Periferias sob vigilância e controle
Este livro se debruça sobre a lógica que torna o narcotráfico um dos negócios mais rentáveis do mundo moderno, revelando-o como um momento inseparável da acumulação do capital. Através da contradição entre apropriação e dominação do espaço, a análise vai revelando de forma brutal o território do narcotráfico com sua lógica de controle do território aprofundando a precarização de parcela significativa da sociedade brasileira. A pesquisa apresentada por Aiala Colares Couto nos demonstra como a economia do narcotráfico se territorializa ao mesmo tempo em que se sobrepõe a outros territórios e escalas espaciais superando as fronteiras nacionais definidas ao longo da história e em confronto com a lógica e estratégia do poder nacional. Ele não só produz seu território, mas o faz impondo suas regras através da dominação da vida daqueles que nele habitam. ANA FANI ALESSANDRI CARLOS
Este livro se debruça sobre a lógica que torna o narcotráfico um dos negócios mais rentáveis do mundo moderno, revelando-o como um momento inseparável da acumulação do capital. Através da contradição entre apropriação e dominação do espaço, a análise vai revelando de forma brutal o território do narcotráfico com sua lógica de controle do território aprofundando a precarização de parcela significativa da sociedade brasileira. A pesquisa apresentada por Aiala Colares Couto nos demonstra como a economia do narcotráfico se territorializa ao mesmo tempo em que se sobrepõe a outros territórios e escalas espaciais superando as fronteiras nacionais definidas ao longo da história e em confronto com a lógica e estratégia do poder nacional. Ele não só produz seu território, mas o faz impondo suas regras através da dominação da vida daqueles que nele habitam.
ANA FANI ALESSANDRI CARLOS
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AIALA COLARES COUTO
PERIFERIAS
SOB VIGILÂNCIA E CONTROLE
O Brasil é o segundo maior mercado consumidor
do mundo no uso da cocaína e seus
derivados, ficando atrás apenas dos Estados
Unidos. Possui quase 3 milhões de usuários e
o narcotráfico está territorializado nas
favelas e nas periferias das grandes cidades,
onde é possível encontrar todo e qualquer
tipo de conflito pelo uso do território. Além
disso, há uma população carcerária de mais
de 600 mil pessoas, com a quarta maior
população carcerária do mundo, sendo que
mais de 20% estão presos pelo crime de
tráfico de drogas — a grande maioria de
jovens negros de baixa escolaridade.
Em Periferias sob vigilância e controle, Aiala
Colares Couto demonstra como o narcotráfico
se realiza tendo como estratégia de ação
se apropriar de territorialidades precárias
com a finalidade de organizar uma estrutura
territorial e econômica. E a Amazônia é um
território privilegiado para isso, pois além de
sua fronteira ultrapassar os limites brasileiros
(tanto por terra como pela sua hidrografia),
tem particularidades naturais como
floresta latifoliada e mata densa e está próxima
dos principais produtores de coca —
Bolívia, Colômbia e Peru.
Na Amazônia, o narcotráfico destaca-se
como uma das mais significativas e preocupantes
ameaças à soberania nacional. Suas
redes criam estruturas de poder que conectam
o local e o global nas relações transnacionais
do comércio de drogas ilícitas, de
forma que estas redes utilizam as cidades
como suas bases operacionais, territorializando-se
e articulando-se em facções ou
comandos do crime organizado, os quais
controlam as principais rotas de interesse do
circuito espacial de distribuição, beneficiamento
e consumo da droga.
AIALA COLARES COUTO
PERIFERIAS
SOB VIGILÂNCIA E CONTROLE
Copyright © Aiala Colares Couto.
Todos os direitos desta edição reservados
à MV Serviços e Editora Ltda.
revisão
Marília Gonçalves
capa
Arte sobre foto de Aiala Colares Couto
projeto gráfico e diagramação
Patrícia Oliveira
cip-brasil. catalogação na publicação
sindicato nacional dos editores de livros, rj
C899p
Couto, Aiala Colares
Periferias sob vigilância e controle / Aiala Colares Couto.
– 1. ed. – Rio de Janeiro : Mórula : Eduniperiferias, 2020.
244 p. ; 21 cm
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-65-86464-02-3
1. Tráfico de drogas – Aspectos sociais. 2. Tráfico de drogas
– Aspectos econômicos. 2. Narcotráfico – Controle. I. Título.
20-63995 CDD: 363.45
CDU: 364.692:343.575
R. Teotônio Regadas, 26/904 – Lapa – Rio de Janeiro
www.morula.com.br | contato@morula.com.br
SUMÁRIO
5 prefácio
11 introdução
19 Território, redes e a genealogia do poder
em Foucault
19 O território
26 As redes
36 A genealogia do poder em Michel Foucault
65 Relações de poder e processos de territorialização
do narcotráfico na metrópole
65 Heteronomia e geografia do narcotráfico na Amazônia:
redes, nós e facções
77 A precarização dos territórios na periferia da metrópole
91 Os sujeitos e o poder: a micropolítica da definição
de territorialidades do narcotráfico em Belém
109 A disciplinarização dos corpos por uma perspectiva
das tecnologias de poder do narcotráfico
124 Das pichações às facções: da dominação político-econômica
à apropriação simbólico-cultural dos territórios
135 Da precarização urbana às redes de poder:
a origem sociogeográfica da narcosobreposição
dos territórios em Belém
135 A “territorialidade precária” em “aglomerados de exclusão”
na metrópole
149 Do poder das redes às redes do poder: territórios-rede
e territórios-zona do narcotráfico sobre a metrópole de Belém
168 A periferia sob vigilância e controle: o narcotráfico
por uma perspectiva miliciana
196 O direito soberano de matar: do mapa do extermínio
aos territórios sobrepostos do narcotráfico em Belém
227 referências bibliográficas
PREFÁCIO
O processo de reprodução da sociedade capitalista, em cada momento da
história, redefine os conteúdos que permitem a realização do movimento
da acumulação. O final do século passado e o início deste assinalam que,
em sua fase financeira, o processo de reprodução do capital se realiza — no
plano mundial — a partir de três esferas, com forte consequência sobre o
processo de produção do espaço cuja lógica se articula à economia global:
a) através do movimento do capital financeiro no espaço; b) o desenvolvimento
da atividade turística a partir da venda de uma particularidade
do espaço — herdada ou simulada; c) o narcotráfico, que produz os territórios
do tráfico na periferia. Esses três setores redefinem o momento
da acumulação em seu movimento crítico, produzindo, diferenciando o
espaço e hierarquizando os membros da sociedade.
Portanto, esses setores articulados da economia capitalista em seu
movimento ininterrupto de reprodução compõem a nova problemática
urbana, que revela a importância do espaço no processo. A este nível
da realidade é necessário mobilizar o social cuja explicação se impõe
pelas transformações da vida cotidiana nos espaços urbanos através
de novas formas de dominação. Significa dizer que o capital só pode se
realizar através de uma nova estratégia que faz do espaço um elemento
produtivo — momento central a partir do qual a reprodução do capital
vai se realizar superando as crises de acumulação através da produção do
espaço. Assim, a imbricação destes setores da economia vem acompanhada
da imposição de um novo modo de vida urbana onde o acesso dos
5
membros da sociedade ao espaço socialmente produzido define-se, cada
vez mais, pela desigualdade dos usos da cidade. Deste modo, ilumina-se
os conteúdos da urbanização contemporânea, em que o espaço aparece
como condição necessária ao processo de reprodução do capital. Trata-se,
todavia, de um movimento que articula o lugar integrado ao mercado,
sob as estratégias da globalização da economia.
Se os estudos sobre o urbano têm, nos dias de hoje, se debruçado sobre
o papel do setor financeiro e do turismo no processo de acumulação do
capital, algo importante tem ficado de fora das análises — o papel e poder
do narcotráfico na produção de novas formas espaciais e de estruturas
de mando nas periferias metropolitanas. Por outro lado, o narcotráfico
aparece como um dos mais relevantes problemas sociais, políticos
e culturais do mundo contemporâneo e, nesta condição, impõe-se a
análise. Assim, o grande mérito deste livro — fazendo dele uma leitura
necessária — é mergulhar na lógica do narcotráfico, seu papel e poder na
produção de novas formas espaciais e de estruturas de mando-coerção
nas periferias metropolitanas.
Nesta perspectiva, o livro que o leitor tem em mãos se debruça sobre a
lógica que torna o narcotráfico um dos negócios mais rentáveis do mundo
moderno, revelando-o como um momento inseparável da acumulação
do capital que, ao se realizar, subsumi a sociedade à sua lógica implacável.
Isto porque o narcotráfico, ao se desenvolver, não só produz seu
território, mas o faz impondo suas regras através da dominação da vida
daqueles que aí habitam. Nestes lugares o narcotráfico articula de forma
indissociável redes de troca, território de dominação e controle como
essência de seu negócio (informal e ilegal) através de uma disciplina
imposta de cima para baixo, sem diálogo, sem consenso, como estratégia
de poder necessária ao desenvolvimento dos seus negócios. Deste modo,
a sociedade se vê submetida a novas formas de privação, onde a vida vai
aos poucos perdendo o sentido: o homem-mercadoria criado pela dinâmica
industrial vai se tornando em elemento descartável enquanto a vida
dominada é submetida às leis do mundo da droga e seu poder ditatorial.
Aqui temos uma dupla subordinação: primeiro ao mercado imobiliário,
que obriga uma parcela significativa da sociedade a ocupar os
lugares menos valorizados do espaço urbano e, portanto, sem as condições
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necessárias à realização da vida humana em seu amplo sentido — áreas
insalubres, espaços exíguos, ausência de infraestrutura, áreas vulneráveis
à ocupação —; depois, ao narcotráfico, que se desenvolve nesses espaços,
submetendo seus moradores.
A morfologia da cidade nas franjas periféricas da mancha urbana
revela a extrema diferença entre formas de ocupação do espaço, o que vai
iluminando os modos como se produz o espaço urbano sob o domínio
das relações impostas pela hegemonia da acumulação, onde o mercado
imobiliário dá as cartas na cidade, delimitando as fronteiras da ocupação
urbana pela equação entre o preço do metro quadrado do solo e a renda
familiar. Os negócios imobiliários produzem a segregação socioespacial,
e o narcotráfico produz a extrema normatização na dominação dos
territórios onde predomina a barbárie, a imposição da lei do silêncio e
o toque de recolher. Deste modo se elucida a imbricação dos setores
da economia moderna que se organizam sob a lógica do lucro em suas
diferenças — como fortemente abordado nesta pesquisa.
A cidade de Belém — como lugar e momento do processo de reprodução
de uma sociedade que se fundamenta no processo de acumulação
capitalista — é o ponto no espaço de onde o autor lê o narcotráfico analisado
em toda sua complexidade. Particularmente, é a periferia que o autor
analisa, onde fica evidente o modelo de organização espacial pontuado
pela habitação precária com o predomínio de casas parcial ou totalmente
construídas com material de baixa qualidade e com a presença marcante
de formas de autoconstrução, muitas vezes amontoadas em ruas estreitas
e tortuosas. A paisagem urbana da periferia da metrópole — onde se aloja
o narcotráfico, usando parcela significativa da sociedade como escudo
para suas atividades — é marcada por bairros que surgiram em função
dos processos de ocupação espontânea e hoje garantem a organização
estrutural do narcotráfico (a partir dos quais são criados os territórios).
À luz de um “olhar geográfico”, a obra privilegia o modo como o narcotráfico
se realiza tendo como estratégia de ação dominar e redefinir os
territórios. Assim é que o controle do território e dos traçados da rede de
circulação aparecem como centrais para a realização, no lugar, de uma
atividade que se desenvolve no plano global. Um domínio territorial
que se apresenta, portanto, em várias escalas espaciais: o plano do lugar,
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onde o autor desvenda a lógica de atuação do narcotráfico na cidade de
Belém, e as redes de fluxos que permitem constatar a situação das fronteiras
entre países e estados brasileiros em que as atividades do tráfico
se realizam concretamente pela dominação da sociedade (pessoas e
lugares), movendo a vida real.
Segundo Couto, o narcotráfico apropria-se de territorialidades precárias
com a finalidade de organizar uma estrutura territorial e econômica,
acima de tudo. Os aglomerados urbanos de exclusão são incluídos na
lógica das redes e, por causa disso, os bairros tornam-se zonas de uma
força externa que alimenta e incentiva a economia do crime. É diante
deste contexto que todos os bairros de Belém parecem manter uma
forte relação com o tráfico de drogas, tornando-se zonas sob o poder das
redes territorializadas onde o narcotráfico cria as formas de controle que
caracterizam estes territórios contra a apropriação dos lugares como
condição de realização da vida cotidiana que apela aos usos do espaço.
Portanto, trata-se de uma atividade que não se resume a subordinar as
áreas de favelas e habitação precária das periferias das cidades, posto
que suas ramificações vão se impondo a toda a metrópole e a toda a
sociedade através da criação de “negócios legais”, compostos — segundo
o autor — pelas mais variadas alternativas de investimentos a partir de
dinheiro oriundo do narcotráfico, como academias de musculação, pet
shops, depósitos de bebidas, mercadinhos, açougues, padarias, salões de
beleza, rede de vans clandestinas, dentre outros. Desta feita, o narcotráfico,
para o autor, ganhou uma escala de poder que vai do centro à periferia e
da periferia ao centro, exercendo influência a partir de uma organização
dinâmica e perversa, integrando toda a metrópole à economia do crime
e manifestando constantes conflitos sociais em busca da apropriação e
dominação do território, produzindo, com suas estratégias, uma geografia.
O narcotráfico necessita manter o controle efetivo de uma área geográfica
mais ampla para a comercialização da droga cujo controle desvenda
a dimensão territorial do negócio. Suas redes criam estruturas de poder
que conectam o local e o global nas relações transnacionais do comércio
de drogas ilícitas, de forma que estas redes utilizam as cidades como suas
bases operacionais, territorializando-se e articulando-se em facções ou
comandos do crime organizado, os quais controlam as principais rotas de
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interesse do circuito espacial de distribuição, beneficiamento e consumo
da droga. Mas, a periferia de Belém também abriga, como nos informa
Couto, os milicianos, que não só vendem proteção mas se encarregam
de fazer a regulação da população, através da eliminação de traficantes,
aviõezinhos, olheiros, viciados e pequenos assaltantes, e também se
apropriam dos recursos gerados pelo comércio ilícito do tráfico de drogas.
Na periferia se entrecruzam narcotraficantes e grupos milicianos numa
dinâmica de sobreposição de territórios. Nessa sobreposição, as ações
destes grupos ora divergem ora convergem, mostram-se como área constante
de conflitos, onde a vida tem pouco valor. Completa-se, assim, o
cenário de extrema violência.
No plano do lugar, escreve o autor, os mecanismos territorializantes e
territorializadores do narcotráfico em Belém definem-se nas mais variadas
ações violentas de seus sujeitos, que a análise vai revelando aos poucos
através do mergulho nas ações dos narcotraficantes em seus desdobramentos
territoriais. No jogo do narcotráfico, elabora-se um conjunto de
regras, permissões e limitações presentes nas formas de como se exerce
o poder, que é levado ao extremo da barbárie, chegando a disciplina até
ao corpo dos sujeitos, que devem obedecer às ordens impostas pelo alto
comando, mantendo determinadas condutas. De forma violenta muitos
destes corpos dominados e subordinados revelam os castigos daqueles
que não cumpriram com as normas impostas pelo tráfico que domina
com mão de ferro o seu território de poder.
Através da contradição entre apropriação e dominação do espaço, a
análise vai revelando de forma brutal o território do narcotráfico com sua
lógica de controle do território aprofundando a precarização de parcela
significativa da sociedade brasileira composta pelos “sem direitos”.
Assim, a partir de Belém é possível entender a produção do espaço urbano
brasileiro, em que as contradições e alianças entre o econômico e o poder
político se firmam inexoravelmente pontuando e determinando a vida
sob o estigma da violência. Se para muitos nesses territórios o poder do
Estado não vigora, tratando-se de poderes paralelos, as alianças com o
poder instituído não são ignoradas por Couto, que aponta uma colagem
entre narcotráfico e poder institucionalizado. Negligenciar esse papel
seria uma forma de desconsiderar os impactos que o comércio de drogas
ilícitas promove sobre a sociedade e, por conseguinte, sobre o território.
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O que se pode constar da leitura atenta e do rigor da pesquisa de campo
apresentada por Couto é o fato de que a economia do narcotráfico se
territorializa ao mesmo tempo em que se sobrepõe a outros territórios
e escalas espaciais superando as fronteiras nacionais definidas ao longo
da história e em confronto com a lógica e estratégia do poder nacional.
Portanto uma das hipóteses que o leitor pode formular da leitura desta
obra é que o desenvolvimento do narcotráfico faria explodir o território
pela imposição da produção de um espaço mundial articulado ao mercado
global.
Uma boa leitura!
ana fani alessandri carlos
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1ª edição abril 2020
impressão meta
papel miolo pólen soft 80g/m 2
papel capa cartão supremo 300g/m 2
tipografia unicod e freight
AIALA COLARES COUTO é geógrafo com
doutorado em Ciências do Desenvolvimento
Socioambiental, professor da Universidade
do Estado do Pará (UEPA) e pós-doutorando
em Geografia pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE). Coordena o Núcleo de
Estudos Afro-brasileiros da UEPA e está
vinculado à Associação Brasileira de
Pesquisadores Negros.
ISBN 978658646402-3
9 78 6 5 8 6 4 6 4 0 2 3
Este livro se debruça sobre a lógica que torna o
narcotráfico um dos negócios mais rentáveis do mundo
moderno, revelando-o como um momento inseparável da
acumulação do capital. Através da contradição entre
apropriação e dominação do espaço, a análise vai revelando
de forma brutal o território do narcotráfico com sua lógica
de controle do território aprofundando a precarização de
parcela significativa da sociedade brasileira. A pesquisa
apresentada por Aiala Colares Couto nos demonstra como a
economia do narcotráfico se territorializa ao mesmo tempo
em que se sobrepõe a outros territórios e escalas espaciais
superando as fronteiras nacionais definidas ao longo da
história e em confronto com a lógica e estratégia do poder
nacional. Ele não só produz seu território, mas o faz
impondo suas regras através da dominação da vida daqueles
que nele habitam.
ANA FANI ALESSANDRI CARLOS
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