PHILIP

I
Suas voltas, toda manhã, eram um hábito
que Philip jamais perderia.
Os caminhos variavam: entre
estas e aquelas árvores, pousando
neste ou naquele galho.
Isso não importava, mas, sim,
o respirar daquele ar úmido
de orvalho, daquela membrana
transparente nas penas.
Não sabia se era feliz, pois só
se dava conta de momentos e
não conseguia organizá-los
como um todo.
Por isso, costumava pensar
que sua vida era meio
sem pé nem cabeça, já que
os fatos não mereciam
nunca uma sucessão lógica.
O tempo vivido não
podia ser medido sempre
com a mesma unidade,
pois sua duração variava
de acordo com a satisfação
proporcionada pela vivência.
Assim, ele sempre se
referia ao passado como ontem,
mesmo que este tivesse
acontecido há anos.
Lembrava-se com mágoa de certas
passagens e vibrava de emoção
com outras lembranças.
Sim, sem dúvida, Philip tinha um passado
que comprometia seu estado de
espírito e, sempre que se referia ao
ontem, enchia o peito para exibir
sua vivência.
Era muito benquisto e tinha alguns
companheiros que o amavam
com devoção talvez pela
sua forma solícita e falante,
tentando parecer esclarecido
e seguro.
Philip não abria mão das revoadas,
uma vez que era inevitável
a sua procura.
Suas asas se moviam compassadas,
como se não dependessem
mais de seus controles
e, como sempre, seus pensamentos
estavam voltados para
a solidão, aquele buraco
frio que caminhava dentro do
seu corpo, ora alojando-se na
ponta das asas impedindo-o
de voar, ora no bico emudecendo
suas lindas canções.
Mas o pior, mesmo, era quando
se escondia no coração.
Aí, então, Philip sentia enrijecer
todos os seus pensamentos e permitia
que seu corpo se entregasse
à morbidez daquele sentimento, tirando-lhe
o brilho dos olhos e a vontade
de viver.