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XXII<br />
XXIII<br />
- Philip eu gostaria de ter conhecido<br />
você antes do que te<br />
aconteceu.<br />
Philip se emocionava com a<br />
preocupação do pequeno Chico<br />
em omitir a palavra prisão.<br />
Tentava evitar a palavra como<br />
quem procura não falar a<br />
palavra “morte” para órfãos.<br />
A noite estava chegando e<br />
havia duas luzes no quarto.<br />
Era como a claridade de um<br />
dia falso.<br />
- Mas seria impossível. Como<br />
você me veria do céu? Eu não<br />
sei voar!<br />
- Chico, acho que a gente<br />
nunca se conheceria. Eu seria<br />
mais um pássaro e, você,<br />
mais um menino.<br />
- Quer dizer que era necessário<br />
te prenderem?<br />
- Não sei. De certo era preciso<br />
alguma limitação de nossas<br />
aspirações para que pudéssemos<br />
ter um ponto de<br />
encontro. É como contar um<br />
sonho: ninguém pode fazê-<br />
-lo esperando que o outro<br />
sinta o mesmo clima, o mesmo<br />
calor. Temos que conduzir<br />
as pessoas partindo do<br />
ambiente onde elas se encontram<br />
até chegar ao nosso<br />
sonho. Era preciso que eu<br />
viesse até aqui para te ensinar<br />
a voar.<br />
Mas Philip, você sabe que eu não tenho asas.<br />
Philip percebeu que era preciso<br />
conduzi-lo até a verdade.<br />
Você sabe que meninos não voam, não é?<br />
Quando o velho abriu a porta,<br />
encontrou Chico sorrindo para<br />
a gaiola. Ele carregava<br />
uma bandeja enorme,<br />
com muitos pratos e<br />
um grande pudim<br />
de sobremesa.<br />
- Chico, seu pai<br />
mandou que comesse<br />
tudo para<br />
que ele não<br />
perca a paciência.<br />
Não era preciso<br />
pedir aquilo. Todas<br />
aquelas novidades<br />
pareciam<br />
ter aberto com violência<br />
o apetite de<br />
Chico, que logo se acomodou<br />
junto ao jantar, dispensando<br />
o velho.<br />
Philip, o que<br />
você gostaria<br />
de comer?<br />
Philip não pode conter uma<br />
risada. Depois de tanto<br />
tempo.<br />
Querido Chico<br />
m<br />
,<br />
inha comida<br />
é sempre essa.<br />
- Mas Philip, esta é uma ocasião<br />
especial. Nós podíamos fazer um<br />
grande jantar e dividiríamos<br />
também o pudim de chocolate.<br />
Seria uma forma de comemorar.<br />
Por favor, escolha<br />
alguma coisa.<br />
Philip fazia força para<br />
escolher algo. Parecia<br />
ser importante<br />
agradar àquele menino<br />
peralta capaz<br />
de saber que os pássaros<br />
falam e apenas<br />
considerar a importância<br />
disso na medida<br />
de novos conhecimentos.<br />
- Está bem... Vamos ver... Eu<br />
fico com um pouco de verde.<br />
- Verde?<br />
- Sim, Chico, como você chama essa<br />
folha verde?<br />
- Chamo de alface. Quando a gente<br />
mistura com outras verduras<br />
aí, então, chamamos de salada.<br />
Está bem.<br />
Quero a alface.<br />
Chico lotou sua gaiola de alface.<br />
Toda que ele tinha e insistiu<br />
muito para que Philip experimentasse<br />
o pudim de chocolate, transferindo<br />
o ensinamento de sua mãe<br />
de que ninguém podia desgostar de<br />
algo que desconhecia.<br />
Que coisa ridícula: um pássaro<br />
com o bico sujo de chocolate.