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Revolução Industrial<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
<strong>Plinio</strong> e Dona Lucilia no<br />
início da década de 1920<br />
Adoração de novos deuses<br />
Os progressos da Física vinham<br />
acompanhados pelos da Química,<br />
dando lugar a indústrias fabulosas<br />
com a possibilidade de tornar acessível<br />
a todo mundo artigos que o<br />
conjunto dos homens antes não poderia<br />
possuir: pérolas falsas, tecidos<br />
que imitavam a seda, mas já não tinham<br />
nada a ver com o bicho-da-seda.<br />
Nas conversas, as pessoas atualizadas<br />
diziam:<br />
— Ahahah, você não sabia?<br />
— Mas como, seda sem bicho-da-<br />
-seda?!<br />
— Ahahah, olha lá, ele pensa que<br />
seda é feita pelo bicho-da-seda. Não,<br />
senhor! Esse tecido aqui se faz com<br />
fio de vidro.<br />
E o pobre ingênuo, que podia conhecer<br />
Aristóteles e São Tomás, mas<br />
pensava que seda só podia ser feita<br />
pelo bicho-da-seda e que vidro daria<br />
numa coisa quebradiça, mostrava<br />
sua surpresa:<br />
— Fio de vidro!<br />
— Ah, meu caro, você precisa<br />
nascer de novo.<br />
Pisando naquele indivíduo porque<br />
era um ímpio que não adorava<br />
os novos deuses nem tinha ido de<br />
encontro às alvoradas da Ciência, e<br />
ainda estava se rolando nos compassos<br />
aburguesados e idiotas de outrora.<br />
Todas essas invenções se afiguravam<br />
como algo de miraculoso. Por<br />
exemplo, a dinamite.<br />
Diziam:<br />
— Você com isso faz uma bomba<br />
e pode estalar uma montanha!<br />
Produz um túnel debaixo do Mont<br />
Blanc, o monte que Bonaparte realizou<br />
o prodígio de andar por cima...<br />
Hihihih, pobre Bonaparte… nós fazemos<br />
um buraco por baixo. Diga<br />
para que lado você quer perfurar,<br />
meu caro, porque tendo dinheiro –<br />
sem dinheiro não se consegue nada<br />
– tal empresa lhe faz esse túnel em<br />
questão de trinta dias. A natureza<br />
não tem mais obstáculos.<br />
Sempre com a ideia de produzir<br />
um impacto científico por meio de<br />
uma surpresa que introduz<br />
o indivíduo, de repente,<br />
numa situação com<br />
a qual ele não contava,<br />
com vistas a preparar<br />
inteiramente<br />
o mundo para a entrada<br />
numa ordem<br />
de coisas completamente<br />
nova, dominada<br />
por forças<br />
naturais inimagináveis.<br />
Vemos, assim,<br />
um longo movimento,<br />
iniciado com a<br />
eclosão da Revolução,<br />
de incompatibilização<br />
progressiva do homem<br />
com as condições<br />
comuns de sua existência e<br />
com as harmonias do universo.<br />
Uma quebra da ordem do universo,<br />
substituída por outra ordem fabricada<br />
pela Revolução Industrial para a<br />
qual se vai caminhando passo a passo<br />
ao longo dos séculos.<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Dona Lucilia era o<br />
oposto de tudo isso<br />
Eu senti, quando menino entre<br />
doze e dezesseis anos, em relação<br />
a todas essas coisas uma oposição<br />
enorme proveniente do meu temperamento<br />
calmo, meu modo de ser<br />
cordato e de toda a atmosfera criada<br />
por mamãe em torno de mim. Aliás,<br />
Dona Lucilia era o oposto de tudo<br />
isso, de uma oposição que ela nem<br />
fazia intencionalmente, porque nela<br />
isso transcendia o intencional.<br />
Mas de vez em quando eu sentia<br />
como se brotasse em mim certas vibrações<br />
em cadeia, as quais me inclinavam<br />
a gostar de cantarolar – eu<br />
não cedia – tal trecho de jazz-band<br />
que vinha à mente. Ou, então, reproduzir<br />
tal barulho mecânico que<br />
ouvi. Aquilo se apresentava como<br />
tendo um certo sentido, ou porque<br />
era uma coisa muito diferente e uma<br />
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