Dificuldades Da Língua Portuguesa - Academia Brasileira de Letras
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<strong>Dificulda<strong>de</strong>s</strong> da <strong>Língua</strong> <strong>Portuguesa</strong> 139<br />
Sem dúvida que o intelecto muitas vezes <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> extremar um<br />
conceito do outro e se usaria então ora ter, ora haver, segundo a propensão<br />
do momento. Mas se no foco da percepção se <strong>de</strong>senhava nítido ou<br />
o conceito <strong>de</strong> adquirir, receber, obter, ou o <strong>de</strong> manter, conservar, a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> expressá-lo sabia eleger com rigor o verbo competente:<br />
nos, os nossos teemol-os alen da vila (Nunes Chrest. Arch. 125); con companhas<br />
poucas que pou<strong>de</strong> aver... chegou ao rio <strong>de</strong> Marce (ib., 150); un pobre manco que sempre<br />
em sua casa avia esmola [= recebia esm.] quando Diego Lopez comia (ib.,<br />
153); quanto achou e pou<strong>de</strong> aver da terra (ib., 129); tiinha-o preso no arreall (F.<br />
Lopes, D. J., 200); lançava as mãos aa barva que tinha mui longa e cãa”. (Nunes,<br />
Chr. Arch. 142).<br />
E não é só em linguagem arcaica. João <strong>de</strong> Barros não trocaria os<br />
verbos nestas passagens: ao qual... teve muito tempo preso (Dec., 1, 10, 6);<br />
porque todas estas chronicas houvemos [= obtivemos], e nos foram interpretadas<br />
(Dec., 2, 5, 2). Nem ele nem outro qualquer clássico confundiriam haver<br />
á mão [= alcançar] com ter á mão; levem tudo o que tiverem com levem tudo<br />
o que houverem. 56<br />
˜<br />
Para <strong>de</strong>notar que se mantinha ou guardava alguma coisa em um lugar<br />
impunha-se o emprego <strong>de</strong> ter em; e <strong>de</strong>sta regra não se afastaram os<br />
escritores nem ainda nas metáforas ter em vonta<strong>de</strong>, ter em muita estima, ter<br />
em muito, ter em pouco, ter em conta <strong>de</strong> etc.<br />
Parece que também não se havia <strong>de</strong> hesitar entre haver e ter, tratando-se<br />
<strong>de</strong> manter ou sustentar uma opinião, enten<strong>de</strong>r ou crer. O portu-<br />
56 Posto que as exceções, sendo poucas, não <strong>de</strong>struam a regra geral, será <strong>de</strong> interesse<br />
conhecer os seguintes casos, consignados nos escritos do Plauto português, e contrários<br />
à nossa expectativa, ao menos à primeira vista: l. o , haver nome, e havertantosanos<strong>de</strong>ida<strong>de</strong>,<br />
expressões repudiadas pela apurada linguagem clássica dos quinhentistas e substituídas<br />
por ter nome, ter anos; 2. o , haver, em lugar do hodierno ter, no sentido <strong>de</strong> “sentir, sofrer”:<br />
Estás doente, ou que hás? Não sei que diabo hás;3. o ,asfraseshaver medo (aolado<strong>de</strong>ter medo), fome,<br />
se<strong>de</strong>, etc., <strong>de</strong> que adiante me ocuparei; 4. o , haver mister, que ainda hoje conhecemos; e, finalmente,<br />
o substantivo haver – bem diferente do verbo propriamente dito, – com o sentido<br />
jurídico não somente <strong>de</strong> coisa por adquirir, mas também o <strong>de</strong> cousa adquirida.