Bauru de todos nós
Livro da Academia Bauruense de Letras em homenagem a Bauru no seu 124º aniversário
Livro da Academia Bauruense de Letras em homenagem a Bauru no seu 124º aniversário
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Academia Bauruense de Letras
Bauru de todos nós
Bauru de todos nós
Academia Bauruense de Letras
Bauru de todos nós
Homenagem dos acadêmicos a Bauru
no seu 124º aniversário
Esta é uma edição da Academia Bauruense de Letras
Organização de Olynda Aparecida Bassan Franco
Edição, fotos e preparação de textos de
José Carlos Mendes Brandao
Apresentação
“Bauru de todos nós”, “A Cidade Sem Limites”, “Capital
da Terra Branca” completa 124 anos. Estamos em
2020. Bauru é silêncio. Sem festas, shows, bolos, jogos, música,
encontros, aglomerações no Parque Vitória Régia. A
pandemia mundial pelo vírus Covid-19 fez Bauru festejar diferente.
Um novo jeito de celebrar, ficando em casa, preservando
a vida, depois, a festa.
Inserindo-se neste contexto de isolamento social, a Academia
Bauruense de Letras homenageia Bauru externando a
relação afetiva com a cidade, por meio de um livro online,
idealizado e executado pelo acadêmico José Carlos Brandão.
No percurso: lembranças, fatos, histórias, gratidão, amor
de quem chega e de quem parte. Bauruenses da gema ou
acolhidos, que trazem nas sandálias a poeira de outras terras,
cantam suas vivências em prosa e verso, a exaltação a
Bauru.
Apresento-lhes o livro “Bauru de Todos Nós”. Em cada
olhar, uma mensagem, uma viagem no tempo. Desejo que
os leitores encontrem na leitura, um motivo para amar cada
canto desta cidade, mesmo nas névoas de dificuldades, que
sombreiam nossa Bauru.
Agradecimento aos acadêmicos participantes. A ABletras,
num sentido de pertença, não poderia deixar de enaltecer
Bauru, nos seus 124 anos.
Eron Veríssimo Gimenes
Presidente
A Baixada do Silvino
Com saúde e vontade eu chegava a Bauru no ano de
1972, adquirindo a Farmácia Cruz Vermelha localizada na
Baixada do Silvino, bem próxima do Rio Bauru, que na época
ainda não era canalizado e por onde despejava as águas pluviais
de quase toda a cidade, além do esgoto produzido na
mesma.
Empolgado com minha atividade, dedicava-me totalmente,
na ânsia de progredir e vencer como empreendedor
no ramo que já havia adquirido um bom conhecimento em
minha cidade natal, inclusive fazendo o curso de Oficial de
Farmácia no SENAC em São Paulo no ano de 1968.
Embora eu tivesse meu tio como sócio, a administração
era minha e os negócios corriam bem. Consegui aumentar
muito a clientela colocando mais estoque e melhorando
o atendimento aos clientes. Como tudo estava indo a contento
resolvi me casar no início do ano de 1973 e consegui
alugar uma casa bem próxima do estabelecimento, na
mesma quadra, distante apenas uns vinte metros.
A Baixada do Silvino foi o início de Bauru, onde surgiram
os primeiros armazéns, as primeiras lojas, posto de gasolina
e atividades essenciais para a cidade, embora já estivesse
perdendo parte de seu comércio para a parte mais
alta, como as Ruas Araújo Leite, Primeiro de Agosto e Batista
de Carvalho e outras, mas por fazer parte do início da cidade,
tinha ainda muitos clientes que vinham da Bela Vista, Vista
Alegre e demais bairros próximos, inclusive da zona rural.
O Rio Bauru era totalmente poluído, nas tardes quentes
o mau cheiro do esgoto exalava ao passarmos pela ponte
que ligava a Rua Araújo Leite à Rua Coronel Alves Seabra.
Muitos clientes me disseram que antigamente, pescavam
muito naquele pedaço do rio antes de ser poluído. Com o
crescimento da cidade, quando chovia, o volume da água
que passava pelo rio era cada vez maior, provocando muitas
enchentes.
Num domingo, numa manhã quente de verão, o dia
escurece e começa a chover torrencialmente com muitos
raios e trovões riscando o céu, provocando uma das maiores
inundações no Rio Bauru e consequentemente chega a minha
farmácia. Na correria para salvar os meus produtos, começamos
tirar tudo que estava na parte baixa e fomos colocando
na parte mais alta, em cima dos balcões, onde não
pudesse ser atingido pela água que chegou a marca de mais
e um metro. No meio desse transtorno lembrei-me que estava
morando ali pertinho e que a enchente também tinha
chegado lá. Sai desesperado pela rua segurando-me nas paredes
com aquela água fétida acima de minha cintura. Ao
chegar vejo minha esposa, que estava grávida, saindo no
barco do Corpo de Bombeiros e indo para a casa de uma
amiga, cujo marido também tinha uma sacaria na mesma
quadra da farmácia.
A enchente urbana, ainda mais de um rio poluído é
algo incrível! Vimos passar boiando vários botijões de gás,
cadeiras, panelas, móveis e muitos animais como cobras e
ratos. Quando a água baixou ficou a sujeira, uma lama escura
e com muito mau cheiro, que foi difícil para limpar e no
meu caso, em dose dupla, a farmácia e minha casa, ainda
bem que os vizinhos se reuniram e fizeram um mutirão de
limpeza.
Logo após esse incidente, resolvemos procurar outra
casa para morar que não fosse sujeita a inundações como
esta. Logo conseguimos uma casa em frente ao antigo “cadeião”
pertencente à família Santos Monteiro que não era
distante do meu trabalho, onde fomos ser vizinhos do Joaquim
Simões e sua esposa Celeste e nasceu uma amizade
familiar que mantemos e neste local moramos vários anos.
Depois de mais algumas enchentes, começou a canalização
do Rio Bauru. A construção da Estação Rodoviária, a Avenida
Nuno de Assis margeando o Rio Bauru, a Avenida Nações
Unidas que foram marcos de progresso para nossa cidade,
assim como a Avenida Nações Unidas Norte que modernizaram
aquele setor da cidade e melhoram muito o trânsito na
cidade inclusive na Baixada do Silvino.
José Marques
A Bauru, nos seus 124 anos
Em Bauru, eu chego
por onde, antes, era conhecido como
Toninho Mão-de-Onça,
hoje, final de toda a Vila Dutra.
Nunca, ou quase nunca, vou
margeando o Jaraguá.
Desço toda a Vila Falcão.
Passo, então, por rotatória abençoada,
chego, pelo pontilhão, à Duque, onde
deságuo,
na areia branca onde cresceram prédios.
Onde se vê, a cada dia, um pôr do sol maravilhoso,
onde sinto saudades da Fatec e de seus arredores,
onde vejo, longe, o Estoril e suas árvores,
de onde miro a Rua 1º de Agosto, com seus carros e
barracas,
de onde vejo os médicos e a longa Nações Unidas,
a avenida moderna,
e de onde vejo a saudade de quem viajou em trens
das ferroviárias abandonadas.
Tenho esperanças.
E saudades.
Inshallah, dizem os árabes, sírios, libaneses.
Ana Katryna Cabrini
Paulo de Tarso Cabrini Jr., nome civil
Apre(e)ndendo Bauru
Para saber de uma cidade, é preciso primeiro amar
alguns recantos. Alguma paisagem. Algumas pessoas. Um
pôr do sol.
Fotografar nem que apenas na lembrança alguns ipês
floridos. Muitos ipês floridos. Andar de ônibus para poder
pelo menos um trecho caminhar a pé. Atravessar o Vitória
Régia. Sentar num banco da praça Rui Barbosa e contemplar
o coreto. Olhar a pequena mata preservada na UNESP.
Os macaquinhos comendo na mão nos galhos baixos
do cerrado. O cheiro de folhas molhadas e pisadas no chão.
A aspereza dos troncos.
Ter sentido a ventania de uma tarde súbita. Ter vivido
o medo do apagar das luzes. Ter fotografado a enchente devorando
a Nações.
Experimentar o bauru legítimo. Gostar do bauru legítimo.
Aprender que o resto é misto quente ou churrasquinho.
Conhecer o bosque. Caminhar pelo bosque. Ler o jornal
de domingo sentada num banco do bosque.
Frequentar o SESC: shows maiores e menores, cursos,
piscina, sanduíche natural.
Curtir a sensação de não conhecer ninguém, de ser
um entre milhares e de levar um susto quando alguém grita
o seu nome.
Pertencer a uma turma. Enturmar-se. Conhecer seus
iguais em crenças e ideais. Seus irmãos em poesia. E prosa.
Ver a lua cheia no final da rua. Enorme e leve como
um balão de nuvem.
E o pôr-do-sol da sacada do meu prédio. Conhecer em
Bauru um pôr-do-sol sem nuvens que acontece às vezes.
Muitas vezes. E ver que aqui o sol é mais vermelho e mais
maduro, e vai descendo intacto e inteiriço até desaparecer
no horizonte antes que eu consiga encontrar a máquina fotográfica.
Que por sinal se revelaria inábil para contê-lo.
Muito mais é Bauru, tão múltipla e mutante, a se reconstruir
a cada relembrança. E a cada vivência, que continuo
nela e ela em mim. Não a conheço muito, e ainda me
encanto dela. Não tanto como há dez anos, quando fiz dela
minha morada e me maravilhava a cada passo. Agora nos
habituamos uma à outra e nos encaramos sem estardalhaço.
Mas ainda me surpreendo a cada fim de tarde com a
novidade de cada pôr do sol.
fim da tarde
o sol se curva
sob o aplauso febril das maritacas
Maria do Carmo Almeida Corrêa
A Rua Sete
A Bauru de que falarei agora não é a da Zona Sul,
nem a central; não é a do Parque Vitória Régia, do Calçadão
da Batista ou da Estação Ferroviária. A primeira Bauru que
me vem à cabeça é a da Rua Sete, e do bairro onde passei
boa parte da minha vida, o Jardim Rosa Branca.
Meus pais foram um dos primeiros a se mudar para
este núcleo habitacional, inaugurado no início da década de
80. Foi realizado um sorteio pela Caixa Federal para distribuição
das casas entre os interessados pelas oito ruas do
bairro, e meus pais não tiveram muito sucesso: restou a eles
uma moradia na última quadra da já mencionada rua, próxima
à linha do trem e ao Córrego da Grama.
De córrego, não tinha nada: com o tempo, suas margens
foram se ampliando; e, por conta disso, ganhou o carinhoso
apelido de "Rio Bosteiro", já que continha os dejetos
(esgoto) oriundos do Parque Jaraguá, que passavam por ali
e desembocavam em outras paragens. O trem, por sua vez,
passava apitando em momentos distintos do dia: vez ou outra,
despertava a todos (alta madrugada) com os ruídos da
maquinaria.
Nesta quadra, vivi a minha infância junto com outras
crianças. Em razão do pequeno trânsito (observem a placa:
rua sem saída) jogávamos futebol, vôlei, queimada e tantas
outras brincadeiras sem sermos atrapalhados pelo vaivém
dos carros. Aliás, ainda que estivéssemos dentro da cidade,
experimentávamos um cadinho de "mundo rural" por ali,
pois havia uma chácara próxima, e os trabalhadores do local
levavam os bois e as vacas para pastarem em nossa rua.
De frente para as nossas casas, então, havia o córrego,
a margem (com muita grama, esterco, árvores) e a
linha do trem. No final da rua, um grande bueiro que escorria
as águas da chuva, já que frequentemente havia alagamentos
naquela área por conta das chuvas de verão. E tudo, tudo
era motivo de brincadeira: os canais do bueiro, as pipas, os
sapos coaxando, os carrinhos de rolimã, os vaga-lumes, os
vira latas, os andarilhos, os bambus que os meninos mais
velhos roubavam da "chacrinha" para que fizéssemos traves
de futebol.
Aos poucos os amigos de infância se mudaram, cresceram,
partiram; eu me mudei também, inclusive. Às vezes
ainda passo por lá para dar uma olhada em tudo: as crianças
não estão mais na rua como duas décadas atrás, os muros
das casas aumentaram bons metros, não há mais alagamentos
e nem bois pastando.
Contudo, minhas memórias continuam direcionadas
àquele lugar, àquela quadra.
Essa é a Bauru mais vibrante na minha memória.
Bruno Sanches
Bauru Cidade
Berço de lutas
Atrozes
Urdidos planos sangrentos
Rugidos furiosos
Urros de dor
Cidade de espantos
Inda vivo nela, barbáries
Deito zonza
Ando nua de mim
Durmo cega de sonhos
Estou morta de medos
Fátima A. T. Salles
2019
Bauru, cidade encantada
Bauru, terra do meu, do seu, de muitos corações.
Uma vez aqui, é amor à primeira vista, amor de alma, que
fica pra sempre nos rincões da nossa retina. É aqui, é aqui,
que mora o amor, é aqui que realizamos nossos sonhos, é
onde desejo viver e na trilha de seu coração morrer.
Rio Batalha vem serpenteando seu entorno, atravessando
vales, matando a sede de milhões de habitantes, possuindo
matas, animais e águas que conferem alta piscosidade,
onde os índios e desbravadores saciaram sua fome,
ressaindo muitos “causos” contados por pescadores e outros
sonhadores.
Umbral da minha vida, da minha família, capital da
terra branca, porta do sertão, terra da gabiroba, da estação
ferroviária, trem do pantanal, sanduíche Bauru, PRG8, Rotary
Club, BAC (Pelé), Esporte Clube Noroeste, casa da Eny,
das boiadas vindas da média e alta paulista. Quem parte
morre de saudades. Como na lenda dos elefantes, voltam
pra ficar eternamente. Bom dia Bauru. Eu amo você, minha
cidade encantada. Afinal, até a chuva, o Sol cintilante e a
Lua reverenciam você.
Eron Veríssimo Gimenes
Bauru,
um aniversário diferente
Neste ano aprendemos a apagar a velinha sem assoprar, a
dar os parabéns sem abraçar e a desejar feliz aniversário à
distância.
Um aniversário diferente.
Bauru, mesmo de máscara e sem assoprar
a velinha do seu aniversário, lhe desejamos felicidades e
sucesso.
Sucesso para vencer na saúde.
Sucesso para vencer no trabalho.
Sucesso para vencer na solidariedade, na harmonia, na paz
e no amor.
B elíssima
A dorável
U niversitária
R adiante
U nificadora
Felicidades Bauru
As vinte línguas de Bauru
Graciliano Ramos, em carta a seu grande amigo J.
Pinto da Mota Lima Filho, em 1926, diz: “Um sertanejo daqui
foi o ano passado a Bauru, ao café. De volta, confessou-me
que o que lá havia mais extraordinário era se falarem mais
de vinte línguas difíceis, ‘principalmente a língua paulista e
a língua japão’. Parece que são duas línguas realmente difíceis.”
Graciliano estava perturbado com os novidades linguísticas
e literárias que aconteciam no sul, Rio, onde seu
amigo Pinto estava, e São Paulo, onde os tais modismos
mais o espantavam. Primeiro pede: “vê se me arranjas aí
uma gramática e um dicionário de língua paulista, que não
entendo, infelizmente.” Depois insiste, agora no campo da
literatura: “E manda-me dizer se é absolutamente indispensável
escrever sem vírgulas.” Graciliano estaria terminando
de escrever o seu primeiro romance, Caetés, que seria publicado
só em 1934. Logo iria provar para o mundo que o
novo em literatura independe das modas exteriores no trato
da língua e das sensações.
Quanto a Bauru, em 1926 ainda era considerada Boca
do Sertão, ainda estava bastante afastada da civilização. É
estranho para mim (que cresci numa fazenda de café, no
bairro rural Matão, em Dois Córregos) pensar em plantações
de café em Bauru – mas aqui houve (existe ainda, não produz
mais, mas pode ser visitada) a Fazenda Val de Palmas,
uma das maiores produtoras de café do país. Difícil é explicar
a questão das vinte línguas. Mas, além da “paulista” (que
Graciliano deveria ver, com razão, como muito diferente da
língua do sertanejo nordestino), teríamos a dos japoneses,
dos sírios, libaneses, italianos, espanhóis, austríacos, alemães,
dinamarqueses, franceses, judeus, que vieram ajudar
a formar esta cidade nas primeiras décadas do século. Mais
recentemente vieram argentinos, bolivianos, chilenos, palestinos,
coreanos, mexicanos, siberianos, mongóis, tornando
Bauru um dos municípios mais cosmopolitas do interior
paulista, coisa que os moradores daqui quase nem percebem.
Talvez o sertanejo amigo de Graciliano não tenha
mentido ou inventado, apenas exagerado um pouco.
O meu primo Fernando Vasques proclama: “21, a
gente, moleque, tinha uma língua bem própria. Você sabe o
que é burca? O que é bolocados? O que intancar?” Era preciso
resgatar a língua da nossa infância, bem ligada a brincadeiras
que hoje nem existem mais, ou além disso, a uma
vida bem peculiar que não existe mais. Burca não era a
vestimenta exigida pelo Taliban, mas apenas síncope de búrica.
Aliás, “búrica” (ou burca e burquinha) é usada quase só
em Bauru. A bolinha de gude (nome mais conhecido) é chamada
também de baleba, bila, quilica, clica, fubeca, peca,
pinica, etc. Para um alagoano como Graciliano seria ximbra.
“Intancar” é simplesmente corruptela de entancar o riozinho
com pedras e folhagens para fazer um lago onde nadar. A
criança pronuncia diferente (vejam bem que é uma questão
linguística, sem nada a ver com erro), como o povo pronuncia
diferente, e é assim que evolui a língua. “Bolocados” parece
mais difícil. Certamente vem do verbo embolocar, pôr
a búrica na biroca (buraquinho cavado no chão de terra).
Fica mais difícil mesmo se lembrarmos a expressão completa:
“bolocados sem multa”. Seria preciso conhecer a regra
do jogo, aqui e naquela época. Outra mais difícil é “estressalanova”,
que o poeta Luiz Vitor Martinello me explicou:
“estrear sela nova”, brincadeira em que os moleques ficavam
de quatro e os outros pulavam por cima. Há um nome
posterior, em que a palavra “estre...” sofreu uma epêntese,
transformando-se em “estrela”, eliminando a ideia de estrear.
Eu conhecia por um nome mais feio: pular carniça. O
gostoso mesmo é ouvir a palavra estressalanova pronunciada
de uma só vez com o sabor do moleque bauruense falando.
Manuel Bandeira, num dos seus mais famosos poemas,
“Evocação do Recife”, de 1925, justamente falando da
língua dos moleques do Recife, conclui: “Vinha da boca do
povo na língua errada do povo / Língua certa do povo / Porque
ele é que fala gostoso o português do Brasil.” Queria o
mesmo que Machado de Assis, em discurso de 1897, quando
dizia dos deveres da Academia Brasileira de Letras: “... buscará
ser, com o tempo, a guarda da nossa língua”, “defendêla
daquilo que não venha das fontes legítimas – o povo e os
escritores.” É preciso resgatar a língua da infância, a nossa
gostosa língua portuguesa falada pelas crianças, como o
nosso povo fala.
José C. M. Brandão
Bauru – terra de amores!
Minha cidade de espantos,
Ao anoitecer
Vejo você que parece triste e sozinha
E relembro meus ancestrais
E os vejo de novo
Sonhadores, desbravadores...
Chego até a ouvir o apito do trem ao longe!
No Mundo Novo
O futuro...
Os planadores voando livres no céu
Os shoppings de concreto na terra
E seu povo agora
Consumista, materialista...
Passeia no Vitória-Régia aos domingos e feriados!
E no final das tardes
Meus fantasmas visitam suas praças e
O coreto da Ruy Barbosa
Do alto das árvores frondosas, majestosas...
Minha terra de amores!
Ana Maria Barbosa Machado
Bauru
Bauru, minha terra
onde forasteiros fizeram seu pouso
Bauru... em ti faço meu remanso
em ti descanso...
Ana Maria Barbosa Machado
Bauru – Cidade Sem Limites –
124 anos
Cidade sem limites,
Seja em terra,
Seja em mar,
Seja em ar...
A terra não é só branca, apesar da sua alcunha capital da
terra branca!
Em sentido figurado esse termo não é claro
Plantações intercaladas e o cerrado que a circundam, mesclam-se
com a riqueza de outras culturas que aqui pululam
Café, cana de açúcar, flores e pomares
Templo Tenrikyo, Torre Eiffel, Etnias e Religiões todos juntas
nesses rincões
Estrangeiros e brasileiros não tem nacionalidade, na capital
sem limites são todos bauruenses por destino ou mera liberalidade
Essa terra sem precedentes mescla cores e seus ardores de
maneira efusiva
Um universo multicolor que precede ao nosso amor
O mar não está presente, nem precisa na realidade, porque
os sonhos dessa gente são muito mais que reluzentes,
atingindo até outros continentes
A vida nessa cidade é uma maré de sentimentos, alterna
dia e noite, inesquecíveis a cada momento
O ar é uma bênção, sem poluição, sem congestionamento
Temos tudo que queremos em qualquer capital de nossos
tempos
Quanto a isso não há nenhuma dúvida!
É apenas uma lição!
A vantagem de nosso lar é olharmos para o céu
Céu azul, repleto de estrelas que até um conhecido astronauta
em outros tempos já frequentou
Não há limites quando a riqueza de uma cidade são os seus
habitantes e sua posteridade
Os que aqui nasceram sempre irão um dia a sua cidade natal
retornar
Aqueles que aqui viveram jamais esquecerão o seu antigo
lar
Enquanto a sina estabelecida não alcança o seu dia
Bauruenses seguem em sua jornada, sempre presentes de
uma forma variada
Vivenciam um amor onipresente e onipotente à sua terra
tão querida e amada
Embaixadores por nascimento ou ligação ao seu antigo lar,
bauruenses natos e naturalizados representam, nesse
vasto mundo, o que de melhor o ser humano pode nos proporcionar
Clap, clap, clap!
Plec, plec, plec!
A depender de onde está...
É chegado o momento de mais um aniversário comemorar!!!
Luiz Henrique Sormani Barbugiani
Bauru na pandemia
Eu vi
Casas de janelas e portas fechadas
Portas dos comércios abaixadas
Ruas solitárias, sem pneus
Calçadas nuas de passos.
Eu vi
Das escolas luzes apagadas
O silêncio instalado
Crianças em casa, tristes, desoladas
Muitos querendo trabalhar
Para a família sustentar
Outros tantos em mercados
Preocupados em acumular.
Eu vi
Um abre e fecha descontrolado
E muita indecisão
Empregos indo embora
Empresários sufocados
Suplicando atenção
E pouca decisão.
Eu vi
Divergências de opiniões
Em todas as esferas
Em diferentes situações
Gente se contaminando
Muitos outros se curando
Tantos outros nos deixando.
E a situação perdura
Numa incerteza futura.
Eu vi até
Dias letivos virarem feriados
E feriados virarem dias letivos
Amanhã, dia 1 de agosto de 2020
Aniversário de Bauru
Feriado? Comemoração?
Não.
Será dia letivo, conforme anuncia hoje, o jornal
E dizem que vivemos um novo normal?
Tudo isso é o anormal
Normal será quando tudo isso passar
E teremos o normal de sempre, de novo
Desmascarados
De mãos dadas
Aglomerados
Abraçados
“Tudo como antes...”
Fátima Ap. Tentor Salles
31 de julho de 2020
Bauru das anáforas
Bauru dos trens partindo rumo ao infinito
Bauru da cruz que floresceu no descampado
Bauru do sanduíche de Casimiro Pinto
Bauru nascida de um relógio atrasado
Bauru como templo das artes e do conhecimento
Bauru da Baixada do Silvino, do Bosque, do Horto
Bauru das ruas da memória e do esquecimento
Bauru das gabirobas nos campos do aeroporto
Bauru do arco-íris chorando sobre as casas
Bauru ungida com o óleo da copaíba
Bauru da búrica ao sol, da sinuca nas madrugadas
Bauru símbolo simples e completo da vida
Bauru multiplicando as palavras e a paisagem
Bauru dos espantos de Rodrigues de Abreu
Bauru iluminando as coisas e as imagens
Bauru da areia branca como poalha de estrelas
José C. M. Brandão
Bauru e seus limites!
Bauru, cidade de nome indígena que chegou nos trilhos
da estrada de ferro.
Cresceu por conta de relógios estrategicamente atrasados.
É cercada por rodovias que se encarregaram de espalhar
seus filhos pelo mundo. Uba-uru, onde um urubu cagou
em cima do baú. Cidade que enviou Ozires aos ares e
Pontes um pouco mais acima. Bauru origem do lanche homônimo
e do termo "batistar". Cidade amaldiçoada por demolir
a igrejinha para dar lugar à Catedral. Abençoada com
a construção do Templo Tenrikyo. Teve explodida a Avenida
Nações Unidas e construiu outras como a Nuno de Assis e a
Getúlio Vargas. Teve sua praça central privada dos animais
que lá viviam; jacarés e outros bichos. E agora lá temos concreto,
cimento e novos bichos.
Muitos estudantes aqui vêm como primeiro passo
rumo a um futuro cada vez mais incerto. Foi daqui o maior
puteiro do Brasil, perdendo apenas para Brasília.
Entre altos e baixos... a Nações inunda em dias de
chuva; e a periferia chora. Na mesma Nações temos nosso
Teatro Municipal, construído onde era o mercado municipal;
passou-se o tempo e cada um "vende seu peixe".
Bauru possui um emblema arquitetônico que é a sua
estação ferroviária, na região central da cidade. E ali tudo se
torna decrépito com o descaso público com o público. E o
público não colabora com o que é público, e reclama do Ministério
Público. Atrelados ao mundo, sofremos como o resto
do planeta, com as mazelas de nossas criações, ações e distrações.
Andamos distraídos circundando nosso umbigo, enquanto
o mundo se desfaz. Talvez não sobre nada; nem nós
(os que menos merecem estar aqui). Bauru precisa de cidadãos
em seu significado mais profundo e sincero. O mundo
está mudando; Bauru também.
Gostava mais quando dançava nas domingueiras do
Bancários; hoje a dança da vida é diária e nos quebra mais
que dançar Break. Que esse nosso esforço, por romper as
paredes do casulo que nos prendem ao passado, nos faça
merecer uma cidade mais linda, progressista e com cidadãos
mais humanos.
José Reginaldo Furtado
Bauru em nós!
O apito do trem trouxe a ti
A vida que em meio ao predomínio do cerrado.
Não cerraste o olhar aos novos que junto ao café,
Adoçado pela cana em 50,
Materializou tuas entranhas pela industrialização!
Em teu Brasão já traz a coroa
Matizada com as estrelas amarelas,
É o ouro das ferrovias que perfaz tuas querelas
E que um dia desenharam tuas vias, ruas e vielas!
És sem limites, no abraço ao que chegou;
És sem limites, naqueles que abrigou.
É sem limites teu coração,
Pois acolhe a todos com tamanha abnegação!
As diferentes existências
Diluem-se no rodar pelas Nações,
Onde cruzam teus filhos
Do chegado ao aqui já enraizado!
Nas barganhas da Batista,
Deixa teu comércio reinar
E acentua tua nobre identidade
De a todos não se negar!
És Bauru de todos nós!
És ciência, arte, música!
Traz em ti muitas formações
E constróis em nosso coração
A Bauru suçuarana que desbrava
Nossos sonhos e realiza nossos anseios!
Audrey do Nascimento Sabbatini Martins
Bauru, nossa cidade
Nossa cidade tornou-se forte e altaneira!
Resoluta enfrenta os desafios deste século.
Busca a modernidade e o bem comum.
Anseia que sua gente continue guerreira.
Tem como padroeiro o Espírito Santo!
Desenvolve preponderantes benefícios.
A fé em Deus a ilumina e a fortalece.
E a solução surge, como por encanto.
A logística de irradiação e recepção
ultrapassa as fronteiras, sem exceção.
Há diversidade de produção na agricultura,
no comércio, na indústria, na cultura...
É referência na reabilitação em saúde.
Avança em tecnologia e qualidade de vida.
Parabéns, Bauru, pelos seus 124 anos!
Vamos juntos com fé e muito labor.
Para todos nós é uma cidade querida.
Recebe, acolhe e incentiva muitas vidas.
Para as que aqui aportam e as nascidas
esta terra jamais será esquecida!
Orminda Machado de Camargo
Bauru do novo Milênio
Em meus sonhos pude te ver,
Bauru do novo milênio,
Teus sonhos de cidade lunar;
Não a lunar das crateras.
Dos montes, das tempestades,
Do dragão de papelão, língua de fogo
E de maldades.
A cidade do meu futuroscópio
Cultiva plantas e planos futuristas,
Onde se plantam os mais puros ideais,
Lá existem vales onde vicejam
As ambições não imorais.
Dos mansos rios, sem corredeiras;
Não a exausta selenólope de dias quentes,
O clima é temperado, o ar não rarefeito,
Arar completo, pra efeito equilibrado
Vejo-te soprada por brisas suaves
E ventos vindos de todas as vias,
De vias claras retas e visíveis,
Urbe lunar pelo ‘Custos Vigilat’ guiada,
Nunca mais por mau destino, vislumbrada
Vejo-te agora branca Lua nova,
De claríssimo e novo luar,
Feito namorada só para te amar.
Caleb Patrício de Barros
Bauru Porta do Sertão
Bauru Porta do Sertão
Dos forasteiros que a construíram.
Bauru dos slogans
Que definiram sua história, em época e progresso.
Bauru dos universitários,
que rendeu jovialidade
em suas estruturas.
Bauru do Divino Espírito Santo
Que carrega em sua história a maldição
de um Bispo.
Bauru de tantos amores e apaixonados por ti.
Bauru, seus filhos não o trocam por lugar nenhum
no mundo.
Quando muitos vão embora, logo voltam
para estarem contigo.
Bauru nas linhas do tempo, sucateada.
Cemitério das ferrovias que já foram pujante.
Do comércio que conjuga o verbo batistar
em sua vida.
Bauru moderna dos shoppings e dos cafés.
Bauru epicentro do Estado de São Paulo.
Que adota os filhos,
que em suas terras buscam o horizonte.
Os serviços e a oportunidade
do desenvolvimento pessoal.
Porque é Sem Limites no Interior Paulista!!!
Mariluci Genovez
Bauru
Bauru, cidade sem limites
Da terra branca, a capital!
Antes, pura e pacífica
Em ti não se via mal.
E teu comércio pujante,
Teus honestos habitantes
Eram famílias tradicionais!
Havia paz em tuas ruas
Até nos seus carnavais!
Mas tua fama em terra boa
E teu comércio pujante
Atraiu para teu seio
Toda espécie de viajante!
Cresceste para o alto
E para todos os cantos.
Cresceste para o Brasil
És uma cidade encanto!
Em ti floresce a Cultura!
És um berço de artistas!
És cidade universitária
Entre as maiores, és vista!
Berço de heróis, também és
Marcos Pontes é filho teu!
Sem falar dos adotados
Pelé e Rodrigues de Abreu!
Mas, já te estás tornando perigosa
Pois, além dos bons que vem pra ti
Vem também brasileiros
Que existem por aí.
Porém, temos autoridades
Competentes nesse setor
Que cuidarão de proteger
Quem aqui vem por amor.
Mas tudo faz parte do progresso.
Não temas Bauru, vai em frente!
Mostra ao Brasil e ao mundo
Que além de forte, és valente.
Nelson Coimbra
Bauru
Bauru!
És uma bela cidade
De um povo sincero e amigo.
Laborioso e gentil.
Bauru,
Tens anseio de progresso,
Nada existe que te impeça
Despontar para o Brasil!
Teus viadutos gigantes,
Tuas amplas avenidas
Ligando todos os cantos,
És uma terra querida
Bauru!
Em teu seio acolhedor
Ofereces aos forasteiros
Tranquilidade e amor!
Bauru!
Das cidades és princesa
Pois apresenta realeza
E o país confia em ti.
Teu comércio
De esplendor e beleza,
Já se torna conhecido
Do Oiapoque ao Chuí.
Nelson Coimbra
Calçadão da Batista – uma
paixão popular
Ao bauruense da paixão e da conquista
o calçadão é a galeria do sonhar,
do ir em busca e do colorir do caminhar
ao ir e vir no trem alegre da Batista.
Sete vagões, sete quadras, sete sentidos
vivos na passarela entre a história airosa
das praças Machado de Melo e Rui Barbosa,
de estação a estação, borrifando os destinos.
Quando o sanfoneiro toca ao tinir do vento,
o relógio da Lusitana é uma paisagem
que não conta as horas, o itinerário e a viagem,
mas seus ponteiros têm beleza e sentimento.
O café seduz e tem sabor de poesia.
Os pastéis namoram o frescor do coqueiro.
As moedas caem no chapéu ou no bueiro,
no camelô e na bugiganga, onde há magia.
Sob uma sombra azul neon os arcos tecem
babados contados nos bancos, com ardor.
A vida exposta a estranhos, segredos de amor,
agrura ou dita que os amantes não esquecem.
A linha do tempo marca as escadas frias,
desde as lajes com as olheiras do passado,
até a pintura do letreiro renovado,
moldando outras tendências e tecnologias.
A vida pela arte e a arte pela vida
é estendida no leito povoado de passos.
São quadros de areia, penduricalhos lassos,
brincos de arame, arte hippie, subvida.
O dia crepita a fome nas marmitas quentes,
fast foods, deliverys e sucos de cana;
chinelos e rasteiras de um povo que afana
onde as nuvens e o sol revezam-se contentes.
À noitinha, o silêncio beija enternecido
velhos sobrados e lembranças perfumadas.
Saudosas, as velhinhas surgem nas sacadas
e a lua clareia a Rua dos Esquecidos.
Maria Cristina Ehmke Carvalho
“Chá ou café, tanto faz” ou
“um jabuti para chamar de
meu”
Quando criança, ou seja, desde que me entendo por
gente, só tomava chá mate, e foi assim até me mudar para
São Paulo e passar a tomar café junto com os outros estagiários.
Trabalhando em um museu, tínhamos direito todo dia
a um café expresso, oferecido pelo restaurante, que ficava
ao lado da livraria.
Era um momento ímpar: parávamos o que estávamos
fazendo, descíamos as escadas, passando pela exposição
que estava aberta ao público – era o caminho mais longo;
mas o mais bonito também, sempre repleto de obras de arte,
fotografias ou objetos – e nos dirigíamos àquele lugar que
era para os endinheirados e descolados da cena cultural paulistana.
Sorvíamos lentamente o líquido preto, jogando conversa
fora durante os nossos quinze minutos diários de
pausa da tarde de trabalho. O dia ainda iria longe, pois havia
transferido as aulas para o turno da noite, o que significava
terminar tudo invariavelmente lá pela meia-noite.
Uma aula era maravilhosa, a do Nicolau Sevcenko, de
História Moderna. Com ele descobri que São Paulo foi não só
o maior produtor de café, mas também o seu maior consumidor.
E entendi porque é que Bauru tinha tantos cafés. Melhor
ainda, nos finais de semana que voltava a Bauru e passava
na casa dos meus pais, comecei a ir depois da baladinha,
eu e minhas amigas, à rodoviária para tomar a última
bebida da noite antes de dormir. Ninguém tinha medo de
passar a noite em claro, estávamos exaustas e um café expresso
e quentinho sempre caía muito bem. Quando conto
aos meus amigos de São Paulo que essa foi uma das primeiras
unidades do Fran’s Café, poucos acreditam.
Aliás, o Fran’s da Rua Batista de Carvalho, esse sim o
primeiro, também nos salvava nas tardes da Quarta-Feira de
Cinzas, pois era o único lugar aberto após os quatro dias de
carnaval. Tomávamos um copo enorme de chá mate gelado
batido com leite em pó. Excelente para curar o cansaço e a
ressaca de quatro noites de folia nos clubes. Aliás, o carnaval
só acabava com o nascer do sol na Praça Portugal, lá pelas
sete da manhã. Era lindo! Mais gostoso ainda sentir o sereno
da madrugada ir embora e dar lugar a um quente e luminoso
sol. Só então era hora de ir para casa, dormir!
Mas o chá gelado com leite, a ser tomado de tardezinha
no Fran’s, já estava combinado.
Ver o sol nascer passou a ser uma especialidade da
minha turma, podia ser na Praça Portugal ou também no
Aeroclube. Mas, no meu caso, isso só era possível quando
eu dormia na casa de alguma amiga. Tinha horário para chegar
e, sempre na hora determinada, lá estava a minha mãe,
a me esperar, na sala de jantar. Chegasse muito depois, era
bronca na certa.
E por falar na Rua Batista de Carvalho, lembro que
nas noites de domingo era comum meus pais, Marina e
Djalma, nos levarem para comer um sanduíche no Zé do
Skinão, na esquina da Avenida Rodrigues Alves com a Rua
Gustavo Maciel; passeio simples, quase sempre seguido de
uma caminhada para ver as vitrines das lojas. O Zé era o
único a fazer naquela época a verdadeira receita do lanche
Bauru: pão francês, rosbife fatiado, picles e queijo derretido
na água. Quando não íamos ao Skinão, era a vez da Confeitaria
Cidinha, que ficava na Araújo Leite. O local existe até
hoje, mas muito descaracterizado. Lá escolhíamos sempre
as mesmas coisas: quindim, queijadinha e maria-mole. Tudo
muito simples, tudo muito gostoso.
A Praça Rui Barbosa da minha infância era a mesma
que eu vejo nas fotos em preto e branco da minha jovem
avó Guilhermina. Era um jardim público, cheio de verdes e
com um lago. Havia nele muitos jacarés. Ao lado, um viveiro
com duas coloridas e barulhentas araras. No chão do
viveiro... inúmeras tartarugas.
O curioso é que quando eu tinha uns dez ou doze
anos, não me lembro direito, meu padrinho Antônio chegou
de Goiás e me trouxe uma lembrança... um jabuti! Era um
enorme jabuti, com seu casco reluzente, seu passo lento e
uma grande fome pela frente. O inusitado presente morou
meses em casa. Tínhamos dois jabutis pequenos, oito tartaruguinhas
de água (doados pela minha avó Leonor) e vários
canários. Um bicho a mais não iria fazer diferença. E lá estava
eu, toda orgulhosa de ter um jabuti gigante para chamar
de meu. Eram outros tempos e não existia a consciência
ambiental que temos hoje. Mas o fato é que ele começou a
ficar entediado e a brigar com os outros bichos da casa e
achamos melhor doá-lo para o jardim público. Lembro-me
de ter ido muitas vezes visitá-lo na Praça Rui Barbosa. Só o
deixei de fazer, depois que me mudei para São Paulo para
fazer a faculdade de História, motivo do meu estágio no museu
e do meu início no mundo do café.
Bom, a Praça Rui Barbosa, com seus jacarés, suas
araras, suas tartarugas e o meu jabuti gigante já não existe
mais. Hoje, morando novamente em Bauru, sempre que vou
ao Zoológico com minha filhota, gosto de visitar o recinto
dos quelônios. Olho para os inúmeros animais que vejo por
lá, miro o maior deles e imagino uma conversa entre mim e
ele: tanta coisa se passou, né amigão?! Acho isso tudo
muito inusitado e, às vezes, penso ser um sonho de criança.
Fui perguntar à minha mãe sobre a veracidade dos fatos.
Sim, eu já tive um jabuti gigante para chamar de meu; e um
dia ele já foi morador da Praça Rui Barbosa!
Cláudia Leonor Guedes de Azevedo Oliveira
A Cidade Charme
Se Paris, ao longo do tempo e pelo mundo todo, é
reconhecida como a “Cidade Luz”, para mim, embora não
seja bauruense nato mas sim de coração, elegi e tenho
Bauru como a “Cidade Charme”. Nova e bonita, cativante,
insinuante, comunicativa e receptiva porque a todos que
aqui passam ou venham a residir, ela recebe com um sorriso
meigo e cheio de amor que transmite carinho com a mensagem
“sejam bem-vindos, meus queridos”. E essa admiração
que sinto por esta Cidade Charme não se formou nas quatro
décadas que aqui moro consolidando a formação de minha
querida família, mas a muitas, desde quando aquele menino
há setenta e cinco anos, após ter gozado as delícias de uma
viagem de trem, de Garça a Bauru, segurando com força a
mão do seu pai, subiu pela Rua Batista de Carvalho, temeroso
mas confiante e maravilhado com tudo que via. Seu pai
participaria de uma reunião da CPFL. Era sonho daquele menino
que sempre ouvia seu pai, irmãos e outras pessoas amigas
falarem sobre Bauru, dos seus prédios, avenidas e dos
trens que aqui chegavam e partiam com suas bitolas “estreita
e larga”. E naquela manhã seu sonho realizou-se e até
hoje é lembrado com carinho e saudades. Agora, todas as
vezes que me dirijo ao querido prédio da Praça Machado de
Melo com seus tradicionais hotéis a fim de participar das
benfazejas reuniões da Academia Bauruense de Letras com
os queridos confrades, sinto-me tristíssimo ao ver em seu
pátio trens gloriosos e queridos estacionados definitivamente
sem vida, as pinturas e murais que ainda ornam suas
paredes internas. E o que se pensar, falar ou comentar, já
adolescente ou rapaz, das esperadas “baldeações”, quando
com colegas e amigos viajávamos de férias para São Paulo
e a aguardada baldeação, porque era comentadíssimo em
minha cidade e toda região, de que a estação ficava cheia
de moças bonitas que, acompanhadas de seus pais, também
embarcariam no mesmo trem da bitola larga ou elétrico.
Bauru era tida como “a cidade de mulher bonita”. E como o
meu irmão mais velho exclamava: “eh...... NOB” (Noroeste
do Brasil). Quando o trem estava chegando e púnhamos a
cabeça para fora da janela para ver como estava a plataforma.
E, realmente, muita gente; muitas moças bonitas
acompanhadas por seus pais e que também embarcariam
para o mesmo destino. Bauru, Cidade Charme, quantas esperanças
e suspiros você despertou nos jovens daqueles
tempos e ainda continua nos mesmos que aqui vêm para
frequentar suas escolas e universidades. Quantos aqui vêm
morar por estudos, trabalho e outras razões, porém, sem o
perceber, o seu charme ficará marcado em suas vidas, histórias,
memórias e, um dia, lembrar-se-ão. Deslumbram-se
com suas avenidas, praças, bares e sua vida noturna. E depois,
quando daqui partirem nunca mais a esquecerão, e
suspirarão: Ah, ah... Que saudades, bons tempos aqueles!
Quantos poetas e escritores inspirou e ainda inspira!
Quando de longe, da rodovia, indo ou vindo durante o dia se
avistam os seus prédios que apontam para os céus e sua
extensão geográfica que foge aos olhos e à noite suas luzes
cintilantes, sente-se uma sensação indescritível e única motivada
por aquilo que eu descobri ainda em tempo, o seu
charme. Bauru, você é diferente! Em seus 124 anos de vida,
o que é nada na ordem do tempo, você conseguiu e granjeou
o que outras cidades tentaram e não conseguiram. Para mim
você sempre foi, é e será uma CIDADE CHARME. FELIZ ANI-
VERSÁRIO!
Joaquim Eliseo Mendes
Círculos de um nome
Lança-se uma pedra nas águas e se visualiza um espetáculo
intrigante e significativo. Enxergamos os círculos
ao redor da pedra – aqueles que se distanciam, procurando
a margem, fogem da visão na sua amplitude, mas estão lá.
Assim é o nome da cidade de Bauru. Ele se espalha pelas
ondas do mundo, nas pregas do tempo. Quantos eventos,
pessoas, fatos engrandecem a nossa cidade, nos rincões
de sua construção. Nem sempre louváveis, mas parte da
História.
Ainda existem os trilhos cortando o solo da cidade – reminiscência
de um passado pungente, rico de chegadas e
partidas. Estação Ferroviária abarrotada de gente, trazendo
o progresso, a edificação da cidade. Entrelaçamento das três
ferrovias, não é para qualquer cidade. Três cores de locomotiva
tingiam Bauru, no ziguezague dos dormentes. Na fumaça
das caldeiras, no silvo de um apito – nossa saudade.
Foram círculos!
E o tempo passou.
Hoje, por certo, as ondas que se propagam em círculos
largos e longínquos é o nosso “Centrinho”. Centro de Reabilitação
de Anomalias Craniofaciais, USP. Orgulho sem fim.
Bauru além de seus muros.
“Centrinho” – Renovador de um rosto, da autoestima,
da inserção à sociabilidade, autoconfiança. E não é apenas a
questão estética, mas a qualidade de vida nos distúrbios da
respiração, da fala, audição, nutrição, infecções crônicas,
dentição. São anos de idas e vindas de crianças e adultos,
de lugares distantes em busca da eficiência do tratamento,
da cura, na marca apenas de uma cicatriz.
Foram-lhe outorgados prêmios internacionais no
campo da pesquisa, no aprimoramento das técnicas de fissura
labial e fenda palatina, em abordagem multidisciplinar.
Nosso querido escritor Rubem Alves conviveu nessa
realidade, sendo pai de um paciente com fissura labial. Escreveu
e ministrou a palestra “O Sentido da Vida”. Descobre
ser a sala de espera mais democrática já visitada. Não há o
silêncio velado, o medo da nudez revelada. Ninguém tem
receio de olhar para o outro. São iguais. Contam experiências.
Em qualquer parte do corpo as imperfeições são encobertas
pelas vestes, na face é estampada ao vento. Ali,
todas as diferenças desaparecem. Está presente uma amostra
da sociedade brasileira: negros, mulatos, brancos, rostos
com traços de índio, olhos puxados orientais. Sotaques de
um Brasil de norte a Sul. Cantam o rural, o urbano, o caipira,
o intelectual. O falar, o escrever não entram no prontuário
do paciente.
“Mas são nos pés que todas as diferenças perdem o
sentido. Contam as histórias por onde andam, caminho de
terra, de tapetes macios. Sandálias havaianas, tênis Nike,
alpercatas, botinas, sapatos rústicos, sapatos de verniz. Ao
serem internados, um conga azul, marcas da igualdade. E
tudo pelo mesmo preço – nada.”
Não há segredos, não há prioridade, pela conta bancária.
As pessoas se sentem mais fraternas. São tratados
pelo sofrimento de um erro da Natureza. “O corpo que a natureza
feriu é o pão eucarístico que se come”. O socialismo
sonhado e nunca vivido.
Enquanto Instituições da Saúde se desmancham,
existe o “Centrinho”, recolhendo as preocupações da mãe
grávida, que se pergunta sem mesmo querer “Será que vai
ser perfeito”? Probabilidades existem para o certo e para o
errado. Na formação de um corpo são milhões de combinações
no lugar certo, na hora certa. A natureza pode se atrapalhar
e oferecer uma criança com fissuras, no caso relatado.
A família convive e ama, ama... depois do espanto. A
dor mais doída é encarar o olhar curioso, de pena, do outro.
Ele não deixa esquecer do caminho a ser trilhado, vencido
nas diferenças de um rosto.
“A história do patinho feio se repete, à espera de um
milagre, ser cisne. Difícil se lembrar da beleza da alma,
quando se quer um rosto belo para ser acariciado”.
Tudo passa... Esse dia chega.
Há um pedra irradiando círculos nas águas mornas,
acolhedoras do “Centro de Reabilitação Crânio Labial” – USP.
Vale a pena lutar pela utopia da fraternidade.
Olynda Bassan
Créditos: Site – http://hrac.usp.br/
Crônica - Rubem Alves
Confissão e Exaltação
Fui um traquinas a pisar a Terra Branca!
Aqui, li as primeiras letras para a lida.
E aqui a chama do sangue queimou-me a vida.
A vida, aqui, impôs-me a primeira carranca!
Chutei bola, calçando a primeira bicanca.
Foi na Eny que fugi à primeira batida!
Meu coração sentiu a primeira mordida
No toque-toque, batistando a virgem branca!
Velho Paulista – quantos bailes, quantas danças!
Foi lá que abracei a mulher do meu altar,
Foi quem verteu nossas filhas – minhas heranças!
– Cidade de espantos! O poeta a gritar!
Aos teus 124 anos, minha terra de esperanças.
Os restos, meus? Plantem na areia ao me findar.
Obs. Não nasci em Bauru, mas aqui lavrei minhas
dignas conquistas. Estive fora durante 8 anos,
mas nunca transferi meu título de eleitor. Eis a razão
do meu soneto “Confissão e Exaltação”.
Joaquim Simões Filho
Este é o jeito de ser bauruense
A história é uma só.
O que muda é a maneira de como se conta ou se
narra.
Como uma grande maioria de pessoas que compõem
a população da cidade de Bauru, também não sou filha da
terra. Sou moradora de acolhida, ou como prefiro dizer:
“Bauruense de Coração”.
E foi assim que me tornei Bauruense. Meus pais, em
setembro de 1954, com as três filhas, chegaram de mudança
à cidade. Na época, Bauru não tinha muito mais do que 50
mil habitantes. Mas já era pujante no cenário interiorano,
com seu comércio e o entroncamento férreo. Conservava
ainda ares e costumes de cidade pequena, como colocar cadeiras
nas calçadas em fins de tardes, para apreciar o movimento
e conversar.
Andava-se muito a pé. Crianças iam para a escola e a
todos os lugares, sozinhas. Tudo muito tranquilo.
Enfim, tudo era feito na sola do sapato e de sombrinha
ou guarda-chuva em punho.
Os muros das residências eram somente linhas de demarcação
da área, e os portões geralmente ficavam abertos.
O respeito era mantido. Não havia invasão de intruso.
Em casas de fachadas limpas, as famílias viviam em
segurança em seus lares e nas ruas.
Tudo era vendido nas portas ou em mercadinhos e
pequenos comércios.
O leiteiro, o padeiro, o jornaleiro, deixavam a encomenda
na porta, o que era marcado em confiança, na caderneta.
E ninguém mexia. Até a carne vinha pela carrocinha.
Era o bucheiro.
As frutas e legumes também passavam na rua: era o
bananeiro.
Poucas ruas recebiam calçamento. A maioria era em
paralelepípedo. O asfalto era mínimo, no centro da cidade,
do sertão.
Alguns, entendiam a cidade cercada. Comandada pelas
pessoas de influência.
E Bauru seguiu a sua história, com lendas e fatos concretos,
registrados em seus anais. E na memória dos que
tiveram a oportunidade de vivê-la em seus primórdios.
Não sou tão velha assim. Mas gosto da história que
ouço e que encontro na literatura do município.
Assim foi parte de minha infância em Bauru, desde os
tempos do terceiro ano primário, na Escola Lourenço Filho,
nas esquinas das ruas Primeiro de Agosto com a Azarias
Leite.
Esta é a minha declaração de amor a Bauru. Que,
como muitos que aqui chegaram, em busca de novos horizontes
e oportunidades, sentiram-se acolhidos e tornaramse
cidadãos da terra.
Mariluci Genovez
Eu amo Bauru
Eu amo Bauru,
terra que fascina quem aqui nasce e mais ainda
quem aqui chega;
Eu amo Bauru,
cidade que encanta e que
cresce, mostrando cada dia
sua pujança;
Eu amo Bauru,
terra do amor, onde o
forasteiro é um amigo e o
amigo um irmão;
Eu amo Bauru,
cidade que revela no seu
íntimo, a vontade de ser metrópole;
Eu amo Bauru,
de gente simples que não
para e quer ser grande;
Eu amo Bauru,
no valor de seus pioneiros
que ajudaram a forjar o
seu berço;
Eu amo Bauru;
de praças e avenidas que a
tornam mais linda;
Eu amo Bauru,
na geografia de sua posição,
marcando sua indomável liderança;
Eu amo Bauru,
de sua vocação para o trabalho;
Eu amo Bauru,
no desprendimento do seus filhos;
Eu amo Bauru,
pela sua fé inabalável
em busca de um futuro
cada vez maior;
Eu amo Bauru,
na sintonia de Deus
em concordância com amor e paz;
Eu amo Bauru,
na predestinação histórica,
que resgata um passado brilhante,
em busca de seu grande futuro;
Eu amo Bauru,
no vilarejo de ontem, na cidade de hoje e na grande
metrópole do amanhã;
Eu amo Bauru, por tudo isso e muito mais
Roberto Rufino
Gênese
Viemos de São Paulo para Bauru recém-casados e eu
recém-saída da faculdade de direito. Fomos morar na praça
Rui Barbosa, um endereço VIP 1 , segundo o corretor que nos
alugou o apartamento. Não conhecíamos ninguém da cidade,
mas muito ouvíramos falar sobre a afabilidade dos
moradores do interior. No dia seguinte à nossa mudança,
ainda desembrulhando os presentes do casamento soou a
campainha. Ao abrir a porta deparei com uma senhora de
aproximadamente sessenta anos, toda sorridente, que
disse:
– Sou Vicentina.
Encantada com minha primeira visita, também eu lhe
sorri e, escancarando a porta, me apresentei:
– Sou Rosa Leda, entre, por favor, a sala está uma
bagunça mas fico muito contente com sua visita.
Ela pareceu constrangida e me disse que não poderia
entrar, passara apenas para pegar o quilo. Intrigada, sem
saber do que ela falava, devo ter expressado minha dúvida
na fisionomia pois ela se apressou em dizer que não havia
problema nenhum, voltaria no mês seguinte. Despediu-se de
forma impulsiva puxando a porta do elevador, deixando-me
a matutar sobre o que, afinal, teria ela ido buscar.
Minha vizinha, com quem eu trocara umas poucas palavras
na garagem, no dia anterior, enquanto descarregávamos
nosso fusquinha verde, apareceu mais tarde se oferecendo
para ajudar na arrumação. Curiosíssima, eu lhe contei
que uma tal de dona Vicentina havia passado à tarde para
1
VIP é a sigla em inglês de “Very Important Person”, uma expressão
utilizada para se referir a uma pessoa de prestígio. No caso, usada
inadequadamente, pois referia-se a um local.
buscar o quilo e que fora embora de um jeito muito esquisito,
sem me explicar o que buscava.
Glória, essa vizinha querida, quase morreu de rir. As
lágrimas escorriam pelo seu rosto, e quando olhava para
mim ria mais ainda.
– Rosinha querida, não é dona Vicentina é uma vicentina.
O quilo é a doação mensal que quase todos os bauruenses
fazem para a Vila Vicentina, um asilo para idosos, doamos
um quilo de qualquer coisa que ajude a alimentá-los...
Você veio da cidade grande, mas a cidade pequena tem
muito para lhe ensinar.
Hoje posso dizer que Glória tinha toda razão. Sintome
bauruense, afinal já se passaram cinquenta anos, fiz aqui
coisas que talvez não teria feito em São Paulo como sair em
bloco de carnaval e desfilar em escola de samba, fiz também
coisas sérias como trabalhar num jornal, aqui construímos
nossa casa, nasceram nossas filhas e netos, publiquei meus
livros, temos amigos, comadres, compadres, eu entrei para
a Academia de Letras, participei de grupos de apoio, do Coral
Arte Viva, fui vicentina e contei minha história com dona Vicentina
uma porção de vezes, presidente de creche, escrevi
uma peça de teatro e subi no palco como atriz, fiz cursos e
dei aulas. Meu marido e eu fundamos um Cine Clube que nos
propiciou o encontro com muita gente ligada às artes e às
letras.
Bauru, aqui tenho uma vida e uma história.
Rosa Leda Accorsi Gabrielli
Metamorfose
Bauru
cidade metamorfose
voa tempo, passa gente
quão mais nova fica...
Cidade ambulante,
menina cigana.
Não move um passo
mas, muda sempre...
Explorada, especulada,
não nega lugar.
me faz morar e mora em mim
Cláudio Dangió.
Meu sanduíche preferido
Olá, galera do bem, olá, galera que é zen
Agora vou ensinar a todos vocês também
Como fazer o meu delicioso pedido
A receita do meu sanduíche preferido.
Amigos do interior, não me levem a mal
Mas esse sanduíche surgiu lá na capital
Com um nobre estudante da Faculdade de Direito
Que tinha saudade do que a mamãe tinha feito.
Não era cheese, nem hambúrguer, nem misto
Não tinha calabresa, nem queijos, apenas isto:
Tirando o miolo do pão francês
Coloquem fartas fatias de rosbife, bem cru
Picles de pepino e tomate cortado em viés
Esta é a receita do bauru
Mas não pensem que é só isso
Tem o pulo do gato e é preciso
Ser muito cuidadoso ao juntar
Três tipos de queijos para moldar
Derreta suíço, estepe e prato
Em banho-maria, isto é fato!
Você pode achar que é fácil fazer
Esse nobre sanduíche com nome de cidade
Mas não pense que você consegue ser
O especialista dessa preciosidade.
Se bater a vontade e não tiver nada na mão
Saiba, você pode comer o bauru lá no Skinão.
Madê Correa
Meus gigantes
Escrever um pedaço da minha história como filho de
Bauru representa preciosa oportunidade de abrir, mais uma
vez, o meu baú de lembranças. Meio empoeirado, escondido
num canto de minha alma, mas ainda cheio de vida. Ali eu
guardo os meus momentos mais felizes, os mais tristes,
meus sucessos e fracassos, meus enganos e desenganos, os
gigantes da minha terra que deixaram um rastro luminoso
na minha lembrança, marcando para sempre meu coração.
Também os meus amores e desamores, mas, ah!, isso é um
assunto delicado que deve ser tratado em uma outra ocasião.
Sacolejava no vagão da “segundona” da antiga E.F. Sorocabana,
bitola de 1 metro, bem menos confortável do que
a futurista (para a época) Paulista, com suas reluzentes máquinas
elétricas e bitola larga. Mas não tinha jeito. Quando
esgotavam as passagens na Paulista, a Sorocabana mesmo
acabava quebrando o galho. Era eu e minha mãe num banco
e o meu pai sozinho no outro. O trem pulava muito, chacoalhava
ruidosamente, com aquele barulho típico de ferrovia,
mas meu pai ao lado não parecia se importar muito com isso.
Ao contrário, parecia estar se divertindo. Logo passava o bilheteiro,
pedindo os bilhetes para marcar com uma espécie
de furador. Meu pai tirava então os três bilhetes do bolso e
entregava ao moço, recolhendo depois e guardando os comprovantes
para o caso do fiscal os solicitar. Ao ver o bilhete
com um ou mais furos, significava que o fiscal já os tinha
verificado e estava tudo em ordem. Ah! Seu Paulo Fusco,
meu primeiro gigante. Nunca vou esquecer aquele seu sorriso
tímido de satisfação, meio dissimulado, brincando no
canto da boca, enquanto pulava o maldito trem. Dava impressão
até que estávamos disputando um rodeio sobre trilhos,
e você domando sua montaria, satisfeito. Bom, mas o
sacrifício valia a pena. Quando tínhamos, então, a sorte de
vir “de cabine” pela Paulista era a glória suprema, o máximo
de delírio para minha alma de criança. Chegávamos na estação
ferroviária da praça Machado de Melo, hoje tão maltratada,
e logo tomávamos um táxi no ponto ali existente,
rumo à casa da vovó Branca e tia Santinha, outros dois gigantes,
localizada na 13 de maio. Essa é uma das coisas que
me acompanham até hoje, a sistemática peculiar adotada há
longo tempo para numeração das casas em Bauru. Em qualquer
lugar do mundo, quando dou meu endereço, invariavelmente
eu tenho de explicar que a numeração “é assim
mesmo”. O primeiro número equivale ao “quarteirão” e o
segundo determina o número da casa. Em minha cabeça,
Bauru sempre foi uma cidade assim, certinha, quadradinha
ou retangular, organizada, muito “ela mesma”. Ao entrar na
casa da vovó era uma festa total, os primos também ali compareciam
todos para nos receber. Sabíamos que a tia Santinha
sempre tinha uma surpresa a nos esperar, um doce,
qualquer coisa. Era a libertação do escravo, no singular
mesmo, porque a vida na capital já não era tão tranquila
naqueles tempos, e eu passava a maior parte do dia “preso”
em algum lugar, no colégio ou dentro de casa. Era sempre
assim que começava minhas férias, isso antes de nos mudarmos
em definitivo para Bauru. A mudança representou
um marco importante na minha vida, sedimentando de vez
em meu coração tudo aquilo que compõe o sentimento de
ser bauruense. Bom, isso tudo acontecia numa época em
que a Avenida Rodrigues Alves ainda exibia aqueles enormes
canteiros centrais, arborizados fartamente arborizados que,
no calor canicular do verão bauruense, nos proporcionava
aquela sombra amiga. Os bancos de granito eram onde costumávamos
ficar por longo tempo, batendo papo e apreciando
o movimento da avenida, já bastante intenso. Anos
depois apareceu uma praga, uns bichinhos que o povo achou
por bem chamar de “lacerdinhas”, em criativa e cruel homenagem
ao conhecido político carioca, Carlos Lacerda. Fato é
que o bichinho construía seus ninhos enrolado no meio das
folhas e, quando algum deles caía nos olhos, ardia muito e
era preciso lavar abundantemente o local com água limpa.
Isso acabou determinando primeiro uma poda geral, e depois
o corte total das árvores, mutilando a avenida, deixando-a
com aquele seu jeito desprovido que permanece até
hoje. O avançar do tempo e a evolução dinâmica da cidade
se encarregou de sepultar de vez os canteiros centrais, deixando
apenas o negro do asfalto por onde passam hoje milhares
de veículos diariamente. Acho que não tinha jeito
mesmo. Ainda me lembro dos ônibus do “Quaggio” a percorrer
a Rodrigues, dobrando a esquerda na Pedro de Toledo,
então uma rua calçada com paralelepípedos. Cheguei a andar
nos antigos fordinhos narigudinhos, e também nos “imponentes”
GMC americanos, que logo dariam lugar aos Mercedes
Benz nacionais e mais modernos (será?). Naqueles
áureos tempos, início dos anos 60, um dos grandes “programas”
era ir jogar bola no “estradão”, que ligava a principal
área urbana da cidade ao “campo de aviação” Na verdade
eu não jogava, era muito pequeno, mas fazia questão de
acompanhar meus primos e a turma. Ali, naquele areião, foram
disputadas renhidas peladas com “bola de capotão”, geralmente
da marca “campeão” (a mais barata) ou, em dias
especiais, uma “drible” (a melhor e mais cara), isso até que
apontasse o jipinho do “Ponciano”, então o juiz de menores,
botando todo mundo a correr, cada um para um lado, por
dentro do matagal. Não havia ainda a televisão na dimensão
que ela tem hoje, muito menos computador, internet, celular,
smartphone ou videogame, e achávamos o máximo ir ao
cinema, fosse no cine São Paulo ou no cine Bauru (o maior
e mais barato). Poucos anos depois seriam inauguradas outras
casas, o cine Capri, Vila Rica, além do São Rafael, que
ficava na Vila Falcão, todos hoje fechados. Nos anos 60, ir à
matinê do cine São Paulo era mesmo a melhor opção para a
moçada. As meninas mais bonitas de Bauru iam “em peso”
(algumas literalmente), de modo que não havia outro lugar
melhor do que a matinê do cine São Paulo para uma boa
paquera. Olhar de longe, um sorriso aqui, outro ali, jogar
“beijinhos” feitos de papel de bala (não esqueci, não). Pegar
na mão da menina, então, era uma façanha para herói nenhum
botar defeito, virava motivo para contar histórias por
um longo tempo, gerava “status” no meio da turma. E vinha
a musiquinha (que a gente chamava de “prefixo”) do velho
cine São Paulo, mas ninguém dava muita bola, não. O interesse
de todos prendia-se ainda no que estava “rolando” lá
dentro. O negócio era chegar antes para pegar um “bom lugar”
perto das meninas, senão adeus. Logo depois vinha o
noticiário do canal 100, trazendo tudo aquilo que a maioria
já sabia, mas de uma maneira diferente. Na parte do esporte,
como eles passavam em velocidade mais lenta, era
possível, por exemplo, acompanhar em detalhes os dribles
de Mané Garrincha, a expressão de moleque no rosto
quando fazia mais um de “João”. Aí o pessoal ficava mais
quieto e, nessa hora, tudo de importante já havia sido decidido,
ou seja, “quem rolar, rolou”. Quem fazia a segurança
nos cinemas era a saudosa “Guarda Civil” (quem não se lembra?),
que enviava um ou mais policiais, vestidos todos em
traje de gala (com espadim e tudo) numa impecável farda
azul-marinho, para assegurar que tudo saísse de conformidade
com a lei e os “bons costumes”. Mas isso tudo ainda
iria acontecer alguns anos depois, em fins dos anos 60. No
tempo em que iniciei minha narrativa, ainda havia o “footing”
na Praça das Cerejeiras onde, apesar de sermos ainda
pequenos, íamos todos, amigos e primos, para observar o
movimento. Quando minha sorte era muita mesmo, aparecia
um circo na cidade, desses tradicionais, que armava sua
lona, estacionando seus carros coloridos no local do antigo
campo do E.C. Noroeste, onde hoje está localizado o moderno
prédio do SESI, na Rua Quintino Bocaiúva. Aí, então,
era para não esquecer mesmo, nunca mais. Nessas ocasiões,
lembro especialmente de uma delas em que correu um
boato entre os meninos de que, quem levasse um gato vivo
para o circo ganharia uma entrada grátis. Seria para alimentar
os leões, imagina só. Nós todos saíamos, então, à cata
dos valiosos bichanos mas, coincidência ou não, nessas horas
eles acabavam sumindo e nós nada conseguíamos. Depois
que o circo ia embora, parecendo até coisa combinada,
eles voltavam, sorridentes (ou será que era a minha imaginação?),
como a zombar de nós dizendo: “sabe quando? Never”.
Bom, falando em Noroeste, meu coração treme só em
pensar que nos anos 60 tínhamos um timaço de meter medo
em qualquer um dos chamados “grandes” da capital. Só para
dar uma ideia, era a época do saudoso “Toninho Guerreiro”,
que depois foi para o Santos, onde se consagrou chegando
até a seleção brasileira. Com a vida meio conturbada, encerrou
gloriosamente a carreira no São Paulo, após colecionar
vários títulos. Corinthians, Palmeiras, São Paulo, todos eles
suavam literalmente a camisa para sair bem de Bauru, considerando
o empate uma vitória. Lembro-me bem de um
jogo em especial. O Santos veio a Bauru enfrentar o Noroeste,
nos áureos tempos de Pelé e Cia, e fizeram uma partida
memorável, inesquecível. Corria o segundo tempo, jogo
duro, três a três no placar. Pelé entra na área e, como só ele
sabia fazer, se contorce todo no ar e... vai ao chão. O juiz
marca pênalti. Daí em diante foi um verdadeiro samba do
crioulo doido (com respeito ao crioulo), com jogador correndo
atrás de jogador, dirigente correndo atrás de juiz, cassetete
e capacete de guarda pra tudo que é lado. A confusão
durou mais de uma hora, com os ânimos de todos exaltados
e, no fim, acabamos perdendo por quatro a três. Para mim,
aproveitar essas oportunidades indo ao campo com meu pai
Paulo e meus tios (mais gigantes), primos e, às vezes, tias
também (porque não havia a violência que existe hoje entre
as chamadas “torcidas uniformizadas”), era outro grande
“programa”. Tio Nelson (vulgo Aimoré) ia meio a contragosto,
porque lá no fundo ainda era “Baquiano”, tinha jogado
no antigo “Lusitana”, mas acabava também vibrando, meio
secretamente, com as jogadas do “vermelhinho”. Como as
férias tinham duração limitada, chegava sempre o fatídico
dia de ir embora, voltar para casa, São Paulo, continuar a
vida e os estudos. E nesse dia eu partia, de trem ou no “ônibus
do Franciscato”, ainda com o gosto do guaraná King na
boca, do pavê da minha vovó Branca, do pudim da tia Santinha,
das peladas na areia do “estradão”. Na mochila da
alma a lembrança dos amigos, as imagens da Rodrigues Alves,
da praça das Cerejeiras, do jogo do Noroeste e uma
certeza: a necessidade de voltar.
José Paulo Fusco
Minha Bauru do futuro
O céu está tão claro, nenhum vestígio de fumaça
O chão está tão limpo...E tudo está tão verde...
Quase não há barulho, posso até ouvir os pássaros
O jovem cede o banco ao senhor que está cansado
Vejam, os carros pararam para a mocinha atravessar
No bar lotado, um casal lá da mesa do canto
Chama as duas senhoras para com eles se sentarem
Tudo é alegria, festa e confraternização.
Na periferia da cidade, o verde se espalha...
Nada para atrapalhar nossa visão
Nenhum entulho, nenhum lixo acumulado,
Nenhum esgoto a escorrer, só há perfumes pelo ar
Nenhum buraco... Está tudo tão conservado
Lindas casas, água farta, excelente iluminação.
Nos Centros de Saúde, profissionais circulam sorridentes
Não há ninguém para atender!
Tudo já foi resolvido na excelente alimentação
Na esmerada prevenção e na aprimorada educação.
Nas ruas, pouquíssimos carros e motos estão em circulação
Trens elétricos, ônibus elétricos, coletivos de todo tipo,
Lindos, confortáveis, luxuosos, rápidos, eficazes
Circulam por toda parte, levando só felicidade.
As escolas são grandes e variados Centros de Educação
Belíssimos, limpíssimos, modernamente equipados,
Espalham-se para todo lado atendendo igualmente
Competentemente, carinhosamente, toda a população
Grandes Centros Universitários espalham-se pela cidade
A Prefeitura é um Grande Centro de Deliberação
Ninguém ganha para opinar, projetar, trabalhar...
Grandes Mestres, grandes Técnicos, grandes talentos
Para ajudar a cidade, revezam-se nestas funções
Nenhum assalto, nenhum crime, nenhuma contravenção
Com tanta Educação, Fartura e Felicidade,
Que cidadão, neste mundo, iria pensar em maldade?
Silvanira Fainer
Ode a Bauru
O verde se evola no ar.
A areia branca me foge entre os dedos,
poalha de estrelas que o céu destila.
Caminhos se bifurcam, artérias
de um coração multiplicado.
Voo pelas ruas com os olhos brilhando
de memórias, árvores e casas e homens
mergulham por mim a dentro.
Os rastros de meus pés permanecem,
alheios ao tempo que se escoa.
Os limites se esvaem da bússola
ou da palma da mão.
Em meu peito pulsa o pulmão do universo.
José C. M. Brandão
Era só mais um pôr do sol...
Falar de Bauru... “Um olhar de quem vem de fora...”
Muitas coisas podem ser ditas. Mas... há uma, incomparável:
o pôr do sol. Minha varanda é o observatório ideal, no décimo
quarto andar e 180 graus em torno. Deixo tudo o que
estou fazendo e espero o Sol se pôr e deixar a esteira de
cores que o desenho das nuvens recorta. Há épocas de açafrão
vibrante e outras de tintas esmaecidas de quase vinho
ao rosa pálido. E os dramáticos vermelhos, quase sangue,
em formas e combinações irrepetíveis de quem joga com os
contrastes.
Pois numa dessas tardes, no meu mirante pendurado
no ar, me distraí no mini jardim de suculentas e orquídeas.
E me detive ali já caindo a noite. E não é que uma mariposa
resolve voar para a porta que dá para a sala? Não hesitei.
Puxei a porta de vidro. Com mais força do que devia... E a
lingueta travou no batente. Uma porta com fechadura e
chave que só abre por dentro... Necessário num andar tão
alto? Quem, para galgar por fora? Fiquei ali, olhando, procurando
algum instrumento para tentar levantar a porta e
destravar a lingueta. Nada. Tirei da parede uma grade de
ferro – de algum antigo jardim e que uso como decoração.
Bati no vidro. Nada. Nem um abalo. Olhei para baixo, através
da redes de proteção. A rua lá na frente -meu apartamento
é de fundo. Embaixo só quintais do prédio e das casas.
Então pensei no inevitável e do qual estava me subtraindo:
chamar por alguém. Timidamente soltei algumas palavras.
(Sexta-feira à noite! Difícil ter alguém por ali. A gente
saía de casa, sabe, naquele tempo, ia jantar, ia aos bares...
Sexta-feira das noites mágicas, com as perspectivas do sábado!)
Ninguém. E eu ali pensando que pelo menos tinha
uma cadeira confortável, para passar a noite. Pelo vidro via
a TV ligada emendando satisfeita a programação a seu bel
prazer. Agora, um daqueles programas de bolos de gosto
duvidoso. Novamente ensaiei umas palavras. Não iria gritar
“socorro”. Manteria a dignidade. E optei por um texto mais
discreto: “Alguém está me ouvindo? Tem alguém aí?” Uma
voz respondeu: “Sim, o que houve?” Era a vizinha de cima
(o som sobe...) Um único andar acima, depois o espaço infinito.
Por sorte eu ainda guardava resquícios do mundo précelular
e sabia de cor o número do telefone de minha sobrinha.
Ela, curtindo um programa – era sexta-feira! – do outro
lado da cidade, atendeu, por sorte: número desconhecido.
Avisou a irmã que mora perto de meu prédio e que chegou
em pouco tempo – elas tinham a chave da porta de entrada.
Na reunião da Oficina da Palavra, na terça, contei o
ocorrido. E levei um conto de Lígia Fagundes Telles para ler:
“Venha ver o pôr do sol”, em que uma moça é presa numa
capela de um cemitério abandonado pelo namorado, inconformado
com o rompimento. E enquanto ele se afastava, ela
chamava em vão e seus gritos ficavam cada vez mais débeis.
Lá também o pôr do sol era magnífico. Mas já não tinha mais
ninguém para contemplar o espetáculo.
Cecilia de Lara
Redemoinhos na areia
Noite alta!
Rodando, sem rumo certo,
curtindo a beleza
da Bauru noturna,
estaciono meu carro.
Extasiada, do alto do “shopping”,
admiro a cintilação das luzes
que iluminam a noite quente,
desta Bauru tão pujante.
Sem querer,
meu pensamento volta, no tempo...
Extasiada... lá do alto
admiro o turbilhão dos carros
que circulam no asfalto quente
desta Bauru tão vibrante.
E sem querer, novamente.
meu pensamento volta no tempo...
Extasiada... lá do alto,
admiro o tapete de prédios e casas
que cobre todo o vale,
do horizonte a horizonte,
desta Bauru tão crescente.
E sem querer, novamente,
meu pensamento volta, no tempo...
No tempo das matas virgens,
das feras à espreita...
dos índios
orgulhosos de suas raças,
disputando, palmo a palmo,
as terras dessas bandas
com o homem branco.
No tempo dos pioneiros,
desbravadores de terras desconhecidas...
homens sonhadores
que, com garra, lutando, sem tréguas,
por entre os redemoinhos
provocados pelos ventos na areia...
qual gigantes, qual mágicos,
do nada... constroem impérios e sonhos...
Impérios como “Val de Palmas”
e seus quinhentos mil pés de café.
Sonhos, como “Picadão”
para Avanhandava e quiçá
Cuiabá!
No tempo dos carros de bois,
gemendo e afundando suas rodas,
no palmo e meio das areias brancas,
que cobriam as ruas
de Bauru que nascia...
No tempo da “Rua dos Esquecidos”
e da escuridão cabocla...
que em novecentos e um
conheceu a luz:
Luz opaca, milagrosa,
de doze lampiões de querosene,
acesos na boca da noite!
No tempo em que
os silvos das locomotivas, sertão afora,
espantavam a onça pintada e a sucuri.
E os ferroviários suados
martelavam os trilhos e os dormentes,
sempre atormentados pelos mosquitos miúdos.
E os trabalhadores, cansados,
buscavam esquecer o calor sufocante
bebendo cerveja “Morávia”.
no burburinho do “Bijou Theatre”.
No tempo do Jornal ”O Bauru”,
da maioria “perrepista”,
da campanha “civilista”,
dos conflitos, dos atentados,
Enfim...
de todas as declarações de amor à terra,
daqueles que dedicaram suas vidas
à busca de um ideal:
uma Bauru soberana,
“CAPITAL DA TERRA BRANCA”.
Bauru, que ainda hoje,
por entre as pedras e asfaltos de suas ruas,
por entre os canteiros de suas praças,
à margem de suas rodovias,
à beira de suas ferrovias,
(hoje, quase esquecidas...)
continua a contemplar impassível,
o vento, teimosamente, fazendo redemoinhos
em suas brancas e indomáveis areias...
Josefina de Campos Fraga
Rua Batista
(Calçadão)
Quem sobe ou desce a Batista,
tem logo à primeira vista
uma visão de esplendor
São sete quadras de agito
e um visual tão bonito
de muita luz e calor
Sob os arcos coloridos.
alguns passam distraídos
desfrutando do lazer...
Outros dobrando as esquinas,
de olho no que as vitrines
insistem em oferecer.
Numa cidade que cresce,
num todo até parece
que as Nações é o pulmão...
O sangue é a rua Primeiro.
o reduto financeiro
e a Batista é o coração
Se essa rua fosse minha
da estação até a pracinha,
juro, eu mandava tombar...
Manteria as estruturas,
para as gerações futuras
dela jamais olvidar.
Nessa rua dos meus amores
não há distinção de cores,
Ó rua da fraternidade!
Que seria da cidade
se você não existisse?
Antônio Valentim Ruffato
Testamento de um
trabalhador bauruense
produzi muito pouco ao longo de minha existência
só para sobrevivência pouca coisa acumulei
o pouco que produzi deixarei quando partir
aos filhos que tanto amei
nesta cidade tão linda deixarei em cada esquina
um pouco de minha vida
deixarei rastros nas calçadas
nas casas assobradadas
minhas mãos estão tangidas
em cada palmo de rua cada edifício erigido
estou deixando imprimidas as marcas de um lutador
deixo também aos meus filhos avenidas iluminadas
além das minhas pegadas gotas de meu suor
tubos e canos embutidos fios e cabos estendidos
fiz tudo com muito amor
deixo bem localizadas escolas conceituadas
para ensinar a juventude
trabalhei de forma incansável
não realizei o desejável
apenas fiz o que pude
para torná-la mais bela plantei flores nas vielas
arborizei ruas e praças
que perfumam nossas vidas
dão sombra fresca que abriga
o bauruense que passa
como estrada longa e esguia
os trilhos das ferrovias trouxeram riqueza e sonhos
calcados em cada dormente
o meu passado e meu presente
e seu futuro risonho
deixo pontes sobre os rios viadutos e desvios
para encurtar os seus caminhos
além de muita esperança deixo saudade e lembrança
para nunca se sentirem sozinhos
pois talvez nas madrugadas ao voltarem das baladas
pelas ruas sem ninguém
se ouvirem uma gargalha ou outra coisa inexplicada
filhos lembrem-se de mim
serei eu na eternidade admirando a cidade
que ajudei a construir
Lázaro Carneiro
Céu de Bauru
O entardecer é leve como a névoa
e traz o crepúsculo com sua beleza nostálgica.
Quando a cortina negra da noite se abre
expõe a Via Láctea,
como joia na vitrine rebrilha sobre mim
a abóbada cintilante.
A desidéria imagem me compraz.
A profusão de astros celestes
me mostra que estou contemplando
o resplandecente céu de Bauru.
Vejo no firmamento belezas ímpares,
é um clarão fulgural que só por aqui encontro.
A impressionante beleza do céu de minha terra
me faz pensar no absurdo, e me provoca a ilusão
de que, aqui, o teto do mundo é mais baixo.
Toda a beleza da noite parece nascer ali
no pôr do sol.
Pássaros em suas últimas revoadas dão boas vindas
e eu me sinto no quintal de Orion brincando
com as Três Marias.
A paz da noite me envolve
e ornamentado pela beleza do firmamento
me deixo adormecer nos braços do universo.
Lázaro Carneiro
Trovas para Bauru no seu
aniversário
Meio século de emoções,
em Bauru aconteceu:
uma explosão na Nações
e nessa ninguém morreu!
Acabou-se a ferrovia...
uma tristeza também...
não temos mais alegria
de poder viajar de trem!
O nosso astronauta Pontes,
nossa lua foi ver de perto,
superando os horizontes,
é o ministro que deu certo!
A sede da Academia
com suor foi conquistada;
para nossa alegria
precisa ser conservada!
Na cidade que adotei
para ser minha morada,
uma família formei,
não troco Bauru por nada!
Trabalhei com eficácia,
até a aposentadoria.
Do balcão de uma farmácia,
eu cheguei à Academia.
Parabéns à “Terra Branca”
pelo seu aniversário,
fiz muita amizade franca
que guardo num relicário!
José Marques
Visão do parque
O lago acaba de se deitar.
Ressona em suavíssima palpitação,
Enquanto amanhece nas árvores
E o sol declara o dia verde.
Os pássaros se lançam e se amoitam
E se perseguem e se afoitam
Até o fim da tarde,
Até o último sopro da claridade
Aquietada em voltar para casa.
Ainda que a cidade esteja
No seu máximo alvoroço,
O silêncio das árvores, quando escurece,
Basta para que o lago,
Aos poucos, abra seu olho
E desperte novo, no espelho d’água
Que a noite enriquece de cintilantes
Altitudes e simetrias
Fundidas no mesmo jogo.
A escuridão risca a linha intermédia
Entre o sonho e a vida
E mantém suspensa,
Em súbita flor, a vitória-régia
Que refulge e transbrilha
No concreto armado
Frente ao anfiteatro a ecoar,
Estonteado, a quietude do palco
Na madrugada vazia.
Eduardo Carbone
Vejo flores em você
Atrativo para borboletas, abelhas e beija-flores. Margaridas,
primaveras, hortênsias, ipês, jasmins, cravos, rosas.
No lugar de ruas, alamedas. Uma das regiões mais antigas
de Bauru carrega em seu DNA nome de flores. Fundado
em 1950, o bairro empresta espaço aos históricos Casa do
Garoto, Tilibra e o extinto Anderson Clayton. Segundo meus
avós, na década de 60, a cidade ganhava relevo pelo comércio
da baixada. Não tinha quem não vendia e comprava lá.
Nesse passado memorioso, moradores da zona rural trocavam
frangos, leitões e outros produtos da criação deles por
sapatos, banheiras, carroças, rações e outras mercadorias
do comércio. Havia inclusive um estacionamento para os cavalos,
enquanto seu dono comercializava. Bauru acontecia
na ‘Baixada do Silvino’.
Pela proximidade do local, convivi com este intenso
comércio, afinal meus avós moravam na Alameda das Primaveras,
rua que ganhava o acesso ao local. Meu avô Antônio
explicava-me o apelido “baixada”. Por ser um dos pontos
mais baixos da cidade, o local recepcionava a água dos rios
que banhavam o município. Isso também repercutia com
baixadas críticas. A chuva em excesso excedia as vias, alagando-as.
Aos finais de semana, passava grande parte da minha
infância na casa dos meus avós. Adorava a companhia
deles. Dos passeios à refeição. Meu avô Antônio banhava
esquecidos pedaços de pão com leite e café quentes em uma
leiteira de alumínio. Sentado à mesa, com as mãos côncavas,
num gesto de agradecimento, ele, com uma colher,
conduzia com deleite e vagar o que o pão sorvia da mistura.
Eu ouvia o prazer com que ele conduzia os movimentos rotacionais
da colher pelo interior da leiteira. Eram sábados
alegres carregados de um azul abusado de belezas. O sino
da igreja Nossa Senhora Aparecida anunciava o horário. Seis
da tarde. Ave-Maria. Um silêncio obediente se impunha.
Só quem viveu e conheceu historicamente o Vista
Alegre, molhou conversas no bar Três Cantos, jogou bocha,
dominó, truco - seis ladrão! - regados a uma boa pinga nos
bares da Baixada. Reconhece-se um morador do bairro
quem comprou no supermercado Beira Rio, abraçou o carisma
calvo do Vadico. Nas prateleiras, óleo de soja em lata
Salada, talco em lata Gessy, iogurte Bliss, guaraná Taí e
Brahma em garrafa. Eu comprava carretel de linha Corrente
nº 10 para soltar pipa. Minha irmã, chicle de bola Ping-Pong.
Era o máximo. Ela assoviava e eu, hipnotizado, acompanhava
a evolução do globo róseo até estourar no rosto dela.
O embrulho era de um papel marrom ordinário. Próximo à
sapataria do Saliba, um andarilho deitava sua embriaguez
no chão mijado de orvalho. Era um pé-de-chinelo em busca
de sapatos. A padaria do Comegno cortava a rua Floresta
com novidades que saíam do forno. Na esquina católica da
rua Aparecida com a Araújo Leite, a Casa do Arroz. Feijão,
fubá de milho, farinha, arroz a granel e fumo de corda.
As ruas do bairro são envolvidas com anúncios da beleza
em movimento das árvores, que emprestam sombras
dilatadas. Entre uma rua e outra, moradores descansam
suas amizades entardecidas, sentados em cadeiras e bancos
à beira da calçada. Falas preguiçosas competem com crianças
de riso fácil, envolvidas nas brincadeiras rasteiras e suadas
da rua. Pipa e bola, bola e pipa. Minhas lembranças da
Alameda das Primaveras nunca foram outonais: não caem
nunca. Tudo desse bairro está comprometido com a minha
vista. Vista Alegre.
Alexandre Benegas