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VI<br />
Ser um pássaro e possuir asas pareciam<br />
a ele condições suficientes para voar. Não<br />
conseguia pensar em nada que pudesse<br />
colocar em risco o poder de suas asas, porém<br />
não conseguia se fazer obedecer, por<br />
mais que estivesse convencido.<br />
Aquelas feições, olhares sem brilho, toda<br />
aquela frigidez não poderiam fazer parte<br />
da realidade.<br />
Não conseguia amenizar a dor com nada<br />
que pudesse pensar. Philip agora era isso:<br />
o dono de um par de asas congeladas<br />
pelo medo... Medo que fosse um sinal dos<br />
tempos, medo da ilusão dos que têm vida<br />
e o poder de comandá-la julgando o amor.<br />
Sobrevoava rasteiramente um jardim<br />
mal cuidado. Seu corpo, antes pequeno e<br />
ágil, agora parecia uma pedra empurrada<br />
com dificuldade pelo vento.<br />
O desencanto é quase fatal para os que<br />
guardam dentro de si a sensibilidade.<br />
VII<br />
A sombra sobre a grama lhe trazia a má<br />
notícia: “ele” estava de volta.<br />
Não podia dizer se era o mesmo. As pessoas<br />
infelizes têm sempre a mesma cara.<br />
Philip queria acordar para constatar que<br />
estava apenas sonhando.<br />
Procurou voar.<br />
Dali a pouco ia amanhecer o dia. É comum<br />
durante a noite as coisas parecerem<br />
mais tristes, mais desafiadoras. As<br />
esquinas, mais pontiagudas. Os postes<br />
ofuscarem os olhos dos pássaros que<br />
voam baixo, enquanto reúnem mosquitos<br />
em torno das lâmpadas.<br />
Talvez tudo fosse melhorar, então.<br />
De poucas coisas no mundo se pode ter<br />
certeza, mas Philip não abria mão desta:<br />
por mais que façam os homens ou os pássaros,<br />
o dia sempre será mais claro do que<br />
a noite.