Literatura brasileira e a expressão de nacionalidade
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Diálogos Latinoamericanos<br />
Estudando Senhora, <strong>de</strong> José <strong>de</strong> Alencar 12 , Roberto Schwarz diz<br />
que o "tom risível, postiço e importado" presente no romance "décorre[ria]<br />
da adoção acrítica <strong>de</strong> uma fórmula da ficção realista européia,<br />
ligada à concepção romântica e liberal do indivíduo, pouco própria,<br />
por isto, para refletir a lógica das relações paternalistas", resultando<br />
um "universo literário fraturado" (Schwarz, 1990:219). Para escapar<br />
<strong>de</strong>ssa fratura, Machado, em seus quatro primeiros romances, (Ressurreição<br />
(1872), A mão e a luva (1874), Helena (1876), Iaiá Garcia (1878),<br />
adota uma postura conservadora em relação à tradição européia, excluindo<br />
<strong>de</strong>les qualquer referência ao i<strong>de</strong>ário liberal, à nova civilização do<br />
Capital, às i<strong>de</strong>ologias libertárias próprias do individualismo romântico<br />
(Schwarz, 1997:65). Estes romances "são livros <strong>de</strong>liberada e <strong>de</strong>sagradavelmente<br />
conformistas" e refletem a posição subalterna daqueles que<br />
não têm in<strong>de</strong>pendência suficiente para o exercício crítico. Complementando,<br />
<strong>de</strong>clara:<br />
On<strong>de</strong> Alencar alinhara pelo Realismo, pelas questões do<br />
individualismo e do dinheiro, vivas e críticas ainda em nossos dias,<br />
Machado se filiava à estreiteza apologética da Reação européia, <strong>de</strong> fundo<br />
católico, e insistia na santida<strong>de</strong> das famílias e na dignida<strong>de</strong> da pessoa (por<br />
oposição ao seu direito). Don<strong>de</strong> o clima bolorento, ao qual o leitor mo<strong>de</strong>rno<br />
é particularmente alérgico, já que per<strong>de</strong>u o costume, não dos regimes<br />
autoritários, mas <strong>de</strong> sua justificação moral. (Schwarz, 1977:63)<br />
A exclusão do discurso das liberda<strong>de</strong>s individuais, do direito <strong>de</strong><br />
sua auto-realização, o afastamento das questões contemporâneas nos romances<br />
da primeira fase <strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis concorreu para superar o<br />
tom falso presente na obra <strong>de</strong> José <strong>de</strong> Alencar 13 . Em contrapartida, o afastamento<br />
das questões contemporâneas dava a esses romances um acanhamento<br />
<strong>de</strong> assuntos e <strong>de</strong> escolha <strong>de</strong> conflitos, tornando-os "enjoativos<br />
e abafados, como o exigem os mitos do casamento, da pureza<br />
do pai, da tradição, da família, a cuja autorida<strong>de</strong> se submetem", afirma<br />
Roberto Schwarz (Schwarz, 1997:66).<br />
A partir <strong>de</strong> Memórias póstumas <strong>de</strong> Brás Cubas, o tom bolorento,<br />
provocado por um quê provinciano acentuado, <strong>de</strong>saparece. Tal mudança<br />
se dá através da figura <strong>de</strong> um narrador voluntarioso, que, adotando o<br />
ponto <strong>de</strong> vista da classe dominante, se apresenta como um ser cosmopolita<br />
e ultracivilizado, "um compêndio <strong>de</strong> elegâncias <strong>de</strong> classe, que<br />
não se priva <strong>de</strong> discretear sobre o mundo e sobre si mesmo, <strong>de</strong> A a Z"<br />
(Schwarz, 1998:5). Assumindo envergadura enciclopédica, a capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> citação <strong>de</strong>sse narrador impressiona o leitor. Seu leque <strong>de</strong> referências<br />
culturais vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> nomes <strong>de</strong> pessoas ilustres, personagens literárias,<br />
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