RCIA - ED. 129 - ABRIL 2016
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Luís Carlos<br />
Vou pescar<br />
B<strong>ED</strong>RAN<br />
Sociólogo e articulista da Revista<br />
Comércio & Indústria de Araraquara<br />
Impossível jogar com a probabilidade<br />
de se prever, nem que for por<br />
apenas algumas horas, os fatos políticos<br />
que se sucedem a todo instante<br />
em nosso país, pelo menos desde a<br />
reeleição da presidente da República,<br />
tamanha a rapidez da sua ocorrência<br />
e que são acompanhados das mais<br />
esdrúxulas surpresas que invariavelmente<br />
sempre resvalam para o plano<br />
policial.<br />
E como não se pode negar que o<br />
assunto político-policial é o que está<br />
me-xendo com todos os brasileiros<br />
(além, claro, da crise econômica e<br />
ética), até que gostaria de dizer alguma<br />
coisa sobre isso; no entanto,<br />
qualquer opinião a esse respeito no<br />
momento em que escrevo esta crônica<br />
— porque a revista tem prazo<br />
certo e fatal para ser publicada —, já<br />
pode ser considerada ultrapassada, a<br />
não ser que ela se restrinja às vagas<br />
generalizações que podem caber em<br />
qualquer lugar, em qualquer tempo.<br />
Como não é este o caso e como<br />
me obrigo a escrever com uma até<br />
excessiva distância do dia da publicação,<br />
pois fui compelido pelos amigos<br />
a verificar in loco, depois de tantas<br />
enchentes, como estarão os rios e,<br />
principalmente, os peixes, é que escrevo<br />
esta crônica, antes mesmo de ir<br />
conferir esses dados, o que demandará<br />
alguns dias. Um sacrifício!<br />
Por quê? Porque os pescadores<br />
que costumam fugir da cidade, pelo<br />
menos os metidos a escrever, não<br />
desconhecem — o que foi provado<br />
e comprovado noutras ocasiões —<br />
que quando retornam aos seus lares<br />
sentem-se completamente vazios<br />
de ideias (desde que os celulares<br />
fiquem desligados, não se assista TV<br />
e sem leitura de jornais) e então, até<br />
engrená-las, pô-las em ordem, não<br />
apenas demandará um tempo precioso,<br />
como também não se terá certeza<br />
alguma de que sairá algo de interessante<br />
para o leitor.<br />
Então, já que é assim, vou dizer<br />
um pouco sobre alguns livros que estou<br />
lendo. O primeiro é o de Elias Canetti,<br />
prêmio Nobel de Literatura, que<br />
fala do filósofo chinês Confúcio (541<br />
a.C. – 479 a.C.) em seus ensaios,<br />
Consciência das Palavras.<br />
Assim Confúcio, nas palavras de<br />
Canetti, diz que tem aversão à eloquência<br />
porque as palavras, pelo seu<br />
uso constante e fácil, perdem seu valor.<br />
“A hesitação, a reflexão, o tempo<br />
que precede a palavra são tudo; mas<br />
também o que a sucede e que o poder<br />
jamais é para ele um fim em si, mas<br />
“E como não se pode negar que o assunto<br />
político-policial é o que está mexendo com<br />
todos os brasileiros (além, claro, da crise<br />
econômica e ética), até que gostaria de dizer<br />
alguma coisa sobre isso...”<br />
antes uma tarefa, a responsabilidade<br />
perante o coletivo”.<br />
“E que sua felicidade, que jamais<br />
tem fim, é o aprendizado, seu interesse<br />
por tudo que é antigo e relacionado<br />
com o humano e voltado para a<br />
ordem da vida”. O ser humano pode<br />
tudo, mas Confúcio não admite que<br />
ele seja explorado, que seja uma ferramenta<br />
de ou-trem, pois não se deve<br />
agir por cálculo. “O homem exemplar<br />
continua sendo aquele que não age<br />
por cálculo”.<br />
O filósofo não se interessa pela<br />
natureza do poder. E diz Canetti que<br />
aqueles pensadores que se interessam<br />
por ele, não somente o aprovam,<br />
como “se comprazem em servi-lo<br />
como conselheiros” e, evidentemente<br />
procuram levar vantagem disso.<br />
70<br />
Elias Canetti escreve<br />
sobre o chinês Confúcio<br />
Jornalista<br />
Andrzej<br />
Szczypiorski<br />
Outra obra interessante é a do jornalista<br />
polonês Andrzej Szczypiorski<br />
(1924-2000) que viveu em Varsóvia<br />
durante a Segunda Grande Guerra<br />
e chegou a ser preso num campo<br />
de concentração nazista. Nas palavras<br />
de uma das personagens de seu<br />
livro, A bela senhora Seidenman, diz<br />
que “(...) a vida é apenas o que passou.<br />
Não há outra vida a não ser a<br />
recordação, pois o futuro inexiste. A<br />
vida é o que foi cumprido, o que lembramos<br />
que aconteceu e passou para<br />
deixar uma recordação. A vida não<br />
pode ser o futuro, porque<br />
no futuro eu não existo.<br />
A minha vida é apenas o<br />
que já aconteceu — mais<br />
nada! Então pensar na<br />
vida é pensar no passado<br />
gravado na memória, e<br />
cada instante é passado.<br />
Além da memória, nada<br />
existe”.<br />
Voltando a Confúcio. Ele se recusa<br />
a responder perguntas sobre a morte.<br />
É o que diz: “Se ainda não se conhece<br />
a vida, como se poderia conhecer a<br />
morte?”. E fala que todo valor tem de<br />
ser dado à própria vida e, portanto, seria<br />
pura perda de tempo ficar a pensar<br />
na morte. “Vida e morte não são intercambiáveis,<br />
não são comparáveis, não<br />
se misturam. Permanecem distintas”.<br />
Um diz que vida é o que já se passou;<br />
outro, que não se conhece a vida<br />
e muito menos a morte. É por essas e<br />
outras que vou pescar para depois retornar,<br />
mas zerado de tanto imbróglio.<br />
Espero que, se e quando voltar, porque<br />
o País está muito confuso, já tenhamos<br />
algumas mudanças neste governo, se<br />
porventura ainda existir.