Dificuldades Da Língua Portuguesa - Academia Brasileira de Letras
Dificuldades Da Língua Portuguesa - Academia Brasileira de Letras
Dificuldades Da Língua Portuguesa - Academia Brasileira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
14 <br />
M. Said Ali<br />
O que é que eu vejo?! Estes gritos, que são!? (Cast. Metam.,154); eu, nynpha,<br />
eu, menos forte, o que podia? (Cast., ib., 264); o que foi isto? (Cast., Fausto,<br />
177); logo, se não é drama, o que é? (Cast. Cam., prol.); agora por isto, o que será<br />
feito <strong>de</strong> frei Timotheo?!... O que será feito <strong>de</strong>lle? (Herc., Lendas e Narr., 11,<br />
135); o que ha<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>lla e <strong>de</strong> nós? (Garrett, Fr. L. <strong>de</strong> Sousa, 41) e a voz da<br />
terra, o que é? (Herc., Harpa do Crente); o que é o direito da proprieda<strong>de</strong>? o que é<br />
o livro? (Herc., Opusc., II, 64-65).<br />
O que soa naturalmente como uma palavra só, mas dá-se o seguinte:<br />
no fim da frase dizemos sempre ukê, ao passo que no começo a linguagem<br />
hodierna, mormente a <strong>de</strong> Portugal, prefere, muitas vezes, <strong>de</strong>slocar<br />
o acento, pronunciando úke ou, mesmo, uk: uk se diz (= oquesediz?). Nesta<br />
combinação íntima, o interrogativo originário como que se volatiliza.<br />
A forma reforçada do pronome interrogativo usa-se entre portugueses<br />
e brasileiros, não só na linguagem familiar, mas ainda na literária.<br />
Os exemplos há pouco citados, escolhidos <strong>de</strong>ntre autores<br />
insuspeitos, dão apenas leve i<strong>de</strong>ia das inúmeras vezes que ele ocorre na<br />
mo<strong>de</strong>rna literatura.<br />
Remontando a outros períodos da língua, notamos, entretanto,<br />
que essa prodigalida<strong>de</strong> vai diminuindo pouco a pouco até faltarem,<br />
por fim, os vestígios <strong>de</strong> o que em interrogações diretas. Não temos <strong>de</strong> ir<br />
buscar muito longe a explicação. O pronome que, significando que cousa,<br />
teria entonação forte antigamente; não carecia <strong>de</strong> esteio algum. Mas<br />
não se conservou sempre assim; a sua tonalida<strong>de</strong> enfraqueceu-se em<br />
parte, e a perda teve <strong>de</strong> ser compensada pela anteposição <strong>de</strong> um elemento<br />
reforçativo, <strong>de</strong> uma palavra átona, ao lado da qual se <strong>de</strong>stacasse<br />
a sua pronúncia, quando assim o exigia a ênfase e a clareza. Não é,<br />
aliás, o caso único <strong>de</strong> acentuação enfraquecida: basta cotejar a partícula<br />
mas com o antigo mais, basta lembrar que do latim para o românico<br />
vários fatos do mesmo gênero se <strong>de</strong>ram.<br />
Originou-se a forma em questão nas interrogações indiretas, <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> fora alijado o interrogativo simples que por influência <strong>de</strong> outras