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Revista Dr Plinio 301

Abril 2023

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Consumado o holocausto,<br />

irrompe a aurora da vitória!


O Brasil inteiro me aplaudiu,<br />

o Brasil inteiro me esqueceu<br />

Eu observei atentamente a minha passagem<br />

da celebridade para a sombra e registrei,<br />

como um cientista, as repercussões.<br />

Um pouco de difamação, mas sobretudo silêncio,<br />

com o que eu fazia de bom imediatamente<br />

esquecido.<br />

Por exemplo, o discurso que eu fiz no Anhangabaú<br />

por ocasião do Congresso Eucarístico<br />

levou uns dias para circunscreverem; ao cabo<br />

de dois dias ele ficou velho como o de um ano<br />

atrás, e o “Em defesa da Ação Católica” não<br />

estava publicado ainda…<br />

As coisas são assim. Quer dizer, o Brasil inteiro<br />

me ouviu, o Brasil inteiro me aplaudiu,<br />

dois dias depois o Brasil inteiro me esqueceu.<br />

ACMSP<br />

(Extraído de conferência de 11/9/1982)<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> discursa no IV Congresso Eucarístico Nacional<br />

Vale do Anhangabaú durante<br />

o IV Congresso Eucarístico<br />

Nacional, em 1942


Sumário<br />

Vol. XXVI - Nº <strong>301</strong> Abril de 2023<br />

Consumado o holocausto,<br />

irrompe a aurora da vitória!<br />

Na capa,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em<br />

março de 1950.<br />

Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

ISSN - 2595-1599<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Roberto Kasuo Takayanagi<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Virgílio Rodrigues, 66 - Tremembé<br />

02372-020 São Paulo - SP<br />

E-mail: editoraretornarei@gmail.com<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pigma Gráfica e Editora Ltda.<br />

Av. Henry Ford, 2320<br />

São Paulo – SP, CEP: 03109-001<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum............... R$ 200,00<br />

Colaborador........... R$ 300,00<br />

Propulsor.............. R$ 500,00<br />

Grande Propulsor....... R$ 700,00<br />

Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

editoraretornarei@gmail.com<br />

Segunda página<br />

2 O Brasil inteiro me aplaudiu,<br />

o Brasil inteiro me esqueceu<br />

Editorial<br />

4 É supérfluo lutar por<br />

verdades incontroversas<br />

Em Defesa da Ação Católica<br />

5 À margem de uma<br />

grande ruína…<br />

Em Defesa da Ação Católica<br />

7 Perseguição a uma vocação,<br />

holocausto em prol da Igreja<br />

Em Defesa da Ação Católica<br />

15 Êxito de uma<br />

luta profética<br />

Calendário dos Santos<br />

28 Santos de Abril<br />

Em Defesa da Ação Católica<br />

30 Vigilância arguta e eficaz<br />

Última página<br />

36 Maria esmagou todos<br />

os heresiarcas<br />

3


Editorial<br />

É supérfluo lutar por<br />

verdades incontroversas<br />

Em certa ocasião, dizia <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>:<br />

“Eu temo as festas e as vitórias<br />

quando não são senão patamares<br />

para ascensões mais altas. Gosto muito<br />

que se comemore uma vitória, contanto<br />

que essa comemoração prepare para<br />

o desejo de mais lutas, mais sacrifícios,<br />

mais heroísmos até o ponto em que o<br />

último dardo tenha sido jogado no último<br />

alvo. Isto é festejar, isto é avançar!” 1<br />

Assim como no número anterior, também<br />

neste a <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> está em festa,<br />

desta vez pelo seu 25 o aniversário; e a<br />

fidelidade a estas sábias e ardorosas palavras<br />

nos leva a continuar dedicando integralmente<br />

a presente edição 2 ao heroico e<br />

profético lance que culminou, apesar das<br />

aparências contrárias, em uma das mais<br />

belas e importantes vitórias de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>,<br />

conquistada mediante renhidas batalhas<br />

nas quais logrou atingir, de modo certeiro<br />

e eficaz, os erros por ele denunciados<br />

em seu livro Em defesa da Ação Católica,<br />

e a respeito dos quais fez o seguinte esclarecimento<br />

na introdução desta sua obra. 3<br />

“Os erros que combatemos no presente<br />

livro se caracterizam, em grande<br />

parte, por seu unilateralismo. Na doutrina<br />

de Nosso Senhor Jesus Cristo, apraz a<br />

muitos espíritos ver apenas as verdades<br />

doces, suaves e consoladoras. Pelo contrário,<br />

as advertências austeras, as atitudes<br />

enérgicas, os gestos por vezes terríveis<br />

que Nosso Senhor teve em sua vida<br />

costumam ser passados sob silêncio.<br />

Muitas almas se escandalizariam – é<br />

este o termo – se contemplassem Nosso<br />

Senhor a empunhar o azorrague para expulsar<br />

do Templo os vendilhões, a amaldiçoar<br />

Jerusalém deicida, a encher de recriminações<br />

Corazim e Betsaida, a estigmatizar<br />

em frases candentes de indignação<br />

a conduta e a vida dos fariseus. Entretanto,<br />

Nosso Senhor é sempre o mesmo,<br />

sempre igualmente adorável, bom<br />

e, em uma palavra, divino, quer quando<br />

exclama ‘Deixai vir a mim os pequeninos,<br />

porque deles é o Reino dos Céus’,<br />

quer quando, com a simples afirmação<br />

‘Sou Eu’, feita aos soldados que O iam<br />

prender no Horto das Oliveiras, Se mostra<br />

tão terrível que todos caem por terra<br />

imediatamente, tendo a voz do Divino<br />

Mestre causado não só sobre suas almas,<br />

mas ainda sobre seus corpos, o mesmo<br />

efeito que a detonação de algum dos<br />

mais terríveis canhões modernos.<br />

Encanta a certas almas – e como<br />

têm razão! – pensar em Nosso Senhor<br />

e na expressão de adorável meiguice de<br />

sua Divina Face, quando recomendava<br />

aos discípulos que conservassem na alma<br />

a inocência imaculada das pombas.<br />

Esquecem, entretanto, que logo depois<br />

Nosso Senhor lhes aconselhou também<br />

que cultivassem, em si, a astúcia<br />

da serpente. Teria a pregação do Divino<br />

Mestre tido erros, lacunas, ou simplesmente<br />

sombras?<br />

Quem poderia admiti-lo? Expulsemos<br />

para muito longe de nós toda e qualquer<br />

forma de unilateralismo. Vejamos<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo como no-<br />

-lo descrevem os Santos Evangelhos, como<br />

no-lo mostra a Igreja Católica, isto é,<br />

na totalidade de seus predicados morais,<br />

aprendendo com Ele não só a mansidão,<br />

a cordura, a paciência, a indulgência, o<br />

amor aos próprios inimigos, mas ainda a<br />

energia por vezes terrível e assustadora,<br />

a combatividade desassombrada e heroica,<br />

que chegou até o Sacrifício da Cruz; a<br />

astúcia santíssima que discernia de longe<br />

as maquinações dos fariseus e reduzia a<br />

pó suas sofisticas argumentações.<br />

Este livro foi escrito precisamente para,<br />

na medida de suas poucas forças, restabelecer<br />

o equilíbrio rompido em certos<br />

espíritos, a respeito deste complexíssimo<br />

assunto. Mas, antes de reivindicar<br />

para as verdades austeras, para os métodos<br />

de apostolado enérgicos e severos,<br />

tantas vezes pregados pelas palavras<br />

e exemplos de Nosso Senhor, o lugar que<br />

de direito lhes cabe admiração e na piedade<br />

de todos os fiéis, timbra afirmar<br />

claramente que, das verdades suaves e<br />

dos Santos Evangelhos se poderia dizer<br />

o que do Santíssimo Sacramento disse<br />

São Tomás de Aquino: devemos louvá-<br />

-las tanto quanto pudermos e ousarmos,<br />

porque não há louvor que lhes baste.<br />

Assim, não se veja em nosso pensamento<br />

ou em nossa linguagem qualquer<br />

espécie de unilateralismo, de que nos livre<br />

Deus. Feito para combater um unilateralismo,<br />

não quereria este livro cair<br />

no extremo oposto. No entanto, como<br />

nem o espaço nem o tempo nos permitem<br />

escrever uma obra sobre o amor e a<br />

severidade de Nosso Senhor; como, por<br />

outro lado, as verdades suaves e consoladoras<br />

já são muito conhecidas, chamamos<br />

a nós apenas a tarefa mais ingrata<br />

e mais urgente, e escrevemos sobre<br />

aquilo que a fraqueza humana mais<br />

facilmente leva a massa a ignorar.<br />

É em consequência desta ordem de<br />

ideias, e só dela, que nos preocupamos<br />

exclusivamente com os erros que temos<br />

diante de nós e não pretendemos<br />

defender aquelas das verdades ‘suaves’<br />

que os partidários destes erros aceitam...<br />

e exageram: é supérfluo lutar<br />

por verdades incontroversas.”<br />

1) Cf. Conferência de 9/12/1982.<br />

2) Narrações extraídas das seguintes<br />

conferências: julho e agosto de<br />

1954; 8/6/1968; 16/6/1973; 4/12/1977;<br />

20/10/1979; 19/8/1981; 26/3/1983;<br />

2/12/1984; 9/2/1985; 26/4/1986; 2/7/1988;<br />

16/4/1989; 8/8/1991; 7/8/1993; 8/5/1994<br />

3) CORRÊA DE OLIVEIRA, <strong>Plinio</strong>.<br />

Em defesa da Ação Católica. São Paulo:<br />

Artpress, papéis e artes gráficas,<br />

LTDA. p.16-18.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Em Defesa da Ação Católica<br />

À margem de uma<br />

grande ruína…<br />

ACMSP<br />

Contemplando o enorme desfile de associações que<br />

enchiam o Vale do Anhangabaú por ocasião do<br />

Congresso Eucarístico de 1942, no fundo do espírito<br />

de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> pairava uma interrogação dolorida: não<br />

chegaria tudo isso a uma enorme decadência?<br />

s movimentos católicos no<br />

Brasil tinham tal grandeza e<br />

um tal número de participantes,<br />

que não se podia ter ideia do que<br />

isto constituía na vida de uma cidade.<br />

Respeitáveis, mas decadentes<br />

Considerem, por exemplo, o Congresso<br />

Nacional Eucarístico, em<br />

1942. Um dos atos era o desfile das<br />

várias associações que enchiam, ordenada<br />

e metodicamente – segundo<br />

disposições preestabelecidas pela direção<br />

do Congresso –, os vastíssimos<br />

espaços do Vale do Anhangabaú. Era<br />

uma beleza ver chegar de vários lados<br />

da cidade, a pé, e tendo percorrido<br />

às vezes distâncias consideráveis,<br />

associações que entravam cantando<br />

os hinos de sua paróquia ou associação,<br />

alguma canção religiosa especial,<br />

e irem ocupando os seus lugares.<br />

O conjunto que mais impressionou<br />

foi o das Filhas de Maria e das Congregações<br />

Marianas femininas. Quando as<br />

primeiras fileiras delas começaram a<br />

chegar ao Vale do Anhangabaú, as últimas,<br />

que estavam na Igreja<br />

de São Geraldo das Perdizes,<br />

não tinham sequer começado<br />

a se mover! Quer<br />

dizer, o número de Filhas de<br />

Maria era tão grande que toda<br />

essa movimentação ocupou<br />

um bom tempo do Congresso<br />

Eucarístico.<br />

No entanto, eu pensava<br />

o seguinte: “Essas Filhas de<br />

Maria são moças respeitáveis<br />

e direitas, mas são certamente<br />

muito mais liberais<br />

do que foram as mães delas.<br />

Elas têm ideias mais liberais<br />

e se vestem de um modo<br />

mais liberal, sem ter nada<br />

em comum com as indecências<br />

de hoje.”<br />

Assim, da geração das<br />

mães para a delas, houve uma<br />

queda, irrefletida, na maior<br />

parte dos casos, pois as mães<br />

nem se deram conta claramente<br />

que delas para as filhas<br />

havia um tombo. E, por<br />

ACMSP<br />

5


Em Defesa da Ação Católica<br />

ACMSP<br />

ACMSP<br />

D. Benedetto Aloisi Masella, Núncio Apostólico no Brasil, num dos eventos do Congresso Eucarístico<br />

sua vez, as filhas certamente não teriam<br />

noção de que, de suas filhas para<br />

as netas, haveria outro tombo. E<br />

então, nas mãos dessa luminosa faixa<br />

de pessoas piedosas, devotas de Nossa<br />

Senhora, estava se realizando a decadência<br />

e depredação religiosa brasileira;<br />

o grande número delas não significava<br />

um freio eficaz para fazer com<br />

que a decadência não continuasse.<br />

De um lado força,<br />

de outro, ruína<br />

Eu não podia deixar de me perguntar:<br />

“No fundo, o que isto tudo representava<br />

no coração dessas pessoas simpáticas<br />

e de uma vida pessoal, naquele tempo,<br />

vida digna indiscutivelmente? Do<br />

que é que valia tudo isto quando, de tudo<br />

isto nascia sempre algo pior e nunca<br />

melhor? Aquilo já não era a própria<br />

decadência? Não era ao longo dessas<br />

gerações de Filhas de Maria, de Congregadas<br />

e Congregados Marianos, de<br />

pessoas que apareciam habitualmente<br />

nas procissões – como, por exemplo, de<br />

Corpus Christi e outras – cantando hinos<br />

parecidos, em ponto menor, com<br />

os do Congresso Eucarístico?<br />

De um lado estava a impressão<br />

de uma força enorme; de outro, a de<br />

uma ruína enorme.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em junho de 1995<br />

Não sei se exprimo bem a interrogação<br />

dolorida que a visão dessa realidade<br />

despertava em meu coração, a<br />

mim, aparentemente um dos líderes<br />

desse enorme movimento. Evidente,<br />

despertava tristeza.<br />

Sobre o palanque do Congresso<br />

havia uma mesa de honra para<br />

as autoridades; estava o Arcebispo<br />

Metropolitano de São Paulo,<br />

o Núncio Apostólico, legado a latere<br />

1 pelo Papa Pio XII para estar presente<br />

ao Congresso; grande número<br />

de Bispos e autoridades civis, entre<br />

as quais o Governador de Estado,<br />

que foi um dos mais ardorosos<br />

entusiastas do discurso que pronunciei.<br />

Tudo isso estava muito bem, mas,<br />

para mim: pranto e dor! Eu via que<br />

dali se chegaria até onde se chegou…<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

9/6/1995)<br />

1) Do latim: legado ao lado (do Papa).<br />

Cardeal que representa pessoalmente<br />

o Papa em missão específica.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

6


Gustave Doré (CC3.0)<br />

IV<br />

Perseguição a uma vocação,<br />

holocausto em prol da Igreja<br />

Sermão da Montanha<br />

o considerar o histórico de<br />

meu livro Em Defesa da Ação<br />

Católica, pudemos constatar<br />

a confirmação de um princípio geral:<br />

nas lutas da Revolução com a Contra-<br />

-Revolução, a vitória da primeira não<br />

é alcançada graças à sua força, mas<br />

devido à fraqueza dos contrarrevolucionários.<br />

Descontentamento<br />

dos medíocres…<br />

De fato, a Revolução, de si, não conseguiria<br />

nada se não fosse o processo de<br />

deterioração e moleza entre os bons. A<br />

grande batalha capital, da qual depende<br />

o entrechoque entre o bem e o mal,<br />

está entre os moles e os que procuram<br />

ser verdadeiramente bons. Se estes forem<br />

autênticos contrarrevolucionários,<br />

o mal é empurrado com os pés.<br />

Encontramos uma confirmação<br />

dessa verdade no Evangelho, quando<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo diz:<br />

“Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal<br />

perde seu sabor, com que se salgará?<br />

Não servirá para mais nada, senão<br />

para ser jogado fora e pisado pelos<br />

homens” (Mt 5, 13). É propriamente<br />

o bom que perdeu o verdadeiro fogo<br />

do amor, a força de praticar o bem, o<br />

élan e a capacidade de batalhar.<br />

Numa atmosfera religiosa verdadeiramente<br />

em ascensão e progresso,<br />

na qual os bons estivessem tendendo<br />

a melhorar, elevando os medíocres<br />

e, por assim dizer, impondo-lhes uma<br />

tensão rumo à perfeição, o Em Defesa<br />

da Ação Católica seria examinado<br />

pelas autoridades eclesiásticas para se<br />

verificar a autenticidade da denúncia<br />

e a ortodoxia da doutrina ali expostas.<br />

Comprovadas estas, o resultado normal<br />

seria aplaudir e apoiar quem de<br />

tal maneira desmascarou o adversário.<br />

Contudo, como seria de prever, a<br />

obra provocou imenso descontentamento<br />

naqueles cujas temerárias doutrinas<br />

refutou, mas, à “explosão” do livro,<br />

seguiu-se uma série de detonações<br />

que fez de nós, membros do Legionário,<br />

elementos completamente isolados.<br />

Na missiva, uma censura<br />

Recebi cartas de pessoas em desacordo,<br />

como também de gente que<br />

se esquivava, sem coragem de manifestar<br />

apoio.<br />

Certo dia, estacionou um lindo automóvel<br />

em frente da minha casa e<br />

desceu um homem que me entregou<br />

um envelope da parte do Arcebispo.<br />

D. José mandara o chofer dele levar-me<br />

uma carta agradecendo o envio<br />

de um exemplar do livro Em Defe-<br />

7


Em Defesa da Ação Católica<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante o Congresso Eucarístico<br />

Diocesano em Taubaté, em maio de 1942<br />

sa da Ação Católica. A missiva<br />

era polida, cortês e, sem se pronunciar<br />

sobre o mérito do livro,<br />

constituía de modo velado uma<br />

lamentação e uma censura. A<br />

certa altura, dizia:<br />

“Queira Deus que no rebanho<br />

a mim confiado nunca haja<br />

discórdia entre os católicos. E<br />

que os não católicos da diocese,<br />

olhando para os católicos, possam<br />

afirmar o que os romanos<br />

diziam admirados dos primitivos<br />

cristãos: ‘Como eles se amam!’<br />

Assim também, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, desejo<br />

que sejam as relações entre os<br />

meus fiéis na Arquidiocese.”<br />

Ora, se o livro abria uma<br />

luta e ele queria a concórdia,<br />

era uma censura. E se fizermos<br />

uma análise mais rigorosa<br />

veremos tratar-se, mais do<br />

que de uma censura, de uma contestação.<br />

Porque, se ele desejava essa<br />

concórdia, ou era por não querer<br />

que os errados fossem incomodados<br />

ou por negar que estivessem errados.<br />

Logo, o livro era uma acusação<br />

no ar contra gente que não merecia.<br />

Então, a carta deixava de conter<br />

apenas recomendações de harmonia<br />

para ser algo que me expunha à vindita<br />

dos outros. Portanto, uma declaração<br />

de guerra.<br />

Um céu outrora azul,<br />

agora cheio de veneno<br />

Recebi também uma carta do<br />

Tristão de Ataíde 1 na qual ele dizia:<br />

“Seu livro, escrito com a autoridade<br />

do seu nome, da sua cultura, da sua<br />

inteligência e do seu cargo, vem<br />

arrancar a casca de ferimentos<br />

porventura já cicatrizados. […]<br />

Julgo o seu livro inoportuno e<br />

contraproducente. […] Creio<br />

que não compete a você, um leigo<br />

como nós, fazer-nos acusações<br />

implícitas de heresia. […]<br />

Seu livro, portanto, longe de<br />

ser para mim uma ‘defesa’ da<br />

Ação Católica é o mais terrível<br />

ataque que poderia sofrer, vindo<br />

de quem vem. Lamento por<br />

isso profundamente que você o<br />

tenha publicado.”<br />

Nunca mais nos correspondemos,<br />

não tivemos mais nada<br />

em comum.<br />

Começou o ataque de toda<br />

essa gente contra mim, contra<br />

a minha vocação e contra aquilo<br />

que eu devia realizar. Se eles<br />

tivessem birra de mim porque eu tinha<br />

um nariz comprido ou curto, não<br />

me incomodava. Mas a perseguição se<br />

deu pelas doutrinas e pelas esperanças<br />

que eu sustentava. Esse era o lado terrível<br />

do fato. Aquele céu azul havia representado<br />

a ilusão de uma ordem sacral,<br />

séria, direita, conhecida por mim<br />

ao entrar no Movimento Católico. Todavia,<br />

mais tarde, se havia transforma-<br />

ACMSP (AF-01-01-14)<br />

Instituto Moreira Salles<br />

Discurso de Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde) no encerramento da Festa de Pentecostes, em 1935<br />

8


IV. Perseguição a uma vocação, holocausto em prol da Igreja<br />

do num céu cheio de veneno, do qual<br />

choviam morte e doenças sobre mim,<br />

sozinho dentro daquele drama.<br />

Denúncia caluniosa diante<br />

de membros eclesiásticos<br />

Quando escrevi o Em Defesa da<br />

Ação Católica, ignorava que D. Cabral<br />

2 , então Arcebispo de Belo Horizonte,<br />

tinha preparado uma Pastoral<br />

sustentando teses opostas às do meu<br />

livro. Ambos foram publicados mais<br />

ou menos ao mesmo tempo.<br />

Houve pior. Pouco depois se realizava<br />

uma semana de estudos da Ação<br />

Católica para o clero regular e secular<br />

de São Paulo, no armazém térreo<br />

do prédio contíguo à igreja da Ordem<br />

Terceira de São Francisco, sob a presidência<br />

do Arcebispo D. José Gaspar e<br />

com a presença dos vigários gerais, todo<br />

o clero paulista e muitos padres de<br />

fora da arquidiocese. Quando se realizou<br />

essa semana, o livro e a Pastoral já<br />

estavam repercutindo intensamente e<br />

a polêmica era virtual devido à efervescência<br />

causada pelos dois documentos.<br />

Na véspera da primeira sessão tinha<br />

sido distribuída anonimamente<br />

a Pastoral de D. Cabral. Quando<br />

os padres entraram na sala, encontraram-na<br />

sobre as respectivas<br />

cadeiras.<br />

Qual não foi a nossa surpresa<br />

quando, no segundo dia da<br />

semana de estudos, D. Teodoro<br />

Kok se levantou e fez<br />

um discurso denunciando-<br />

-nos a todo o clero reunido,<br />

como conspiradores contra<br />

D. José Gaspar. Acusava-nos<br />

de atribuir erros a este<br />

Arcebispo e de julgar tudo<br />

por nossos próprios conceitos,<br />

o que correspondia a uma<br />

falta de humildade, com a agravante<br />

de sermos membros da Junta<br />

Arquidiocesana da Ação Católica,<br />

portanto, pessoas de confiança de<br />

D. José.<br />

Dizia D. Teodoro:<br />

Divulgação<br />

“Eu tenho uma acusação a fazer.<br />

Viajei com <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> de São Paulo a<br />

Campinas e, durante a viagem, ele me<br />

disse haver bispos que defendem doutrinas<br />

erradas em matéria de Ação Católica.<br />

Eu nem vou mencionar os nomes<br />

dos bispos indicados por ele, porque<br />

neste ambiente causaria um verdadeiro<br />

horror. Mas venho fazer aqui um<br />

protesto contra a insolência desses elementos<br />

do Legionário que se atrevem<br />

a afirmar que um bispo católico possa<br />

cair em erro em matéria de doutrina.”<br />

Com efeito, convidado pelos Salesianos<br />

a fazer uma conferência em<br />

Campinas, levei D. Teodoro comigo.<br />

Na viagem de ida quis esclarecê-lo sobre<br />

a situação da Ação Católica. Com<br />

jeito, baseado na amizade que ele continuava<br />

a me demonstrar e no fato de<br />

ele mesmo ter me contado vários abusos<br />

litúrgicos observados no Colégio<br />

Santo Anselmo de Roma, de onde ele<br />

vinha após ter terminado os estudos,<br />

transmiti-lhe várias de minhas impressões<br />

e alguns fatos relativos ao andamento<br />

do liturgicismo aqui, inclusive<br />

envolvendo D. José Gaspar.<br />

Na manhã seguinte, antes de fazer<br />

a conferência, encontrei-o e lhe perguntei<br />

maquinalmente como tinha<br />

passado. Ele disse: “Eu não pude dormir<br />

depois do que você me contou,<br />

pois fiquei tão impressionado com a<br />

situação que custei a conciliar o sono.<br />

Então, haverá um bispo nos dias de<br />

hoje capaz de ter uma doutrina oposta<br />

à do Papa? Isso me deixa arrasado,<br />

não posso compreender!” Dizia isso<br />

não como quem me objetava, mas como<br />

quem deplorava a situação.<br />

Na volta, conversamos um pouco<br />

sobre o tema e depois tratamos de<br />

outros assuntos.<br />

Mais tarde, os fatos comprovaram<br />

que D. José sabia, de antemão, que<br />

esse golpe seria dado e presidia a sessão<br />

assistindo à explosão combinada<br />

com ele. À sua direita encontrava-se<br />

Mons. Mayer, como vítima, porque<br />

evidentemente falar contra nós era<br />

falar contra ele. Terminado o discur-<br />

D. Antônio dos Santos<br />

Cabral e sua carta pastoral<br />

sobre a Ação Católica<br />

9


Em Defesa da Ação Católica<br />

D. Teodoro Kok, OSB. Ao lado, interior<br />

do Colégio Santo Anselmo de Roma<br />

ElijahOwens(CC3.0)<br />

Divulgação<br />

so de D. Teodoro, estabeleceu-se um<br />

silêncio na sala. Então Mons. Mayer<br />

levantou-se, pediu a palavra e disse:<br />

“Nós temos que salvar os princípios.<br />

D. Teodoro afirmou que um bispo<br />

nunca pode cair num erro de doutrina.<br />

Ora, esta sala está cheia de gente<br />

que estudou Teologia e todos sabemos<br />

que um bispo pode incorrer em erros<br />

doutrinários. Não podemos aceitar a<br />

doutrina da infalibilidade dos bispos.”<br />

D. José encerrou a sessão com palavras<br />

muito anódinas a respeito da<br />

concórdia.<br />

Do candelabro para<br />

debaixo do alqueire<br />

Mas o incidente produziu um efeito<br />

profundo. Comecei a notar como<br />

vários clérigos mudavam, desde esse<br />

dia, a sua atitude a meu respeito. Eu<br />

estava convidado a discursar em Campinas,<br />

mas recebi uma carta do bispo<br />

daquela cidade comunicando-me que<br />

estava adiado sine die 3 o meu discurso.<br />

Praticamente em todo o meio eclesiástico<br />

de São Paulo, se minha cotação<br />

antes daquela reunião era oitenta,<br />

desceu a oito ou talvez menos. Foi<br />

uma queda vertiginosa.<br />

O escândalo produzido por D. Teodoro<br />

contra mim repercutiu desfavoravelmente<br />

também entre os jesuítas<br />

que, em massa, afastaram-se de<br />

mim, continuando comigo apenas o<br />

Pe. Riou, Pe. Dainese, Pe. Mariaux<br />

e alguns outros, como o Pe. Arlindo<br />

Vieira e o Pe. Achótegui 4 .<br />

O Pe. Louis Riou, Provincial da<br />

Companhia de Jesus no Brasil, era<br />

um francês magro, com o nariz pontudo,<br />

tez clara, como em geral os europeus,<br />

homem já por volta de uns<br />

70 anos de idade, com o princípio<br />

de autoridade muito vincado, muito<br />

franco, que acompanhava a nossa luta<br />

e nos apoiava abertamente.<br />

Certa ocasião ele me contou que começou<br />

uma onda de difamação contra<br />

o meu livro entre os jesuítas. Ele os reuniu<br />

para dizer o seguinte: “Os senhores<br />

não têm o direito de falar contra <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> e seu livro. Essa obra é tão favorável<br />

e tão do interesse da Igreja, que<br />

nós jesuítas, que existimos para defesa<br />

da Igreja, deveríamos beijar, não as<br />

mãos, mas os pés de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>.”<br />

Apesar de tudo, delinearam-se também<br />

entre muitos padres atitudes e opiniões<br />

a meu favor. Vários no clero de<br />

São Paulo estavam do nosso lado, embora<br />

houvesse muito oportunismo. Porém,<br />

nossa condição se tornou péssima<br />

e, a partir desse momento, houve uma<br />

alteração na conjuntura de nosso grupo:<br />

antigamente ele estava no candelabro,<br />

ficou posto sob um alqueire; entramos<br />

em um período que se poderia<br />

chamar de clandestinidade, porque<br />

passamos da situação para a oposição,<br />

uma circunstância muito cruel.<br />

Traição e rompimento<br />

de um amigo<br />

Atitude semelhante à de D. Teodoro<br />

tomou um amigo que eu tive,<br />

com quem comecei a me relacionar<br />

por volta de 1936. Era um rapaz educado,<br />

amável, cuja mãe pertencia a<br />

uma família outrora muito conhecida<br />

de minha mãe. Chamava-se José<br />

Pedro Galvão de Sousa 5 .<br />

Uma vez levei-o para jantar em<br />

casa e mamãe tratou-o muito bem.<br />

Quando foi embora, ela me disse:<br />

“Esse seu amigo tem boa educação,<br />

mas você preste atenção, porque ele<br />

tem um jeito de segurar o garfo na<br />

hora de comer, que é de uma mesquinharia<br />

de espírito única! Um belo<br />

dia ele te prepara alguma.”<br />

Dona Lucilia possuía uma penetração<br />

psicológica pouco comum. Apesar<br />

de ter um olhar benévolo, ela examinava<br />

muito as pessoas. Mais de uma vez<br />

10


IV. Perseguição a uma vocação, holocausto em prol da Igreja<br />

ela chamou-me a atenção, sobretudo<br />

quando era moço e pouco experiente,<br />

para este, aquele, aquele outro. Ela sabia<br />

ver as ligações entre defeitos físicos<br />

e defeitos morais de um modo pitoresco.<br />

Fazia correlações muito perspicazes<br />

que ela só comentava comigo, com<br />

meu pai ou com minha irmã. Porque a<br />

intenção não era de falar mal das pessoas,<br />

mas apenas prevenir a quem ela<br />

devia proteger contra quem lhes poderia<br />

fazer mal. E dava as razões.<br />

É o feeling, a percepção, o seletivo<br />

da alma inocente que em tudo vê<br />

a retidão e o acerto das coisas, como<br />

também o que têm de errado. De tal<br />

maneira esse seletivo na alma inocente<br />

é sensível, que percebe o incrível,<br />

o inaudito.<br />

Realmente, cerca de oito anos depois,<br />

o José Pedro me fez uma traição<br />

indecente. Escreveu a D. José Gaspar<br />

um relatório, sem nós sabermos, falando<br />

muito mal de nós. Dizia que nas<br />

reuniões conosco via não ser de nenhum<br />

peso a opinião de D. José. Eu<br />

soube depois que ele fazia relatórios ao<br />

Arcebispo, pelas nossas costas, contando<br />

o que ouvia de nós. Vemos, por esses<br />

fatos, como mamãe<br />

era perspicaz.<br />

D. José chamou<br />

Mons. Mayer, mostrou-lhe<br />

o relatório<br />

e exigiu uma explicação<br />

sobre o fato.<br />

Mons. Mayer<br />

leu e disse: “D. José,<br />

aqui tem uma mentira:<br />

esta afirmação de<br />

que o Legionário não<br />

fez nenhum comentário<br />

sobre a Pastoral<br />

coletiva do Episcopado<br />

paulista. Por isso,<br />

este relatório não<br />

merece consideração.”<br />

Pôs o relatório<br />

sobre a mesa e D. José<br />

não fez mais nada.<br />

Um arcebispo<br />

enérgico diria: “Mas,<br />

Divulgação<br />

por favor, o senhor está mudando de<br />

assunto. Tem essas outras afirmações.”<br />

Por que D. José não disse? Porque, de<br />

um lado, ele não era amigo dos processos<br />

enérgicos, pois senão ele perderia<br />

a consideração de santo no ambiente<br />

brasileiro e paulista. Mas, de outro lado,<br />

Mons. Mayer estava sustentado como<br />

Vigário Geral pelo Núncio. Como<br />

demiti-lo sem pedir licença ao Núncio?<br />

E se o Núncio não desse licença, no<br />

que ficava? Assim, com o respaldo do<br />

Núncio, bastou Mons. Mayer dar uma<br />

meia razão, encerrou o caso e o Arcebispo<br />

não podia fazer nada.<br />

Não muito tempo depois, o José<br />

Pedro distanciou-se do Legionário e<br />

rompeu irremediavelmente comigo.<br />

<strong>Dr</strong>ásticas medidas ameaçam<br />

a estabilidade financeira<br />

José Pedro Galvão de Sousa com D. José Gaspar.<br />

À direita, Judas trama a morte de Nosso<br />

Senhor – Cappella degli Scrovegni, Pádua<br />

O tempo do nosso mandato como<br />

diretores de Junta Arquidiocesana da<br />

Ação Católica estava terminando.<br />

Estávamos fazendo nosso<br />

retiro anual em uma fazenda<br />

dos padres jesuítas, em Itaici,<br />

quando recebi um telefonema<br />

de Mons. Mayer avisando-me<br />

de que D. José lhe enviara uma carta<br />

dizendo que, quando nosso mandato<br />

terminasse, ele queria que saíssemos<br />

da direção da Ação Católica, mas dava<br />

a Mons. Mayer a liberdade de escolher<br />

outros para ocupar o lugar.<br />

Ora, Mons. Mayer não tinha quem<br />

escolher; ou trabalhava conosco ou<br />

não tinha com quem trabalhar. Portanto,<br />

era um primeiro passo para fazer<br />

Mons. Mayer sair da Ação Católica<br />

também. Era a degolação. A imolação<br />

fora feita.<br />

Duas circunstâncias de caráter<br />

pessoal mostram o pungente de nossa<br />

situação.<br />

Eu era advogado da Cúria e D.<br />

José mandou um recado, através de<br />

um monsenhor, que dizia: “O Sr. Arcebispo<br />

manda avisar ao <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

que ele vai ser advogado da Cúria<br />

apenas até o fim do mês. Terminado<br />

este prazo, tiram-lhe o serviço e ele<br />

perde os ordenados.”<br />

Gabriel K.<br />

11


Em Defesa da Ação Católica<br />

Além disso, estávamos em ditadura<br />

e, inexplicavelmente, saiu um decreto<br />

do Governo fechando o Colégio<br />

Universitário, determinando sua dissolução<br />

e que seus professores poderiam<br />

ser aproveitados no ensino secundário.<br />

Era uma capitis diminutio pavorosa. Se<br />

não quisessem aceitar, seriam aposentados<br />

com vencimentos proporcionais.<br />

Ora, eu era professor novo, com apenas<br />

dez anos de serviço. Mandaram-me<br />

para um colégio secundário que funcionava<br />

nos fundos de um grupo escolar.<br />

Assim, com essas duas medidas eu ficava<br />

praticamente na miséria.<br />

Eu tinha ainda alguns dias para sobreviver.<br />

Não contei nada aos meus<br />

pais, mas, sobretudo, rachava-me a<br />

alma olhar mamãe tão tranquila, sem<br />

imaginar nada disso. Dali a vinte dias<br />

era a miséria. Eu teria que fechar a<br />

casa, deixar meus pais num asilo e ir<br />

morar numa pensão.<br />

Ninguém desceu à liça comigo<br />

em defesa da Santa Igreja…<br />

Enquanto isso, sorrateiramente difundia-se<br />

uma tremenda difamação<br />

contra mim em toda a Arquidiocese<br />

de São Paulo e em todo o Brasil. Ninguém<br />

mais me convidava para nada,<br />

fui completamente posto à margem,<br />

como um exilado e um réprobo.<br />

Todos aqueles que me viam perseguido<br />

e que conheciam o problema –<br />

alguns até me escreveram cartas sobre<br />

isso – tinham a mesma obrigação<br />

que eu de descer para a liça. Antes<br />

de tudo, dever para com a Igreja,<br />

mas também para comigo, pois não<br />

se tem o direito de ver um justo perseguido<br />

sem voar em defesa dele.<br />

Se um de nós vai passando pela<br />

rua e presencia um transeunte sendo<br />

assaltado por um ladrão, temos obrigação<br />

de prestar-lhe socorro. Ora,<br />

um homem que sai na luta pela Igreja<br />

é agredido por pessoas que estão lutando<br />

contra a Igreja, ou nós o ajudamos<br />

ou pecamos contra ele. Isto está<br />

nos tratados de Moral, mas também<br />

no senso moral de qualquer um. Antes<br />

de ter lido isso em letras de forma,<br />

basta possuir um pouco de caráter<br />

que o impulso é o de defender quem<br />

está sendo perseguido injustamente.<br />

Andando pelo centro da cidade,<br />

encontrava com este ou aquele católico<br />

que se aproximava de mim, me<br />

abraçava e dizia no ouvido: “Muito<br />

bem, continue!” Eu tinha vontade de<br />

replicar: “Você tem a coragem de me<br />

dizer isto, em vez de me apoiar declarando:<br />

‘Muito bem, eu vou lutar ao<br />

seu lado!’? Não tem propósito!” Que<br />

enorme vazio por debaixo dessas aparências<br />

de bondade! É só vazio? É indiferença?<br />

O que mais será?<br />

Eu pensava: “Como é terrível a situação<br />

em que se encontra a Santa Igreja<br />

de Deus! Eu vejo muito bem que os<br />

que estão começando a espalhar a má<br />

semente são um punhadinho de gente.<br />

Bastaria uma providência, uma ordem<br />

verbal de quem está com o poder<br />

na mão para fazer cessar tudo. Se esse<br />

não quer fazer cessar, bastaria cinco,<br />

oito ou dez dos outros falando com esse,<br />

que o intimidariam e fariam cessar.”<br />

Mas o medo se propagava em sistema<br />

ondulatório e ia tomando cada vez<br />

mais o seguinte aspecto: todos tinham<br />

medo de todo mundo, ninguém tinha<br />

medo de mim. Por quê? Porque eu era<br />

o isolado, contra o qual vai o desprezo,<br />

o ódio, a rejeição, a pedrada!<br />

Como isso me foi esclarecedor e<br />

me fez compreender o vazio no qual<br />

estava a Igreja pela ausência de prin-<br />

Divulgação<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> com membros do Legionário, por ocasião de um retiro na fazenda dos jesuítas em Itaici, em meados da década de 1940<br />

12


IV. Perseguição a uma vocação, holocausto em prol da Igreja<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Divulgação<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em janeiro de 1942.<br />

À esquerda, Capela da<br />

Faculdade Sedes Sapientiæ<br />

cípios e de convicções da verdade absoluta<br />

em tantos membros de sua hierarquia!<br />

Tudo se arranjava e se compunha,<br />

e assim se resolvia... acabou-se.<br />

“<strong>Plinio</strong>, anima-te! Nossa<br />

Senhora te ajudará!”<br />

Nesse ínterim, eu ainda lecionava<br />

História Medieval, Moderna e Contemporânea<br />

em uma das faculdades<br />

da Universidade Católica de São Paulo,<br />

Faculdade Sedes Sapientiæ, onde<br />

havia uma bonita capela com o Santíssimo<br />

Sacramento.<br />

Quando eu terminava as aulas, entrava<br />

na capela, rezava algumas orações<br />

e saía. Coisa comum, muito simples<br />

da vida espiritual, mas eu a fazia<br />

regularmente. Ainda não havia comunhão<br />

vespertina naquele tempo.<br />

Eu comungava de manhã e, à tarde,<br />

quando ia a essa faculdade, visitava o<br />

Santíssimo Sacramento e a imagem<br />

de Nossa Senhora do Sagrado Coração<br />

que ali se encontrava.<br />

Lembro-me de que em uma dessas<br />

tardes eu estava rezando na capela<br />

da Sedes Sapientiæ depois das aulas,<br />

num momento de muita aflição<br />

em face do panorama descrito anteriormente<br />

dentro do qual nosso apostolado<br />

parecia perdido. Via-me em<br />

um apuro medonho, uma provação<br />

atroz! Rezei como de costume, mas<br />

com uma aridez completa, como se<br />

eu me dirigisse a um pedaço de pau<br />

ou de pedra. Pensei: “As portas do<br />

Céu estão fechadas para mim... está<br />

acabado.” Levantei-me, fiz uma genuflexão<br />

diante do Santíssimo e saí.<br />

Havia nessa capela, de um lado e de<br />

outro, uma galeria de vitrais reproduzindo<br />

cenas da vida de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo. Meu olhar caiu maquinalmente<br />

sobre dois que representavam<br />

a Ressurreição, sob os quais liam-se as<br />

seguintes citações da Sagrada Escritura:<br />

“Nam et si ambulavero in valle umbræ<br />

mortis, non timebo mala” – Ainda<br />

que eu caminhe nas sombras da morte,<br />

não temerei os males (Sl 22, 4) e “In lumine<br />

tuo videbimus lumen” – Na tua luz<br />

nós veremos a luz (Sl 35, 10).<br />

Entendi ser algo para me tirar dessas<br />

apreensões. Veio-me uma alegria<br />

à alma, uma satisfação! E pensei:<br />

“Mas onde é que estou com a cabeça?<br />

Eu não confio em Deus? Eu não confio<br />

em Nossa Senhora? Na misericórdia<br />

d’Eles? É preciso mais confiança!<br />

<strong>Plinio</strong>, anima-te! Nossa Senhora te ajudará!<br />

Para frente no meio da provação!<br />

Nossa Senhora te auxiliará!” Era uma<br />

palavra de esperança: “Ainda que eu<br />

caminhe nas sombras da morte, não temerei<br />

os males, porque minha confiança<br />

me fará vencer, pela misericórdia de<br />

Nossa Senhora.” Não que eu mereça.<br />

Se tivesse que merecer, eu desanimava.<br />

Mas, porque Ela é boa, porque Ela<br />

é minha Mãe, Mãe de Misericórdia. E<br />

disse a Ela: “Minha Mãe, ainda que eu<br />

ande nas sombras da morte, não temerei<br />

os males, porque Vós me ajudareis.<br />

Ó Coração de Maria, na vossa luz, na<br />

luz de vosso olhar, eu verei a luz!” Que<br />

luz? Lumen Christi, a luz de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo. As contrariedades<br />

virão, o belo do nosso caminho é que<br />

tem dificuldades.<br />

Realmente alguns dias depois a<br />

provação tinha cessado.<br />

Morte de D. José Gaspar<br />

Eu estava lecionando nos fundos<br />

de um grupo escolar, quando vieram<br />

me avisar que o redator-chefe do Legionário,<br />

<strong>Dr</strong>. Lessa 6 , queria falar comigo<br />

com toda urgência. Fui ao te-<br />

13


Em Defesa da Ação Católica<br />

ACMSP (PF-03-01-20)<br />

na Cúria, Mons. Consentino,<br />

era muito meu amigo e nem se<br />

falou na minha demissão. Naturalmente<br />

a situação se descongestionou<br />

algum tanto. Mas, de<br />

fato, entramos num regime de<br />

sede vacante, com uma situação<br />

desfavorável a nós.<br />

Esfriamento do<br />

Núncio Apostólico<br />

lefone. Ele era um homem lacônico<br />

e, com uma voz cava, disse-me:<br />

“<strong>Plinio</strong>, está correndo a notícia de<br />

que o avião que levava D. José Gaspar<br />

ao Rio de Janeiro caiu e ele morreu,<br />

como também o secretário dele,<br />

Pe. Nelson, o Reitor do Seminário,<br />

Mons. Alberto Pequeno e o Cásper<br />

Líbero, que viajavam com ele.”<br />

Eu disse que deveria ser boato<br />

e voltei para continuar a aula. Mas<br />

aquela impressão começou a se tornar<br />

tão clamorosa ao meu espírito que interrompi<br />

a exposição, tomei um automóvel<br />

e me dirigi à agência da VASP 7 .<br />

De longe, vi uma aglomeração diante<br />

da vitrine. Cheguei lá e encontrei um<br />

aviso da Companhia: “Temos o pesar<br />

em informar que faleceram D. José<br />

Gaspar e o Sr. Cásper Líbero...”<br />

Parei um minutinho, olhei e mandei<br />

o automóvel tocar para o escritório<br />

onde – vez única em minha vida –<br />

precisei tomar um calmante: água de<br />

melissa. Deitei-me no sofá do escritório,<br />

tal era a impressão que os fatos<br />

estavam causando sobre mim!<br />

Funeral de D. José Gaspar<br />

Lembrei-me de uma cena com o<br />

Arcebispo, que havia presenciado algum<br />

tempo antes. Encontrávamo-nos<br />

em uma solenidade na Cúria de São<br />

Paulo e ia haver uma reunião. D. José<br />

Gaspar estava diante de mim conversando<br />

e me disse, de repente, o seguinte:<br />

“É, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, no pouco tempo<br />

que me resta viver…” Nesse momento<br />

nossos olhares se cruzaram e<br />

eu vi que ele tinha um pressentimento<br />

de que morreria prematuramente.<br />

Eu soube depois que D. José tinha<br />

ido ao Rio para nos denegrir junto<br />

ao Núncio Apostólico, levando documentos<br />

contra nós. De fato, ele estava<br />

empenhado numa campanha tão<br />

formidável contra nós que empreendera<br />

uma visita aos bispos da província<br />

eclesiástica de São Paulo para nos<br />

difamar e recomendar que não nos<br />

convidassem para nada, e nos mantivessem<br />

no ostracismo mais completo.<br />

Tendo falecido D. José Gaspar, diminuíram<br />

as oposições que se faziam<br />

a mim. O pior da crise havia passado,<br />

porque quem ficava substituindo a ele<br />

Quando o Núncio Apostólico<br />

veio a São Paulo para os funerais<br />

de D. José, notei nele uma<br />

mudança. Fui visitá-lo no Mosteiro<br />

de São Bento, onde ele estava<br />

hospedado. Ele me recebeu<br />

amavelmente e me disse<br />

que, como embaixador do Santo<br />

Padre, não podia aprovar que<br />

eu tivesse ideias tão desfavoráveis<br />

a respeito de um Arcebispo.<br />

Ademais, tinha constado a<br />

ele que eu falara mal de D. José,<br />

e queria saber se eu poderia provar<br />

minhas afirmações. Respondi: “Sr. Núncio,<br />

o que eu disse a respeito de D. José<br />

é o que V. Ex a . já sabe, porque eu lhe encaminhei<br />

por meio de relatórios em tais<br />

datas. Não fui dizer a qualquer um. Comentei<br />

com um padre amigo meu, D.<br />

Teodoro Kok, mas ele teve a indiscrição<br />

de revelar o que eu lhe contei. A realidade,<br />

portanto, é muito diferente.”<br />

Despedimo-nos em boas relações,<br />

mas a atitude dele já não era a de antes.<br />

v<br />

1) Alceu Amoroso Lima (*1893 -<br />

†1983).<br />

2) Dom Antônio dos Santos Cabral<br />

(*1884 - †1967), natural de Sergipe.<br />

Em 1922 foi nomeado bispo de Belo<br />

Horizonte, Minas Gerais.<br />

3) Do latim: sem data, indefinidamente.<br />

4) Pe. José Achótegui, SJ (*1895 - †1967),<br />

natural da Espanha.<br />

5) (*1912 - †1992).<br />

6) José Neyde César Lessa.<br />

7) Viação Aérea São Paulo. Antiga companhia<br />

aérea comercial brasileira.<br />

14


V<br />

Êxito de uma<br />

luta profética<br />

ACMSP (PF-03-04-39)<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> num evento no Teatro<br />

Municipal de São Paulo, em 1945<br />

om a Sede Arquiepiscopal<br />

vacante<br />

em São Paulo, tive<br />

alguns meses de tranquilidade<br />

até ser nomeado para<br />

ocupar o lugar deixado por<br />

D. José Gaspar o então Arcebispo<br />

de São Luís do Maranhão,<br />

D. Carlos Carmelo<br />

de Vasconcelos Motta.<br />

Novas tragédias<br />

se avizinham<br />

Essa eleição chegou ao<br />

meu conhecimento em circunstâncias<br />

muito especiais.<br />

Eu tinha feito uma conferência<br />

no Congresso Eucarístico,<br />

em Barra Mansa, e<br />

de lá fui para o Rio de Janeiro,<br />

onde fora convidado<br />

para falar numa reunião da<br />

Confederação das Congregações<br />

Marianas.<br />

Tratava-se de um apoio<br />

que me dava o meu amigo<br />

jesuíta Pe. Dainese, então Diretor<br />

das Congregações Marianas. Essa<br />

reunião teve lugar no Teatro Municipal<br />

do Rio de Janeiro, o mais solene<br />

e amplo teatro do Brasil. Estava<br />

repleto de congregados marianos,<br />

com a presença do Núncio Apostólico<br />

1 , Gal. Bina Machado 2 , representando<br />

o Getúlio Vargas, e representantes<br />

de outras autoridades. No dia<br />

seguinte, eu deveria subir ao seminário<br />

jesuíta de Nova Friburgo para fazer<br />

uma conferência aos seminaristas.<br />

Todas essas eram medidas para<br />

me prestigiar e dar um contragolpe à<br />

ofensiva que estava sendo perpetrada<br />

contra mim.<br />

À noite falei no Teatro Municipal<br />

e na manhã seguinte, quando me preparava<br />

para ir a Nova Friburgo, recebi<br />

um telefonema interurbano de um<br />

dos membros do nosso grupo de São<br />

Paulo que, muito agitado, dizia:<br />

— Soube o que aconteceu?<br />

— Não, o que houve?<br />

— Temos um novo Arcebispo.<br />

— Quem é?<br />

15


Em Defesa da Ação Católica<br />

ACMSP (PF-03-04-08)<br />

ACMSP (PF-03-04-08)<br />

Ao lado: D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta. Acima: cena do cortejo<br />

de recepção ao novo Arcebispo de São Paulo, no Viaduto Santa Ifigênia,<br />

em 18 de novembro de 1944. Em destaque, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— D. Carlos Carmelo de Vasconcelos<br />

Motta.<br />

Eu percebi tudo o que viria. Aliás,<br />

meu amigo também, por isso estava<br />

agitadíssimo.<br />

D. Carlos era muito amigo de D.<br />

José Gaspar e de outras pessoas de<br />

São Paulo empenhadas na minha difamação.<br />

Quando ele foi eleito, compreendi<br />

logo qual a tragédia da situação<br />

que se avizinhava. Eu não tinha<br />

a esse respeito a menor dúvida. Confesso<br />

que tive um aborrecimento simétrico<br />

àquele que eu experimentei<br />

com a nomeação de D. José Gaspar,<br />

e ainda maior. Fiquei tão aborrecido<br />

que, ao chegar a Nova Friburgo, notei<br />

que estava com febre alta.<br />

No caminho, fui conversando no<br />

trem com um sacerdote jesuíta sobre<br />

vários assuntos, mas o tempo inteiro<br />

eu estava pensando nas consequências<br />

dessa nomeação, porque eu percebia<br />

que viria um impacto furioso<br />

por cima de nós.<br />

Em Nova Friburgo, apesar da febre<br />

tão alta, tive que fazer a conferência<br />

para os rapazes. Saiu a conferência e<br />

tudo em muito boa paz, e eu fui dormir,<br />

muito incomodado, com medo de delirar<br />

durante a noite por causa da febre.<br />

Trilho por onde corre<br />

o trem do mal<br />

Para completar essa rajada de infortúnios,<br />

eu tinha levado para ler<br />

durante a viagem um livro sobre um<br />

personagem que detesto: Napoleão<br />

Bonaparte. Por excelência o detestável!<br />

O impostor, o rei falsificado. Tratava-se<br />

de suas memórias, que ele ditou<br />

depois de ter sido derrotado e<br />

exilado para a Ilha de Santa Helena.<br />

Abri o livro na parte em que explicava<br />

a razão pela qual ele tinha reaberto<br />

na França os seminários que a<br />

Revolução Francesa fechara. De fato,<br />

uma das primeiras providências de<br />

Napoleão ao tomar conta do poder foi<br />

reabrir os seminários que, como toda<br />

a vida religiosa na França, tinham sido<br />

encerrados pela Revolução Francesa.<br />

Eis a explicação dada por Napoleão:<br />

“Havia na França muitos seminários<br />

clandestinos funcionando com<br />

padres heroicos, que formavam alunos<br />

igualmente heroicos. Esses alunos,<br />

terminado o curso, seriam formados<br />

no heroísmo por bispos também heróis,<br />

que entrariam na França clandestinamente<br />

para ordenar padres.<br />

Eu só tinha diante de mim dois caminhos:<br />

ou fechava esses seminários<br />

clandestinos, mas seria uma coisa intérmina,<br />

pois cerraria um e abririam outro<br />

e não conseguiria fechar todos; ou, se<br />

não os fechasse, nesse sistema de clandestinidade<br />

a França teria, no dia de<br />

amanhã, um clero heroico para dirigi-<br />

-la do ponto de vista religioso. O que eu<br />

devia fazer, acima de tudo, era evitar o<br />

clero heroico. Era preciso ter um clero<br />

comodista. Com este a revolução se arranja,<br />

com o clero heroico não.<br />

16


V. Êxito de uma luta profética<br />

Então eu reabri os seminários bem<br />

certo de que, em pouco tempo, seriam<br />

diretores comodistas com professores<br />

comodistas formando alunos comodistas.<br />

Desse clero a revolução não teria<br />

nada a temer.”<br />

Era bem o quadro que eu tinha<br />

diante de mim.<br />

A Revolução promove o comodismo<br />

e a moleza entre os bons. Napoleão<br />

percebeu esse mecanismo delicado<br />

e como ele ganharia mais pondo<br />

moles entre os bons e permitindo<br />

que se formassem padres moles o<br />

quanto quisessem, do que tentando<br />

impedir a ordenação de um punhado<br />

de padres heroicos. Tese que ia<br />

criando firmeza no meu espírito: os<br />

moles entre os bons são o trilho por<br />

onde corre o trem do mal.<br />

Em meio às minhas reflexões, a<br />

leitura não poderia ter vindo mais<br />

a propósito. Porém, amargurou-me<br />

ainda mais ao ver que eu deveria enfrentar<br />

uma situação, por assim dizer,<br />

planejada pelos maus para tornar<br />

inútil a reação da Igreja.<br />

Carta Pastoral, cessação<br />

das polêmicas<br />

Estando ainda no Rio, passei um telegrama<br />

a D. Carlos Carmelo, felicitando-o.<br />

Ele me mandou uma resposta<br />

amabilíssima, que publiquei no Legionário,<br />

dirigida a mim como Presidente<br />

da Junta Arquidiocesana da Ação Católica,<br />

saudando “o ilustre líder católico”<br />

e com outros elogios assim.<br />

Antes de tomar posse, D. Carlos<br />

Carmelo publicou uma Carta Pastoral<br />

de saudação à Arquidiocese de São<br />

Paulo. Do princípio ao fim, essa Carta<br />

Pastoral pode ser qualificada de um libelo<br />

contra nós. A ideia essencial desenvolvida<br />

por D. Carmelo é que os católicos<br />

não devem estar divididos. As<br />

polêmicas procedem do demônio e são<br />

sempre más. A verdade sem a caridade<br />

não adianta nada; a caridade deve primar<br />

sobre a verdade. Por isso, ele condenava,<br />

censurava, verberava, reprovava,<br />

discrepava das polêmicas havidas<br />

até então entre católicos e dava ordem<br />

formal de cessar todas as polêmicas, até<br />

o momento em que o episcopado decidisse<br />

os temas controvertidos.<br />

Declarava, assim, que as questões<br />

levantadas a respeito da Ação Católica<br />

seriam julgadas pelo episcopado<br />

nacional numa reunião a ser realizada<br />

dentro de um ano.<br />

Percebi não haver meios de me<br />

defender no momento. Calei-me e<br />

disse: “Vamos esperar essa reunião e<br />

ali vou levantar o assunto.”<br />

Escrevi, então, um artigo no Legionário<br />

intitulado “Armistício”, comentando<br />

e elogiando a Carta Pastoral de<br />

saudação, do qual seguem alguns trechos.<br />

3<br />

Voz maternal e divina,<br />

voz da Igreja<br />

“A solução prometida pelo Exmo.<br />

Revmo. Sr. D. Carlos Carmelo de Vasconcelos<br />

Motta para os debates ocorridos<br />

de algum tempo para cá acerca da<br />

Ação Católica não pode deixar de agradar<br />

a quantos desses debates tenham<br />

participado com espírito alevantado<br />

e o exclusivo desejo de servir a Igreja.<br />

E isto, qualquer que seja, aliás, a posição<br />

ideológica que perante tão graves e<br />

complexos problemas tenham assumido<br />

os que por eles se interessam.<br />

Com efeito, todo debate, ou se trava<br />

com o nobre objetivo de persuadir,<br />

esclarecer, fazer o bem, ou significa,<br />

como disse acertadamente o novo<br />

Arcebispo, mera explosão de particularismos<br />

e vaidades pessoais, ânsia<br />

de mando ou inveja de regalias ou<br />

preeminências.<br />

Ora, a grande felicidade que os espíritos<br />

retos encontram em ser católicos<br />

consiste em que, estando com a<br />

autoridade infalível da Igreja, não podem<br />

errar.<br />

A autoridade da Igreja foi instituída<br />

em vista da debilidade do espírito<br />

humano que, por vezes, ainda quando<br />

posto em face da verdade certa e<br />

demonstrada, não vê, ou teima em<br />

não ver, a luz meridiana que lhe entra<br />

Martírio de Santo Estêvão – Catedral de Colônia<br />

Pedro Marcos<br />

17


Em Defesa da Ação Católica<br />

olhos adentro. E, por isso, ainda que<br />

as controvérsias doutrinárias fossem<br />

sustentadas com os homens por Anjos<br />

vindos do Céu, geraria desgostos,<br />

ressentimentos, rebeldias que a lógica<br />

mais cristalina não lograria vencer.<br />

Infelizmente, os Anjos poucas vezes<br />

aparecem aos homens para participar<br />

de suas contendas. Por isso, as disputas<br />

entre homens tomam, em geral,<br />

um calor, uma intensidade, uma combatividade<br />

que, entre nós, a natural viveza<br />

do espírito latino e a verve brasileira<br />

ainda acentuam mais.<br />

Ora, o que os homens não conseguem,<br />

e os próprios Anjos não conseguiriam<br />

dos homens, consegue-o dos<br />

verdadeiros católicos a autoridade da<br />

Igreja. Com efeito, para o verdadeiro<br />

católico, a voz da Igreja é a voz de Cristo<br />

na Terra. Ela desce do alto do Céu,<br />

não para vencer seus filhos, mas para os<br />

ensinar e, nos acentos com que ela define<br />

para nós a verdade, há sempre algo<br />

da melodia angélica que ouviram extasiados<br />

os pastores de Belém. É com o<br />

mais puro e exclusivo desejo da ‘glória<br />

de Deus no mais alto dos Céus e da paz<br />

na Terra para os homens de boa vontade’<br />

que ela exerce seu Magistério e dissipa<br />

as discrepâncias entre seus filhos.<br />

Na promessa do Natal, estava contida<br />

a promessa do Magistério infalível<br />

da Igreja, sem o qual a dialética<br />

humana seria impotente para promover<br />

a glória de Deus e a paz verdadeira,<br />

até mesmo entre os homens de boa<br />

vontade. É que nenhuma voz tem na<br />

Terra a maternal eficácia de iluminar<br />

e sanar que tem a voz da Igreja. As vozes<br />

privadas tornam-se, pois, supérfluas,<br />

perdem sua importância quando,<br />

na sua majestade, a Igreja ergue<br />

sua voz divina, assim como se apagam<br />

as luzes e se extinguem as candeias ao<br />

triunfal romper da aurora.<br />

O Legionário entra<br />

em armistício<br />

O Sr. D. Carlos Carmelo de Vasconcelos<br />

Motta nos traz a promessa desta<br />

18


V. Êxito de uma luta profética<br />

aurora. Chegou, por fim, o momento<br />

em que a Igreja, em sua sabedoria, entendeu<br />

oportuno decidir. Sua palavra<br />

será uma palavra de ordem, uma palavra<br />

de paz, porque, sempre fiel a Cristo<br />

e a Cefas, será uma palavra de verdade.<br />

Com efeito, promete-nos S. Ex a . o<br />

julgamento da Comissão Episcopal<br />

para os ‘momentosos assuntos’ referentes<br />

à Ação Católica. Essa promessa<br />

é áurea. Todo ato de Magistério da<br />

Igreja é uma joia. O que se nos promete<br />

é um escrínio de joias, já que é sobre<br />

mais de um ‘momentoso assunto’<br />

que a Comissão Episcopal vai decidir.<br />

Todo ato de Magistério da Igreja é semente;<br />

é preciso que o terreno se prepare<br />

pela oração, pela penitência e pela<br />

caridade para receber essa semente.<br />

E, por isso, S. Ex a ., ‘secundum indulgentiam,<br />

non secundum imperium’<br />

4 , pede um armistício. Para este<br />

armistício o Legionário entra, não só<br />

a fim de atender ao augusto pedido,<br />

mas de grand coeur 5 , como quem realiza<br />

uma velha aspiração.<br />

Ora, a Pastoral do Sr. D. Carlos<br />

Carmelo de Vasconcelos Motta nos fala<br />

num armistício ‘não em caráter definitivo,<br />

mas em caráter de emergência’,<br />

que durará única e exclusivamente<br />

‘enquanto momentosos assuntos não<br />

forem julgados pela Comissão Episcopal<br />

da Ação Católica’. Que melhor, senão<br />

esta espera que não é a estagnação<br />

na ambiguidade, mas o luminoso e<br />

seguro prenúncio da verdade?<br />

Todo armistício é congraçamento,<br />

desmobilização, suspensão de qualquer<br />

altercação doutrinária, esquecimento<br />

voluntário de queixas pessoais,<br />

introito de vida nova.<br />

Para este armistício, o Legionário entra,<br />

afirmando aos que se sintam magoados<br />

com alguma palavra sua, que nunca<br />

foi esta sua intenção. E que dá por<br />

esquecidas as mágoas que no calor da<br />

refrega se lhe tenham causado.<br />

Cessou o passado, e toda a nossa<br />

atitude consiste em trabalhar na seara<br />

do apostolado, olhos postos na autoridade<br />

da Comissão Episcopal, da<br />

qual esperamos a água viva da verdade,<br />

com a sedenta e abrasada sofreguidão<br />

do cervo ‘ad fontes aquarum’ 6 .<br />

Esta verdade, os católicos genuínos,<br />

qualquer que seja sua presente<br />

posição doutrinária, estão prontos a<br />

aceitar, ainda que discrepe de todo<br />

em todo de seus pontos de vista individuais,<br />

que sacrificarão sem mercê<br />

nem piedade para estarem em tudo<br />

e por tudo com a Igreja.”<br />

Recolhendo as tropas para<br />

deixar o campo de batalha<br />

Alguns meses mais tarde, D. Carlos<br />

Carmelo destituía o Côn. Mayer<br />

dos cargos que ocupava e o designava<br />

para vigário na paróquia, então longínqua,<br />

do Belenzinho. Também o Pe.<br />

Sigaud foi enviado por seus superiores<br />

à Espanha como missionário.<br />

Sede da Rua Martim Francisco<br />

Os adversários pretendiam, assim,<br />

ter liquidado completamente o nosso<br />

grupo.<br />

Para nós não havia planos, porque<br />

a batalha estava ganha por eles. Eu<br />

não tinha outra coisa a fazer a não ser<br />

retirar-me do campo de batalha, recolher<br />

minhas tropas – cinco ou seis<br />

pessoas – e reorganizar um foco de<br />

resistência que recomeçasse a guerra.<br />

Tivemos que abandonar o Legionário<br />

e montar outra sede onde nos<br />

reunirmos para assegurar pelo menos<br />

a sobrevivência do Grupo que,<br />

se não tivesse onde se reunir, acabaria<br />

deixando de existir.<br />

Alugamos o andar térreo de uma<br />

casinha na Rua Martim Francisco –<br />

para cinco ou seis pessoas não era<br />

necessária a casa inteira, nem tínhamos<br />

dinheiro para isso – que ficava<br />

perto da sede do Legionário.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

19


Em Defesa da Ação Católica<br />

Lembro-me ainda da noite trágica<br />

em que estávamos deixando as<br />

dependências do jornal e retirávamos<br />

os nossos pertences. Quando<br />

o automóvel já estava carregado<br />

com nossos objetos, eu disse:<br />

— Nós precisamos levar<br />

também umas duas ou três coleções<br />

do Legionário.<br />

Doeu-me a atitude de um<br />

dos poucos que tinham ficado<br />

fiéis a mim. Ele olhou com<br />

pouco caso e respondeu:<br />

— Levar embora uma<br />

coisa dessas? Isso aqui pode<br />

deixar… É um jornaleco<br />

que nunca mais interessará<br />

a ninguém.<br />

Ele, um dos redatores<br />

do Legionário!<br />

— Você não sabe de que<br />

importância histórica será, no<br />

futuro, termos essas coleções.<br />

Ele não compreendeu minha<br />

resposta, mas era muito<br />

cordato e ajudou-me a carregar<br />

os números do jornal e acabar de<br />

encher o automóvel.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Instalamo-nos na nova sede, arranjamos<br />

um pouco de dinheiro para<br />

mobiliá-la razoavelmente e fizemos<br />

dela uma espécie de catacumba<br />

onde respirar e viver. Ali montamos<br />

nossa primeira capelinha,<br />

na qual havia uma imagem de<br />

Nossa Senhora Auxiliadora.<br />

Começamos, então, o trabalho<br />

para justificar o livro<br />

Em Defesa da Ação Católica,<br />

tirando fotografias de<br />

documentos suspeitos para<br />

serem enviadas a Roma.<br />

Mandávamos relatórios<br />

para a Santa Sé por meio<br />

do Pe. Dainese, Pe. Mariaux<br />

e outros condutos.<br />

Pudemos constatar, mais<br />

do que nunca, toda a trama<br />

herética existente dentro<br />

da Igreja para introduzir<br />

uma religião falsa no âmago<br />

da verdadeira. Naturalmente,<br />

isso nos dava muito ânimo para<br />

a resistência.<br />

Na pequena catacumba da<br />

Rua Martim Francisco…<br />

Estava terminada uma parte da<br />

história e ia começar outra. A que<br />

terminava era, humanamente falando,<br />

uma derrota colossal.<br />

No Movimento Católico eu tinha<br />

sido tudo; passava a não ser nada.<br />

Era o líder de um movimento com<br />

congregados marianos no Brasil inteiro<br />

e passava a ser chefe de um<br />

grupinho de cinco ou seis amigos.<br />

Eu considerava, depois de instalados<br />

na Rua Martim Francisco, a situação<br />

miserável em que nos encontrávamos:<br />

mal vistos, isolados, bloqueados,<br />

com aquela sede bem arrumada,<br />

mas pequena, uma verdadeira<br />

catacumba. Porém, como toda catacumba,<br />

era um abrigo antiaéreo.<br />

Houve, infelizmente, fraquezas e<br />

defecções, dissabores de toda ordem<br />

que não vale a pena nem contar. Alguns<br />

que deveriam ter vindo conosco e<br />

20


V. Êxito de uma luta profética<br />

não vieram; outros querendo se anexar<br />

a nós, os quais estávamos vendo que<br />

eram traidores e não os aceitamos.<br />

Todas as noites comparecíamos<br />

à sede, depois íamos dormir.<br />

Durante anos, cinco ou seis<br />

pessoas que se reuniam para<br />

conversar, no fundo, os mesmos<br />

assuntos. O mundo<br />

era muito mais calmo, havia<br />

menos acontecimentos<br />

a se comentar, tudo muito<br />

mais monótono, menos<br />

dramático. Não tínhamos<br />

mais o que nos dizer uns<br />

para os outros. Compreende-se<br />

que começassem<br />

a surgir desentendimentos<br />

e, portanto, essa ninharia<br />

que restava ainda se fracionasse<br />

e diminuísse. Não obstante,<br />

perseverávamos.<br />

Certa noite, não tendo mais<br />

o que fazer para distraí-los, corri<br />

os olhos pelas paredes da sala onde<br />

estávamos e notei que, por causa<br />

da poluição, tinham ficado com a<br />

pintura feia. Então eu disse: “Precisaríamos<br />

pintar as paredes dessas salas,<br />

mas não temos dinheiro para pagar<br />

pintor. Seria necessário comprar<br />

tinta e vocês mesmos pintarem.” Eles<br />

aceitaram a sugestão, alegres porque<br />

era uma distração. Esse era o grau de<br />

isolamento a que tínhamos chegado.<br />

Um sofrimento de escalpelar<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante um retiro na<br />

fazenda dos jesuítas em Itaici, em<br />

meados da década de 1940<br />

Eles sabiam que eu não tinha jeito<br />

para pintura. Resolvi, então, ficar<br />

no meu escritório no centro da cidade<br />

à espera de um telefonema deles.<br />

Quando terminassem a pintura,<br />

eu iria lá para conversarmos um pouco.<br />

Foi quando apareceram dois desses<br />

seis, dizendo-me: “<strong>Plinio</strong>, nós queremos<br />

que você faça um exame de<br />

consciência. Você é um homem sobre<br />

quem baixava outrora uma bênção.<br />

Tudo quanto você fazia dava um resultado<br />

brilhante. Hoje, pesa uma maldição.<br />

Tudo quanto você faz, fracassa.<br />

Não dá resultado. Um desses fracassos<br />

é o nosso grupo. E a culpa tem que<br />

estar em você.”<br />

Era meu espanto, meu terror a hipótese<br />

de que eu fosse culpado por<br />

alguma coisa. Aquela noite passei em<br />

claro examinando minha consciência.<br />

Não fazem ideia do que representa<br />

um apostolado que a Providência<br />

parece ter abandonado. Depois de<br />

graças e graças que chegam ao auge,<br />

tem-se a sensação de um inverno em<br />

que todas as folhas vão caindo. Ter-<br />

-se-ia a impressão de que Deus se<br />

voltou contra nós com todas as suas<br />

armas para nos esmagar.<br />

Não teria havido algum defeito<br />

moral nosso, alguma falha na nossa<br />

vida espiritual que teria sido a causa<br />

desse abandono? Quem poderia<br />

saber? O pior de tudo é esta incerteza.<br />

Porque não basta dizer: “Deus<br />

tem os seus caminhos, durma em<br />

paz.” Sim, mas isso quando aparece<br />

um Anjo e nos diz: “Você não<br />

tem culpa.” Mas onde está esse<br />

Anjo? Eis a questão. Confesso<br />

que o sofrimento dessa ocasião<br />

foi de escalpelar!<br />

À espera da hora<br />

de Nossa Senhora<br />

Começamos a aceitar a<br />

desgraça como ela nos tinha<br />

vindo e, conformando-nos<br />

com aquilo que a<br />

Providência tinha permitido,<br />

passamos a nos reequipar<br />

para levar, nas “catacumbas”,<br />

a vida mais suportável<br />

possível.<br />

O nosso plano nesse momento<br />

era simplesmente existir<br />

e esperar que Nossa Senhora fizesse<br />

vir ao nosso encontro alguma<br />

coisa; quer dizer, coligar aqueles que<br />

tinham saído da nau conquistada pelo<br />

adversário para fazermos uma canoa e<br />

começarmos a navegar com ela. Nossa<br />

Senhora quis nos deixar numa situação<br />

em que parecêssemos perdidos,<br />

para provar a nossa confiança.<br />

Acho que essa foi a fase mais bonita<br />

de nossas vidas. Nossa Senhora<br />

permitiu que baixasse sobre nós<br />

o inverno mais rigoroso, caíram todas<br />

as folhas de nossas árvores e nós<br />

começamos a fazer jardinagem em<br />

pleno inverno. De repente, inexplicavelmente,<br />

da semente seca brotou<br />

uma árvore que começou a dar<br />

flores e frutos, deitando raízes nos<br />

cinco continentes. Foi um tempo de<br />

provação tremenda, mas também de<br />

perseverança. Isso é o mais belo.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Filial expectativa,<br />

heroica submissão<br />

Em circunstâncias normais, o verdadeiro<br />

seria que, apresentado como<br />

foi, o livro fosse examinado e eu<br />

21


Em Defesa da Ação Católica<br />

chamado a dar as provas daquilo que<br />

afirmei. Essa minha obra tem dois aspectos:<br />

o primeiro é uma denúncia de<br />

uma conjuntura, o segundo é a análise<br />

doutrinária dela. Então, poderiam<br />

me chamar e perguntar: “Que provas<br />

o senhor tem de que isso é assim?”<br />

Depois poderiam me dizer: “Suposto<br />

que seja essa a situação, sua análise<br />

está errada em tais pontos.”<br />

Porém, se a situação era aquela e a<br />

análise estava certa – e ninguém ousou<br />

contestar que o fosse – era preciso<br />

bater palmas a quem indicou de<br />

tal maneira o adversário infiltrado<br />

nas próprias fileiras da casa paterna.<br />

Era um dever, portanto, não apenas<br />

aplaudir e difundir o livro, mas fulminar<br />

aqueles a quem ele fulminava.<br />

Entretanto, quase dois anos de silêncio,<br />

levando a vidinha obscura naquele<br />

pequeno andar térreo de um<br />

prédio insignificante da Rua Martim<br />

Francisco.<br />

Por fim, os jornais começaram a<br />

noticiar que o episcopado nacional<br />

se reuniria no ano seguinte.<br />

Escrevi, então, uma carta a D. Carlos<br />

Carmelo na qual, entre outras coisas,<br />

eu dizia:<br />

“Pelos jornais, chegou ao meu conhecimento<br />

a reunião da Comissão<br />

Episcopal da Ação Católica. Tal fato<br />

já fora prenunciado na Pastoral<br />

de Saudação de V. Ex a ., publicada há<br />

cerca de um ano. Nessa Pastoral, V.<br />

Ex a . pedia uma completa cessação<br />

das polêmicas existentes então sobre<br />

temas da Ação Católica, até que os<br />

assuntos controvertidos fossem decididos<br />

pela Comissão.<br />

Ora, meu livro Em Defesa da Ação<br />

Católica tratou de todos ou quase todos<br />

os temas sobre os quais V. Ex a . pediu<br />

que se fizesse silêncio, e estava intimamente<br />

relacionado com as discussões<br />

então existentes. Parece-me, pois,<br />

fora de dúvida que as proposições por<br />

mim adiantadas em meu livro serão objeto<br />

do pronunciamento da Comissão.<br />

Nas mãos de V. Ex a . Revma., como<br />

meu Arcebispo, venho depositar<br />

meus protestos de filial acatamento<br />

e resoluta obediência.<br />

Escrevi meu livro fundando-o todo<br />

em textos do Magistério infalível<br />

e documentos pontifícios. Estou disposto<br />

a derramar até meu sangue, se<br />

preciso for, para defender essas verdades.<br />

Mas, se errei no interpretar o<br />

pensamento do Romano Pontífice,<br />

estou no firme propósito de aceitar<br />

por falso e pernicioso tudo o que a<br />

meu juízo privado e falível tenha parecido<br />

verdadeiro e bom. E, com a<br />

graça de Deus, me retratarei publicamente<br />

e sem reservas, praticando<br />

este ato de humildade com a ufania<br />

com que os filhos do mundo recebem<br />

as glórias da Terra.<br />

Suplico a V. Ex a . Revma. e àquela<br />

Reverenda Comissão que, com toda a<br />

firmeza e precisão, se pronunciem sobre<br />

os assuntos que debati em matéria<br />

de Ação Católica. Se interpretei<br />

mal as diretrizes pontifícias em matéria<br />

de Ação Católica, estou pronto a<br />

desabonar quanto sustentei.<br />

Dói-me dizê-lo a V. Ex a ., mas durante<br />

este ano estivemos amarrados<br />

ao pelourinho. O armistício foi observado<br />

de modo unilateral. Contendores<br />

houve que, não respeitando sequer<br />

nossa disciplina, continuaram na liça.<br />

É fonte de paz, na Igreja, o Magistério.<br />

Diante dele me ajoelho reverente<br />

e obediente, esperando dele<br />

aquilo que há um ano V. Ex a . nos prometeu:<br />

o ensinamento certo, ortodoxo,<br />

que nos indique clara inteligência<br />

22


V. Êxito de uma luta profética<br />

dos textos sagrados e dos ensinamentos<br />

infalíveis do Romano Pontífice.<br />

Durante o ano inteiro, renunciei ao<br />

direito natural e imprescritível da defesa.<br />

Esta situação aparentemente insuportável<br />

se me tornava suportável<br />

pela perspectiva do pronunciamento<br />

que está sendo anunciado. Tal é a filial<br />

expectativa com que o aguardo.”<br />

“Se disse mal, no que foi? Se<br />

não, por que me injuriam?”<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma viagem a Aparecida,<br />

São Paulo, em maio de 1943<br />

Alguns meses mais tarde enviei<br />

outra missiva a D. Motta:<br />

“Eminência,<br />

A elevação de Vossa Eminência<br />

ao Colégio Cardinalício aumentou<br />

ainda mais a íntima compenetração<br />

dos destinos de Vossa Eminência<br />

com os da Santa Igreja, que vai<br />

servir agora sob a sagrada púrpura,<br />

simbólica do sacrifício e do martírio.<br />

Pensando nisto, seria quase inevitável<br />

que me viesse ao espírito<br />

a chamada ‘questão<br />

liturgicista’, intimamente<br />

entrelaçada com graves<br />

erros acerca da natureza e<br />

modo de agir da Ação Católica.<br />

Vossa Eminência sabe<br />

o que penso sobre a gravidade<br />

de risco a que esses<br />

problemas expõem a Igreja<br />

no Brasil. O mal deixou<br />

raízes mais fundas e põe<br />

em risco a fidelidade do<br />

próprio Brasil à Igreja de<br />

Roma.<br />

Estou certo de que toda<br />

a confusão referente ao ‘liturgicismo’<br />

e aos erros da<br />

Ação Católica se dissiparia<br />

se se fizesse luz sobre a<br />

questão do meu livro. De<br />

norte a sul do País exclamaram<br />

uns que estou com a<br />

boa doutrina, sussurraram<br />

outros que errei. Como errei?<br />

No quê? Ninguém o<br />

diz. Nunca obtive, para minha<br />

edificação e correção, um esclarecimento<br />

concreto sobre o assunto.<br />

O que é certo é que ninguém pode<br />

negar que existem os erros que<br />

mencionei. Meu livro é bem anterior<br />

à Encíclica Mystici Corporis 7 e, entretanto,<br />

já impugnava os mesmos erros<br />

contra os quais agiu a paternal solicitude<br />

do Sumo Pontífice. Como explicar<br />

esta atitude ‘profética’ que tomei?<br />

Adivinhei os erros?<br />

O único ponto que pode ser posto<br />

em dúvida é se a doutrina que sustentei<br />

sobre a Ação Católica é certa ou<br />

errada. Se for certa, diga-se isto para<br />

a defesa da verdade, preservação das<br />

almas e exaltação da Igreja. Se for errada,<br />

declare-se isto do mesmo modo.<br />

O que não posso compreender é<br />

o silêncio. O silêncio, em que os fautores<br />

do erro tanto se obstinam e com<br />

o qual só eles podem lucrar.<br />

Pondo-me genuflexo diante da<br />

pessoa augusta do Sumo Pontífice, faço<br />

minha a pergunta do Salvador: Se<br />

disse mal, no que foi? E se não disse,<br />

por que me injuriam? (cf. Jo 18, 23)<br />

Não se deixará de perguntar a Vossa<br />

Eminência quem é este fautor de<br />

discórdia, de indisciplina, de erros que<br />

escreveu um livro intitulado Em Defesa<br />

da Ação Católica. Diga Vossa Eminência<br />

que este fautor de discórdia,<br />

pro bono pacis 8 , está amarrado há mais<br />

de um ano à coluna da difamação, sem<br />

protesto, sem revolta, sem indignação,<br />

sem que jamais alguém possa dizer<br />

que eu proferi uma só palavra contra<br />

a Autoridade que houve por bem agir<br />

assim: sicut ovis qui ad occisionem ductus<br />

est, non aperuit os suum. 9 ”<br />

Carta ao episcopado brasileiro<br />

Na véspera da reunião do episcopado<br />

nacional enviei a todos os bispos<br />

do Brasil uma carta circular declarando<br />

meu pedido de que a reunião<br />

não deixasse de julgar meu livro,<br />

sem medo de usar contra<br />

mim toda espécie de severidade<br />

se eu tivesse alguma<br />

culpa. Entre outras<br />

coisas, eu dizia em minha<br />

missiva:<br />

“As controvérsias que já<br />

anteriormente à publicação<br />

de meu livro transpareceram<br />

de um ou outro modo<br />

na própria imprensa católica<br />

correspondiam, infelizmente,<br />

a problemas muito<br />

reais. Os mesmos problemas<br />

foram, em parte, focalizados<br />

pouco depois da publicação<br />

de meu livro pela<br />

Encíclica Mystici Corporis<br />

Christi, que condenou alguns<br />

dos erros que combati.<br />

Em sua Pastoral de Saudação<br />

aos diocesanos, Sua<br />

Eminência D. Carlos Carmelo<br />

de Vasconcelos Motta<br />

pediu que cessassem as<br />

discussões e polêmicas,<br />

embora sem as proibir formalmente.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

23


Em Defesa da Ação Católica<br />

Mas o seu pedido, para o Legionário,<br />

foi uma ordem. E, a partir daquele<br />

momento, deixamos, com respeitoso<br />

acatamento, de fazer qualquer referência<br />

aos assuntos que antes tão<br />

vivamente nos empolgavam.<br />

Nossa atitude em nada foi<br />

correspondida, infelizmente,<br />

pela conduta dos que sustentavam<br />

tese oposta. Calamo-nos.<br />

O que de nós não<br />

conseguira a mais insistente<br />

e geral campanha, conseguiu-o<br />

de pronto a obediência.<br />

A grande esperança que<br />

sempre nos estimulou a<br />

perseverar nesta atitude foi<br />

a notícia dada em sua Pastoral<br />

de Saudação por Sua<br />

Eminência, o Sr. D. Carlos<br />

Carmelo de Vasconcelos Motta:<br />

as doutrinas controvertidas<br />

seriam um dia julgadas. E a Comissão<br />

Episcopal da Ação Católica<br />

distinguiria, em breve, entre as várias<br />

opiniões correntes sobre a Ação Católica,<br />

o joio do trigo.<br />

A presente reunião se reveste de<br />

uma grandeza impressionante. O<br />

momento em que é feita, a categoria<br />

e qualidade dos que a ela são convocados,<br />

tudo enfim desperta a respeitosa<br />

expectativa para ela, atrai o respeito<br />

e a atenção do País inteiro.<br />

Sentindo, embora, minha consciência<br />

tranquila e minhas convicções intactas,<br />

repito com todas as veras da alma<br />

que, se porventura qualquer das proposições<br />

contidas [em meu livro] estiver<br />

contra a doutrina católica, estou disposto<br />

a receber de bom grado e aceitar com<br />

toda a docilidade a correção que a infalível<br />

Igreja de Deus determinar.<br />

Não peço que a minhas teses seja<br />

dado ganho de causa. Peço, apenas,<br />

que seja feita justiça e declarada<br />

a verdade, para bem das almas e<br />

grandeza da Ação Católica. Se forem<br />

meus os ombros sobre os quais<br />

deva recair o fardo da condenação,<br />

ei-los: estão prontos para isto.<br />

D. José Maurício da Rocha<br />

Uma só coisa desejo, e esta eu a peço<br />

pelo Sangue infinitamente Precioso<br />

de Nosso Senhor Jesus Cristo: que<br />

quanto antes se faça luz, se condene a<br />

treva, se dissipe a confusão, se estraçalhe<br />

o erro, todos os erros, cada erro,<br />

ainda que, pela humana fragilidade, a<br />

confusão, o erro só de mim procedam.”<br />

Apelo de intervenção<br />

a um bispo amigo<br />

Os bispos se hospedavam em diversos<br />

conventos do Rio de Janeiro<br />

e era preciso espalhar essa carta com<br />

urgência, entregando-a em mãos, de<br />

maneira a terem tempo de ler antes<br />

de irem à reunião. Isso foi feito, com<br />

muita habilidade e solércia, por um<br />

membro do nosso grupo.<br />

Além disso, procurei um bispo alagoano,<br />

homem combativo e inteligente,<br />

Bispo de Bragança Paulista, D. José<br />

Maurício da Rocha, que mantinha<br />

boas relações comigo e apoiara meu<br />

livro com coragem, e lhe disse:<br />

— D. José Maurício, eu queria<br />

que Vossa Excelência fosse<br />

portador de uma carta minha<br />

aos participantes da reunião.<br />

Aqui está, e peço a Vossa<br />

Excelência o favor de,<br />

quando se tratar desse tema,<br />

dar conhecimento dela<br />

ao plenário.<br />

Ele que era um homem<br />

do sim-sim, não-não, e tinha<br />

muita facilidade de<br />

expressão, leu a carta e me<br />

respondeu:<br />

— É uma carta muito<br />

nobre. Eu lhe garanto que<br />

farei a leitura na reunião.<br />

Escrevi também uma carta<br />

análoga a todos os bispos que<br />

haviam aprovado meu livro, dizendo,<br />

em outros termos: “Vossa<br />

Excelência aprovou, chegou a hora!”<br />

Eu estava atentíssimo para saber o<br />

que se resolveria na reunião. Eu não<br />

tinha liberdade com D. Maurício para<br />

telefonar a ele e perguntar o que se<br />

tinha passado. Era preciso ver nos jornais,<br />

porque, se tratassem de me condenar,<br />

todos os periódicos dariam. No<br />

dia seguinte à reunião, vou aos jornais<br />

e, sobre o meu caso, nada...<br />

ACMSP(PF-04-01-32)<br />

“Moleza, até onde subistes!”<br />

Alguns dias depois chegou a São<br />

Paulo o Bispo de Bragança Paulista.<br />

Fui visitá-lo e ele me contou como<br />

havia corrido a reunião. Narrou que,<br />

a certa altura, ele se levantou e disse:<br />

“Eu tenho uma comunicação do <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> Corrêa de Oliveira a fazer. Ele<br />

nos dá uma boa notícia: a de sua total<br />

submissão e fidelidade à Igreja. Vamos<br />

agora julgá-lo e analisar seu livro para<br />

ver se tem verdades ou erros.”<br />

Em seguida leu a carta. Vários bispos<br />

aplaudiram. Entretanto, o Cardeal<br />

Motta ficou lívido e não disse uma<br />

palavra. D. Cabral, Arcebispo de Belo<br />

24


V. Êxito de uma luta profética<br />

Horizonte, grande adversário do livro,<br />

do qual mandara queimar um exemplar<br />

numa reunião da Ação Católica,<br />

começou a chorar, dizendo: “Eu peço<br />

para não julgarem esse livro, por favor,<br />

porque se o julgarem, julgarão a<br />

mim. Os senhores acham equitativo<br />

julgarem a mim?”<br />

Fizeram a votação e resolveram<br />

colocar uma pedra em cima<br />

do assunto. Ora, isso queria dizer<br />

que, se julgassem, era o outro<br />

quem perderia; do contrário, teriam<br />

vindo por cima de mim. Resultado:<br />

silêncio geral.<br />

Se eles sabiam que eu estava com<br />

a razão, por que não foram até Pio<br />

XII, retratando-se caso o Papa dissesse<br />

que eles não tinham razão?<br />

Não, nada. Abafaram o caso e comigo<br />

no pelourinho. Mais uma vez eu<br />

pensei: “Quanto mal fazem os bons<br />

quando não são inteiramente bons!”<br />

Era a experiência que eu assim adquiria.<br />

Moleza, do que não és capaz?!<br />

Moleza, até onde subiste!<br />

Assim, as devastações da moleza,<br />

para não falar das devastações<br />

da traição, iam até mais não poder.<br />

Tudo na atual crise da Igreja se fez<br />

na moleza, na indiferença, na indolência,<br />

na entrega dos pontos. Então<br />

aprendi esta forma de maldade entre<br />

os bons: a traição e a moleza.<br />

A Santa Sé procura<br />

reabilitar o Grupo<br />

ACMSP(PF-03-03-01)<br />

Alguns meses depois, recebemos a<br />

notícia de que o Pe. Sigaud fora nomeado<br />

Bispo de Jacarezinho, no Paraná.<br />

Grande alegria, porque era a vitória,<br />

uma confirmação da Santa Sé<br />

pela boa orientação de nosso livro.<br />

Ele voltou para o Brasil, houve a<br />

cerimônia de Ordenação episcopal,<br />

festas, publicamos nos jornais, etc. Todos<br />

ficaram entendendo que a Santa<br />

Sé estava querendo nos reabilitar.<br />

No ano seguinte, chegando à nossa<br />

sede da Rua Martim Francisco,<br />

encontrei do lado de fora um dos<br />

D. Antônio dos Santos Cabral<br />

membros do nosso grupo radiante<br />

de alegria.<br />

— <strong>Plinio</strong>, <strong>Plinio</strong>. Habemus Episcopus!<br />

— Como assim?<br />

— O Côn. Mayer acaba de ser<br />

nomeado Bispo de Campos, no<br />

Estado do Rio.<br />

Esse fato tinha um antecedente.<br />

Dias antes, o Côn. Mayer estivera<br />

em meu escritório e me perguntara:<br />

— A ser nomeado bispo, você<br />

acha que valeria a pena eu aceitar<br />

qualquer diocese longe de<br />

São Paulo?<br />

Pensei: “Pobre coitado, está<br />

parafusado como vigário no Belenzinho<br />

e pensando que vai ser<br />

nomeado bispo. Isso é um sonho<br />

numa noite de verão.”<br />

Mas, para ser amável com<br />

ele, pensei um pouco e respondi:<br />

— Côn. Mayer, acho que o<br />

máximo de distância que conviria<br />

aceitar seria, por exemplo,<br />

até Campos.<br />

Notem que a sede daquela<br />

diocese não estava vacante.<br />

Ele foi embora, acompanhei-o até<br />

a porta, muito amavelmente, com pena<br />

dele.<br />

De fato, ele tinha sido convidado<br />

precisamente para Bispo Coadjutor da<br />

Diocese de Campos dos Goytacazes.<br />

Dirigimo-nos imediatamente<br />

para o Belenzinho. Grande festa,<br />

muito mais audaciosa do que<br />

a de D. Sigaud.<br />

Por fim, chega a<br />

aprovação do livro<br />

No outro ano chegou-nos, por<br />

fim, uma manifestação clara de que<br />

a Santa Sé estava de acordo conosco.<br />

Tinham me chegado rumores de<br />

que em Roma estavam muito sentidos<br />

comigo porque a Santa Sé me<br />

enviara uma carta aprovando o meu<br />

livro e eu não tinha respondido.<br />

— Mas como? – perguntei surpreso<br />

– Carta aprovando meu livro?<br />

Eu não recebi nada!<br />

— Sim, uma carta oficial da Santa<br />

Sé. Foi mandada por meio do Mons.<br />

D. Geraldo de Proença Sigaud,<br />

recém-sagrado Bispo<br />

Divulgação<br />

25


Em Defesa da Ação Católica<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> com alguns membros do grupo do Legionário durante uma viagem a Campos dos Goytacazes,<br />

Rio de Janeiro, por ocasião da sagração episcopal de D. Mayer, em março de 1948<br />

Enzo Guzzo 10 , secretário do Cardeal<br />

Motta.<br />

Achei a coisa singularíssima. Dias<br />

depois encontrei Mons. Guzzo na fila<br />

de ônibus.<br />

— Monsenhor, bom dia, como vai<br />

passando?<br />

— Bem. E o senhor como está?<br />

— Monsenhor, é verdade que o<br />

senhor foi portador de uma carta da<br />

Santa Sé para mim?<br />

— Ah, é verdade.<br />

— Mas o senhor sabe que eu não<br />

recebi essa carta?<br />

— Ah, pode ser... Eu pus no correio.<br />

— Mas, como o senhor entrega ao<br />

correio uma carta da Santa Sé para<br />

mim? O senhor não poderia me telefonar?<br />

O senhor sabe que dez minutos<br />

depois eu estaria no Palácio Pio<br />

XII para pegar a carta. Mas o senhor<br />

manda pelo correio?!<br />

— É o modo normal de mandar<br />

cartas e eu usei esse modo.<br />

— Está bem, obrigado.<br />

— Ah, não tem de quê.<br />

Mandei um aviso, pelo mesmo<br />

conduto, que eu não tinha recebido<br />

a missiva. Algum tempo depois<br />

me telefonou um sacerdote carmelita,<br />

amigo meu, dizendo: “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>,<br />

estou com uma carta que a Santa Sé<br />

mandou para o senhor.”<br />

A Santa Sé, sabendo que eu era<br />

terceiro carmelita, mandou a carta<br />

por meio do Geral da Ordem do<br />

Carmo em Roma para o Provincial<br />

carmelita em São Paulo, o qual me<br />

fez chegar por esse meu amigo.<br />

Poucos minutos depois, eu estava<br />

no convento carmelita para pegar a<br />

carta e a publiquei nos jornais. Nela<br />

estava escrito:<br />

“Palácio do Vaticano, 26 de fevereiro<br />

de 1949<br />

Preclaro Senhor,<br />

Levado por tua dedicação e piedade<br />

filial ofereceste ao Santo Padre<br />

o livro Em defesa da Ação Católica,<br />

em cujo trabalho revelaste aprimorado<br />

cuidado e aturada diligência.<br />

Sua Santidade regozija-se contigo<br />

porque explanaste e defendeste<br />

com penetração e clareza a Ação<br />

Católica, da qual possuis um conhecimento<br />

completo e à qual tens em<br />

grande apreço, de tal modo que se<br />

tornou claro para todos quão importante<br />

é estudar e promover tal<br />

forma auxiliar do apostolado hierárquico.<br />

O Augusto Pontífice de todo coração<br />

faz votos que deste teu trabalho<br />

resultem ricos e sazonados frutos<br />

e colhas não pequenas nem poucas<br />

consolações. E como penhor de<br />

que assim seja, te concede a bênção<br />

apostólica.” 11<br />

26


V. Êxito de uma luta profética<br />

“Magnificat” a<br />

Nossa Senhora<br />

Quando olho para todo esse passado,<br />

sou obrigado a reconhecer que isso<br />

tudo são dons superabundantes de<br />

Nossa Senhora. Se não fosse o fato de<br />

Ela nos ter dado esse senso contrarrevolucionário<br />

que fez com que no primeiro<br />

momento pudéssemos perceber<br />

o inimigo e a extensão da trama por ele<br />

levantada, nós não poderíamos ter lançado<br />

o livro Em Defesa da Ação Católica<br />

que de tal maneira frustrou os planos<br />

armados pelo adversário.<br />

Apesar de precipitados de uma situação<br />

brilhante, ainda deixávamos<br />

muitas consciências alertadas, muitas<br />

pessoas que continuavam a lutar<br />

de nosso lado. Caíamos, mas arrastávamos<br />

o inimigo em nossa queda<br />

também.<br />

Eu costumo comparar a nossa<br />

posição à de uma luta de gladiadores<br />

romanos cuja pintura vi em certa<br />

ocasião. Um dos combatentes apoiava<br />

seu pé sobre o pescoço do vencido,<br />

deitado no chão. Porém, este último<br />

erguia seu tridente e o mantinha<br />

sob o pescoço do vencedor.<br />

Um é vencido; o outro, vencedor,<br />

mas os dois pescoços estão atingidos.<br />

Não é uma situação tão fácil de<br />

definir.<br />

Assim, dentro de nossas desgraças,<br />

tínhamos feito, até certo ponto,<br />

o papel de Sansão. A coluna estava<br />

derrubada e o nosso cadáver atravessado<br />

na estrada impedia o inimigo<br />

de continuar. O sacrifício tinha<br />

sido útil.<br />

No retrospecto desses anos, minha<br />

alma não pode deixar de cantar<br />

o Magnificat para agradecer a Nossa<br />

Senhora tudo isso, que não é senão<br />

uma contínua efusão de bondade<br />

d’Ela.<br />

v<br />

1) Benedetto Aloisi Masella (*1879 -<br />

†1970).<br />

2) João Bina Machado (*1908 - †2000).<br />

3) Subtítulos nossos.<br />

4) Do latim: De acordo com a indulgência,<br />

não como ordem (cf. 1Cor 7, 6).<br />

5) Do francês: com generosidade.<br />

6) Do latim: Às nascentes de água.<br />

7) De 29 de junho de 1943.<br />

8) Do latim: para bem da paz.<br />

9) Do latim: Como ovelha foi levado<br />

ao matadouro; ele não abriu a boca<br />

(cf. At 8, 32).<br />

10) Enzo de Campos Guzzo.<br />

11) CORRÊA DE OLIVEIRA, <strong>Plinio</strong>.<br />

Nasce a TFP. In: Folha de São Paulo.<br />

São Paulo. Ano XLVIII. N.14.496 (22<br />

fev., 1969); p.4.<br />

Divulgação<br />

Carta de aprovação ao livro Em defesa<br />

da Ação Católica. Ao lado: Pio XII e<br />

Mons. Montini, futuro Paulo VI, então<br />

Secretário de Estado de Sua Santidade<br />

27


C<br />

alendário<br />

1. Santas Ágape e Quiônia, virgens<br />

e mártires (†304). Durante a perseguição<br />

de Diocleciano, por negarem-<br />

-se a comer carne sacrificada aos ídolos,<br />

foram queimadas vivas.<br />

2. Domingo de Ramos da Paixão do<br />

Senhor.<br />

São Francisco de Paula, confessor<br />

(†1507). Fundador da Ordem dos Mínimos,<br />

na Calábria, Itália.<br />

3. São Sisto I, Papa (†128). Sexto sucessor<br />

de São Pedro, governou a Igreja<br />

no tempo do Imperador Adriano.<br />

Beato Pedro Eduardo Dankowski,<br />

presbítero e mártir (†1942). Preso<br />

durante a Segunda Guerra Mundial<br />

por confessar a Fé católica, foi levado<br />

ao campo de concentração de Auschwitz,<br />

onde, devido às torturas, entregou<br />

sua alma ao Senhor.<br />

4. Santo Isidoro de Sevilha, bispo e<br />

Doutor da Igreja (†636). Discípulo de<br />

seu irmão Leandro e seu sucessor na<br />

sede episcopal de Sevilha. Escreveu<br />

com erudição, convocou e presidiu<br />

vários concílios e trabalhou com zelo<br />

e sabedoria pela Fé católica e pela<br />

observância da disciplina eclesiástica.<br />

5. São Vicente Ferrer, presbítero<br />

(†1419).<br />

Santa Catarina Tomás, virgem<br />

(†1574). Ingressou na Ordem das Cônegas<br />

Regulares de Santo Agostinho,<br />

onde, adornada por dons místicos,<br />

destacou-se por sua austeridade e<br />

grande espírito de oração, tornando-<br />

-se um exemplo de religiosa.<br />

6. Quinta-Feira da Semana Santa.<br />

Comemoração da Instituição da Sagrada<br />

Eucaristia.<br />

Beata Petrina Morosíni, virgem e<br />

mártir (†1957). Aos vinte e seis anos,<br />

regressando para sua casa do trabalho,<br />

foi ferida na cabeça com uma pedra<br />

por defender sua virgindade. Encontrada<br />

inconsciente, levaram-na ao<br />

hospital, onde faleceu dois dias depois.<br />

dos Santos – ––––––<br />

Luis C.R. Abreu<br />

7. Sexta-Feira da Semana Santa.<br />

Comemoração da Paixão do Senhor.<br />

São João Batista de la Salle, presbítero<br />

(†1719). Fundador da Congregação<br />

dos Irmãos das Escolas Cristãs<br />

(Irmãos Lassalistas).<br />

8. Sábado da Semana Santa. Vigília<br />

Pascal.<br />

9. Domingo de Páscoa da Ressurreição<br />

do Senhor.<br />

Beato Antônio Pavoni, presbítero e<br />

mártir (†1374). Pertencia à Ordem Dominicana.<br />

Foi nomeado inquisidor geral<br />

de Piemonte pelo Papa Urbano V.<br />

Convocado pelo bispo de Turim para<br />

pregar contra a heresia, exerceu sua<br />

missão com grande êxito. Em Bricherasio,<br />

ao sair da igreja, após ter celebrado<br />

a Santa Missa e pregado como de costume,<br />

foi assassinado por um herege.<br />

10. São Fulberto, bispo (†1029).<br />

Eleito bispo de Chartres, França, procurou<br />

a liberdade da Igreja, a reforma<br />

dos costumes e a renovação espiritual<br />

da comunidade; combateu a simonia e<br />

iniciou a reconstrução da catedral após<br />

ter sido incendiada. Promoveu com<br />

grande empenho a devoção a Nossa<br />

Senhora, Rainha de Misericórdia. Foi<br />

o responsável pela criação da festa da<br />

Natividade da Virgem (8 de setembro).<br />

11. Santo Estanislau de Cracóvia,<br />

bispo e mártir (†1079).<br />

Santo Antipas, bispo e mártir<br />

(†s. I). Bispo de Pérgamo, foi uma<br />

testemunha fiel que, segundo narra<br />

São João no Apocalipse, entregou sua<br />

vida pelo nome de Jesus.<br />

12. Santo Alfério, abade (†1050). Discípulo<br />

de Santo Odilon em Cluny, retirou-se<br />

mais tarde para Cava de’ Tirreni,<br />

na Itália, onde fundou um mosteiro cluniacense,<br />

exercendo grande influência<br />

na vida monástica da região.<br />

13. São Martinho I, Papa e mártir<br />

(†656). Condenou a heresia dos monotelistas<br />

no Concílio de Latrão. Por<br />

ordem do Imperador bizantino, Constante<br />

II, foi preso e exilado. Morreu<br />

em Quersoneso, atual Sebastapol, cidade<br />

portuária pertencente à Crimeia.<br />

14. Santas Domnina, Bérnica,<br />

Prosdoca, mártires (†s. IV). Na perseguição<br />

de Diocleciano, Domnina fugiu<br />

de Antioquia e refugiu-se com suas<br />

duas filhas, Bérnica e Prosdoca, em<br />

Edessa. Denunciada por seu marido,<br />

foi encontrada, mas para salvar a castidade<br />

das filhas, Domnina pediu que<br />

estas se atirassem com ela no rio, consumindo<br />

assim o seu martírio.<br />

15. São Damião de Veuster, presbítero<br />

(†1889).<br />

São César de Bus, presbítero<br />

(†1607). Na França, fundou a Congregação<br />

dos Padres Seculares da Doutrina<br />

Cristã (Padres Doutrinários) no<br />

ano 1592, em Avignon, França.<br />

16. II Domingo da Páscoa ou da<br />

Divina Misericórdia.<br />

28


––––––––––––––––––– * Abril * ––––<br />

Gabriel K.<br />

Santa Engrácia de Saragoça, virgem<br />

e mártir (†s. IV). Sofreu duros suplícios,<br />

permanecendo-lhe as chagas<br />

em seus membros durante algum tempo<br />

antes de se consumir seu martírio.<br />

17. Santo Acácio, bispo (†c. 435).<br />

Bispo de Melitene, Armênia, participou<br />

do Concílio de Éfeso defendendo<br />

a verdadeira ortodoxia contra a heresia<br />

de Nestório.<br />

18. Beata Maria da Encarnação<br />

(Bárbara) Avrillot, religiosa (†1618).<br />

Nascida em uma nobre e devota família<br />

francesa, foi mãe de família e esposa<br />

exemplar, introduziu o Carmelo teresiano<br />

na França e fundou cinco mosteiros.<br />

Após o falecimento de seu esposo,<br />

abraçou a vida religiosa. Faleceu<br />

santamente no Carmelo de Pontoise.<br />

19. Beato Jaime Dukett, mártir<br />

(†1602). Denunciado por vender livros<br />

católicos em sua livraria, esteve<br />

preso durante nove anos e foi enforcado<br />

no reinado de Isabel I, em<br />

Tyburn, juntamente com o seu denunciante,<br />

a quem, antes de morrer, converteu<br />

à Fé católica.<br />

São Sisto I, Papa<br />

20. Santo Aniceto, Papa (†c.166).<br />

Tratou, em Roma, com São Policarpo<br />

sobre o dia da Páscoa.<br />

Beata Clara (Dina) Bossatta, virgem<br />

(†1887). Fundou, com auxílio de<br />

São Luís Guanella, o Instituto das Filhas<br />

de Santa Maria da Providência.<br />

21. Santo Anselmo, bispo e Doutor<br />

da Igreja (†1109). Originário de Aosta,<br />

no Piemonte, foi monge e depois abade<br />

no mosteiro de Bec, na Normandia,<br />

onde ensinou os seus irmãos religiosos<br />

a progredir no caminho da perfeição e<br />

a procurar a Deus com a inteligência<br />

da Fé; transferido depois para a insigne<br />

sede episcopal de Cantuária, na Inglaterra,<br />

lutou valorosamente pela liberdade<br />

da Igreja, suportando por isso<br />

várias adversidades e o exílio.<br />

22. Santa Senhorinha, abadessa<br />

(†c. 982). Parente de São Rosendo. Foi<br />

educada por sua tia, Gudina, abadessa<br />

do Mosteiro de São João de Vieira do<br />

Minho. Aos 15 anos ingressou na vida<br />

monástica e aos 36 sucedeu sua tia no<br />

cargo. Fundou o Mosteiro de São Jorge<br />

de Basto, na diocese de Braga.<br />

23. III Domingo da Páscoa.<br />

São Jorge, mártir (†s. IV).<br />

Santo Adalberto de Praga, bispo e<br />

mártir (†997).<br />

24. São Fidélis de Sigmaringa,<br />

presbítero e mártir (†1622).<br />

Santas Maria Cléofas e Salomé, santas<br />

mulheres (†s. I). Ao amanhecer o dia<br />

da Páscoa, acompanharam Santa Maria<br />

Madalena ao sepulcro do Senhor para<br />

ungir o seu corpo e foram as primeiras a<br />

ouvir o anúncio da ressurreição.<br />

25. São Marcos, Evangelista (†s. I).<br />

Primeiramente acompanhou São Paulo<br />

no seu apostolado, depois tornou-<br />

-se discípulo de São Pedro. Segundo a<br />

tradição, reuniu no Evangelho os ensinamentos<br />

de São Pedro aos romanos e<br />

fundou a Igreja de Alexandria.<br />

Santa Engrácia de Saragoça<br />

26. Nossa Senhora do Bom Conselho<br />

de Genazzano.<br />

27. São Simeão, bispo e mártir (†107).<br />

Segundo a tradição, era filho de Cléofas.<br />

Foi ordenado bispo de Jerusalém como<br />

sucessor de São Tiago. Durante a perseguição<br />

de Trajano, sofreu inúmeros suplícios<br />

e, em idade avançada, recebeu a<br />

coroa do martírio morrendo crucificado.<br />

28. São Luís Maria Grignion de<br />

Montfort, presbítero (†1716).<br />

São Pedro Chanel, presbítero e mártir<br />

(†1841).<br />

29. Santa Catarina de Sena, virgem<br />

e Doutora da Igreja (†1380).<br />

30. IV Domingo da Páscoa.<br />

São Pio V, Papa (†1572). Excomungou<br />

bispos que defendiam teses heréticas<br />

e também a Rainha Isabel I da Inglaterra,<br />

por heresia e perseguição contra<br />

os católicos. Organizou a Liga Sagrada,<br />

uma aliança dos países católicos<br />

para combater o avanço do Império<br />

Otomano na Europa. Instituiu a festa<br />

de Nossa Senhora da Vitória, a quem<br />

atribuiu o triunfo dos católicos contra<br />

as hostes infiéis na Batalha de Lepanto.<br />

Flávio Lourenço<br />

29


Em Defesa da Ação Católica<br />

Mateus S.<br />

Vigilância arguta e eficaz<br />

O católico deve ter um espírito ágil e penetrante, sempre<br />

de atalaia contra as aparências, só entregando sua<br />

confiança a quem mostrar, depois de exame meticuloso e<br />

arguto, que é ovelha autêntica. Eis um dos ensinamentos<br />

de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em seu livro Em defesa da Ação Católica.<br />

emos tido ocasião de citar<br />

reiteradamente, no decurso<br />

desta nossa exposição, as<br />

Sagradas Escrituras, mas o leitor terá<br />

notado que as citações do Antigo<br />

Testamento têm aparecido com muito<br />

mais frequência nesta obra do que<br />

as do Novo Testamento.<br />

Este fato decorre do propósito<br />

que formamos de reservar para análise<br />

dos textos do Novo Testamento<br />

um capítulo especial mais amplo, no<br />

qual cuidaríamos particularmente da<br />

posição em que perante eles se encontram<br />

as doutrinas que defendemos.<br />

É óbvia a vantagem de um estudo<br />

especial neste sentido.<br />

Jesus pregou a misericórdia,<br />

porém não a impunidade<br />

sistemática do mal<br />

Fazemos a apologia de doutrinas<br />

de força, luta pelo bem é certo, e força<br />

a serviço da verdade. Mas o romantismo<br />

religioso do século passado<br />

desfigurou de tal maneira em muitos<br />

ambientes a verdadeira noção de Catolicismo,<br />

que este aparece aos olhos<br />

de um grande número de pessoas,<br />

ainda em nossos dias, como uma doutrina<br />

muito mais própria “do meigo<br />

Rabi da Galileia” de que nos falava<br />

Renan 1 , do taumaturgo um tanto [filantrópico]<br />

por seu espírito e por suas<br />

obras com que o positivismo pinta<br />

blasfemamente Nosso Senhor, parecendo<br />

ao mesmo tempo enaltecê-<br />

-lo, do que do Homem-Deus que nos<br />

apresentam os Santos Evangelhos.<br />

Costuma-se afirmar, dentro desta<br />

ordem de ideias, que o Novo Testamento<br />

instituiu um regime tão suave nas relações<br />

entre Deus e o homem, ou entre<br />

o homem e o seu próximo, que todo o<br />

sentido de luta e de severidade teria desaparecido<br />

da Religião. Tornar-se-iam<br />

assim obsoletas as advertências e ameaças<br />

do Antigo Testamento, e o homem<br />

teria ficado emancipado de qualquer<br />

obrigação de temor de Deus ou de luta<br />

contra os adversários da Igreja.<br />

Sem contestar que realmente na lei<br />

da graça tenha havido uma efusão muito<br />

mais abundante da misericórdia divina,<br />

queremos demonstrar que se dá às<br />

vezes a este fato gratíssimo um alcance<br />

maior do que na realidade ele tem.<br />

Não há, graças a Deus, católico algum<br />

que, por pouco que seja instruído<br />

dos Santos Evangelhos, não se<br />

lembre do fato narrado por São Lucas<br />

que exprime de modo admirável<br />

o reinado da misericórdia, mais amplo,<br />

mais constante e mais brilhante<br />

no Novo Testamento do que no Antigo.<br />

O Salvador fora objeto de uma<br />

afronta em uma cidade de Samaria. E<br />

“vendo isto os seus discípulos, Tiago<br />

e João, disseram: ‘Senhor, queres tu<br />

que digamos que desça fogo do céu,<br />

que os consuma (aos habitantes da cidade)?’<br />

Ele, porém, voltando-se para<br />

eles, repreendeu-os dizendo: ‘Vós<br />

não sabeis de que espírito sois. O Filho<br />

do Homem não veio para perder<br />

as almas, mas para as salvar.’ E foram<br />

para outra povoação” (9, 50-56).<br />

30


Vigilância arguta e eficaz<br />

Que admirável lição de benignidade!<br />

E com que consoladora e<br />

grande frequência Nosso Senhor repetiu<br />

lições como esta! Tenhamo-las<br />

gravadas bem fundo em nossos corações,<br />

mas aí as gravemos de modo<br />

tal que reste lugar para outras lições<br />

não menos importantes do Divino<br />

Mestre. Ele pregou certamente<br />

a misericórdia, mas não pregou a impunidade<br />

sistemática do mal.<br />

Não arranquemos ao Santo<br />

Evangelho página alguma<br />

No Santo Evangelho, se Ele nos aparece<br />

muitas vezes perdoando, aparece-<br />

-nos também mais de uma vez punindo<br />

ou ameaçando. Aprendamos com Ele<br />

que há circunstâncias em que é preciso<br />

perdoar, e em que seria menos perfeito<br />

punir; e também circunstâncias em que<br />

é preciso punir, e seria menos perfeito<br />

perdoar. Não incidamos em um unilateralismo<br />

de que o adorável exemplo<br />

do Salvador é uma condenação expressa,<br />

já que Ele soube fazer, ora uma, ora<br />

outra coisa. Não nos esqueçamos jamais<br />

do memorável fato que São Lucas<br />

narra no texto acima. E também não<br />

nos esqueçamos deste outro, simétrico<br />

ao primeiro, e que constitui uma lição<br />

de severidade que se ajusta harmonicamente<br />

à da benignidade divina, num<br />

todo perfeito.<br />

Ouçamos o que de Corazim e Betsaida<br />

disse o Senhor e aprendamos<br />

com Ele não só a divina arte de perdoar,<br />

mas a arte não menos divina de<br />

ameaçar e de punir: “Ai de ti Corazim,<br />

ai de ti Betsaida, porque se em Tiro ou<br />

Sidônia tivessem sido feitos os milagres<br />

que se realizaram em vós, há muito<br />

tempo que elas teriam feito penitência<br />

em cilícios e em cinza. Por isso<br />

vos digo que haverá menos rigor para<br />

Tiro e Sidônia no dia do juízo, que para<br />

vós. E tu, Cafarnaum, elevar-te-ás<br />

porventura até o céu? Hás de ser abatida<br />

ao inferno, porque se em Sodoma<br />

tivessem feito os milagres que se fizeram<br />

em ti, talvez existisse ainda hoje.<br />

Por isso vos digo que no dia do juízo<br />

haverá menos rigor para a terra de Sodoma,<br />

que para ti” (Mt 11, 21-23).<br />

Note-se bem: o mesmo Mestre que<br />

não quis mandar o raio sobre o vilarejo<br />

de que acima falamos, profetizou<br />

para Corazim e Betsaida desgraças<br />

ainda maiores que as de Sodoma!<br />

Não arranquemos ao Santo Evangelho<br />

página alguma e encontremos<br />

elemento de edificação e de imitação<br />

nas páginas sombrias como nas luminosas,<br />

pois que tanto umas quanto outras<br />

são salutaríssimos dons de Deus.<br />

Se a misericórdia ampliou no Novo<br />

Testamento a efusão das graças, a<br />

justiça, por outro lado, encontra na rejeição<br />

de graças maiores, crimes maiores<br />

a punir. Entrelaçadas intimamente,<br />

ambas as virtudes continuam a se<br />

apoiar reciprocamente no governo do<br />

mundo por Deus. Não é exato, pois,<br />

que no Novo Testamento só haja lugar<br />

para o perdão e não para o castigo.<br />

Pregação de Jesus - Igreja de Santa Marta, Sarasota, EUA<br />

Angelo D. F.<br />

31


Em Defesa da Ação Católica<br />

Flávio Lourenço<br />

Os pecadores antes e<br />

depois de Cristo<br />

Mesmo depois da Redenção, continuou<br />

a existir o pecado original com<br />

o triste cortejo de suas consequências<br />

na vontade e na inteligência do homem.<br />

Por outro lado, os homens continuaram<br />

sujeitos às tentações do demônio.<br />

E tudo isto fez com que não<br />

desaparecesse da terra o pecado, pelo<br />

que a Igreja continua a navegar num<br />

mar agitado, no qual a obstinação e a<br />

malícia dos pecadores erguem contra<br />

ela obstáculos que a todo momento<br />

ela deve romper. Basta um lance de<br />

olhos, ainda que superficial, na História<br />

da Igreja, para dar a esta verdade<br />

uma evidência cruel. Mais ainda. A<br />

graça santifica os que a aceitam, mas<br />

a rejeição à graça fará um homem<br />

pior do que ele era antes de a receber.<br />

É neste sentido que o Apóstolo<br />

escreve que os pagãos convertidos ao<br />

Cristianismo e depois arrastados pelas<br />

heresias se tornam piores do que<br />

eram antes de ser cristãos. O maior<br />

criminoso da História não foi certamente<br />

o pagão que condenou Jesus<br />

Cristo à morte, nem mesmo o sumo<br />

sacerdote que dirigiu a trama dos<br />

acontecimentos que culminaram com<br />

O beijo de Judas - Museu Diocesano, Huesca, Espanha<br />

a crucifixão, mas o apóstolo infiel que<br />

por trinta dinheiros vendeu seu Mestre.<br />

“Quanto maior a altura mais fundo<br />

o tombo”, diz um ditado de nossa<br />

sabedoria popular. Que profunda<br />

e dolorosa consonância com os ensinamentos<br />

da Teologia tem esta asserção!<br />

Assim, a Santa Igreja tem de se<br />

defrontar no seu caminho com homens<br />

tão maus ou ainda piores do<br />

que aqueles que, vigente o Antigo<br />

Testamento, se insurgiram contra<br />

a Lei de Deus. E o Santo Padre<br />

Pio XI, na Encíclica Divini Redemptoris<br />

2 declara que em nossos dias não<br />

só alguns homens, mas “povos inteiros<br />

se encontram no perigo de recair<br />

em uma barbárie pior que aquela em<br />

que jazia a maior parte do mundo ao<br />

aparecer o Divino Redentor.”<br />

Portanto, a defesa dos direitos da<br />

verdade e do bem exige que com um<br />

vigor maior que nunca se dobre a cerviz<br />

dos múltiplos inimigos da Igreja.<br />

Por isto deve o católico estar pronto<br />

a brandir com eficácia todas as armas<br />

legítimas, sempre que suas orações e<br />

sua cordura não bastarem para reduzir<br />

o adversário.<br />

Notemos nos textos seguintes<br />

quantos e que admiráveis exemplos<br />

de argúcia penetrante, de combatividade<br />

infatigável, de franqueza heroica<br />

encontramos no Novo Testamento.<br />

Veremos assim que Nosso Senhor<br />

não foi um doutrinador sentimental,<br />

mas o Mestre infalível que, se de um<br />

lado soube pregar o amor com palavras<br />

e exemplos de uma insuperável<br />

e adorável doçura, soube, também<br />

pela palavra e pelo exemplo, pregar<br />

com insuperável e não menos adorável<br />

severidade o dever da vigilância,<br />

da argúcia, à luta aberta e rija contra<br />

os inimigos da Santa Igreja, que a<br />

brandura não puder desarmar.<br />

A “astúcia da serpente”<br />

Comecemos pela virtude da argúcia,<br />

ou, em outros termos pela virtude<br />

evangélica da astúcia serpentina.<br />

32


Vigilância arguta e eficaz<br />

São inúmeros os tópicos em que<br />

Nosso Senhor recomenda insistentemente<br />

a prudência, inculcando assim<br />

aos fiéis que não sejam de uma candura<br />

cega e perigosa, mas façam coexistir<br />

uma cordura com um amor vivaz e diligente<br />

dos dons de Deus; tão vivaz e<br />

tão diligente que o fiel possa discernir,<br />

por entre mil falsas roupagens, os inimigos<br />

que os querem roubar.<br />

Vejamos um texto: “Guardai-vos<br />

dos falsos profetas, que vêm a vós<br />

com vestidos de ovelhas e por dentro<br />

são lobos rapaces. Pelos seus frutos<br />

os conhecereis. Porventura, colhem-<br />

-se uvas dos espinhos ou figos dos<br />

abrolhos? Assim toda a árvore boa<br />

dá bons frutos e a árvore má dá maus<br />

frutos. Não pode uma árvore boa dar<br />

maus frutos nem uma árvore má dar<br />

bons frutos.<br />

Toda a árvore que não dá bom<br />

fruto será cortada e lançada no fogo.<br />

Vós os conheceis, pois, pelos seus<br />

frutos” (Mt 7, 15-20).<br />

Este texto é um pequeno tratado<br />

de argúcia. Começa por afirmar que<br />

teremos diante de nós não só adversários<br />

de viseira erguida, mas falsos<br />

amigos e que, portanto, nossos olhos<br />

se devem voltar vigilantes não só contra<br />

os lobos que de nós se aproximam<br />

com a pele à mostra, mas ainda contra<br />

as ovelhas, a fim de ver se em alguma<br />

não descobriremos sob a lã alva<br />

o pelo ruivo e mal disfarçado de algum<br />

lobo astuto. Quer isto dizer em<br />

outros termos que o católico deve ter<br />

um espírito ágil e penetrante, sempre<br />

de atalaia contra as aparências, que<br />

só entrega sua confiança a quem mostrar,<br />

depois de exame meticuloso e<br />

arguto, que é ovelha autêntica.<br />

Mas como discernir a falsa ovelha<br />

da verdadeira? “Pelos frutos se conhecerão<br />

os falsos profetas.” Nosso Senhor<br />

afirma com isto que devemos ter<br />

o hábito de analisar atentamente as<br />

doutrinas e ações do próximo, a fim de<br />

conhecermos estes frutos segundo seu<br />

verdadeiro valor e de nos premunirmos<br />

contra eles quando maus.<br />

Ai dos dirigentes nos quais<br />

a candura faça amortecer<br />

o exercício da vigilância<br />

Para todos os fiéis esta obrigação é<br />

importante, pois que a repulsa às falsas<br />

doutrinas e às seduções dos amigos<br />

que nos arrastam ao mal ou que<br />

nos retêm na mediocridade é um dever.<br />

Mas para os dirigentes de Ação<br />

Católica, aos quais incumbe, a título<br />

muito mais grave, vigiar por si e vigiar<br />

por outrem, e impedir, por sua argúcia<br />

e vigilância, que permaneçam entre<br />

os fiéis ou subam a cargos de grande<br />

responsabilidade homens eventualmente<br />

filiados a doutrinas ou seitas<br />

hostis à Igreja, este dever é muito<br />

maior.<br />

Ai dos dirigentes em que um sentido<br />

errado de candura faça amortecer<br />

o exercício contínuo da vigilância em<br />

torno de si! Perderão com sua desídia<br />

maior número de almas do que o<br />

fazem muitos adversários declarados<br />

do Catolicismo. Incumbidos de, sob<br />

a direção da hierarquia, fazer multiplicar<br />

os talentos, que são as almas<br />

existentes nas fileiras da Ação Católica,<br />

não se limitariam eles, entretanto,<br />

a enterrar o tesouro, mas permitiriam<br />

por sua “boa fé” que ele caísse<br />

nas mãos dos ladrões. Se Nosso Senhor<br />

foi tão severo para com o ser-<br />

Bruno.karklis(CC3.0)<br />

33


Em Defesa da Ação Católica<br />

Gabriel K.<br />

Entrada triunfal de Jesus em Jerusalém - Catedral de Sevilha, Espanha<br />

vo que não fez render o talento, que<br />

faria Ele a quem estivesse dormindo<br />

enquanto entrava o ladrão?<br />

Mas passemos a outro texto. “Eis<br />

que vos mando como ovelhas no meio<br />

de lobos. Sede, pois, astutos como as<br />

serpentes, e simples como as pombas.<br />

Acautelai-vos, porém, dos homens,<br />

porque vos farão comparecer nos seus<br />

tribunais e vos açoitarão nas suas sinagogas;<br />

e sereis levados por minha causa<br />

à presença de governadores e de<br />

reis, como testemunhos diante deles e<br />

diante dos gentios” (Mt 7, 16-18).<br />

Em geral, tem-se a impressão de<br />

que este texto é uma advertência exclusivamente<br />

aplicável aos tempos<br />

de perseguição religiosa declarada,<br />

já que ele só se refere à citação perante<br />

tribunais, governadores e reis<br />

e à flagelação em sinagogas. À vista<br />

do que ocorre no mundo, seria o caso<br />

de perguntar se há um só país, hoje<br />

em dia, em que se possa ter a certeza<br />

de que, de um momento para<br />

outro, não se estará em tal caso.<br />

De qualquer maneira, também seria<br />

errado supor-se que Nosso Senhor<br />

só recomenda tão grande prudência<br />

diante de perigos ostensivamente graves<br />

e que de modo habitual pode um<br />

dirigente de Ação Católica renunciar<br />

comodamente à astúcia da serpente e<br />

cultivar apenas a candura da pomba.<br />

Com efeito, sempre que está em jogo<br />

a salvação de uma alma, está em jogo<br />

um valor infinito porque pela salvação<br />

de cada alma foi derramado o Sangue<br />

de Jesus Cristo. Uma alma é um tesouro<br />

maior do que o Sol e a sua perda<br />

é um mal muito mais grave do que<br />

as dores físicas ou morais que possamos<br />

sofrer atados à coluna da flagelação<br />

ou no banco dos réus.<br />

Assim, tem o dirigente da Ação Católica<br />

obrigação absoluta de ter olhos<br />

atentos e penetrantes como os da serpente<br />

no discernir todas as possíveis<br />

tentativas de infiltração nas fileiras da<br />

Ação Católica, bem como qualquer<br />

risco a que a salvação das almas possa<br />

estar exposta no setor a ele confiado.<br />

Vigilância, perspicácia,<br />

sagacidade, previdência<br />

A este propósito é muito oportuna<br />

a citação de mais um texto. “E respondendo<br />

Jesus, disse-lhes: ‘Vede que<br />

ninguém vos engane. Porque virão<br />

muitos em meu nome, dizendo: Eu<br />

sou o Cristo; e seduzirão muitos’” (Mt<br />

24, 4-5). É um erro supor que o único<br />

risco a que os ambientes católicos<br />

possam estar expostos consiste na infiltração<br />

de ideias nitidamente errôneas.<br />

Assim como o Anticristo procurará<br />

inculcar-se como o Cristo verdadeiro,<br />

as doutrinas errôneas procurarão embuçar<br />

seus princípios em aparências<br />

de verdade, revestindo-os dolosamente<br />

de uma suposta chancela da Igreja,<br />

e assim preconizar uma complacência,<br />

uma transigência, uma tolerância que<br />

constitui rampa escorregadia por onde<br />

facilmente se desliza, aos poucos e<br />

quase sem perceber, até o pecado. Há<br />

almas tíbias que têm uma verdadeira<br />

paixão de se colocar nos confins da<br />

ortodoxia, a cavalo sobre o muro que<br />

as separa da heresia, e aí sorrir para o<br />

mal sem abandonar o bem, ou antes,<br />

sorrir para o bem sem abandonar o<br />

mal. Infelizmente, cria-se com tudo isso,<br />

muitas vezes, um ambiente em que<br />

o sensus Christi 3 desaparece por completo<br />

e em que apenas os rótulos conservam<br />

aparência católica. Contra isto<br />

deve ser vigilante, perspicaz, sagaz,<br />

previdente, infatigavelmente minucio-<br />

34


Vigilância arguta e eficaz<br />

so em suas observações o dirigente da<br />

Ação Católica, sempre lembrando de<br />

que nem tudo que certos livros ou certos<br />

conselheiros apregoam como católico<br />

o é na realidade. “Vede que ninguém<br />

vos engane: porque muitos virão<br />

em meu nome, dizendo: Sou eu; e enganarão<br />

muitos” (Mc 13, 5-6).<br />

Discernir o mal mesmo<br />

em meio a manifestações<br />

de entusiasmo<br />

Outro texto digno de nota é este:<br />

“E, estando em Jerusalém pela festa<br />

da Páscoa, muitos creram no seu<br />

nome, vendo os milagres que fazia.<br />

Mas Jesus não se fiava neles, porque<br />

os conhecia a todos e porque não necessitava<br />

de que lhe dessem testemunho<br />

de homem algum, pois sabia por<br />

Si mesmo o que havia no (interior do<br />

homem)” (Jo 2, 23-25).<br />

Mostra-nos ele claramente que<br />

por entre as manifestações por vezes<br />

entusiasmáticas que a Santa Igreja<br />

possa suscitar, devemos aproveitar<br />

todos os nossos recursos para discernir<br />

o que pode haver de inconsistente<br />

ou de falho. Foi este o exemplo do<br />

Mestre. Quando necessário, não recusará<br />

Ele ao apóstolo verdadeiramente<br />

humilde e desprendido até luzes<br />

carismáticas e sobrenaturais, para<br />

discernir os verdadeiros e os falsos<br />

amigos da Igreja. Com efeito, Ele que<br />

nos deu a recomendação expressa de<br />

sermos vigilantes não nos recusará as<br />

graças necessárias para isto. “Atendei<br />

a vós mesmos e a todo o rebanho, sobre<br />

que o Espírito Santo vos constituiu<br />

bispos, para governardes a Igreja<br />

de Deus, que Ele adquiriu com seu<br />

próprio Sangue. Eu sei que, depois da<br />

minha partida, se introduzirão entre<br />

vós lobos arrebatadores que não pouparão<br />

o rebanho” (At 20, 28-29).<br />

É certo que só se refere diretamente<br />

aos Bispos a obrigação de vigilância<br />

contida neste texto. Mas na<br />

medida em que a Ação Católica é<br />

um instrumento da hierarquia, instrumento<br />

vivo, inteligente, deve ela<br />

também estar de olhos vigilantes<br />

contra os lobos arrebatadores.<br />

A fim de não alongar por demais<br />

esta exposição, citamos apenas mais<br />

alguns textos:<br />

O mesmo São Pedro ainda teve<br />

mais este conselho: “Vós, pois, irmãos,<br />

estando prevenidos, acautelai-<br />

-vos, para que não caiais da vossa firmeza,<br />

levados pelo erro destes insensatos;<br />

mas crescei na graça e no conhecimento<br />

do Nosso Senhor e Salvador<br />

Jesus Cristo. A Ele (seja dada)<br />

glória, agora e no dia da eternidade.<br />

Amém” (2Pd 3, 17-18).<br />

E não se julgue que só um espírito<br />

naturalmente inclinado à desconfiança<br />

pode praticar sempre tal vigilância.<br />

Em São Marcos lemos: “O<br />

que eu, pois, digo a vós, digo a todos:<br />

‘Vigiai’” (13, 37). São João aconselha<br />

com solicitude amorosa: “Filhinhos,<br />

ninguém vos seduza” (1Jo 3, 5-7).<br />

A todos nós, membros da Ação<br />

Católica, incumbe, pois, o dever da<br />

vigilância arguta e eficaz 4 . v<br />

1) Joseph Ernest Renan (*1823 - †1982).<br />

Escritor, filósofo, teólogo, filólogo e<br />

historiador francês.<br />

2 ) De 19 de março de 1937, sobre o comunismo<br />

ateu.<br />

3) Do latim: senso cristão.<br />

4) CORRÊA DE OLIVEIRA, <strong>Plinio</strong>. Em<br />

defesa da Ação Católica. São Paulo: Artepress,<br />

papéis e artes gráficas, LTDA.<br />

p. 283-292 (título e subtítulos nossos).<br />

Habitantes de Nazaré tentando lançar Nosso Senhor no precipício<br />

Mosteiro de San Millán de la Cogolla, La Rioja, Espanha<br />

Flávio Lourenço<br />

35


Maria esmagou todos<br />

os heresiarcas<br />

De todas as práticas de que é<br />

tão rica a piedade católica,<br />

nenhuma o Santo Padre recomenda<br />

com maior insistência do que a<br />

devoção a Maria.<br />

Maria Santíssima é a Medianeira<br />

Universal e ninguém pode alcançar<br />

graças de Deus sem ser por intermédio<br />

d’Ela. Perante Deus só temos um<br />

Mediador, que é Jesus Cristo. Mas junto<br />

a Jesus Cristo nada podemos alcançar<br />

sem a Mediadora necessária que é<br />

Maria.<br />

Em todas as lutas contra a heresia, o<br />

triunfo da Igreja é sempre devido à intervenção<br />

de Maria. Esmagando a cabeça<br />

da serpente, esmagou Ela todos os<br />

heresiarcas de todos os séculos.<br />

(Extraído de O Legionário de 21/4/1940)<br />

A Santíssima Virgem calcando<br />

o demônio - Museu Hyacinthe<br />

Rigaud, Perpignan, França<br />

Luis C.R. Abreu / Flávio Lourenço

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