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TRIBUNADEMINAS
JUIZ DE FORA, DOMINGO, 31 DE MAIO DE 2020
ANOS
ESPECIAL
JF170
ANOS
FERNANDO PRIAMO
A cidade que ainda existe. E resiste
MARCO DE
SESMARIA
em Paula
Lima é um
dos primeiros
sinais da
existência de
Juiz de Fora
JF 170 ANOS
ESPECIAL
UMA NUVEM
no ocaso
Viste, acaso um suavíssimo Poente
de cinza e rosa, em gamas merencórias,
iluminar-se inesperadamente,
numa rajada de clarões e glórias?
uma nuvem pequena, alta e morrente,
lembrando auroras, madrugadas flóreas,
foi tocada do Sol subitamente,
e eis que rutila em chamas ilusórias.
Há de, em breve, apagar-se ao vir a treva
que, a lento e lento, coleante adensa,
amortalhando o céu crepuscular.
Mas, ao sumir-se, no bulcão que a leva,
que sonhos trouxe!... que ternura imensa!...
quanta saudade refletindo ao luar.
Honório Armond
Poeta nascido em 1891, em Barbacena, cidade
à qual pertenceu o lugarejo de Paraibuna,
elevado a distrito e município em 1850, com
o nome de Santo Antônio do Paraibuna, que
em 1865 tornou-se Juiz de Fora.
Poema pertencente ao livro “Poesia completa”
(Editora Veredas e Cenários, 2011), organizado
postumamente por Eliana Scotti Muzzi e Nancy
Maria Mendes
DA ESQUERDA
PARA DIREITA:
o pesquisador
Vanderlei Tomaz,
o secretário de
turismo de Simão
Pereira Geraldo
Nascimento e o
repórter fotográfico
Fernando Priamo
Juracy Neves Diretor-Presidente
Márcia Neves e Suzana Neves Diretoria Geral e Comercial
Marcos Neves Diretoria de Edição
Paulo Cesar Magella Editor Geral
Luciane Faquini Editora Executiva de Integração
ESPECIAL
JF170
ANOS
Edição Isabel Pequeno
Textos Mauro Morais
Fotos Fernando Priamo
Projeto gráfico e diagramação Lena Sperandio
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JF 170 ANOS
ESPECIAL
Tinha uma cidade
NO MEIO DO
CAMINHO NOVO
MUNICÍPIO
DESMEMBROU-SE
DE BARBACENA
EM 1850, AINDA
COM O NOME
SANTO ANTÔNIO
DO PARAIBUNA,
ALTERADO PARA
JUIZ DE FORA 15
ANOS DEPOIS
A cidade era um caminho.
Há 170 anos, em 1850, um pequeno
povoado às margens do
Paraibuna avistava o movimento
no Caminho Novo, traçado
que ligava as minas à Corte no
Rio de Janeiro. Construída no
início do século XVIII, a estrada
servia como rota oficial para
escoar o ouro, que em meados
do século XIX já dava sinais de
seu declínio.
O vaivém das tropas fez surgir
lugarejos como o que foi o
nomeado Santo Antonio do
Paraibuna e que, em 31 de maio
de 1850, tornou-se distrito de
Barbacena. No mesmo dia, foi
elevado à vila e desmembrado
da cidade surgida dez anos antes.
Sua autonomia administrativa,
no entanto, só aconteceu
três anos depois, em 1853.
Rapidamente a cidade cresceu,
ganhou o nome de Juiz de
Fora, em 1865, em referência a
um magistrado nomeado pela
Coroa Portuguesa para atuar
no povoado. Ao longo das décadas,
tornou-se referência na
Zona da Mata e se transformou.
O que restou? Historiador
reconhecido na cidade, Vanderlei
Dornelas Tomaz, acompanhado
pelo repórter fotográfico
da Tribuna Fernando
Priamo, retornou a alguns dos
cenários de 1850 para responder
à pergunta, revelando uma
cidade que resistiu ao tempo
para comprovar a potência e o
vigor da história.
O especial em comemoração
aos 170 de Juiz de Fora faz
um passeio no passado, retomando
edificações e marcos
de outro período, parte deles
já tombada pelo município, e
também endereços que outrora
pertenceram ao município e,
no decorrer dos anos, conquistou
independência, escrevendo
novos caminhos.
CIDADE SURGIU ÀS MARGENS DO
RIO PARAIBUNA, cujo trajeto já foi
alterado ao longo desses 170 anos
DOMINGO, 31 DE MAIO DE 2020 | tribunademinas.com.br | • PÁGINA 51
JF 170 ANOS
ESPECIAL
Os marcos
DA COROA
EM PAULA LIMA
E NA BARREIRA
DO TRIUNFO
PERMANECEM
MARCOS DE
SESMARIAS
DOADAS
PELA COROA
PORTUGUESAS
AOS PRIMEIROS
MORADORES
DO MUNICÍPIO
IGREJA DE
NOSSA
SENHORA DA
ASSUNÇÃO,
em Paula
Lima; atual
construção
data de 1937,
mas é possível
encontrar
pilares de
madeira
atrás do altar
originais da
capela do
século XVIII
MARCO de sesmaria na Estrada
do Campo Grande, próximo à
Barreira do Triunfo
MARCO de sesmaria em Paula Lima
(antiga Chapéu D’Uvas), próximo da
divisa com Ewbanck da Câmara
Está lá, carcomida pela exposição ao sol e
à chuva, banhada na terra ao seu redor, porém,
inteira. Uma das pedras que apontam os
primórdios de Juiz de Fora segue cravada na
Estrada Velha da Represa, mais precisamente,
na Estrada do Campo Grande, num espaço
onde antes ficava a horta da Família Possali,
na Barreira do Triunfo, Zona Norte do município.
Trata-se de um marco de sesmaria.
Instrumentos utilizados para demarcar as
propriedades doadas pela Coroa Portuguesa,
os marcos de sesmaria remontam ao século
XVIII. “Quando foi aberto o Caminho Novo
da Estrada Real, para provocar a ocupação
das margens da estrada, com a construção de
pousadas que pudessem atender os tropeiros
e viajantes, para fomentar, inclusive, a criação
de comércio e de igrejas, foi preciso fazer a
distribuição dessas terras nas margens. A Coroa,
então, fez a concessão das sesmarias”, explica
Vanderlei Tomaz, ao lado da pedra.
Segundo o historiador, o proprietário e
seus agrimensores chegavam às margens da
estrada e colocavam uma pedra com quatro
cruzes encravadas nas suas quatro faces. “O
futuro sesmeiro tinha a propriedade dos dois
lados da estrada. Isso se chamava quadra de
sesmaria. Assim formavam-se as vilas”, conta
ele, pontuando que tal distribuição imperial
durou até a segunda década do século XIX.
“Um marco de sesmaria está em Paula Lima
(antiga Chapéu D’Uvas) e o outro na Estrada
do Campo Grande (próximo à Barreira do
Triunfo). São registros que têm mais de 200
anos de instalação”, observa Tomaz.
O marco de Paula Lima encontra-se próximo
da divisa com Ewbanck da Câmara,
no trecho que leva até a Fazenda Vileta. Está
imerso no verde que, ainda hoje, preserva
características rurais na cidade. No pequeno
bairro, considerado distrito entre os anos de
1971 e 1976, também está a Igreja Nossa Senhora
da Assunção, uma das mais antigas paróquias
da cidade. “Segundo a história temos,
300 anos de evangelização, mas fomos elevados
à paróquia em 1764. Algumas reformas já
foram feitas por necessidade do tempo”, destaca
o diácono Roque Lopes da Silva em conversa
com Tomaz.
“Mesmo em Paula Lima, no interior da
Igreja de Nossa Senhora da Assunção, é possível
encontrar colunas e pilares de madeira
atrás do altar que são originais da velha
capela construída ali em meados do século
XVIII. O atual templo é de 1937. A ocupação
em Paula Lima, que era chamada Chapéu
D’Uvas até 1891, é anterior a 1745”, afirma
Vanderlei Tomaz, pontuando que próximo
dali, em Benfica, ao lado da ponte sobre o
Rio Paraibuna na Avenida JK, ainda é possível
avistar, no meio do mato, os pilares da
primeira ponte construída no final dos anos
1840, por Henrique Halfeld.
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JF 170 ANOS
ESPECIAL
A igreja
E A CAPELA
PRIMEIRA CONSTRUÇÃO DA IGREJA MATRIZ, HOJE CATEDRAL METROPOLITANA, E CAPELA
DA SANTA CASA FORAM OS PRIMEIROS ESPAÇOS RELIGIOSOS DE JUIZ DE FORA
Para aquele lugarejo inicialmente
povoado nas margens do Paraibuna,
a igreja matriz ficava no alto de um
morro. A matriz de Santo Antônio
do Paraibuna, a atual Catedral Metropolitana,
foi construída no Morro
da Boiada, hoje Bairro Santo Antônio.
Desmoronou e no início do
século XIX foi reerguida, até que
em 1844 transferiu-se para seu atual
endereço. Sua inauguração ocorreu
três anos antes da emancipação de
Juiz de Fora, em 1847. Como costume,
o lugar carregava consigo um
cemitério para os poucos mortos da
pequena vila.
Conta o historiador Paulino de
Oliveira, em seu livro “História de
Juiz de Fora”, de 1966, que, com o rápido
crescimento populacional, os
moradores locais passaram a clamar
por um novo endereço para enterrar
seus entes. As famílias mais ricas
doaram altas quantias, mas a Câmara
Municipal, na época, não levou
a cabo a proposta, que só se tornou
realidade na década de 1860, com a
criação do Cemitério Municipal numa
área próxima da Estrada União e
Indústria. Hoje o endereço pertence
ao Bairro Poço Rico.
Próximo da igreja matriz, ficava a
Capela Senhor dos Passos da Santa
Casa de Misericórdia, cuja fundação
data de 1830. “Ela ainda mantém a
mesma forma com que foi feita pelo
Barão da Bertioga, sendo que a
parte da frente outrora tinha duas
torres”, assinala Marcos Rosa, responsável
pelo Museu da Saúde da
Santa Casa, contando que, uma das
torres pendeu para o prédio do hospital
obrigando, assim, a criação de
um novo projeto arquitetônico, que
embasou a construção de uma única
torre, tal como existe hoje.
Toda edificação da capela é feita
de pau-a-pique, como demonstra
um recorte na parede protegido por
vidro. “Um dos patrimônios remanescentes
é o lustre doado por Dom
Pedro II, amigo íntimo de nosso barão.
No fundo de nossa capela também
temos duas imagens de madeira
dessa época e nosso sino foi um
presente dado pelo imperador. É
possível ver o brasão do Império e,
ao meio, a inscrição ‘PII’, referente
ao Pedro II”, destaca Rosa, em conversa
com Vanderlei Tomaz, para
quem apresenta, no segundo andar
do lugar, um parapeito todo feito em
madeira única, sem nenhum encaixe,
bem como o detalhamento das
pinturas, ainda hoje originais.
Em 2001, a Catedral Metropolitana
foi declarada patrimônio
material de Juiz de Fora, proteção
que também recebeu a Capela Senhor
dos Passos, um ano depois.
Conforme aponta o documento
de tombamento, a capela da Santa
Casa de Misericórdia destaca-se
por “sua importância para a história
da cidade, visto que seu núcleo
original, de inspiração maneirista,
foi modificado no início do século
XX, segundo projeto do arquiteto
Rafael Arcuri, adquirindo características
neogóticas”. Ainda
ressalta o detalhamento da torre
central de três pavimentos, os
painéis laterais frontais vazados
por vitrais de vidros coloridos e
as fachadas laterais vazadas. Rebuscamento
que o tempo conferiu
a um dos primeiros espaços religiosos
da vila.
CAPELA SENHOR DOS PASSOS, na Santa Casa de Misericórdia,
mantém a mesma forma de sua fundação, em 1830
SINOS foram presentes de
Dom Pedro II
Múltiplas
RAÍZES
EM SUA ORIGEM E EXPANSÃO,
JUIZ DE FORA RECEBEU
GRUPOS DE DIFERENTES
ORIGENS, INCLUINDO OS
ALEMÃES QUE ATUARAM
NA CONSTRUÇÃO DA
UNIÃO E INDÚSTRIA E OS
NEGROS ESCRAVIZADOS
QUE TRABALHARAM NOS
CAFEZAIS
No território já habitado pelas tribos indígenas
Coroados e Puris, de acordo com Domingos Giroletti,
em seu livro “O processo de industrialização
em Juiz e Fora: 1850-1930”, de 1988, Juiz de Fora possuía
cerca de 600 moradores cinco anos após seu
desmembramento de Barbacena. O crescimento
populacional, no entanto, foi veloz. O censo municipal
de 1893 registra 10.200 habitantes urbanos,
com profissionais liberais, negociantes e a incorporação
de escravos libertos, além de imigrantes e
migrantes.
“As estradas que davam acesso à Vila de Santo
Antônio do Paraibuna eram o velho Caminho Novo
da Estrada Real (do início do século XVIII e na
margem esquerda do Rio Paraibuna) e a Estrada do
Paraibuna (ou Estrada Nova) aberta pelo alemão
Henrique Halfeld (a partir de 1836 e na margem direita
do nosso principal rio). Parte da Estrada Nova
virou a Rua Principal, Rua Direita, que, hoje, é o
traçado da Avenida Rio Branco, do Largo do Riachuelo
até o Alto dos Passos”, conta o historiador
Vanderlei Tomaz.
Nem a Avenida Getúlio Vargas, nem suas ruas
transversais existiam naqueles idos, ressalta o pesquisador.
“A antiga Rua do Imperador (depois XV
de Novembro e atual Getúlio Vargas) surgiu na
metade dos anos 50 do século XIX - pelas mãos do
barbacenense Mariano Procópio - como trecho da
União e Indústria, assim como partes das ruas Espírito
Santo e Osório de Almeida”, explica.
Fundamental para a história local, a construção
da União e Indústria, idealizada por Procópio,
foi o pontapé para a expansão da cidade e
sua inscrição como referência na Zona da Mata
mineira. De acordo com o historiador Nicélio
do Amaral Barros em seu artigo “Etnia e
proto-industrialização: história e historiografia
da participação dos imigrantes alemães no
desenvolvimento econômico de Juiz de Fora
- 1856/1887”, a fundação do Banco Territorial
e Mercantil de Minas no município, em 1887,
marca o momento em que a economia local
passa a receber investimentos massivos do capital
agrário. Ruas centrais são calçadas e mercados
são erguidos. Juiz de Fora começa a se
transformar na Manchester Mineira.
DOMINGO, 31 DE MAIO DE 2020 | tribunademinas.com.br | • PÁGINA 53
JF 170 ANOS
ESPECIAL
As fazendas,
OS IMPOSTOS E AS PASSAG
A PRODUÇÃO
CAFEEIRA FEZ DA
ZONA DA MATA, NA
SEGUNDA METADE
DO SÉCULO XIX,
A REGIÃO MAIS
RICA DO ESTADO,
CHEGANDO A
CONCENTRAR 90%
DA PRODUÇÃO DE
CAFÉ DE MINAS
GERAIS
Naquele 31 de maio de 1850, o Brasil se preparava para a instituição da lei de número
581, conhecida como a Lei Eusébio de Queirós, o que ocorreu em setembro
daquele ano. A partir de então, ficou extinto o tráfico de escravos africanos para o
país. A escravidão manteve-se por mais um século, no entanto. E era o sustentáculo
da produção cafeeira, que fez da Zona da Mata na segunda metade do século XIX
a região mais rica do estado, chegando a concentrar 90% da produção de café de
Minas Gerais.
A população de escravos da então Vila de Santo Antônio do Paraibuna era a
maior do estado, como aponta o artigo “De escravos a senhores de terra (Juiz de Fora
e Mar de Espanha - Minas Gerais, 1850-1920)”, da historiadora Elione Silva Guimarães.
Em 1853, três anos após sua emancipação, o município contava com mais
de 13 mil negros escravizados, número que cresceu em mais de 3 mil após dois anos.
Nesta cidade de vastos campos de café, a Alcaidemoria de Rio Barros, também
nomeada Fazenda da Tapera teve sua centralidade na sociedade local. O casarão
cravado no Bairro Santa Terezinha, na antiga Rua dos Jalões, hoje chamada Alencar
Tristão, foi construído pelo alcaide-mor Tomé Corrêa Vasquez nos primeiros anos
do século XVIII, conta Vanderlei Tomaz. “É a mais antiga construção da cidade!”,
exclama o historiador sobre a repartição que funcionou ao lado de onde hoje está o
Cemitério Parque da Saudade.
Logo após a morte de Correa Vasquez, a família Vidal adiquiriu o imóvel. Era,
a
i
D
à
i
v
v
r
s
SOB TELHAS
de zinco e toda
escorada, a
antiga sede
da Fazenda
Ribeirão das
Rosas, no Bairro
Barbosa Lage,
atualmente
pertence ao
Campo de
Instrução do
Exército
DOMINGO, 31 DE MAIO DE 2020 | tribuna
JF 170 ANOS
ESPECIAL
ENS
ALCAIDEMORIA
DE RIO BARROS,
também nomeada
Fazenda da
Tapera, data do
século XVIII e
hoje pertence à
Santa Casa de
Misericórdia
inda, 1756 e o clã residiu no endereço por quase uma década. De filho para filho, o
móvel passou como herança a servir a diferentes famílias até que, em 1879, Antônio
ias Tostes comprou. Em 1954, o herdeiro Cícero Tristão legou o casarão histórico
Santa Casa de Misericórdia, que viu, em 1990, um decreto municipal declarar o
móvel patrimônio material local.
“Na Alcaidemoria, havia uma jurisdicação civil e militar. Também ali vistoriaam
cargas e cobravam impostos”, explica Tomaz, sobre a funcionalidade do imóel
que hoje protege-se da ação do tempo sobre uma estrutura metálica à espera de
estauração. Também conservado sob telhas de zinco e todo escorado está a antiga
ede da Fazenda Ribeirão das Rosas, no Bairro Barbosa Lage, Zona Norte de Juiz de
Fora. Atualmente o local pertence ao Campo de Instrução do Exército, logo após o
Clube Campestre da ASE, a Associação dos Subtententes e Sargentos do Exército.
“Uma monumental construção do final do século XVIII feita por Manuel Vidal
Barbosa Lage, irmão do inconfidente mineiro nascido aqui, médico e poeta, Domingos
Vidal Barbosa Lage. O Imperador D.Pedro I e a Imperatriz Dona Amélia
pernoitaram ali em janeiro de 1831”, assegura Tomaz, apontando para uma passagem
na parte baixa da casa, por onde trafegavam cavalos e cargas. “Provavelmente
ao que cabia uma cobrança de espécie de pedágio se fazia ali”, observa o historiador.
Em 2001, o município reconheceu o valor artístico e histórico do casarão, conferindo-lhe
o título de patrimônio material de Juiz de Fora.
deminas.com.br | • PÁGINAS 54 E 55
JF 170 ANOS
ESPECIAL
O caminho
DE TIRADENTES
AINDA QUE REMONTE AO SÉCULO XVIII, MATIAS BARBOSA FOI
CONSIDERADO PARTE DE JUIZ DE FORA NO MOMENTO DE SUA CRIAÇÃO,
EM 1850, E SEGUIU DESTA FORMA ATÉ 1885, QUANDO TORNOU-SE UM
DISTRITO. JÁ NO SÉCULO XX FOI ELEVADO A MUNICÍPIO
PAINEL RETRATANDO OS MÁRTIRES DA
INCONFIDÊNCIA em passagem pela região integra
conjunto histórico de Matias Barbosa
O Registro de Matias Barbosa era um
edifício quadrado, construído de madeira
e barro. No local pagavam-se os impostos
das mercadorias que entravam e saíam de
Minas Gerais. Do Rio de Janeiro, chegavam,
em 1818, aço, espingardas, aguardente,
azeite, sal, cera, chapéus e escravos. Para
a Corte seguiam cachaça, açúcar, algodão,
porcos, feijão, fumo, galinhas e queijo. As
anotações são do austríaco Johann Emmanuel
Pohl em seu livro “Reise im innern
von brasilien”, traduzido no Brasil sob o título
“Viagem no interior do Brasil: empreendida
nos anos de 1817 a 1821 e publicada
por ordem de Sua Majestade o Imperador
da Áustria Francisco Primeiro”.
No relato detalhado de sua passagem
pelo vilarejo chamado Paraibuna, Pohl
dá conta de outro povoado ao redor do
tal registro. Originado da sesmaria doada
pelo império ao português Matias Barbosa,
o local tinha como principal atividade
a aduaneira que o médico, botânico e desenhista
austríaco descreveu: “No caso de
infração da lei, todo o ouro cabe ao tesouro
real e, além disso, o culpado tem de pagar
o dobro do valor ao apreensor. Ainda mais
rigorosamente é proibida a exportação do
diamante, que é considerado propriedade
exclusiva da Corôa. A posse de uma pedra
bruta dessa natureza expõe ao confisco dos
bens e degrêdo de dez anos em Angola. O
denunciante recebe um quinto do valor e
os soldados recebem, cada um, 4.000 réis
de cada oitava de diamante apreendida ao
contrabandista.”
Ainda que remonte ao século XVIII,
Matias foi considerado parte de Juiz de
Fora no momento de sua criação, em 1850,
e seguiu desta forma até 1885, quando
tornou-se um distrito. Já no século XX, no
primeiro ano da segunda década, foi elevado
a município. As marcas de uma história
que ultrapassa em muito sua idade, a cidade
vizinha preserva. “Matias Barbosa ainda
conserva em excelente estado a Capela
de Nossa Senhora do Rosário”, aponta o
historiador Vanderlei Tomaz. “Junto ao seu
DOMINGO, 31 DE MAIO DE 2020 | tribunademinas.com.br | • PÁGINA 56
JF 170 ANOS
ESPECIAL
altar, encontra-se um alçapão no assoalho que
dá acesso a cerca de duzentos metros de túneis
subterrâneos. Obra daquele período e que dizem
ter sido usada como esconderijo de contrabandistas
e de suas cargas, e de outros elementos
perseguidos pela Coroa”, acrescenta. “Esse é
um dos grandes mistérios que cercam nossa região.
O que teria motivado a construção desses
túneis? Para que eles serviam?”
Segundo o estudo “Restauro da Capela do
Rosário no município de Matias Barbosa, Minas
Gerais, Brasil”, desenvolvido por alunos e professores
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da UFJF em 2012, é necessária uma avaliação
aprofundada do local. “A singela capela
apresenta ainda fundações em pedra, paredes
em taipa e sacristias laterais em alvenaria, além
dos túneis abaixo do assoalho que ligam a nave
a um ponto em uma das ruas de seu entorno.
Para se conhecer as origens desses túneis e os
motivos de sua construção, foi constatada a necessidade
de um levantamento mais detalhado
por um especialista na área arqueológica, informações
obtidas sobre sua formação apresentam
diferentes versões contadas pelos moradores”,
ressalta o artigo premiado como melhor pôster
da Revista Ciência em Extensão da Unesp naquele
ano.
Em conversa com Tomaz, Ricardo Sartine,
presidente do Conselho de Patrimônio Cultural
de Matias Barbosa, destaca que a capela integra
o conjunto do século XVIII do pequeno município,
hoje com pouco mais de dez mil habitantes.
Integram o conjunto, também, um relógio do
sol em pedra sabão, chafarizes em pedra sabão
e um painel retratando a passagem dos mártires
da Inconfidência, bem como uma placa
comemorativa do bicentenário de execução de
Tiradentes. “Por aqui passaram os inconfidentes
já presos, indo para o Rio de Janeiro, onde
ocorreu o julgamento”, conta Sartine, reforçando
a narrativa retratada no quadro “Jornada dos
mártires”, de Antônio Parreiras, encomendado
em 1928 pelo então prefeito de Juiz de Fora, Luiz
Barbosa Gonçalves Pena. Hoje a obra compõe o
acervo do Museu Mariano Procópio.
CAPELA
DE NOSSA
SENHORA
DO ROSÁRIO,
em Matias
Barbosa,
esconde
alçapão no
assoalho que
dá acesso
a cerca de
duzentos
metros
de túneis
subterrâneos
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JF 170 ANOS
ESPECIAL
Os últimos passos
ANTES DO RIO
PERTENCENTE
A JUIZ DE
FORA ATÉ
1940, SIMÃO
PEREIRA
PRESERVA
CEMITÉRIO E
PRÉDIO QUE
FUNCIONOU
COMO
PEDÁGIO NO
PERÍODO
COLONIAL
NO CAMINHO NOVO,
está o Cemitério da
Rocinha da Negra,
onde estão sepultados
nomes como Pedro de
Alcântara Cerqueira
Leite, o Barão de São
João Nepomuceno, que
dá nome a uma das
principais ruas de Juiz
de Fora
Uma ponte sobre o Rio Paraibuna divide
os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Num dos lados está a mineira Simão
Pereira, outrora chamada de Rancharia e
São Pedro de Alcântara, lugarejo que, como
Matias Barbosa, surgiu a partir de uma
sesmaria doada pela Coroa Portuguesa ao
português Simão Pereira de Sá no quinto
ano da segunda década do século XVIII.
“Rever a Juiz de Fora de 1850 nos obriga a
passear pelos seus antigos distritos que viraram
cidades posteriormente. E, nessas
visitas, ainda observar construções que já
estavam erguidas naquele ano”, defende o
historiador Vanderlei Tomaz, apontando
para um dos principais casarões do lugar,
há poucos metros da ponte, o Registro do
Paraibuna, uma das mais antigas edificações
do estado.
“O Registro do Paraibuna foi edificado
em 1709, logo no início do tráfego do
Caminho Novo da Estrada Real. O lugar
funcionava como uma alfândega. Exercia-
-se ali a função de posto fiscal. No Registro
eram cobrados taxas, impostos e o direito
de trafegar pela estrada. Uma espécie de
pedágio. Controlava-se a entrada e saída de
cargas e pessoas pelo Caminho Novo, e era
trocado ali o ouro por moedas cunhadas.
Combatia-se o contrabando de ouro e de
pedras preciosas extraídos do solo mineiro.
Todo este tesouro explorado na Capitania
das Minas Gerais passava pelo Caminho
Novo com destino ao Rio de Janeiro e, de
lá, seguia em navios para Portugal”, narra
Tomaz.
O imóvel serviu ao alferes Joaquim José
da Silva Xavier, aponta o secretário de
Cultura de Simão Pereira, Geraldo Nascimento.
“Tiradentes, por ser um patrulheiro
do Caminho Novo, perseguindo as pessoas
que trafegavam por aqui, passava e pernoitava
no Casarão do Paraibuna”, indica Geraldo
Nascimento, mostrando as divisões
dos quartos, indícios de uma escadaria
para o segundo piso e os vestígios de uma
espécie de cadeia para as pessoas que não
conseguiam apresentar documentos para o
trânsito entre os estados.
“Uma das grandes curiosidades da
construção é que ela conserva em seu interior
um conjunto de telhas utilizadas em
sua cobertura, ainda originais. Antigamente
elas eram popularmente conhecidas
como feitas nas coxas. Falavam que eram
feitas nas coxas dos escravos, o que não
é verdade, porque eram utilizados troncos
de árvores, inclusive de bananeiras. É
possível observar que boa parte das telhas
indica o caminho dos dedos em sua moldagem”,
afirma Tomaz, destacando, ainda,
que o prédio histórico recebeu Dom Pedro
I e sua comitiva quando seguiam para São
João Del Rei, além de ter sido o local de
nascimento da mãe do Duque de Caxias.
Em 2012, Minas Gerais reconheceu o
múltiplo valor do conjunto arquitetônico e
paisagístico compreendido pelo casarão e
o inscreveu nos livros de tombo arqueológico,
etnográfico e paisagístico; de belas artes
e histórico, das obras de artes históricas
e dos documentos paleográficos ou bibliográficos.
Um dos últimos remanescentes
com essas características em todo o estado,
o imóvel aguarda restauração.
No mesmo Caminho Novo da Estrada
Real, está a Fazenda do Cabuí e um pequeno
terreno repleto de cruzes já enferrujadas.
É o Cemitério da Rocinha da Negra
com sua velha capela. “Ali estão sepultados
nomes conhecidos em nossa cidade, como
o Comendador Manoel do Vale Amado,
que construiu o prédio dos Grupos Centrais,
o Palacete Santa Mafalda, e Pedro de
Alcântara Cerqueira Leite, o Barão de São
João Nepomuceno, que dá nome a uma
das principais ruas do centro de Juiz de
Fora”, enumera Tomaz, informando que o
nome do lugar faz referência a uma antiga
fazenda da época, também parada de descanso
do inconfidente Tiradentes.
Simão Pereira, que na década de 1940
tornou-se distrito de Matias Barbosa e, duas
décadas depois se desmembrou, sendo
também elevado a município, guardou
outros vestígios de seu passado. “Na praça
da nova Simão Pereira, encontramos um
antigo chafariz que a tradição diz ser uma
fonte do período colonial”, aponta o historiador
Vanderlei Tomaz, sobre um dos tantos
distritos que nesses 170 anos formaram
Juiz de Fora. Ao longo de sua história, a cidade
chegou a englobar quase 20 distritos,
que hoje limitam-se à sede e a outros três:
Rosário de Minas, Sarandira e Torreões. A
cidade, surgida nas margens do Caminho
Novo, nunca perdeu sua missão de servir
como caminho e também como parada.
“Provável é que ainda existam em todos
os lugares citados (mesmo nos antigos distritos
e, hoje, cidades) outras construções mais
que sesquicentenárias, como antigas sedes
de fazendas (restauradas ou não), como outras
colunas em templos e casarões reformados
depois. Mas também podem existir vestígios
de demolições no meio do mato como
ruínas e fundações em pedra. A Juiz de Fora
de 1850 pode ser ainda revelada em objetos,
mobiliário ou imagens sacras em alguma
casa ou coleção particular. Pode estar em
Torreões e em Rosário de Minas, em Paula
Lima e na Fazenda São Mateus, na Fazenda
Fortaleza, no caminho de Caeté, em Matias
Barbosa”, finaliza Vanderlei Tomaz, sugerindo
que a história não se encerra por aqui - e
ainda há muito a ser descoberto.
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JF 170 ANOS
ESPECIAL
VANDERLEI
TOMAZ
encontra
telhas
originais
do prédio
considerado
um dos mais
antigos da
região
O REGISTRO DO
PARAIBUNA, em
Simão Pereira,
data de 1709,
e funcionava
como posto
fiscal, onde
eram cobrados
taxas, impostos
e o direito de
trafegar pelo
Caminho Novo
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JF 170 ANOS
ESPECIAL
Nesta em que vivo - triste soledade,
os olhos rasos d’agua, o peito em ancia,
recordo-me com magua e com saudade
da quadra tão feliz da minha infancia.
E entre o viver de agora e essa áurea edade,
que triste, que cruel, que atroz distancia!
E a manhã, que se foi, voltar nao ha de
impregnada de tepida fragancia...
Serras virentes que não mais transponho,
na retina fiel ainda eu vos tenho
e revejo, através de um brando sonho,
a casa onde nasci, as mansas rezes,
a varzea, a horta, o laranjal, o engenho ,
e a cruz onde eu rezava tantas vezes...
A HISTÓRIA
PERMANECE
DE PÉ: trecho
do Caminho
Novo sem
alterações
como era em
1850, quando
Juiz de Fora
surgiu
Belmiro Braga
Poeta nascido em 1872, em Vargem Grande, povoado
que pertencia a Juiz de Fora e, em 1943,
foi elevado a distrito com o nome de Ibitiguaia.
Apenas em 1962 a localidade se emancipou
com o nome que faz homenagem a seu filho
mais ilustre.
Poema II do livro “Contas dos meu rosário” (Edição
da Companhia de Seguros de Vida, 1918)
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