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Tomando Chimarrão com os Macacos - Parte 1

Tomando Chimarrão Com os Macacos − Parte I − é uma leitura que remete o leitor a uma divertida aventura, em um passado não muito distante, onde o convívio entre os homens e os animais era mais próximo, assim como com a natureza e com as pessoas entre si. Uma época em que os imigrantes italianos já haviam chegado e colonizado o interior dos estados da região Sul do País, quando então a Língua Talian encontrou campo fértil para se desenvolver. Um típico “causo” carregado de sotaque e de cultura do interior do Sul do Brasil, narrado em Português e Talian.

Tomando Chimarrão Com os Macacos − Parte I − é uma leitura que remete o leitor a uma divertida aventura, em um passado não muito distante, onde o convívio entre os homens e os animais era mais próximo, assim como com a natureza e com as pessoas entre si. Uma época em que os imigrantes italianos já haviam chegado e colonizado o interior dos estados da região Sul do País, quando então a Língua Talian encontrou campo fértil para se desenvolver. Um típico “causo” carregado de sotaque e de cultura do interior do Sul do Brasil, narrado em Português e Talian.

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A produção desta obra foi viabilizada <strong>com</strong> financiamento do PRÓCULTURA,<br />

Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Lei 13.490/2010.


Autor<br />

Edilson Carl<strong>os</strong> Guzzo<br />

Tradução e revisão do Talian<br />

Loremi Loregian-Penkal e<br />

Juvenal Jorge Dal Castel<br />

Revisão do Português<br />

Luciana Crestani<br />

Ilustração<br />

Gabriela Molinaro<br />

Edicão<br />

O Bixo produção cultural<br />

(Bichinho)<br />

Diagramação<br />

André Lacerda<br />

Gestão Técnica<br />

Vini Cassol<br />

Dad<strong>os</strong> Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)<br />

Guzzo, Edilson<br />

<strong>Tomando</strong> chimarrão <strong>com</strong> <strong>os</strong> macac<strong>os</strong> : parte 1 =<br />

Simaron coi simioti / Edilson Guzzo ; [ilustração Gabriela<br />

Molinaro ; tradução Loremi Loregian Penkal, Juvenal Jorge<br />

Dal Castel]. -- 3. ed. -- Sananduva, RS : Obixo Produção<br />

Cultural : Bichinho Editora, 2023.<br />

Ed. bilíngue: português/talian.<br />

ISBN 978-65-89310-20-4<br />

1. Cultura - Itália 2. Imigrantes italian<strong>os</strong><br />

3. Língua talian - Literatura infantojuvenil<br />

4. Literatura infantojuvenil I. Molinaro, Gabriela.<br />

II. Título.<br />

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)<br />

23-157822 CDD-028.5<br />

Índices para catálogo sistemático:<br />

1. Literatura infantil 028.5<br />

2. Literatura infantojuvenil 028.5<br />

Tábata Alves da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9253<br />

Copyright © OBixo Produção Cultural<br />

3ª Edição, OBixo Produção Cultural,<br />

Sananduva, 2023<br />

Tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> direit<strong>os</strong> desta edição reservad<strong>os</strong>,<br />

em todo o território nacional para:<br />

O Bixo Produção Cultural<br />

Rua Tiradentes, 607, Lot. Marquezin,<br />

Sananduva/RS, CEP 99840-000.<br />

Contato<br />

Bichinho Editora<br />

Bichinho_editora<br />

048 999115817<br />

contato@editorabichinho.<strong>com</strong>.br<br />

www.editorabichinho.<strong>com</strong>.br/chimarrao<strong>com</strong><strong>os</strong>macac<strong>os</strong>


Edilson Guzzo<br />

Sananduva, 2023


É <strong>com</strong> muita honra que apresento o livro de Edilson Carl<strong>os</strong> Guzzo – <strong>Tomando</strong> <strong>Chimarrão</strong><br />

<strong>com</strong> <strong>os</strong> Macac<strong>os</strong>. Esta é uma obra interessante para todas as pessoas que, da mesma<br />

forma que nós, tiveram sua origem e criação na roça, n<strong>os</strong> distantes rincões, muito<br />

longe das pequenas cidades e das grandes metrópoles.<br />

Para <strong>com</strong>preender melhor a obra, faz-se necessário mencionar alguns detalhes de muita<br />

importância: onde se desenrolou a história contada, bem <strong>com</strong>o a época, as condições<br />

e as pessoas que viviam naquela localidade.<br />

A história <strong>com</strong>eçou a ser contada às crianças na segunda metade da década de 80,<br />

numa localidade situada a 20 km da sede do município de Sananduva, no interior<br />

do Rio Grande do Sul. A <strong>com</strong>unidade era habitada exclusivamente por famílias de<br />

descendência italiana, que <strong>com</strong>ungavam das mesmas crenças, valores, princípi<strong>os</strong> e<br />

c<strong>os</strong>tumes. Localizada em um vale e cercada por montanhas, p<strong>os</strong>suía grandes extensões<br />

de mata nativa, onde a presença de animais silvestres era farta. Entre outras tantas<br />

espécies, havia grande quantidade de macac<strong>os</strong>, exími<strong>os</strong> furtadores de aliment<strong>os</strong>,<br />

principalmente milho e frutas que subtraíam até mesmo no quintal das casas, por isso<br />

a conexão <strong>com</strong> o início da história.<br />

Naquelas circunstâncias, tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> animais existentes na propriedade tinham seus<br />

nomes própri<strong>os</strong>, desde as vacas leiteiras, bois, aves, gat<strong>os</strong> e cachorr<strong>os</strong>. Estes últim<strong>os</strong>,<br />

de nome Piloto e Gigante, eram fiéis e inseparáveis amig<strong>os</strong> do autor.<br />

Na época, ainda não existia luz elétrica na <strong>com</strong>unidade. Havia muitas dificuldades que<br />

somente quem vivenciou aquela realidade pode imaginar. A <strong>com</strong>unicação era precária,<br />

contando somente <strong>com</strong> rádio a pilhas. O transporte era feito a cavalo. Quando o<br />

volume a ser transportado não era <strong>com</strong>portado pel<strong>os</strong> caval<strong>os</strong>, era utilizada a carroça<br />

<strong>com</strong> tração de bois, tanto para transporte de mercadoria quanto de pessoas.<br />

4


Nada de televisão, telefone fixo, telefone celular, Whats App, Facebook, Instagram<br />

e tant<strong>os</strong> outr<strong>os</strong> mei<strong>os</strong> de <strong>com</strong>unicação existentes n<strong>os</strong> dias atuais. Naquelas<br />

circunstâncias, eram poucas as opções para o entretenimento das crianças, salvo<br />

carrinh<strong>os</strong> de morro, esconde-esconde, futebol jogado <strong>com</strong> bolas feitas de capim ou<br />

<strong>com</strong> meias velhas e cheias de palhas, peteca, ou ainda <strong>com</strong> bexiga de porco. Estas,<br />

porém, eram muito raras, pois a carneação de porc<strong>os</strong> ocorria poucas vezes ao ano.<br />

Esse foi o ambiente ideal para alimentar a enorme criatividade do autor em inventar e<br />

contar histórias para <strong>os</strong> pequen<strong>os</strong>, embora ele também f<strong>os</strong>se ainda muito jovem.<br />

Transformar ficção em realidade foi a grande habilidade que Edilson desenvolveu,<br />

fazendo as crianças viajarem <strong>com</strong> ele, acreditando estarem vivendo num mundo real,<br />

<strong>com</strong> vibrações quando as coisas davam certo, ou <strong>com</strong> apreensão – e até mesmo<br />

angústia – quando o suspense era muito grande. Por certo, muitas delas passaram<br />

algumas noites dormindo pouco.<br />

Normalmente, as crianças eram reunidas em grup<strong>os</strong> n<strong>os</strong> Filò Taliani, c<strong>os</strong>tumeir<strong>os</strong> e<br />

frequentes na <strong>com</strong>unidade. Na cozinha das casas, havia fogão a lenha, principalmente<br />

no inverno. A iluminação era precária, produzida por lampiões a quer<strong>os</strong>ene. Mesmo<br />

assim, formava-se um ambiente aconchegante e divertido.<br />

<strong>Tomando</strong> <strong>Chimarrão</strong> <strong>com</strong> <strong>os</strong> Macac<strong>os</strong> é uma leitura agradável, uma viajem maravilh<strong>os</strong>a,<br />

mergulhada num mundo onde homens e animais se entendem. Tenho muita<br />

tranquilidade em re<strong>com</strong>endar a leitura desta obra, pois tenho certeza de que você<br />

também irá viajar <strong>com</strong> o autor e, quiçá, acreditar que tudo foi real.<br />

Era uma vez...<br />

Vilmar Ag<strong>os</strong>tinho Guzzo<br />

Apresentador do Programa Radiofônico: Taliani Bona Gente transmitido pela Rádio<br />

Sananduva 97.7 FM.<br />

5


Ghera na volta…<br />

C<strong>os</strong>sì s<strong>com</strong>insiava le stòrie che i me contava quando sero ceo. El<br />

me pensier el era lìbero par strade fantasi<strong>os</strong>e, de un mondo pien de<br />

incantamenti. La stòria che vao contarve la ga un poco de tuto e la<br />

me fà ricordar quel che se scoltava ntel filò de sti ani dele fameie e<br />

visigni dele colònie, che i zera de star retiradi dei paesi o dele sità.<br />

Mi sero de star nte una lìnea tanto sémpia a vinti e pochi chilòmetri<br />

dela sità, ma zera un p<strong>os</strong>to tanto bel <strong>com</strong>e nessun altro.<br />

6


era uma vez...<br />

Assim <strong>com</strong>eçavam as histórias que me eram<br />

contadas quando criança, fazendo a imaginação<br />

voar leve e solta pel<strong>os</strong> caminh<strong>os</strong> do fantástico, da<br />

magia e de um mundo de encantament<strong>os</strong>. A história que vou lhes<br />

contar tem um pouco de tod<strong>os</strong> esses element<strong>os</strong> e me faz recordar<br />

o que se ouvia n<strong>os</strong> fi l ò de antigamente, nas reuniões de famílias e<br />

vizinh<strong>os</strong> no interior, um pouco distante das cidades.<br />

Eu morava em uma dessas localidades, muito simples, a pouco mais<br />

de vinte quilômetr<strong>os</strong> da sede do município, mas de uma beleza sem<br />

igual.<br />

7


Un vale pien de verdo, de rieti che travessava le strade de tera<br />

batesta, con tanti <strong>os</strong>ei che, cantando, i dassava tuto ancora pi bel.<br />

Ndar via de casa zera na roba difìssile, parché la saudade del me<br />

p<strong>os</strong>tin la me ndea adrio. Tocava dassar indrio a casa le robe che<br />

depì ghe piaseo: el me pupà, i me fradei, le me sorele, le bestiolete<br />

de casa e, massimamente, Piloto e Gigante, i me due bravi can.<br />

Quando tornavo a casa, anca se in pìcole scampade, i me riceveva<br />

saltàndome ad<strong>os</strong>so e fando festa. I ndava insieme a mi in colònia,<br />

adrio ale bèstie, ntele cassade e ntei dughi. Lori i tendeva le case.<br />

Non passava gnente sensa lori snasar e i ghe vedeva tuto quel che<br />

sucedeva. Quando ghe zera qualc<strong>os</strong>sa strània, i fea su el bacan.<br />

8


Um vale coberto de verde, pequen<strong>os</strong> riach<strong>os</strong> que cruzavam<br />

<strong>os</strong> caminh<strong>os</strong>, estradas de chão batido e o cantar d<strong>os</strong> pássar<strong>os</strong><br />

tornavam a paisagem única, singular.<br />

Difícil era sair de casa, a saudade do meu cantinho me a<strong>com</strong>panhava.<br />

Em casa ficavam as coisas que eu mais g<strong>os</strong>tava: meus pais, irmã<strong>os</strong><br />

e irmãs, <strong>os</strong> animais de criação e <strong>os</strong> inseparáveis Piloto e Gigante,<br />

meus dois querid<strong>os</strong> cães. Quando retornava para casa, mesmo<br />

em breves saídas, era recebido por eles <strong>com</strong> muita festa. Eles me<br />

a<strong>com</strong>panhavam na lavoura, na lida <strong>com</strong> <strong>os</strong> animais, nas caçadas<br />

e brincadeiras. Eram <strong>os</strong> guardiões da propriedade. Nada se<br />

perdia ao seu faro e olhar atent<strong>os</strong>, que sempre anunciavam<br />

quando algo fora da normalidade acontecia.<br />

9


La vita fora par la colònia la zera sempre la stessa, tanto laoro con<br />

me pupà e me mama, dopo che i me fradei i ze ndai de star al paese.<br />

I me genitori i zera i primi a saltar su del leto, bonorivi, par intacar<br />

el fogo e pareciar la àqua par far el cafè e el simaron. Era sempre<br />

el primo laoro del giorno. El ràdio a pìlie el zera belche impissà<br />

par scoltar le notìssie e anca la bona mùsica tradissional gaussa,<br />

fàndome segno par anca mi sveliarme e ndar fora dele querte. La<br />

forsa elètrica la ze rivada tanto pi tardi fora par le colònie, par gràssia<br />

de una <strong>com</strong>perativa de eletrissità.<br />

10


A vida no interior era assim, uma rotina de muito trabalho <strong>com</strong> meu<br />

pai e minha mãe, quando meus irmã<strong>os</strong> mudaram-se para a cidade.<br />

Meus pais eram <strong>os</strong> primeir<strong>os</strong> a levantar da cama, bem cedo, para<br />

iniciar o fogo para preparar a água para o café e para o habitual<br />

chimarrão. Era a primeira atividade do dia. Depois, ligavam o rádio<br />

a pilhas para escutar as notícias e uma boa música regional, um<br />

sinal para que eu levantasse também. A energia elétrica chegou bem<br />

tarde no interior, pel<strong>os</strong> serviç<strong>os</strong> de uma cooperativa de eletrificação.<br />

11


Mi ghe giutavo a darghe de magnar ale bèstie, monzer le vache con<br />

un caneco e un baldon, pareciadi dala me mama.<br />

El pi tanto dela réndita dela fameia la vegnea de meter su sicherade<br />

de porchi de ndove vegnea la bagna, le grépole, el salame e la carne<br />

par vender e anca par el n<strong>os</strong>tro guasto. Questo zera laoro de me pupà.<br />

Finidi i primi afari dela matina, se tornava indrio a casa col profumo<br />

del cafè, parecià dala mama.<br />

12


Eu ajudava no trato d<strong>os</strong> animais e tirava leite das vacas em canecas<br />

e baldes já separad<strong>os</strong> pela minha mãe.<br />

A maior fonte de receita da família vinha da criação de suín<strong>os</strong> que<br />

n<strong>os</strong> proporcionavam a banha, o torresmo, o salame e a carne para a<br />

venda e para n<strong>os</strong>sa alimentação. Essa era a tarefa de meu pai.<br />

Terminadas as primeiras atividades da manhã, voltávam<strong>os</strong> para casa<br />

seguindo o aroma do café preparado pela minha mãe.<br />

13


Se bevea el cafè con pan de forno, tanta polenta, salami, formai,<br />

uvi e marmelade che se fea a casa. Piloto e Gigante i spetava con<br />

passiensa ntei scalini dela porta par guadagnar qualche vanso de<br />

magnar.<br />

Tute le matine, mi partio par ndar laorar in colònia. La careta e una<br />

giunta de boi le zera robe che non podea mancar sia ntel pareciar la<br />

tera, sia ntel semenar e anca ntel catar su la racolta.<br />

14


O café era saboreado <strong>com</strong> pão colonial, muita polenta, salame,<br />

queij<strong>os</strong>, ov<strong>os</strong> e geleias caseiras. Piloto e Gigante aguardavam<br />

pacientemente na soleira da porta para receber algumas sobras de<br />

<strong>com</strong>ida.<br />

Todas as manhãs, eu partia para trabalhar na roça. A carroça e uma<br />

junta de bois eram as ferramentas indispensáveis no preparo da<br />

terra, no plantio e depois na colheita.<br />

15


Ntei di de piova, magari, non se fea sti laori e aprofitavo le àque<br />

tùrbie che le vegnea zo par i monti par ciapar i parécii de pescaria e<br />

ndavo pescar ntel rieto pi darente. I pessi che ciapeo, la me mama la<br />

li pareciava boni, r<strong>os</strong>tii e i zera tanto boni che li magnavo de gusto<br />

con la polenta e el vin.<br />

Ntei di de piova, non se podea laorar ntela r<strong>os</strong>sa, alora se aprofitava<br />

anca par far altri laori, disgranar mìlio e sbregar scart<strong>os</strong>si fini e<br />

tendri par trucar i scart<strong>os</strong>si vècii che se li metea rento ntei paioni de<br />

dormir.<br />

16


A exceção estava n<strong>os</strong> dias de chuva, quando as<br />

águas barrentas desciam das lavouras e então eu<br />

apanhava meus apetrech<strong>os</strong> de pesca seguindo para<br />

o riacho mais próximo. Com o produto da pescaria,<br />

minha mãe preparava sabor<strong>os</strong>as fritadas de peixes<br />

a<strong>com</strong>panhadas de polenta e vinho.<br />

Nesses dias em que não podíam<strong>os</strong> trabalhar na roça,<br />

aproveitávam<strong>os</strong> também para realizar outras atividades <strong>com</strong>o<br />

debulhar o milho e separar as palhas finas e macias para renovar o<br />

forro d<strong>os</strong> colchões de casa.<br />

17


I paioni i zera fati a casa, stesso a grande borse de tessuto che se li<br />

impienia coi scart<strong>os</strong>si pi tendri del mìlio.<br />

In quel tempo, tuto zera tanto fermo e tranquilo. Passava un di,<br />

passava el altro, sempre se pareciava lo stesso magnar, se fea<br />

i stessi schersi coi can e qualche cassada o pescada. El laoro in<br />

colònia el zera pesante, se piantava tante robe, fasoi, mìlio, riso,<br />

mangioca, patate, patatine, ségole, angùrie, tanti tipi de suche che<br />

se li doperava tanto par noantri magnar <strong>com</strong>e par vender e anca par<br />

darghe de magnar ale bèstie.<br />

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Até então, <strong>os</strong> colchões eram feit<strong>os</strong> em casa tomando-se grandes<br />

sac<strong>os</strong> de tecid<strong>os</strong> que eram preenchid<strong>os</strong> <strong>com</strong> a palha mais macia<br />

extraída do milho.<br />

Eram temp<strong>os</strong> calm<strong>os</strong> e uma rotina tranquila. Seguiam-se <strong>os</strong> dias<br />

repetindo o preparo do alimento, a brincadeira <strong>com</strong> <strong>os</strong> cachorr<strong>os</strong>,<br />

uma ou outra caçada e pescaria e o trabalho nas lavouras, que<br />

era árduo, pois plantávam<strong>os</strong> muitas coisas: feijão, milho, arroz,<br />

mandioca, batatas, cebola, melancia, morangas, abóboras, aliment<strong>os</strong><br />

que n<strong>os</strong> serviam à mesa, mas também <strong>com</strong>o produto para venda e<br />

para a manutenção d<strong>os</strong> animais.<br />

19


Un giorno, drio sera, quando se tornava indrio dela r<strong>os</strong>sa, Piloto e<br />

Gigante i ga sentisto el odor de una roba strània, che la vegnea de<br />

un scapoeron darente un rio e i ga sparà de carera, fando un bacan<br />

in diression al scapoeron.<br />

Non son stà bon saver c<strong>os</strong>sa ghe zera. Go pensà de na bèstia che la<br />

saria drio ciapar una galina che la zera sempre drio sfrassar in quele<br />

bande lì. I me due brai can i ndava sempre par un trodo, tornando<br />

indrio suito. Nte questo di, però, i ga dimorà tanto e mi son restà<br />

preocupà. Sentio de distante el sbaiamento de Piloto e Gigante e<br />

son ndà veder c<strong>os</strong>sa che ghe zera.<br />

20


Uma tarde, quando voltávam<strong>os</strong> da<br />

lavoura, Piloto e Gigante farejaram<br />

algo em uma mata próxima a um riacho<br />

e dispararam em uma barulhenta correria para<br />

aqueles lad<strong>os</strong>.<br />

Não percebi o que estava acontecendo. Pensei logo em algum<br />

animal tentando pegar uma galinha que c<strong>os</strong>tumava ciscar por<br />

ali. Meus fiéis <strong>com</strong>panheir<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumavam seguir algum rastro,<br />

retornando sempre em seguida. Nesse dia, porém, eles não<br />

retornaram de imediato, o que me deixou bastante preocupado.<br />

Ouvia o latido de Piloto e Gigante ao longe e decidi ver o que era.<br />

21


Son tornà a casa, go ciapà la s-ciopa dela fameia, un facon e ghe<br />

go dito a me pupà che ndaria veder c<strong>os</strong>sa che ghe zera par sti can<br />

esser tanto inrabiadi.<br />

Me go impiantà rento ntel mato e go sentisto el baruio<br />

sempre pi darente, segno che sero ntela diression giusta.<br />

Zera scuro e non gaveo idea de ndove che sero, andove<br />

ndeo e quanto distante gavario caminà. Pochi passi avanti,<br />

go catà Piloto e Gigante rento de un seraio de rami e taquare.<br />

Lori i se m<strong>os</strong>trava spauradi. Non go capì c<strong>os</strong>sa zera drio suceder.<br />

Go proà tirarli fora de quela serca, ma de tanto scuro non so stà mia<br />

bon rivarghe de móverli de là.<br />

22


Voltei para casa para apanhar a espingarda da família, peguei um<br />

facão e disse ao meu pai que iria ver o que estava agitando <strong>os</strong><br />

cachorr<strong>os</strong>.<br />

Entrei na mata, ouvindo <strong>os</strong> latid<strong>os</strong> cada vez mais próxim<strong>os</strong>, sinal de<br />

que estava no caminho certo. Estava escuro e já não tinha a exata<br />

noção de minha localização, para onde me dirigia e que distância eu<br />

havia percorrido. Alguns pass<strong>os</strong> mais e encontrei Piloto e Gigante<br />

cercad<strong>os</strong> por uma parede de galh<strong>os</strong> e taquaras. Pareciam assustad<strong>os</strong>.<br />

Não <strong>com</strong>preendi o que estava acontecendo. Tentei tirá-l<strong>os</strong> daquele<br />

cercado, mas a escuridão não permitia que meus moviment<strong>os</strong> <strong>os</strong><br />

libertassem.<br />

23


El me cuor el smacava rento al peto, robe de saltar fora. Cola<br />

s-ciopa e el facon in man, go sentisto un baruio strànio che ga fato<br />

i can diventar pi rabi<strong>os</strong>i ancora. Me go dontà a lori, rento de quel<br />

imbordelamento de rami e foie, sensa incòrderme <strong>com</strong>e son stà bon<br />

ndar rento.<br />

Cola s-ciopa a tiro par sparar, son stà atento a c<strong>os</strong>sa ghe zera<br />

intorno e, picà su par i can, go sercà de farli taser, anca se el me<br />

cuor el seitasse a sbater svelto. Pochi minuti dopo, non son sicuro<br />

giusto del tempo, go sentisto na <strong>os</strong>e e altri sighi. Piloto e Gigante<br />

i zera arfanti, ma no i ga bu reassion e mi go seità tégnerli duri par<br />

che i stesse siti.<br />

24


Meu coração batia muito forte, pensei que saltaria<br />

peito afora. Espingarda e facão nas mã<strong>os</strong>, ouvi um ruído<br />

estranho que deixou <strong>os</strong> cães ainda mais agitad<strong>os</strong>. Juntei-me a eles,<br />

dentro daquele emaranhado de galh<strong>os</strong> e folhagens, sem mesmo<br />

saber <strong>com</strong>o consegui entrar.<br />

Arma pronta para disparar, prestei atenção ao que acontecia e,<br />

abraçado a<strong>os</strong> cães, procurei acalmá-l<strong>os</strong>, embora meu coração<br />

continuasse a pulsar fortemente. Alguns minut<strong>os</strong> se passaram,<br />

não sei ao certo quanto tempo decorreu, quando ouvi uma voz<br />

seguida de outr<strong>os</strong> ruíd<strong>os</strong>. Piloto e Gigante estavam extenuad<strong>os</strong> e<br />

não tiveram reação, mas continuei firme segurando amb<strong>os</strong> para<br />

que se acalmassem.<br />

25


Come no me gavea mai sucedesto na roba <strong>com</strong>pagna, go visto che<br />

poco podario far cola s-ciopa in man. La go metesta in tera, anca el<br />

facon, e go dato na <strong>os</strong>ada:<br />

— Chi ghe zelo lì? Sito chi? C<strong>os</strong>sa vuto?<br />

Sercando de spaurar sta creatura in meso al scuro, ghe go menassà:<br />

— Parla! Senò te dao na s-ciopetada!<br />

El silénsio zera de insurdir le récie, non se sentia gnente e sercavo<br />

de veder qualc<strong>os</strong>sa par sora dele foie e dei rami intorno.<br />

26


Diante de situação desconhecida, percebi que pouco poderia fazer<br />

<strong>com</strong> a espingarda nas mã<strong>os</strong>. Coloquei a arma e o facão no chão e<br />

gritei:<br />

— Quem está aí? Quem é você? O que você quer?<br />

Para tentar amedrontar a criatura em meio à escuridão, arrematei:<br />

— Fale! Senão atiro!<br />

O silêncio tomou conta daquele lugar, não ouvia nada e tentava<br />

enxergar alguma coisa por cima das folhagens e ram<strong>os</strong> ao n<strong>os</strong>so<br />

redor.<br />

27


De colpo, go sentisto na <strong>os</strong>e strània, difarente, che la ga <strong>os</strong>à:<br />

— Non volemo farghe mal a nissuni e gnanca no volemo che i ne<br />

faga mal a noantri!<br />

El me cuor el ga sparà pi forte ancora e, anca parlando meso balbo,<br />

go <strong>os</strong>à:<br />

— Anca mi non vui farghe mal a nissuni! Vui sol tornar indrio ala me<br />

casa con i me due can. I me genitori i ga da esser tanto avelii che<br />

son ciapà tardi!<br />

Par dir la verità, i me genitori i zera tranquili, parché i savea che<br />

quando mi ndavo a cassar, dormivo ntela casa de un visin, <strong>com</strong>pagno<br />

de cassa.<br />

28


Foi então que uma voz estranha, muito diferente, gritou:<br />

— Não querem<strong>os</strong> te fazer mal e também não querem<strong>os</strong> que n<strong>os</strong><br />

façam mal!<br />

Meu coração batia forte ainda e, <strong>com</strong> a voz embargada, quase não<br />

conseguia falar, mas gritei:<br />

— Eu também não quero fazer mal a ninguém! Só quero voltar para<br />

casa <strong>com</strong> meus cachorr<strong>os</strong>. Meus pais devem estar preocupad<strong>os</strong><br />

<strong>com</strong> minha demora!<br />

Na verdade, meus pais não sentiriam minha falta uma vez que,<br />

seguidamente quando saía para caçar, pernoitava na casa de um<br />

vizinho, <strong>com</strong>panheiro de caçada.<br />

29


In meso al scuro e ai dùbii de quel incontro go tornà a <strong>os</strong>ar:<br />

— Dime chi che te sì! Fate veder, disi qualc<strong>os</strong>sa! Son tanto spaurà!<br />

La stessa <strong>os</strong>e strània la ga rispondesto:<br />

— Non stà ver paura, non volemo farte gnente de mal, semo na tribo<br />

de simiotoni e vivemo nte questo scapoeron ancora da tantìssimi<br />

ani.<br />

Vanti de quel di, non gavevo mai sentisto dir de simioti e, de colpo,<br />

go pensà che sero drio gaver un bruto insònio. La stessa <strong>os</strong>e la ga<br />

ra<strong>com</strong>andà:<br />

— Sbandona le arme e tien duro i can par anca noantri no gaver<br />

paura.<br />

Go pensà che la meio roba zera obedir a quel consìlio.<br />

30


Em meio à escuridão e às incertezas daquele encontro, voltei a gritar:<br />

— Quem é você? M<strong>os</strong>tre-se, diga alguma coisa! Estou <strong>com</strong> muito<br />

medo!<br />

Ouvi a mesma voz estranha responder:<br />

— Fique tranquilo, não vam<strong>os</strong> fazer nada de ruim, som<strong>os</strong> uma tribo<br />

de primatas e vivem<strong>os</strong> nessas matas há muit<strong>os</strong> an<strong>os</strong>.<br />

Até então nunca tinha ouvido falar em primatas e, por alguns<br />

instantes, pensei que tudo aquilo não passava de um pesadelo. A<br />

mesma voz voltou a falar:<br />

— Jogue suas armas e segure <strong>os</strong> cães para que p<strong>os</strong>sam<strong>os</strong> também<br />

ficar tranquil<strong>os</strong>.<br />

Nada mais poderia fazer a não ser obedecer àquele pedido.<br />

31


La s-ciopa la gaveo belche in tera, go tirà el<br />

facon del fodro e lo go butà fora dela serca. Mi e i<br />

can, ben tegnesti, gavemo spetà par veder <strong>com</strong>e la ndaria<br />

fora de questo incontro mai visto <strong>com</strong>pagno.<br />

Cofà un miràcolo, straordinàrio, se ga fato un ciaro slusente, na<br />

tòrcia de fogo la ga iluminà la note scura. Una figura indefinia la<br />

tegnea la tòrcia de luse, la ga ciapà le me arme, intanto altre luce le<br />

se impissava e ghe go rivà veder i me can, che i zera drio manifestarse<br />

de na maniera stramba, <strong>com</strong>e se i fusse drio capir, pi che mi, c<strong>os</strong>sa<br />

zera drio suceder.<br />

Con pi de na disena de ciari impissadi, el scapoeron el zera ciaro<br />

<strong>com</strong>e se fusse di, go visto devanti de mi un simioto tanto vècio,<br />

pròpio quel che el gavea parlà con mi tuto el tempo. Vardando<br />

meio, go visto tanti altri simioti lì darente.<br />

32


A espingarda já estava no chão, então tirei o facão da bainha<br />

e joguei-o para fora do cercado. Permaneci abraçado a<strong>os</strong> cães,<br />

eles e eu aguardando o desfecho daquele inusitado encontro.<br />

Como num passe de mágica, por entre as árvores, surgiu um clarão<br />

de fogo, uma tocha iluminando a escura noite. Um vulto indistinto<br />

segurava o facho de luz, tomou minhas armas no momento em<br />

que outras tochas surgiram e consegui ver meus cachorr<strong>os</strong>, que<br />

agiam de maneira esquisita <strong>com</strong>o se entendessem mais do que<br />

eu o que estava acontecendo.<br />

Com a mata iluminada por uma dezena de archotes, pude ver à<br />

minha frente um macaco muito velho, o mesmo que falara <strong>com</strong>igo<br />

todo esse tempo. Observando <strong>com</strong> mais atenção, vislumbrei<br />

muit<strong>os</strong> outr<strong>os</strong> macac<strong>os</strong> nas proximidades.<br />

33


El pi vecioto dela trupa, alora, el ga s<strong>com</strong>insià a parlar:<br />

Tuto questo ga sucedesto, parché un fiol dela n<strong>os</strong>tra fameia el se<br />

ga perso ancoi domesdì in meso al mato e lo gavemo catà ben<br />

darente a casa tua. Co lo gavemo visto, gavemo fato un <strong>os</strong>amento<br />

de contenti. I to can i ga sentisto el baruio e i ne ga coresto adrio in<br />

meso al mato. Gavemo rivà scamparghe, ma no i ga perso la urma.<br />

I ze vignesti adrio fin qua e me ga tocà serarli su ntel seraio de<br />

taquare, foie e rami de piante par noantri star in sicuressa. Scùsame,<br />

ma ze stato un sbàlio, sensa voler disturbar nissuni.<br />

34


O mais velho do grupo, então, <strong>com</strong>eçou a falar:<br />

Isso tudo aconteceu quando um filho de n<strong>os</strong>sa tribo desapareceu<br />

hoje à tarde. Perdeu-se na mata e o encontram<strong>os</strong> bem próximo da<br />

tua casa. Tod<strong>os</strong> saím<strong>os</strong> a procurar e quando o encontram<strong>os</strong> fizem<strong>os</strong><br />

muito barulho pela alegria do momento. Teus cachorr<strong>os</strong> ouviram a<br />

algazarra e n<strong>os</strong> perseguiram mata adentro. Conseguim<strong>os</strong> fugir, mas<br />

não <strong>os</strong> despistam<strong>os</strong>. Eles n<strong>os</strong> seguiram até aqui e fom<strong>os</strong> obrigad<strong>os</strong><br />

a trancá-l<strong>os</strong> no cercado de folhas, taquaras e galh<strong>os</strong> de árvores<br />

para garantir n<strong>os</strong>sa segurança. Perdoe-n<strong>os</strong>, tudo não passou de um<br />

incidente e não pretendíam<strong>os</strong> causar transtorn<strong>os</strong>.<br />

35


Me ga passà via un poco la paura, zera tuto spiegà, ma la me testa<br />

la boieva de curi<strong>os</strong>o che son deventà. Come pol i simioti parlar con<br />

la gente? Vanti che podesse s-ciarir i me dùbii, lampi i se ga impissai<br />

ntel ciel, fando ciaro ala note.<br />

— Vien piova! − Ga dito el simioto. E, cola so speriensa, el ghe ga<br />

dontà:<br />

— Prima che la luna la se sbasse, vegnarà tanta piova e ne tocarà<br />

ndar al querto.<br />

Gavemo caminà par el mato, adesso lìberi del seraio. I me due<br />

<strong>com</strong>pagni, Piloto e Gigante, i ne ndea adrio tranquili.<br />

36


Eu já estava mais tranquilo, a situação estava esclarecida, mas<br />

minha cabeça remoía perguntas e mais perguntas. Como podem<br />

<strong>os</strong> macac<strong>os</strong> falar <strong>com</strong>o <strong>os</strong> human<strong>os</strong>? Antes que pudesse esclarecer<br />

quaisquer de minhas dúvidas, relâmpag<strong>os</strong> riscaram o céu iluminando<br />

a escuridão daquela noite.<br />

— Vai chover! − Disse o velho macaco. E, <strong>com</strong> sua experiência,<br />

<strong>com</strong>pletou:<br />

— Antes que a lua caia, vai chover muito, precisam<strong>os</strong> n<strong>os</strong> abrigar.<br />

Começam<strong>os</strong> a andar pela mata, agora livres do cercado. Meus<br />

<strong>com</strong>panheir<strong>os</strong> Piloto e Gigante calmamente n<strong>os</strong> a<strong>com</strong>panhavam.<br />

37


Semo rivadi nte na pianura desquerta de capoeron, ndove zera el<br />

p<strong>os</strong>to de star dei simioti, con tante case fate su par le piante, fate<br />

con rami de legno, querte con foie de bananere, palmiri e ligade su<br />

con corde de mato e erbe.<br />

Par na bora de na pianta son ndà su ala casa del paron dela tribo, che<br />

el me ga ofrì banane, guabirobe, butià e altri fruti selvàdeghi. Piloto<br />

e Gigante i spetava zo in tera morti de fame e, sensa altro, anca<br />

luri i magnava dei fruti. Suito el p<strong>os</strong>to el se ga impienì de simioti.<br />

Parea che tuta la tribo la zera lì curi<strong>os</strong>a par véderme. Qualchedun el<br />

vegnea darente, ma se mi me movesse i scampava, spauradi.<br />

38


Chegam<strong>os</strong> a uma clareira, a aldeia morada d<strong>os</strong> macac<strong>os</strong>, <strong>com</strong><br />

muitas casas construídas em árvores, <strong>com</strong> estruturas em madeira,<br />

cobertas <strong>com</strong> folhas de bananeira, palmeira e amarradas <strong>com</strong> cipó<br />

e capim.<br />

Por um tronco caído subi à casa do chefe da tribo, que logo me<br />

ofereceu bananas, guabirobas, butiás e outras frutas silvestres.<br />

Piloto e Gigante, esperando lá embaixo, famint<strong>os</strong> e sem outra<br />

alternativa, também saborearam as frutas. Logo o lugar ficou<br />

repleto de macac<strong>os</strong>. Parecia que a tribo toda estava ali para me<br />

ver. Alguns chegavam bem perto e quando me mexia, afastavamse,<br />

assustad<strong>os</strong>.<br />

39


La luna la se ga sparida del ciel e suito adrio ga capità la piova. Cola<br />

piova, ga capità anca el fredo. El paron dela tribo, alora, el me ga<br />

dita:<br />

— Mi go un p<strong>os</strong>to fra due bore gr<strong>os</strong>se de piante, con tante foie<br />

seche, par ti e i can passar la note al querto e al caldo. El paron el<br />

me ga menà fin al p<strong>os</strong>to e semo ndai dormir. Go dormisto in pace,<br />

fursi de tanto stufo, ma anca par tuto quel che gavea sucedesto<br />

ntel quel di. Piloto e Gigante i dormiva ala me banda, al suto, e<br />

riguardadi del fredo.<br />

40


A lua desapareceu do céu e logo <strong>com</strong>eçou a chover.<br />

Com a chuva, o frio também foi chegando. O chefe da<br />

tribo então falou:<br />

— Eu tenho um lugar entre tronc<strong>os</strong> de árvores, <strong>com</strong> muitas folhas<br />

secas, para você e <strong>os</strong> cachorr<strong>os</strong> passarem a noite protegid<strong>os</strong> e<br />

bem aquecid<strong>os</strong>. Fom<strong>os</strong> a<strong>com</strong>panhad<strong>os</strong> pelo chefe até o local e<br />

fom<strong>os</strong> dormir. Dormi um sono tranquilo, talvez pelo cansaço e pelo<br />

inusitado acontecimento daquele dia. Piloto e Gigante dormiram<br />

ao meu lado, sec<strong>os</strong> e livres do frio.<br />

41


Semo desmissiadi ntel s-ciarir del di e, vardando<br />

intorno, go podesto veder le case dei simioti su par<br />

le piante. Zera tuto ben p<strong>os</strong>tà, sensa rabaltoni, tuto neto e con un<br />

grando cortivo in meso, ndove i dugava i simiotini. Altri i ndava su<br />

par le piante in serca de foie tendre e fruti da magnar. Mi son fin<br />

restà, de veder quela movimentassion. Ma suito el paron dela tribo<br />

el me ga ciamà:<br />

— Amigo, vien bever un simaron insieme con mi!<br />

El vècio simioto el zera sentà su a un caregon fato de strope<br />

selvàdeghe. Nte na man el portea un porongo taià ala metà, stesso<br />

de na cuia. Un canotin de taquara zera la pompa par ciuciar el<br />

simaron.<br />

42


Acordam<strong>os</strong> <strong>com</strong> <strong>os</strong> primeir<strong>os</strong> fach<strong>os</strong> de luz da manhã e olhando ao<br />

redor pude visualizar as casas d<strong>os</strong> macac<strong>os</strong>. Tudo muito organizado,<br />

limpo e <strong>com</strong> um belo pátio central onde brincavam alguns filhotes d<strong>os</strong><br />

macac<strong>os</strong>. Outr<strong>os</strong> subiam pelas árvores em busca de folhas e frut<strong>os</strong><br />

para <strong>com</strong>er. Estava encantado observando aquela movimentação,<br />

quando o chefe da tribo chamou-me:<br />

— Amigo, venha tomar um chimarrão <strong>com</strong>igo!<br />

O velho macaco estava sentado em uma poltrona construída <strong>com</strong><br />

cipós. Em uma das mã<strong>os</strong> ele segurava um porongo cortado ao meio,<br />

<strong>com</strong>o uma cuia, e uma fina taquara servia de bomba para tomar o<br />

seu chimarrão.<br />

43


Fra na cuia e altra, el me ga contà la<br />

stòria dela so tribo.<br />

— Mi son el pi vècio, i me tien par el<br />

paron e mantegno la organisassion del<br />

grupo, fao el mèdego, consiliero e el<br />

orientador spiritual.<br />

In poche parole el me ga contà <strong>com</strong>e i vivea ntel so grupo e, finida<br />

de bever la cuia, la ga impienida nantra olta de àqua scaldada nte<br />

un vaso de baro e el me la ga ofria. Go pensà de refugarla, parché<br />

tuto quelo me parea tanto strànio. Ma, al fin, go acetà, con paura<br />

de farghe un dispeto e, fursi, finirla mal.<br />

Go ciapà la cuia, rento ghe zera na sbranca de foie pestade, àqua fin<br />

al orlo e go sentisto un profumo tanto bon de quela mescolansa. El<br />

gaveva gusto de un sià de erba menta.<br />

44


Enquanto ele servia-se de mais uma cuia, contou-me a história de<br />

sua tribo.<br />

— Sou o mais velho, consideram-me seu chefe e mantenho a ordem<br />

no grupo, sirvo <strong>com</strong>o médico, conselheiro e guia espiritual.<br />

Em poucas palavras, contou-me o modo de vida de<br />

seu grupo e ao terminar de tomar sua cuia encheu-a<br />

novamente <strong>com</strong> água aquecida em um pote de barro e<br />

ofereceu-me. Pensei em agradecer, aquilo tudo parecia-me muito<br />

estranho. Acabei aceitando, preocupado <strong>com</strong> o que minha recusa<br />

poderia desencadear.<br />

Peguei a cuia, <strong>com</strong> um punhado de folhas amassadas em seu interior,<br />

água até a borda e senti o perfume inebriante daquela mistura.<br />

Quanto ao g<strong>os</strong>to, a sensação que tive era a de estar tomando um<br />

chá de menta, ou talvez hortelã, muito sabor<strong>os</strong>o.<br />

45


Gavemo ciacolà un bel toco e bevesto simaron fin che i ne ga portà<br />

anca banane, patate, guabirobe, foie e fruti selvàdeghi.<br />

Dopo fenio de magnar, col Sol a piombo, dopo de na note de piova,<br />

zera ora de tornar indrio a casa. Non saveo la strada, però, sero<br />

perso, sensa diression.<br />

El vècio simioton el me ga dato indrio el facon e la s-ciopa. Ghe go<br />

dato ciao ala tribo e el paron el me ga menà fin a un rieto. El me<br />

ga dito par ndarghe adrio al corso del rieto, riva in su, che el me<br />

menaria a casa.<br />

46


Passam<strong>os</strong> um bom tempo conversando, tomando chimarrão, até<br />

que bananas, batatas, guabirobas, folhas e frutas diversas n<strong>os</strong><br />

foram trazidas.<br />

Após a refeição, <strong>com</strong> o Sol brilhando no firmamento, depois de uma<br />

noite chuv<strong>os</strong>a, estava na hora de retornar para casa. Não sabia,<br />

porém, o caminho de volta, pois estava sem rumo e <strong>com</strong>pletamente<br />

perdido.<br />

O velho macaco devolveu-me o facão e a espingarda. Despedime<br />

da tribo e fui levado pelo chefe até as proximidades de uma<br />

pequena sanga. Ele me apontou o caminho e disse que eu<br />

deveria apenas seguir o curso do riacho que ele me levaria<br />

para casa.<br />

47


Ghe go dato ciao anca al paron, go ciamà Piloto e Gigante, go ciapà<br />

su le me robe e son tornà a me casa.<br />

Quando son rivà, i me genitori no i ga volesto saver ndove mi gaveo<br />

passà la note. Stesso ghe go contà la stòria arquante volte, ma no<br />

i me ga credesto e i ga dita:<br />

— Non stà vegner contar busie, ti te ghè dormisto ntea casa del<br />

visin, <strong>com</strong>e ntele altre note che non te ghè dormisto a casa, c<strong>os</strong>sì<br />

te fè sempre che te vè cassar e pescar.<br />

48


Despedi-me do chefe, chamei Piloto e Gigante e <strong>com</strong> minhas coisas<br />

voltei para casa.<br />

Quando cheguei, meus pais não se preocuparam em saber onde eu<br />

havia passado a noite. Durante o dia contei-lhes a história, várias<br />

vezes, mas não acreditaram em mim e disseram:<br />

— Não diga bobagens, você dormiu na casa do vizinho! Isso acontece<br />

sempre que você não volta para casa, depois de uma caçada ou<br />

pescaria.<br />

49


Gavendo imparà la strada indicada dal simioto paron, son ndato<br />

araquante volte nte quel p<strong>os</strong>to sconto in meso al mato par bever<br />

simaron con i me novi amighi. Par tristessa mia, la ùltima volta che<br />

son ndà, el paron el me ga dita che i zera par cambiar de p<strong>os</strong>to,<br />

in serca de altri con depì géneri da magnar, parché lì, romai, i zera<br />

drio finirse. Dopo de quel di, non go pi savesto gnente de sti amighi<br />

simioti.<br />

Go contà questa stòria araquante volte a tanta gente dela me<br />

<strong>com</strong>unità, ma nissuni i me ga credesto. Alora, tornavo a quel p<strong>os</strong>to<br />

del mato mi mi sol, con paura che i me coionasse. Questa stòria de<br />

bever simaron coi simioti, magari, i t<strong>os</strong>atei, si, i ghe ga credesto!<br />

— E ti, ghe crédito?<br />

Ghera na volta…<br />

50


Seguindo a trilha indicada pelo chefe macaco, voltei algumas vezes<br />

para aquele lugar, escondido em meio à mata, para tomar chimarrão<br />

<strong>com</strong> meus nov<strong>os</strong> amig<strong>os</strong>. Na última visita, o velho chefe falou-me<br />

que estavam de mudanças, deslocando-se para outr<strong>os</strong> lugares. O<br />

alimento, antes abundante, estava agora diminuindo rapidamente e<br />

eles tiveram de se mudar de lugar. Nunca mais soube notícias deles.<br />

Contei essa história várias vezes para muitas pessoas de minha<br />

<strong>com</strong>unidade, mas ninguém me deu crédito! Então, eu voltava para<br />

aquele recanto da mata sozinho, <strong>com</strong> receio de ser alvo de chacotas.<br />

Nessa história de tomar chimarrão <strong>com</strong> macac<strong>os</strong>, apenas as crianças<br />

acreditaram.<br />

— E você, acreditou?<br />

Era uma vez…<br />

51


Edilson Carl<strong>os</strong> Guzzo nasceu em 1969 e é natural de Sananduva/RS.<br />

Trabalhou na agricultura até <strong>os</strong> 26 an<strong>os</strong> de idade e se formou em Administração<br />

de Empresas (IDEAU). Atualmente, é diretor de Cooperativas e administrador<br />

de empresa de Tele<strong>com</strong>unicação. Filho de Irma Gubert Guzzo e de João Batista<br />

Guzzo, <strong>com</strong> quem aprendeu a falar a Língua Talian, atualmente é casado <strong>com</strong><br />

Zelci Gubert Guzzo e pai de Felipe e Eloise Guzzo. Desde sua juventude, tinha<br />

<strong>com</strong>o hábito criar e contar histórias para as crianças, utilizando-se de element<strong>os</strong><br />

da cultura taliana, d<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes da roça, da natureza e da vida do agricultor<br />

talian.<br />

Loremi Loregian-Penkal<br />

Nascida em Modelo/SC, graduada em Letras Português e Italiano (UFSC);<br />

Mestre em Letras/Linguística (UFSC); Doutora em Letras/Linguística (UFPR).<br />

Concluiu estágio de pós-doutorado em Sociolinguística (UFPR), <strong>com</strong> bolsa de<br />

Pós-Doutorado Sênior do CNPq e realizou estágio de pós-doutorado (UFSC),<br />

na área de Contato Linguístico, ênfase na Língua Talian. Professora Associada<br />

C na UNICENTRO, Paraná. Nessa universidade, atua na graduação em Letras/<br />

Fonoaudiologia e no Programa de Pós-Graduação em Letras. Detentora do<br />

Talian, foi uma das coordenadoras e autoras da obra Talian par cei e grandi -<br />

gramàtica e stòria (2021), que contém a primeira gramática da Língua Talian.<br />

Efetuou tradução para o Talian, em parceria <strong>com</strong> Juvenal Dal Castel, d<strong>os</strong> Text<strong>os</strong><br />

52


do Memorial Santa Clara (2020); d<strong>os</strong> livr<strong>os</strong>: La Fubica del Nono Felice (2021) e La<br />

Strega Zabumbada (2021); do livro infantojuvenil Le me braure da ceo: simaron<br />

coi simioti (2021); do livro: Stòrie de gieri (2021), entre outr<strong>os</strong>. Revisora do Talian<br />

do livro El vignal e mi (2021), do livro 150 Ciàcole (2022), autora do Dissionàrio<br />

Talian Brasilian (2023), entre outr<strong>os</strong>. É coordenadora e professora do primeiro<br />

Curso de Extensão Universitária para o ensino da Língua Talian, Cucagna - Scola<br />

de Talian, uma parceria da UNICENTRO <strong>com</strong> a Associação d<strong>os</strong> Difusores do Talian<br />

(ASSODITA).<br />

Juvenal Jorge Dal Castel<br />

Nascido em Guaporé/ RS, em 1962, é Cirurgião Dentista pela UFPEL. Mestre<br />

da Cultura Popular pelo Ministério da Cultura (2018). Comp<strong>os</strong>itor musical,<br />

Álbum Sorgente Brasiliana (2018). Autor de Grigialda, Galina Contadina (2019),<br />

Assodita In Conti de Fade (2020), escritor de Talian par cei e grandi - gramàtica<br />

e stòria (2021). Coautor do Dissionàrio Talian Brasilian (2023). Presidente da<br />

Associação d<strong>os</strong> Difusores do Talian (2019 a 2023). Tradutor de La Fubica del<br />

Nono Felice (2021), La Strega Zabumbada (2021), Le me braure da ceo: simaron<br />

coi simioti (2021), Stòrie de gieri (2021), Memorial Santa Clara (2020), entre<br />

outr<strong>os</strong>. Revisor do Talian d<strong>os</strong> livr<strong>os</strong> El vignal e mi (2021) e 150 Ciàcole (2022).<br />

Professor do primeiro Curso de Extensão Universitária para o ensino da Língua<br />

Talian, Cucagna - Scola de Talian, uma parceria da UNICENTRO <strong>com</strong> a Associação<br />

d<strong>os</strong> Difusores do Talian (ASSODITA).<br />

53


Gabriela Molinaro sempre teve uma relação íntima <strong>com</strong> arte e tudo que<br />

envolvesse criatividade. Apaixonada por livr<strong>os</strong> ilustrad<strong>os</strong> desde a infância,<br />

<strong>com</strong>eçou a estudar desenho na adolescência e formou-se em Design Gráfico pelo<br />

Centro Universitário Belas Artes de São Paulo em 2018. Hoje, dar vida a nov<strong>os</strong><br />

personagens e histórias se tornou sua profissão.<br />

54


<strong>Tomando</strong> <strong>Chimarrão</strong> Com<br />

<strong>os</strong> Macac<strong>os</strong> − <strong>Parte</strong> I − é uma leitura que<br />

remete o leitor a uma divertida aventura, em um<br />

passado não muito distante, onde o convívio entre <strong>os</strong> homens e<br />

<strong>os</strong> animais era mais próximo, assim <strong>com</strong>o <strong>com</strong> a natureza e <strong>com</strong><br />

as pessoas entre si. Uma época em que <strong>os</strong> imigrantes italian<strong>os</strong> já<br />

haviam chegado e colonizado o interior d<strong>os</strong> estad<strong>os</strong> da região Sul do<br />

País, quando então a Língua Talian encontrou campo fértil<br />

para se desenvolver. Um típico “causo” carregado de<br />

sotaque e de cultura do interior do Sul do Brasil,<br />

narrado em Português e Talian.<br />

Acesse o conteúdo digital do livro, e recurs<strong>os</strong> de<br />

acessibilidade no QR Code ao lado ou no site da Editora:<br />

www.editorabichinho.<strong>com</strong>.br/chimarrao<strong>com</strong><strong>os</strong>macac<strong>os</strong><br />

Realização Patrocínio Financiamento

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