Literatura brasileira e a expressão de nacionalidade
Literatura brasileira e a expressão de nacionalidade
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Diálogos Latinoamericanos<br />
Acrescentem-se a essa enumeração acima mais duas outras virtu<strong>de</strong>s<br />
e estará completado o "i<strong>de</strong>al do crítico": urbanida<strong>de</strong> e perseverança. Se<br />
lermos seus ensaios à luz do que propõe como "i<strong>de</strong>al do crítico", enten<strong>de</strong>remos<br />
sua mudança <strong>de</strong> perspectiva em relação ao indianismo e ao<br />
poeta árca<strong>de</strong> Tomás Antônio Gonzaga.<br />
Em "O passado, o presente e o futuro da literatura <strong>brasileira</strong>",<br />
Machado <strong>de</strong> Assis faz um apanhado <strong>de</strong> nossa literatura a partir do Arcadismo,<br />
tendo como critério balizador a nacionalida<strong>de</strong>.<br />
Embora consi<strong>de</strong>re Tomás Antônio Gonzaga um gran<strong>de</strong> poeta,<br />
con<strong>de</strong>na-o por apresentar uma inspiração totalmente européia; em sua obra<br />
não se encontram vestígios da cena tropical, da cor local. Em contrapartida,<br />
observa também que se livrar do jugo colonial na esfera literária era tarefa<br />
bem mais difícil a ser realizada que na política. Enquanto a emancipação<br />
política se <strong>de</strong>u com o grito do Ipiranga, a autonomia literária ou intelectual<br />
seria lenta: "as modificações operam-se vagarosamente; e não se chega em<br />
um só momento a um resultado", afirma o romancista (Assis, [1858]<br />
1985,3:787).<br />
Dirigido ainda pelo critério <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>, em sua opinião<br />
Basílio da Gama rompeu com o caráter essencialmente europeu dominante<br />
na poesia da época. Conforme <strong>de</strong>clara, "Gama escreveu um poema, se não<br />
puramente nacional, ao menos nada europeu” (Assis, [1858] 1985,3:785).<br />
Para o crítico em 1858, Basílio Gama po<strong>de</strong>ria não ter escrito um poema<br />
nacional, pois o indianismo não refletiria em nada o nosso caráter. O<br />
brasileiro oitocentista assim como a socieda<strong>de</strong> e as instituições <strong>brasileira</strong>s<br />
nada tinham em comum com os costumes e hábitos dos primitivos<br />
habitantes do Brasil. Dessa forma, não se podia consi<strong>de</strong>rar o indianismo<br />
como literatura nacional. Essa postura crítica, entretanto, será revista<br />
parcialmente em ensaio publicado quinze anos <strong>de</strong>pois, "Notícia da atual<br />
literatura <strong>brasileira</strong>: instinto <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>".<br />
De acordo com Machado <strong>de</strong> Assis, a marca dominante <strong>de</strong> nossa<br />
produção literária dos oitocentos era a presença do "instinto <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>".<br />
Tal instinto, responsável pelo estabelecimento <strong>de</strong> uma tradição<br />
iniciada no Arcadismo e continuada pelas gerações sucessivas românticas,<br />
guiava igualmente a ativida<strong>de</strong> crítica e, em conseqüência, a opinião<br />
pública: aplaudia-se ou não uma obra ou um autor conforme sua<br />
i<strong>de</strong>ntificação como nacional ou não. Decorrente <strong>de</strong>ssa atitu<strong>de</strong>, salutar em<br />
um país cuja produção cultural ainda se mostrava incipiente, assistia-se ao<br />
<strong>de</strong>sprezo <strong>de</strong> Gonzaga e a consagração <strong>de</strong> Basílio da Gama e Santa Rita<br />
Durão. Como chama a atenção, havia mais erro nessa atitu<strong>de</strong> do que<br />
acerto, pois não se podia exigir <strong>de</strong> nossos poetas árca<strong>de</strong>s procedimentos<br />
políticos e literários que só se tornaram possíveis posteriormente. Essa<br />
apreciação, principalmente em relação a Tomás Antônio Gonzaga, se<br />
comparada à realizada quinze anos antes, revelou-se bem mais flexível,<br />
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