vezes foi<br />

preciso dar explicações simples aos pequenos por terem vivenciado abuso<br />

ou até mesmo presenciado outras situações familiares. Então, foi necessário<br />

conversar e encaminhar essas crianças a outros profissionais. Penso que a<br />

escola <strong>de</strong>ve ensinar o que faz parte <strong>de</strong> conteúdos relacionados à <strong>de</strong>terminada<br />

disciplina, e na adolescência, consi<strong>de</strong>ro fundamental que os jovens sejam<br />

orientados e escutados por profissionais por conta <strong>de</strong> muitas vezes os pais<br />

não saberem lidar com isso.<br />

Mariana: Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) trazem a Orientação<br />

Sexual como um dos temas transversais nos currículos. É inegável a<br />

mudança comportamental dos adolescentes nas últimas décadas e essas<br />

novas necessida<strong>de</strong>s refletem na sala <strong>de</strong> aula. Ignorar, reprimir ou tentar<br />

ocultar as manifestações sexuais dos alunos é um esforço inútil. Canalizar<br />

toda essa energia para produzir conhecimento, empatia e respeito é ótima<br />

solução. A sexualida<strong>de</strong> nas escolas, além <strong>de</strong> ser questão educacional, é<br />

também questão <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública. Conversar com as famílias sobre o assunto,<br />

trazer diferentes profissionais para a discussão da temática e respeitar<br />

a faixa etária das crianças po<strong>de</strong> ser um bom caminho para trabalhar essa<br />

questão tão necessária.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Com o avanço cada vez maior da internet e da<br />

tecnologia, é possível notar a aproximação das crianças em<br />

relação aos aparelhos tecnológicos, como celulares, tablet e<br />

até mesmo a televisão. Até que ponto é saudável esse contato<br />

com as novas mídias e quando começa a ser preocupante?<br />

Ana Paula: Sim, há uma aproximação maior, não só das crianças, mas dos<br />

adultos. É saudável quando o uso acontece <strong>de</strong> forma controlada e quando<br />

busca-se informações e conhecimentos em <strong>de</strong>terminado assunto. Começa a<br />

ser preocupante a partir do momento que não há controle dos pais em relação<br />

aos filhos e quando estes acabam utilizando como válvula <strong>de</strong> escape na educação<br />

das crianças, ou mesmo como recompensa. No entanto, a preocupação<br />

aumenta quando o adulto fica o tempo todo utilizando celular ou computador<br />

e esquece <strong>de</strong> estar presente na vida do filho, participando, conversando<br />

e interagindo. Tudo que acontece em excesso é ruim.<br />

Mariana: Muitas vezes, os conteúdos acessados na internet não são especificamente<br />

educativos, por isso, os responsáveis precisam utilizar bloqueadores<br />

e acompanhar frequentemente os sites que são visitados pelas<br />

crianças e adolescentes. Outro fator que merece atenção é o se<strong>de</strong>ntarismo:<br />

os jogos, ví<strong>de</strong>os e re<strong>de</strong>s sociais não po<strong>de</strong>m ocupar mais tempo do que as<br />

ativida<strong>de</strong>s físicas. A socialização e a interação real não po<strong>de</strong> ser substituída<br />

pela virtual, é <strong>de</strong> suma importância que o sujeito estabeleça relações e conviva<br />

com amigos e familiares.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Sobre educação, <strong>de</strong> modo geral, o Brasil está<br />

longe <strong>de</strong> ser referência nesta área? Se sim, o que falta para<br />

atingirmos ou nos aproximarmos <strong>de</strong>ste patamar?<br />

Ana Paula: Sim, está longe, porque há muitas questões envolvidas como: interesses<br />

políticos, econômicos, sociais. Há também certo comodismo por parte<br />

da população que não exige porque não tem competência intelectual para<br />

lutar por seus direitos e cumprir com seus <strong>de</strong>veres. Creio que para atingirmos<br />

um patamar satisfatório <strong>de</strong> educação é necessário que as Políticas Públicas<br />

sejam pensadas e aplicadas diante da situação real <strong>de</strong> nosso país, pois aqui o<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> educação é sempre copiado <strong>de</strong> países <strong>de</strong> fora. No entanto, o que<br />

funciona no exterior, não funciona aqui. Primeiramente, é preciso que nossos<br />

governantes preocupem-se com o bem estar geral da nação e não somente<br />

bem estar próprio. Há <strong>de</strong> se exigir responsabilida<strong>de</strong> familiar sobre crianças e<br />

não assistencialismo barato em troca <strong>de</strong> interesses próprios.<br />

Mariana: Infelizmente, a educação brasileira está longe <strong>de</strong> ser uma referência<br />

mundial. É difícil dizer quais são os passos que <strong>de</strong>vemos trilhar para chegar<br />

a uma educação <strong>de</strong> excelência. Gostaria <strong>de</strong> ter uma receita que nos fizesse<br />

atingir melhores resultados, no entanto, é uma situação complexa que envolve<br />

os mais diferentes fatores, afinal <strong>de</strong> contas, a escola é um espelho da<br />

socieda<strong>de</strong>, uma pequena amostra do que acontece para além dos muros.<br />

Na minha opinião, um bom começo seria maiores e melhores investimentos<br />

financeiros, além da valorização dos profissionais da educação.


UNIVERSIDADE<br />

Accueillant, Adorable, parfait: são as palavras<br />

escolhidas pelo intercambista francês,<br />

Quentin Lassaussois, estudante <strong>de</strong> Biotecnologia<br />

em Ribeirão Preto, para <strong>de</strong>fi nir sua nova<br />

casa. Porém, para gran<strong>de</strong> porcentagem <strong>de</strong><br />

jovens brasileiros, o país não agrada e ‘acolhedor,<br />

adorável e perfeito’, são termos que<br />

não o <strong>de</strong>fi nem.<br />

Ao mesmo tempo em que jovens brasileiros buscam<br />

<strong>de</strong>ixar o país, outros, <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 59 nacionalida<strong>de</strong>s,<br />

vêm ao Brasil em busca <strong>de</strong> educação.<br />

JOSÉ PIUTTI<br />

É o que aponta pesquisa realizada pelo Datafolha,<br />

em julho <strong>de</strong> <strong>2018</strong>. Segundo dados,<br />

62% dos jovens brasileiros, com ida<strong>de</strong> entre<br />

16 e 24 anos, querem <strong>de</strong>ixar o país. É como<br />

se, num piscar <strong>de</strong> olhos, 70 milhões <strong>de</strong> jovens<br />

<strong>de</strong>saparecessem. O <strong>de</strong>sejo, porém, não<br />

se limita a eles:entre os que têm <strong>de</strong> 25 a 34<br />

anos, meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstra a mesma tendência,<br />

índice que cai à medida em que o entrevistado<br />

envelhece, chegando aos 24% entre<br />

os <strong>de</strong> 60 anos ou mais.<br />

ROTA DE<br />

MÃO DUPLA


O estudante <strong>de</strong> química Fábio Ribeiro,<br />

22 anos, se enquadra no levantamento.<br />

Em seu último semestre na faculda<strong>de</strong>, já<br />

tem em mãos sua passagem para o Canadá.<br />

Ele acredita que o país possui melhores<br />

oportunida<strong>de</strong>s. “Países <strong>de</strong> primeiro mundo<br />

possuem mais opções para estudo, formação<br />

pessoal e profissional. Sempre quis ir<br />

para outro país e por isso, busquei fluência<br />

em outros idiomas, como o inglês.”<br />

Questionado sobre sua relação com<br />

o Brasil, Fábio relata <strong>de</strong>scontentamento.<br />

“Eu estou <strong>de</strong>scontente com o país porque<br />

acredito que as oportunida<strong>de</strong>s em relação<br />

a empregos e estudos estão sendo<br />

dificultadas. Mesmo que existam<br />

opções <strong>de</strong> financiamento<br />

estudantil ou bolsas <strong>de</strong> estudo,<br />

a quantida<strong>de</strong> segue<br />

baixa. Felizmente tenho<br />

muitas oportunida<strong>de</strong>s, mas<br />

ao olhar pro outro e ver que<br />

eles não as tem, é entristecedor.”<br />

Educação é,<br />

também, o motivo<br />

apontado por Maria<br />

Ellis Favareto<br />

Lopes, 17<br />

anos, para partir<br />

do país. Em<br />

seu último ano<br />

<strong>de</strong> ensino médio,<br />

a estudante<br />

almeja ingressar em<br />

uma das universida<strong>de</strong>s<br />

do que chama <strong>de</strong> ‘santíssima<br />

trinda<strong>de</strong> da educação’, Harvard,<br />

Princeton e Yale. “Sempre<br />

ouvi que as universida<strong>de</strong>s<br />

do Brasil são vistas como “inferiores”<br />

pelo olhar internacional.<br />

A gente confirma essa i<strong>de</strong>ia quando<br />

vê a posição das faculda<strong>de</strong>s brasileiras nos<br />

rankings mundiais. A minha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar<br />

o país se baseia em procurar uma formação<br />

no ensino superior <strong>de</strong> significativa<br />

qualida<strong>de</strong>.”<br />

Experiências<br />

Motivada pelo pai a escrever seu futuro<br />

em língua inglesa, a estudante <strong>de</strong> Tradução<br />

e Interpretação Adrielly Serra Arena,<br />

19 anos, realizou intercâmbio no Canadá,<br />

on<strong>de</strong> estudou inglês na UMC High School.<br />

“Foi uma <strong>de</strong>cisão do meu pai. Ele queria<br />

que eu estudasse cinema fora do país ou<br />

que <strong>de</strong>cidisse seguir alguma carreira voltada<br />

ao inglês.” Seu objeto <strong>de</strong> estudo foi o maior<br />

problema: “Eu fui pra lá sabendo apenas o<br />

inglês básico, o que me fez ter dificulda<strong>de</strong><br />

em me comunicar com as pessoas.<br />

Questionada sobre sua visão do Brasil<br />

após o intercâmbio, Adrielly diz ter se sentido<br />

menos protegida. “Nunca pensei que iria<br />

voltar mais crítica e com mais medo <strong>de</strong> andar<br />

nas ruas, já que no Canadá há mais segurança<br />

e política que zela por todos.” Sensação<br />

que a faz querer voltar. “Eu sinto uma<br />

vonta<strong>de</strong> enorme <strong>de</strong> voltar, é minha meta <strong>de</strong><br />

vida!”<br />

Via <strong>de</strong> mão dupla<br />

O Brasil retornou a rota <strong>de</strong> intercambistas<br />

<strong>de</strong> acordo com<br />

a Associação<br />

Brasileira <strong>de</strong><br />

Organizadores<br />

<strong>de</strong><br />

Viagens<br />

Educacionais<br />

e<br />

Culturais.<br />

Segundo a<br />

associação,<br />

cerca <strong>de</strong> 96 mil<br />

estudantes estrangeiros<br />

vieram<br />

ao país em 2014,<br />

no mesmo período<br />

em que 230<br />

mil intercambistas<br />

brasileiros <strong>de</strong>ixaram<br />

o país, segundo Associação<br />

do Setor <strong>de</strong> Empresas<br />

<strong>de</strong> Intercâmbio.<br />

A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ribeirão<br />

Preto, no interior <strong>de</strong> São Paulo,<br />

carrega o título <strong>de</strong> cida<strong>de</strong><br />

universitária por abrigar uma<br />

das unida<strong>de</strong>s da Universida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> São Paulo e mais uma <strong>de</strong>zena<br />

<strong>de</strong> universida<strong>de</strong>s particulares. No ano<br />

passado, o município recebeu cerca <strong>de</strong> 230<br />

estrangeiros, <strong>de</strong> 59 nacionalida<strong>de</strong>s, que ingressaram<br />

nas instituições, em graduações,<br />

pós-graduações, pós-doutorado ou como<br />

pesquisadores, segundo Grupo Coor<strong>de</strong>nador<br />

<strong>de</strong> Relações Internacionais do campus<br />

da USP <strong>de</strong> Ribeirão Preto e Centro <strong>de</strong> Internacionalização<br />

da UNAERP.<br />

Sandra Aguiriano, 22 anos, é natural<br />

<strong>de</strong> Honduras e está em Ribeirão Preto<br />

há 3 anos. Ela escolheu o cida<strong>de</strong> para cursar<br />

Relações Internacionais logo após sair<br />

do ensino médio e ao chegar, notou diferenças.<br />

“No início foi um choque cultural muito<br />

gran<strong>de</strong> porque Honduras ainda é um país<br />

muito conservador, e eu vim para um país<br />

que é muito mais liberal e aberto para outras<br />

coisas, mas consegui me adaptar. O pessoal<br />

é tão receptivo, cheio <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>, e essas<br />

coisas não se tem em Honduras, não temos<br />

relações tão abrangentes.”<br />

Atualmente, Honduras vive os reflexos<br />

do golpe <strong>de</strong> militar <strong>de</strong> 2009, que retirou<br />

do governo Manuel Zelaya Rosales, causando<br />

crise política, social e econômica. Sobre<br />

política brasileira, Sandra afirma ter medo.<br />

“Eu tenho acompanhado as eleições e todo<br />

o cenário político tem ajudado a <strong>de</strong>svendar o<br />

que vem pelo Brasil. O fato <strong>de</strong>le (Bolsonaro)<br />

ser militar, não me assusta. O que me assusta<br />

é ele ser a favor da tortura, da morte,<br />

discriminação. Ele não tem noção do quanto<br />

suas palavras impactam a socieda<strong>de</strong> brasileira<br />

e como isso tem colaborado para o aumento<br />

<strong>de</strong> ondas <strong>de</strong> violência.”<br />

Além das diferenças culturais e preocupações<br />

com o <strong>de</strong>stino do país, Sandra<br />

diz se sentir segura em seu novo lar. “Aqui<br />

consigo andar tranquilamente nas ruas, com<br />

celular na mão. Vivo em paz, tranquila”.<br />

Quentin, <strong>de</strong> 21 anos, citado no início<br />

da reportagem, escolheu o Brasil por já ter<br />

visitado várias partes do planeta, mas nunca<br />

a América Latina. A escolha da cida<strong>de</strong> foi motivada<br />

pela copa do mundo <strong>de</strong> 2014, quando<br />

Ribeirão Preto acolheu a seleção francesa.<br />

“Escolhi o Brasil, especialmente Ribeirão,<br />

<strong>de</strong>vido os rumores na França sobre o estilo<br />

<strong>de</strong> vida dos estudantes daqui ser totalmente<br />

diferente dos estudantes franceses”.<br />

Sobre as diferenças entre seu atual<br />

país e a França, Quentin, assim como Sandra,<br />

relata as relações interpessoais. “A principal<br />

diferença está em como as pessoas<br />

são legais uma com as outras e se ajudam.<br />

Na França, você tem que ser realmente<br />

próximo <strong>de</strong> alguém para pedir ajuda ou se<br />

divertir com ela. Aqui, você po<strong>de</strong> curtir ou<br />

simplesmente passar o tempo com pessoas<br />

que você acabou <strong>de</strong> conhecer.”<br />

Em uma visão geral, resume o país<br />

como amigo, com boas especialida<strong>de</strong>s culinárias,<br />

festas e com universida<strong>de</strong>s melhores<br />

que as francesas. Sobre o que mais lhe fará<br />

falta, revela: “Açaí. Não há açaí na França e<br />

eu me apaixonei. Vou tentar <strong>de</strong>scobrir on<strong>de</strong><br />

posso comer açaí na França e, se não conseguir,<br />

voltarei apenas para isso.” finaliza.<br />

Fotos: De cima para baixo - Maria Ellis,<br />

Quentin, Fábio, Sandra e Adrielly.


COMTEMPO PELO BRASIL<br />

IMPORTÂNCIA DA<br />

ADOÇÃO E CASTRAÇÃO<br />

DE ANIMAIS<br />

MAYRA CARVALHO DA SILVA<br />

ONG do Amapá realiza trabalho <strong>de</strong> conscientização e recuperação <strong>de</strong> animais<br />

em situação <strong>de</strong> abandono. A castração, mesmo ainda sofrendo gran<strong>de</strong><br />

preconceito, é a melhor solução para a superpopulação <strong>de</strong> animais.<br />

Estima-se, <strong>de</strong> acordo com dados da OMS, Organização Mundial da Saú<strong>de</strong>, que no<br />

Brasil existam mais <strong>de</strong> 30 milhões <strong>de</strong> animais abandonados, sofrendo diariamente <strong>de</strong><br />

fome, se<strong>de</strong> e agressões. No entanto, grupos <strong>de</strong> apoios aos animais existem, como é<br />

exemplo a ONG Anjos Protetores, localizada no estado do Amapá e que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2013 ajuda<br />

animais do estado a encontrarem um lar.<br />

Responsável pela gestão <strong>de</strong> mídias e marketing da ONG, Bárbara Katerine, 21, em entrevista<br />

a <strong>ComTempo</strong>, afirma que a solução para a superpopulação <strong>de</strong> animais, mesmo enfrentando<br />

gran<strong>de</strong> preconceito, é a castração. Katerine fala ainda sobre a facilida<strong>de</strong> e satisfação<br />

que é adotar um pet.


<strong>ComTempo</strong>: O que significa para a Anjos<br />

Protetores <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os direitos dos<br />

animais?<br />

Bárbara Katerine: Para nós, enquanto conjunto,<br />

significa lutar para cuidar e dar voz a quem não<br />

consegue pedir ajuda. É possível ver animais<br />

abandonados por todo canto da cida<strong>de</strong>, mas para<br />

muitos eles são invisíveis. Eles apanham e passam<br />

fome. Nosso objetivo é mostrar a eles, solidarieda<strong>de</strong><br />

e o lado bom do ser humano.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Por que há tanta resistência<br />

da população em adotar animais?<br />

Bárbara: No Amapá, ainda existe uma cultura<br />

antiga sobre o que significa um animal <strong>de</strong> estimação.<br />

Acredita-se que eles sejam “fortes e resistentes”<br />

e po<strong>de</strong>m sobreviver em qualquer lugar.<br />

É raro ver empatia e valorização <strong>de</strong> um animal<br />

doméstico <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma família. Não se enxerga<br />

a real importância e benefícios em ter um amigo<br />

peludo. Então, no final das contas, a escolha ainda<br />

é estética. Se você doar um animal <strong>de</strong> raça,<br />

lindo e padrão, sempre terá filas <strong>de</strong> pessoas interessadas.<br />

Um vira-lata “gente boa” não representa<br />

aquisição <strong>de</strong> valor para as pessoas. Logo, não<br />

tem relevância.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Proce<strong>de</strong> a informação <strong>de</strong><br />

que a castração é a solução para diminuir<br />

o crescente número <strong>de</strong> animais<br />

abandonados. Se sim, qual a importância?<br />

Bárbara: Sem dúvida para casos <strong>de</strong> superpopulação<br />

e suas consequências. Apesar <strong>de</strong> ser um<br />

tema com muito preconceito por parte das pessoas<br />

que acreditam no “sofrimento” para o animal, é<br />

a medida mais responsável e sensata a se fazer,<br />

pois é uma reprodução que não tem fim.<br />

Você po<strong>de</strong> arrumar outro dono para todos os<br />

filhotes que a sua ca<strong>de</strong>la teve com o cachorro<br />

do vizinho, mas não po<strong>de</strong> garantir que esses<br />

donos não vão ter mais filhotes e abandoná<br />

-los no futuro.<br />

Animais não esterilizados sempre irão procurar<br />

um(a) companheiro(a) na rua, pois é instinto<br />

animal. Há casos <strong>de</strong> pessoas que agri<strong>de</strong>m seus<br />

pets julgando esse ato como “falta <strong>de</strong> vergonha”,<br />

sendo que não é uma escolha <strong>de</strong>les. Um macho<br />

po<strong>de</strong> fazer absurdos para cobrir uma fêmea no<br />

cio, mesmo que isso inclua brigar violentamente<br />

com outros cães ou quebrar a cerca <strong>de</strong> uma casa<br />

machucando-se para chegar até ela. Nenhum<br />

animal faria isso por diversão. O i<strong>de</strong>al é castrar<br />

seu animal, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> ser macho ou não,<br />

ou se quiser filhotes, entregar eles castrados - o<br />

que está bem longe da nossa realida<strong>de</strong>.<br />

Castração é literalmente um ato <strong>de</strong> amor, dando<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e prevenindo série <strong>de</strong> doenças<br />

que o animal po<strong>de</strong> adquirir com as fugas, como<br />

o TVT (Tumor Venéreo Transmissível), DST que<br />

evolui rapidamente.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Depois <strong>de</strong> serem doados,<br />

os animais recebem algum tipo <strong>de</strong><br />

acompanhamento da ONG?<br />

Bárbara: Sim, estamos trabalhando para que<br />

isso melhore ainda mais. Conseguimos empresas<br />

parceiras que se ofereceram para ajudar no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> softwares <strong>de</strong> controle digital<br />

das adoções, pois os registros ainda são no papel<br />

e o acompanhamento acaba tornando-se mais<br />

lento, pois fazemos visitas periódicas aos adotantes<br />

ou cobramos notícias via WhatsApp. Temos<br />

casos <strong>de</strong> adotantes que já mudaram-se <strong>de</strong> município,<br />

estado e até <strong>de</strong> país. Com a instalação do<br />

sistema online po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>sburocratizar e dividir<br />

a tarefa <strong>de</strong> monitoramento entre os voluntários.<br />

No ato da adoção, a pessoa assina documento<br />

comprometendo-se em dar os <strong>de</strong>vidos cuidados<br />

e mandar notícias do animal. Infelizmente ou felizmente<br />

já tivemos casos em que a pessoa passou<br />

a maltratar <strong>de</strong>pois que o animal cresceu e tivemos<br />

que recolhê-lo. São situações que realmente dificultam<br />

nosso trabalho e todo esforço.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual procedimento para<br />

abrigar e adotar um animal?<br />

Bárbara: Nossa priorida<strong>de</strong> são animais abandonados<br />

e <strong>de</strong>samparados, por isso sempre<br />

dialogamos com aqueles que querem doar<br />

seus animais simplesmente por não querer<br />

mais cuidar, por ter enjoado ou para não ter<br />

gasto com veterinário.<br />

Imagine um animal com casa e comida ocupando<br />

o lugar <strong>de</strong> outro animal que está sofrendo na<br />

rua com feridas cheias <strong>de</strong> larvas. Temos que<br />

priorizar os <strong>de</strong>sabrigados, pois a <strong>de</strong>manda é gigantesca.<br />

Logo, recebemos o pedido <strong>de</strong> ajuda<br />

do animal abandonado, verificamos se existe<br />

vaga no abrigo, e se não houver, acionamos os<br />

voluntários inscritos na lista <strong>de</strong> lar temporário.<br />

Se tivermos vagas, resgatamos e levamos direto<br />

para a clínica. Caso contrário, tudo o que nos<br />

resta fazer é divulgar o máximo possível para<br />

que alguém <strong>de</strong> bom coração faça o resgate.<br />

Se isso acontecer, entramos com o auxílio veterinário.<br />

Por conta <strong>de</strong> todos esses esforços<br />

para não rejeitar nenhum pedido, estamos<br />

com dívidas nas clínicas veterinárias, pagas<br />

integralmente com doações. Para adotar,<br />

basta ir em uma <strong>de</strong> nossas feiras <strong>de</strong> adoção<br />

com i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e comprovante <strong>de</strong> residência<br />

ou entrar em contato pelas nossas páginas<br />

do Facebook e Instagram.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual os principais motivos<br />

que levam ao abandono do animal?<br />

Bárbara: A falta <strong>de</strong> dinheiro e a dificulda<strong>de</strong><br />

em castrar. Muitos possuem baixa renda e o<br />

processo <strong>de</strong> economia para castração acaba<br />

tornando-se mais difícil, principalmente em momentos<br />

<strong>de</strong> crise como vivemos atualmente, pagando-se<br />

tão caro em necessida<strong>de</strong>s básicas.<br />

Alguns conseguem arranjar um jeito, como o<br />

caso <strong>de</strong> uma senhora que possuía 10 animais<br />

resgatados e trabalhava como diarista, mas<br />

ainda assim, esforçava-se para recuperá-los.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Há alguma história <strong>de</strong><br />

abandono que marcou a ONG?<br />

Bárbara: Somos cheios <strong>de</strong> histórias, pois o índice<br />

<strong>de</strong> cruelda<strong>de</strong> humana com os animais é surreal.<br />

São muitos casos <strong>de</strong>licados que encontram<br />

sua chance <strong>de</strong> mudança e sempre nos emocionamos.<br />

Mas, os mais fortes são os casos <strong>de</strong><br />

adoção sem preconceito, quando alguém adota<br />

um animal especial, adulto ou idoso. Quando um<br />

animal que está em tratamento longo, ou um velhinho,<br />

um cego ou mesmo um adulto ganha um<br />

novo lar, nossos corações enchem-se <strong>de</strong> alegria,<br />

é uma esperança no ser humano que se renova.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Recebem <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong><br />

maus-tratos? Se sim, quantas em média<br />

por semana?<br />

Bárbara: Sim, recebemos no mínimo 3 por dia.<br />

Sempre conscientizando <strong>de</strong> que nesses casos<br />

a <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong>ve ser feita à Delegacia do Meio<br />

Ambiente, pois são eles que possuem aval para<br />

retirar o animal da posse do dono, e só assim,<br />

encaminhar para nós ou outros grupos <strong>de</strong> animais.<br />

A maioria dos casos, são donos que <strong>de</strong>ixam<br />

os animais presos na coleira 24h por dia,<br />

sem água, comida e cuidados com a saú<strong>de</strong>.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Abandono e maus-tratos<br />

aos animais é crime. Qual a importância<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar esses casos.<br />

Bárbara:- Muitas pessoas acham que maltratar<br />

é agredir o animal. Mas, na realida<strong>de</strong>, perante à<br />

lei, maus tratos significa toda forma <strong>de</strong> criação<br />

que não forneça o mínimo <strong>de</strong> bem estar para<br />

o animal. Situações assim não são comuns e<br />

é preciso que as pessoas parem <strong>de</strong> enxergar<br />

esses atos como “normal”. Denunciar faz parte<br />

do processo <strong>de</strong> conscientização. Se o animal<br />

é mal cuidado, nós, juntamente à polícia, informaremos<br />

o dono (caso ele seja leigo) e se o<br />

mesmo não apresentar interesse em mudanças,<br />

teremos que recolhê-lo. São exemplos que<br />

mudam o pensamento <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>.


VOCÊ REPÓRTER<br />

A ARTE NA<br />

EDUCAÇÃO<br />

DOS JOVENS<br />

No mundo <strong>de</strong> hoje, on<strong>de</strong> ainda há preconceito étnico<br />

muito gran<strong>de</strong>, conhecer, estudar e apren<strong>de</strong>r são<br />

fatores essenciais para não se <strong>de</strong>ixar levar por problemas<br />

como este.<br />

É papel fundamental da escola apresentar estas diferenças,<br />

já que não são feitas em casa. A arte, mesclada com<br />

o ensino, proporciona visão diferenciada ao aluno sobre o<br />

mundo e a socieda<strong>de</strong>.<br />

Em entrevista a Comtempo, Ellen Brogna, licenciada em<br />

educação artística e especializada em artes plásticas, falou<br />

sobre a liberda<strong>de</strong> que a arte proporciona ao ser humano,<br />

a importância <strong>de</strong> ensinar arte <strong>de</strong>ntro da escola, a<br />

importância <strong>de</strong>sta ferramenta para aguçar o senso crítico,<br />

entre outros assuntos:<br />

BRUNA FACHINA E GABRIEL FIOREZZI<br />

Estudantes da Etec <strong>de</strong> Bebedouro,<br />

primeiros colaboradores da<br />

retranca ‘Você Repórter’.<br />

<strong>ComTempo</strong> - Qual a relação entre a<br />

arte <strong>de</strong> modo geral e a intolerância<br />

religiosa atual e histórica?<br />

Ellen Brogna - A arte é libertadora, então,<br />

não <strong>de</strong>ve concordar com religiões reacionárias<br />

e doutrinárias <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos antigos<br />

até atualmente. A arte não po<strong>de</strong> ter muros. As<br />

religiões, apesar <strong>de</strong> terem cultura, travam a<br />

criação do ser humano.<br />

<strong>ComTempo</strong> - Qual a importância do<br />

ensino da arte?<br />

Ellen - A arte forma um cidadão crítico e revolucionário.<br />

Por isso é importante.<br />

<strong>ComTempo</strong> - A arte e a vida em socieda<strong>de</strong><br />

se misturam, seria a arte<br />

um meio <strong>de</strong> treinamento para a tolerância<br />

religiosa?<br />

Ellen - Claro que não. A arte, embora em algumas<br />

épocas sejam sacras, ainda não prepara<br />

ninguém para a tolerância religiosa, pelo<br />

contrário, verda<strong>de</strong>iros artistas, em sua maioria,<br />

contestam religiões. Até aqueles em que<br />

a igreja foi mecenas.<br />

<strong>ComTempo</strong> - Como a arte ajuda a <strong>de</strong>senvolver<br />

o senso crítico?<br />

Ellen– Proporcionando autoconhecimento,<br />

conhecimento teórico e prático <strong>de</strong> alguns aspectos<br />

artísticos trabalhados no <strong>de</strong>correr do<br />

ano. Estimula o senso crítico e abertura da<br />

mente.<br />

<strong>ComTempo</strong> - A arte precisa da socieda<strong>de</strong><br />

para ser representada, mas<br />

a socieda<strong>de</strong> também precisa da arte<br />

para sobreviver. Você concorda com<br />

essa afirmação? Por que?<br />

Ellen - Sim, a socieda<strong>de</strong> precisa <strong>de</strong> arte<br />

para viver, pois <strong>de</strong>ve a expressão artística<br />

a vivência <strong>de</strong> novas experiências e oportunida<strong>de</strong>s.


A Comtempo também entrevistou o licenciado<br />

em História, José Roberto Almeida.<br />

Para ele, não há vida sem arte e é impossível,<br />

para qualquer ser humano, passar um dia<br />

sem ter qualquer tipo <strong>de</strong> contato com tal ativida<strong>de</strong>,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte se estiver praticando ou<br />

apreciando. “Não há maneira <strong>de</strong> passar um<br />

dia sem música, literatura, filmes, por exemplo.<br />

Creio que a arte influencia em tudo, no<br />

estado <strong>de</strong> ânimo, num olhar diferente sobre a<br />

vida, ou até mesmo, na percepção da sensibilida<strong>de</strong>”.<br />

O historiador discorre ainda sobre a<br />

relação entre a arte <strong>de</strong> modo geral e a intolerância<br />

religiosa atual e histórica: “O Judaísmo<br />

e o Islamismo não têm imagens. O Cristianismo,<br />

para ser aceito na Europa, começou<br />

a usá-las, já que povos como gregos e romanos<br />

tinham hábito <strong>de</strong> fazer imagens <strong>de</strong> seus<br />

<strong>de</strong>uses”, explica.<br />

“Na antiguida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> viver<br />

da agricultura, os povos do campo sempre<br />

pediam por chuva a <strong>de</strong>uses como Zeus<br />

ou Thor, era questão <strong>de</strong> sobrevivência. Esses<br />

habitantes, eram chamados <strong>de</strong> paganus, (<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> vem palavra pagão). Essa palavra passou<br />

a <strong>de</strong>signar o que não praticava a religião<br />

cristã. Como o mundo gira, sempre voltando<br />

ao ponto inicial, segundo acreditavam gregos<br />

e nórdicos, o Cristianismo tão perseguido em<br />

seu início ao tornar-se a religião hegemônica,<br />

passa a praticar as mesmas coisas”.<br />

Almeida diz ainda que um bom exemplo<br />

<strong>de</strong> sua explicação é a perseguição aos ju<strong>de</strong>us,<br />

a <strong>de</strong>struição da biblioteca <strong>de</strong> Alexandria,<br />

“a primeira, já que os muçulmanos também a<br />

<strong>de</strong>struíram, por ela conservar o saber pagão<br />

representado pela filosofia <strong>de</strong>senvolvida por<br />

Platão e Aristóteles, além <strong>de</strong> ter a presença <strong>de</strong><br />

Hipatia, filósofa que falou sobre o movimento<br />

da Terra em relação ao sol, algo que a Igreja<br />

não aceitava”, conta.<br />

“Depois, veio a perseguição aos cultos<br />

africanos no Brasil colônia, que passaram<br />

a ser consi<strong>de</strong>rados <strong>de</strong>moníacos, quando na<br />

verda<strong>de</strong>, são apenas formas diferentes <strong>de</strong><br />

relacionar-se com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> divinda<strong>de</strong>, não<br />

sendo portanto, melhor ou pior que o Cristianismo.<br />

Os cristãos na Roma antiga eram jogados<br />

aos leões, <strong>de</strong>pois por or<strong>de</strong>m papal perseguiram<br />

os gatos, o que acabou elevando o<br />

número <strong>de</strong> ratos e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> peste<br />

negra na Europa. Em seguida, perseguiram os<br />

ju<strong>de</strong>us como causadores da peste, mas muitos<br />

<strong>de</strong>les fugiram para a Polônia no século 15.<br />

Ali ficaram, multiplicaram-se e no século 20<br />

todos nós sabemos on<strong>de</strong> estavam os piores<br />

campos <strong>de</strong> concentração e extermínio <strong>de</strong>sse<br />

povo. Assim, veja que até hoje existem pessoas<br />

que não gostam <strong>de</strong> gatos e os que não<br />

gostam <strong>de</strong> ju<strong>de</strong>us”, exemplifica.<br />

Atualmente há muitos problemas<br />

quando trata-se <strong>de</strong> religião, pois <strong>de</strong>vido a intolerância,<br />

muitos pensam que suas crenças<br />

são superiores à <strong>de</strong> outros, logo os problemas<br />

com relação a este tema só aumenta.<br />

“De assassinatos a guerras, há muitas <strong>de</strong>sculpas<br />

para colocar na religião, a culpa por<br />

atos maldosos, que são meramente humanos,<br />

<strong>de</strong> gente fanática, já que nenhuma religião<br />

prega a intolerância ou a morte <strong>de</strong> outros<br />

seres humanos.” Diz o historiador.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Arte para o lazer ou<br />

arte para o saber?<br />

José Roberto Almeida: A arte para o lazer<br />

po<strong>de</strong> ser associada ao saber também.<br />

Afinal, uma obra já traz consigo elementos<br />

<strong>de</strong> outros saberes, <strong>de</strong> outras épocas e rompe<br />

a barreira tempo-espaço. Você po<strong>de</strong> ir<br />

a um museu para se divertir, mas não vai<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r algo com as obras ali<br />

expostas. Então, a arte tem esta catarse,<br />

provocando a emoção em quem a aprecia,<br />

mas também <strong>de</strong>spertando o conhecimento<br />

e o saber. Sobra então, a análise <strong>de</strong> que<br />

a arte, <strong>de</strong> uma só vez, tem capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

associar tanto o lazer quanto o saber.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como a arte se relaciona<br />

à filosofia?<br />

José Roberto: A arte tem uma percepção<br />

estética, um dos campos do saber filosófico.<br />

Não há arte sem filosofia nem vice-versa.<br />

Des<strong>de</strong> Platão e Aristóteles, os saberes<br />

filosóficos e artísticos foram analisados<br />

como coisas que andam juntas, e como tal<br />

se completam.<br />

A primeira forma <strong>de</strong> saber filosófico foram<br />

os mitos, estes foram pintados, esculpidos<br />

e até cantados. Nos dias <strong>de</strong> hoje há<br />

muitas adaptações <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> saber nos<br />

diferentes tipos <strong>de</strong> saber artístico. Po<strong>de</strong>ria<br />

citar brevemente o caso do super-herói<br />

Demolidor. Originalmente surgido nos<br />

quadrinhos, hoje parte <strong>de</strong> um seriado <strong>de</strong><br />

sucesso. Veja que ele, quando jovem, ficou<br />

cego por causa <strong>de</strong> radiação. Sendo<br />

criado nos anos 60, em plena Guerra Fria,<br />

carregava a preocupação com os efeitos<br />

da radiação sobre o homem. Ao per<strong>de</strong>r a<br />

visão tem seus sentidos ampliados e ganha<br />

uma espécie <strong>de</strong> radar. Estuda Direito e<br />

torna-se advogado, aí começam as analogias<br />

com a mitologia. Cego como a <strong>de</strong>usa<br />

da Justiça, Têmis, faz justiça do ponto <strong>de</strong><br />

vista legal durante o dia e à noite vestese<br />

para combater o crime com as próprias<br />

mãos. Tendo dois tipos <strong>de</strong> ações, tem que<br />

apren<strong>de</strong>r a equilibrá-las. Têmis tem olhos<br />

vendados, assim acaba não vendo, pois a<br />

justiça é cega. Ela tem simbologia dupla,<br />

sempre, a balança <strong>de</strong> dois pratos símbolo<br />

<strong>de</strong> equilíbrio e do signo <strong>de</strong> libra, consi<strong>de</strong>rado<br />

o signo da justiça, além <strong>de</strong> usar uma<br />

espada <strong>de</strong> dois gumes. O Demolidor, que<br />

em inglês chama-se Dare Devil, algo como<br />

Demônio Ousado, é um herói católico, e<br />

luta por justiça <strong>de</strong> duas formas possíveis.<br />

Há tantos outros exemplos <strong>de</strong> relação mitológica<br />

que po<strong>de</strong>ríamos passar horas divagando<br />

sobre o tema.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como a arte é vista pelos<br />

representantes do nosso país e<br />

como ela influencia na tomada <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cisões?<br />

José Roberto: Bom, no que se refere aos<br />

políticos, percebo que há <strong>de</strong>scaso, já que<br />

a arte é uma forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver a reflexão,<br />

mas isso não é interessante para a<br />

classe política. Um povo que pensa é uma<br />

ameaça em potencial. Assim, há a propagação<br />

<strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia errada, aceita pela<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> que fazer arte é para vagabundo.<br />

Isso faz com que não haja incentivos<br />

mais a<strong>de</strong>quados à produção artística<br />

nacional. E quando há, a população não é<br />

esclarecida ou existe algum tipo <strong>de</strong> interesse<br />

político, para em algum momento,<br />

receber o favor <strong>de</strong> volta. Não que o artista<br />

tenha que ser neutro, ninguém é, o<br />

que não po<strong>de</strong> haver, é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

manipulação política da arte, para que um<br />

grupo político ou sua oposição levem vantagem.<br />

A arte pressupõe liberda<strong>de</strong> e reflexão.<br />

Se isso fosse levado em consi<strong>de</strong>ração,<br />

teríamos um país com mais gente<br />

produzindo arte e refletindo sobre a nossa<br />

condição <strong>de</strong> nação.”


Sabendo da importância da arte para melhor<br />

formar um cidadão, e tendo consciência <strong>de</strong> sua<br />

eficaz colaboração <strong>de</strong>ntro da sala <strong>de</strong> aula, a Comtempo<br />

procurou também, o coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> ensino<br />

médio, pós-graduado em gestão escolar e<br />

psicopedagogia da Etec <strong>de</strong> Bebedouro, no interior<br />

<strong>de</strong> São Paulo, para explicar como a arte e a<br />

escola precisam caminhar juntos.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Qual a importância do ensino<br />

da arte <strong>de</strong>ntro das escolas?<br />

Lucas Cruz: A arte faz parte do homem mo<strong>de</strong>rno,<br />

uma ferramenta para expressar um enorme<br />

potencial que temos <strong>de</strong> criar e interpretar. Uma<br />

das marcas que a humanida<strong>de</strong> apresenta <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> chegar a espécie Homo sapiens sapiens foi o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da cultura e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta existe<br />

a arte que expressa um pouco do que somos.<br />

Ela mostra que os humanos são mais que animais<br />

selvagens, <strong>de</strong>ixando claro que po<strong>de</strong>mos<br />

“pensar no que pensamos” e sentir através do<br />

pensamento do outro. Trazer tudo isso para a<br />

educação é para conversar um pouco sobre a<br />

constituição da criatura humana.”<br />

<strong>ComTempo</strong>: No que se fundamenta a<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> colocar ensino da educação artística<br />

no currículo escolar?<br />

Lucas: A escola é o espaço on<strong>de</strong> paramos para<br />

pensar e refletir sobre tudo aquilo que nós humanos<br />

produzimos até os dias atuais, o fato <strong>de</strong> ensinarmos<br />

nossas novas gerações ajuda o nosso<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, não precisamos começar do<br />

zero toda vez, mas apenas prosseguir em nossas<br />

conquistas e <strong>de</strong>scobertas. Trazer a arte para<br />

esse contexto é ajudar o homem a se enxergar e<br />

se enten<strong>de</strong>r, dar sentido a vida e nossa forma <strong>de</strong><br />

existir.”<br />

<strong>ComTempo</strong>: A arte hoje se aplica a todas<br />

as ciências, <strong>de</strong> que forma um professor<br />

<strong>de</strong> outra matéria que não seja educação<br />

artística <strong>de</strong>ve estimular esse fator nos<br />

alunos?<br />

Lucas: O conhecimento é uma coisa só, nós dividimos<br />

ele em disciplina, componente, matéria,<br />

ou seja lá qual nome queremos dar na tentativa<br />

<strong>de</strong> ajudar os alunos a se organizarem. Tudo que<br />

é amplo gera dificulda<strong>de</strong> para compreen<strong>de</strong>r no<br />

todo, pensando nisso fica claro que a arte está<br />

em tudo e precisamos falar <strong>de</strong>la em vários ângulos<br />

e aspectos para que o aprendizado seja<br />

significativo e útil. Por exemplo, eu leciono ética<br />

e cidadania organizacional e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa<br />

área consigo linkar vários pontos como cultura,<br />

comportamento humano, diversida<strong>de</strong> cultural e<br />

social <strong>de</strong>ntre tantos outros campos. Como professor<br />

<strong>de</strong> biologia consigo explorar a arte <strong>de</strong>ntro<br />

do aspecto do funcionamento do corpo humano,<br />

os sistemas sensorial e nervoso, as células<br />

ligadas a esses sistemas e outras tantas coisas.<br />

Nós educadores precisamos explorar mais esse<br />

todo, o ensino completo, uma tentativa <strong>de</strong> preparar<br />

melhor nossos alunos para a vida.”<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como a arte po<strong>de</strong> auxiliar na<br />

educação?<br />

Lucas: Acho que acabei respon<strong>de</strong>ndo essa<br />

questão <strong>de</strong>ntro das outras, mas reafirmando,<br />

acredito que enten<strong>de</strong>r e apren<strong>de</strong>r sobre como<br />

sentir e expressar a forma como enxergamos o<br />

mundo e os outros humanos é muito importante<br />

para vida em socieda<strong>de</strong>, um ponto crucial para<br />

nós humanos como criaturas sociais. Muitas vezes<br />

é possível tratar problemas sociais como preconceitos<br />

através da arte e usá-la como porta <strong>de</strong><br />

entrada para reflexões sobre um povo e fazê-lo<br />

atingir um novo patamar <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> cultural<br />

e social.”<br />

Baseado nas respostas dos entrevistados o ensino<br />

da arte é importante para a vida em socieda<strong>de</strong>,<br />

já que como vimos a escola prepara seres humanos<br />

melhores que os anteriores e que gran<strong>de</strong>s<br />

problemas que a humanida<strong>de</strong> enfrentou/enfrenta<br />

foram consequência ou estão relacionados a<br />

arte. Além <strong>de</strong> que a arte expressa a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

quem cria. O ensino da arte proporciona aos alunos<br />

uma visão ampla <strong>de</strong> diversas culturas, também<br />

estimula a criativida<strong>de</strong> e constrói um senso<br />

crítico para interpretar a própria arte e a socieda<strong>de</strong>.<br />

Sabendo que a arte traz consigo estas vantagens<br />

po<strong>de</strong>mos concluir que com ela adquirimos um<br />

conhecimento maior sobre os problemas encontrados<br />

acerca do mundo, sendo que como dito<br />

anteriormente ela é libertadora e muito usada<br />

como uma forma <strong>de</strong> expressão, então po<strong>de</strong>mos<br />

usa-la para que possamos reverter esses problemas<br />

e assim construir uma convivência melhor<br />

no mundo, pois ela irá <strong>de</strong>senvolver um ponto<br />

em cada um que é ver além do que o artista quer<br />

representar, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enxergar o que<br />

você quer ver, po<strong>de</strong>ndo assim aprecia-la melhor<br />

e também alcançar a solução para o problema<br />

representado.


CRENÇAS<br />

AFINAL, O QUE<br />

É A MORTE?<br />

Cada crença apresenta sua<br />

perspectiva a <strong>ComTempo</strong>.<br />

KIMBERLY SOUZA E GABRIELA BRACK<br />

“O budismo não vê a morte como o fim <strong>de</strong> tudo ou<br />

como o caminho para a ressurreição. A morte significa<br />

o momento que a gente para. A morte é importante<br />

para que a gente aprenda a viver hoje e não fique<br />

preocupado com amanhã”<br />

Diana Evaristo, professora, em transição<br />

do Catolicismo para o Budismo.<br />

“A morte é final da missão do indivíduo. A gente a vê<br />

como uma passagem, on<strong>de</strong> o espírito que já cumpriu<br />

aquela fase vai ser recolhido para, futuramente, voltar<br />

para concluir a vida. No dia 2 <strong>de</strong> <strong>novembro</strong>, fazemos<br />

uma louvação a Iansã, o orixá responsável pelo recebimento<br />

dos mortos, e também para Obaluaiê Omolu,<br />

o dono do cemitério”<br />

Adolfo Galione, babalorixá, Candomblé<br />

Talvez este seja o maior mistério da vida, paradoxalmente.<br />

Para o dicionário, é a interrupção<br />

<strong>de</strong>finitiva da vida <strong>de</strong> um organismo, o fim.<br />

Para a ciência, a morte não é um momento exato,<br />

mas uma série <strong>de</strong> minimortes em diferentes partes<br />

do corpo que vão se <strong>de</strong>sligando em seu próprio ritmo,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento. Po<strong>de</strong>-se concluir, então,<br />

que <strong>de</strong>terminar o momento e o seu significado sejam<br />

essencialmente uma tarefa religiosa, filosófica<br />

e até cultural?<br />

Em razão das celebrações <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> <strong>novembro</strong>,<br />

Dia <strong>de</strong> Finados, a Comtempo propõe uma<br />

reflexão sobre a morte sob ópticas <strong>de</strong> pessoas<br />

com vivências e religiões diferentes umas das outras,<br />

tendo como objetivo, o diálogo plural sobre as<br />

crenças e tabus, um dos princípios fundamentais<br />

<strong>de</strong>sta revista. Acompanhe:<br />

“Misticamente ou não, a morte só significa que um dia<br />

vivemos, <strong>de</strong>pois acaba e vamos para lugar nenhum.<br />

O que vivemos per<strong>de</strong>-se e a vida eterna é só enquanto<br />

sua memória durar nos que estão vivos”.<br />

Sulivan Cesar, músico, Ateísmo.<br />

“A morte é uma passagem para o todo. É como se todos<br />

fôssemos extensão da criação e encarnados em<br />

vários planos. Migramos <strong>de</strong> lugar para lugar e quando<br />

morremos é como se voltássemos à essa essência”.<br />

Rafaela Delamagna, reikiana e doula,<br />

Xamanismo.<br />

“Como acredito em reencarnação, a morte significa<br />

um recomeço para o namadurecimento, a vivenciar<br />

o karma, a evolução”<br />

Jennifer Rodrigues, estudante, Umbanda.<br />

“Todos nós somos criados simples e ignorantes,<br />

e caminhamos para o progresso pleno. Nesse<br />

processo, reencarnamos incontáveis vezes em<br />

busca do nosso aprimoramento moral e intelectual.<br />

Dentro <strong>de</strong>sta perspectiva evolucionista <strong>de</strong><br />

espírito, percebemos que o que costumeiramente<br />

chamamos <strong>de</strong> morte é apenas uma mudança <strong>de</strong><br />

plano, ou seja, <strong>de</strong>ixamos o plano encarnado e vamos<br />

habitar temporariamente o plano espiritual,<br />

para <strong>de</strong>pois retornarmos ao plano físico no que<br />

chamamos <strong>de</strong> reencarnação”<br />

Edmir Garcia, professor, Espiritismo<br />

“Eu não temo a morte. Acredito que a minha vida<br />

está nas mãos <strong>de</strong> Deus, mas não quer dizer que<br />

<strong>de</strong>vo agir impru<strong>de</strong>ntemente. Aproveito cada dia<br />

como se fosse o último e assim um dia viverei eternamente<br />

com o senhor na glória”.<br />

Guilherme Benevi<strong>de</strong>s, 24, auxiliar administrativo,<br />

Cristianismo Evangélico<br />

“O pecado original (cometido por Eva gerando a<br />

expulsão do paraíso) <strong>de</strong>u à humanida<strong>de</strong> como<br />

punição a chamada morte corporal. Para os que<br />

morreram seguindo o Deus misericordioso e os ensinamentos<br />

do cristo ressuscitado, a vida eterna se<br />

torna uma possibilida<strong>de</strong>, do contrário, a morte passa<br />

a ocupar um significado <strong>de</strong> sofrimento causado pela<br />

inveja do mal”<br />

Victor Hugo, estudante, Catolicismo<br />

Em oito perspectivas diferentes, po<strong>de</strong>-se<br />

chegar a algumas conclusões e a vários novos<br />

questionamentos. Mas algo que todas as crenças<br />

têm em comum é a certeza <strong>de</strong> que a morte é um<br />

fato indiscutível e que vai chegar a todos mais cedo<br />

ou mais tar<strong>de</strong>. O importante, afinal, é saber <strong>de</strong>sfrutar<br />

enquanto há vida, apren<strong>de</strong>ndo, sentindo e reconhecendo<br />

as próprias falhas a fim <strong>de</strong> melhorar. E, principalmente,<br />

ser empático para viver em equilíbrio<br />

com quem também está vivendo à nossa volta. E<br />

para você, caro leitor: Qual o significado da morte?<br />

E mais: Qual a importância da vida?


PERSONA<br />

Foto: Joel Silva<br />

JOSÉ PIUTTI<br />

O MEDO<br />

É A ÂNCORA<br />

DE TODO MUNDO


Filho <strong>de</strong> Valmira e José, Joel Silva veio ao<br />

mundo em 23 <strong>de</strong> <strong>novembro</strong> <strong>de</strong> 1965, em<br />

Itaú <strong>de</strong> Minas, pequena cida<strong>de</strong> do sul <strong>de</strong><br />

Minas Gerais. Com seus três irmãos, dois<br />

meninos e uma menina, teve infância parecida com<br />

a <strong>de</strong> muitos brasileiros: estudou em escola pública,<br />

enfrentou dificulda<strong>de</strong>s e não se preocupava em<br />

olhar para o futuro. “Quando nasci, tínhamos uma<br />

situação financeira boa. Mas, meu pai passou por<br />

problemas financeiros, o que nos fez abrir mão <strong>de</strong><br />

muitas coisas.”<br />

Aos 11 anos teve seu primeiro contato com<br />

a fotografia: Uma foto feita por amigo da família, em<br />

frente à sua casa, em preto e branco. A caminho<br />

da escola, encantava-se com as imagens estampadas<br />

nas capas <strong>de</strong> jornais nas bancas que passava.<br />

Folheava-os tentando enten<strong>de</strong>r como aquelas fotos<br />

haviam chegado ali. “Aos onze anos, era isso.<br />

Olhar, tentar enten<strong>de</strong>r, sem almejar nada.”<br />

Suas primeiras tentativas em fotografar foram<br />

feitas em uma Kodak emprestada, daquelas em<br />

que era necessário levar a câmera toda para fazer<br />

a revelação, o que o fez nunca ter visto o resultado.<br />

Devido ao trabalho <strong>de</strong> seu pai, mecânico, mudou-se<br />

diversas vezes <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>, Ipatinga e Belo Horizonte<br />

foram alguns <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>stinos. Aos 21 anos, foi a<br />

vez <strong>de</strong> Franca, e aos 24, Ribeirão Preto (ambas no<br />

interior <strong>de</strong> São Paulo). Nesta última, iniciou curso <strong>de</strong><br />

Fotografia na escola <strong>de</strong> Artes Bauhaus, quando <strong>de</strong>cidiu<br />

que fotografar seria sua profissão.<br />

Em 1992, <strong>de</strong>cidiu fazer a cobertura do jogo<br />

do Brasil contra a Croácia, em solo ribeirão pretano.<br />

“Havia comprado uma câmera barata, vagabundinha.<br />

E ai, queria fotografar este jogo, mas não consegui<br />

entrar, fui barrado pelo fiscal da CBF, Confe<strong>de</strong>ração<br />

Brasileira <strong>de</strong> Futebol, que me alertou sobre a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar cre<strong>de</strong>nciado a algum veículo<br />

<strong>de</strong> comunicação”, conta.<br />

Isso o encorajou a bater na porta da Folha<br />

<strong>de</strong> S. Paulo, on<strong>de</strong> foi convidado a sair em busca<br />

<strong>de</strong> pautas para ven<strong>de</strong>r ao jornal. “Sai à procura <strong>de</strong><br />

notícias. A gente resgata fatos da rua, enxergo as<br />

notícias como elemento gratuito. Mas você não chega<br />

na primeira esquina e dá <strong>de</strong> cara com a notícia”,<br />

explica.<br />

Durante uma semana vagou em busca <strong>de</strong><br />

acontecimentos marcantes, sem sucesso. Até que<br />

em 14 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1994, um vendaval atingiu Ribeirão<br />

Preto, afetando cinco mil imóveis, <strong>de</strong>ixando<br />

60% do município sem energia elétrica e mais <strong>de</strong><br />

600 pessoas <strong>de</strong>sabrigadas. Silva fretou um avião e<br />

fotografou o estado <strong>de</strong> calamida<strong>de</strong> da cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>cretado<br />

pelo governo estadual. Entregou as fotos à<br />

editora da Folha que pagou pelo freela e pelo avião.<br />

Depois, uma vaga para fotógrafo surgiu e Joel foi<br />

contratado.<br />

Sua primeira gran<strong>de</strong> cobertura aconteceu<br />

Foto: Joel Silva<br />

Em uma cobertura, você tem sempre o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> tentar <strong>de</strong>monstrar <strong>de</strong> uma maneira fiel o que foi a ocupação.<br />

Ela serviu para colocar a presença do Estado no morro e tranquilizar a vida dos moradores. O que mais representa<br />

isso? Um soldado hasteando a ban<strong>de</strong>ira do BOPE ou as crianças buscando se divertir na piscina dos traficantes?<br />

em 1998, durante a Copa do Mundo da França. “No<br />

final do Mundial, fiz um registro histórico: Ronaldo<br />

trombando com Val<strong>de</strong>z. O Goleiro passando por<br />

cima do Ronaldinho e ele caindo. Tenho o negativo<br />

até hoje. É uma imagem histórica.”<br />

Pouco antes do Mundial <strong>de</strong> 98, no qual a<br />

França venceu em casa, Silva começou a trabalhar<br />

com serviços populares, tendo contatos com a<br />

violência urbana, quando surgiu investigação sobre<br />

drogas. “Aí surgiu a Colômbia, seguimos todo o trajeto<br />

das substâncias e, em 2000, fui ao país acampar<br />

com as FARC, Forças Armadas Revolucionárias<br />

da Colômbia, tendo seu primeiro contato com a<br />

zona <strong>de</strong> guerra.<br />

Silva relata que uma cobertura <strong>de</strong>ste porte<br />

é limitada: “Não é tudo que po<strong>de</strong> ser fotografado<br />

num acampamento. Tive acesso aos seus treinamentos,<br />

conheci o comandante das FARC, Raul<br />

Reyes, morto na fronteira com a Bolívia, e durante a<br />

guerrilha, enten<strong>de</strong>mos bem à i<strong>de</strong>ologia dos revolucionários”.<br />

Em 2009 recebeu nova missão: cobrir o<br />

golpe militar em Honduras, on<strong>de</strong> o exército aprisionou<br />

o presi<strong>de</strong>nte Manuel Zelaya e o enviou ao exílio.<br />

“Ao chegar no país, eles estavam em toque <strong>de</strong> recolher.<br />

A parte que apoiava Zelaya botava fogo em carros,<br />

era um cenário <strong>de</strong> <strong>de</strong>sastre máximo, como todo<br />

país em revolução. O que marcou foi uma menina<br />

que morreu com gás lacrimogêneo. Fiz seu enterro.”<br />

Em 2010, Silva enfrentou a zona <strong>de</strong> guerra<br />

em território nacional, sendo escalado para cobertura<br />

da reintegração <strong>de</strong> posse no Morro do Alemão,<br />

no Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> encontrou novos <strong>de</strong>safios.<br />

“Trabalhar em geografia com morros, como na favela,<br />

é uma zona altamente perigosa porque você não<br />

sabe <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem os tiros. Costumo dizer que as<br />

coberturas nos morros do Rio são as mais perigosas<br />

do mundo, a localização não facilita, e os traficantes<br />

não respeitam a imprensa”, conta Silva, que relata:<br />

“Os bandidos estavam <strong>de</strong> olho e sabiam on<strong>de</strong> nós<br />

estávamos. Certa vez, estava perto <strong>de</strong> um policial<br />

e os bandidos invadiram a frequência dos rádios,<br />

dizendo que iriam nos acertar e eu seria o primeiro<br />

a morrer. O policial pediu para manter a calma, que<br />

eram apenas ameaças. Você não sabe <strong>de</strong> on<strong>de</strong> tá<br />

sendo observado e po<strong>de</strong> morrer sem saber”.<br />

A carreira do fotojornalista é marcada, também,<br />

por coberturas em zonas <strong>de</strong> conflitos no oriente<br />

médio. Esteve na Guerra da Síria e na revolta da<br />

primavera Árabe, na Líbia. Cobriu o massacre no<br />

Cairo, capital do Egito, que vitimou mais <strong>de</strong> 800 pessoas<br />

em um único dia. “Coberturas assim são sempre<br />

tensas pela <strong>de</strong>cisão que você tem que tomar.<br />

Às vezes é a certa, às vezes, errada. A cada <strong>de</strong>z<br />

minutos você tem que tomar uma <strong>de</strong>cisão e essa<br />

<strong>de</strong>cisão significa sua vida.”<br />

Em 2015, saiu como andarilho pelas rodovias<br />

do Brasil. Foram 35 dias e 8 mil km rodados<br />

- <strong>de</strong> Chuí, RS, a Piranhas, AL. “O jornalismo passa<br />

por um momento <strong>de</strong> reavaliação profissional e eu<br />

ofereci ao jornal sair do Chuí para andar <strong>de</strong> carona<br />

como um <strong>de</strong>safio para ver a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma outra<br />

forma. Isso foi relatado em meu blog, (disponível<br />

em: maluco<strong>de</strong>br.blogfolha.uol.com.br).<br />

19


Foto: Joel Silva<br />

<strong>ComTempo</strong>: O que os 35 dias caminhando<br />

pelo Brasil lhe ensinaram?<br />

Joel Silva: Valores. Quando você <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>-se<br />

<strong>de</strong>les, sua visão muda completamente.<br />

Quando vive apenas <strong>de</strong> comer e dormir, passa<br />

a olhar para a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> outra maneira.<br />

Não é errado buscar uma casa confortável,<br />

as pessoas estão ficando ansiosas e isso<br />

é uma coisa ruim. É preciso ter o suficiente<br />

para viver <strong>de</strong> forma confortável. Tudo além<br />

disso é excesso e acaba virando um peso.<br />

Precisamos rever nossos valores, é o que<br />

posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> dica <strong>de</strong>ssa experiência<br />

<strong>ComTempo</strong>: E sua relação com a morte?<br />

Joel Silva: Comecei a ter contato com a<br />

morte nos serviços populares. Depois, foi tornando-se<br />

algo frequente, como no Massacre<br />

em Cairo. Lá, os manifestantes começaram<br />

protestar e o exército os repeliu com tiros,<br />

matando mais <strong>de</strong> 800 pessoas. Fomos até<br />

a mesquita on<strong>de</strong> estavam sendo colocados<br />

os corpos. Cheirava a sangue e os familiares<br />

apontavam para as manchas nos lençóis<br />

que cobriam os corpos. Todas na região da<br />

cabeça.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Já esteve frente a frente com<br />

ela?<br />

Joel Silva: Várias vezes. Uma bomba explodiu<br />

do meu lado; tomei tiro <strong>de</strong> raspão no Cairo;<br />

tive que fugir da Líbia perseguido pelos<br />

soldados, pois sabíamos que seríamos pegos,<br />

então, fugimos por 17 horas numa van<br />

até a capital do Egito. Foi o maior momento<br />

<strong>de</strong> tensão que já tive na vida. Houveram<br />

vários momentos on<strong>de</strong> estive <strong>de</strong> frente com<br />

a morte, e isso é tenso, mexe com a gente.<br />

Sobre o tiro, na hora não pensei em nada, só<br />

fui refletir <strong>de</strong>pois que voltei do oriente médio.<br />

Encaro isso como aci<strong>de</strong>nte da profissão, foi<br />

só <strong>de</strong> raspão e estou vivo.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como não envolver-se?<br />

Joel Silva: É impossível. Sem envolvimento,<br />

não há participação na história. Quando você<br />

submerge no porão <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> para<br />

trazer ao mundo aquilo que ela não consegue<br />

ver, você também é contaminado.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Como sua família reagiu ao<br />

saber que iria para zona <strong>de</strong> guerra?<br />

Joel Silva: Ele são tranquilos. Sabem que tenho<br />

cuidado, tenho muito medo - o que ajuda<br />

na cobertura - e enten<strong>de</strong>m que é minha profissão.<br />

Se acontecesse algo, é porque tinha<br />

que acontecer.<br />

<strong>ComTempo</strong>: Restam traumas?<br />

Joel Silva: Sim. Quando se vai pra zona <strong>de</strong><br />

guerra, não volta o mesmo. O famoso estresse<br />

pós traumático. Não sou a mesma pessoa<br />

<strong>de</strong> quando iniciei na fotografia. O Joel <strong>de</strong><br />

1994 não é o mesmo Joel <strong>de</strong> <strong>2018</strong>. On<strong>de</strong> há<br />

o que há <strong>de</strong> mais podre, sujo da socieda<strong>de</strong>, é<br />

impossível sair ileso.<br />

<strong>ComTempo</strong>: O que o Joel <strong>de</strong> <strong>2018</strong> diria pro<br />

Joel <strong>de</strong> 1994?<br />

Joel Silva: Se hoje eu fizesse uma ligação<br />

pro Joel <strong>de</strong> 1994, diria para que continue fazendo<br />

aquilo que ele realmente gosta <strong>de</strong> fazer.<br />

Po<strong>de</strong>ria ter morrido no meio do caminho?<br />

Sim!<br />

Se tivesse acontecido, sei que teria tomado<br />

todas as medidas possíveis para não acontecer.<br />

Agora, estou dando uma entrevista para<br />

a <strong>ComTempo</strong>, então, que siga em frente. O<br />

medo é a âncora <strong>de</strong> todo mundo.<br />

Comtempo: É possível ter fé no próximo?<br />

Joel Silva: Sim. A amargura faz parte da vida,<br />

mas não po<strong>de</strong>mos entregar-se a ela e dizer<br />

que a socieda<strong>de</strong> está perdida. Ainda há gestos<br />

humanos que nos fazem acreditar no próximo.


Rebel<strong>de</strong> corre proximo<br />

a bomba<br />

lançada por caça<br />

da Força Aérea<br />

da Líbia. Foi a primeira<br />

imagem <strong>de</strong><br />

bombar<strong>de</strong>io do ditador<br />

contra forças<br />

rebel<strong>de</strong>s na Líbia

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