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A abóboda_Alexandre Herculano

O arquiteto português Afonso Domingues desenha uma complexa abóbada para o Mosteiro da Batalha, mas fica cego, em 1401, antes de a edificar… O rei D. João I contrata, então, um arquiteto irlandês, mestre Ouguet, para a terminar, que não acredita no projeto inicial. Uma delas desaba... a outra ainda hoje lá está! Mas a de quem?

O arquiteto português Afonso Domingues desenha uma complexa abóbada para o Mosteiro da Batalha, mas fica cego, em 1401, antes de a edificar… O rei D. João I contrata, então, um arquiteto irlandês, mestre Ouguet, para a terminar, que não acredita no projeto inicial. Uma delas desaba... a outra ainda hoje lá está! Mas a de quem?

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lançar na balança em que João das Regras mostrava o grande peso da sua pena o montante com

que ele Nun’Álvares tinha, em cem combates, salvado a pátria do domínio estranho e a cabeça

do chanceler das mãos do carrasco, de que não o livrariam nem os graus de doutor de Bolonha,

nem os textos das leis romanas.

– Deixai lá o Condestável, que não vem ao intento – disse el-rei –; o que me importa é

ouvir mestre Afonso sobre este caso. Quisera antes perder um recontro com castelhanos do que

cuidar que o Capítulo de Santa Maria da Vitória ficará em ruínas. Mestre Ouguet com sua arte

deixou-lhe vir ao chão a abóbada: se Afonso Domingues for capaz de a tornar a erguer e deixá-la

firme, concluirei daí que vale mais o cego que o limpo de vista: e digo-vos que o restituirei ao

antigo cargo, ainda que esteja, além de cego, zopo(8) e mouco.

Neste momento entrava o velho arquitecto, agarrado ao braço de Álvaro Vaz de

Almada, que o veio guiando para o topo da desmesurada banca de carvalho, à roda da qual se

travara o diálogo que acima transcrevemos.

– Dom donzel, onde é que está el-rei? – dizia Afonso Domingues ao pajem, caminhando

com passos incertos ao longo do vasto aposento.

D. João I, que ouvira a pergunta, respondeu em vez do pajem:

– Agora nenhum rei está aqui, mas sim o Mestre de Avis, o vosso antigo capitão, nobre

cavaleiro de Aljubarrota.

– Beijo-vos as mãos, senhor rei, por vos lembrardes ainda de um velho homem de armas

que para nada presta hoje. Vede o que de mim mandais; porque, de vossa ordem, aqui me trouxe

este bom donzel.

– Queria ver-vos e falar-vos; que do coração vos estimo, honrado e sabedor arquitecto

do Mosteiro de Santa Maria.

– Arquitecto do Mosteiro de Santa Maria, já o não sou: vossa mercê me tirou esse

encargo; sabedor, nunca o fui, pelo menos muitos assim o crêem, e alguns o dizem. Dos títulos

que me dais só me cabe hoje o de honrado; que esse, mercê de Deus, é meu, e fora infâmia

roubá-lo a quem já não pode pegar em montante para defendê-lo.

– Sei, meu bom cavaleiro, que estais mui torvado comigo por dar a outrem o cargo de

mestre das obras do mosteiro: nisso cria eu fazer-vos assinalada mercê. Mas, venhamos ao ponto:

sabeis que a abóbada do Capítulo desabou ontem à noite?

– Sabia-o, senhor, antes do caso suceder.

– Como é isso possível?

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