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Nação, guerra e utopia em - Adelino Torres

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NAÇÃO, GUERRA E UTOPIA EM PEPETELA<br />

escrita, as obras de linguag<strong>em</strong> tornam-se tão auto-suficientes como as<br />

esculturas” (2000 [1976]: 44-45).<br />

A última relação, entre mensag<strong>em</strong> e referência, é aquela onde Ricoeur<br />

considera acontecer<strong>em</strong> modificações mais complexas. Assim, “no discurso<br />

falado, o critério último do alcance referencial do que diz<strong>em</strong>os é a possibilidade<br />

de mostrar a coisa referida como um m<strong>em</strong>bro da situação comum ao locutor e<br />

ao ouvinte”. 22 A contrapartida desta facilidade de designação é que todas as<br />

identificações se refer<strong>em</strong> ao “aqui e agora designado pela situação<br />

interlocucionária” e, neste sentido, “todas as referências da linguag<strong>em</strong> oral se<br />

baseiam <strong>em</strong> mostrações, que depend<strong>em</strong> da situação percebida como comum<br />

pelos m<strong>em</strong>bros do diálogo”. Já na escrita “aparece um hiato entre a identificação<br />

e a mostração” do qual resultam alterações no “carácter ostensivo da referência”.<br />

A primeira consequência disto é que, segundo Ricoeur, da mesma maneira que o<br />

texto liberta a sua significação da tutela da intenção mental, liberta também a sua<br />

referência dos limites da referência situacional, de modo que, “para nós, o<br />

mundo é o conjunto das referências abertas pelos textos” (2000 [1976]: 46-47).<br />

A segunda consequência, que diz respeito não tanto à escrita mas mais<br />

especificamente à escrita enquanto canal da literatura, é que pode, considerando<br />

a função poética da linguag<strong>em</strong>, falar-se <strong>em</strong> certos casos de um apagamento da<br />

referência: “o apagamento da referência ostensiva e descritiva liberta um poder<br />

de referência para aspectos do nosso ser-no-mundo que não pod<strong>em</strong> dizer-se de<br />

um modo descritivo directo, mas só por alusão”. Alarga-se o conceito de mundo<br />

já mencionado – o mundo criado pelos textos libertos da referência situacional –<br />

para nele incluir “também referências não ostensivas e não descritivas, as da<br />

dicção poética” (2000 [1976]: 48-49).<br />

Ricoeur defende que na escrita há uma autonomia da mensag<strong>em</strong><br />

relativamente ao seu autor e, mais ainda, do texto relativamente ao seu contexto<br />

22 De facto, o que acontece no discurso falado é que a situação rodeia o diálogo, de tal modo<br />

que “os seus pontos de referência pod<strong>em</strong> indicar-se por um gesto ou pelo apontar de um dedo.<br />

Ou pode designar-se, de um modo ostensivo, pelo próprio discurso” (Id<strong>em</strong>: 46).<br />

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