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Nação, guerra e utopia em - Adelino Torres

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NAÇÃO, GUERRA E UTOPIA EM PEPETELA<br />

Para fundamentar a sua posição quanto à relativa independência dos<br />

textos face à intenção dos seus autores, Ricoeur começa por analisar a própria<br />

possibilidade da inscrição de um qualquer acto de comunicação, que, segundo<br />

ele, radica na distinção entre evento e significação. Sendo a distinção entre estes<br />

dois el<strong>em</strong>entos pouco nítida, pelo menos na fala, é todavia ela que permite a<br />

passag<strong>em</strong> à escrita, onde se perde o evento e se inscreve unicamente a<br />

significação. Tal perda, se não significa o fim do processo comunicacional, causa<br />

uma série de alterações neste mesmo processo. Ricoeur propõe então o uso do<br />

célebre esqu<strong>em</strong>a de comunicação de Roman Jakobson para tentar perceber as<br />

alterações que advêm da passag<strong>em</strong> do discurso à escrita. Tendo <strong>em</strong> consideração<br />

este esqu<strong>em</strong>a – afirma Ricoeur – a “mudança mais óbvia que t<strong>em</strong> lugar ao<br />

passar-se da fala para a escrita diz respeito à relação entre a mensag<strong>em</strong> e o seu<br />

meio ou canal”, uma mudança que “irradia <strong>em</strong> todas as direcções, afectando de<br />

um modo decisivo todos os factores e funções”. Para Ricoeur, a importância da<br />

fixação do discurso num suporte exterior é que “o facto humano desaparece.<br />

Agora, as ‘marcas’ materiais transportam a mensag<strong>em</strong>”. Isto apenas é possível<br />

porque na escrita acontece a separação da significação relativamente ao evento<br />

da fala: “o que inscrev<strong>em</strong>os é o no<strong>em</strong>a do acto de falar, a significação do evento<br />

linguístico, e não o evento enquanto evento”. E se esta fixação produziu<br />

enormes “mudanças sociais e políticas”, então “pod<strong>em</strong>os conjecturar que a<br />

escrita é muito mais do que uma mera fixação material”. Ou seja, a constatação<br />

de um leque de efeitos leva Ricoeur a sugerir que “o discurso humano, ao fixar-<br />

se na escrita, não é simplesmente preservado da destruição, mas é<br />

profundamente afectado na sua função comunicativa” (2000 [1976]: 38-40).<br />

A primeira ligação a ser alterada é a da mensag<strong>em</strong> com o locutor, na<br />

medida <strong>em</strong> que a situação dialógica é destruída (Id<strong>em</strong>: 40-41). A implicação disto<br />

é que, porque o locutor deixa de pertencer de forma imediata à situação de<br />

interlocução, se perde a sobreposição entre a intenção subjectiva do locutor e a<br />

significação do discurso, como acontecia no discurso falado, onde “é a mesma<br />

coisa entender o que o locutor pretende dizer e o que o seu discurso significa”.<br />

Já com o discurso escrito, “a intenção do autor e o significado do texto deixam<br />

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