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Linguística aplicada, raça e interseccionalidade na contemporaneidade

O racismo e seus desdobramentos nefastos entraram no radar da Linguística Aplicada só recentemente, como acertadamente apontam os organizadores deste livro. É como se ninguém quisesse abordar a questão abertamente, embora muitos suspeitassem de sua presença dissimulada o tempo todo. Contudo, o fato é que a ideia de raça, junto com os inúmeros mitos e preconceitos que se aglutinaram em torno dela, sempre estiveram presentes nas reflexões sobre a linguagem ao longo de todo esse tempo. Já foi dito que a Linguística encarna o Zeitgeist do século XIX, notadamente marcado pelo espírito de colonialismo, prática fincada no eurocentrismo e na crença cega na superioridade da raça branca sobre as demais. Com o passar do tempo, a ideia de raça negra se transformou numa metáfora para designar todos os seres humanos que não passassem pelo crivo de branquitude de 24 quilates, gesto esse que se acha ecoado quando os povos indígenas caracterizam todos os forasteiros com o rótulo de “brancos”. Enquanto metáfora, a negritude está longe de ser algo concretamente verificável no mundo real (a despeito da ampla crença ao contrário). Daí a extrema importância de trazer para dentro dessa discussão o conceito de interseccionalidade para iluminar a multidimensionalidade do fenômeno em questão, bem como a multiplicidade de fatores que impingem na opressão das minorias, alimentando as desigualdades e recrudescendo as injustiças. Os autores que participam deste livro discutem toda essa questão e muito mais com maestria e brilhantismo.

O racismo e seus desdobramentos nefastos entraram no radar da Linguística Aplicada só recentemente, como acertadamente apontam os organizadores deste livro. É como se ninguém quisesse abordar a questão abertamente, embora muitos suspeitassem de sua presença dissimulada o tempo todo. Contudo, o fato é que a ideia de raça, junto com os inúmeros mitos e preconceitos que se aglutinaram em torno dela, sempre estiveram presentes nas reflexões sobre a linguagem ao longo de todo esse tempo. Já foi dito que a Linguística encarna o Zeitgeist do século XIX, notadamente marcado pelo espírito de colonialismo, prática fincada no
eurocentrismo e na crença cega na superioridade da raça branca sobre as demais. Com o passar do tempo, a ideia de raça negra se transformou numa metáfora para designar todos os seres humanos que não passassem pelo crivo de branquitude de 24 quilates, gesto esse que se acha ecoado quando os povos indígenas caracterizam todos os forasteiros com o rótulo de “brancos”. Enquanto metáfora, a negritude está longe de ser algo concretamente verificável no mundo real (a despeito da ampla crença ao contrário). Daí a extrema importância de trazer para dentro dessa discussão o conceito de interseccionalidade para iluminar a multidimensionalidade do fenômeno em questão, bem como a multiplicidade de fatores que impingem na opressão das minorias, alimentando as desigualdades
e recrudescendo as injustiças. Os autores que participam deste livro discutem toda essa questão e muito mais com maestria e brilhantismo.

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mostrando, desta forma, que a linguagem não está apartada de raça. Ao

longo do capítulo, autora e autor fazem o movimento de, como citado

por eles, “expurgar e reordenar elementos coloniais e elitistas dentro

dos estudos da linguagem” (Makoni et al., 2003, p. 1).

Neste processo de purgar os elementos coloniais da linguagem, em

“Ainda sobre a possibilidade de uma linguística ‘crítica’: performatividade,

política e identificação racial no Brasil”, Kassandra Muniz apresenta uma

reflexão em torno da linguagem permeada pela colonialidade do saber,

raça e os estudos linguísticos. Embasada tanto nos estudos performativos

de Austin (1990[1962]) como na proposta de uma linguística crítica, na

perspectiva tratada por Rajagopalan (2003), a autora aborda a performatividade

e a identificação racial, mostrando a importância de se estudar

os “restos de temas sociais” e o lugar de pesquisadoras(es), especificamente

negras e negros, que optam por investigar esses restos.

Considerando os restos de temas sociais, Glenda Cristina Valim de

Melo, no terceiro capítulo, intitulado “Performatividade de raça interseccionada

por gênero e sexualidade em uma roda de conversa entre

mulheres negras”, articula o conceito de performatividade e de atos de

fala sobre raça em diálogo com gênero e sexualidade para analisar a interação

de mulheres negras em uma roda de conversa on-line. Também

com foco nas mulheres negras e na perspectiva da performatividade,

Aline da Silva Azevedo de Carvalho e Júlio Cesar Salles Boaventura, em

“Cláudia da Silva Ferreira, Mulher Arrastada, Não! O papel performativo

da linguagem na luta por reconhecimento de uma vítima da necropolítica

no Rio de Janeiro”, exploram os conceitos de biopolítica e necropolítica

na compreensão do genocídio da população negra no Rio de Janeiro

para tratarem da circulação de discursos sobre o assassinato de Cláudia

da Silva Ferreira, moradora do subúrbio de Madureira, e seus efeitos

performativos em diferentes espaços-tempo.

Finalizando essa seção, também com foco nas mulheres negras e na

performatividade, Talita Oliveira, no capítulo “‘Aí a pessoa foi fechando o

portão e eu fui morrendo por dentro’: dor, desproteção, paralisia e inexistência

em narrativas de racismo”, trata do debate em torno das questões

raciais e do papel da linguagem na construção das identidades de raça e

do racismo por intermédio da análise de narrativas orais da experiência

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