Dificuldades Da Língua Portuguesa - Academia Brasileira de Letras
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<strong>Dificulda<strong>de</strong>s</strong> da <strong>Língua</strong> <strong>Portuguesa</strong> 15<br />
orações secundárias, nas quais o que equivalia a aquilo que. Não sei que tens<br />
(= que cousa tens), dize que comes (= que cousa comes) era a linguagem primitiva<br />
7 ; mas o pronome mal acentuado confundia-se com a conjunção; o<br />
sentido era dúbio.<br />
Passou-se a empregar na acepção <strong>de</strong> que cousa a mesma expressão<br />
que indicava a cousa que, como em ven<strong>de</strong> o que tens, mastiga o que comes. Tal é<br />
a origem da forma interrogativa o que, que mais tar<strong>de</strong> passou a ser usada<br />
nas perguntas diretas ao lado da forma que.<br />
Por uma associação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, boa ou má, a linguagem produz muitos<br />
<strong>de</strong>sses fenômenos que <strong>de</strong>safiam os métodos analíticos da sintaxe.<br />
Negar o direito <strong>de</strong> existência a um fato atual por não se achar em<br />
“clássico” escritor antigo, não é explicar; é confessar incompetência.<br />
Vamos examinar o caso miudamente.<br />
A Heráclito Graça <strong>de</strong>vemos uma boa coleção <strong>de</strong> exemplos, <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong> valor para o estudo da forma o que. É a contestação cabal a duas<br />
proposições irrefletidamente escritas por Cândido <strong>de</strong> Figueiredo 8 :<br />
“Os escritores <strong>de</strong> boa nota escrevem sempre assim: – Que preten<strong>de</strong>rão<br />
elles? – Que fizeste<strong>de</strong>tar<strong>de</strong>!Que comeste ao jantar? etc.”<br />
“O contestante... não é capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir ao menos um dos<br />
nossos mestres que haja escripto: O que fazes tu? Em vez <strong>de</strong> Que<br />
fazes tu? Não <strong>de</strong>scobre, esteja certo disso...”<br />
Entre uma e outra proposição, me<strong>de</strong>ou algum espaço; Cândido <strong>de</strong><br />
Figueiredo teve, durante ele, um momento <strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z:<br />
7 Não é só em português que nas interrogações indiretas se usava que em vez <strong>de</strong> o<br />
que. Confronte-se o provençal: – Escotatz, mas no sai que’s es, Appel, Provenz. Chrestom.,<br />
77, e o antigo francês Jesus cum vidra los Ju<strong>de</strong>us, zo lor <strong>de</strong>man<strong>de</strong>z que querent. Koschwitz, Les<br />
plus anciens monuments <strong>de</strong> la langue française, 16.<br />
8 Heráclito Graça, Fatos da Linguagem, 1904, pág. 367-383; Cândido <strong>de</strong> Figueiredo,<br />
Problemas da Linguagem, 1905, pág. 144-147.