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Revista Mistérios de Órunmilá - 03

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COMER NOS IDENTIFICA

Todas as culturas têm suas comidas típicas, na maior parte

das vezes, vinculadas ao que a Natureza local disponibiliza e permite

produzir com mais abundância. Assim, comunidades à beira do mar,

ribeirinhas, os povos das florestas, dos campos, das montanhas, criaram

e criam pratos diversos que agregam ou se modificam quando migram

para outras regiões, dependendo das matérias-primas disponíveis no

lugar. O comer, em síntese, é ato de identificação e

inter-relacionamento sócio-cultural. “Quando se fala

em alimentação é impossível dissociá-la da cultura,

já que o alimento faz parte do complexo processo

de formação de identidade cultural de um povo.

O ato alimentar não é apenas uma condição

biológica para manter-se vivo, comer constitui

em um ato impregnado de significados que são

incorporados aos alimentos desde o preparo até o

consumo. O alimento está tão incorporado à cultura

que algumas regiões do Brasil são conhecidas pela

culinária e não por suas paisagens exuberantes a exemplo

da Bahia que tem como símbolo do estado a baiana do acarajé com

seu tabuleiro repleto de cocadas, caruru, vatapá e o famoso acarajé. Em

torno da mesa, são consagradas as confraternizações, são transmitidos

valores culturais, são rememoradas nossas raízes e reforçadas as relações

afetivas.”

Na história da Humanidade, as colheitas anuais de cereais, por

exemplo, são objeto de festividades intensas na maioria das culturas ao

redor do mundo. Na maior parte das vezes, as comemorações foram se

entrelaçando a ritos e dogmas religiosos, na medida em que o alimento

assumiu um caráter sagrado no decorrer da construção sócio cultural

da Humanidade. Para as religiões, o alimento é um forte instrumento

ideológico e cultural. A maioria delas tem regras claras e dogmáticas

quanto aos hábitos alimentares dos adeptos, sobre o que comer, o que

não comer, quando, onde e como comer. Ser judeu é não comer carne

de porco; ser hinduísta é ser vegetariano. No Cristianismo, ancorado na

culpa, há o caráter penitenciário de não comer carne em um determinado

período do ano.

Para outras, o alimento tem uma relação direta com o plano etéreo,

como no Candomblé, em que ele representa um fundamento em

si no estabelecimento do vínculo com Olódùmarè (Deus). É nas

comidas ofertadas e compartilhadas que está o grande Axé, a energia

poderosa; a força de cada um dos Orixás concedida por Olódùmarè.

“As comidas oferecidas são elemento de aproximação entre o fiel e seu

Orixá, momento de estabelecer uma profunda intimidade, dividindo

o alimento, as alegrias, e os dissabores com eles. No Candomblé, o

alimento é uma força de oração, é um ritual, é um fundamento. Em dias

de festa nas casas de Candomblé, a refeição é um importante momento

sócio-religioso. Após as danças rituais dos Orixás, grandes mesas são

armadas e farto banquete é oferecido a todos os convidados. Comidas

pertencentes ao cardápio dos Orixás ou comidas comuns, chamadas

de “comidas de branco”, são servidas obedecendo a uma sequência

hierárquica. A oferta de alimentos e a variedade de pratos convidam a

todos os adeptos ou visitantes a consumir os assados, as frituras de dendê

e muitas outras comidas. Em dias de festa, compartilhar as comidas com

os Orixás é parte da comunicação que se estabelece entre os Deuses e a

comunidade.”

Do milho ao sorgo

Quando foram trazidos à força pelos brancos ocidentais, os

africanos escravizados trouxeram com eles os hábitos alimentares

de suas origens, intimamente vinculados aos pratos prediletos

do panteão africano, e que sofreram mudanças pelas diferenças

do que as terras brasileiras ofertavam à época. O sorgo, ou Òsi,

em yourubá, foi um dos ingredientes substituídos pelos negros

escravizados. Usado em muitos pratos oferecidos aos Orixás, o

sorgo deu lugar ao milho que passou a reinar também na cozinha

dos Deuses yourubas. “Pensou em comida de Orixá, em banquete para

Ele ou Ela, o milho está presente, com certeza”, diz a Iyá Kekerê do Ilê

Omiojuaro, Doya Moreira Costa.

O milho branco ou canjica, por exemplo, é o ingrediente único do acaçá,

um bolinho que agrada a todo o panteão do Candomblé. É feito com massa

de farinha de milho branco cozido em água, sem sal, e envolto em folhas

de bananeira. “É comida votiva do Oxalá, mas pode ser ofertada a qualquer

outro Orixá”, ensina Mãe Doya. Com o milho branco também se faz o êbo

para Oxalá, explica, bastando cozinhá-lo sem qualquer tempero até ficar

macio. É comida sagrada, sendo comum sua oferta nos rituais aos outros

Orixás em rituais da Umbanda, especialmente na Almas de Angola.

Já o milho vermelho ou de galinha cozido, com uma pitadinha de sal, coco

seco cortado em lascas para enfeitar compõe o axoxô, muito apreciado por

Oxóssi, o Caçador. “Com ele também se prepara o ado, comida da Deusa

do Amor, Oxum. Deixa o milho vermelho um tantinho de molho, escorre,

torra em panela bem quente, mói e tempera com mel. Isso é uma delícia”,

avisa Mãe Doya. E a pipoca que se chama doburu em youruba, que é o milho

torrado e estourado na areia numa panela de barro bem quente, é a comida

por excelência do Senhor da Terra, das Doenças e Curas, Obaluwaiyê.

Saiba mais visitando a página da Doyana’s Culinária de Terreiro:

https://goo.gl/CpI3pb

Acaça Axôxo Ebô

Doburu

Milho

Fevereiro 2017 Mistérios de Órunmilá 09

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