Amor, Ódio, Redenção e Morte (Adaptação teatral)_Paulo Vitor Grossi (2019)
Nesta adaptação, a problemática gira em torno do caso que o poeta Bruno tinha (ou ainda tem?) com Lila, sua editora, e como veem o mundo após sua separação, isso durante um tempo. A forma abrupta com que as coisas terminaram é apenas um detalhe, se alguém quiser se ater. “O reencontro dos dois reafirma o que já sabem, e também se deram conta ou não querem mais esconder: a vida que levavam até aquele momento é insuficiente, nada justa, e poderia ser muito melhor. Pretendem então uma troca!” Como alterar esse cenário? Sabemos que o caminho para o agraciar pode não ser dócil, nem afável será a companhia durante uma vida inteira. Para qualquer união existem altos e baixos, apenas os laços verdadeiros não se alteram. E o que dizer ainda das boas e perdidas almas que atravessam todo e qualquer percurso? Tomara que se reencontrem e possam sim corrigir o que quer que seja. Mas quanto tempo ainda lhes resta para redimir? O que descortinar e como respirar pelo total delírio de quaisquer conclusões... e, além de tudo isso, prosseguir na cadeia da Existência.
Nesta adaptação, a problemática gira em torno do caso que o poeta Bruno tinha (ou ainda tem?) com Lila, sua editora, e como veem o mundo após sua separação, isso durante um tempo. A forma abrupta com que as coisas terminaram é apenas um detalhe, se alguém quiser se ater.
“O reencontro dos dois reafirma o que já sabem, e também se deram conta ou não querem mais esconder: a vida que levavam até aquele momento é insuficiente, nada justa, e poderia ser muito melhor. Pretendem então uma troca!”
Como alterar esse cenário? Sabemos que o caminho para o agraciar pode não ser dócil, nem afável será a companhia durante uma vida inteira. Para qualquer união existem altos e baixos, apenas os laços verdadeiros não se alteram. E o que dizer ainda das boas e perdidas almas que atravessam todo e qualquer percurso? Tomara que se reencontrem e possam sim corrigir o que quer que seja. Mas quanto tempo ainda lhes resta para redimir? O que descortinar e como respirar pelo total delírio de quaisquer conclusões... e, além de tudo isso, prosseguir na cadeia da Existência.
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AMOR, ÓDIO, REDENÇÃO E MORTE. ADAPTAÇÃO TEATRAL<br />
Uma obra de <strong>Paulo</strong> <strong>Vitor</strong> <strong>Grossi</strong>
Para você que adquire um destes livros na forma física<br />
O preço (quando não, apreço!) terreno atribuído às obras do presente autor<br />
apenas se justificam pelos meios de produção e sua posterior divulgação. A<br />
fé em Deus, à Luz e ao Bem Comum é e sempre será o intuito desta vida,<br />
por enquanto durarem meus dias.<br />
Agradeço a todos a oportunidade, e que nossos erros possam ser<br />
perdoados.<br />
Que a Paz esteja em nós!
Prefácio para a primeira edição de “AOREM”<br />
Nesta adaptação, a problemática gira em torno do caso que o poeta Bruno<br />
tinha (ou ainda tem?) com Lila, sua editora, e como veem o mundo após<br />
sua separação, isso durante um tempo. A forma abrupta com que as coisas<br />
terminaram é apenas um detalhe, se alguém quiser se ater.<br />
“O reencontro dos dois reafirma o que já sabem, e também se deram conta<br />
ou não querem mais esconder: a vida que levavam até aquele momento é<br />
insuficiente, nada justa, e poderia ser muito melhor. Pretendem então uma<br />
troca!”<br />
Como alterar esse cenário? Sabemos que o caminho para o agraciar pode<br />
não ser dócil, nem afável será a companhia durante uma vida inteira. Para<br />
qualquer união existem altos e baixos, apenas os laços verdadeiros não se<br />
alteram. E o que dizer ainda das boas e perdidas almas que atravessam todo<br />
e qualquer percurso? Tomara que se reencontrem e possam sim corrigir o<br />
que quer que seja. Mas quanto tempo ainda lhes resta para redimir? O que<br />
descortinar e como respirar pelo total delírio de quaisquer conclusões... e,<br />
além de tudo isso, prosseguir na cadeia da Existência.<br />
Sobre a sociedade em que ainda vivem, é dito durante a peça: “Falemos de<br />
razão e princípios. Tais divagações que têm faltado... e nos pegamos em<br />
pleno ato de compartilhar as opiniões e anseios, os traumas das últimas<br />
décadas. Quantos estragos os últimos tempos impuseram às sociedades<br />
atuais?... vamos pensar. É preciso entender o que aconteceu, entender sob<br />
vários pontos e óticas. O que se passou após as guerras mundiais e quais<br />
revoluções surgiram e foram suplantadas pelo Capitalismo exacerbado...<br />
Conhecimento e força é a matriz poética, queremos os valores para<br />
vivermos em igualdade social!” Vejam só como o casal está, até parece que<br />
não conseguiriam sair disso!<br />
Em dado momento, sem que do acaso mais uma vez justificável possam<br />
fugir, flutuam em um puro pensamento universal, e aqui a voz de Lila vem<br />
como um alívio, falando que: “Eu sei antes de você (Bruno), por exemplo,<br />
que os signos usados para escrever e os que organizam as conclusões não<br />
são os mesmos da compreensão.” (Lila) Quer dizer então que dialogar<br />
ajuda? Parece que sim.<br />
A trilha sonora fica por conta da Música Popular Brasileira, sendo sugerida<br />
pelo autor as execuções de nomes como Alice, Instrumental Vox, Secos &<br />
Molhados, SAEM, íO, Cidade Negra, Naná Vasconcelos, Raimundos,<br />
Pholhas, Sepultura, Pitty, Gal Costa, Tim Maia, Mutantes, Cartola, Clube
da Esquina, Casa das Máquinas e mais (ver as indicações sugeridas no final<br />
do roteiro)<br />
Sobre as demais personagens, tão enfáticas entre si, citamos as aparições<br />
mais que decisivas do Jornaleiro e do Taxista, além da bela voz da<br />
Professora narrando estes fatos para as crianças (alunos) e os adultos (pais<br />
e parentes) É ela que começa
<strong>Amor</strong>, <strong>Ódio</strong>, <strong>Redenção</strong> e <strong>Morte</strong><br />
(A história de um Poeta e sua Editora num tempo de ausente Poesia)<br />
Atores (em ordem de aparição)<br />
Professora – NARRADORA<br />
Bruno – POETA<br />
JORNALEIRO<br />
COZINHEIRO<br />
PAI & A CRIANÇA<br />
Joca – TAXISTA<br />
PORTEIRO<br />
Lila – EDITORA
ATO UM<br />
[Abre o pano e entra pela direita a PROFESSORA, é ela que narra os<br />
movimentos da peça. Ela se posiciona no centro do palco. Começa a<br />
música “23h59min.” (Alice) A Professora sorri para o público, e por um<br />
tempo ela analisa as pessoas que estão assistindo a peça. Depois começa a<br />
falar.]<br />
PROFESSORA<br />
(para a plateia)<br />
Apenas… não vejam isto a menos que saibam quem são de<br />
verdade, previamente.<br />
[Começa a projeção com o panorama da cidade. Ouve-se de tudo, desde<br />
vozes de conversas casuais até carros e ônibus, músicas, buzinas, gritos e<br />
risos descompromissados de pessoas em seus afazeres e atitudes por ruas<br />
e calçadas. Muitas lojas e vendedores ambulantes povoam o ambiente. Só<br />
então é que começa a música “Sincopada Pt.1” (Instrumental Vox)]<br />
PROFESSORA<br />
(para a plateia)<br />
Na cidade a vida não para já que não se dá o direito!<br />
Ouvimos mais sons de lá, e algumas crianças cochicham.<br />
As imagens se contrapõem umas às outras; nossos atos,<br />
como os créditos de um filme, aparecem de baixo para<br />
cima na tela, um bloco subindo ao céu. Então chega o<br />
ponto em que o tempo muda!<br />
[A projeção agora mostra uma chuva torrencial.]<br />
PROFESSORA<br />
(para a plateia)<br />
Olhem para o alto dos céus enquanto assistimos os<br />
milhares de pingos caindo em seu ritmo intercalado.
Retomando a música de onde paramos, voltando daquele<br />
refrão que nos leva a nós mesmos. Este começo é vagaroso<br />
e seu intuito é seguir o ritmo da Natureza em detrimento<br />
do farfalhar da cidade ao fundo.<br />
[Volta a aparecer a projeção da tal cidade em um ângulo completo. É final<br />
de tarde, em algumas partes do céu já é possível perceber a chegada da<br />
noite.]<br />
PROFESSORA<br />
(para a plateia)<br />
Partiremos por fim para outro local, é um parque, e sobre<br />
a visão desse parque aos poucos vamos enxergando o título<br />
da história se fazendo na tela da existência. Nosso título,<br />
em letras vivas, revela um amor, um ódio, redenção e<br />
morte; dois seres que se reencontram continuamente<br />
através dos tempos. Fiquem conosco.<br />
[Começa a tocar “Primavera nos dentes” (Secos & Molhados) enquanto a<br />
Professora deixa o palco, pela esquerda. O pano desce no meio da música.]<br />
FIM DO ATO UM
ATO DOIS<br />
[Abre o pano e ouvimos apenas os sons da cidade. Depois a projeção<br />
mostra como já noiteceu. Caminha pensativo o poeta BRUNO pelo palco,<br />
vindo da esquerda. Ele segue com seu olhar o movimento das pessoas na<br />
plateia.]<br />
BRUNO<br />
(para a plateia)<br />
Eu voltei, viram!? Poderia ser um policial ou um mero<br />
angustiado com seus tons escuros, força e tristeza. Vejo<br />
então essa cidade, está úmida pois há pouco chovera, ela<br />
compactua com sua apatia, transforma meu rosto em uma<br />
careta divertida; nem sabe o porquê de seu desconforto,<br />
mas que lugar! Mesmo assim, a mesma careta poderia<br />
arrancar o sorriso de uma criança que passasse com sua<br />
mãe e um cachorro na coleira, bem ao meu lado.<br />
Poderiam rir também. Todos nós.<br />
[Bruno está cansado, visivelmente fatigado, e assim suas expressões e gestos<br />
demonstram isso, até a roupa lhe pesa, mas continua.]<br />
BRUNO<br />
(para a plateia)<br />
Em uma troca, vejo o céu noturno, mas enxergo apenas as<br />
fachadas dos prédios decaídos e um punhado isolado de<br />
pessoas nos parapeitos de seus apartamentos. Que sei de<br />
tudo isso? Agorinha tinha tão poucas preocupações, me<br />
parece que estou em pleno desencaminho, fui posto na<br />
encruzilhada da idade e da vez. Que sei eu da minha<br />
história? Tenho a impressão de qualquer insignificância...<br />
e é até melhor poder extrapolar alguma coisa, vejo que<br />
muita gente não sente mais. Curo então algo também da<br />
moléstia do egoísmo pelo mundo, é um exercício suicida!<br />
Mas é, e meus semelhantes? Como ajudo essa gente? É
minha gente! Como me ajudo? Sinto as dores do<br />
Universo, sinto sem distinções. Prefiro assim, me nutre de<br />
toda forma, e percebo que uma hora terei a resposta. Aqui<br />
eu penso... como fiquei tanto tempo longe?<br />
[Assim, ele hesita. Seu corpo fica paralisado, o rosto tenso. É um<br />
momento de tomada de consciência para o poeta.]<br />
BRUNO<br />
(assustado, para a plateia)<br />
E aqui o fluxo de pensamentos narrado se aquieta um<br />
pouco. Precisamos saber o que fazer!<br />
[Enquanto Bruno ainda está nessa letargia, toca a música “No Norte do<br />
Polo Sul” (Naná Vasconcelos), e aparecem projeções de pessoas de várias<br />
idades digitando em seus celulares.<br />
Depois de um tempo, mas como que retomando de um sonho, Bruno volta<br />
a si, anda mais pelo palco até que entra o JORNALEIRO, pela direita. A<br />
projeção é do interior de uma banca. Bruno se aproxima dele.]<br />
BRUNO<br />
(para a Jornaleiro)<br />
Boa noite, pode me trocar uma nota de R$ 50?<br />
JORNALEIRO<br />
(irritado, para Bruno)<br />
A essa hora, parceiro? Estou sem troco, claro.<br />
BRUNO<br />
(para a plateia)<br />
Se fosse então outro horário, me respeitaria?<br />
JORNALEIRO<br />
(confuso, para Bruno)<br />
Hã, como assim?? Ó, vaza daqui! Sem mais palavra<br />
alguma, já vi que tu é desses biruta.
[Bruno abre um sorriso, é uma felicidade aliviada. Há calmaria no<br />
ambiente, como se o que fora dito pelo Jornaleiro fosse tamanha besteira<br />
que nem abalara o ânimo desse cliente.]<br />
BRUNO<br />
(aliviado, para a Jornaleiro)<br />
Você falou comigo, que bom.<br />
Pois é, né.<br />
JORNALEIRO<br />
(para Bruno)<br />
BRUNO<br />
(para a Jornaleiro)<br />
Que sabe da história da tua própria espécie? Não fique<br />
preso a essa surpresa, por favor.<br />
JORNALEIRO<br />
Que tá geral lascado. Ei ô, vai encher o saco de outro,<br />
valeu!?<br />
[Reina um estranhamento depois daquele comentário, o Jornaleiro<br />
desconfia de Bruno, acha que ele o desafia e força a saída do rapaz com<br />
gestos.]<br />
JORNALEIRO<br />
(indiferente, para Bruno)<br />
Tudo certo? Tou fechando.<br />
[O Jornaleiro pergunta, vira o corpo e recolhe algumas revistas pelo chão<br />
do palco, como que mudando o foco daquilo tudo. Bruno está calmo,<br />
espera alguns segundos e responde.]<br />
Óbvio.<br />
BRUNO<br />
(para a Jornaleiro)
BRUNO (cont.)<br />
(agora para a plateia)<br />
Tal ato de raiva da parte dele, uma raiva ingênua, prosaica,<br />
só fez suscitar mais paciência em mim. Para algumas<br />
pessoas, a inquietude endereçada ao gênio do “herói” é<br />
como um alimento, dá forças. Vem à minha mente uma<br />
imagem plural demais, é como uma visão dentro da<br />
realidade comum, a imagem de uma máscara que cai pelas<br />
mãos cinzas do próprio Jornaleiro por cima da poeira de<br />
algumas das publicações. Ele resmunga, é algo ininteligível,<br />
mal pode falar coisa com coisa esse homem. Fica quieto.<br />
Eu vejo ele atado a esse cenário.<br />
JORNALEIRO<br />
(também para a plateia)<br />
Aparece a Bruno também, ele entende por fim a face<br />
pálida e assustada do comerciante olhando as mãos cinzas<br />
de poeira daquelas publicações. Estou assim, cansado de<br />
vender nessa vida!<br />
BRUNO<br />
(para a plateia)<br />
E se cala definitivamente, olhando as revistas e o troco; o<br />
Jornaleiro sente vergonha, olha para os lados... e tomba<br />
com seu corpo pesado, e estica as mãos pedindo socorro.<br />
É como um raio, uma lucidez tardia; um raio certeiro<br />
então atinge o cara estendido, que levanta o corpo e as<br />
mãos para o alto. É só.<br />
[Bruno sai calmamente, o Jornaleiro dá um sorriso.]<br />
JORNALEIRO<br />
(para Bruno já distante)<br />
Tchau! Liga não.<br />
[Sai o Jornaleiro, pela direita como havia entrado. Depois, a projeção volta<br />
às ruas, as imagens são exibidas da perspectiva da pessoa que caminha.<br />
Bruno também passeia pelo palco.]
BRUNO<br />
(para a plateia)<br />
Humanos, se ficam sem interesse. Que lhes falta? O que<br />
houve nesse processo? Parece que a naturalidade virou<br />
palavra classificada e só é vista nas telas do passado. Tudo<br />
e mais a me azucrinar a cabeça! Para quê! Quê? Qual foi?<br />
Se reclama é o chato! Ahh. Se diz qualquer coisa, é<br />
pretensioso. O que querem? Talvez o apressado seja eu<br />
mesmo e as coisas se ajeitam depois, afinal, a ordem já<br />
esteve por aí antes de mim, antes até do planeta. Eu que<br />
não passo de instante e matéria orgânica para os ciclos da<br />
Existência. Viver é só errar mesmo... Mas será que volta<br />
tão melhor quanto?<br />
[Terminando de falar e ainda andando, ouvimos “Podes crer” (Cidade<br />
Negra) enquanto outra projeção mostra uma zona de bares, a área boêmia<br />
do centro da cidade. Pessoas em mesas discutem exaltadas, turistas se<br />
perguntam banalidades em uma língua estranha e olham seus mapas; uma<br />
garota discute com alguém ao celular, uma jovem mãe repreende seu filho,<br />
diversos repórteres de rádio, televisão, jornais disputam entre si; um grupo<br />
comenta sobre qual seria a senha do Wi-Fi dali; uma atraente repórter de<br />
uma página online e um estagiário acertam detalhes, ela com um caderno<br />
de notas na mão... estão esperando por algumas palavras de um senhor<br />
engravatado enquanto um morador de rua dá risadas deles.<br />
Bruno está perdido entre todas essas ocorrências, olha em volta, pede ajuda<br />
ao público. Terminando a música e a projeção, fica apenas a voz do poeta<br />
sem o som ambiente do teatro. Continua ele a se imolar.]<br />
BRUNO<br />
(para a plateia)<br />
Todos eles e seus problemas e pressas. Há um mundo<br />
interligado e relações desconectadas; senão descontroladas!<br />
Por que não conseguem se concentrar como pessoas? Já<br />
tentou um texto completo ou só se limita às páginas de<br />
notícias, posts de redes sociais? Preocupe-se com a vida<br />
adulta, onde há mais dureza. Sim? Ou não? Deve<br />
depender. Não, não mesmo! Não dependa.<br />
Eu não sou um computador, vamos fazer por partes.
Calma, relaxa, esvazia a tua mente! Pense como uma célula<br />
normal, tanto mediana, sei lá. Pensa sem travas! Esquece<br />
um pouco as máquinas e seus confortos. Peço que fique,<br />
ao menos, este dia fora da linha, isso, sem celular. Não<br />
estou senso herege, vaiii. Há tanto para se discutir; tanto<br />
tempo foi gasto em asneiras e distrações.<br />
[E Bruno provoca a plateia ainda mais com as seguintes palavras em tom<br />
de brincadeira.]<br />
BRUNO<br />
(rindo, para a plateia)<br />
“Ainda consegue, viciadinho? Viciadinha?”<br />
[A projeção mostra uma lanchonete. Bruno detém-se na frente do telão.<br />
Entra o COZINHEIRO, à esquerda, notadamente contrariado.]<br />
BRUNO<br />
(para o Cozinheiro)<br />
Um suco de laranja, por favor. Homem, a maré é de<br />
instabilidade e ações turvas de bondade.<br />
[O Cozinheiro não liga para o que Bruno diz. Mesmo assim, o Cozinheiro<br />
grita para Bruno como estivesse de lá de dentro da lanchonete. Ele prefere<br />
irritar.]<br />
COZINHEIRO<br />
(para Bruno)<br />
Tamos fechando!!! Tenta o da esquina!<br />
BRUNO<br />
(para o Cozinheiro)<br />
Tá brabo, hein. E por que não abaixou a grade?<br />
COZINHEIRO<br />
(desaforado, para Bruno)<br />
Quem é tu para me dizer o que fazer?
[Abrupto, o Cozinheiro faz movimento de abaixar uma grade. De fora do<br />
palco, figurantes vestidos de ajudantes com sua vestimenta típica riem do<br />
que se passa. Bruno entra na zoação.]<br />
BRUNO<br />
(para o Cozinheiro)<br />
Eu, pois que nem sou ninguém. Tampouco tenho mais<br />
nome.<br />
COZINHEIRO<br />
(para Bruno)<br />
Então se larga daqui. Chispa!<br />
BRUNO<br />
(apontando para a plateia)<br />
Ao contrário do que pensam os transeuntes curiosos, saio<br />
é aliviado, como se dessa situação fosse brotar um sorriso<br />
besta no meu rosto machucado. Vou para a pista principal,<br />
numa pequena corridinha. Respiro fundo. Por certo que<br />
são somente irrelevâncias. A vida é de se surpreender.<br />
Apenas o perder, para nós, isso que é complicado. Existe<br />
um molde; a forma nem foi para o lixo. Nunca disse que<br />
era... profissional.<br />
COZINHEIRO<br />
(para Bruno)<br />
Ah tá, se tá dizendo. Já nem sei o porquê de tudo isso,<br />
rapaz.<br />
BRUNO<br />
(respirando fundo, para a plateia)<br />
Percebem? Que sabe a pessoa estabilizada sobre<br />
desenvolver atividades cerebrais mais intensas? E da busca<br />
pelo Conhecimento além do que percebemos do usual??<br />
Que houve com tuas relações, cara? Como escapuliu tua<br />
Filosofia? Onde relega tuas realizações!? E o calor, os<br />
toques, risos, trapalhadas, besteiras? Não era belo tentar?<br />
Sempre a gente... Para sempre se arrependerá de esquecer
quem é. E foi. Foi-se. Por onde anda tua família, amigos,<br />
amores? Volta para terra e o que pode tocar, que os outros<br />
elementos te seguem. O comércio te levou mais do que<br />
pensa. Te pinica. Escancarou o portão da sanidade. Leiame<br />
então, e depois joga fora. É para reciclar o papel e<br />
você. E eu... também concordo que sem livros não há<br />
futuro... é mais um grave erro da atualidade pensar que<br />
pode suprimir a cultura pela tecnologia! As coisas precisam<br />
ser somadas, não divididas dessa forma tola. Ih, tecnologia,<br />
que sonsa!<br />
[Bruno puxa um celular do bolso e joga para a plateia. Ele ri. Passa uma<br />
CRIANÇA falando com o PAI, ele se distrai.]<br />
CRIANÇA<br />
(para o Pai)<br />
Dá gole desse guaraná... falta muito pra gente chegar, pai?<br />
Que sede...<br />
PAI<br />
(para a Criança)<br />
Vamos andando, filho. Hoje é um dia de descanso, vamos<br />
assistir uns shows; não tem celular nem videogame, é só a<br />
gente mesmo e música alta.<br />
Tá bom!<br />
CRIANÇA<br />
(para o Pai)<br />
[O poeta sorri, adiciona essa frase, olhando para o Pai e a Criança.]<br />
BRUNO<br />
(para a plateia)<br />
Me informa mais desse algo bom, inominável. A família<br />
sim é uma estrutura completa.<br />
[Pai e filho vão embora, em paz.]
BRUNO<br />
(sorrindo)<br />
Quem ia que tava que tava... inominável? Não confiem<br />
[E nem bem Bruno completa a palavra “inominável”, ouvimos a música<br />
“Felicia” (íO) roubando a cena! Bruno ainda fala mais, e enquanto a música<br />
toca ele torna a andar na paisagem noturna da projeção.]<br />
BRUNO<br />
(para o Pai e a Criança)<br />
Esses superficiais de papel! E ainda existem deles<br />
querendo desestabilizar as pessoas e seus lares.<br />
BRUNO (cont.)<br />
(para a plateia)<br />
São os mesmos superficiais que fazem isso com a Música.<br />
Têm uma partitura que não sabem ler, buscam o “papel”<br />
da Música para a alma humana mas não ouvem um álbum<br />
completo. Quem sabe possam ter uma noção, já que não<br />
são nem artistas ou apreciadores nem nada; nem acha que<br />
Cultura sirva para alguma parada além de aparecer na TV,<br />
ou algo disso que lhe cabe no bolso. Homem, é<br />
exatamente o contrário: a Arte é para deixar justamente a<br />
vida mais prosaica, leve, achando graça na “perda de<br />
tempo” de acreditar nela; fiem-se na distração, num modo<br />
de existir mais digno. São as mesmas balelas que existem e<br />
vocês sabem delas, porém com outra roupagem. Me<br />
entenderam? Tentei ser didático, e eu digo isso olhando<br />
vocês, para os espectadores.<br />
BRUNO (cont.)<br />
(bocejando, para a plateia)<br />
Odeio isso de nhenhenhém, se continua, me faz cansar e<br />
transpirar, ainda que me renove o corpo; o banho de mar<br />
tem o mesmo efeito. O mar te ajuda! E Arte também, eu e<br />
você, bem mais que isso de manuseio caro ou barato, é a<br />
Beleza de nossa espécie... Mas por hoje chega, é demais.<br />
Você aí ouvindo e eu aqui andando logo teremos nossos
sonhos cheios, e agravamentos, e... pesadelos. São<br />
necessários. Que mundo chato hoje, por sorte o ser<br />
humano é como uma criança perto da idade do Universo,<br />
aprendendo, engatinhando dentro da ordem eterna.<br />
[Bruno ri. Ditas as presentes palavras, ele se recolhe para o canto esquerdo<br />
do palco e apanha algo, um pano claro. Toca outra música, é “Sauer Jam”<br />
(íO) Logo após alguns segundos, Bruno veste a roupa, uma túnica de um<br />
linho claro que cobre todo o seu corpo. Ele fica então de pé com os braços<br />
levantados, paralisado. Sai desse estado quando enche os pulmões, abaixa<br />
um pouco a cabeça e os braços para ficar no nível do público. Ele declama<br />
o poema a seguir.]<br />
BRUNO<br />
(solene, para a plateia)<br />
“O movimento que pelo ar atravessa e cria a chama; é<br />
sempre você com o renascer caminhando, junte então.<br />
Nós somos o que ainda há tempo!”<br />
[Ele recolhe o corpo, abraçando a si próprio em lento voltear. Inspira e<br />
expira seu ar com os braços ao redor do corpo.]<br />
[O pano desce.]<br />
BRUNO<br />
(para a plateia)<br />
É o que espero.<br />
FIM DO ATO DOIS
ATO TRÊS<br />
[O pano reabre e a projeção mostra a orla da cidade, entra Bruno pela<br />
direita enquanto toca um trecho de “Blu” (íO) Na projeção agora passam<br />
automóveis por uma pista. Bruno faz final como se fosse pegar um táxi.<br />
Entra pela esquerda o TAXISTA, arrasta prosaicamente duas cadeiras e<br />
indica para Bruno. Bruno sorri e eles se sentam, lado a lado. A projeção<br />
então mostra a visão do motorista de dentro do carro passando pela cidade.<br />
O Taxista puxa assunto, quer ser simpático como faz com todo mundo,<br />
mesmo que puxar assunto com esta pessoa contemplativa que entra em seu<br />
táxi se torne quase que um dever. Ele nota a face perdida do homem ao<br />
lado. Toca como se fosse no rádio do carro algo esporrento (“Nariz de<br />
Doze”, Raimundos), e então o Taxista “abaixa o volume” com sua mão<br />
direita. Fala ele com Bruno.]<br />
TAXISTA<br />
(simpático, para Bruno)<br />
Desculpa, o volume alto do som do carro atrapalharia o<br />
entendimento da minha voz, enfim.<br />
Ninguém gosta de ficar muito tempo mesmo naquela área,<br />
foi bom você evitar. Ali era legal, agora anda lotada de<br />
parasitas. Nem parar para tomar uma brejazinha em paz é<br />
possível. Não acha?<br />
BRUNO<br />
(para o Taxista)<br />
Concordo plenamente, senhor...<br />
TAXISTA<br />
(para Bruno)<br />
É Joca, me chamo Joca.<br />
[Bruno olha para o lado, através da projeção ele vê o mar e a orla da cidade<br />
desfazendo-se no passeio do carro. Volta, sorri e completa.]
BRUNO<br />
(para o Taxista)<br />
E para quê me diz isso?<br />
TAXISTA<br />
(para Bruno)<br />
Quê, meu nome?<br />
BRUNO<br />
(para o Taxista)<br />
Não, o de antes. Por que foi bom sair dali? Me chamo<br />
Bruno. Prazer.<br />
TAXISTA<br />
(para Bruno)<br />
Não sei, bem, talvez pelo fato de comentar. Às vezes<br />
dividir os pensamentos é bom, meio que gasta as<br />
preocupações, alivia. E quando aparece um cliente aqui no<br />
táxi que tem as mesmas queixas, discutimos abertamente.<br />
BRUNO<br />
(irônico, para o Taxista)<br />
Tá certo. Não que isso possa trazer alguma solução real!<br />
TAXISTA<br />
(para Bruno)<br />
Na minha opinião, olha, sim que pode.<br />
BRUNO<br />
(evasivo, para o Taxista)<br />
O que você faz a respeito?<br />
TAXISTA<br />
(para Bruno)<br />
Bem, além de reclamar e fazer piadinhas...
BRUNO<br />
(animado, para o Taxista)<br />
Faz piadas!?<br />
É.<br />
TAXISTA<br />
(para Bruno)<br />
TAXISTA (cont.)<br />
(para Bruno)<br />
Talvez isso aconteça com todo mundo que passa aqui,<br />
quer dizer, toda relação comercial no fim é assim...<br />
estranha. Por isso uma piada suaviza tanto.<br />
[Sorri o Taxista. A projeção então mostra o interior do automóvel decorado<br />
e personalizado, como com uma extensão da vida pessoal do Taxista; além<br />
disso, as propagandas de valores e pacotes de destinos turísticos fazem a<br />
visão de Bruno se perder através do telão. O rosto de Bruno percorre<br />
também o estofado com seus rasgos, um crucifixo no retrovisor e uma<br />
sacola com restos de lanche no banco da frente. Logo após, a projeção<br />
apresenta outras ruas por onde o carro passa.]<br />
BRUNO<br />
(para o Taxista)<br />
Muitos fazem também, entendi.<br />
TAXISTA<br />
(para Bruno)<br />
Temos essa arma.<br />
BRUNO<br />
(para o Taxista)<br />
Não é uma “arma”, meu amigo, é uma forma de se excluir<br />
da real proporção. Transforma os problemas em<br />
brincadeiras. Tanta gente faz isso, quem ri por último são<br />
os que ficam intocáveis.
TAXISTA<br />
(para Bruno)<br />
Não te entendendo, moço.<br />
BRUNO<br />
(para o Taxista)<br />
Por que, em vez de fazer piadas, não grita pelo vidro do<br />
carro?<br />
TAXISTA<br />
(rindo, para Bruno)<br />
Me tomam por maluco, poxa. Mas que postura agressiva.<br />
BRUNO<br />
(mais calmo, para o Taxista)<br />
Tem razão. Na verdade, todos somos loucos, aceitamos<br />
essa vida se paramos nela. Há de ser notar a medida! Mas<br />
isso não se discute... desde que a Espécie saiu da Savana...<br />
Hunf. Bem, ao menos você os incita a pensar, né. É uma<br />
aproximação.<br />
TAXISTA<br />
(para Bruno)<br />
Quem, os clientes? Claro, fuzilo a cabeça da galera. Sabe,<br />
passo muito tempo aqui sentado, rodando, vendo cada<br />
figura. Aí fica tudo parado. Nem sempre tem gente, muitos<br />
vão de ônibus, metrô, é mais barato mesmo. E agora os<br />
aplicativos. Fica muito tempo pra mim sozinho, digo,<br />
conversando comigo mesmo.<br />
BRUNO<br />
(para o Taxista)<br />
Faça isso sempre, de entender você mesmo de uma forma<br />
jamais vista. É, cara, acredito muito no que dizem, falam<br />
que o básico é você saber quem é.
TAXISTA<br />
(para Bruno)<br />
É, deve ser, conhecer a você mesmo e tal, vai que é...<br />
[Começa “Solidão” (Pholhas) A música é tocada durante boa parte do final<br />
do trajeto proposto no telão, enquanto o táxi é visto do alto rodando pela<br />
cidade e fazendo curvas. Foco nos olhares do Taxista e de Bruno vendo o<br />
que passa nas ruas. Toca até antes do próximo diálogo entrar.]<br />
TAXISTA<br />
(para Bruno)<br />
Conhecer a você mesmo, já ouvi isso. Chegou teu ponto.<br />
Tenha uma boa noite.<br />
BRUNO<br />
(para o Taxista)<br />
Tomara, todos nós. Aqui tá o pagamento, espera.<br />
[Bruno mexe no bolso, pega a algumas notas e estica a mão com o<br />
pagamento da corrida. O Taxista olha para Bruno um pouco sem graça.]<br />
Valeu!<br />
TAXISTA<br />
(para Bruno)<br />
BRUNO<br />
(para o Taxista)<br />
Fica com o troco, por ter te alugado a viagem toda. Sei que<br />
não é o devido, mas enfim. Minha cabeça está longe.<br />
TAXISTA<br />
(para Bruno)<br />
Ei, todos temos questões.<br />
BRUNO<br />
(para o Taxista)<br />
Que bom! Boto fé nisso.
TAXISTA<br />
(para Bruno)<br />
Tá certo, tchau meu amigo. Fica com Deus!<br />
BRUNO<br />
(para o Taxista)<br />
Você também! Valeu.<br />
[Bruno se levanta e sai ao mesmo tempo que o pano desce.]<br />
FIM DO ATO TRÊS
ATO QUATRO<br />
[Abrindo o pano, começa a tocar a música “Siporsi” (SAEM) Entra a seguir<br />
pela direita a Professora com um livro na mão “lendo” para algumas<br />
crianças e adultos. A projeção apresenta o prédio de Bruno. As crianças<br />
depois saem pela esquerda do palco, ficam apenas os adultos.]<br />
PROFESSORA<br />
(para os alunos)<br />
Bruno não pode evitar o cansaço nas escadarias até a<br />
entrada do condomínio. Anda ele em um passo<br />
descompromissado até chegar próximo à guarita, depois<br />
solta um bocejo! Cumprimenta o vigia pelo caminho com<br />
um “Olá, boa noite... tudo tranquilo, tranquilo”, e ri; e o<br />
outro também ri. Mas o vigia não responde com palavras,<br />
apenas olha para frente e acena com a cabeça. Ao que,<br />
depois, este puxa da gaveta da mesa onde está sentado uma<br />
garrafinha dessas de bolso e dá uma golada demorada;<br />
retira também um maço de cigarros do bolso da camisa,<br />
estica-se. Depois de acender o cigarro, o vigia então presta<br />
atenção em uma linda jovem que passa em frente à guarita.<br />
[Entra o PORTEIRO com um cigarro aceso, depois vem a JOVEM<br />
LINDA. Eles se olham demoradamente. Toca a música “Hot Brunette”<br />
(íO), nesse ínterim.]<br />
PORTEIRO<br />
(para a plateia)<br />
Sempre ela por aqui. É o que faz a noite mais limpa, ahhh.<br />
PROFESSORA<br />
(para os alunos e a plateia)<br />
Do outro lado das grades da vila em que Bruno mora há<br />
um movimento escasso. O vigia acompanha intimamente a<br />
Jovem. Ela percebe tudo, mas deixa. Melhor sair rindo!
[Chega Bruno pela esquerda e fica ali olhando a plateia.]<br />
BRUNO<br />
(no canto, para o Porteiro)<br />
Danadinho você. Só apaga esse cigarro, por favor.<br />
PROFESSORA<br />
(rindo, para os alunos)<br />
Voltando à escadaria, entre pensamentos rápidos,<br />
aparecendo e reaparecendo em diferentes ângulos, os<br />
sapatos de Bruno e seus passos ditam os movimentos. E<br />
narra ele, é o que sabe.<br />
BRUNO<br />
(já no centro do palco, para a plateia)<br />
Como seria propor uma questão a todos que possam ter<br />
acesso... Digo, até a nível mundial. Vincular em todas as<br />
mídias existentes, como uma comoção global. Daria o<br />
título de “A Questão do Equilíbrio das Coisas”. Quantos<br />
seriam atingidos e quais os que nada fariam caso? E se<br />
dissesse para todos nós que é um poema? Isso mesmo, um<br />
poema de todo mundo, de poesia pura, ainda lembram?<br />
Isso sim é para rir, me contradizendo.<br />
PROFESSORA<br />
(para a plateia)<br />
Ouvimos os risos de Bruno ao dizer a palavra<br />
“contradizendo”. E seu suor, a respiração dele. Está<br />
ansioso!<br />
BRUNO<br />
(ansioso, para a plateia)<br />
Quis dizer, é... um “poema cláusula, ou, se preferirem,<br />
prosa solidária”. Proponho com esse poema a imposição<br />
da discussão de como a noção de união move blocos,<br />
como já tanto o fizemos antes! A todos que possam<br />
acreditar nos desafios. Falemos de razão e princípios. Tais<br />
divagações que têm faltado... e nos pegamos em pleno ato
de compartilhar as opiniões e anseios, os traumas das<br />
últimas décadas. Quantos estragos os últimos tempos<br />
impuseram às sociedades atuais?... vamos pensar. É<br />
preciso entender o que aconteceu, entender sob vários<br />
pontos e óticas. O que se passou após as guerras mundiais<br />
e quais revoluções surgiram e foram suplantadas pelo<br />
Capitalismo exacerbado... Conhecimento e força é a matriz<br />
poética, queremos os valores para vivermos em igualdade<br />
social!<br />
[A projeção mostra melhor a fachada da residência dele, um prédio comum,<br />
modesto.]<br />
PROFESSORA<br />
(para os alunos)<br />
O poeta descansará uns segundos. Ouve os vizinhos<br />
tagarelando. Gira a fechadura com calma, chega finalmente<br />
na sua casa. Arrasta-se para dentro. Não acende luz<br />
alguma, apenas vai tateando. Acha a cama e... desaba.<br />
[O ator se deita no chão do teatro, boceja. A projeção mostra o luar da<br />
cidade.]<br />
[O pano desce.]<br />
PROFESSORA<br />
(para os alunos)<br />
Bruno está dormindo na cama, que sono agitado. Sua<br />
janela está aberta e vemos a lua cheia daquele dia, sob um<br />
céu bem estrelado e rico. “Então a lua remexe os sonhos<br />
das pessoas, é isso”, diria o poeta.<br />
FIM DO ATO QUATRO
ATO CINCO<br />
[Abre o pano e lá está a Professora no meio do palco. Chega mais para a<br />
borda, perto do público.]<br />
PROFESSORA<br />
(para a plateia)<br />
É de manhã. Ouvimos sons de muitos pássaros. Esse<br />
panorama passa assim um bom tempo, tudo em paz,<br />
apenas um céu azul do momento matinal.<br />
[Na projeção, uma televisão está ligada em qualquer desenho animado;<br />
logo, terminado este, vem em seguida um destes programas culinários de<br />
auditório.]<br />
PROFESSORA<br />
(para a plateia)<br />
Bruno caminha em direção ao aparelho e desliga. Volta ao<br />
sofá de onde saíra.<br />
[Nisso, toca alguma música arrastada e bucólica. Na sugestão, “O Relógio”<br />
(Mutantes)<br />
Entra Bruno com uma cadeira na mão, vai para junto da Professora e a<br />
cumprimenta. Depois se senta para assistir o telão; durante praticamente<br />
toda a execução da música ele está sentado com a cabeça pendendo para<br />
trás. No final, põe-se a comer seu pão, biscoitos e bebe café imaginários.]<br />
PROFESSORA<br />
(para a plateia)<br />
Durante o lanche, ele reflete sobre a questão do riso.<br />
Sente-se melhor ao comer. Fala consigo e conosco,<br />
espectadores poéticos, ao mesmo tempo... em voz alta.<br />
Seu monólogo, ou desabafo, é este... e deve ser!
BRUNO<br />
(para a Professora e a plateia)<br />
O riso, isso que me torna... afável. O riso como<br />
esclarecimento, adorno, fuga, desleixo. Rindo para não<br />
“chorar”, ainda que mesmo assim, faz afogar as mágoas.<br />
Meio que expele o peso das costas, exorcizando e<br />
aliviando, como acontece em uma terapia. O mesmo efeito<br />
paira sobre o riso grupal, a comoção dos humores. Se te<br />
enlatam o riso, terá que pagar para mexer os músculos da<br />
face... não deixa! Rir é saúde, ou não se lembra de tanta<br />
gente amiga advertindo que ficaremos mais jovens rindo;<br />
igualmente o riso te tira tanto desse peso de existir. Penso<br />
de novo como existe tanta gente que não quer mais<br />
ninguém rindo ou mesmo só feliz! Tanta gente nem<br />
querendo alguém por perto. Recebe de bom grado à<br />
qualquer momento, dê gratuitamente um olá, sorrindo.<br />
Isso eu não prescrevi, só enfatizo, como quase tudo o que<br />
comento... nesse instante aqui, entre nós. Sim, e nem<br />
quero nada em troca! É uma tendência, um fato, hábito<br />
antigo, vai saber, vamos rir juntos. O certo é que funciona,<br />
e faz mesmo bem... para ambas as partes, é preciso<br />
sinalizar... Nós e quem fizer o bem de rir. Precisamos<br />
demais adorar esta vida!<br />
Bom, não sendo profissional... é até melhor assim, sem<br />
pressas ou pressões; dar a alguém a graça, o ar da paz. Sem<br />
ter que inventar a esmo; o que é, é o que é... gostem ou<br />
não, este método empregado faz parte.<br />
[Bruno se ajeita na cadeira. Em flashes aparecem seguidamente muitas<br />
projeções com pessoas rindo.]<br />
PROFESSORA<br />
(para a plateia)<br />
Esses risos então tomam conta do ambiente, porém, que<br />
não sejam de uma alegria insana, beirando o ódio,<br />
desprezo, mas sarcasticamente, não veem? Ecoam as vozes<br />
e seus risos característicos, risos de gentes diversas pelo<br />
mundo, em instantes bruscos.
[Bruno se reclina mais na cadeira.]<br />
PROFESSORA<br />
(para a plateia)<br />
Ainda assim, continua divagando o poeta, talvez a se<br />
explicar, falando como se para esse propósito bastasse a<br />
explicação.<br />
BRUNO<br />
(para a plateia)<br />
Brincadeira, foram rodeios a despistá-los... de minha<br />
ignorância. Afinal de contas, estamos na mesma todos os<br />
seres, apenas fazendo o que nos dá na telha. É belo tentar!<br />
E achar que é. Somente o que importa, e intensamente.<br />
Há mais riqueza em todas as convicções que tivermos<br />
assim, disso posso tomar fiado e emprestar o conceito. Um<br />
beijo e um abraço às pessoas amargas a que nada de bom<br />
baste, esqueçam isso, esqueçam do que eram. Vamos<br />
tentar, mexa esse rosto! Eu calmamente rio.<br />
Libera a criança para sempre, vai ser legal. Liberte sua paz!<br />
Finalmente livre, a estudar o mundo inteiro... e isso inclui,<br />
obviamente, os benefícios e malefícios. Digo também para<br />
romper com o passado... não sem antes lhe enxugar as<br />
rugas e sugar do suor a experiência, as ações e tomadas de<br />
consciência. O melhor do que foi, do que era, reutilizado<br />
dando-lhe prosseguimento. Coisas não finalizadas nem<br />
interessam tanto, você verá, vocês verão. Há tensão, haverá<br />
sempre quando a força e determinação estiverem<br />
presentes.<br />
[Estica-se novamente o poeta. Respira fundo.]<br />
BRUNO<br />
(para a plateia)<br />
É tão amplo que me envergonho ao pensar pequeno!<br />
Podemos é de tudo! Pode ser de tudo em... e para... todos<br />
nós. Aprisionar o sentido, ou os sentidos, a um punhado<br />
ou dois de significados é sacanagem!!
[Bruno fica de pé e olha para os lados, a projeção mostra um auditório.]<br />
BRUNO<br />
(para a plateia)<br />
Só falta a aproximação, pessoas para pessoas! Deixa rolar,<br />
vai. Ofereça-se ao natural, sinta em você mesmo a vida<br />
fluir, ouça com todo cuidado; agradeça a Deus a<br />
oportunidade e perdão para tantos erros; Ele nos perdoa!<br />
Então você vai perceber seu próprio corpo se movendo e<br />
dando as caras ao redor. Sempre tende a se expressar o<br />
corpo vivo, é dele isso. O <strong>Amor</strong> existe!<br />
PROFESSORA<br />
(para a plateia)<br />
Diante dessas palavras reconfortantes, e feliz ao desabafar,<br />
Bruno se dirige à geladeira. Ele come algo.<br />
[A imagem de uma geladeira é projetada. Bruno encena o ato de abri-la,<br />
pegar algo e comer. Depois também encena tudo o que a Professora narra.]<br />
PROFESSORA<br />
(para a plateia)<br />
Os passos seguinte se passam fora da casa. Está Bruno<br />
separando o lixo em plásticos, papéis e materiais orgânicos<br />
ao mesmo tempo que atira tudo nos seus devidos<br />
recipientes. Ouve o telefone de longe. Corre. Entra em<br />
casa, mas logo que entra dá uma topada na quina da mesa<br />
da cozinha, uma dessas batidas que deixa qualquer um<br />
zonzo vendo trens e estrelas! Ele xinga todos os palavrões<br />
possíveis... e quem não!? Bem, mas ele não vai fazer isso<br />
em voz alta, aqui ele só faz uma cara irritada.<br />
[Com a pancada, algo desorientado, ele leva a mão esquerda à cabeça.]<br />
PROFESSORA<br />
(para a plateia)<br />
Logo, a ação se passa internamente. De forma embaçada<br />
ele inicia a narração do que lhe veio à mente. Ouvimos.
[Passa no projeção a reprodução dos pensamentos do poeta, entre imagens<br />
múltiplas de cores borradas, tintas, texturas que tomam a tela, escorrendo<br />
como faria a tonalidade do próprio sangue humano espirrado em uma<br />
superfície. Bruno ri dele mesmo assim que começa a falar. Toca ao fundo<br />
“O Caminho do Bem” (Tim Maia)]<br />
BRUNO<br />
(para a plateia)<br />
Ah m&®! Tinha que levar essa topada, arrancou um<br />
pedaço de mim. Fiquei zonzo sem querer... antes fosse<br />
induzido! Mais parecem os juros do mundo a me<br />
perturbar com suas cobranças fartas e desmedidas. Uns<br />
sobre os outros os juros para eu ‘ficar’ em o que quer que<br />
seja. Por que será que entrei nesse jogo? Não sou disso,<br />
não suporto nem competir. Não é minha essa sociedade,<br />
não pertenço a isso, me desfoca... que faço? Vivo, as<br />
topadas e os juros me perseguem; morto, há o indefinido.<br />
Fujo? Assassino o ‘sistema’? Me mudo para uma ilha<br />
deserta? Onde é ela? Troco de planeta? Adiantaria<br />
mesmo?<br />
BRUNO (cont.)<br />
(para a plateia)<br />
Ficar zureta só me faz estar é alerta, a pensar na Poesia, na<br />
Palavra; tudo desfalece, vira areia nesse caminhão<br />
moderno. Não estou à venda, sou um poeta pelas pessoas,<br />
mas essas mesmas pessoas só assimilam arte que é vista<br />
estática, ali como que na estante e sem graça, meramente<br />
exposta. Como ficar, então? Me ponho louco ao aceitar<br />
essas regras, ou estava doido ao considerar? Querem<br />
minha alma restringida. Digo não, sou íntegro e bemdisposto,<br />
não entro nesses esquemas; sou um homem livre,<br />
poxa! Porém, não estou em lugar algum, me evitam, virei<br />
um fantasma próprio e modelo de passado. Se a Arte virou<br />
pedra velada, e eu participava dela, então sou um<br />
paradoxo... parábola e adeus. Que o digam os copiadores<br />
atuais! Não posso. Só sei fazer o que quero, não sou desses<br />
que respeitam demais e se aquietam. Deve ser esse o
motivo dessa topada! Portanto, fui excluído da jogada.<br />
Então, para os livres e desimpedidos ao qual me encaixo<br />
certamente; para estes é o fim, é o tempo sem Poesia... é o<br />
tempo das palavras justapostas, do comércio dos rins do<br />
Saber.<br />
[Toca agora em um volume mais alto “Imunização Racional” (Tim Maia)<br />
Bruno se desloca de forma irregular pelo palco; a Professora acompanha<br />
do canto direito.]<br />
BRUNO<br />
(para a plateia)<br />
Estou morto. Deve ser a preferência nacional, um<br />
artista que não fala, não contesta, que não dá<br />
trabalho. Precisaria vagar. Estão mortos os que<br />
acreditam na Arte, ah qual foi?? Que anos vieram<br />
para mim de presente, em que época nasci!!<br />
Caminham pela Terra apenas os compradores de<br />
espólios!<br />
[Nisso, um telefone no som do teatro, o toque se repete e irrita Bruno, que<br />
ainda está segurando o pé. Sua cara é assustada, mas volta a si, olha ao redor<br />
buscando o aparelho telefônico. Ele também está em alerta, pensando em<br />
voz alta.]<br />
BRUNO<br />
(para a plateia)<br />
Será que esse número que chama é mesmo o que<br />
imagino?<br />
[A Professora chega perto com um telefone na mão, estende para o espanto<br />
dele. Eles se entreolham e saem pela esquerda. O pano desde.]<br />
FIM DO ATO CINCO
ATO SEIS<br />
[Abre o pano e Bruno está com o telefone na mão no meio do palco, ele<br />
continua olhando em um misto de ansiedade e indecisão para o aparelho.<br />
Detém-se, para, espera; ele pensa se vai ou não para algum lugar.]<br />
BRUNO<br />
(para a plateia)<br />
Por fim eu devo correr e atender, não gostaria de fazer<br />
ninguém esperar; não é correto fazer com os outros aquilo<br />
que desagrada a nós mesmos; ainda assim, só não esperava<br />
ter que receber certas ligações, mas sou movido pela ética.<br />
Vou ver quem é!<br />
BRUNO (cont.)<br />
(telefone no rosto, para a plateia)<br />
Pronto, quem fala?<br />
[Logo a projeção apresenta a visão do alto de uma feira livre, dessas de<br />
bairro, e vai passeando entre as bancas e suas pessoas, provocações, provas<br />
de quitutes e sucos aos montes. Ali estão como deveriam estar: felizes e em<br />
movimento! Dessa forma, ouvimos a voz de LILA; depois, a de Bruno,<br />
enquanto tocam olás. Lila chega pela direita do palco, também com um<br />
telefone na mão.]<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Sou eu, Lila. Lembra de mim?<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Êêê, que susto. Não tava esperando... para falar a verdade,<br />
nem sei se ia mais usar isso, digo, o telefone! Vai que era<br />
cobrança, né. Lila, é você mesma?? Caramba... logo você!
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Que isso, Bruno... Está tudo bem?<br />
BRUNO<br />
(para a plateia)<br />
De verdade que estou balançado, só não sai se muito ou<br />
pouco ainda, há muito oxigênio perpassando meu corpo;<br />
ouvir a voz dessa mulher nesse momento é demais; respiro<br />
então mais fundo tentando rapidamente aguentar a<br />
emoção. Seja forte! eu penso, e vou recobrando a<br />
seriedade. Mas... precisava só de uma distração antes de<br />
respondê-la.<br />
[Nesse momento há uma sequência de imagens do passado dos casal<br />
passando na projeção. Coisas que passaram. Ambos em fotos de jornais e<br />
em lançamentos de livros, e também caminhando lado a lado em uma<br />
exposição de artes plásticas.]<br />
LILA<br />
(para a plateia)<br />
Será que ele queria me ouvir? Vai que nem pensava que<br />
estivesse mais viva. Estou sem graça!<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Claro, é que me veio uma ideia repentina. Mas tudo<br />
tranquilo, tá dominado... Que me diz, querida?<br />
[E ri para suavizar a conversa. Do outro lado ela esboça um sorriso<br />
também.]<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Bom, na posição de sua editora...
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Como assim, Lila? Disseram que cancelaram as<br />
publicações, que faliram e tal, que poesia não dá mais<br />
dinheiro, que mal dava para cobrir os gastos... Achei que<br />
fosse isso mesmo.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Calma, não é bem assim. Foi uma situação delicada que<br />
passamos. Eu fali também, recorda não? Mas eu sempre<br />
me lembro de você, viu. Na verdade, muito mais esses<br />
dias. E acredito que já estejamos melhor.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Faz dois anos que não tenho contato com vocês, com você,<br />
precisamente. Por que a volta?<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Não julgue a gente assim. Todos nós passamos por<br />
problemas, ainda mais uma empresa pequena como a<br />
nossa, não me julgue.<br />
[E ela amacia a voz nessa parte.]<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Só quero conversar, falar das tuas obras, saber se tem algo<br />
novo... Tem?<br />
BRUNO<br />
(rindo, para Lila)<br />
Na verdade, não. Passei por males, por pestes, passei por<br />
um choque de consciência... Ser artista é pior do que virar<br />
bandido nesse país. Veja só um exemplo, na cadeia tem<br />
almoço, janta, salário, emprego grátis e garantido. Tem até
curso de qualificação! Já aqui fora é só judiação, né. Tive<br />
que fazer diversos bicos para sobreviver e manter uma<br />
casa, ao menos. Nesse intervalo, pausei todos os meus<br />
trabalhos. Em especial depois de saber que estava falido e<br />
com dívidas em diversos órgãos que se criaram por aí... na<br />
praça...<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Entendo, estou me livrando dessas também... e até hoje...<br />
Atinge a todos que não se adaptam; não que seja um<br />
dever, sabe.<br />
[Depois ela sorri e fica um pouco sem jeito.]<br />
Tudo bem.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Então, mas o que me diz de tentar novamente?<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Isso soa meio esquisito, moça... mas enfim...<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Só porque é vindo de mim?<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Que isso! Tentar novamente, digo.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Escrever, Bruno.
[Ele nada diz, mas sorri malicioso. Entra a Professora e se posiciona no<br />
meio deles.]<br />
PROFESSORA<br />
(para o casal e depois para a plateia)<br />
Pela primeira vez no dia seus rostos se iluminam, juntos.<br />
Passam por sua mente vultos e reflexos dos dois juntos, no<br />
sentido carnal da expressão. Essas duas pessoas agora se<br />
estranhando depois de todos esses anos já foram muito<br />
unidas, mas seus planos acabaram suplantados por<br />
equívocos. Em toda separação há alguma perda, ou<br />
descasos, raiva. Mas a memória está acesa. Eles não são<br />
lindos assim?<br />
[Na projeção, Lila está guardando calmamente suas coisas e se mudando<br />
para outro local. No palco, Bruno respira fundo para poder completar sua<br />
posição, é aí que se mune de um sorriso aberto que visa desatar quaisquer<br />
novos equívocos entre ele e Lila.]<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Escrever? É mais suicida do que atinar contra os<br />
capitalistas! Querida, não te disseram que venderam tudo?<br />
Esquece isso e vamos tratar da gente.<br />
Bruno!!!<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Que... que foi arrendado imbecilmente? Melhor a gente<br />
fazer que nem aqueles escribas do passado, enterrar nossas<br />
tábuas e pergaminhos na areia e torcer pelas próximas<br />
gerações!<br />
[Esse comentário é seguido de uma sonora risada dele, ao que a editora<br />
fica constrangida. A projeção então mostra a mão de Bruno
compulsivamente desenhando formas geométricas em pedaço de papel<br />
ocasional, mostra também detalhes do escritório de Lila, que rabisca e se<br />
mexe na projeção também.]<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Ah, não fala assim. Até queria rir da situação contigo mas a<br />
piada seria demais. Quanto a outras coisas, quero sim uma<br />
boa notícia, estou esperando.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Estou te julgando? Não, só fui realista, só brinco. Você<br />
também é brincalhona, que sei. Relaxa, Lila. Sou eu.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Você tá errado, muito errado. Eu que sou a realista. Não...<br />
Existem muitos que adorariam ler algo novo seu. Agora eu<br />
que gasto!<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Bom, menos eu. Que leiam a bula dos seus remédios. Lila,<br />
ninguém mais entende um poema. Não sei escrever para<br />
que passem o tempo. Tudo bem falar de uma forma<br />
direta, mas não se for para ser vago. Queria que pensassem<br />
por si sós, queria a evolução das pessoas, que<br />
interpretassem e encontrassem novos sentidos, e que<br />
busquem muito além de mim e delas mesmas; eu aqui só<br />
digo às pessoas algo como uma introdução ou conselho.<br />
Você sabe muito bem que sou um instigador, quero que<br />
pensem, queria que ouvissem o som da Vida em cada um<br />
deles. Todos nós temos esse OHM! E o OHM precisa<br />
deles, de nós, de todos. Deixa isso de poesia de lado um<br />
pouco, melhor a gente esperar um período melhor, um<br />
tempo mais frutífero, estamos em um tipo de entressafra,<br />
na boa! Além do mais, não sei escrever por extenso. Sei lá,
acho que posso concluir que acabou a Poesia, é isso. As<br />
coisas acabam, é normal.<br />
[Do outro lado do palco, Lila morde os lábios e seus olhos ficam úmidos.<br />
Fala baixinho fora do gancho.<br />
LILA<br />
(para a plateia)<br />
Burro, burro. Ai, não acredito.<br />
PROFESSORA<br />
(para a plateia)<br />
É grande o afeto que Lila sente por Bruno, mesmo depois<br />
de ‘tudo’... ‘Tudo o que deixaram’, ‘Tudo que passou’.<br />
Posso revelar tão mais do que é possível em uma rápida<br />
olhada; a beleza de Lila não só se mantém intacta com o<br />
passar dos anos como o Tempo está lhe conferindo mais<br />
sutilezas e um ar deveras centrado.<br />
BRUNO<br />
(para a Professora)<br />
Queria rever o rosto dela e sua expressão cheia.<br />
PROFESSORA<br />
(para Lila)<br />
Ele está perplexo pelo que havia dito, e às vezes as<br />
conclusões esperam a sua vez, e então ele a escuta com<br />
mais atenção do seu lado da linha, quer deixar que você<br />
fale. Fala então!<br />
LILA<br />
(animada, para Bruno)<br />
Não seja tão pessimista. Falando assim você se esquece de<br />
que os sentimentos não se dissolvem... dessa forma<br />
[Mal completa a frase, e ela se segura para conter a voz titubeante enquanto<br />
ele continua o diálogo por ela, salvando assim o pranto de Lila.]
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Tudo tomado de limo, poeira, cracas... é muito adornado!<br />
Tem gente que adora ‘o que não mata, engorda!’<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Para vender em shopping? Não a gente.<br />
[Lila ri e se anima, enfim. A risada dela é típica a ponto de esquecerem<br />
qualquer coisa para poder prosseguir nesse bom papo.]<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Sim, e logo vão vender até pessoas, escravos dos escravos e<br />
dominação por tabela. Ri daí, Lila!<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Você não respeita ninguém. Sempre adorei isso.<br />
[Nota-se leve sorriso contínuo nela, pedindo mais da voz dele, e a expressão<br />
de Lila do outro lado não volta à apreensão anterior, de agora em diante.]<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Obrigado. Me alegra que seja você.<br />
O quê?<br />
A me ligar.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
BRUNO<br />
(para Lila)
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Olha, posso te encontrar para almoçarmos juntos?<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Claro. Meio dia no café aquele?<br />
Perfeito.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
[Ela sorri, ele igualmente.]<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Lila, pode não parecer, mas nem estava sendo irônico.<br />
Chega uma hora que é preciso ter classe e sair. Melhor que<br />
não seja com o rabo entre as pernas; você sabe, forçar<br />
demais estraga a colheita! Eu não sou isso, ah não, nunca<br />
uma dessas figuras empedradas que fazem de certos<br />
artistas. Só cansei. É até normal.<br />
LILA<br />
(compreensiva, para Bruno)<br />
Eu sei disso, por que acha que te importuno? Sei quem é e<br />
como tudo aconteceu em nossas vidas, sei porque pensei<br />
muito a respeito; mas viver é cheio desses ‘sortilégios’...<br />
palavrinha tosca!<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Pragas. Vamos para o manicômio. Ao menos lá não tem<br />
comércio. Nunca disse que era profissional...<br />
Conheço essa!<br />
LILA<br />
(para Bruno)
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Ahãm, veremos. Té logo.<br />
Tchau.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
[Os dois fazem gesto para desligar o telefone, logo começa de fundo a tocar<br />
a introdução de “Não vem, não tem” (SAEM)]<br />
LILA<br />
(desabafando, para a plateia)<br />
Caraca, que é que é isso, esse foi o papo mais difícil de<br />
começar que tive; anos atrás... eu nem sei se conseguiria, e<br />
precisaria naquela época de muito tempo para superar<br />
caso desse tudo errado, mesmo... sério mesmo...<br />
[Se sentem bem ao marcar seu encontro, depois saem cada qual por seu<br />
lado; a Professora vai a seguir. Na projeção, a orla da cidade com todas<br />
aquelas pessoas vivas na praia e no calçadão; gente tranquila fazendo<br />
exercícios, muitos namoros e ciclistas de olho em quem está nos quiosques.<br />
O que as pessoas fazem ao redor é captado com doçura pelo telão<br />
enquanto toca de fundo o começo de outra música, é “Ratamahatta”<br />
(Sepultura)<br />
Organizar as cenas simples mas cheias de cor e alegria; mostrar mais da<br />
beleza da raça humana e suas variações, interações, tonalidades, vestes,<br />
risos etc. As crianças soltas fazem os papais e mamães correrem!<br />
Reproduzir “Ratamahatta” apenas durante alguns minutos. Volta a<br />
Professora, agora com um livro na mão.]<br />
PROFESSORA<br />
(para a plateia)<br />
Está escrito! Curiosamente, chegam ao mesmo tempo no<br />
tal café, localizado no Parque da Cidade.<br />
[Enquanto os dois entram de novo no palco, toca “Memórias” (Pitty)]
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Oi, chegamos juntos. Deve ser bom sinal.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Não é, também achei!<br />
[E cumprimentam-se com um abraço forte e demorado e beijo no rosto.<br />
Começa a tocar “Déjà Vu” (Pitty) Olham-se mais, gostam da situação. Lila<br />
tem uma pasta na mão.]<br />
LILA<br />
(divertida, para Bruno)<br />
Como está? Te achei meio carregado ao telefone. Imagino<br />
quanto te aflige. Ainda mais conhecendo teu jeito, sabendo<br />
o que sente pelo mundo afora... As pessoas se ajeitam,<br />
cara! Uma hora param e enxergam seus defeitos. Mas deve<br />
ser difícil mesmo dar algo em prol de uma causa como<br />
essa da Arte pelas pessoas.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Eu sei, Lila, relaxa. Não vai ser isso que vai me matar.<br />
Você sabe que eu sou também é muito cético em relação à<br />
galera! Mas realmente, ficar se cobrando é chatão.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Você é dramático, isso sim.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
É, né... os dramas e os expurgos da mente.<br />
[Bruno ri, ela lhe dá um pequeno tapa no braço e ri também. Sentem-se<br />
bem ali, estava tudo confortável. Lila respira fundo. Bruno sorri para ela de<br />
novo. Ela se ajeita para falar.]
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Não, que isso...<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
A culpa é minha, sério mesmo. Tenho uma visão muito<br />
romantizada, pretendo a extensão do Pensamento, não o<br />
inverso. Mas quem não o quer, poxa!...<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
“Quem?” é a grande pergunta.<br />
[Passam alguns figurantes através do palco e olham os dois. Sobre essas<br />
pessoas olhando, podemos dizer que é um olhar de análise, mas meio terno,<br />
digamos. Como quando alguém vê um casal e sente uma pequena inveja<br />
boa. Termina de tocar “Déjà Vu”<br />
Na projeção, o parque está cheio, uma excursão de escola e uma boa<br />
quantidade de crianças aparecem no telão. O tempo todo um figurante<br />
passa pelo palco e faz seu pedido como se estivesse no café.]<br />
Viu só?<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
O quê? As pessoas aqui, ali?<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
É, nos olharam de baixo para cima, cruzes. Devem achar<br />
que somos conspiradores.<br />
[E se riem mais uma vez, riem alto. Toca “À Zíngara” (SAEM) Algumas<br />
crianças, também figurantes, correm na frente deles, desviando dos dois.]
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Pois é, teóricos da conspiração.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
A queda dessas tosquices, convenções...<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Tipo comprar presentes com os olhos, ãhn. Né?<br />
Lembrou.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Claro que eu lembro.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Falei isso, você riu, eu lembro como foi que aconteceu, era<br />
um filme ao vivo com nós dois de personagens perfeitos.<br />
Abriu caminho para nos conhecermos e você aceitar<br />
minhas piadinhas. Bons momentos.<br />
[O rosto dela está claro, sorri sempre. Segura forte a pasta. Então suspira<br />
tranquilamente, olha a pasta e se volta ao horizonte. Logo respira fundo<br />
balbuciando como que em um alívio as palavras “Ai, ai”. Lila então encara<br />
mais ele e dispara.]<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Ei, tem pastel e caldo de cana aqui pertinho. Deve ser mais<br />
legal ainda.<br />
BRUNO<br />
(feliz, para Lila)<br />
Gostei da sugestão! Se tenho fome, fico inquieto.
Ué, vamos.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
[Partem pela esquerda. Toca uma canção, é “Namorinho de portão” (Gal<br />
Costa) Seguem lado a lado, sorrindo nos refrões. Na projeção o parque está<br />
bem de longe, visto do alto. Eles estão também no telão comendo pastel e<br />
bebendo caldo de cana. Brincam, falam coisas inaudíveis, termina com a<br />
música fechando o ato.]<br />
FIM DO ATO SEIS
ATO SETE<br />
[Abre o pano, Bruno e Lila estão sentados de pernas cruzadas um de frente<br />
para o outro, em silêncio. Este sétimo e derradeiro ato começa com a<br />
execução da música “Preciso me encontrar” (Cartola) Depois, a projeção<br />
vai mostrando o interior do parque e logo a lanchonete onde estão; vemos<br />
assim desde o corte dos alimentos à visão da massa do pastel envolvendo<br />
um punhado de carne seca, o preparo da cana, a fritura, e o óleo<br />
escorrendo. Os funcionários fazem piadas entre eles.<br />
A seguir vislumbramos no telão mais cenas dos dois comendo enquanto<br />
ainda toca a música. Terminado por fim o epitáfio de Cartola, passam ainda<br />
alguns segundos com eles olhando um para o outro. Conversam então<br />
sobre os manuscritos de Bruno que estão ao lado deles.]<br />
LILA<br />
(feliz, para Bruno)<br />
Ainda que a todo tempo eu seja invadida por alguma<br />
memória da gente namorando, posso sim dizer que eu me<br />
reapaixono por você!<br />
BRUNO<br />
(sorridente, para Lila)<br />
Aí eu fico sem graça. Olha, não começa.<br />
[Eles riem um para o outro. Lila depois olha os papeis.]<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Bom, você já tem bastante material, juntando as obras<br />
publicadas anteriormente... Vou dar uma olhada nos<br />
papéis que já começou, te dou umas dicas. Vejo o que<br />
pode ser lançado, talvez uma coletânea com extras, ou<br />
umas reedições; agora temos alguns colaboradores para as<br />
capas e diagramação, estamos ficando mais atuais, cara! Sei<br />
que você é muito perfeccionista e pilhadinho
BRUNO<br />
(surpreso, para Lila)<br />
Pilhadinho!?? Melhor não terminar o raciocínio.<br />
LILA<br />
(risonha, para Bruno)<br />
É, sempre vem com detalhes. E teu segundo livro?<br />
Lembra sim que eu sei. Que chateação. Eu seiii.<br />
[Ele faz gesto de negação e ri, termina de beber o caldo de cana fictício de<br />
um copo.]<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Você disse que estava pronto, e estava mesmo. Tudo bem,<br />
faz o que quiser.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Confia em mim. Te peço mais uma vez. Apesar do cenário<br />
literário estar um caos com todo mundo querendo ser<br />
minoria perseguida, temos uma boa ideia.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Vai, diz logo. Sem rodeios. Pelo teu rosto, essa expressão<br />
sapeca quer dizer algo relevante.<br />
E é.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
[Dito isso, ela ajeita o cabelo. Este movimento é feito lentamente.]<br />
BRUNO<br />
(brincando, para Lila)<br />
Olha, quanta convicção! Familiar.
LILA<br />
(rindo, para Bruno)<br />
Isso, a proposta é minha. Vim até você diretamente.<br />
Parece meio esquisito o que vou dizer... mas... ah, não<br />
disse a mais ninguém... ainda que saibam das intenções.<br />
Bem, sou sócia majoritária.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Fala logo, doidinha.<br />
LILA<br />
(direta, para Bruno)<br />
Pensei em assassinar você.<br />
BRUNO<br />
(animado, para Lila)<br />
Êta, poxaa. Fui marcado para morrer??!<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Não é isso, ficcionalmente. Quero que você escreva como<br />
quer ser morto. Publicaríamos por último.<br />
BRUNO<br />
(se insinuando, para Lila)<br />
Gostaria que me matasse você mesma.<br />
LILA<br />
(risonha, para Bruno)<br />
Ah é, como?<br />
Já sabe.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
[Ele se engrandece, mexe o corpo. A tensão sexual entre eles só aumenta.<br />
Ela fala a seguir e dá um empurrão de leve nele.]
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Bobo, deixa eu terminar!<br />
BRUNO<br />
(mais sério, para Lila)<br />
Prossegue.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Tipo... você pode depois forjar a própria morte, fora dos<br />
livros e ir parar nas páginas policiais. Sem dívidas, livre<br />
para fazer o que quisesse e com todos comentando sua<br />
obra e ideias. Que tal? Te espantei com minha clareza?<br />
Calma, junta os fatos, a simetria e lógica das situações, sei<br />
que de cara assim parece esquisito, parece até crime. Mas<br />
se dermos uma desculpa artística todos vão engolir, digo,<br />
um tempo depois.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Você sabe do que faz. Não dá ponto sem nó. Desculpa<br />
artística, essa foi boa! Eu te fiz uma brincadeira anos atrás<br />
sobre isso de forjar a própria morte e tal, mas foi um<br />
camarada meu quem tentou. E deu errado!<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Porque ele deu mole. Não sou mais esperta?<br />
Evidente.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
O esquema do vinho que matura...
BRUNO<br />
(animado, para Lila)<br />
Por mim, eu faço agora.<br />
[Lila fica eufórica. Dá um abraço nele. É forte, talvez o mais reconfortante<br />
em tempos. Olham-se diretamente, frente a frente. Estavam sentados, ele<br />
então a levanta cortesmente. Já de pé, beijam-se, e seus corpos se excitam,<br />
tanto que este carinho vai ficando gradativamente mais acalorado. Bruno a<br />
aperta forte pela cintura e Lila suspira. Ela em seguida se acalma dizendo a<br />
frase abaixo, devagar, ao ouvido de Bruno.]<br />
LILA<br />
(se recompondo, para Bruno)<br />
Eu sei antes de você, por exemplo, que os signos usados<br />
para escrever e os que organizam as conclusões não são os<br />
mesmos da compreensão.<br />
BRUNO<br />
(sedutor, para Lila)<br />
Lila, quando você profere ‘compreensão’, diminui o<br />
tempo de execução da tua voz, e a palavra vai sendo<br />
repetida em eco enquanto na minha memória são<br />
enquadradas... partes dos nossos corpos se chocando para<br />
mais beijos. Há várias posições, todas... ótimas.<br />
[Rapidamente, o diálogo é abafado pelo som de uma revoada de pássaros,<br />
mas não se sabe de onde vêm. São diferentes variações de espécies e<br />
piruetas pelos ares na projeção. Entra de fundo a música “Nada será como<br />
antes” (Clube da Esquina)<br />
Depois, nuvens e seus desenhos em um céu mais limpo; voos e asas de<br />
novos pássaros estão na tela também. Lila sussurra juntando os lábios ao<br />
ouvido de Bruno.]<br />
LILA<br />
(carinhosa, para Bruno)<br />
Assim até parece que sou uma ordinária te seduzindo...
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Se for assim, sou pior do que você... por aceitar!<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Vamos para sua casa.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Eu chamo o táxi.<br />
[Saem de sua posição para o outro lado do palco, ela puxando ele pelo<br />
braço.]<br />
BRUNO<br />
(no ouvido de Lila)<br />
Isso aqui foi só uma distração.<br />
LILA<br />
(divertida, para Bruno)<br />
É possível acompanhar através de uma leitura labial!<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Caramba, olhando assim em volta não tem táxi nenhum<br />
passando.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Tudo bem, esperamos... Vai ser até engraçado, em casa.<br />
Te sirvo um drinque. Passo o cálice como uma<br />
sacerdotisa. Seria teu rito de iniciação. Sorrimos e<br />
conversamos enquanto você degusta o líquido. Falamos e<br />
falamos besteiras. A solução que haveria no vinho te<br />
deixaria “morto” por 3 dias.
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Vem cá, aquele teu primo ainda trabalha na Polícia?<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Acho que sim...<br />
[Mal ela completa o “sim...” e ele já emenda as frases.]<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Você poderia discursar no meu velório. Ia ser bem pesado,<br />
até apareceriam os que gostassem de chorar e rasgar seda.<br />
Ô!?<br />
LILA<br />
(entusiasmada, para Bruno)<br />
[Se divertem ao imaginar como seria isso. Comentam e esbarram entre si<br />
rindo daquilo tudo.]<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Depois, viraria minha curadora ou algo do gênero...<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Tá rolando um humor sarcasticozinho ou o quê? Gosta de<br />
saber que vai enganar o mundo, não é?<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Fazemos isso todo dia, já é natural. Além do mais, é por<br />
um bem maior. E eu devo ressuscitar, creio... pela minha<br />
oportunidade.
LILA<br />
(pensativa, para Bruno)<br />
Isso é que assusta.<br />
BRUNO<br />
(rindo, para Lila)<br />
Que nada, é pela melhor oportunidade!<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Bruno, vou libertar as coisas que escreveu, soltar a poesia.<br />
Por aí, eu vejo. Se fossem pássaros, teus livros contariam<br />
coisas que muita gente esqueceu. Há muito o que analisar<br />
nas tuas páginas... diretrizes para algumas pequenas curas<br />
dessas cegueiras intelectuais dos dias de hoje, esses teatros.<br />
[Ela pausa a narrativa meio que escolhendo as próximas palavras. Suspira<br />
antes de recomeçar.]<br />
LILA<br />
(séria, para Bruno)<br />
Ou do que perdura de burrice... por isso voltei, e por você.<br />
BRUNO<br />
(pensativo, para Lila)<br />
Só prego as sensações e sentimentos como uma passagem<br />
por aqui nesta vida; vejo o quanto muitas dessas distrações<br />
aparecem para não pensarmos na alma. Isso é o que<br />
importa, nossa alma, o que o espírito simboliza. Nos<br />
enganaram para pensarmos que o corpo era o melhor<br />
nessa existência. E que tivesse atingido geral! Infelizmente<br />
acertaram em alguns termos; eu fui, você também, todos<br />
fomos pegos de certa forma em uma ampla distração. E<br />
agora nos tornamos perfis nas mãos do mundo... isso é<br />
fraqueza. Quando a Poesia me pediu ajuda, utilizou minha<br />
mão, eu apenas deixei. Eu nem vi e já estava nessa. Talvez<br />
fosse minha contribuição.
LILA<br />
(carinhosa, para Bruno)<br />
Tomara que mais gente encontre a sua própria<br />
contribuição, ou missão, como dizem.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Não sou nada além da transmissão de pensamento.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
É sim, eu vejo. Vai fazer com que pensem, refletir ajuda<br />
tanto.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Questionem-se. Uma vez que seja já é válido.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
E você acha que estou satisfeita? Somos feitos de carne e<br />
osso, penso muito no que vai acontecer depois, mas sei<br />
também que devemos ser felizes aqui de uma forma justa.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Não sendo artificiais. Mas realmente, estamos no mundo,<br />
vamos viver dignamente ao menos.<br />
[Se abraçam e ele passa as mãos pelas costas até chegar ao cabelo dela.]<br />
LILA<br />
(satisfeita, para Bruno)<br />
Que maneiro atear fogo novamente!<br />
É...<br />
BRUNO<br />
(feliz, para Lila)
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Faltam mensagens boas, relaxamento, falta empatia,<br />
divertimento.<br />
Só falta a gente.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
LILA<br />
(rindo, para Bruno)<br />
Ihhh, me deixou confusa.<br />
[E se esbalda de rir ela. Fica corada.]<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Calma! Falta sentir que estão vivos, e não manipulados.<br />
Quantos potenciais artistas, cientistas, filósofos, educadores<br />
etc se perderam em trivialidades econômicas e sociais<br />
todos os dias pela pura ganância, violência, babaquices...<br />
essas “paradas”?<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Ainda por cima enraizadas em nossos átomos; achamos<br />
que éramos as trivialidades, quando Deus tem um plano<br />
muito maior! Para não falar dos costumes da carne! Ou<br />
não foram vedados por gerações e gerações?<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
É uma infecção da mentalidade... Mudando de assunto...<br />
Olha, Lila, queria dizer que... sobre como tudo terminou...<br />
mesmo assim, foi o caminho para chegarmos onde estamo
LILA<br />
(interrompendo, para Bruno)<br />
Eu não ligo. Eu pensei, pensei muito mesmo. Daí um belo<br />
dia sonhei e ali nos reencontramos, era para ser. Não sei se<br />
você lembraria.<br />
BRUNO<br />
(tranquilo, para Lila)<br />
Claro que lembro, fui semana passada.<br />
LILA<br />
(emocionada, para Bruno)<br />
Queria te dizer, te ligar logo no dia seguinte. Mas sei lá...<br />
[Enquanto isso, Bruno acaricia o rosto dela.]<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Nesse sonho o nosso destino era outro. Quer ouvir de<br />
novo como foi? Não sei se lembra dos detalhes.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Claro, né. Adoro premonições. Fico ansioso para ouvir da<br />
sua boca.<br />
LILA<br />
(mais calma, para Bruno)<br />
Olha lá, hein. Vou logo alertando, não foi nada legal.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Nossa, mas que tão grave poderia ser?<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Nós nos perdíamos. Mas que bom que agora ao teu lado<br />
percebo como vai ser diferente.
[Lila dá pausa e revisa sua linha de pensamento, meio que rindo aliviada.]<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Calma, não foi premonitório. Soou mais como um alerta.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Hummm, só quero ver! Mas conta melhor isso aí. Sua<br />
expressão é ainda mais curiosa.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Era assim... Você vai achar engraçado de cara, primeiro.<br />
Estávamos, acho que nesse mesmo parque. Então vinha<br />
um caminhão e pumm, acertava a gente. Sei lá, um<br />
caminhão de coisas, mudanças, deve ser. Talvez uma<br />
representação ou parte de um passado. Mas vendo agora<br />
por outro lado, mesmo que eu virasse meu rosto e um<br />
caminhão fazendo curva realmente nos atingisse...<br />
BRUNO<br />
(risonho, para Lila)<br />
Faria um ruído forte, interrompendo nossa conversa. Uma<br />
cena insólita que congela qualquer ambiente!<br />
LILA<br />
(rindo, para Bruno)<br />
Que disse? Ai, ai. Escuta... sem termos terminado de falar,<br />
seríamos interrompidos pela massa do veículo de<br />
mudanças descontrolando nossas vidas. De uma forma<br />
seca e escrota ficamos os dois atropelados na viela, vítimas<br />
de mais um ser descontente com a própria realidade... que<br />
havia decidido, talvez minutos antes, pôr fim ao seu<br />
desespero causando o maior estrago possível com o<br />
veículo em suas mãos, até se ajeitar na direção do mar e<br />
perecer ele também, deixando sua marca impensada...<br />
tipo, vaga. Que coisa, né! Também achei. Ao fundo da
visão do parque víamos a linha azul do mar. O caminhão<br />
só pararia lá. Ele consegue, esse motorista mudou o curso!<br />
BRUNO<br />
(confiante, para Lila)<br />
Só em sonho mesmo. Eu teria visto antes e te salvado.<br />
LILA<br />
(se divertindo, para Bruno)<br />
Bobo! Eita, mas você achou isso tudo engraçado? Seria é<br />
muito trágico.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Ainda bem que teu subconsciente percebeu que seria<br />
horrível acabarmos dessa forma.<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Pois é, e se fosse agora, logo depois de revermos um ao<br />
outro... que isso!? Um final mais romântico acredito que<br />
suavizaria as ideias de quem lesse sobre nós.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Mesmo que nos reencontrássemos depois, no além?<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Seria o ideal primeiro nos encontrarmos aqui e resolver<br />
aqui o que fizemos, né...<br />
Aqui! Justo.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
[Eles riem juntos e descontraem ainda mais o ambiente. Então logo após<br />
isso, Lila abre seus braços para poder envolver Bruno.]
LILA<br />
(carinhosa, para Bruno)<br />
Vem cá, nada disso vai acontecer. Vamos ficar juntinhos.<br />
Tenho certeza de que não vai ser dessa forma... Pode<br />
deixar.<br />
[Bruno retoma a fala e responde com a boca junto ao corpo dela.]<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Esse sonho foi um medo, quero muito que dê tudo certo<br />
para a gente agora.<br />
LILA<br />
(calma, para Bruno)<br />
É sim, eu também. Não foi para tanto que passamos todo<br />
esse tempo largados! Quando tivemos esse pesadelo nem<br />
éramos os mesmos de hoje. Foi graças a Deus que estamos<br />
aqui mais essa vez!! Foi graças a Ele que vimos a Luz...<br />
Sim.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
[Lentamente a projeção entra com algumas nuvens, ao mesmo tempo que<br />
raios do Sol ofuscam a plateia até a visão ficar totalmente clara.]<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Tenho que comentar com você algo que sempre quis<br />
desabar. Que bom que hoje em dia estou mais à vontade<br />
para diz isso... Você sabe, não é a primeira, nem a única<br />
vez que nos encontramos em vida.<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Claro, minha linda, eu também sempre soube. Nunca<br />
entro nesse assunto para que qualquer lembrança a mais
apareça. Vai que mexe em alguma ordem. Não que seja<br />
complicado, mas você sabe...<br />
LILA<br />
(para Bruno)<br />
Pois é, melhor deixarmos assim. Eu imagino o quanto que<br />
vamos resgatar. Melhor deixar quieto.<br />
BRUNO<br />
(olhos brilhando, para Lila)<br />
Melhor. Contudo, algo no Tempo-espaço se ajusta,<br />
ficando a nossa relação mais fácil daqui para frente.<br />
LILA<br />
(chorando, para Bruno)<br />
Amém! Hoje mais do que nunca eu acredito, Bruno. Olha<br />
só meus olhos como se enchem d’água!<br />
BRUNO<br />
(para Lila)<br />
Ficaremos um pelo outro. É nossa vez.<br />
LILA<br />
(enxugando o rosto, para Bruno)<br />
Como se tudo fosse para ser, meu amor!<br />
[E se abraçam longamente no meio do palco. Depois entra pela direita a<br />
Professora seguida de seus alunos, alguns homens e mulheres com crianças<br />
em torno de sete a oito anos, mais ou menos.]<br />
PROFESSORA<br />
(para os alunos e a plateia)<br />
Ainda assim, unidos. O reencontro dos dois reafirma o<br />
que já sabem, e também se deram conta ou não querem<br />
mais esconder: a vida que levavam até aquele momento<br />
era insuficiente, nada justa, e poderia ser muito melhor.<br />
Pretendem então uma troca!<br />
Sabemos que há o lado ruim na vida, não vamos fugir de
encarar esses fatos. O amor, ódio, redenção e a morte são<br />
processor naturais, depurativos, simples, necessários. Lila e<br />
Bruno são os meus pais, eles apenas ainda não sabem; o<br />
Tempo tem formas distintas de se manifestar. Um dia<br />
mesmo eu achei uma frase escrita em um papel que caíra<br />
da bolsa da minha mãe, era esta: “Cada um tem que<br />
realmente ser líder neste planeta...”<br />
Todos temos uma história, um passado, e um futuro; não<br />
é em vão que estamos aqui aprendendo. Vocês vão se<br />
perguntar tantos porquês. Talvez o silêncio dos seus<br />
pensamentos sirva para esclarecer, e que entendam que o<br />
Bem ainda está aí. Vamos refletir.<br />
[Após as falas da Professora, entra a música “Liberdade Espacial” (Casa das<br />
Máquinas), enquanto o cenário da cidade é visto do alto através da projeção.<br />
Bruno e Lila ainda se beijam longamente. Seu afeto é notável!]<br />
PROFESSORA<br />
(para os alunos e a plateia)<br />
Pois bem, vamos voltar!<br />
[A Professora chama todos com gestos. A música é interrompida e outra<br />
projeção aparece. O ambiente era um campo aberto, um céu livre sobre o<br />
descampado e o horizonte. É belo o dia, propício ao aprendizado e às<br />
coisas boas! A Professora olha para eles, e assim com sua cândida voz dita<br />
a seguinte frase, pedindo que todos a repetissem. Enquanto ela fala,<br />
também as crianças repetem em coro.]<br />
PROFESSORA<br />
(para os alunos e a plateia)<br />
“Vês, disse Osíris, uma semente luminosa cair das regiões<br />
da Via Láctea na sétima esfera? São germes de almas.<br />
Vivem como vapores leves na região de Saturno, alegres,<br />
sem preocupações, não sabendo o quanto são felizes. Mas,<br />
caindo de esfera em esfera, revestem invólucros cada vez<br />
mais pesados. Em cada encarnação, adquirem novo<br />
sentido corporal, conforme o meio que habitam. Sua<br />
energia vital aumenta; mas à medida que entram em
corpos espessos, perdem a lembrança de sua origem<br />
celeste. Assim se cumpre a queda das almas que vêm do<br />
Divino Éter. Cada vez mais cativas da matéria, cada vez<br />
mais inebriadas pela vida, elas se precipitam como uma<br />
chuva de fogo, com tremores de volúpia, através das<br />
regiões da Dor, do <strong>Amor</strong> e da <strong>Morte</strong>, até sua prisão<br />
terrestre, onde tu mesmo gemes retido pelo centro ígneo<br />
da Terra e onde a vida Divina parece um sonho em vão.”<br />
“Enrijece então tua alma, ó Hermes, e serena teu espírito<br />
escurecido contemplando esses voos longínquos das almas<br />
que sobem as sete esferas e se espalham lá como bandos<br />
de vaga-lumes. Pois também tu podes segui-las; basta<br />
querer para se elevar. Vê como elas enxameiam e<br />
descrevem coros Divinos. Cada uma se põe sob seu gênio<br />
favorito. As mais belas vivem na região solar, as mais<br />
poderosas se elevam a Saturno. Algumas sobrem até o Pai,<br />
entre os poderes, sendo elas mesmas outros poderes. Pois<br />
lá onde tudo termina, tudo começa eternamente; e as sete<br />
esferas dizem juntas: Sabedoria! <strong>Amor</strong>! Justiça! Beleza!<br />
Esplendor! Ciência! Imortalidade!”*<br />
[Todos os atores ficam contentes após a leitura, eles se abraçam ternamente.<br />
Um fundo azulado composto por um belo céu povoado de nuvens fofas é<br />
projetado no telão; a brisa toca, folhas são levadas pelo vento. Ouvimos<br />
então depois de um curto período uma música doce, “Isopor” (Pato Fu),<br />
enquanto desce finalmente o pano.]<br />
FIM
*Nota do Autor: trecho retirado de “Os Grandes Iniciados/A Visão de<br />
Hermes”, de Édouard Schuré.
Sugestão de músicas pelo autor:<br />
Ato 1: “23h59mim” (Alice), “Sincopada Pt.1” (Instrumental Vox),<br />
“Primavera nos dentes” (Secos & Molhados), “No Norte do Polo Sul”<br />
(Naná Vasconcelos), “Podes crer” (Cidade Negra), “Felicia”, “Sauer Jam”<br />
& “Blu” (íO)<br />
Ato 2: “Nariz De Doze” (Raimundos), “Solidão” (Pholhas)<br />
Ato 3: “Siporsi” (SAEM), “Hot Brunette” (íO)<br />
Ato 4: “O Relógio” (Mutantes)<br />
Ato 5: “O Caminho do Bem” & “Imunização Racional” (Tim Maia)<br />
Ato 6: “Não vem, não tem” (SAEM), “Ratamahatta” (Sepultura)<br />
Ato 7: “À Zíngara” (SAEM), “Namorinho de portão” (Gal Costa), “Preciso<br />
me encontrar” (Cartola), “Nada será como antes” (Clube da Esquina),<br />
“Liberdade Espacial” (Casa das Máquinas), “Isopor” (Pato Fu)
<strong>Paulo</strong> <strong>Vitor</strong> <strong>Grossi</strong> é escritor, músico e roteirista espiritualista, publicou<br />
entre outros títulos o argumento de “<strong>Amor</strong>, <strong>Ódio</strong>, <strong>Redenção</strong> e <strong>Morte</strong>”, o<br />
roteiro de “Casa de praia” e as adaptações teatrais de “Médicos de corpo e<br />
alma” e “Quando passam os índios” Pela Poesia, lançou “Cura”, “Servidão”,<br />
“A Conferência”. “Cabezada”, “Esencias”, “Maneja” e “El Viajero Loco Ø<br />
§ La May Madre” são suas obras em espanhol. Participou também como<br />
guitarrista e vocalista das bandas Alice, íO, Instrumental Vox, Ummantra e<br />
SAEM.<br />
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Marília Veloso é fotógrafa e editora da página “Pela Harmonia”. Assina<br />
também o blog “À Zíngara” Sem ela não haveria capa alguma!<br />
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