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A abóboda_Alexandre Herculano

O arquiteto português Afonso Domingues desenha uma complexa abóbada para o Mosteiro da Batalha, mas fica cego, em 1401, antes de a edificar… O rei D. João I contrata, então, um arquiteto irlandês, mestre Ouguet, para a terminar, que não acredita no projeto inicial. Uma delas desaba... a outra ainda hoje lá está! Mas a de quem?

O arquiteto português Afonso Domingues desenha uma complexa abóbada para o Mosteiro da Batalha, mas fica cego, em 1401, antes de a edificar… O rei D. João I contrata, então, um arquiteto irlandês, mestre Ouguet, para a terminar, que não acredita no projeto inicial. Uma delas desaba... a outra ainda hoje lá está! Mas a de quem?

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– Benedicite! – dizia el-rei, batendo devagarinho à porta da cela de Frei Lourenço.

porta.

– Pax vobis, domine! – respondeu o prior, que logo reconheceu el-rei e veio abrir a

– Não vos incomodeis, reverendíssimo – disse D. João, entrando na cela e sentando-se

em um tamborete –, deixai-me resfolegar um pouco e dai-me uma vez de vinho.

– Não vos esperava tão de salto – tornou Frei Lourenço; e, abrindo um armário, tirou

dele uma borracha e um canjirão de madeira, que encheu de vinho e, pegando com a esquerda

em uma escudela de barro de Estremoz(9) , cheia de uma espécie de bolo feito de mel, ovos e

flor de farinha, apresentou a el-rei aquela colação.

– Excelente almoço – dizia el-rei, descalçando o guante ferrado e cravando a espaços os

dedos dentro da escudela, donde tirava bocados do bolo, que ajudava com alentados beijos dados

no canjirão. Depois que cessou de comer, limpando a mão ao forro do tonelete, pôs-se em pé,

enquanto Frei Lourenço guardava os despojos daquela batalha.

– Bofé – disse D. João I, rindo – que não ando a meu talante, senão com o arnês às

costas! Cada vez que o visto, parece-me que torno à mocidade e que sou o Mestre de Avis ou,

antes, o simples cavaleiro que, confiado só em Deus, corria solto pelo mundo, monteando

edomas(10) inteiras, e tendo sobre a consciência só os pecados de homem e não os escrúpulos de

rei.

– E então – atalhou o prior – o vosso confessor Frei Lourenço era um pobre frade, cujos

únicos cuidados se encerravam em saber as horas do coro e em ler as sagradas escrituras, porém

que hoje tem de velar muitas noites, pensando no modo de não deixar afrouxar a disciplina e boa

governança de tão alteroso mosteiro. Mas, segundo vosso recado, que ontem recebi, vindes para

assistir ao tirar dos simples da mui famosa abóbada, o que mestre Domingues aporfia em só fazer

perante vós?

– A isso vim, porém de espaço; que não será nestes cinco dias que esteja pronta a ponte

de barcas que mandei lançar no Tejo, para passar minha hoste. Durante eles, com vossos mui

religiosos frades me aparelharei para a guerra, entesourando orações e recebendo absolvição de

meus erros.

– Os príncipes pios – acudiu o prior, com gesto de compunção – são sempre ajudados de

Deus, principalmente contra hereges e cismáticos, como os perros dos Castelhanos, que a

Virgem Maria da Vitória confunda nos infernos.

– Ámen! – respondeu devotamente el-rei.

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