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Crianças <strong>de</strong> colo tiveram suas fraldas tiradas e<br />
revistadas por soldados. Os postos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> foram<br />
fechados, poucos funcionavam, pois era gran<strong>de</strong> o<br />
medo dos profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> entrarem nas<br />
<strong>no</strong>ssas ruas cheias <strong>de</strong> tanques e jipes. Todos nós e<br />
todos os dias éramos revistados. Nossas casas eram<br />
invadidas. Mulheres foram estupradas, outras<br />
xingadas, outras abusadas, outras revistadas por<br />
soldados homens, outras tiveram seus pertences<br />
jogados <strong>no</strong> chão durante as revistas.<br />
Foram mais <strong>de</strong> 800 pessoas da Maré presas e que<br />
até hoje respon<strong>de</strong>m ao Tribunal Militar,<br />
respon<strong>de</strong>m a leis da ditadura <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um sistema<br />
que se diz <strong>de</strong>mocrático. Além das pessoas presas,<br />
outras muitas foram assassinadas, muitos dos casos<br />
tidos como “autos <strong>de</strong> resistência”, sem contar os<br />
<strong>de</strong>saparecimentos cotidia<strong>no</strong>s dos corpos.<br />
Enfim, vivenciamos ali a militarização da vida<br />
cotidiana, estamos vivenciando <strong>de</strong> <strong>no</strong>vo diante <strong>de</strong><br />
um <strong>Rio</strong> que vive uma intervenção militar. E esta é,<br />
sem dúvida, uma política <strong>de</strong> Estado racista e <strong>de</strong><br />
controle dos <strong>no</strong>ssos corpos negros, pobres,<br />
favelados, periféricos.<br />
O <strong>Rio</strong> é o espelho da militarização para todo o país.<br />
O Brasil vem se especializando na sua forma <strong>de</strong><br />
controlar e matar. Aqui, são os <strong>no</strong>ssos corpos os<br />
escolhidos como alvos para o treinamento. Para<br />
eles é projeto, pla<strong>no</strong> <strong>de</strong> um gover<strong>no</strong> que mata.<br />
Afinal, os gover<strong>no</strong>s <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s investiram<br />
mais em política <strong>de</strong> extermínio do que em cultura,<br />
educação, saú<strong>de</strong>, moradia.<br />
E, para fechar, posso afirmar um pouco mais sobre<br />
esta especialização do <strong>Rio</strong> e do Brasil neste tema <strong>de</strong><br />
controle e matança, quando na minha história <strong>de</strong><br />
vida, eu — Gizele — tive um soldado para cada 55<br />
moradores na Maré, mas nunca tive um médico ou<br />
um professor para cada 55 moradores na minha vida,<br />
na minha tão gran<strong>de</strong> e resistente favela da Maré.<br />
GIZELE MARTINS<br />
JORNALISTA PELA (PUC-RIO) E MESTRE<br />
EM EDUCAÇÃO, CULTURA E COMUNICAÇÃO<br />
EM PERIFERIAS URBANAS (UERJ-FEBF)