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Desafios Comportamentais - Johns Hopkins Center for ...

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JOHNS HOPKINS<br />

BLOOMBERG<br />

SCHOOL of PUBLIC HEALTH<br />

<strong>Center</strong> <strong>for</strong> Communication Programs<br />

Adesão ao Tratamento<br />

Antiretroviral:<br />

<strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong><br />

Análise Rápida de Situação<br />

na Zambézia e Maputo<br />

MOÇAMBICANOS E AMERICANOS<br />

JUNTOS NA LUTA CONTRA O HIV/SIDA


Ficha técnica:<br />

<strong>Johns</strong> <strong>Hopkins</strong> University - Bloomberg School of Public Health, JHUCCP<br />

<strong>Center</strong> <strong>for</strong> Communication Programs<br />

Mozambique Field Office<br />

Patrick Devos<br />

Representante no País<br />

Rua da Frente de Libertação de Moçambique, nº 268, Maputo - Moçambique<br />

Tel: +258 21496752<br />

Fax:+258 21 496754<br />

Autoria:<br />

Delmira Petersburgo, MD, MPH.<br />

Rosa Said, MSC.<br />

Supervisão Técnica:<br />

Patrícia Poppe, MA, MS, JHUCCP<br />

Desenho gráfico:<br />

LAYOUT, Ideias e Conceitos<br />

Sugestão para Referência:<br />

Petersburgo, Delmira & Said, R. (2010). Adesão ao Tratamento Antiretroviral:<br />

<strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo.<br />

<strong>Johns</strong> <strong>Hopkins</strong> University/Bloomberg School of Public Health/<strong>Center</strong> For<br />

Communication Programs. Maputo, Moçambique.


Agradecimentos<br />

Aos representantes das DPS que possibilitaram que este estudo fosse realizado: Dr. Stélio<br />

Dimande, Médico chefe da Província de Maputo; Dra. Eugénia Taimo, Directora do Centro de<br />

Saúde da Matola II, na altura do estudo; e Dra. Lisete Macaringue, Directora distrital de saúde<br />

de Boane, na Província de Maputo; e Dr. Brito Rato, Director clínico do Hospital Provincial de<br />

Quelimane, na altura do estudo e Dr. Dionisio Vasco, Médico chefe distrital de Namacurra,<br />

na província da Zambézia.<br />

Às direcções das unidades de saúde - Centro de Saúde de Matola II e Centro de Saúde de<br />

Boane, na província de Maputo; e Centro de Saúde de Namacurra e Clínica I – Quelimane, na<br />

província da Zambézia, que gentilmente nos facilitaram o acesso aos provedores de saúde, e<br />

utentes para a realização das entrevistas.<br />

Aos es<strong>for</strong>ços dos entrevistadores Sónia Magaia, Mangina Sigauque, Francisco Nhguenha, e<br />

Sónia Xirinda.<br />

Aos membros da equipa da JHUCCP na Zambézia, Felisberto Massingue e Dowyvan Gaspar,<br />

que apoiaram a logística dos trabalhos de campo em Quelimane e Namacurra.<br />

Aos que transcreveram as gravações das entrevistas, Sónia Magaia, Francisco Nhguenha, e<br />

Sónia Xirinda.<br />

Ao apoio das organizações ADPP – Ajuda de Desenvolvimento do Povo para o Povo, nas<br />

pessoas de Dra. Cristina Marques e Sr. César Mauinje; e Santo Egídio, na pessoa da Sra.<br />

Adalberta Grachane, na província de Maputo; e Universidade Vanderbilt-friends Global<br />

Health/USA e Columbia University na província da Zambézia, cujos valiosos pontos de vista<br />

enriqueceram o estudo.<br />

Finalmente, nossos agradecimentos especiais aos participantes, homens e mulheres<br />

adultos, aos provedores de saúde e representantes de ONGs que dedicaram seu tempo para<br />

discutir com generosidade os temas abordados por nossos entrevistadores.


Í N D I C E<br />

Sumário Executivo_______________________________________________________7<br />

1. Introdução___________________________________________________________13<br />

2. Contextualização da Análise<br />

Aspectos epidemiológicos_________________________________________________14 O Método_____________________________________________________________15 3. Abordagem Teórica__________________________________________________18<br />

4. Resultados da Análise<br />

4.1. A percepção do TARV______________________________________________20 4.2. A importância dos exames/controlos___________________________________24 4.3. Conhecimento e prevenção da co-infecção HIV/TB________________________25 4.4. A prevenção da reinfecção___________________________________________31 4.5. Como as PVHS em TARV lidam com as expectativas dos pares e outros<br />

agentes sociais_________________________________________________ 35<br />

4.6. Factores que dificultam a adesão<br />

1. Efeitos secundários da medicação associados à carência alimentar__________37 2. Dificuldades de acesso, tempo de espera e comunicação com os provedores____39 3. Não comunicar à família o estado serológico e uso do TARV<br />

ou comunicar e sofrer represálias___________________________________44 4.7. Factores que favorecem a adesão<br />

1. Recuperar-se: ver a saúde melhorar___________________________________45 2. A importância do apoio da família na toma da medicação___________________46 3. O apoio dos provedores de saúde_____________________________________47 4. Auto-eficácia____________________________________________________50 5. Conclusões e Recomendações_________________________________________52<br />

Bibliografia____________________________________________________________53


6<br />

Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

Abreviaturas<br />

ATS Aconselhamento e Testagem em Saúde<br />

CNCS Conselho Nacional de Combate ao SIDA<br />

DPS Direcção Provincial de Saúde<br />

DNAM Direcção Nacional de Assistência Médica<br />

HIV Vírus de Imunodeficiência Humana<br />

ITS Infecção de Transmissão Sexual<br />

GATV Gabinete de Aconselhamento e Testagem Voluntária<br />

MISAU Ministério da Saúde<br />

ONG Organização Não Governamental<br />

PTV Prevenção da Transmissão Vertical<br />

SIDA Síndrome da Imunodeficiência Adquirida<br />

SNS Sistema Nacional de Saúde<br />

TARV Tratamento Antiretroviral<br />

TB Tuberculose<br />

US Unidade Sanitária


SUMÁRIO EXECUTIVO<br />

Este in<strong>for</strong>me apresenta os resultados da “Análise Rápida de Situação” realizada pela equipa<br />

da JHUCCP em 2008 nas províncias da Zambézia (distritos de Namacurra e cidade de<br />

Quelimane) e Maputo (distrito de Boane e cidade da Matola) sobre factores que estariam a<br />

influenciar a adesão ao TARV, com especial interesse nos relacionados à comunicação.<br />

Na época em que a pesquisa foi realizada, os medias apontavam para o contínuo aumento de<br />

doentes HIV+, e para as dificuldades dos seropositivos de aderirem aos antiretrovirais devido<br />

aos efeitos secundários da medicação, às dificuldades de alimentação adequada e às longas<br />

distâncias que os utentes teriam que percorrer para chegar às unidades sanitárias. A<br />

interrupção do tratamento da Tuberculose (TB) preocupava o MISAU, sobretudo a expansão<br />

da co-infecção HIV/TB. Nesse contexto, o MISAU e parceiros reconheciam a necessidades<br />

de dispor de materiais de comunicação para apoiar o aconselhamento nas unidades<br />

sanitárias e na comunidade. Para subsidiar a comunicação sentiu-se necessidade de obter<br />

in<strong>for</strong>mações mais aprofundadas sobre os factores cognitivos, emocionais e sociais que<br />

estariam a influenciar a adesão ao TARV ou o seu inverso, a não adesão, incluindo aspectos<br />

relacionados à comunicação interpessoal entre provedores de saúde e PVHS em tratamento.<br />

Os resultados desta análise <strong>for</strong>neceram a base para o desenvolvimento de um conjunto de<br />

materiais de comunicação (cartazes, folhetos e álbum seriado), além de mensagens<br />

apropriadas para rádio e actividades de mobilização comunitária que <strong>for</strong>am colocados<br />

recentemente à disposição das unidades sanitárias e parceiros para apoiar a adesão ao TARV<br />

e a prevenção da co-infecção HIV/TB.<br />

De natureza qualitativa, esta análise foi baseada em entrevistas aprofundadas com<br />

representantes de ONG´s voltadas para o atendimento, testagem, tratamento e/ou apoio às<br />

PVHS na comunidade; provedores de saúde; PVHS e pacientes em tratamento da TB, que<br />

voluntariamente se dispuseram a partilhar suas experiências.<br />

As entrevistas com PVHS em TARV, pacientes com TB e provedores de saúde <strong>for</strong>am<br />

realizadas nos Centro de Saúde de Matola II e Centro de Saúde de Boane, na província de<br />

Maputo; e Centro de Saúde de Namacurra e Clínica I – Quelimane, na província da Zambézia.<br />

A selecção dos locais da pesquisa foi orientada para obter representantes de áreas urbanas e<br />

rurais, na perspectiva de verificar uni<strong>for</strong>midades ou divergências quanto aos aspectos<br />

explorados. As ONG´s contactadas para <strong>for</strong>necer in<strong>for</strong>mações de apoio <strong>for</strong>am a ADPP –<br />

Ajuda de Desenvolvimento do Povo para o Povo e Comunidade Santo Egídio, na província de<br />

Maputo; e Universidade Vanderbilt-friends Global Health/USA e Columbia University na<br />

província da Zambézia.<br />

A análise comparativa das narrativas dos in<strong>for</strong>mantes por local pesquisado mostrou<br />

uni<strong>for</strong>midades em relação a quase todos os aspectos abordados, não obstante as diferenças<br />

de infra-estruturas disponíveis para o atendimento aos pacientes em TARV, de condições de<br />

vida das PVHS ou de particularidades socioculturais. As uni<strong>for</strong>midades de posicionamentos,<br />

actitudes e comportamentos em relação ao TARV puderam ser observados para além dessas<br />

diferenças.<br />

A percepção do TARV<br />

A percepção do tratamento antiretroviral está intimamente relacionada à percepção da<br />

infecção pelo HIV. Os in<strong>for</strong>mantes referem-se à infecção pelo HIV como uma “doença” nova<br />

(desconhecida), estranha, que debilita o organismo, e provoca várias outras “doenças” que


8<br />

Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

os tratamentos conhecidos e aplicados anteriormente a enfermidades com alguma<br />

semelhança não conseguem resolver. As causas da “doença” parecem nebulosas, podendo<br />

estar associada às relações cosmológicas, de parentesco ou de vizinhança (dívidas com<br />

ancestrais, não cumprimento com ritos, inveja etc.) e não apenas às relações sexuais ou a<br />

objectos infectados, como falam os provedores de saúde e os media.<br />

Como alguns sintomas da infecção são semelhantes aos de outras doenças familiares à<br />

população, a tendência é, de início, lançar mão da medicina tradicional, de medicamentos<br />

conhecidos que funcionaram anteriormente para sintomas parecidos, ou procurar<br />

curandeiros. Isto explica, em parte, o facto da maioria das pessoas infectadas só procurarem<br />

uma US no estágio avançado da infecção.<br />

É difícil para um indivíduo entender a importância da testagem, se não há sinais ou sintomas<br />

da infecção. Quando alguém aceita submeter-se ao teste, é porque “já sabe “ ou “desconfia“<br />

que pode estar com “Sida” em função de debilidade física acentuada, incluindo outros sinais<br />

como borbulhas e manchas no corpo, que não desaparecem mediante o uso de tratamentos<br />

tradicionais.<br />

Os depoimentos sugerem que quando uma pessoa consegue superar as barreiras iniciais dos<br />

efeitos secundários dos antiretrovirais e se vê “curada” das “doenças” que lhe apareceram,<br />

ela passa a confiar no tratamento, até mesmo as que não têm, ou pelo menos não<br />

manifestam ter, uma idéia muita clara do que possa ocorrer se interromperem a toma da<br />

medicação. Não é por acaso que dois sentimentos se destacam quando os in<strong>for</strong>mantes falam<br />

do TARV: que usando a medicação voltaram a ter uma “vida normal” e que é importante<br />

seguir tomando para se manterem vivos. Eles receiam ter recaídas se interromperem a<br />

medicação, e admitem que terão que tomar antiretrovirais para o resto da vida.<br />

A importância atribuída às consultas de controlo está directamente relacionada com o<br />

interesse do utente de saber se a medicação está a fazer efeito, ainda que este tenha<br />

dificuldade de compreender a in<strong>for</strong>mação que recebe sobre carga viral ou Cd4.<br />

Conhecimento e prevenção da co-infecção HIV/TB<br />

Esta foi uma das variáveis onde observamos pequenas divergências por local de estudo e<br />

entre locais. Por exemplo, em Namacurra, vários in<strong>for</strong>mantes dizem que receberam<br />

in<strong>for</strong>mações sobre a TB e remetem-se à importância da prevenção por parte de quem já está<br />

com o HIV. Certos comentários sugerem, porém, que a in<strong>for</strong>mação de que alguns desses<br />

dispõem é equivocada. Alguns, há bastante tempo em TARV (mais de 2 anos), relatam que<br />

não receberam in<strong>for</strong>mações sobre a TB e não mencionam a importância da prevenção.<br />

Provedores entrevistados em Namacurra confirmam que não dispõem de muito tempo para<br />

falarem da co-infecção com os pacientes em TARV.<br />

Em Quelimane, poucos são os in<strong>for</strong>mantes que fazem alguma associação entre o HIV e a TB.<br />

Quando sondados sobre que doenças uma pessoa deveria evitar apanhar sendo<br />

seropositiva, alguns dizem simplesmente “não sei”. Em geral, mencionam que não<br />

receberam orientação para se prevenirem da TB. Os depoimentos de provedores desta<br />

província confirmam que nem todas as PVHS em TARV são in<strong>for</strong>madas sobre a TB, pelo<br />

menos na US onde a entrevista foi realizada, e que isto só ocorre quando o paciente apresenta<br />

sintomas da doença.<br />

Em Boane, alguns fazem associação entre o HIV e a TB e dizem que receberam in<strong>for</strong>mações<br />

nas US. Certos in<strong>for</strong>mantes, já há bastante tempo em TARV, relatam que não receberam<br />

in<strong>for</strong>mações sobre a TB e/ou não mencionam a importância da doença para as pessoas<br />

infectadas pelo HIV.


Na Matola, vários in<strong>for</strong>mantes fazem alguma associação entre o HIV e a TB e dizem que<br />

receberam in<strong>for</strong>mações nas US. Mas, quando sondados sobre que doenças uma pessoa<br />

seropositiva deveria evitar contrair, alguns dizem simplesmente “não sei”, enquanto outros<br />

são pouco específicos.<br />

Por outro lado, os provedores de saúde afirmam que os utentes recebem este tipo de<br />

in<strong>for</strong>mação em várias situações, o que leva a crer que talvez haja falhas na comunicação com<br />

os utentes, já que uns confirmam e outros negam. Alguns admitem que o tempo é curto para<br />

dar muitas explicações. Outros dizem que os utentes recebem a in<strong>for</strong>mação, mas segundo<br />

seus comentários parecem usar uma linguagem muito técnica nas explicações.<br />

Com base nesses depoimentos, aventamos a hipótese de que as PVHS em tratamento<br />

podem até receber in<strong>for</strong>mações sobre a co-infecção HIV/TB e serem alertados para<br />

prevenirem-se, como parte do aconselhamento, mas não conseguem entender e/ou<br />

memorizar as in<strong>for</strong>mações essenciais que recebem. Talvez o grau de escolaridade faça<br />

diferença nesta questão, mas não foi possível fazer nesta pesquisa esse tipo de verificação,<br />

pois a maioria de nossos in<strong>for</strong>mantes tinha em média seis anos de escolaridade.<br />

Tentamos também verificar se os pacientes com TB estavam in<strong>for</strong>mados sobre a co-infecção<br />

TB/HIV, e encontramos situação semelhante à observada no caso dos seropositivos, ou seja,<br />

isto varia por local de estudo e entre os locais. Por exemplo, em Namacurra, a maioria dos<br />

in<strong>for</strong>mantes pareceu-nos atenta ao HIV e às ITS. Somente um dos in<strong>for</strong>mantes não soube<br />

dizer o que sabia sobre o HIV e outro disse que falam do HIV na US, mas ele não entende. Em<br />

Quelimane, em geral, nossos in<strong>for</strong>mantes dizem que receberam in<strong>for</strong>mações sobre o HIV e<br />

que <strong>for</strong>am alertados para a co-infecção. Em Boane, tivemos pouco in<strong>for</strong>mantes de TB e, entre<br />

esses, apenas um deles nos pareceu in<strong>for</strong>mado. Na Matola, alguns in<strong>for</strong>mantes também se<br />

referem à importância de evitar o HIV e/ou fazer sexo com proteção. Outros mencionam que<br />

não receberam in<strong>for</strong>mações nas US onde estavam a fazer o tratamento.<br />

A prevenção da reinfecção<br />

Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

O que mais chama a atenção no conjunto de depoimentos é certa mudança nos padrões de<br />

relacionamento sexual, desde diminuir o número de parceiros a adopção da abstinência<br />

sexual. Vários in<strong>for</strong>mantes opinam que, por orientação dos profissionais de saúde, devem<br />

fazer intervalos nas relações sexuais como uma <strong>for</strong>ma de cuidar-se e não agravar o quadro da<br />

infecção. Porém fica difícil saber se receberam de facto este tipo de conselho ou se<br />

compreenderam desta <strong>for</strong>ma a in<strong>for</strong>mação recebida. E mais, é possível que esses<br />

in<strong>for</strong>mantes tenham negado sua actividade sexual por acharem que esta seria a expectativa<br />

do entrevistador, tratando-se de seropositivos.<br />

Quanto ao uso de preservativos, sintetizamos as seguintes barreiras:<br />

Em depoimentos de in<strong>for</strong>mantes do sexo masculino, não gostar de usar,<br />

independentemente de estarem ou não infectados, mesmo quando a parceira é<br />

seropositiva. Quanto ao saber se são estimulados a levar para casa, as respostas<br />

divergem.<br />

Os provedores realçam as dificuldades das PVHS em TARV, tanto de homens como de<br />

mulheres, de in<strong>for</strong>marem aos parceiros seu estado de saúde, identificando esta situação<br />

como uma das razões para levarem preservativos, mas não usarem. De todo modo,<br />

confirmam que não só in<strong>for</strong>mam sobre o preservativo, como insistem para os utentes os<br />

levarem.<br />

Em depoimentos de in<strong>for</strong>mantes do sexo feminino, resistência ao uso por parte dos<br />

parceiros.<br />

9


10<br />

Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

Desconfiança quanto à eficácia do preservativo. Contudo, há aqueles que dizem que<br />

usam, confiam no preservativo distribuído nas US, e mencionam que são<br />

aconselhados pelos provedores de saúde a usá-los. Enquanto outros que dizem usar,<br />

no decorrer da narrativa revelam que não usam de <strong>for</strong>ma consistente.<br />

Como lidam com as expectativas dos pares e outros agentes sociais<br />

De acordo com as narrativas dos in<strong>for</strong>mantes, os comentários que escutam sobre o TARV na<br />

comunidade são os mais controversos, podendo ser de incentivo ou de desestímulo ao<br />

tratamento. Contudo, embora possam incomodar, revelando discriminação e estigma, estes<br />

factores não parecem ser determinantes para influenciar decisivamente a interrupção ou<br />

adesão ao TARV, pelo menos nenhum depoimento mostra associação significativa entre<br />

uma coisa ou outra.<br />

Encontrar pessoas conhecidas na US pode ser o suficiente para uma PVHS recear ser<br />

discriminada na comunidade. Alguns lidam melhor que outros com a discriminação, e talvez<br />

aqueles que já estão convencidos dos benefícios do TARV parecem lidar melhor com esse<br />

tipo de situação.<br />

Os provedores acham que a discriminação pode influenciar a não adesão às consultas de<br />

controlo, por exemplo, quando uma PVHS encontra conhecidos na US e receia suas reacções<br />

<strong>for</strong>a da unidade.<br />

Apesar do estigma que cerca o HIV e SIDA, os in<strong>for</strong>mantes mencionam que as pessoas na<br />

comunidade ficam curiosas sobre o tratamento quando percebem que alguém que estava<br />

muito debilitado/doente, melhorou o seu estado de saúde. ~<br />

Fatores que dificultam a adesão<br />

Efeitos secundários da medicação associados à carência alimentar<br />

Aderir ao TARV é um processo, sujeito a interrupções no início do tratamento. Em geral, estas<br />

ocorrem devido aos efeitos secundários da medicação associados principalmente à fome.<br />

Alguns efeitos secundários são às vezes confundidos com uma nova doença. Mas se a<br />

pessoa recebe alguma medicação para o efeito ou a atenção de um provedor de saúde,<br />

insistindo para que a medicação seja retomada, a tendência é de superação do problema.<br />

De qualquer <strong>for</strong>ma, tanto os que interrompem quanto os que aderem ao TARV queixam-se<br />

da dificuldade de lidar com a medicação quando não têm o que comer. Os depoimentos mais<br />

frequentes sobre esta situação ocorreram em Boane.<br />

É consenso entre os provedores que a falta de alimentação e as dificuldades de acesso à US<br />

são as principais razões para a interrupção do TARV.<br />

Dificuldade de acesso às US associado ao tempo de espera para a obtenção dos<br />

serviços e limitada comunicação com os provedores<br />

O tempo que uma PVHS leva para deslocar-se às US, seja para ir às consultas ou buscar a<br />

medicação, por si só não constitui um problema para a adesão, guardadas as excepções, pois<br />

este pode variar de cinco minutos a aproximadamente 2 horas. Na maioria dos distritos, a<br />

população não tem opção: vai a pé, de bicicleta ou de chapa. Mas se a distância da residência<br />

à US é grande, usar qualquer um desses meios vira um problema: percorrer uma longa<br />

distância pode ser desestimulador ou a pessoa pode não ter condições físicas para tamanho


es<strong>for</strong>ço. Não é tão fácil dispor de uma bicicleta ou de dinheiro para o chapa para grande parte<br />

da população que reside em Namacurra ou Boane, por exemplo. O tempo de deslocamento<br />

passa a ser mais um factor complicador para a adesão quando associado ao tempo de espera<br />

na US para obter o serviço. As queixas são generalizadas em relação ao tempo de espera nas<br />

US para obter atendimento. As críticas se dirigem ao atendimento na farmácia e à limitação<br />

de pessoal para a tender a demanda.<br />

A interrupção do tratamento pode se dever a alguma impossibilidade da pessoa de ir buscar<br />

a medicação na data marcada, inclusive por falta de dinheiro para o deslocamento. Às vezes,<br />

quando consegue ir, pode não conseguir a medicação, pela dificuldade de ser atendida sem<br />

estar marcada.<br />

Os in<strong>for</strong>mantes tendem a interpretar a indicação dos provedores para que voltem outro dia,<br />

no caso de atrasos ou faltas à consulta, como “má vontade” ou descaso para com às suas<br />

dificuldades. As queixas em relação à demora no atendimento às vezes são associadas à<br />

impaciência, desatenção ou destrato por parte do pessoal de saúde, problemas na<br />

organização do atendimento e exposição dos pacientes seropositivos.<br />

Por sua vez, os provedores reconhecem a dificuldade de atender a demanda, em função da<br />

limitação de pessoal e admitem que este factor pode contribuir para a não adesão ao TARV.<br />

Alguns provedores, no entanto, parecem ter uma postura mais rígida em relação a esta<br />

situação, tendendo a culpabilizar os utentes baseado no pressuposto de falta de interesse na<br />

adesão. Outros têm uma postura mais flexível em relação às ausências dos utentes.<br />

Uma das razões apontadas para a interrupção ou desistência do tratamento por in<strong>for</strong>mantes<br />

que trabalham em empresas é a dificuldade de conciliar as idas e vindas às US e o<br />

comparecimento ao trabalho.<br />

Falhas na comunicação com os provedores <strong>for</strong>am mencionadas por vários in<strong>for</strong>mantes.<br />

A respeito da língua como barreira, a maior parte dos provedores entrevistados admite que<br />

sim, faz diferença ter alguém na equipa que fale línguas locais.<br />

Não comunicar à família seu estado serológico e uso do TARV ou comunicar e sofrer<br />

represálias<br />

Comunicar à família que é HIV+ e que está a fazer o TARV pode ter muitas implicações<br />

(abandono do/a parceiro/a, rejeição da família do/a parceiro/, perseguição de parentes,<br />

perda dos filhos e da casa etc.), já documentadas na literatura e nos media em Moçambique.<br />

Em nossa análise, vários in<strong>for</strong>mantes admitem que não comunicam por receio de<br />

discriminação. Os provedores confirmam a importância do apoio da família, pontuando que<br />

esconder o diagnóstico contribui para dificultar a adesão ao TARV e às consultas de controlo.<br />

Por outro lado, também reconhecem que comunicar o diagnóstico à família não é tão fácil, e<br />

às vezes eles têm que intervir para amenizar o conflito e incentivar o retorno à medicação.<br />

Fatores que favorecem a adesão<br />

Recuperar-se: ver a saúde melhorar<br />

Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

Recuperar-se de estados mórbidos, passando a sentir-se bem, é um dos factores que motiva<br />

a adesão, ainda que seja penoso o acesso às US para fazer ou levantar resultados de exames,<br />

adquirir a medicação, ou adaptar-se à medicação. Em outras palavras, sair de uma situação<br />

de saúde debilitante, associada a infecções oportunistas, para uma recuperação progressiva,<br />

dá confiança ao usuário do TARV de seguir com o tratamento. Este discurso é recorrente e<br />

re<strong>for</strong>çado pelos in<strong>for</strong>mantes em diversos momentos da entrevista.<br />

11


12<br />

Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

Mas, aderir à medicação não implica, no entanto, que o indivíduo segue todas as<br />

recomendações prescritas pelo provedor de saúde, por exemplo, com relação a proteger-se<br />

de reinfecções ou proteger o parceiro através do uso de preservativos.<br />

Importância do apoio da família na toma da medicação<br />

Ter alguém na família para lembrar o horário da toma da medicação funciona como estímulo<br />

para a adesão.<br />

O apoio dos provedores de saúde<br />

O incentivo e a atenção dos provedores de saúde podem fazer a diferença na adesão dos<br />

utentes ao TARV. Vários in<strong>for</strong>mantes mencionaram que superaram obstáculos, como a<br />

reação aos medicamentos associada à fome, dificuldades para deslocar-se às US etc.,<br />

quando se sentiram apoiados pelos provedores e puderam falar de suas dificuldades. Esses<br />

in<strong>for</strong>mantes dizem que <strong>for</strong>am consultados pelos provedores de saúde sobre a possibilidade<br />

de cumprirem com o tratamento.<br />

Os provedores de saúde realçam a importância do diálogo, da in<strong>for</strong>mação atempada, do<br />

estabelecimento de uma relação de confiança com os utentes e de estratégias para estimular<br />

a adesão.<br />

Auto-eficácia<br />

Vários in<strong>for</strong>mantes demonstraram ter bastante confiança no TARV e na própria capacidade<br />

de superar as dificuldades para seguir tomando correctamente a medicação, sem<br />

interrupções. Seus comentários sugerem que não precisam de muito estímulo de <strong>for</strong>a para a<br />

adesão aos serviços e ao tratamento, mesmo quando têm que superar desafios em relação à<br />

alimentação ou ao deslocamento à US. A vontade que a pessoa tem de ficar bem, e continuar<br />

levando uma vida normal, fazendo o que sempre fez, funcionam como estímulo para seguir<br />

com o tratamento.


1. Introdução<br />

A "Análise Rápida", cujos resultados são apresentados neste relatório, teve como objectivo<br />

central levantar in<strong>for</strong>mações para subsidiar a produção de materiais e mensagens de comunicação<br />

em apoio aos es<strong>for</strong>ços do Ministério da Saúde (MISAU) e dos parceiros locais de<br />

<strong>for</strong>talecer a adesão aos serviços de TARV, e alertar a população sobre a co-infecção HIV/TB.<br />

Estávamos em 2008, ano de encerramento das actividades dos Hospitais-dia, quando então<br />

o TARV foi incorporado à atenção primária de saúde. Na época, os medias apontavam para o<br />

contínuo aumento de doentes HIV+, e para as dificuldades dos seropositivos elegíveis de<br />

aderirem aos antiretrovirais devido aos efeitos secundários da medicação associados às<br />

dificuldades de alimentação adequada, longas distâncias a percorrer das residências às US<br />

etc. A interrupção do tratamento da Tuberculose (TB) também preocupava o MISAU,<br />

sobretudo a expansão da co-infecção HIV/TB na população jovem, a mais atingida pelo HIV.<br />

Nesse contexto, o MISAU e parceiros reconheciam a importância de usar recursos de<br />

comunicação apropriados para atingir as PVHS, suas famílias e comunidades, e ainda<br />

<strong>for</strong>necer ferramentas de apoio à actividade de aconselhamento nas unidades sanitárias e na<br />

comunidade.<br />

Iniciamos então a procura por in<strong>for</strong>mações sobre a adesão ao TARV na literatura local. Um<br />

dos poucos estudos acessíveis foi uma investigação realizada pelo Direcção Nacional de<br />

Assistência Médica (DNAM) do Ministério da Saúde e Universidade de Columbia/ICAP<br />

(2005). O estudo, realizado com provedores, utentes e cuidadores sobre factores que<br />

poderiam estar a influir na adesão ao TARV e aos cuidados de saúde, proporcionava in<strong>for</strong>mações<br />

relevantes relacionadas com a estrutura, organização e gestão dos serviços, acesso e<br />

qualidade do aconselhamento, além de aspectos psico-sociais e culturais dos pacientes em<br />

TARV. Os resultados das consultas levadas a cabo no mês de Outubro de 2008, pelos<br />

Governos Provinciais em seus distritos, para identificar acções críticas que deveriam ser<br />

consideradas na Estratégia de Aceleração da Prevenção da Infecção pelo HIV<br />

(MISAU/CNCS, 2008) também <strong>for</strong>necia importantes referências ao tema de nossa análise.<br />

A partir dessas leituras, decidimos aprofundar os aspectos cognitivos, emocionais e sociais,<br />

que poderiam estar a influenciar à adesão ao TARV e aos serviços (procura e anuência ao<br />

controlos), incluindo os aspectos relacionados à comunicação interpessoal entre provedores<br />

de saúde e utentes. Certos aspectos, como por exemplo, a percepção do TARV, o conhecimento<br />

sobre a co-infecção, a influência das famílias e das comunidades, as atitudes dos<br />

prestadores no acolhimento aos utentes e as situações de estigma dentro e <strong>for</strong>a dos serviços<br />

relacionados ao TARV, precisavam de ser melhor compreendidos para subsidiar as ferramentas<br />

de comunicação que pretendíamos produzir em coordenação com o MISAU. Nossos<br />

achados permitiram uma compreensão mais ampla dos factores que concorrem para<br />

dificultar a adesão e dos que a favorecem e <strong>for</strong>neceram a base para a produção de um conjunto<br />

de materiais de comunicação que estão à disposição actualmente das US e dos parceiros<br />

envolvidos com actividades voltadas para a prevenção e tratamento do HIV.<br />

Este in<strong>for</strong>me está dividido em quatro blocos: no primeiro deles, contextualizamos nossa<br />

análise a partir dos dados epidemiológicos e outros <strong>for</strong>necidos pelo Sistema Nacional de<br />

Saúde; no segundo, mencionamos os procedimentos metodológicos da análise; no terceiro


14<br />

Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

bloco apresentamos a sistematização dos resultados da análise; e no último, retomamos os<br />

achados mais importantes da análise, destacando as conclusões elaboradas nos blocos<br />

precedentes e sugerindo algumas recomendações relacionadas à comunicação para apoiar a<br />

adesão ao TARV e aos serviços.<br />

2. Contextualização da Análise<br />

Aspectos epidemiológicos<br />

Com uma população de 20 milhões de habitantes, Moçambique, à semelhança dos demais<br />

países da África Austral, apresenta uma prevalência do HIV bastante elevada, embora muito<br />

menor que o observado para os outros, especialmente os fronteiriços. Segundo os resultados<br />

preliminares sobre a revisão dos dados de vigilância epidemiológica do HIV (Ronda-2009) a<br />

estimativa da seroprevalência nacional é de 15 por cento, entre os adultos de 15 a 49 anos de<br />

idade.<br />

Os novos números acerca da epidemia em Moçambique apontam para uma tendência de<br />

estabilização da prevalência do HIV ao nível nacional, e igualmente nas regiões Centro e<br />

Norte, respectivamente com taxas de 18 e 9 porcento. Porém, no Sul do país a prevalência do<br />

HIV foi estimada em 21 porcento, com indicativos de estabilização não muito claros, sugerindo<br />

a possibilidade de aumento do número de infectados nos próximos anos. (PNC<br />

ITS/HIV/SIDA MISAU, 2010).<br />

Dentre os 1.7 milhões de pessoas infectadas em 2010, algo em torno de 154.000 são crianças,<br />

632.000 homens e 913.000 mulheres; estima-se que ocorram cerca de 450 novas<br />

infecções por dia, e que ao final do corrente ano existam 510.000 órfãos, dos quais 122.240<br />

sejam devido ao SIDA. (PNC ITS/HIV/SIDA MISAU, 2010)<br />

O Tratamento antiretroviral (TARV) teve início em Moçambique nalgumas poucas US em<br />

2002/2003. Desde então, os es<strong>for</strong>ços do Governo para acelerar o ritmo de expansão do<br />

TARV não <strong>for</strong>am pequenos. Até finais de 2006, 32 mil pessoas estavam em tratamento,<br />

quatro meses depois este número subiu drasticamente para 57.440. Em meados de 2007,<br />

os antiretrovirais já eram distribuídos em todos os distritos do país. O número total de<br />

pacientes em TARV até Dezembro de 2007 foi de 88.211 (MISAU, 2008), e até o final de<br />

Dezembro de 2008, o número aumentou para 128.330. Até Dezembro de 2009, havia um<br />

total de 170.198 pessoas a beneficiar do TARV, sendo 27% na Região Norte, 26% na região<br />

centro e 60% na Região Sul, com uma cobertura total da ordem dos 38%. Existem actualmente<br />

no país 222 unidades sanitárias com atendimento em TARV. (PNC ITS/HIV/SIDA<br />

MISAU, 2010)<br />

Até 2006 o acesso ao TARV estava centrado nos Hospitais-dia (HdD) - clínica especial para<br />

seropositivos. O PES/POA 2006 e o Plano Quinquenal do Governo para o Sector de Saúde<br />

definiram novas diretrizes para o aconselhamento e testagem voluntária (ATV): expandir os<br />

serviços em todo o país, orientado aos aspectos epidemiológicos e na oferta de serviços<br />

médicos; descentralizar os serviços, incluindo a gestão; e integrar os serviços dirigidos a<br />

outras doenças (ao nível dos cuidados primários de saúde). Neste mesmo ano foi elaborada<br />

a proposta de transição dos ATV (ex-GATV´s) para ATS (Aconselhamento e Testagem em<br />

Saúde). Em Março de 2008, o Ministério da Saúde encerrou as actividades dos 23 HdD<br />

distribuídos pelo país. A partir de então, os antiretrovirais passam a ser adquiridos diretamente<br />

nas farmácias gerais dos hospitais públicos e os seropositivos são internados nas<br />

enfermarias gerais. (Relatório do Programa Nacional do Controle de ITS/HIV/SIDA, 2006 e<br />

2008; PNC ITS/HIV/SIDA MISAU, 2010).<br />

Estes dados permitem dizer que, acompanhando a tendência mundial, em Moçambique a<br />

oferta de antiretrovirais está a mudar o perfil da infecção, de 'doença fatal' para doença<br />

"crônica". No entanto, a adesão ao TARV e a prevenção secundária são dois desafios directa-


mente relacionados com a aceitação deste "novo" perfil da infecção pelas pessoas vivendo<br />

com o HIV, podendo-se afirmar que o sucesso do tratamento de uma pessoa faz a diferença<br />

na vida de muitas outras. Apesar dos es<strong>for</strong>ços do Governo na expansão dos antiretrovirais, a<br />

cobertura ainda está muito aquém das estimativas do número de necessitados de tratamento.<br />

O quadro a seguir mostra a cobertura geral de TARV em 2009:<br />

Distribuição<br />

Necessitando TARV<br />

Em TARV<br />

% Coberturat<br />

Não bastasse o acesso limitado ao TARV, considerando a estimativa de seroprevalentes, a<br />

incidência da Tuberculose (TB activa) no país - a mais comum infecção oportunista em<br />

pacientes com HIV - é estimada em 433/100.000. (Antunes, 2008). De acrescentar que<br />

quando idealizamos esta análise, nos interessava inclusive saber se provedores de saúde<br />

faziam a ligação entre a tuberculose e o HIV, desde o primeiro contacto dos pacientes de<br />

ambas as doençcas com o serviço de saúde. Em outras palavras, se a abordagem ao doente<br />

com TB estaria incorporando a prevenção do HIV e vice-versa, de <strong>for</strong>ma a reduzir os riscos de<br />

co-infecção.<br />

Enfim, partimos desse contexto e da consulta às fontes de in<strong>for</strong>mação disponíveis para<br />

subsidiar nossa análise.<br />

O Método<br />

Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

Sul<br />

152.393<br />

92.182<br />

60%<br />

Centro<br />

221.397<br />

57.231<br />

26%<br />

Norte<br />

76.184<br />

20.785<br />

27%<br />

Nacional<br />

449.974<br />

170.198<br />

38%<br />

Como mencionado anteriormente, o propósito da análise foi sobretudo programática, isto é,<br />

as in<strong>for</strong>mações colectadas serviriam para o desenvolvimento de ferramentas de comunicação<br />

com vista a apoiar o aconselhamento ao TARV e à co-infecção HIV/TB. Nessa perspectiva,<br />

realizamos entrevistas aprofundadas com representantes de ONG´s voltados para o<br />

atendimento, testagem, tratamento e/ou apoio às PVHS na comunidade, a provedores de<br />

saúde; PVHS e pacientes em tratamento da TB, que voluntariamente se dispuseram a<br />

partilhar suas experiências, após a leitura de um <strong>for</strong>mulário de consentimento pelos entrevistadores.<br />

O estudo foi conduzido nas províncias de Maputo e Zambézia, seleccionadas em função da<br />

suas elevadas prevalências de HIV, devido a JHUCCP já estar a desenvolver trabalhos na<br />

Zambézia, e no caso de Maputo, principalmente por concentrar uma oferta maior de serviços<br />

para o atendimento em TARV.<br />

As entrevistas com PVHS, pacientes com TB e provedores de saúde <strong>for</strong>am realizadas nos<br />

Centro de Saúde de Matola II e Centro de Saúde de Boane, na província de Maputo; e Centro<br />

de Saúde de Namacurra e Clínica I - Quelimane, na província da Zambézia - Centro de Saúde<br />

de Matola II e Clínica I com utentes de perfil mais urbano, e Centro de Saúde de Boane e de<br />

Namacurra, com utentes de perfil mais rural. As organizações que nos concederam entrevistas<br />

<strong>for</strong>am a ADPP - Ajuda de Desenvolvimento do Povo para o Povo e Santo Egídio, na<br />

província de Maputo; e Universidade Vanderbilt-friends Global Health/USA e Columbia<br />

University na província da Zambézia.<br />

Foram realizadas 47 entrevistas aprofundadas com PVHS em TARV, 22 com pacientes com<br />

TB e 13 com provedores de saúde, totalizando 82 entrevistas.<br />

Com as ONG´s procuramos identificar possíveis lacunas no aconselhamento, necessidades<br />

de apoio em comunicação e harmonização de es<strong>for</strong>ços. Com os provedores de saúde nos<br />

15


16<br />

Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

interessava conhecer seus pontos de vista sobre o comportamento dos pacientes em relação<br />

à adesão ao TARV, aos controlos, às dificuldades com a toma da medicação, à prevenção da<br />

reinfecção e uso do preservativo, bem como critérios de adesão e seguimento, além da<br />

necessidades de apoio em materiais de comunicação para o aconselhamento. Nas entrevistas<br />

com os pacientes em TARV e em TB, estes em menor número, exploramos as questões<br />

de interesse central da análise, em síntese, suas experiências no uso da medicação, grau de<br />

in<strong>for</strong>mação e percepção do TARV, obstáculos familiares e sociais, motivações, eventuais<br />

mudanças de comportamento, uso de preservativo e aspectos relacionados à comunicação<br />

com os provedores de saúde.<br />

De observar ainda que o grupo de entrevistados em TARV foi constituido de mulheres e<br />

homens, alguns tendo interrompido a medicação e estando na US para uma nova consulta, e<br />

ainda alguns em tratamento da TB. A selecção deste grupo se fez mediante o seguinte<br />

procedimento: solicitamos aos provedores de saúde que nos indicassem potenciais in<strong>for</strong>mantes,<br />

respeitando a cronologia da marcação de consultas, reduzindo assim a possibilidade<br />

de uma triagem feita por eles próprios.<br />

Todas as entrevistas <strong>for</strong>am gravadas, com a permissão dos in<strong>for</strong>mantes, e posteriormente<br />

transcritas.<br />

O quadro a seguir apresenta as características dos in<strong>for</strong>mantes cujas entrevistas <strong>for</strong>am<br />

consideradas elegíveis. Em cada local pesquisado <strong>for</strong>am eliminadas as entrevistas cujos<br />

in<strong>for</strong>mantes estavam <strong>for</strong>a da faixa etária prevista ou quando as transcrições apresentavam<br />

problemas. Algumas entrevistas cujos in<strong>for</strong>mantes não <strong>for</strong>neceram a idade <strong>for</strong>am mantidas<br />

porque continham in<strong>for</strong>mações relevantes para a análise.<br />

Características<br />

Idade<br />

Menor de 25<br />

25 – 29<br />

30 – 35<br />

36 – 40<br />

41 – 50<br />

51 – 56<br />

Não in<strong>for</strong>mou<br />

Sexo<br />

Masculino<br />

Feminino<br />

Escolaridade<br />

1ª - 6ª classe<br />

7ª – 10ª classe<br />

Não estudou<br />

Não in<strong>for</strong>mou<br />

Total<br />

Namacurra<br />

01<br />

03<br />

05<br />

01<br />

02<br />

-<br />

01<br />

01<br />

12<br />

09<br />

02<br />

02<br />

-<br />

13<br />

Zambézia Maputo<br />

Quelimane<br />

-<br />

01<br />

03<br />

01<br />

02<br />

03<br />

-<br />

06<br />

04<br />

03<br />

07<br />

-<br />

-<br />

10<br />

Boane<br />

Uma série de outras variáveis referentes aos in<strong>for</strong>mantes poderiam ser aqui mencionadas,<br />

como estado civil, número de filhos ou tempo de uso de antiretrovirais, entre outras. Ao longo<br />

das entrevistas tivemos acesso a essas in<strong>for</strong>mações. Pareceu-nos, porém, que o<br />

agrupamento de in<strong>for</strong>mantes baseados nessas características subdividiria muito a<br />

sistematização das in<strong>for</strong>mações, além do que, com excepção do tempo em TARV, tais<br />

02<br />

01<br />

02<br />

-<br />

03<br />

01<br />

02<br />

02<br />

09<br />

06<br />

01<br />

04<br />

-<br />

11<br />

Matola<br />

03<br />

01<br />

-<br />

02<br />

03<br />

02<br />

02<br />

04<br />

09<br />

06<br />

03<br />

03<br />

01<br />

13<br />

Total<br />

06<br />

06<br />

10<br />

04<br />

10<br />

06<br />

05<br />

13<br />

34<br />

24<br />

13<br />

09<br />

01<br />

47


Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

características se mostravam irrelevantes para a análise das questões abordadas. De<br />

destacar que esta última variou bastante entre os in<strong>for</strong>mantes, de menos de um mês a até<br />

cerca de 10 anos, e fazer "inferências" segundo subgrupos seria arriscado em função da<br />

heterogeneidade do número de in<strong>for</strong>mantes por subgrupo.<br />

A título de esclarecimento sobre a análise efectuada, nos valemos do referencial teórico de<br />

autores que se dedicam à "Análise do Discurso", cujas técnicas diferem das observadas em<br />

análises de conteúdo. É consenso entre esses os autores que os indivíduos quando questionados<br />

sobre o que pensam e fazem somente dizem uma parte do "dizível", pois somente uma<br />

parte lhes é acessível pelas seguintes razões: a) os valores sociais dominantes, historicamente<br />

determinados, e interiorizados através dos processos de socialização, estão na instância<br />

do inconsciente; e b) o próprio funcionamento da linguagem se assenta em processos<br />

parafrásicos (diferentes <strong>for</strong>mulações de um mesmo enunciado/com um mesmo sentido), e<br />

polissémicos (os vários sentidos que podem ter uma palavra). Esta particularidade da fala<br />

por si só traz implicações para a sua interpretação. (Pêcheux, 1975. In: Orlandi, E., 2000)<br />

Reconhecendo essas limitações para a interpretação das narrativas dos in<strong>for</strong>mantes, fizemos<br />

um número maior de entrevistas com pacientes em TARV, e/ou com co-infecção HIV/TB<br />

quando comparado com o número de pacientes com TB, na expectativa de dispor de uma<br />

amostra maior de in<strong>for</strong>mantes que permitisse identificar padrões de comportamento neste<br />

grupo-alvo, objecto principal da análise.<br />

Um aspecto que já é de consenso de quem se dedica à interpretação de discursos/narrativas<br />

é que uma análise interpretativa considera necessariamente as significações que emanam<br />

das relações entre os protagonistas da interlocução e a própria situação. Guardando esta<br />

premissa, a interpretação dos depoimentos levou em conta que os argumentos, expressões e<br />

opiniões dos in<strong>for</strong>mantes seriam em parte condicionados pelos seguintes aspectos:<br />

Imagem que os in<strong>for</strong>mantes teriam dos facilitadores/entrevistadores, e de sua intenção<br />

com a pesquisa ou de estar ali, naquele momento. A coordenação da equipa ficou<br />

a cargo de uma médica, tendo ela própria realizado muitas entrevistas. Sua postura à<br />

vista dos in<strong>for</strong>mantes e no contacto pessoa a pessoa demonstrava, ainda que não<br />

fosse sua intenção, e apesar dos cuidados, certa distância social;<br />

Memória de situações semelhantes vividas por eles (estudos, inquéritos, trabalhos<br />

realizados na área por outras pessoas/organizações sobre os mesmos temas abordados);<br />

Constatação de que o facilitador/entrevistador é quem dá as coordenadas da entrevista<br />

- é quem insiste numa questão, interrompe uma fala, re<strong>for</strong>ça outras através de<br />

algum sinal (palavra ou gesto).<br />

Pelas razões apontadas, olhamos com certa reserva os depoimentos recorrentes em termos<br />

de defesa dos preservativos, sabendo-se que seu uso não é consistente entre adultos;<br />

igualmente, demos pouco peso às afirmações de satisfação com os serviços oferecidos,<br />

quando previamente os in<strong>for</strong>mantes queixavam-se do atendimento e/ou do tempo de espera<br />

para obter a consulta ou medicação.<br />

Operacionalmente, os depoimentos <strong>for</strong>am sistematizados em categorias previamente<br />

estabelecidas segundo os objectivos da pesquisa, e o trabalho de interpretação foi baseado<br />

nos seguintes recursos analíticos:<br />

Argumentos usados sobre a mesma temática em diferentes momentos dos depoimentos;<br />

Argumentos recorrentes/confirmação/re<strong>for</strong>ço<br />

Argumentos distintos para defender determinadas opiniões<br />

17


18<br />

Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

Mesmos argumentos usados para defender opiniões opostas<br />

Relação entre as diferentes opiniões/ posicionamentos<br />

Observação dos conectivos - usados para ligar frases, mais importantes/ menos<br />

importantes/ ênfases<br />

Ambiguidades<br />

Silêncios/Interrupções bruscas/Negação/Omissão<br />

Semântica<br />

3. Abordagem Teórica<br />

As teorias para explicar o comportamento evoluíram significativamente nas duas últimas<br />

décadas. As teorias anteriores supunham que apenas <strong>for</strong>necendo in<strong>for</strong>mação sobre um<br />

problema de saúde ou melhorando o acesso aos serviços ou a um novo produto (como<br />

preservativos, vacinação, etc.) isso resultaria em mudança de comportamento. Evidências<br />

mostraram que essas abordagens de base cognitiva do passado eram limitadas. Outras<br />

teorias do campo psicossocial e da comunicação expandiram essas abordagens iniciais,<br />

acrescentando outros factores que se relacionam com o comportamento observado, como a<br />

percepção da gravidade da doença e do risco subentendido (modelo de crença na saúde);<br />

percepção da recompensa do comportamento como benefícios e custos (acção reflectida); e<br />

o sentido de confiança para agir (auto-eficácia) para citar alguns. De acrescentar, que todas<br />

essas estavam centradas no indivíduo.<br />

Embora estas teorias adicionais tenham aumentado substancialmente o conhecimento<br />

sobre o comportamento humano, as mesmas <strong>for</strong>am questionadas pela crescente evidência<br />

de que os comportamentos de saúde observados são também afectados por factores<br />

ambientais, muitos dos quais estão <strong>for</strong>a do controlo do indivíduo. Adicionalmente, cientistas<br />

sociais argumentaram que ao se concentrar nos programas assentes em teorias orientadas<br />

para o indivíduo tende-se a aumentar o fosso entre os que "têm" acesso a educação e outros<br />

bens materiais e simbólicos que ampliam as potencialidades individuais e os que "não têm",<br />

onde estes últimos poderão ser afectados mais negativamente e estar em desvantagem,<br />

devido aos factores estruturais e sociais mais vastos do contexto onde as pessoas vivem.<br />

O surgimento da epidemia do HIV e SIDA acelerou ainda mais o reconhecimento dos<br />

cientistas sociais da <strong>for</strong>te influência que factores sócio-culturais jogam nos complexos<br />

comportamentos de saúde, incluindo o comportamento sexual (McKee, et al., 2004,<br />

UNAIDS/ Penn State University, 1999). Como resultado deste debate, as teorias e modelos<br />

que têm como enfoque a mudança de comportamento do indivíduo estão a ser suplementadas<br />

por outras teorias e modelos que colocam ênfase nos grupos sociais e em factores<br />

contextuais mais vastos como a comparação social (Festinger, 1954); a influência social<br />

(Moscovici, 1976); redes sociais (Rogers e Kincaid, 1981), capital social (Lin, 1999), género e<br />

poder (Connell RW, 1987) e factores estruturais e ambientais (Sweat e Denninson, 1995).<br />

As teorias são ferramentas para a reflexão e ajudam a identificar factores, tanto sociais como<br />

individuais, que, quando associados, permitem que percebamos melhor o comportamento<br />

de saúde observado; e mais ainda, a identificar cursos de acção úteis a todos os níveis para a<br />

concepção de programas. A Figura 1 ilustra uma visão mais holística do comportamento<br />

individual, onde influências sociais e ambientais se sobrepõem para <strong>for</strong>mar e/ou influenciar<br />

normas subjectivas, valores, atitudes e comportamentos.


Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

Figura 1. Desenvolvimento e Mudança do comportamento no contexto sócio ambiental<br />

Valores,<br />

normas,<br />

visão de mundo<br />

Legislação,<br />

Serviços<br />

Pares<br />

Educação<br />

Ambiente Físico e organizacional<br />

Família<br />

Comportamento<br />

Religião<br />

Política<br />

Comunidade<br />

Adaptado de McKee, et al., 2004<br />

O modelo mostra a influência imediata da família, dos pares e da comunidade nos sobre o<br />

indivíduo. O anel mais exterior sugere que este contexto imediato é também influenciado por<br />

um ambiente mais vasto que consiste de políticas/legislação, serviços, a economia, assim<br />

como o ambiente físico e organizacional. A seta transversal representa os valores, normas e<br />

crenças culturais e locais, bem como as visões de mundo que afectam a <strong>for</strong>ma como o<br />

contexto social e ambiental está estruturado e o modo como as comunidades e os indivíduos<br />

encaram a sua realidade, seus papeis ou se comportam.<br />

Defendemos aqui que essas abordagens e modelos mais abrangentes constituem uma<br />

ferramenta melhor para entendermos o comportamento das pessoas vivendo com o HIV,<br />

sua percepção da infecção e do TARV, suas dificuldades de adesão aos serviços e ao<br />

tratamento relacionados ao seu contexto de vida, bem como os meios de que lançam mão<br />

para superar os obstáculos para a adesão.<br />

Salientamos também que recorremos à síntese realizada por Kula (2008) sobre o conceito<br />

de cultura na antropologia aplicada à saúde, entendendo-a como “a <strong>for</strong>ma pela qual as<br />

pessoas de uma mesma sociedade ou comunidade descrevem, organizam, legitimam e<br />

justificam práticas que orientam a vida do grupo, por meio de normas, conhecimentos e<br />

crenças.” As relações que as pessoas estabelecem entre si dentro de uma determinada<br />

cultura fazem-se por meio da “linguagem” como instrumento de comunicação, entendendo<br />

que a linguagem é mais abrangente que a língua e envolve “um conjunto de valores e códigos<br />

que são aprendidos, compartilhados e transmitidos de geração para geração”. De<br />

acrescentar, o carácter dinâmico da linguagem - que sofre trans<strong>for</strong>mações ao longo do<br />

tempo, em decorrência de mudanças internas nas relações sociais (homem e meio -<br />

econômicas, políticas, ambientais etc.), e/ou por influência de outras culturas, portanto,<br />

outros códigos de linguagem, outros valores, através do contacto entre grupos sociais ou<br />

outros meios, como, por exemplo, os medias. Essas mudanças podem ser grandes ou<br />

pequenas, lentas ou rápidas a depender do impacto das influências pelas quais a cultura<br />

passa. De todo modo, “As coisas que fazem parte da nossa cultura são verdadeiras aos<br />

nossos olhos, elas são as nossas crenças e qualquer es<strong>for</strong>ço para mudá-las deve tomar isso<br />

em consideração, em todos os aspectos da vida, incluindo a saúde.” Nessa perspectiva, outro<br />

conceito que achamos importante considerar em nossa análise é o de modelo explicativo<br />

19


20<br />

Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

que é a maneira como a medicina/provedores de saúde, utentes e comunidades, como o<br />

próprio nome diz, explicam a causa, os sintomas, a evolução, o prognóstico e o tratamento<br />

das doenças.<br />

“... Eles podem ser inconsistentes, apresentar erros e contradições, mas constituem a<br />

base à qual os indivíduos recorrem para explicar e dar sentido a um problema de saúde<br />

específico. Como tal, nem sempre eles são pensados de <strong>for</strong>ma completamente<br />

articulada, e mesmo no caso de doenças novas, desconhecidas no passado, as pessoas<br />

buscam explicações usadas para doenças conhecidas e que achem semelhantes<br />

àquela que estejam a enfrentar no presente.” (Kula, 2008, p. 13, 14 e 15)<br />

A importância para a nossa análise de fazer referência ao conceito de modelo explicativo<br />

remete à questão da comunicação entre os provedores de saúde e as PVHS em TARV. Os<br />

utentes têm seu modelo explicativo do adoecer e tal modelo pode estar muito distante do<br />

modelo explicativo que o provedor de saúde lhe apresenta ao falar de seu problema de saúde.<br />

Escutar este modelo e aceita-lo são duas coisas distintas. Uma comunicação aberta entre<br />

provedores de saúde e utentes é a única maneira do provedor entender o ponto de vista dos<br />

utentes para poder estimula-los à adesão.<br />

A partir dessas abordagens vamos mostrar que existem factores que dificultam a adesão aos<br />

serviços e ao TARV e factores que a favorecem, e que entre os primeiros se destacam os<br />

problemas relacionados ao acesso e à oferta de serviços, e às condições de vida das PVHS,<br />

enquanto os segundos dizem mais respeito a aspectos cognitivos e emocionais, incluindo o<br />

apoio familiar e dos provedores de saúde.<br />

4. Resultados da Análise<br />

A análise comparativa das narrativas dos in<strong>for</strong>mantes por local pesquisado mostrou<br />

uni<strong>for</strong>midades em relação a todos os aspectos abordados, não obstante as diferenças de<br />

infra-estruturas disponíveis para o atendimento aos pacientes em TARV, de condições de<br />

vida das PVHS e de particularidades socioculturais. As uni<strong>for</strong>midades de posicionamentos,<br />

atitudes e comportamentos em relação ao TARV puderam ser observados para além dessas<br />

diferenças.<br />

A seguir, estão sistematizados e interpretados por categorias de análise os resultados das<br />

entrevistas realizadas.<br />

4.1. A percepção do TARV<br />

A percepção do tratamento antiretroviral está intimamente relacionada à percepção da<br />

infecção pelo HIV. Os in<strong>for</strong>mantes referem-se à infecção pelo HIV como uma “doença” nova<br />

(desconhecida), estranha, que debilita o organismo, e provoca várias outras “doenças” que<br />

os tratamentos conhecidos e aplicados anteriormente a enfermidades com alguma<br />

semelhança não conseguem resolver.<br />

“Vai acontecer outra doença também a mais que eu não conheço não posso<br />

deixar comprimidos não. Essa doença aqui, temos medo, as pessoas falam que vai<br />

morrer com ela. Queríamos ver o remédio para cabarmos esta doença e não


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acontecer mais... Por que ninguém esperava que havia de haver essa doença de<br />

SIDA, quando uma pessoa vai fazer analises e acusa é por que é verdade mesmo.” (E7-<br />

131108, M, Quelimane, Zambézia)<br />

"Essa coisa de SIDA, porque a pessoa anda com muitas pessoas, é a prostituição? é<br />

dali onde a pessoa apanha a doença? enquanto na realidade não é isso aí, é o<br />

destino de cada um posso dizer assim. Você hoje em dia apanha um bebezinho<br />

está infectado, como? Será que aquela doença anda ai? Quer dizer aquela criança<br />

anda aí assim, apanhar uma velha da idade da minha avó está doente como é que<br />

apanhou a doença?" (E-TARV-231008, Boane, Maputo)<br />

“Na opinião eu agradecia que, quando eu viesse aqui, explicar o que é que eu tenho...<br />

darem-me medicamentos, aqueles da maneira da minha doença, para eu ficar a<br />

melhorar... até agora eu agradeço muito a este hospital, porque eu vinha sempre aqui,<br />

malária, malária, depois uma enfermeira, coitada, sentiu pena de mim e mandou-me<br />

fazer teste, se não podia fazer teste, e depois ficou positivo, eu andei a chorar disse<br />

onde apanhei isto?, e a enfermeira disse mamã não chora, você cumprir há de ficar<br />

bem, depois ouvi a ideia daquela enfermeira, até agora agradeço a enfermeira que me<br />

aconselhou, podem vir outras doenças, eu não tenho nada a ver porque eu não fui<br />

<strong>for</strong>a apanhar esta doença, eu não sei donde vem esta doença, eu agradeço que eu<br />

fique melhor desta doença e me dar medicamento eu cumprir mesmo, até me dizerem<br />

mesmo que já estou bem, é só isso que estou a agradecer. (E5-211008, M, Matola,<br />

Maputo)<br />

“vim ao hospital porque tinha feridas em todo o corpo, então fui a triagem daqui,<br />

mandaram-me ao médico, ele mandou-me fazer análises e disse que tinha Sida,<br />

então fiquei espantada porque ainda não tinha tido, como é que poderia ter<br />

Sida? (E9-211008, M, Matola, Maputo)<br />

As causas da “doença” parecem nebulosas, podendo estar associada às relações<br />

cosmológicas, de parentesco ou de vizinhança (dívidas com ancestrais, não cumprimento<br />

com ritos, inveja etc.) e não apenas às relações sexuais ou a objectos infectados, como falam<br />

os provedores de saúde e os media.<br />

“Sim, eu pensava que aquilo ali fosse feitiçaria, fiquei muito tempo convencida<br />

disso aí. Então uma vez encontro-me com um conhecido e perguntou: - Então dona<br />

Marta como esta? Eu disse: - Não muito bem, estou doente. Ele disse: Desde quando?<br />

Desde que tive essa criancinha e quando apareceu essa doença, disse: - O que é isso aí,<br />

eu disse: não sei, disse para ir a Dermatologia no Hospital Central. Fui a<br />

Dermatologia, a doutora chamou-me e fez me as análises e disse a senhora está<br />

infectada, e eu agora doutora o que faço? Ela disse: -Vou te dar o endereço para ir<br />

fazer tratamentos, mas agora vai no hospital Dia, fiz tratamento lá.” (E7-231008, M,<br />

Boane, Maputo).<br />

Como alguns sintomas da infecção são semelhantes aos de outras doenças familiares à<br />

população, a tendência é, de início, lançar mão da medicina tradicional, de medicamentos<br />

conhecidos que funcionaram anteriormente para sintomas parecidos, ou procurar<br />

curandeiros. Isto explica, em parte, o facto da maioria das pessoas infectadas só procurarem<br />

uma US no estágio avançado da infecção.<br />

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“eu fazia tratamentos tradicionais, mas também vinha aqui no hospital fazer<br />

consultas.” (E-141008, Zambézia, Namacurra)<br />

Uma de nossas provedoras entrevistadas destaca que as pessoas com sintomas de HIV<br />

demoram muito a procurar uma US.<br />

“... bem, a nossa população a maior parte é analfabeta então a mensagem demora<br />

entrar e, educar alguém é a coisa mais difícil que existe então, a gente faz aqueles<br />

processos de aconselhamento, mas tem que ser uma pessoa minimamente que<br />

entende o objectivo, que acata logo, agora as pessoas acatam... aliás, muito tarde<br />

quando têm já problemas sérios.” (E3-231008, Boane, Maputo)<br />

Os provedores entrevistados confirmam a tendência da população a procurar alternativas<br />

tradicionais para tratar da infecção.<br />

“existe ainda aquela mentalidade na população que há quem consegue curar a<br />

sida <strong>for</strong>a da unidade sanitária e esses factores também estão a contribuir para<br />

dificultar a adesão.” (E2-231108, Boane, Maputo)<br />

É difícil para um indivíduo entender a importância da testagem se não há sinais ou sintomas<br />

da infecção. Quando alguém aceita submeter-se ao teste, é porque “já sabe” ou “desconfia”<br />

que pode estar com “Sida” em função de debilidade física acentuada, incluindo outros sinais<br />

como borbulhas e manchas no corpo, que não desaparecem mediante o uso de tratamentos<br />

tradicionais.<br />

"Houve uma vez em que os médicos chegaram lá (na comunidade) para fazer teste de<br />

HIV e as pessoas negaram; Eles dizem que não podem fazer o teste sem saber se<br />

estão contaminadas porque dizem que podem se matar se souberem" (E-TARV-<br />

211008-TARV, Matola, Maputo)<br />

Percebem que os antiretrovirais “curam” essas “doenças”, e receiam ter recaídas se pararem<br />

de usá-los, admitindo que terão que toma-los o resto da vida.<br />

“...Senhor doutor, vale a pena eu morrer a tomar comprimido, do que eu deixar, porque<br />

se estou com borbulhas, haviam outras coisas que me devia na barriga e pararam de<br />

doer, e o médico achou melhor continuar com a medicação. E quando melhorei, falei<br />

também ao médico. Veja, já tenho boa pele, já cicatriz não se vê e consigo culimar.”<br />

(E3-TARV-141008, M, Namacurra, Zambézia) (Relato de uma conversa que<br />

teve com o provedor de saúde)<br />

“Eles disseram que quando a pessoa adoecer, tem de seguir com o tratamento e às<br />

vezes quando falha, a doença cria resistência e começa a criar muitas doenças, pode


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aparecer uma tosse ou várias doenças, e para que não exista essas doenças é<br />

necessário que a pessoa siga a medicação.” (E3-151008, M, Quelimane,<br />

Zambézia)<br />

“A importância é de você tomar e ficar boa. Não interromper, porque você quando<br />

não interrompe não apanha muitas recaídas você consegue fazer os trabalhos<br />

de casa, se você quer passear, passear a vontade. Agora quando interrompe<br />

você apanha recaídas... não vou cuidar dos meus filhos.” (E8-131108, M,<br />

Quelimane, Zambézia)<br />

Os depoimentos sugerem que quando uma pessoa consegue superar as barreiras iniciais dos<br />

efeitos secundários dos antiretrovirais e se vê “curada” das “doenças” que lhe apareceram,<br />

ela passa a confiar no tratamento, até mesmo as que não têm, ou pelo menos não<br />

manifestam ter, uma idéia muita clara do que possa ocorrer se interromperem a toma da<br />

medicação. Não é por acaso que dois sentimentos se destacam quando os in<strong>for</strong>mantes falam<br />

do TARV: que usando a medicação voltaram a ter uma “vida normal” e que é importante<br />

seguir tomando para se manterem vivos. Eles receiam ter recaídas se interromperem a<br />

medicação, e admitem que terão que tomar antiretrovirais para o resto da vida.<br />

“acho que é boa coisa né, porque andei vários sítios, por curandeiros, mas não estava a<br />

dar certo. Mas quando eu cheguei de apanhar aconselhamento eu cumpri, comecei a<br />

fazer o tratamento, comecei a ver a minha vida a mudar graças a Deus, é por isso<br />

que confio mais de antiretrovirais do que ir ao curandeiro.” (E2-TARV-111108, M,<br />

Namacurra , Zambézia)<br />

“É para ter a saúde segura, e continuar a ter a minha vida normal.” (E3-TARV-<br />

111108, M, Namacurra, Zambézia)<br />

“A importância é que desde o dia que eu soube que era seropositiva teve que assumir<br />

porque isto está entre a vida e a morte por isso eu me medicando tenho a vida e se<br />

não me medicar estarei sujeita a morte, e então vou tomar estes medicamentos até<br />

a morte. Estou a tomar correctamente os medicamentos para ter mais tempo de<br />

vida.” (E3-151008, M, Quelimane, Zambézia)<br />

“Posso estar doente, mas não perco <strong>for</strong>ça, ficar deitada, dar de fazer meus filhos,<br />

por exemplo, porque eu se me deixo não vou morrer agora, vou sofrer e fazer<br />

sofrer outras pessoas, para mim foi muito bom ter começado a fazer o<br />

tratamento.” (E1-231008, M, Boane, Maputo)<br />

Se uma mulher é seropositiva e tem um filho na mesma situação, e se ela percebe que a<br />

medicação melhora a sua saúde, isto a motiva a dar a medicação correctamente ao filho. Este<br />

foi um dos poucos casos, entre o conjunto de in<strong>for</strong>mantes, onde alguém menciona o TARV<br />

pediátrico, mas não deixa de ser significativa a observação de confiança na medicação.<br />

“até mesmo os meus filhos tomam, tem me acompanhado neste caminho daqui, e<br />

tenho o último filho que baixei com ele no hospital Provincial de Quelimane, dali fui<br />

aconselhada, aquilo eu não tive medo, porque eu queria que o meu filho ficasse curado.<br />

... Tenho um filho de 9 anos que está a fazer o tratamento e este último que tem 4 anos<br />

também está a fazer tratamento.” (E2-111108, M, Namacurra, Zambézia)<br />

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Não obstante acreditarem que os antiretrovirais são eficazes, algumas pessoas em<br />

tratamento revelaram não saber o que poderia acontecer caso interrompessem a medicação.<br />

Essas pessoas, em geral, tinham menor grau de escolaridade que as demais.<br />

“Só isso não sei.” (E4- 131108, M, Quelimane, Zambézia)<br />

“Não sei.” (E5-131108, M, Quelimane, Zambézia)<br />

“não sei” (E3-061108, M, Boane, Maputo)<br />

“os comprimidos que me dão não são muito pesados, disseram-me para tomar de<br />

manhã e a tarde, de manhã a tarde, nunca mudaram para uma outra hora, ehem,<br />

disseram-me de manhã, a tarde só... ehei, eu não sei, não disseram estes comprimidos<br />

se interromper vai acontecer isto, não dizem.” (E4-061108, Boane, Maputo)<br />

4.2. A importância dos exames/controlos<br />

A importância atribuída aos exames está directamente relacionada com o interesse do<br />

utente de saber se a medicação está a fazer efeito, ainda que este tenha dificuldade de<br />

compreender a in<strong>for</strong>mação que recebe sobre carga viral ou Cd4.<br />

“São importantes porque depois do médico lhe ver, dá-lhe medicamentos e levamos<br />

para casa ela toma e conseguimos ver o corpo dela a melhorar... Porque sei que o<br />

Doutor quer controlar se estou a melhorar ou não.” (E-141008, Zambézia,<br />

Namacurra)<br />

“bom, eu quando comecei fiz por três vezes o CD4 mas vi que as células estavam a<br />

melhorar e a carga viral já estava a aumentar em relação ao primeiro dia que<br />

vim cá. Então, quer dizer, tudo isto consegui ver por causa dos exames que tenho vindo<br />

a fazer aqui no centro de Saúde. (E5-TARV-141008, H, Namacurra, Zambézia)<br />

“São importantes por que me controlam. Às vezes se eles me controlam e vê que se<br />

está ir a baixa eles me avisam que não está a dar certo, você deve se alimentar<br />

bem, não sei o que não desenvolve bem. Agora quando me controla eu fico satisfeita.”<br />

(E8-131108, M, Quelimane, Zambézia)<br />

“para mim acho que é importante porque fico a saber se a minha doença aumentou ou<br />

não. Por exemplo agora, o que me faz ficar de baixa é que quando cheguei aqui<br />

expliquei aos enfermeiros que estou a sentir alguma coisa que quando estou a tossir<br />

acontece isto, isto e isto então passaram-me um papel e disseram para que fosse ao<br />

Hospital Central então vim fazer as analises mas nas minhas análises não saiu nada<br />

mas no Central saiu, disseram que tinha infecção, sim.” (E5-061108, M, Boane,<br />

Maputo)<br />

“Porque para mim isso ai eu vou estar sempre in<strong>for</strong>mado como estou a, a desenvolver<br />

nem, no meu tratamento, então eu gosto tanto disso...” (E8-211008, H, Matola,<br />

Maputo)


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4.3. Conhecimento e prevenção da co-infecção HIV/TB<br />

Esta foi uma das variáveis onde observamos pequenas divergências por local de estudo e<br />

entre locais. Por exemplo, em Namacurra, vários in<strong>for</strong>mantes dizem que receberam<br />

in<strong>for</strong>mações sobre a TB e remetem-se à importância da prevenção por parte de quem já está<br />

com o HIV.<br />

“Sim, temos ouvido que pode-se prevenir a TB em casos de ter um familiar em casa<br />

com tosse deve-se procurar uma <strong>for</strong>ma de como conviver com ele no seu dia-a-dia, de<br />

modo a separar seus utensílios domésticos sem discriminar (copo, talheres, etc.). E os<br />

escarros tirados pelo doente devem ser protegidos de modo a evitar que as moscas<br />

pousem-nos porque podem transportar os micróbios para os baldes que contem água<br />

guardada para ser consumida.” (E3-141008, Zambézia, Namacurra)<br />

“Sim, sempre os médicos dizem que existe essa doença que é a TB... O médico tem<br />

dito, que a pessoa quando tem TB ao começar qualquer indivíduo que ficar não pode<br />

comer aquela comida, mesmo também no copo a pessoa não pode utilizar aquele<br />

copo, quando resta comida e só deitar (jogar <strong>for</strong>a).” (E3-TARV-141008, M,<br />

Namacurra, Zambézia)<br />

Porém, os comentários de alguns desses sugerem que a in<strong>for</strong>mação de que dispõem é<br />

equivocada.<br />

“... a tuberculose pode se apanhar com, por exemplo (...) através também da bebida<br />

em excesso, fumar o tabaco, utilizar, quer dizer, utilizar medicamentos não<br />

controlados pode também intoxicar o organismo a ponto de apanhar esta doença.”<br />

(E5-TARV-141008, H, Namacurra, Zambézia)<br />

Alguns, há bastante tempo em TARV (mais de 2 anos), relatam que não receberam<br />

in<strong>for</strong>mações sobre a TB e não mencionam a importância da prevenção.<br />

Provedores entrevistados em Namacurra confirmam que não dispõem de muito tempo para<br />

falarem da co-infecção com pacientes em TARV.<br />

“ Não falamos muito, mas fazemos teste também, aquele coiso, na consulta<br />

perguntamos se tem tosse ou não tem e então se ele dos três sinais de sim, então<br />

fazemos teste de tuberculose mas normalmente, para falar a verdade, da tuberculose<br />

falamos pouco. Um doente que vem bom, um só que é HIV, falar de tuberculoso a<br />

tendência é pouca por causa do tempo que é pouco. “ (E4-141008, Namacurra,<br />

Zambézia)<br />

Em Quelimane, poucos são os in<strong>for</strong>mantes que fazem alguma associação entre o HIV e a TB.<br />

Quando sondados sobre que doenças uma pessoa deveria evitar apanhar sendo<br />

seropositiva, alguns dizem simplesmente “não sei”. Em geral, mencionam que não<br />

receberam orientação para se prevenirem da TB.<br />

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“não nunca falaram.” (E9-151008, H, Quelimane, Zambézia). Esta in<strong>for</strong>mantes está<br />

em tratamento há quatro anos.<br />

“Que me lembre não, não. (E10-151008, H, Quelimane, Zambézia)<br />

“essas doenças são as venéreas, praticamente a pessoa que esta neste estado tem<br />

de usar preservativo, porque é único método para evitar muitas doenças. E é isso que<br />

usamos a partir do dia que descobrimos que éramos portadores do vírus... ” (E3-<br />

151008, M, Quelimane, Zambézia)<br />

“Uma das principais doenças era de não conseguir mais outra venérea, por que<br />

fazendo sexo de qualquer maneira às vezes posso contrair uma sífilis, Gonorreia.<br />

Agora com o meu estado de saúde debilitado, pode piorar a minha situação de vida,<br />

porque esta doença também mesmo a pessoa estando saudável fica debilitada.” (E7-<br />

131108, H, Quelimane, Zambézia)<br />

“é esses pequenos sífiles não sei qué, sim.” (E10-151008, H, Quelimane, Zambézia)<br />

Os depoimentos de provedores desta província confirmam que nem todas as PVHS em<br />

TARV são in<strong>for</strong>madas sobre a TB, pelo menos na US onde a entrevista foi realizada, e que isto<br />

só ocorre quando o paciente apresenta sintomas da doença.<br />

“Não todos, nós falamos, lembramos mais para explicar isto quando o doente começa<br />

a apresentar mais os sintomas, como cada processo de um doente vem lá uma ficha de<br />

de pesquisa... não, só quando ele tem sintomas de tosse, da tuberculose neste caso...”<br />

(E3-151008, Quelimane, Zambézia)<br />

Em Boane, alguns fazem associação entre o HIV e a TB e dizem que receberam in<strong>for</strong>mações<br />

nas US.<br />

“Mesmo eu já tive Tuberculose... Sim, e a doença estava associada... Falam, explicam,<br />

Tuberculose é uma doença que mata, pessoa quando tiver Tuberculose não pode ir ao<br />

curandeiro, por exemplo, quando pessoa tiver HIV não pode ir ao curandeiro tem que<br />

correr para o posto médico.” (E7-231008, M, Boane, Maputo)<br />

“Falam que temos que prevenir a Tuberculose, como que quando você ter tosse que<br />

passam duas semanas tens que vir ao hospital saber o que é que tens.” (E1-231008, M,<br />

Boane, Maputo)<br />

“Já falaram (referindo que escutou algo na US) , mas como eu nunca me atacou<br />

esse tipo de doença, já ouvi falar, cólera também, aqui falam de vez em quanto que a<br />

pessoa deve prevenir, lá <strong>for</strong>a as vezes separam medicamentos para evitar a doença...<br />

Tuberculose é uma doença que pode vir eliminar a sua vida, não e só tossir, quando<br />

descobrir aquilo tem de ir ao posto médico para analisar teu comportamento, recitam<br />

para ir a farmácia tomar comprimidos.” (E10-231008, H, Boane, Maputo)<br />

Certos in<strong>for</strong>mantes, já há bastante tempo em TARV, relatam que não receberam<br />

in<strong>for</strong>mações sobre a TB e/ou não mencionam a importância da doença para as pessoas<br />

infectadas pelo HIV.


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“não, nada, não me disseram nada.” (E4-061108, M, Boane, Maputo)<br />

“outra doença não sei” (E6-061108, M, Boane, Maputo)<br />

Na Matola, vários in<strong>for</strong>mantes fazem alguma associação entre o HIV e a TB e dizem que<br />

receberam in<strong>for</strong>mações nas US.<br />

“Falam para ir tirar teste de TB para saber se tem TB ou não, porque aquele TB às<br />

vezes tem TB enquanto é TB infectado com HIV, primeiro fazer tratamento de TB,<br />

depois acabar de fazer o tratamento de TB depois entra no tratamento de HIV.” (E5-<br />

211008, M, Matola, Maputo)<br />

“eh, o cuidado que eu tenho... , por exemplo, em termos de, de Tuberculose, porque sei<br />

que quem está com esta doença (HIV), como é o meu caso, então se estiver associada<br />

a Tuberculose é a coisa mais perigosa né, então, tenho tentado mesmo me evitar,<br />

quando estou a falar com alguém que não conheço, quando ele estiver a tossir eu<br />

tenho que tentar me proteger porque é uma pessoa que não conheço, agora sei que<br />

quando já estás assim então já quando apanha a Tuberculose então as coisas fica mais<br />

complicadas... mesmo hoje, mesmo quando estava lá no aconselhamento aquela<br />

técnica aconselhou-me porque a minha filha, ela esteve, pra que eu ensinasse a ela<br />

quando ela estiver a tossir fechar a boca com, com a mão porque sabe, é capaz que ela<br />

possa ter não é, então, quando ela tossir assim em frente as pessoas assim de qualquer<br />

maneira então como há muita facilidade de contaminação daquele vírus da<br />

Tuberculose então pode vir a contaminar-me nós próprios...” (E11-211009, H,<br />

Matola, Maputo)<br />

“Falam que esta doença tem haver com HIV, e mata, e pode ser apanhada por causa<br />

de comer com a mesma colher.” (E7-211008, M, Matola, Maputo)<br />

“ah, eu tenho muito medo de apanhar este tipo, a segunda doença, a tuberculose<br />

muito mais porque dizem que está associada a estas doenças, quer dizer, não dá bem,<br />

sim e previno-me também da malária usando a rede e de outras doenças como a<br />

coléra, diarréia.” (E8-211008, H, Matola, Maputo)<br />

Há, naturalmente, aqueles que receberam in<strong>for</strong>mações de outras fontes, e não na US onde<br />

fazem tratamento.<br />

“E a Tuberculose, porque aquela doença não é boa, se você tossir muito acaba com as<br />

<strong>for</strong>ças e nem ter vontade de fazer nada, assim que eu estou sozinha se aquela doença<br />

me apanha ninguém me vai atender, e ninguém vai dar de comer essas crianças... Não<br />

ainda não ouvi, os médicos não misturam a in<strong>for</strong>mação, somente fala-se de TARV,<br />

quanto a Tuberculos, nunca escutei de ninguém.” (E6-211008, M, Matola,<br />

Maputo)<br />

“Sobre a Tuberculose não falaram nada, até podem ter falado mas como estamos<br />

doente andamos a fazer barulho...” (E4-051108, M, Matola, Maputo)<br />

Outros, quando sondados sobre que doenças uma pessoa seropositiva deveria evitar<br />

contrair, dizem simplesmente “não sei”, e outros ainda são pouco específicos.<br />

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“Muitas doenças que tem, que que deve cuidar e não posso apanhar.” (E2-051108,<br />

M, Matola, Maputo)<br />

“eu sempre na minha vida procurei me cuidar para que esta doença, sei lá se é sida ou<br />

sei lá... então, quando comecei e ver muita gente comecei a pensar que talvez seja<br />

mesmo sida, só que ainda não me corroeu mas é, então eu cuido-me neste sentido, o<br />

mesmo acontece com a doença da malária que eu conheço bem, cuido-me dela<br />

também, até custa o que custar, comprei rede porque tenho medo da doença da<br />

malária porque ela também mata, a cólera também, tenho medo, só não posso dizer<br />

irmão que me vou esquivar, ehem, isso quem sabe é Deus, sim. (E3-051108, M,<br />

Matola, Maputo)<br />

“Sobre a Tuberculose não falaram nada, até podem ter falado mas como estamos<br />

doente andamos a fazer barulho...” (E4-051108, M, Matola, Maputo)<br />

“ei, nada, sobre a Tuberculose não sei... nada, acerca da Tuberculose não falamos, não<br />

chegou de mencionar.” (E3-051108, M, Matola, Maputo)<br />

Por outro lado, os provedores de saúde afirmam que os utentes recebem este tipo de<br />

in<strong>for</strong>mação em várias situações, o que leva a crer que talvez haja falhas na comunicação com<br />

os utentes, já que uns confirmam e outros negam.<br />

“Sim, nós falamos sempre da co-infecção, os doentes da Tuberculose todos todos são<br />

feitos o ATS, aconselhamento e testagem, todos eles, estamos com uma boa<br />

percentagem, quase que 99% posso dizer que aceitam fazer o teste de HIV, para dizer<br />

que são aconselhados na matéria do HIV; os doentes seropositivos que estão em<br />

seguimento também em todas as consultas é feito o despiste da TB e fala -se do risco<br />

que eles têm, que o vírus tem crescido, que eles não têm de contrair a Tuberculose.” (E-<br />

231108, Boane, Maputo)<br />

“Temos feito palestras, e fazemos chá positivo que é um encontro que se faz no final de<br />

cada mês para os doentes de TB e HIV/SIDA virem ao hospital DIA para poderem ser<br />

encaminhados aos conselhos e tratamento.” (E1-141008, Namacurra, Zambézia)<br />

Alguns admitem que o tempo é curto para dar muitas explicações.<br />

“Nós falamos porque uma das nossas apostas nessas palestras é explicar que o doente<br />

com HIV é mais susceptível para apanhar a Tuberculose em relação ao doente que<br />

não é seropositivo então, nós tentamos explicar como é que eles podem se proteger,<br />

como é que posso dizer, sim, como é que, quais, quais são os, em duas, três palavras<br />

porque muita das vezes não temos muito tempo para explicações com mais<br />

pormenores, mas explicamos como é que nós podemos, como é que são os meios de<br />

transmissão, como é que eles podem evitar, essas coisas todas” (E3-211008, Matola,<br />

Maputo)<br />

Outros dizem que os utentes recebem a in<strong>for</strong>mação, mas segundo seus comentários<br />

parecem usar uma linguagem muito técnica nas explicações.


Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

“para um indivíduo que vem com Tuberculose sobre HIV, nós falamos para ele que<br />

está imune deprimido e a imune depressão é um factor que pode contribuir para que<br />

ele apanhe várias outras doenças, uma delas é o HIV/SIDA que está associada a<br />

Tuberculose. Falamos com ele sobre a importância do uso do preservativo, a<br />

importância de fazer o rastreio a toda família, nos contactos dele sobre a Tuberculose.”<br />

(E2-231008, Boane , Maputo)<br />

“Nós in<strong>for</strong>mamos a eles para poderem fazer o uso do preservativo, boa nutrição e que<br />

possam alimentar-se com alimentos cheios de proteínas e vitaminas.” (E1-141008,<br />

Quelimane, Zambézia)<br />

“Nós sempre temos in<strong>for</strong>mados os nossos doentes que o HIV deixa a imunidade<br />

deprimida e então provavelmente pode apanhar não só a tuberculose mas as outras<br />

infecções que podem se oportunas por causa da imunidade.” (E2-141008,<br />

Namacurra, Zambézia)<br />

Com base nesses depoimentos, aventamos a hipótese de que as PVHS em tratamento<br />

podem até receber in<strong>for</strong>mações sobre a co-infecção HIV/TB e serem alertados para<br />

prevenirem-se, como parte do aconselhamento, mas não conseguem entender e/ou<br />

memorizar as in<strong>for</strong>mações essenciais que recebem. Talvez o grau de escolaridade faça<br />

diferença nesta questão, mas não foi possível fazer nesta pesquisa esse tipo de verificação,<br />

pois a maioria de nossos in<strong>for</strong>mantes tinha em média seis anos de escolaridade.<br />

Tentamos também verificar se os pacientes com TB estavam in<strong>for</strong>mados sobre a co-infecção<br />

TB/HIV, e encontramos situação semelhante à observada no caso dos seropositivos, ou seja,<br />

isto varia por local de estudo e entre os locais. Por exemplo, em Namacurra, a maioria dos<br />

in<strong>for</strong>mantes nos pareceu atenta ao HIV e às ITS.<br />

“As doenças que devo tomar cuidado para não apanhar é cavalo, (nome popular para<br />

cancro venéreo), HIV/SIDA e todas as doenças de transmissão sexual.” (E1-141008,<br />

M, Namacurra, Zambézia)<br />

“Os médicos nos in<strong>for</strong>mam todos os dias, antes do hospital abrir. O que dizem em<br />

primeiro lugar são as <strong>for</strong>mas como prevenir das doenças de transmissão sexual... Eles<br />

dizem que o SIDA não só se apanha através de relações sexuais, mas também através<br />

de lâminas ou injecções.” (E1-141008, M, Namacurra, Zambézia)<br />

“Sim, éramos in<strong>for</strong>mados todos os dias nas manhãs quando estávamos de baixa<br />

assistiamos reunião.” (E3-111108, M, Namacurra, Zambézia)<br />

“Sim, já me explicaram que qualquer pessoa quando fica doente deve ir ao hospital<br />

mais próximo fazer teste... (E2-141008, H, Namacurra, Zambézia)<br />

Somente um dos in<strong>for</strong>mantes não soube dizer o que sabia sobre o HIV e outro disse que<br />

falam do HIV na US, mas ele não entende.<br />

“epá, falam cosa, também falam muita cosas que eu não entendo bem, sim.” (E5-<br />

141108, H, Namacurra, Zambézia)<br />

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30<br />

Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

Em Quelimane, em geral, nossos in<strong>for</strong>mantes dizem que receberam in<strong>for</strong>mações sobre o<br />

HIV e que <strong>for</strong>am alertados para a co-infecção.<br />

“Os médicos disseram para não fazer sexo sem preservativo, isto para evitar a doença<br />

do SIDA... Os médicos disseram, para não fazer muito sexo sem protecção, não ter<br />

relações com vários parceiros.” (E1-161008, M, Quelimane, Zambézia)<br />

“Sim fui explicada... Falaram-me de ter cuidado, cuidado brincar mal, falaram tudo.”<br />

(E2-161008, M, Quelimane, Zambézia).<br />

“Disseram para evitar essa coisa de relações sexuais. Por exemplo, um casal é<br />

obrigado a mulher saber o estado dela. Você homem também saber seu estado que é<br />

para fazer o tratamento. A partir dai, para fazer alguma coisa precisa daquele Jeito ai.”<br />

(E3-161008, H, Quelimane, Zambézia)<br />

“... recomendaram- me que papá deve evitar essa coisa de mulher, mesmo se quiser<br />

deve utilizar essa coisa de Jeito.” (E3-161008, H, Quelimane, Zambézia)<br />

Em Boane, tivemos pouco in<strong>for</strong>mantes com TB e, entre esses, apenas um deles nos pareceu<br />

in<strong>for</strong>mado.<br />

“só no primeiro dia que abri o meu processo e me fizeram o teste e deu negativo, o<br />

enfermeiro disse para eu parar de andar muito à noite, abdicar do sexo para combater<br />

a Tuberculose porque esta doença anda associada ao Sida.” E acrescenta: ele disse<br />

para utilizar também o preservativo caso tenha uma amiga <strong>for</strong>a, uma namorada para<br />

não apanhar o sida porque pode ser que esta tenha. (E1-231008, H, Boane,<br />

Maputo)<br />

Na Matola, alguns in<strong>for</strong>mantes também se referem à importância de evitar o HIV e/ou fazer<br />

sexo com proteção.<br />

“Sim, eles dizem para aqueles que estiverem com o vírus não ficarem zangados,<br />

porque há de provocar outras doenças, e a pessoa pensa que aquela doença vai te<br />

matar, em quanto não o SIDA não mata, só quando fizeres o teste e saberes que és<br />

positivo é melhor cumprir com a medicação.” (E1-211008, M, Matola, Maputo)<br />

Esta última in<strong>for</strong>mante menciona também que costumava ser incentivada a levar<br />

preservativos.<br />

“Sim costumam a dizer.” (E1-211008, M, Matola, Maputo)<br />

Outros mencionam que não receberam in<strong>for</strong>mações nas US onde estavam a fazer o<br />

tratamento.


“ainda não fui explicado... aqui, nunca.” (E2-211008, H, Matola, Maputo)<br />

“aqui, desde que eu comecei a tomar os comprimidos não teve nenhuma palestra...<br />

não, não, neste momento ainda não.” (E3-211008, H, Matola, Maputo)<br />

4.4. A prevenção da reinfecção<br />

Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

O que mais chama a atenção no conjunto de depoimentos é certa mudança nos padrões de<br />

relacionamento sexual, desde diminuir o número de parceiros a adopção da abstinência<br />

sexual. Vários in<strong>for</strong>mantes opinam que, por orientação dos profissionais de saúde, devem<br />

fazer intervalos nas relações sexuais como uma <strong>for</strong>ma de cuidar-se e não agravar o quadro da<br />

infecção. Porém fica difícil saber se receberam este tipo de conselho ou se compreenderam<br />

desta <strong>for</strong>ma a in<strong>for</strong>mação que receberam. E mais, é possível que esses in<strong>for</strong>mantes tenham<br />

negado sua actividade sexual por achar que esta seria a expectativa do entrevistador,<br />

tratando-se de seropositivos.<br />

“Mudei sim. Não tenho parceiros, estou a viver assim até que em cada reuniões com os<br />

Doutores eu faço perguntas. Doutor, é normal uma mulher ficar assim sem fazer sexo?<br />

Então, o Doutor às vezes responde-me que é muito melhor. Então eu vivo segura.<br />

Eu pensava que fazia mal ficar assim sem fazer sexo.” (E3-111108, M, Namacurra,<br />

Zambézia)<br />

“Depois de saber o meu estado de saúde, apesar de ter duas mulheres eu antes para<br />

além das minhas mulheres eu tinha outras. E essas coisas de preservativo eu não<br />

usava, nem com uma, nem com a outra e nem por onde eu andava. Desta altura<br />

(desde quando soube que era seropositivo) , até o momento que cai doente não<br />

tive vontade de fazer relações sexuais e nem sei se haverá medicamento de fazer com<br />

que eu volte a ter vontade de fazer relações sexuais.” (E2-141008, H, Quelimane,<br />

Zambézia)<br />

“Não tenho, nem preciso, estou bem assim se não vai me dar dor de cabeça, prefiro<br />

viver assim doutora, é mais preferível, vou ao serviço, atender os dois meus filhos,<br />

chega! Se arranjo um amigo vai me criar problemas.” (E7-231008, M, Boane,<br />

Maputo)<br />

“eu sempre procurei me cuidar, está a ver, agora por exemplo, desde que o meu<br />

marido, com quem tive a minha última filha de dois anos, morreu quando eu ainda<br />

estava grávida nunca mais dormi com nenhum homem e eu gostaria que continuasse<br />

assim para ver como é que se comporta a minha doença” (E5-061108, M, Boane,<br />

Maputo)<br />

“Depois de saber o meu estado de saúde, o nosso relacionamento sexual mudou<br />

bastante, antigamente eu não me protegia, mas agora eu não faço relações<br />

sexuais, eu parei.” (E3-151008, M, Quelimane, Zambézia)<br />

“já não mantenho relações sexuais, desde que soube desta doença nunca mais<br />

mantive relações sexuais, nem tenho vontade.” (E9-211008, M, Matola, Maputo).<br />

Esta senhora tem 44 anos de idade e o marido é falecido.<br />

“eh, depois de eu saber que eu estou assim, infectado com a doença quase que, bem,<br />

não era uma pessoa de muitas amizades não é, mas cortei definitivamente, em que<br />

não gostaria mais de me envolver com mais ninguém, a não sendo a minha própria<br />

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32<br />

Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

esposa que já estou com ela em casa. O aconselhamento foi sempre de ter que usar o<br />

preservativo, mesmo sendo em casa com a minha própria esposa... desde que, que<br />

soube da, da situação, nem com preservativo, nem com nada, parei mesmo,<br />

ando só com o tratamento.” (E11-211008, H, Matola, Maputo)<br />

Quanto ao uso de preservativos, sintetizamos as seguintes barreiras:<br />

Em depoimentos de in<strong>for</strong>mantes do sexo masculino, não gostar de usar, independentemente<br />

de estarem ou não infectados, mesmo quando a parceira é seropositiva. Quanto a saber se<br />

são estimulados a levar para casa, as respostas divergem.<br />

“Eu sempre tive bom comportamento e também sempre estive com a minha mulher<br />

até agora.” Sobre se usa: “Não, porque eu sempre gostei de manter relações sexuais<br />

sem preservativo... Confio porque os brancos que falaram não são malucos. Se foi dito<br />

é porque tiveram provas.” E mais adiante sobre se é estimulado a levar para casa:<br />

“Não, os técnicos nunca nos disseram nada.” (E2-141008, H, Namacurra,<br />

Zambézia)<br />

“eu não pode falar mentira ,dizer que nós pedimos e eles estão a negar, não, não posso<br />

mentir... (E4-141108, H, Namacurra, Zambézia) (quando questionado sobre se<br />

os provedores falam do preservativo, o in<strong>for</strong>mante diz: “todo dia”)<br />

Os provedores realçam as dificuldades das PVHS em TARV, tanto homens como mulheres,<br />

de in<strong>for</strong>marem aos parceiros seu estado de saúde, identificando esta situação como uma das<br />

razões para levarem preservativos, mas não usarem.<br />

“Eu acho que não, porque é assim, primeiro eu parto das pessoas que vem fazer<br />

consulta comigo são pessoas que não in<strong>for</strong>maram a parceira que são sero positivos<br />

tanto a homem como mulheres então fica claro que eles não tem uma <strong>for</strong>ça de usar o<br />

preservativo eles levam só por levar.” (E2-211008, Matola, Maputo)<br />

“Eu já tive um doente que levava sempre preservativos, sempre, sempre, sempre, uma<br />

pessoa bem instruída que chegou no meu gabinete e um dia desses perguntou –me na<br />

fim da consulta perguntei: Hoje não leva os preservativos? –Ele : doutora usa<br />

preservativo? Hii...olhei para ele, porque? -Não doutora, porque a doutora ficou assim,<br />

porque não me respondeu logo que usa? Senhora doutora, não é fácil usar o<br />

preservativo, nunca usei preservativo, hoje vou usar preservativo ? Mas ele sempre<br />

levava os preservativos. ... Sim, porque eu tenho doentes em TARV que depois me<br />

aparecem grávidas, mas como é que a pessoa dizia usa preservativo? São essas<br />

situações que depois fazem desacreditar que nem todo mundo que leva o preservativo<br />

usa. (E-231008, Boane, Maputo)<br />

De todo modo, os provedores confirmam que não só in<strong>for</strong>mam sobre o preservativo, como<br />

insistem para os utentes os levarem.


Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

“sempre, sempre, explicamos porque tem que levar o jeito nem, porque alguém para,<br />

para usar tem que saber qual é a importância do uso então, sempre insistimos,<br />

procuramos saber se a pessoa sabe porque está a usar isto e explica-nos e se não<br />

souber a gente re<strong>for</strong>ça, sim.” (E3-231008, Boane, Maputo)<br />

“Nós explicamos como também participam sempre nas palestras; as palestras são<br />

feitas todos os dias de manhã pelos activistas , então os activistas são também<br />

portadores do vírus, então eu acho que o acesso a in<strong>for</strong>mação parte de quem esta<br />

doente... nós temos que insistir. Sempre que eles vem nós oferecemos os preservativos”<br />

(E2-211008, Matola, Maputo)<br />

Em depoimentos de in<strong>for</strong>mantes do sexo feminino, resistência ao uso por parte dos<br />

parceiros.<br />

“Até agora ele continua a ter muitas amigas. Não, ele não usa o preservativo... não<br />

gosta de usar... mesmo com as outras também eu sei que não usa porque não gosta<br />

de preservativos. (E2-141008, M, Namacurra, Zambézia)<br />

Eu mudei, sempre até quando vou lá costumo a pedir preservativos. Às vezes falam<br />

que não tem acabou... Lá na clínica às vezes não tem preservativos. Eles dizem que não<br />

tem, quando tem dão- me. Agora aquele tempo que não tem, homem é aquele<br />

mesmo, quando digo que não consegui , ele não procura. Ele não procura, não<br />

vai comprar. E ele também o meu marido não aceita a fazer teste.” (E8-131108,<br />

M, Quelimane, Zambézia)<br />

“Não sei. Mas eu acho que ele não usa o preservativo.” (tendo in<strong>for</strong>mado<br />

anteriormente que o parceiro sai com outras mulheres) (E1-151008, M,<br />

Quelimane, Zambézia)<br />

“Ele desde muito tempo não respeitou o lar, sempre anda aí de qualquer maneira, já<br />

que ele sabe que temos essa doença parece estar a agravar mais, porque temos que<br />

fazer relações com preservativos e ele não gosta, eu também não gosto estar sempre a<br />

aumentar doença quando sei que já não posso fazer, então ele prefere sair para outro<br />

sítio que sabe que não é conhecido.” (E1-231008, M, Boane, Maputo)<br />

“... meu marido levava sempre, mas não gostava, não gosta... Trazia para casa... Só<br />

que quando começarmos a fazer, ele dizer eu não estou a gostar, acabamos por<br />

deixar.” (E1-231008, M, Maputo Boane)<br />

Essa situação é ilustrada também pelo depoimento de uma provedora de saúde.<br />

“Na minha opinião acho que as pessoas não cumprem..o que acontece é que temos<br />

algumas mulheres que aparecem grávidas. Dá para ver que durante as relações<br />

sexuais não usam preservativo, mesmo às vezes quando aconselhamos, as mulheres<br />

dizem que os maridos não aceitam usar o preservativo, tem medo do marido, de<br />

abordar o marido sobre o uso do preservativo, acho que esta medida não está a ser<br />

muito bem cumprida” E acrescenta “Sim, falamos do preservativo, nas consultas<br />

falamos dos preservativos nas palestras, quase em todo canto falamos disso... a maior<br />

parte dos que pedem são homens, porque tem voz, sabem impor a ordem em casa, as<br />

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34<br />

Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

mulheres eu penso que só levam para nos agradar, porque não conseguem convencer<br />

o marido para usar o preservativo, muitas vezes dizem leva o preservativo, ela<br />

acabando levando só porque se não estaria mesmo a mostrar que não usa.” (E2-<br />

231008, Boane, Maputo)<br />

Desconfiança quanto à eficácia do preservativo<br />

“... faço com “Jeito”, não posso fazer de qualquer maneira... Meu marido como disse<br />

que entrou um grupo lá no quartel dele, disse que dão sempre palestras, traz, quando<br />

chego aqui costumo pedir a enfermeira e me dá... Não sei se confio ou se a gente<br />

apanha esta doença por camisinha, mas por enquanto como estou doente posso<br />

confiar.” (E6-061108, M, Boane, Maputo)<br />

“essa é uma pergunta de difícil responder porque tem certas pessoas que dizem que<br />

mesmo o preservativo tem alguma coisa, algum vírus ou alguma coisa sei lá ali<br />

dentro e outras dizem que não.” (E10-151008, H, Quelimane, Zambézia)<br />

“Para mim mudou muita coisa, como, por exemplo, quando eu soube disso aí, eu<br />

namorava tanto, muito não é, eu tinha a minha mulher em casa mas ainda tinha<br />

namorada. Sim, sim, então, mas depois de eu saber disso parei com isso... Viemos<br />

aqui mesmo, fizemos o teste, ela também já está no processo e com a minha mulher já<br />

que ela tá grávida, orientaram-nos para usarmos preservativo... no inicio eu não<br />

confiava... ah, não confiava porque , epá, porque eu pensava que o preservativo,<br />

ele mesmo pode ter o vírus, tá a ver, porque muitas pessoas usavam e contavase<br />

isso aí sempre mas desde lá até cá o número nunca desceu das pessoas que<br />

infectam em cada dia mas usam o preservativo, então eu tinha medo de ir aderir<br />

o bicho, lá ta a ver, mas já agora que sei de que tenho, estou aqui, estou com este vírus<br />

e a minha senhora também tá com o vírus, a gente começou a usar assim cada um fica<br />

com o vírus dele.” (E8-211008, H, Matola, Maputo)<br />

Contudo, há aqueles que dizem que usam, confiam no preservativo distribuído nas US, e<br />

mencionam que são aconselhados pelos provedores de saúde a usá-los.<br />

“Eu nunca vim aqui sem ser para fazer consulta, e às vezes quando me esqueço, os<br />

médicos dizem não leva preservativo?... E dai se tenho preservativo, eu in<strong>for</strong>mo a eles<br />

que tenho. E quando não tenho eu levo em quantidade “ (E3-141008, M,<br />

Namacurra, Zambézia)<br />

Agora usamos preservativo, até temos levantado aqui no hospital... prefiro usar<br />

daqui do hospital porque sei que tem garantia.” (E-141008, M, Zambézia,<br />

Namacurra)<br />

“Antes agente não era in<strong>for</strong>mado, eu andei a fazer sexo sem proteção porque<br />

não fui in<strong>for</strong>mado. O nosso tempo não é como o tempo antigo, porque agora as<br />

pessoas todas já são in<strong>for</strong>madas. Uma das melhores prevenções quando a pessoa às<br />

vezes ficar assim como sou solteiro, pego a minha camisinha e me satisfaço. Quando<br />

apanho aquela mulher que não quer, eu digo obrigado. Não piore a minha situação. E é<br />

o que faço.” (E7-131108, H, Quelimane, Zambézia)


Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

Alguns in<strong>for</strong>mantes que dizem usar, no decorrer da narrativa revelam que não usam de <strong>for</strong>ma<br />

consistente.<br />

“usei, uso nas alturas da gravidez da minha mulher... sim, uso... extra... eh, sempre não,<br />

uma vez a outra... “essa é uma pergunta de difícil responder porque tem certas<br />

pessoas que dizem que mesmo o preservativo tem alguma coisa, algum vírus ou<br />

alguma coisa sei lá ali dentro e outras dizem que não.” (E10-151008, H,<br />

Quelimane, Zambézia)<br />

“Eu agora uso de vez em quando, não sempre, digo a minha família da casa para<br />

evitarmos, para termos mais vida, por enquanto eu aplico, sinto-me melhor no meu<br />

corpo, tudo está bom... Na minha casa uma vez a outra, não sempre.” (E10-<br />

231008, H, Boane, Maputo).<br />

4.5. Como as PVHS em TARV lidam com as expectativas dos pares e outros<br />

agentes sociais<br />

De acordo com as narrativas dos in<strong>for</strong>mantes, os comentários que escutam sobre o TARV na<br />

comunidade são os mais controversos, podendo ser de incentivo ou de desestímulo ao<br />

tratamento. Contudo, embora possam incomodar, revelando discriminação e estigma, estes<br />

factores não parecem ser determinantes para influenciar decisivamente a interrupção ou<br />

adesão ao TARV, pelo menos nenhum depoimento mostra associação significativa entre<br />

uma coisa ou outra.<br />

“Muitas pessoas dizem que esses medicamentos que vocês tomam não são bons só<br />

aumentam as doenças. Outras dizem que faz bem a saúde por isso devem cumprir;<br />

Outros dizem, vão ao hospital porque vão vos curar... outros ainda, dizem-nos para<br />

não irmos ao hospital porque estamos a perder tempo” (E2-141008, M, Namacurra,<br />

Zambézia)<br />

“Outros dizem assim: aqueles comprimidos que vocês são dados no hospital, os<br />

médicos distribuem as pessoas que ainda não tem a doença de HIV. E quando te dão, e<br />

tomares já é quando você vai ter o vírus de HIV no corpo.” (E3-TARV-141008, M,<br />

Namacurra, Zambézia)<br />

“Costumam a falar sobre HIV e outras pessoas têm vergonha de se declararem mesmo<br />

de ir ao hospital. Às vezes ficam com medo. Outros dizem que se eu <strong>for</strong> ao hospital não<br />

vou recuperara e outras pessoas ficarão a saber que sou HIV positivo... Tem dito que os<br />

comprimidos fazem mal. Quando a pessoa toma estes comprimidos, começam a roer<br />

o corpo e acaba morrendo.” (E1-151008, M, Quelimane, Zambézia)<br />

“Às vezes nos insultam... falam ah aqueles são as seropositivas. Por exemplo, as<br />

pessoas deixaram de namorar comigo. Eu teve um amigo, era um professor, andei com<br />

ele, mas quando ele soube que eu estava com esse tratamento, abandonou-me. “ (E3-<br />

TARV-141008, M, Namacurra, Zambézia,)<br />

Encontrar pessoas conhecidas na US pode ser o suficiente para uma PVHS recear ser<br />

discriminada na comunidade. Alguns lidam melhor que outros com a discriminação, e talvez<br />

aqueles que já estão convencidos dos benefícios do TARV lidem melhor, como podemos<br />

observar em alguns depoimentos.<br />

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Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

“O que eu tenho notado mais é discriminação. Notar, ver alguém e saber dizer que<br />

aquela fulana está a tomar TARV e não poder se aproximar de uma certa mesa não sei<br />

lá qué... incomoda sim. A minha pessoa incomoda.” (E10-151008, H, Quelimane,<br />

Zambézia)<br />

“dizem de que estão a dizer que aquele ali tem HIV sei lá, SIDA sei lá já não podemos<br />

conversar (...) não conversam comigo, eu não estou, não conversam e não paro de<br />

fazer tratamento. Outros começam a falar mal de ti mas eu não estou ai. Eu digo<br />

graças a Deus que comecei a fazer aquilo ali tratamento e ela ainda nem sabe se tem.”<br />

(E2-061108, M, Boane, Maputo)<br />

“Acho que as pessoas que estão longe disto aqui falam mal por não saberem,<br />

quando falam eu vejo elas como atrasadas, porque, por exemplo, podes falar com uma<br />

pessoa de repente vai dizer você também talvez tem SIDA, está a ver essas borbulhas,<br />

essas feridas, sem saber que essa SIDA que está a falar também tem, por não saber,<br />

fala de qualquer maneira.” (E1-231008, M, Boane, Maputo)<br />

“ A minha família não sabe. Só vivo com meu marido, mas as pessoas falam muito.<br />

Falam estes <strong>for</strong>am apanhar não sei quê, quê, quê, enquanto sabem que isto é doença e<br />

qualquer pessoa pode ter. Mas eles não sabem que eu, mamã, João e qualquer pessoa<br />

pode ter, mas eles não sabem disso? Até fazem-nos de porcos... Dizem aquela tem<br />

SIDA, não está a ver? não sei que que que ... para evitar isso eu não falo...” (E5-<br />

211008, M, Matola, Maputo)<br />

Os provedores acham que a discriminação pode influenciar a não adesão às consultas de<br />

controlo, por exemplo, quando uma PVHS encontra conhecidos na US e receia suas reacções<br />

<strong>for</strong>a da unidade.<br />

“...há outros que tem vergonha, que um dia vem e quando chega encontra um<br />

conhecido e dai não vem mais... Muitos que começaram o TARV aqui transferiram<br />

para Nampula por motivos de serviços ou motivos familiares, mas que preferem<br />

manter os seus processos aqui e então eles saem de lá de Nampula e vêm para cá.”<br />

(A2-151008, Quelimane, Zambézia)<br />

Há desconfiança, inclusive, pelo facto do Governo estar a dar um tratamento de longo prazo e<br />

de graça. Mas a própria in<strong>for</strong>mante contra-argumenta sobre a importância do TARV na<br />

redução da mortalidade.<br />

“Nós temos escutado que assim o Governo já nos vendeu, para estar- nos a oferecer<br />

este tratamento grátis enquanto já nos vendeu. (referencia a ser enganado) Assim<br />

já fomos comprados. Nunca houve algo que oferecido gratuitamente até terminar e<br />

esse tratamento não tem cura ou não tem solução. Havemos de nascer morrer e<br />

deixarmos esta doença com os nossos filhos... Mas vejam só, na altura que não<br />

havia hospital dia, havia muita mortalidade. Mas agora reduziu, porque existe<br />

algo que veio marcar diferença. Por isso quando as pessoas seguem o<br />

tratamento de TARV, conseguem viver mais tempo.” (E3-141008, M,<br />

Namacurra, Zambézia)


Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

Apesar do estigma que cerca o HIV e SIDA, os in<strong>for</strong>mantes mencionam que as pessoas na<br />

comunidade ficam curiosas sobre o tratamento quando percebem que alguém que estava<br />

muito debilitado/doente melhorou seu estado de saúde, e que actualmente já se convive com<br />

mais naturalidade com pessoas sabidamente infectadas.<br />

“Por exemplo, no meu bairro, aparecem outras pessoas e perguntam, conta-lá! Como<br />

é que você chegou de melhorar, eu estou cansado com a minha mulher. Eu digo, sigo<br />

aquilo que a saúde está- me a dizer. Se você quer melhorar, vai fazer teste você com a<br />

sua mulher.” (E3-TARV-141008, M, Namacurra ,Zambézia)<br />

“Falam, mas até agora não é muita gente que fala mal disso aí, houve um tempo que<br />

as pessoas falavam, por exemplo, eu já passei por uma fase difícil, quando fosse ao<br />

hospital as pessoas diziam é aquela ali que tem SIDA, mas eu não me importava<br />

tanto... Do jeito como eu adoeci... Hoje, dizem essa aí é uma pessoa que morre e<br />

ressuscita... Falam bem mesmo, conversam comigo a vontade sem problemas. Eu<br />

penso assim porque já não estão a falar muito, não é como dantes.” (E7-231008, M,<br />

Boane, Maputo)<br />

“ah, só que, pronto, não posso precisamente dizer né, mas as pessoas sempre falam<br />

abertamente hoje em dia, já não é como dantes não é, não é como dantes que alguém,<br />

quando estivesse com esta doença era visto como, não sei lá o quê, mas agora... eh,<br />

hoje em dia as pessoas falam que, epá, se a pessoa se desconfia de uma, quando<br />

começa a ficar doente, sempre quando sei lá, além de esperar ficar mesmo debilitada é<br />

melhor cedo procurar uma GATV para poder conhecer o seu estado, sim.” (E11-<br />

211008, H, Matola, Maputo)<br />

4.6. Factores que dificultam a adesão<br />

1. Efeitos secundários da medicação associados à carência alimentar<br />

Aderir ao TARV é um processo, sujeito a interrupções no início do tratamento. Em geral,<br />

estas ocorrem devido aos efeitos secundários da medicação associados principalmente à<br />

fome. Alguns efeitos secundários são às vezes confundidos com uma nova doença. Mas se a<br />

pessoa recebe alguma medicação para o efeito ou a atenção de um provedor de saúde,<br />

insistindo para que a medicação seja retomada, a tendência é de superação do problema.<br />

“Nos primeiros dias interrompi, mas pela reacção. Mas aquilo não cheguei de<br />

abandonar, estou tomando até agora estou bem graças a Deus, nada me provocou<br />

reacção nenhuma do medicamento.” (E2-TARV-111108, M, Namacurra, Zambézia)<br />

“Nos primeiros dia actuou-me mal (...)eu não tomava porque não tinha<br />

alimentação, não comia bem. Até hoje esta manhã, quando sai de casa não comi, só<br />

tomei vim que posso aproveitar almoço. Então quando voltei a tomar aquela<br />

medicação ali estava me arear fome não sei quê, fraqueza mas eu vim falar com<br />

médico mas médico disse continua com a medicação e eu continuei até hoje.<br />

Agora estou a ver o meu corpo já sou branca, sou bonita enquanto isso estava assim<br />

encarcolado isto aqui. Vistas, cabelo eu posso tirar lenço era vermelho vermelho, uma<br />

coisa vermelha assim (...)” (E7-TARV-141008, M, Namacurra, Zambézia)<br />

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Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

De qualquer <strong>for</strong>ma, tanto os que interrompem quanto os que aderem ao TARV queixam-se<br />

da dificuldade de lidar com a medicação quando não têm o que comer. Os depoimentos mais<br />

frequentes sobre esta situação ocorreram em Boane.<br />

“o maior problema é dessa dieta visto que o medicamento é mais <strong>for</strong>te e provoca<br />

várias reacções e que deveria ser acompanhada por uma dieta razoável.” (E5-TARV-<br />

141008, H, Namacurra, Zambézia)<br />

“tive problemas sim porque tomei comprimidos depois tive o inchaço dos pés,<br />

incharam os pés sem saber o que me fazia inchar os pés, ehem, vim para aqui, fui lá<br />

onde está o cartão, nesse dia não cheguei lá, voltei porque eu estava realmente doente<br />

então eu vi que já não estava a dar, fui fazer consulta ali então acusou dois cruz, então<br />

tomei os comprimidos, então quando tomei os comprimidos...epá, assim que tomei<br />

os quatro comprimidos pronto provoquei a doença, comecei a me coçar todo o<br />

corpo, cocei-me e não conseguia dormir, não dormia, depois deixei os<br />

comprimidos... fiquei em casa, depois tudo desapareceu... voltei hoje porque estava<br />

em casa a espera do dia da minha consulta com o medico que é hoje. “(E4-061108-<br />

M, Boane, Maputo)<br />

“não, não estou a tomar bem bem por causa de não é que não tinha comprimido, às<br />

vezes é por causa de fome... estive a tomar bem quando estive a começar mas já só por<br />

causa desses dias as vezes falho a tomar, hoje, amanhã não tomar as vezes de<br />

esquecer por causa dessas coisa de fome só... falhar de vir eu nunca falhei só tenho<br />

problema de falhar de tomar e o problema de fome. Nunca falhei de vir só falhei este<br />

mês por quê? porque estava a vir no mês passado essa coisa e não consegui vir por<br />

causa disso e do dinheiro de chapa... sim, porque eu vivo longe, vivo no coiso, vivo no<br />

Beleluane.” (E3-061108, M, Boane, Maputo)<br />

“... estou a fazer, só que às vezes tenho falta de ... não conseguir qualquer coisa para<br />

comer, ter falta às vezes dorme sem nada de comer então não consegue tomar<br />

comprimido.. por que não cumpri? Problema de comer. Às vezes pode ter coisa de<br />

comer de manhã e a noite não ter nada de comer, ter uma coisa de comer a noite e de<br />

manhã não tenho nada de comer...” (E2-051108, M, Matola, Maputo)<br />

É consenso entre os provedores que a falta de alimentação e as dificuldades de<br />

deslocamento à US são as principais razões para a interrupção do TARV.<br />

“em primeiro lugar dizer que um dos factores, um dos factores é a falta de<br />

alimentação, o outro factor é a longa distancia que separa as residências e a unidade<br />

sanitária, porque muitas vezes o doente quando vem, faltando um mês quando vem,<br />

diz que eu vivo longe, então fico sem dinheiro de transporte por isso que não consegui<br />

vir naquela naquela data.” (E3-141008, Namacurra, Zambézia)<br />

“O problema é da falta de alimentação. Esse é o problema principal. As mulheres as<br />

vezes queixam se alimentação. Quem faz anteretroviral se não se alimenta bem,<br />

sempre acaba faltando nos segumentos dos tratamentos.” (E1-211008, Matola,<br />

Maputo)<br />

“Outro factor é alimentação, há pacientes que nos aparecem na consulta e dizem que<br />

não tomaram medicamento porque desde ontem não tiveram nenhuma refeição e ele<br />

como sabe que aquele medicamento logo que toma lhe exige que coma praticamente,


Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

prefere não tomar o medicamento porque não teve refeição. Esses são dois dos<br />

maiores factores que fazem com que diminua a nossa percentagem de aderência.”<br />

(E2-231108, Boane, Maputo)<br />

2. Dificuldades de acesso, tempo de espera e comunicação com os provedores<br />

O tempo que uma PVHS leva para deslocar-se às US, seja para ir às consultas ou buscar a<br />

medicação, por si só não constitui um problema para a adesão, guardadas as exceções, pois<br />

este pode variar de cinco minutos a aproximadamente 2 horas. Na maioria dos distritos, a<br />

população não tem opção: vai a pé, de bicicleta ou de chapa. Mas se a distância da residência<br />

a US é grande, usar qualquer um desses meios vira um problema: percorrer uma longa<br />

distância pode ser desestimulador ou a pessoa pode não ter condições físicas para tamanho<br />

es<strong>for</strong>ço. Não é tão fácil dispor de uma bicicleta ou de dinheiro para o chapa para grande parte<br />

da população que reside em Namacurra ou Boane, por exemplo. O tempo de deslocamento<br />

passa a ser mais um factor complicador para a adesão quando associado ao tempo de espera<br />

na US para obter o serviço.<br />

Sim, quando saio de casa 6 horas há vezes que fico até as 14 horas sem ser atendida.<br />

Às vezes fico até 12 horas.” (E2-141008, Zambézia, Namacurra)<br />

“Por exemplo aquelas pessoas que estão longe de verdade tem dificuldades em vir<br />

para aqui, há pessoas que vivem longe que pedem para dormir em Boane para ganhar<br />

tempo para estar aqui, estão a sofrer, por exemplo, pessoas que moram no 25.” Mais<br />

adiante, a utente refere-se ao facto de não haver US na localidade mencionada e<br />

prossegue: “Sim, tem que dormir em casa dos familiares para quem tem, para<br />

conseguir tempo aqui. Esses estão a sofrer... Uma delas saiu ontem, talvez não comeu,<br />

teve de sair cedo aquela hora das 14. Às vezes dormiu sem comer, assim até esta hora<br />

está aqui e quando sair daqui tem que ir esperar o carro, tem dois dias de sofrimento<br />

sem comer.” (E1-231008, M, Boane, Maputo)<br />

“... para chegar aqui em Boane tenho que dormir em casa de familiares, ehem.” (E5-<br />

061108, M, Boane, Maputo)<br />

“ehei, o que posso dizer é a demora no atendimento porque se pelo menos tentassem<br />

nos atender cedo, está a ver, por exemplo hoje, tomei comprimidos, está a ver, os<br />

comprimidos estão a pôr-me tonta e ainda não fui para casa para apanhar alguma<br />

coisa porque agora está quente, está a ver, para a hora que vou sair daqui ir apanhar<br />

chapa ainda tenho que fazer ligações, é um problema sério. (E5-061108, M, Boane,<br />

Maputo)<br />

“eh, talvez acabe sendo uma hora de tempo, mas quando ainda andava bem não via a<br />

distância, mas agora a maneira de andar é deficiente, este dorso todo dói-me, já fica<br />

longe para mim, tenho que apanhar chapa, é este tempo. (E3-051108, M, Matola,<br />

Maputo)<br />

“Eu gostaria que eles atendem bem mais cedo para a pessoa ir a casa descansar um<br />

pouco, mas agora eles não fazem isso a pessoa chega lá cansa. A partir de manhã até<br />

as 12 horas sem ser atendido. Até às vezes não apanha medicamento. Dizem que<br />

medicamento já acabou.” (E5-131108, M, Quelimane, Zambézia)<br />

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Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

A interrupção do tratamento pode se dever a alguma impossibilidade da pessoa de ir buscar<br />

a medicação na data marcada, inclusive por falta de dinheiro para o deslocamento. Às vezes,<br />

quando consegue ir, pode não conseguir a medicação, pela dificuldade de ser atendida sem<br />

estar marcada.<br />

“sim, eu tinha esses comprimidos que me deram no dia 17 e já ficaram e disseram que<br />

eu é para eu vir com aqueles vir dizer ao médico que restou esses comprimidos já eu<br />

não fez porque eu não sabia... mandaram parar. Estive a tomar bem e depois parei um<br />

mês... é por causa do dinheiro de chapa porque eu saiu de lá e já a consequência é de<br />

dinheiro de chapa. Sim. mesmo agora não tenho porque não trabalho e não faz nada<br />

só pede ao meu irmão e quando tem me dá.” (E2-061108, M, Boane, Maputo)<br />

“já falhei a data que tinham marcado a minha consulta porque não tinha dinheiro de<br />

chapa porque vivo longe.” (E6-061108, M, Boane, Maputo)<br />

Um dos in<strong>for</strong>mantes aponta para as dificuldades de atendimento na farmácia, relacionadas à<br />

limitação de pessoal para atender a demanda de utentes.<br />

“A maior demora verifica-se na farmácia porque por mais que o médico nos atenda<br />

cedo sempre levamos mais tempo na farmácia, a pessoa dorme até se cansar à espera<br />

do medicamento. Na farmácia só é uma pessoa a atender muita gente, às vezes<br />

sentimos por ela porque tem que recolher as receitas e ainda embalar os<br />

medicamentos de cada um então para uma só, não é fácil, se pelo menos fossem duas<br />

ou três pessoas.” (E9-211008, M, Matola, Maputo)<br />

Os in<strong>for</strong>mantes tendem a interpretar a indicação dos provedores para que voltem outro dia,<br />

no caso de atrasos ou faltas à consulta, como “má vontade” ou descaso para com as suas<br />

dificuldades, como ilustra o depoimento a seguir.<br />

“o atendimento, atendem-nos bem só que se chegar atrasado con<strong>for</strong>me te falei dos<br />

nossos carros (chapas), às vezes quando chegas dizem que como atrasaste volta, háde<br />

vir num outro dia enquanto a pessoa está doente. Por exemplo, eu vim no dia quatro<br />

por que não me sentia bem, mas disseram para eu voltar hoje, quinta-feira; no dia<br />

vinte e sete também cheguei um pouco atrasada por causa dos chapas disseram para<br />

voltar no dia trinta mas nesse dia trinta não consegui dinheiro.” (E6-061108, M,<br />

Boane, Maputo)<br />

Por sua vez, os provedores reconhecem a dificuldade de atender a demanda, em função da<br />

limitação de pessoal e admitem que este factor pode contribuir para a não adesão ao TARV.<br />

“... nós que somos o pessoal da saúde às vezes não conseguimos, posso assim dizer,<br />

responder aquela demanda dos doentes que vêem a unidades Sanitária a procura dos<br />

serviços de saúde porque, em média, a consulta tinha que ser de trinta minutos, o<br />

mínimo mas como queremos minimizar o tempo de espera, não conseguimos fazer<br />

com que este, este tempo de trinta minutos esteja, portanto, não conseguimos<br />

cumprir com este tempo e, mas mesmo assim, tentamos respeitar o máximo tempo<br />

possível com doente para dar as explicações, as orientações que é, também, a base


Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

para um bom seguimento. Então, uma das coisas que faz com que os doentes possam<br />

ter dificuldades em aderir o tratamento é o tempo de espera que está directamente<br />

ligado aos recursos Humanos. (E3-211008, Matola, Maputo)<br />

“... a maneira de tratar o doente também faz com que também que ele não volte, um<br />

doente que está aqui há muito tempo e deixamos a ele ali por muito tempo, se ele<br />

volta, se ele vem de novo é um pouco difícil, temos que ser um pouco realistas. Então,<br />

se ele saiu de lá longe para aqui na unidade sanitária eu estou a conversar, não estou a<br />

fazer o trabalho, e então ele fica muito tempo a espera e ele vê que não sou<br />

acarinhada, porque um doente daqueles, a pessoa precisa de muito carinho, de muita<br />

atenção e as vezes nós não demos muita atenção e às vezes também conta, não é<br />

dessa maneira de tratar os doente, conta.” (E4-141008, Namacurra, Zambézia)<br />

Alguns provedores, no entanto, parecem ter uma postura mais rígida em relação a esta<br />

situação, tendendo a culpabilizar os utentes baseado no pressuposto de falta de interesse na<br />

adesão.<br />

“Agora de TARV temos alguns problemas de aderência, eu posso dizer que temos<br />

90% de adesão, os restantes 10% temos problemas, porque mesmo para vir buscar<br />

medicamentos, há doentes que ficam dois, três dias e vem no quarto dia, mas todos<br />

dizem que tinham medicamento suficiente, mas acreditamos que este problema<br />

estamos a ultrapassar, porque agora começamos a tentar dizer aos doentes que<br />

todo aquele que não cumpre com o calendário em princípio não valoriza o seu<br />

medicamento, já que é um medicamento que muita gente gostaria de ter e não<br />

tem, uma maneira de nos valorizar é que agora dizemos vamos tirar<br />

medicamentos a quem não valoriza, então isso está a fazer com que todos<br />

fiquem atentos, valorizem mais as nossas datas. (E-231008, Boane, Maputo)<br />

“Nós temos vários factores que contribuem... temos aqueles doentes que vivem<br />

longe... então muitos deles alegam falta de dinheiro de transporte, só que estes<br />

doentes quando estão para iniciar TARV nunca dizem que tem esse problema de falta<br />

de transporte, sempre dizem que vão conseguir chegar, mas quando depois chegam a<br />

casa estão a sentir se bem, não tem nenhum problema, eles já não valorizam muito o<br />

sacrifício para vir para o hospital, então na verdade é um pouco de desleixo da parte<br />

dos doentes por estarem a sentir -se bem.” (E-231008, Boane, Maputo)<br />

Outros têm uma postura mais flexível em relação às ausências dos utentes.<br />

“Mas também existem aqueles pacientes que vivem longe da unidade sanitária,<br />

acabam faltando outros porque são dependentes de alguém que lhes sustenta ou do<br />

chefe do ... que tem que lhe dar dinheiro de passagem para vir ao hospital, acabam<br />

faltando dois, três dias ou quatro dias, e alguns porque vivem longe mesmo da unidade<br />

sanitária. São esses factores que contribuem para diminuir a nossa percentagem na<br />

adesão ao tratamento.” (E2-231008, Boane, Maputo)<br />

“Um dos factores é a falta de transporte, porque muitos não conseguem caminhar o<br />

outro é o medo e problemas de estigma dos pacientes.” (E1, 141008, Quelimane,<br />

Zambézia)<br />

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Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

As queixas em relação à demora no atendimento às vezes são associadas à impaciência,<br />

desatenção ou destrato por parte do pessoal de saúde, problemas na organização do<br />

atendimento e exposição dos pacientes seropositivos.<br />

“Aqui, as vezes quem incomoda são os serventes, quando você fica doente, você esta<br />

mal eles dizem que não tem nada a ver, eles ignoram e a pessoa está doente, não está<br />

a fazer de propósito.” (E8-231008, M, Boane, Maputo). Quando sondada se este<br />

tipo de conducta é frequente, nossa in<strong>for</strong>mante diz: “Sim, por exemplo, essa<br />

servente dona (...) não tem modo de atender as pessoas, só que já acostumamos.”...<br />

Ser bem atendida é atender um doente com bom carinho” (E8-231008, M, Boane,<br />

Maputo)<br />

“... então aparece o tal que tinha recebido o meu cartão, ele veio ali começou-me a<br />

tocar no ombro dizendo que já fui deixar o teu cartão na farmácia. Então eu aquilo<br />

senti... o vosso amigo do modo que me atendeu, eu não gostei. Porque esta<br />

doença é uma doença que os demais escondem- se lá <strong>for</strong>a. Pelo menos porque<br />

nós lá <strong>for</strong>a basta você ser descobertos que temos isto, há famílias más, que vão te<br />

acabar quando a doença não vem para acabar.” (E3-141008, H, Namacurra,<br />

Zambézia)<br />

“Não, o atendimento é regular. Muito bom não posso dizer, porque aquilo depende do<br />

temperamento de cada enfermeiro, porque há outros enfermeiros que tem muita<br />

paciência de atender os doentes, mas outros às vezes são daqueles nervosos, não tem<br />

muita paciência de atender doentes, às vezes ficam nervosos, mas são coisas da vida a<br />

pessoa tem que con<strong>for</strong>mar-se, a gente tem que aturar né, porque não podemos<br />

abandonar.” (E7-131108, H, Quelimane, Zambézia)<br />

“eh, atendimento nem vale a pena, atendimento ah, a pessoa pode vir, tá a ver, era<br />

para termos sido atendidos, ontem recolheram as senhas e depois nos in<strong>for</strong>maram que<br />

a enfermeira não estava, levaram os cartões juntaram aos nossos processos e<br />

disseram voltem amanhã e hoje cá estamos nós mas ainda não fomos atendidos. Eles<br />

marcam sempre nas senhas para as análises sete horas, mas o tempo passa, aha,<br />

atendimento daqui, nem vale a pena.” (E9-211008, M, Matola, Maputo)<br />

Prosseguindo com a sua narrativa, a in<strong>for</strong>mante diz:<br />

“... deviam levar menos tempo para nos atenderem porque se a pessoa toma<br />

comprimidos fica até as oito sem ter comido nada e ter que sair daqui uns vão a<br />

Liberdade enfim, vão a diferentes cantos da Cidade, os comprimidos são muito <strong>for</strong>tes e<br />

provocam fraqueza. Alguns têm mesmo problemas de alimentação, quando chegam a<br />

casa nem têm o que comer, então os comprimidos são <strong>for</strong>tes, pedimos que neste<br />

tratamento nos atendam cedo porque na farmácia também leva-se muito tempo e<br />

nessa altura os comprimidos estão a reagir, é isso que posso dizer nos atenderem cedo,<br />

eh..” (E9-211008, M, Matola, Maputo)<br />

“O que teriam que melhorara era organizara as fichas porque há casos em que a gente<br />

vai para lá, aquele que veio primeiro eles traçam as fichas. E o primeiro fica a ser<br />

atendido ultimamente. E aquela desorganização, então cria as vezes a pessoa fiar<br />

frustrado lá no hospital. Agora, o melhor que eles teriam que fazer era organizar e logo<br />

de manhã que chegassem as fichas, pôr con<strong>for</strong>me a ordem de chegada e a pessoa ai<br />

mesmo atrasada podia sentir que cheguei atrasada assim por esta causa estou a ser<br />

atendia atrasada. Agora isso da pessoa chegar cedo e ser atendida tarde isso não fica<br />

bom.” (E7-131108, H, Quelimane, Zambézia)


Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

Uma das razões apontadas para a interrupção ou desistência do tratamento por in<strong>for</strong>mantes<br />

que trabalham em empresas é a dificuldade de conciliar as idas e vindas às US e o<br />

comparecimento ao trabalho.<br />

“... nós obrigatoriamente temos que passar a vida completamente ou sempre no<br />

hospital... porque tem havido guerra sempre no, com os patrões, os patrões não<br />

aceitam este tipo de pedidos, você pede hoje, pede amanhã, pede depois de amanhã,<br />

não aceitam e, automaticamente, tem havido despedimentos. Mesmo os chefes<br />

acabam dizem, epá senhor, é melhor pá ir ficar na tua casa ou você escolhe uma coisa,<br />

escolhe o tratamento ou escolhe o emprego, razão pela qual há irmãos que desistem<br />

do tratamento porque a pessoa chega em casa analisa, é pai da família, vou deixar de<br />

trabalhar por causa de tratamento ou vou deixar tratamento por causa de trabalho...<br />

então a pessoa toma uma decisão. Se deixo trabalho por causa de tratamento porque<br />

o tratamento precisa de alimentação adequada mas eu deixei de trabalhar para puder<br />

cumprir o tratamento sem alimentação adequada automaticamente não estou a fazer<br />

nada. Também se desisto o tratamento para garantir o emprego, automaticamente<br />

não estou a fazer nada, então há este tipo de coisas, são coisas que nos preocupam<br />

bastante...” (E11-211008, H, Matola, Maputo)<br />

Falhas na comunicação com os provedores <strong>for</strong>am mencionadas por vários in<strong>for</strong>mantes.<br />

“...eles atendem mas eu reclamo aqui os comprimidos, eu reclamo aqui mesmo porque<br />

estou a sentir isto, estou a sentir aquilo, estou a tossir não é, mas ainda não apanhei<br />

comprimidos para isto, ainda não apanhei só me passaram um papel e me mandaram<br />

a farmácia, quando chego lá na farmácia não tem esses comprimidos, já, dinheiro para<br />

comprar não tenho, está a ver...” (E4-061108, M, Boane, Maputo)<br />

“eu comecei a vir aqui desde terça-feira. Era para eu vir levantar comprimidos na<br />

terça-feira. Mas não cheguei de marcar porque eu não vim na data marcada. E quando<br />

vim disseram- me que é preciso tomar medidas por eu ter falhado. Assim desde terça<br />

até hoje, quarta-feira ainda não consegui levantar os comprimidos. Assim não estou a<br />

tomar os comprimidos. Isso me incomoda muito.” (E1-151008, M, Quelimane,<br />

Zambézia)<br />

“O que o Doutor faz é apenas de dizer como vou tomar a medicação, então essa<br />

possibilidade ele não me perguntou.” (E2-141008, H, Quelimane, Zambézia)<br />

“Não, não perguntaram só me deram medicamentos, me deram, ehh disseram tomar<br />

amanhã de manhã, a tarde, tomava de manhã seis horas, 18 horas e quando acabava<br />

vinha para aqui pedir mais, mas sem saber já a data que eles porque disseram que<br />

tinha que vir no dia em que você acaba logo de manhã, mas eu as vezes ficava em casa<br />

e acabava hoje e de manhã vinha.” (E1-051108, H, Matola, maputo)<br />

“Não dei nenhuma opinião. A única coisa que fiz fui, fui para lá perguntar porque o que<br />

tinham escrito no papelinho eu não sabia ler, fui perguntar , então me explicaram que<br />

tinha que tomar assim, assim.” (E4-051108, M, Matola, Maputo)<br />

“não, não dei nenhuma opinião, deram-me comprimidos e explicaram-me como é que<br />

devia tomar e levei os comprimidos fui me embora para casa.” (E9-211008, M,<br />

Matola, Maputo)<br />

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Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

A respeito da língua como barreira, a maior parte dos provedores entrevistados admite que<br />

sim, faz diferença ter alguém na equipa que fale línguas locais.<br />

“Dificulta sim, porque em algum momento se tu falas o portugues, vês que o doente<br />

não está a entender. Algumas questões, termos que explicar usando a lingua local é<br />

melhor. Então o factor língua é muito importante na comunicação utente provedor. Em<br />

algumas situações se ele não entender a explicação devido a língua, o doente pode não<br />

tomar bem a medicação.” (E-211008, Matola, Maputo)<br />

“Influencia, mas como somos muitos, somos três, é facilmente pedir para trocar o<br />

paciente, passar para a pessoa que fala melhor a língua dele, acho que existe essa<br />

abertura, trocar, passar para a pessoa que fala a mesma língua... Por que eu acho que o<br />

doente não se sente con<strong>for</strong>tável por estar a falar com alguém, ele não tem a certeza se<br />

esta a fazer perceber a ideia e a ouvir a sua situação, e ou mesmo ele não tem o mesmo<br />

retorno também em termos de aconselhamento ele não consegue receber a<br />

mensagem.” (E2-211008, Matola, Maputo)<br />

“se eu falo a mesma língua que o doente, primeiro há maior aproximação e o doente<br />

abre-se com, não é, sem receio. Eu falo Português e falo com ele em Português, ele não<br />

percebe e às vezes que ele fala eu posso não perceber, nós só nos guiamos muitas<br />

vezes pelas análises e exames clínicos, mas em termos de interacção com o doente é<br />

difícil porque, prontos, ele não tem aquela confiança em mim porque não percebe o<br />

que eu falo.” (E4-141008, Namacurra, Zambézia)<br />

3. Não comunicar à família o estado serológico e uso do TARV ou comunicar e<br />

sofrer represálias<br />

Comunicar à família que é HIV+ e que está a fazer o TARV pode ter muitas implicações<br />

(abandono do/a parceiro/a, rejeição da família do/a parceiro/, perseguição de parentes,<br />

perda dos filhos e da casa etc.), já documentadas na literatura e nos media em Moçambique.<br />

Em nossa análise, vários in<strong>for</strong>mantes admitem que não comunicam por receio de<br />

discriminação.<br />

“Não disse a ninguém... E porque outras pessoas quando você lhes in<strong>for</strong>ma começam<br />

a publicar dizendo que fulano tem SIDA e toda gente começa a saber.. Falam mal da<br />

doença, dizem que esta doença não é boa, esta doença mata, e se souberem que estão<br />

com esta doença andam fazer coisas, e se descobrem que você tem esta doença não te<br />

querem, até mesmo não vão querer beber mesma água, para tal tenho que mentir a<br />

eles. ” (E6-211008, M, Matola, Maputo)<br />

“As pessoas falam muita coisa, por isso que eu não in<strong>for</strong>mo as minhas filhas,<br />

quando comecei a ficar doente, as pessoas começaram a dizer que eu tinha SIDA, até<br />

na minha zona tem pessoas que eu conheço que falam estas coisas, e eu disse para<br />

uma delas que é normal você também ter esta doença porque você ainda não foi ao<br />

hospital, se chegar meu dia de morrer, vou morrer, ninguém nasceu para ficar, todos<br />

havemos de morrer.” (E7-211008, M, Matola, Maputo)<br />

Os provedores confirmam a importância do apoio da família, pontuando que esconder o<br />

diagnóstico contribui para dificultar a adesão ao TARV e às consultas de controlo.


Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

“Eu acho que essencialmente ... há problemas sociais e culturais, porque nós temos<br />

mais isso nas consultas ... das crianças expostas, que eles não tem como revelar a<br />

sogra ou tia que estão a vir ao hospital ou porque estão a tomar medicamentos tantos<br />

dias, então a falta de revelação na família do diagnostico também contribui para que<br />

eles faltem, se há uma cerimónia ela tem que ir, ela não tem como dizer não vai porque<br />

tem consulta no hospital, porque ninguém sabe qual é o seu diagnóstico, portanto<br />

temos esse problema cultural também, da revelação do diagnóstico que ainda é uma<br />

coisa seria, que temos que ultrapassar.” (E-231008, Boane, Maputo)<br />

“Bem, pelo menos daquilo que eu tenho notado e talvez é eh a falta de apoio pela parte<br />

da família porque há outros que quando estão doentes a família põe-se de lado, não<br />

ajuda, talvez é um individuo debilitado, ele não consegue vir e tem que ficar ai até<br />

recuperar... (E2-151008, Quelimane, Zambézia)<br />

Por outro lado, também reconhecem que comunicar o diagnóstico à família não é tão fácil, e<br />

às vezes eles têm que intervir para amenizar o conflito e incentivar o retorno à medicação,<br />

como ilustra o depoimento a seguir.<br />

“estigma também é um factor que incomoda porque se ele é descoberto na<br />

comunidade, por exemplo, tivemos um caso de uma senhora que o marido lhe chutou<br />

de casa mas depois tivemos que lhe procurar, sentamos com ele e lhe explicamos,<br />

pedimos a ele para fazer teste e ele também estava na mesma situação.” (E4-<br />

141008, Namacurra, Zambézia)<br />

4.7. Factores que favorecem a adesão<br />

1. Recuperar-se: ver a saúde melhorar<br />

Recuperar-se de estados mórbidos, passando a sentir-se bem, é um dos factores que<br />

motivam a adesão, ainda que seja penoso o acesso às US para fazer ou levantar resultados de<br />

exames, adquirir a medicação, ou adaptar-se à medicação. Em outras palavras, sair de uma<br />

situação de saúde debilitante, associada a infecções oportunistas, para uma recuperação<br />

progressiva, dá confiança ao usuário do TARV de seguir com o tratamento. Este discurso é<br />

recorrente e re<strong>for</strong>çado pelos in<strong>for</strong>mantes em diversos momentos das entrevistas.<br />

“Quando tomei o medicamento agora estou a ver que tenho saúde. Nós juntamente<br />

com a minha filha que também tomou os medicamentos temos saúde...”(E1-TARV-<br />

141008, , Namacurra, Zambézia)<br />

“A importância estou a ver é que estou a melhorar. Houve uma altura que acabei dois<br />

anos na cama sem conseguir fazer nada. Para eu conseguir fazer teste foi um<br />

problema... Depois do teste foi visto que eu estava infectada. Quando comecei com o<br />

tratamento de cotrimoxazol comecei a engordar, antes de eu iniciar com o tratamento<br />

de anti-retroviral. Assim que comecei com o tratamento de antiretroviral, fiquei<br />

mesmo boa... o problema das diarreias que eu tinha, dores de cabeça, feridas nas<br />

narinas, a minha língua ficava cheia de feridas.... Mas quando comecei a seguir o<br />

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Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

tratamento, isso tudo desapareceu. Assim, estou a ver uma vantagem do<br />

tratamento.”(E3-TARV-141008, M, Namacurra, Zambézia)<br />

“Eu não estaria aqui se não fosse importante, eu não estaria aqui nesta cadeira a falar,<br />

do jeito como eu estava, mas por cumprir estou aqui. Eu parecia bebé, minha mãe me<br />

levava para casa de banho, me dava banho, fazia tudo para mim, me dava<br />

comprimido, me dava comida, eu nem conseguia pegar colher, mas por causa deste<br />

tratamento estou assim, estou bem.” (E7-231008, M, Boane, Maputo)<br />

“é bom porque desde que comecei o tratamento estou a ver que me tem ajudado, se eu<br />

não tivesse compreendido eu talvez já não estaria aqui mas como estou a cumprir até<br />

agora estou aqui... mesmo que eu não me aguente peço para alguém me acompanhar,<br />

me trazer ao hospital.” (E5-061108, M, Boane, Maputo)<br />

Uma in<strong>for</strong>mante que havia interrompido o uso da medicação há cerca de um mês, falou da<br />

vontade de retomar.<br />

“Dra., eu já disse que eu já não me sinto bem, já não é como antes que andava a tomar<br />

medicamento, sim, não me sinto bem... estou a sentir meu corpo assim, às vezes eu<br />

sinto o meu corpo com febra, cabeça, com dor de cabeça... de novo mesmo eu queria<br />

mesmo recomeçar porque eu quis fazer isso ai mas eles não aceitam.” (E2-051108,<br />

M, Boane, Maputo). (a in<strong>for</strong>mante iniciou o tratamento em outra US, mudou<br />

de zona residencial e estava com dificuldade de obter a medicação)<br />

“Eu tomo estes medicamentos para poder recuperar.” (E1-151008, M,<br />

Quelimane, Zambézia)<br />

Mas, aderir à medicação não implica, no entanto, que o indivíduo segue todas as<br />

recomendações prescritas pelo provedor de saúde. Vários factores são<br />

apontados para justificar essa “não adesão” à orientação médica, por exemplo,<br />

no que se refere a proteger-se de re-infecções ou proteger o parceiro através de<br />

relações sexuais.<br />

“Sim. Houve um momento que eu não cumpri com algumas recomendações que<br />

o medico tinha me dito. Ele tinha me dito que com este medicamento que estás a<br />

seguir, não pode manter relações sexuais. Como homem é homem, em casa meu<br />

marido me provocou, logo me deu barriga. Eu fiquei de barriga, depois quando dei<br />

parto a criança ficou infectada.” (E1-TARV-141008, M, Namacurra, Zambézia)<br />

2. A importância do apoio da família na toma da medicação<br />

Ter alguém na família para lembrar o horário da toma da medicação funciona como estímulo<br />

para a adesão, como ilustram a fala de vários in<strong>for</strong>mantes que dizem não falhar com a<br />

medicação.


Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

“Sim. O meu filho mais velho tem me ajudado muito.” (E1-141008, M, Namacurra,<br />

Zambézia)<br />

“meu filho. Ele é que controla o relógio, mamãe já deu sete horas. Às vezes traz o meu<br />

plástico e mamã tá aqui já deu sete horas.” (E8-141008, M, Namacurra, Zambézia)<br />

“O meu marido costuma me apoiar. Ele controla- me bem mesmo.” (E1-151008, M,<br />

Quelimane, Zambézia)<br />

“Como o meu marido tem esta doença, sempre tomamos juntos.” (E3-151008, M,<br />

Quelimane, Zambézia)<br />

“estas crianças quando não estão na escola dizem que está na hora de tomar os<br />

comprimidos, os meus irmãos também dizem está na hora de tomar os comprimidos,<br />

ajudam-me a controlar a hora, dizem que já está na hora de tomar os comprimidos,<br />

tomo os comprimidos sempre.” (E5-061108, M, Boane, Maputo)<br />

“Meus filhos, tenho uma filha chamada Mariamo, tem 17 anos, quando vou sempre ao<br />

serviço ela tem me recordado, papá leva medicamento para o serviço se não vais<br />

esquecer, as vezes ela mete na minha pasta.” (E10-231008, H, Boane, Maputo)<br />

“... felizmente meus irmãos ajudam-me na medicação mesmo, se eu não tomar ou se<br />

ficar algum tempo eles me perguntam já tomou comprimidos? e eu digo sim, se eu<br />

ainda não tomei digo ainda não tomei, eles sempre falam é bom tomar comprimidos,<br />

sim, qualquer coisa logo correm vamos, vamos, vamos a hospital, me ajudam muito<br />

mesmo.” (E13-211008, M, Matola, Maputo)<br />

Mesmo não in<strong>for</strong>mando à família que está a fazer o TARV, uma de nossas in<strong>for</strong>mantes diz<br />

que encontrou uma <strong>for</strong>ma de ser lembrada a tomar a medicação nos horários certos:<br />

“Os meus filhos às vezes dizem-me, mamã você deu-le comer, que é? Porque eu lá em<br />

casa sempre antes de tomar os comprimidos tenho dito, ainda não comi a minha<br />

encomenda. E eles ficam com aquilo. Só não sabem porque é que estou a tomar.<br />

Então as vezes eles falam, mamã já comeste a tua encomenda? Então eu digo sim já<br />

comi. E o meu marido também é do grupo.” (E3-141008, M, Zambézia, Namacurra)<br />

3. O apoio dos provedores de saúde<br />

O incentivo e a atenção dos provedores de saúde podem fazer a diferença na adesão dos<br />

utentes ao TARV. Vários in<strong>for</strong>mantes mencionam que superaram obstáculos, como a reação<br />

aos medicamentos associada à fome, dificuldades para deslocar-se às US etc., quando se<br />

sentiram apoiados pelos provedores.<br />

“O tratamento foi muito rápido me ajudaram muito bem, o Doutor Dionísio me<br />

ajudou muito bem, porque queria que eu se salvasse, porque o estado que eu<br />

estava era grave. Eu como viúva não tinha nada nem nada e doente com as crianças<br />

pequenas. Eu acho que aquilo foi uma coisa importante. Podia me ajudar a fazer o<br />

tratamento, não foi nenhum tratamento que eu sofri muito para seguir com o<br />

tratamento não.” (E2-TARV-111108, M, Namacurra, Zambézia)<br />

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Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

“Quando iniciei o tratamento as vezes enchia os meus pés mas eu continuei a tomar e<br />

vinha lá no hospital ... olha minhas pernas hoje não dormi bem ou meu corpo hoje não<br />

dormi, a enfermeira aconselhava-me, você deve tomar os comprimidos deve tomar e<br />

eu não deixava.” (E8- 141008, M, Namacurra, Zambézia)<br />

“... porque qualquer momento que eu apareço nunca me deixaram ir sem<br />

medicamento. Levanto o meu medicamento, se tenho problemas no meu corpo, antes<br />

do meu dia de consulta, apareço atendem-me. Nunca me dizem vai lá esperar o teu<br />

dia de consulta. Acho que isso tudo para mim foi bom.” (E3-141008, Zambézia,<br />

Namacurra)<br />

“...eu pessoalmente quando cheguei a este hospital não espera sair daqui viva mas<br />

como os enfermeiros deram-me um tratamento adequado e eu também estava<br />

interessada continuar viva cumpri com tudo o que eles me disseram, só tenho seis<br />

meses a tomar os comprimidos mas já estou bem nem aparento doença.” (E9-<br />

211008, M, Matola, Maputo)<br />

Esses in<strong>for</strong>mantes dizem que <strong>for</strong>am consultados pelos provedores de saúde sobre a<br />

possibilidade de cumprirem com o tratamento.<br />

“Sim, fez pergunta e eu disse sim vou cumprir.” (E-TARV-141008, M, Namacurra,<br />

Zambézia)<br />

“Perguntaram-me sim, primeiro dia quando fui fazer análise deram-me uma revista<br />

para aconselhar, então procurei saber como haveria de ser porque eu trabalho longe,<br />

como segurança numa empresa privada, disseram para não me preocupar e<br />

cumprir com aquilo que nos vamos dar aqui, não tenha medo, não fique triste,<br />

quando chegar em casa ficar feliz, não ficar longe dos amigos, faz de contas não<br />

aconteceu nada, mais tarde você vai ver tua vida recuperar.” (E10-231008, H,<br />

Boane, Maputo)<br />

“Ele perguntou que tipo de horário que, que você pensa que pode tomando, que vai<br />

aguentando e que vê que essa horário você vai cumprir...” (E11-231008, H, Boane,<br />

Maputo)<br />

“... fui entregar o resultado, era positivo, então começou a explicar-me como é que eu<br />

estava a sentir- me e eu expliquei como é que me sentia, se eu estava bem, então me<br />

deu moral para eu continuar com o tratamento... Me perguntou se eu devia<br />

começar com o tratamento, o que é que estou a achar, eu disse sim, quero fazer o<br />

tratamento. (E1-231008, M, Maputo Boane)<br />

“até que eles é que me perguntaram, eles é que perguntaram-me, qual é a hora que eu<br />

estava a ver para eu tomar, então eu disse, como eu sempre saio de casa de manhã,<br />

então eu preferia tomar as sete e tomar as dezanove, as dezanove automaticamente<br />

já estou em casa, já voltei do serviço...” (E11-211008, H, Matola, Maputo)<br />

Os provedores de saúde confirmam a importância do diálogo e de estratégias para estimular<br />

a adesão.<br />

“Acho que influencia sim, porque a empatia entre médico e doente ou clínico e doente<br />

é muito importante, para que um doente consiga se abrir ele tem que se sentir bem e


Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

muita das vezes quando o clínico não fala a língua dele eles não conseguem criar esta<br />

empatia, porque não conseguem ter um diálogo saudável.” (E-231008, Boane,<br />

Maputo)<br />

“além dessas palestras que fazemos, eh, a ultima sexta-feira de cada mês temos uma<br />

reunião com todos os pacientes aqui mesmo, que chamamos de chá positivo, então<br />

nós nos reunimos...e então, depois das consultas iniciamos sempre lá paras onze, onze<br />

e meia, prepara-se almoço para aquelas pessoas que chegam cedo para a consulta e<br />

há outros que vêem só para participarem no chá positivo porque aquilo é para todos os<br />

pacientes e preenche tudo... e quem prepara são os próprios pacientes.. sentamos com<br />

eles e então, qual é o objectivo do chá positivo? É para poder encorajar mais ao doente,<br />

nós dizemos para eles nos contarem as historias que acontecem lá em casa se são<br />

discriminados ... É para aqui mesmo dizer para não ter que falar <strong>for</strong>a, dizer que pelo<br />

menos eles não terem um dia para nos condenarem aqui no meio dos outros dizer que<br />

fulano me fez isto e aquilo, não gostei ,não sei qué, essas coisas todas e eles dizem,<br />

dizem.” (E2-151008, Quelimane, Zambézia)<br />

“Nós tentamos, de certa maneira, criar uma empatia com os doentes porque as vezes<br />

os doentes também sentem-se protegidos, só por isso, ehem...Falamos a língua local,<br />

tentamos, para além de ouvir os problemas dos doentes, aliás para além de ouvir o<br />

problema de saúde exactamente também escutamos o problema num todo porque<br />

muita das vezes os doentes também problemas sociais. Sim senhora, a comunicação<br />

interpessoal é um factor preponderante para que haja uma boa adesão, para que haja<br />

um, como é que eu digo, uma qualidade de atendimento e dos serviços. Se há uma boa<br />

qualidade de atendimento e de serviços, automaticamente também há, é, portanto,<br />

uma boa adesão ao tratamento.” (E3-211008, Matola, Maputo)<br />

“... quando vemos que não aceita que não está a aceitar teremos que explicar a ele<br />

com muita calma o que lhe vai acontecer e então ninguém quer o caminho errado,<br />

então se nós explicamos bem, eu por exemplo, nunca tive um utente que negou porque<br />

eu sei que tenho que lhe explicar até ele entender. E ele tem que dizer sim eu quero<br />

porque é saúde dele.” (E4-141008, Namacurra, Zambézia)<br />

Uma provedora, ao tentar explicar porque os pacientes em TARV que frequentam a sua US<br />

costumam atender às consultas de seguimento, realça o diálogo, a descontracção e a<br />

confiança na relação com esses utentes.<br />

“...talvez eles gostaram do atendimento, eu penso isso porque não é possível alguém<br />

dizer que eu vou insistir a ir enquanto não gostou, então eu penso que os que fazem<br />

isso é que gostam ... pode ser a aproximação que temos com os doentes que deve ser<br />

um dos motivos muito importante, está a ver. Nós conversamos com os doentes,<br />

rimos, essas coisas todas, então talvez a confiança que eles tem talvez seja o caso de<br />

confiança não é, penso eu.” (E2-151008, Quelimane, Zambézia)<br />

Outra provedora, ao colocar por ordem de importância os factores que concorrem para a<br />

interrupção do tratamento, baseado na experiência da US, destaca em primeiro lugar a<br />

in<strong>for</strong>mação atempada, em seguida o problema do deslocamento, e por último a questão da<br />

alimentação.<br />

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Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

“um dos factores acho que nós temos detectado muitas vezes, para mim<br />

primeiro tem muito a ver com o próprio aconselhamento aos pacientes porque<br />

demonstra, nalgum momento, que os pacientes muitas vezes não tem o menor<br />

conhecimento sobre o TARV, então em algum tempo desistem, desaparecem.<br />

Ou porque está bom ou porque tem um problema a resolver então fica em casa, e<br />

quando volta, a justificação que ele dá mostra que ele desconhece a importância<br />

desse tratamento que ele está a fazer. Outro factor são as distâncias, nem, das<br />

residências desses doentes porque muitos doentes vivem muito longe daqui, da<br />

cidade mesmo, por exemplo aqui mesmo outros vêem da Maganja outros vêem da<br />

Nicoadala, distâncias que vão mais de 20 kms 30 e quando está debilitado as vezes<br />

não tem confidente, então fica lá em casa ou então apanha uma doença qualquer.<br />

Pode apanhar uma malária ou uma diarreia e ele fica lá e falta ao dia de levantamento<br />

de medicamentos. E o outro factor que não é menos importante é o suporte alimentar.<br />

O suporte alimentar, muitos pacientes vivem na cidade e outros estão <strong>for</strong>a mas não<br />

têm mínimas condições para se alimentarem e as vezes queixam se que os<br />

medicamentos são um pouco <strong>for</strong>tes para quem toma sem comer nada de manhã, não<br />

sei qué, esse é um dos factores porque há uma altura em que aqui dava-se um pacote<br />

alimentar, bom não era suficiente, mas esse também fazia com que muitos doentes<br />

pudessem ter aderência ao TARV.” (E3-151008, Quelimane, Zambézia)<br />

4. Auto-eficácia<br />

Vários in<strong>for</strong>mantes demonstraram ter bastante confiança no TARV e na própria capacidade<br />

de superar as dificuldades para seguir tomando correctamente a medicação, sem<br />

interrupções. Seus comentários sugerem que não precisam de muito estímulo de <strong>for</strong>a para a<br />

adesão aos serviços e ao tratamento.<br />

Por exemplo, um dos in<strong>for</strong>mantes que estava em tratamento da TB, era seropositivo, e estava<br />

a aguardar os resultados dos exames para iniciar o TARV. Seu depoimento é sugestivo de<br />

auto-confiança para seguir com o tratamento.<br />

“Assim, para eu vir até aqui não foi o Doutor que me chamou, mas sim eu senti<br />

que tinha algo que me incomodava e tive tosse, durante uma semana; eu vim para<br />

aqui na US, tive muitos medicamentos por tomar e não resultava, só depois de<br />

muitas tentativas.” (E2-141008, H, Quelimane, Zambézia)<br />

“Eu que me ajuda a tomar, eu tomo individualmente porque aqui quem tenho são<br />

crianças, a própria mulher da casa também abandonou o marido quando ele ficou<br />

doente, assim ela também é um doentia; só tomo sozinho por que sou<br />

conscientemente a sentir que a doença é minha e tenho que tomar.” (E7-131108,<br />

H, Quelimane, Zambézia)<br />

“... não, quando muito eu é que tenho incentivado a minha esposa a questão de<br />

medicamento, lembrar as horas que tem que tomar as vezes entregar o medicamento,<br />

mas quanto para mim não, ninguém me ajuda.” (E9-151008, H, Quelimane,<br />

Zambézia)<br />

“Não, não me ajudam... Não existe nenhum motivo porque eu sou uma pessoa que<br />

gosto de cumprir o tratamento, sem ser necessário que haja algum a me lembrar.”<br />

(E2-141008, M, Namacurra, Zambézia)


Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

“Bem, eu antes de começar a fazer o tratamento não me sentia melhor, eu estava a ver<br />

que já estou <strong>for</strong>a do mundo, desde que eu comecei sinto me melhor, por isso não<br />

falto e não falho as receitas, não tenho problema, não tenho medo, porque<br />

outros tem medo.” (E10-231008, H, Boane, Maputo)<br />

Um dos nossos in<strong>for</strong>mantes, segundo disse, estava a fazer o TARV há quatro anos. A vontade<br />

de ficar bem, pois ele continua a ganhar a vida trabalhando, explica sua determinação em<br />

seguir com o tratamento.<br />

“bem, a dificuldade con<strong>for</strong>me havia dito que os medicamentos são muito <strong>for</strong>tes,<br />

precisa acompanhar com a dieta. A dificuldade sempre nunca falta, nunca pode<br />

faltar o problema alimentar... então as vezes a pessoa teve a liberdade de comer<br />

pouco enquanto que os remédios que tomamos são <strong>for</strong>tes mas prontos sendo paciente<br />

tenho que tomar os medicamentos, assim, as dificuldades sempre toda a gente<br />

sempre tem não sou eu só mas muitos até outros abandonam o tratamento porque<br />

não tem alimentação. Bem eu venço através do meu es<strong>for</strong>ço já que sou privado,<br />

faço as minhas actividades e consigo superar isso.” (E9-151008, H, Quelimane,<br />

Zambézia)<br />

Mesmo queixando-se da falta de recursos para alimentar-se adequadamente, ou para<br />

deslocar-se à US estas in<strong>for</strong>mantes tentam superar o desafio.<br />

“... a alimentação, alimentação, alimentação. Para a minha parte o que estou a ver que<br />

ih é só alimentação, comida só. Mas embora assim eu tenho que tomar não posso<br />

abandonar porque uma coisa que está comigo, eu sei que quando tomo aquilo ali ... há<br />

mais anos e mais dias que posso viver... já está na minha mentalidade, mesmo já<br />

aonde, tenho que correr. Quando chegar aquela minha hora marcada ali no livro, eu<br />

tenho que comprir.” (E7-141008, M, Namacurra, Zambézia)<br />

“Nada, nada, mesmo aquele tempo que eu ia a cidade, eu mesmo sem dinheiro andava<br />

aí a bater as portas para poder ter dinheiro de transporte ir para lá, nunca tinha falhado<br />

nas minhas consultas. “ (E7-231008, M, Boane, Maputo)<br />

“A única dificulidade que tenho é essa de vir para cá por causa da distância; é muito<br />

longe, mas como eu quero melhorar tenho que vir... Sim, e nunca falhamos e nem<br />

interrompemos.” (E6-211008, M, Matola, Maputo) - A in<strong>for</strong>mante disse<br />

anteriormente que demora cerca de 3 horas para ir à pé de sua casa a US. Ela e a<br />

filha pequena fazem o tratamento).<br />

Para finalizar este tópico, destacamos aqui o comentário de uma de nossas in<strong>for</strong>mantes<br />

sobre a sua satisfação por ter influenciado uma amiga para que esta procurasse uma US,<br />

dando a entender que, tendo-se tratado, esta pessoa já estava bem, seguindo a vida<br />

normalmente.<br />

“ Tenho a minha vizinha que tem estes problemas que andava a negar “eu não tenho<br />

positivo” e eu lhe mandei e eu disse amiga você me via aqui, eu estava para morrer<br />

vamos lá, eu te acompanhar. Duas vezes já lhe acompanhei, ela está aqui no hospital<br />

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Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

mas agora está bom. Até já tem marido, já namora.” (E7-141008, M, Namacurra,<br />

Zambézia)<br />

5. Conclusões e recomendações<br />

Concluindo esta análise, pensamos que é importante retomar os pontos que julgamos mais<br />

significativos desenvolvidos na descrição dos resultados.<br />

A complexidade da adesão não é pequena, pois envolve aspectos de várias ordens, por<br />

exemplo, a relação entre efeitos secundários da medicação e carência alimentar são factores<br />

importantíssimos que dificultam a adesão, e dizem respeito a políticas públicas para<br />

minimizar esses constrangimentos.<br />

As dificuldades de deslocamentos dos locais de moradia às unidades sanitárias estão<br />

relacionadas com as metas do Governo de expansão dos serviços no país, com a <strong>for</strong>mação de<br />

técnicos e melhoria de condições de diagnóstico.<br />

Diminuir o tempo de espera nas unidades sanitárias relaciona-se com a melhoria de infraestruturas,<br />

gestão dos serviços e organização do atendimento para atender uma demanda<br />

crescente de pacientes em TARV e TB.<br />

No que diz respeito à oferta dos serviços, é importante assinalar que o diálogo entre<br />

provedores de saúde e utentes, bem como o apoio emocional atempado <strong>for</strong>am apontados na<br />

análise como fundamentais para estimular a adesão ao TARV e aos serviços, principalmente<br />

no início do tratamento.<br />

A análise mostrou também que há oportunidades perdidas de in<strong>for</strong>mação sobre a coinfecção<br />

HIV/TB, uma grande preocupação do MISAU. O facto de haver divergências sobre<br />

ter ou não ter recebido in<strong>for</strong>mações sobre a co-infecção sugere que a linguagem técnica<br />

pode ser uma barreira na comunicação entre provedores e utentes. Isto tudo remete à<br />

qualidade da comunicação interpessoal. Nesse sentido, destacamos aqui a necessidade de<br />

aprofundar nas <strong>for</strong>mações de pessoal o componente de comunicação, de <strong>for</strong>ma a incentivar<br />

a prática de habilidades de comunicação interpessoal como saber escutar, saber perguntar,<br />

saber in<strong>for</strong>mar, saber responder às necessidades do utente, saber estimular a participação<br />

do utente e saber expressar emoções positivas. Ressaltamos também o uso do conjunto de<br />

materiais que <strong>for</strong>am produzidos pela JHUCCP (cartazes, álbuns seriados e folhetos), em<br />

coordenação com o MISAU, cujos conteúdos <strong>for</strong>am elaborados com base nos resultados<br />

desta análise, entre outros materiais produzidos pelos parceiros.<br />

Quanto aos factores sócio-culturais e contextuais que concorrem para influenciar a não<br />

adesão, como o estigma e discriminação (a dificuldade de comunicar ao/ parceiro/a o estado<br />

serológico se insere nessa questão), valores e normas de gênero que dificultam as mulheres<br />

a prevenirem-se da reinfecção, estes são temas que podem muito bem ser trabalhados<br />

através de iniciativas de comunicação inclusivas, isto é, iniciativas que estimulem diálogos<br />

nas comunidades e a troca de experiências entre PVHS. De ressaltar a necessidade de incluir<br />

com maior ênfase a participação dos homens nos debates comunitários, além de estimular a<br />

sua ida aos serviços para que eles tenham a oportunidade de conversar e receber<br />

in<strong>for</strong>mações directamente dos provedores, e serem estimulados a fazer o teste do HIV.


Bibliografia<br />

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acessado em 17/07/08.<br />

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2008 pelos Governos provinciais em seus distritos, para identificar acções críticas que<br />

deveriam ser consideradas na Estratégia de Aceleração da Prevenção da Infecção pelo<br />

HIV, Maputo, 2009.<br />

Dowel, J. & Hudson, H. (1997): Qualitative Study of Medication – Taking Behavior in<br />

Primary Care. Family Practice, v 14, nº 5, Pp 369-75.<br />

Irmãs Paulistas. Apontamentos de Iniciação Cultural. Ao cuidado da Diocese de<br />

Quelimane (Moçambique). Com a colaboração dos Missionários Combonianos. St. Paul<br />

Book <strong>Center</strong>, 1989. 1ª. Edição (policopiada), em 1987, sob o título: Apontamentos de<br />

Iniciação Cultural.<br />

JHU/CCP, 2005: Kincaid, Larry<br />

Adesão ao TARV: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong> - Análise Rápida de Situação na Zambézia e Maputo<br />

MONASO/Kula estudos e pesquisas aplicadas. Análise da Situação do HIV e Sida &<br />

Acesso ao TARV em Moçambique. Relatório produzido para a 1ª Conferência da<br />

Sociedade Civil sobre o HIV e SIDA em Moçambique. Maputo, Abril de 2008.<br />

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Marazzi, M. et al. (2006): Improving adherence to highly-active antiretroviral therapy<br />

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ITS/HIV/SIDA (2008). Relatório sobre a Revisão dos Dados de Vigilância<br />

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Ministério da Saúde de Moçambique. “Avaliação Qualitativa dos Factores Associados à<br />

Aderência ao Uso de Antiretrovirais em Moçambique”, Maputo, 2005.<br />

53


JOHNS HOPKINS<br />

BLOOMBERG<br />

SCHOOL of PUBLIC HEALTH<br />

<strong>Center</strong> <strong>for</strong> Communication Programs<br />

Este in<strong>for</strong>me apresenta os resultados do estudo “Adesão ao<br />

Tratamento Antiretroviral: <strong>Desafios</strong> <strong>Comportamentais</strong>” que a equipa<br />

do Centro de Programas de Comunicação da Universidade <strong>Johns</strong><br />

<strong>Hopkins</strong> (JHUCCP) Maputo, realizou de Outubro à Dezembro de<br />

2008, nas províncias da Zambézia e Maputo.<br />

Os resultados desta análise <strong>for</strong>neceram a base para o desenvolvimento<br />

de “Intervenções Integradas de Comunicação” para apoiar a<br />

adesão aos serviços e ao tratamento antiretroviral, através de:<br />

Fortalecimento das habilidades dos provedores de saúde em<br />

comunicação interpessoal e no uso de ferramentas e materiais de<br />

comunicação;<br />

Disponibilização de materiais de comunicação dentro e <strong>for</strong>a dos<br />

serviços de saúde, para apoiar o prestador a atingir uma interação<br />

de qualidade com o utente e motivar o utente a aderir aos<br />

serviços e ao tratamento;<br />

Disseminação de in<strong>for</strong>mação através de programas radiofónicos<br />

acompanhados de debates que contribuem à criação dum<br />

ambiente favorável à adesão ao TARV e a desestigmatização dos<br />

serviços de HIV;<br />

Condução de debates comunitários participativos através de<br />

“Tchova Tchova – Histórias de Vida”, apresentando testemunhos<br />

reais de PVHS sobre seus desafios e experiências na adesão ao<br />

TARV, PTV e na prevenção do HIV entre parceiros serodiscordantes.<br />

MOÇAMBICANOS E AMERICANOS<br />

JUNTOS NA LUTA CONTRA O HIV/SIDA

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