Boletim 486 - Março de 2020
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16 • DIOCESE DE GUARAPUAVA Março • 2020
É nossa convicção que a mensagem
central do Novo Testamento é
a que só existe, na realidade, uma
única oração e que essa oração é a
oração de Cristo. É uma oração que
continua nos nossos corações, dia
e noite. Só a posso descrever como
uma corrente contínua de amor que
fluí constantemente entre Jesus e o
seu Pai. Esta corrente de amor é o
Espírito Santo. (Padre John Main OSB
fundador da Comunidade Mundial
para a Meditação Cristã).
Na primeira catequese, “Era da
comunicação, era da comunhão com
Deus,” no mês de fevereiro, fez-se uma
proposta para o ano de 2020: reflexionar
de uma forma muito modesta,
simples e em gotas, porém fundamental,
sobre a prática da oração, nas suas
diversas formas, tanto na nossa vida
pessoal como na comunidade eclesial.
Nós acreditamos que uma das
formas de oração, é a oração contemplativa,
praticada por Jesus e por
todos os que oram, porque permite
o sentir, escutar e viver a intimidade
silenciosa da presença da Trindade
na nossa existência diária e porque é
raiz e incentivo para a evangelização
em qualquer grupo, sociedade ou
ambiente entre batizados, confirmados
e participantes da Eucaristia.
Hoje consideraremos sucintamente
a oração de Jesus
1 - Jesus orava?
Sim, Jesus orava, orava sempre sem
cessar. Ele é o orante permanente e
perpétuo. Jesus histórico orava e Jesus
ressuscitado orará eternamente ao Pai.
O apóstolo Paulo recomenda “orem
sempre” (1 Tes 5,17). Paulo recomendava
orar sem cessar, porque ele orava
sempre e orava sempre porque tentava
imitar ao seu Senhor, tanto assim
que se atreve a afirmar: “Já não sou eu
quem vive, mas Cristo é quem vive em
mim. E esta vida que vivo agora, eu a vivo
pela fé no filho de Deus, que me amou e
se deu a si mesmo por mim” (Gal 2,20).
A Carta aos Hebreus (Hebreus 5:7)
afirma que Jesus orava de diversas formas:
“Durante a sua vida aqui na terra,
Cristo, em voz alta e com lágrimas, fez
orações e súplicas a Deus, que o podia
salvar da morte. E ele foi atendido por
causa de sua livre submissão”.
Os Evangelhos testemunham que
Jesus passava as noites orando ao seu
Pai (Mc 1,35; Mt 14,13; Luc 6,12).
Oração contemplativa
ORAÇÃO DE JESUS
Para evangelizar com os místicos
Germán Calderón Calderón
A quem orava Jesus?
Jesus orava ao Deus do seu Povo, o
Deus de Israel. O Deus de sua família.
Jesus orava com o povo de Israel em
Jerusalém quando peregrinavam nas
grandes festas de Israel (Lucas 2,41).
Jesus orava junto com a sua numerosa
família com seus pais e meios-irmãos,
todos os sábados, no dia do descanso,
shabat, que era dedicado exclusivamente
ao equilíbrio da harmonia das
famílias com Deus. Jesus orava com a
sua santa mãe com quem aprendeu
a relacionar-se com o Deus dos seus
antepassados e repetia com fervor os
salmos que sua mãe ensinava e rezava
e constantemente nas diversas horas
e ocasiões da vida familiar.
Na medida que Jesus crescia e amadurecia
na sua personalidade, também
amadurecia a sua intimidade e
relação com Deus até a consciência
plena de que ele era o filho único do
Deus de Israel: “Eu e o Pai somos um”
(João 10,30). E dizia: “Abba (Pai)”, Mc
14,26; Gal 4,6.
2 - O ambiente familiar de Jesus
Afirma-se que a família fornece o
alicerce, a bagagem e os indicadores
fundamentais na educação e projeção
dos filhos. Jesus, o Filho de Deus, se fez
criança em uma família tradicional da
Galileia do século primeiro da nossa Era.
E, neste sentido, ou seja, no plano histórico
e religioso, tinha uma família ideal
que lhe assegurava uma vida adulta
conforme as expectativas, as bênçãos,
a saúde e alegrias que o Deus de Israel
prometia aos membros do seu povo fiel
(Sal 24,3-5; Sal 23,1-2; Números 6,24-26).
No Antigo Israel, a família numerosa era
sinal de copiosa bênção e misericórdia
de Deus (Gêneses 24,60; 16,10; Rute
4,11-12; Provérbios 17,6; Salmos 128,3;
126,3-5; Lucas 1,33).
Jesus teve, segundo os evangelhos
sinóticos, duas famílias numerosas:
primeiro, sua família nuclear formada
por sua mãe a Virgem Maria e do
seu pai adotivo, José (Mt 1,1-17; Lc
3,23-38), mais os seis irmãos que José
trouxe do seu anterior matrimônio ao
ficar viúvo e desposar-se com a Santa
Virgem Maria. Assim, Jesus seria membro
de uma família nuclear numerosa.
Esta era uma família piedosa que vivia
conforme a fé do seu povo e observava
fielmente o Credo da sua religião:
“Ouve, ó Israel: Yahweh nosso Deus é
o único Yahweh! Portanto, amarás a
Yahweh teu Deus com todo o teu coração,
com toda a tua alma e com toda a
tua força” (Dt 6,4-5; Números 15,37-4).
Expliquemos: Os dois sinóticos Marcos
e Mateus apresentam a família de
Jesus assim:
“Não é este o filho do carpinteiro? Não
se chama a sua mãe Maria e seus irmãos
Tiago, e José, e Simão, e Judas? E suas
irmãs, não estão todas elas aqui conosco?”
(Mateus 13:55- 56; Marcos 6:3-6).
Disso podemos concluir que a família
imediata de Jesus era composta de
seus pais: Maria e seu pai adotivo José
com seus filhos, quatro irmãos e pelo
menos duas irmãs. Não entramos na
discussão destes textos.
A numerosa família nuclear de Jesus
a partir de José, foi crença pacífica na
Igreja dos primeiros séculos como
aparece nos chamados Evangelhos
apócrifos (Apócrifo da Natividade 42,2;
Apócrifo da Infância 16,1-2; Protoevangelho
de Tiago 9,2; História de José o
Carpinteiro 4,1-6). Evangelhos apócrifos
diferente de Evangelhos canônicos
(do grego ἀπόκρυφα e significa “coisas
escondidas”). São escritos empolgantes
sobre fatos desconhecidos da vida de
Jesus e a sua família. Aqui utilizamos a
Edição espanhola-grega de Aurélio de
Santos Otero de BAC, Madrid.
3 - A fotografia da Sagrada família
Estamos na era da Imagem, assim
que tudo se dá a conhecer mostrando
uma imagem. Desde o século V, os
artistas, pintores e escultores imaginaram
e mostraram com imagens as
diversas passagens da vida e história
de Jesus. Hoje gostaríamos de possuir
uma fotografia da Sagrada Família,
bem conforme com a realidade histórica.
Então, imaginemos a fotografia
da família de Jesus para uma catequese
bíblica, de acordo com os dados
familiares de Mateus e Lucas e com as
narrações dos Evangelhos apócrifos.
Este retrato familiar, seria assim:
No centro Jesus criança ou no colo
da mãe, Maria; à sua esquerda José e
seus quatro filhos. Na direita de Maria,
as duas filhas de José. Uma segunda
fotografia mais realista seria: a mesma
colocação das pessoas, agora
acrescentando todos os sobrinhos e
sobrinhas, as cunhadas e cunhados
de Jesus. Desta forma, far-se-ia justiça
às genealogias de Mateus e Lucas (Mt
1,1-17; Lc 3,23-38). Esta seria a família
nuclear do Filho de Deus encarnado.
Neste ícone, encontraremos uma inspiração
para nossa vida familiar, social
e de relação com Deus.
Depois da família nuclear, a segunda
família de Jesus somos nós (Mateus
12,46-50), que pelo batismo, a confirmação
e a participação na Eucaristia,
respiramos o oxigênio da família trinitária,
onde Ele, Jesus, é a cabeça e nós
todos, os membros do corpo que é a
Igreja (I Coríntios 12,12-31).
4 - Caminhando com Jesus. A oração
do coração
Jesus faz um convite carinhoso e
polido a cada pessoa: “Venha comigo,
segue-me” (João 1,43). “Eu sou a luz do
mundo. Quem me segue nunca andará
na escuridão, mas terá a luz da vida”
(João 8,12). “Tome a sua cruz e siga-me”
(Mt 16,24). Neste contexto do convite
a caminhar seguindo Jesus, existe
na espiritualidade mística da Igreja
uma oração infinitamente bela,
transformadora e apaixonante que
se denomina “A oração de Jesus ou
Oração do coração”.
Esta oração de Jesus, é uma oração
vocal vinda da espiritualidade da Igreja
ortodoxa, que ao longo dos séculos foi
e é a resposta à exortação do apóstolo
Paulo, na 1ª carta aos Tessalonicenses,
“Orai sem Cessar” (I Ts 5:17). Esta
é a oração que os místicos cristãos e
qualquer batizado, confirmado e participante
da Eucaristia o coloca em
unidade e intimidade profunda com
Aquele no qual “vivemos, respiramos e
existimos” (Atos 17,28). Esta oração é
como um mantra que repetida incessantemente
nos introduz no coração
trinitário de Deus. Ela é uma inspiração,
força e horizonte que nos lança a
caminhar com aquele que é “Caminho,
verdade e vida” (João 14,6) na caminhada
ao amor infinito e misterioso da
Santíssima Trindade.
Eis a oração de Jesus para ser repetida
incessantemente como um mantra:
“Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus,
tende piedade de mim”.
Comece a pronunciá-la com adoração
e amor. Apegue-se a ela. Repita-a devagar,
suave e silenciosamente até que o
mantra seja conteúdo da sua respiração
e circule pelas suas veias e artérias.
A oração de Jesus ou Oração do
Coração é o tema do belíssimo livro
chamado “Relatos de um Peregrino
Russo”, em que um peregrino se pergunta
qual é o significado da exortação
do Apóstolo Paulo: “Orai sem
Cessar” (I Ts 5:17), e então, dedica sua
vida a encontrar o significado.
Na compra deste livro, recomendo
a Edição da Editora Vozes. (Livraria
Diocesana).
5 - O Caminho é Cristo
Não existe outro caminho de oração
cristã senão Cristo. Seja a nossa
oração comunitária ou pessoal, vocal
ou interior, ela só tem acesso ao Pai
se orarmos “em nome de Jesus”. A santa
humildade de Jesus é, portanto, o
caminho pelo qual o Espírito Santo
nos ensina a Orar a Deus, nosso Pai.
(CIC 2664).
***
Para aprofundar no tema:
ANÔNIMO do Século XIX. Relatos de
um peregrino russo. Petrópolis: Edit
Vozes, 2013.
PAGOLA, José Antônio. Jesus. Aproximação
histórica. Petrópolis: Vozes,
2010.
Os Salmos (psaltérion). “Os salmos são como o vento: aprende a respirá-lo profundamente” (Adolfo. Schokel, biblista).