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Nação, guerra e utopia em - Adelino Torres

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NAÇÃO, GUERRA E UTOPIA EM PEPETELA<br />

movimento independentista durante a época da luta armada contra o exército<br />

português. Marcado pelos erros, o dia-a-dia dos guerrilheiros ficcionado <strong>em</strong><br />

Mayombe é caracterizado muitas vezes pelo afastamento <strong>em</strong> relação aos<br />

comportamentos exigidos pelos ideólogos da revolução: o MPLA é mostrado<br />

como um movimento sujeito à influência de indivíduos s<strong>em</strong> escrúpulos (M: 195-<br />

199) e permeável ao nepotismo (M: 79); a retaguarda da guerrilha é retratada<br />

como desorganizada (M: 42, 70, 80); existe um fosso entre a direcção do<br />

movimento e os el<strong>em</strong>entos no terreno (M: 125-127); os próprios guerrilheiros<br />

são mostrados a errar de forma flagrante, como quando um deles rouba um<br />

el<strong>em</strong>ento do povo (M: 43); quase todos ced<strong>em</strong> ao que apelidam de tribalismo<br />

(ver especialmente M: 112-116); finalmente, muitos são hostis para com o povo<br />

<strong>em</strong> nome do qual lutam (M: 24, 29, 69).<br />

A enumeração <strong>em</strong> Mayombe de inúmeras de falhas na organização do<br />

MPLA, b<strong>em</strong> como no comportamento de responsáveis e guerrilheiros, revela<br />

um olhar atento e crítico. O olhar de qu<strong>em</strong>, tendo pertencido à reduzida e<br />

eficiente organização que constituiu o Centro de Estudos Angolanos (CEA) de<br />

Argel – organização que se revelou extr<strong>em</strong>amente produtiva, tendo uma das suas<br />

publicações merecido um prémio da UNESCO 4 –, se viu confrontado com um<br />

vasto <strong>em</strong>preendimento mal gerido. 5 Mas, ao mesmo t<strong>em</strong>po, estas falhas também<br />

são o que <strong>em</strong>presta à narrativa uma aparência de realismo, revelando-se ainda<br />

excelentes oportunidades de mostrar o modo considerado correcto de agir. Tal<br />

como <strong>em</strong> As Aventuras de Ngunga, também <strong>em</strong> Mayombe as observações<br />

4 Em entrevista ao historiador Fernando Tavares Pimenta, o militante nacionalista angolano<br />

Adolfo Maria afirma que Pepetela foi um dos m<strong>em</strong>bros da comissão organizadora do CEA<br />

(2006: 76). Esta organização dedicou-se à “recolha, classificação e arquivo de documentação”<br />

sobre Angola – actividade exercida <strong>em</strong> prol do MPLA –, mas também à edição de publicações.<br />

Neste campo a lista é extensa, incluindo o boletim bilingue Angola: Cultura e Revolução, os<br />

Cadernos Revolucionários destinados à doutrinação ideológica, a obra História de Angola, b<strong>em</strong> como<br />

o Manual de Alfabetização e o Guia do Alfabetizador, estes últimos destinados a campanhas de<br />

alfabetização que nunca se teriam chegado a concretizar (Pimenta 2006: 78-79). Teriam sido<br />

estes últimos materiais a levar à atribuição ao MPLA de um prémio da UNESCO (Id<strong>em</strong>: 79).<br />

5 A propósito do modo como era gerido o MPLA na década de 1960 leia-se a sugestiva<br />

descrição de Adolfo Maria (Pimenta 2006: 90).<br />

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