Toda a soul de um homem - Fonoteca Municipal de Lisboa
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ESTE E E SUPLE SU MENTO ENTO FAZ PARTE I INTE N GRANT RA E DA EDIÇÃ Ç O Nº N 7601 760 76 DO PÚ PÚBLICO BLICO LI , E NÃO N ÃO PO DE SE SER R VEN VENDIDO DIDO DO SEPAR SEPA SEEEE SE SSS EP E ADAME D NNTE NTE NN<br />
Sexta-feira<br />
28 Janeiro 2011<br />
www.ipsilon.pt<br />
João Maria Gusmão Pedro Paiva Blues Explosion Anna Calvi Nicholas Oulman<br />
<strong>Toda</strong> a <strong>soul</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>homem</strong><br />
Charles Bradley, 62 anos e <strong>um</strong> imenso primeiro álb<strong>um</strong>
Flash<br />
S<strong>um</strong>ário<br />
Charles Bradley 6<br />
<strong>Toda</strong> a <strong>soul</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>homem</strong>, e<br />
dos outros que fi caram<br />
no esquecimento<br />
Anna Calvi 12<br />
Rock com teatro lá <strong>de</strong>ntro<br />
Jon Spencer Blues<br />
Explosion 14<br />
A reedição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a obra<br />
fundamental<br />
Nicholas Oulman 16<br />
Tudo sobre o seu pai, Alain<br />
Oulman<br />
Poesia vs. Cinema 18<br />
Uma história <strong>de</strong> cinefi lia<br />
Odisseia 22<br />
Quando o teatro une<br />
o que tudo o resto separa<br />
João Maria Gusmão<br />
e Pedro Paiva 25<br />
No mundo extraterrestre<br />
Ficha Técnica<br />
Directora Bárbara Reis<br />
Editor Vasco Câmara,<br />
Inês Nadais (adjunta)<br />
Conselho editorial Isabel<br />
Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />
Design Mark Porter, Simon<br />
Esterson, Kuchar Swara<br />
Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />
Designers Ana Carvalho,<br />
Carla Noronha, Mariana Soares<br />
Editor <strong>de</strong> fotografi a<br />
Miguel Ma<strong>de</strong>ira<br />
E-mail: ipsilon@publico.pt<br />
valter<br />
hugo mãe<br />
estoura<br />
no Brasil<br />
“Titus<br />
Andronicus”<br />
em cantonês,<br />
na encenação<br />
<strong>de</strong> Tang Shu<br />
Wing<br />
Shakespeare em<br />
português e maori<br />
(e mais 36 línguas)<br />
nos Jogos Olímpicos<br />
<strong>de</strong> Londres<br />
O ano parece estar a<br />
começar bem para valter<br />
hugo mãe, sobretudo no<br />
Brasil. O escritor português<br />
é <strong>um</strong> dos convidados da 9.ª<br />
Festa Literária<br />
Internacional <strong>de</strong> Paraty<br />
(FLIP), que este ano<br />
O lançamento<br />
no Brasil <strong>de</strong><br />
“o remorso<br />
<strong>de</strong> baltazar<br />
serapião”<br />
pôs o escritor<br />
português<br />
na capa dos<br />
ca<strong>de</strong>rnos<br />
Não são as obras completas <strong>de</strong><br />
William Shakespeare em 97<br />
minutos, mas são as obras<br />
completas <strong>de</strong> William Shakespeare<br />
homenageará o mo<strong>de</strong>rnista<br />
Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> (1890-<br />
1954). O argentino Andrés<br />
Ne<strong>um</strong>an, (autor <strong>de</strong> “O<br />
culturais dos<br />
três maiores<br />
jornais do país<br />
em 38 línguas, português incluído.<br />
Em 2012, o Globe Theatre também<br />
vai a jogo nas Olimpíadas <strong>de</strong><br />
Londres: o teatro dirigido por<br />
Dominic Dromgoole propõe-se<br />
apresentar cada <strong>um</strong>a das 38 peças<br />
Viajante do Século”,<br />
vencedor dos Prémios<br />
Alfaguara e Crítica 2009), e<br />
o norte-americano David<br />
Remnick , editor da “The<br />
do dramaturgo britânico n<strong>um</strong>a<br />
língua diferente, e a lista vai do<br />
português ao maori, do lituano ao<br />
cantonês, do aborígene ao urdu, do<br />
árabe ao italiano, do xona ao<br />
mandarim. É provavelmente o<br />
New Yorker” e autor da<br />
biografia <strong>de</strong> Barack Obama,<br />
são os outros escritores já<br />
confirmados.<br />
Não por casa da FLIP,<br />
mais ambicioso projecto<br />
shakespereano alg<strong>um</strong>a<br />
vez empreendido:<br />
nunca <strong>um</strong> teatro<br />
conseguiu fazer<br />
o pleno da obra<br />
mas por causa <strong>de</strong> “o<br />
remorso <strong>de</strong> baltazar<br />
serapião”, valter hugo mãe<br />
foi no sábado capa dos<br />
ca<strong>de</strong>rnos culturais dos<br />
“obra para muitas e<br />
profícuas leituras” e fala da<br />
sua linguagem inventiva,<br />
do dramaturgo<br />
em apenas<br />
<strong>um</strong>a<br />
temporada, e<br />
muito menos<br />
38 línguas<br />
em 38 línguas.<br />
para 38 obras:<br />
“É <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia<br />
Shakespeare<br />
espantosamente<br />
nunca foi <strong>um</strong>a<br />
clara e ligeiramente<br />
al<strong>de</strong>ia tão<br />
tola”, admite<br />
global<br />
Dromgoole, mas<br />
que talvez possa<br />
mais importantes jornais<br />
brasileiros (a “Ilustrada”,<br />
da “Folha <strong>de</strong> S. Paulo”, o<br />
“Sábático”, do “Estado <strong>de</strong><br />
S. Paulo”, e a “Prosa e<br />
Verso”, <strong>de</strong> “O Globo”). O<br />
primeiro romance do<br />
escritor a chegar ao Brasil<br />
acaba <strong>de</strong> ser lançado pela<br />
Editora 34; durante a FLIP,<br />
comparando a obra <strong>de</strong> valter<br />
com a <strong>de</strong> Gonçalo M.<br />
Tavares. O crítico Antonio<br />
Gonçalves Filho, no ca<strong>de</strong>rno<br />
“Sabático” do “Estado <strong>de</strong> S.<br />
Paulo”, vai mais longe.<br />
Escreve que “o que Raduan<br />
Nassar fez pela literatura<br />
brasileira com ‘Lavoura<br />
Arcaica’, o poeta Hugo Mãe<br />
mostrar até que<br />
ponto Shakespeare é “<strong>um</strong>a<br />
linguagem universal”.<br />
O festival do Globe começa a 23<br />
<strong>de</strong> Abril, dia do nascimento <strong>de</strong><br />
Shakespeare, e <strong>de</strong>corre ao longo<br />
a Cosac & Naify lançará o<br />
mais recente “A máquina<br />
<strong>de</strong> fazer espanhóis”, <strong>um</strong><br />
dos melhores 20 livros <strong>de</strong><br />
2010 para o Ípsilon. Até<br />
fez pela literatura <strong>de</strong><br />
Portugal com este livro”. E<br />
diz que “o autor examina a<br />
barbárie (...) com a força<br />
crítica <strong>de</strong> <strong>um</strong> autêntico<br />
das seis semanas seguintes. Do<br />
alinhamento constam monstros<br />
como o encenador lituano<br />
Eimuntas Nekrosius (que já trouxe<br />
dois dos seus assombrosos<br />
Shakespeares ao Porto, “Macbetas”<br />
agora, valter hugo mãe só<br />
tinha visto publicada no<br />
Brasil <strong>um</strong>a colectânea <strong>de</strong><br />
poemas.<br />
A recepção a “o<br />
escritor do seu tempo”. Na<br />
“Ilustrada”, da “Folha <strong>de</strong> S.<br />
Paulo”, o professor <strong>de</strong> teoria<br />
literária Marcelo Pen diz que<br />
hugo mãe “impressiona em<br />
e “Otelas”), os teatros nacionais da<br />
Grécia e da China, e os brasileiros<br />
do Grupo Galpão (cujo “Romeu e<br />
Julieta”, montado por Gabriel<br />
Villela, também andou pelo Porto,<br />
no FITEI <strong>de</strong> 2001, e ainda por Braga<br />
remorso...”, Prémio<br />
Literário José Saramago<br />
2007, não podia estar a ser<br />
mais efusiva. Luis Maffei,<br />
poeta e professor <strong>de</strong><br />
narrativa <strong>de</strong>lirante” com<br />
“sintaxe (...) tortuosa, em<br />
que se mesclam arcaísmos,<br />
lusitanismos, expressão<br />
popular e estrutura bíblica”.<br />
e Coimbra). Shakespereanos <strong>de</strong><br />
todo o mundo, uni-vos: já não falta<br />
assim tanto tempo.<br />
Literatura Portuguesa, diz<br />
no “Prosa e Verso” que é<br />
A crítica é acompanhada <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> texto jornalístico <strong>de</strong><br />
Fábio Victor, “Novo<br />
sotaque português”, que<br />
junta a João Tordo, também<br />
prémio Saramago, e os<br />
consi<strong>de</strong>ra “os expoentes da<br />
nova geração literária <strong>de</strong><br />
Portugal”.<br />
Entretanto, n<strong>um</strong><br />
inquérito da “Folha”, hugo<br />
mãe afirma que a sua<br />
melhor <strong>de</strong>scoberta do<br />
Brasil foi a primeira vez<br />
que ouviu Cartola: “Chorei<br />
<strong>um</strong>a semana inteira porque<br />
toda a minha dor <strong>de</strong> corno<br />
me doeu <strong>de</strong> beleza”. Para<br />
ele, o Brasil precisa <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scobrir “o projecto<br />
musical A Naifa” e “a<br />
palavra ‘lusa’ mais<br />
engraçada é chuça-pitos”:<br />
“É <strong>um</strong> insecto que mata<br />
pintainhos. Aqui no Norte<br />
do país usa-se para dizer <strong>de</strong><br />
<strong>homem</strong> que tem cara <strong>de</strong><br />
sonso, como <strong>um</strong> tarado<br />
escondido”. João Tordo<br />
escolheu “autoclismo”, que<br />
no Brasil é “<strong>de</strong>scarga”.<br />
Isabel Coutinho<br />
Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 3<br />
JORGE MIGUEL GONCALVES/ NFACTOS
Flash<br />
Uma das<br />
miragens<br />
<strong>de</strong> Orson<br />
Welles<br />
po<strong>de</strong><br />
fi nalmente<br />
tornar-se<br />
realida<strong>de</strong><br />
É <strong>um</strong> dos<br />
muitos<br />
projectos<br />
inacabados a<br />
que o nome<br />
<strong>de</strong> Orson<br />
Welles esteve<br />
ligado – mas<br />
quem viu<br />
fragmentos<br />
diz que “The Other Si<strong>de</strong> of<br />
the Wind”, rodado em<br />
1970, po<strong>de</strong> bem ser o<br />
“testamento<br />
cinematográfico” do<br />
lendário actor e realizador.<br />
E tudo aponta para que o<br />
filme venha a ser<br />
finalmente terminado nos<br />
próximos meses, se se<br />
confirmarem as notícias do<br />
jornal “The Observer”: há<br />
negociações para<br />
Novo disco <strong>de</strong> Kanye<br />
West no Verão<br />
Ontem ainda estava nas listas dos<br />
melhores <strong>de</strong> 2010, hoje já está a<br />
preparar o assalto a 2011: Kanye<br />
West anunciou segunda-feira no<br />
Twitter que vai lançar <strong>um</strong> novo<br />
disco no Verão. Este anúncio é feito<br />
apenas dois meses <strong>de</strong>pois do<br />
lançamento do aclamado “My<br />
Beautiful Dark Twisted Fantasy”,<br />
consi<strong>de</strong>rado o disco do ano pelo<br />
Ípsilon. O “rapper” norteamericano<br />
não adiantou mais<br />
<strong>de</strong>talhes sobre o disco.<br />
Ainda na segunda-feira, Kanye<br />
West escreveu no seu Twitter que o<br />
seu disco em colaboração com<br />
Jay-Z, “Watch the Throne” vai sair<br />
daqui a dois meses. Jay-Z foi <strong>um</strong> dos<br />
muitos convidados que<br />
participaram em “My Beautiful<br />
Dark Twisted Fantasy”. Depois <strong>de</strong><br />
4 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
completar “The Other Si<strong>de</strong><br />
of the Wind”, e o realizador<br />
Peter Bogdanovich estará<br />
envolvido no resgate.<br />
Como com quase todos os<br />
filmes do autor <strong>de</strong> “O Mundo<br />
a Seus Pés”, a história <strong>de</strong><br />
“The Other Si<strong>de</strong> of the<br />
Wind” parece ela própria<br />
<strong>um</strong> filme. Em 1970, Welles<br />
“<strong>de</strong>senterrou” e retrabalhou<br />
<strong>um</strong>a a carreira <strong>de</strong> sucesso<br />
enquanto uanto produtor, o<br />
controverso troverso Kanye West já<br />
lançou çou cinco discos em<br />
seis anos. O álb<strong>um</strong> <strong>de</strong><br />
estreia, eia, “The College<br />
Dropout”, pout”, foi<br />
lançado çado em<br />
2004 4<br />
pelas as<br />
editoras oras<br />
Def Jam<br />
e Roc-A- oc-A-<br />
Fella. a.<br />
O sucessor <strong>de</strong> “My<br />
Beautiful Dark Twisted<br />
Fantasy”, álb<strong>um</strong> do ano <strong>um</strong><br />
pouco por todo o lado,<br />
não tarda<br />
Ciclo<br />
NUNO FERREIRA SANTOS<br />
JP Simões, aka “o mais<br />
português dos artistas<br />
portugueses”, vai ao Porto<br />
para <strong>um</strong> concerto gratuito.<br />
No próximo domingo, às<br />
19h, o artista vai estar no<br />
Café au lait, no Porto, para<br />
abrir o ciclo <strong>de</strong> concertos<br />
Bodyspace au Lait. O ciclo<br />
surge da colaboração<br />
entre o “site” <strong>de</strong> crítica<br />
musical Bodyspace e o<br />
A história do projecto<br />
inacabado “The Other Si<strong>de</strong><br />
of the Wind” (à esquerda,<br />
<strong>um</strong>a cena da rodagem) é<br />
<strong>um</strong> dos inúmeros fi lmes da<br />
vida <strong>de</strong> Orson Welles<br />
extensamente <strong>um</strong> guião que<br />
concebera durante <strong>um</strong>a<br />
visita a Espanha em finais<br />
dos anos 40, “Sacred<br />
Monsters”, <strong>um</strong>a meditação<br />
“dramática” sobre<br />
Hollywood. O filme<br />
acompanha a festa do 75.º<br />
aniversário <strong>de</strong> Jake<br />
Hannaford, cineasta<br />
ficcional interpretado por<br />
Vêm aí mais seis<br />
livros livr <strong>de</strong> Bob Dylan<br />
Bob Dylan Dy assinou <strong>um</strong> acordo<br />
com a Simon & Schuster para a<br />
publicação public <strong>de</strong> seis livros,<br />
incluindo incluin o segundo e terceiro<br />
vol<strong>um</strong>es vol<strong>um</strong> da autobiografia,<br />
iniciada inicia em 2004 com a edição<br />
<strong>de</strong> d “C “Chronicles: Vol<strong>um</strong>e One”.<br />
Saber Sa S be que estão<br />
<strong>de</strong>finitivamente <strong>de</strong> d fi<br />
a caminho<br />
mais mai dois livros <strong>de</strong> memórias<br />
do cantor c e compositor “é <strong>um</strong>a<br />
notícia notí muito excitante para os<br />
fãs <strong>de</strong> d Bob Dylan e para todos<br />
os qu que se interessam pela<br />
história histó do rock”, comentou o<br />
porta-voz po da ca<strong>de</strong>ia britânica<br />
<strong>de</strong> livrarias Waterstone, Jon<br />
Howells, H sublinhando que o<br />
primeiro p vol<strong>um</strong>e <strong>de</strong><br />
Bob Dylan vai retomar a<br />
autobiografi a iniciada com<br />
“Chronicles: Vol<strong>um</strong>e One”<br />
café-bar, que se juntam<br />
para fazer <strong>um</strong> concerto<br />
por mês, sempre com<br />
entrada livre.<br />
Quanto ao concerto,<br />
<strong>de</strong> nada se po<strong>de</strong> estar<br />
certo. JP Simões, que já<br />
li<strong>de</strong>rou projectos como<br />
Pop Dell’Arte, Belle<br />
Chase Hotel e Quinteto<br />
Tati, tem planeado para<br />
2011 o lançamento do seu<br />
John Huston, que Welles,<br />
segundo o “Observer”,<br />
<strong>de</strong>finiu como “<strong>um</strong> sacana <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> realizador (...) que cria as<br />
pessoas e as <strong>de</strong>strói” (“é <strong>um</strong><br />
filme sobre nós”, terá dito a<br />
Huston). Embora Welles<br />
tenha repetidamente negado<br />
essa componente<br />
autobiográfica, o produtor<br />
espanhol Andrés Vicente<br />
Gómez diz que o<br />
protagonista é <strong>um</strong>a<br />
combinação <strong>de</strong> “Hemingway,<br />
Huston e ele próprio”.<br />
Rodado nos EUA com <strong>um</strong><br />
elenco que incluía ainda<br />
Peter Bogdanovich, Dennis<br />
Hopper, Clau<strong>de</strong> Chabrol e<br />
Merce<strong>de</strong>s McCambridge,<br />
“The Other Si<strong>de</strong> of the<br />
Wind” foi financiado pelo<br />
próprio Welles e por <strong>um</strong>a<br />
produtora parisiense, Les<br />
Films <strong>de</strong> l’Astrophore,<br />
proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mehdi<br />
Boushehri, cunhado do Xá<br />
do Irão. Com o filme<br />
montado a “96 por cento”,<br />
Welles não conseguiu<br />
interessar nenh<strong>um</strong><br />
distribuidor americano, <strong>um</strong><br />
dos investidores apropriouse<br />
<strong>de</strong> dinheiro da produção,<br />
e as relações entre realizador<br />
e financiadores arrefeceram.<br />
Enquanto os advogados<br />
tentavam resolver as<br />
questões legais, <strong>de</strong>u-se a<br />
Revolução Islâmica, o Xá<br />
tornou-se “persona non<br />
“Chronicles” “foi<br />
<strong>um</strong>a revelação” e<br />
“estabeleceu <strong>um</strong><br />
novo padrão para o<br />
que se po<strong>de</strong><br />
esperar <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
autobiografia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
estrela <strong>de</strong> rock”.<br />
Centrado nos anos <strong>de</strong><br />
formação <strong>de</strong> Dylan, a obra<br />
esteve 19 semanas seguidas na lista<br />
do “New York Times” dos livros<br />
mais vendidos no sector <strong>de</strong> nãoficção.<br />
A notícia é tanto mais<br />
surpreen<strong>de</strong>nte quanto os fãs<br />
começavam a recear que Dylan se<br />
ficasse mesmo pelo primeiro<br />
vol<strong>um</strong>e. Em 2008, a editora<br />
anunciou que o músico começara a<br />
trabalhar n<strong>um</strong> próximo livro, mas<br />
não houve qualquer confirmação<br />
posterior e, em Agosto <strong>de</strong> 2010,<br />
último trabalho a solo,<br />
“On<strong>de</strong> Mora o Mundo” No<br />
novo álb<strong>um</strong>, sucessor<br />
<strong>de</strong> “Boato” (2009), o<br />
artista escolheu o jazz e<br />
a música brasileira como<br />
os principais géneros a<br />
explorar. Mais <strong>um</strong>a caixa<br />
<strong>de</strong> surpresas que po<strong>de</strong><br />
ser aberta, ou não, no<br />
concerto <strong>de</strong>ste domingo à<br />
tar<strong>de</strong>.<br />
grata”, e os materiais<br />
filmados, por essa altura já<br />
a salvo n<strong>um</strong> cofre<br />
parisiense, ficaram n<strong>um</strong><br />
limbo legal que só começou<br />
a ser resolvido nos anos 90.<br />
Nessa altura, o canal <strong>de</strong><br />
cabo Showtime adquiriu<br />
parte significativa dos<br />
direitos, tencionando<br />
trabalhar com Bogdanovich<br />
na reconstrução do filme <strong>de</strong><br />
acordo com os <strong>de</strong>sejos<br />
originais do realizador. É<br />
esse processo que parece<br />
agora estar mais perto da<br />
concretização. Jacqueline<br />
Boushehri, viúva do<br />
proprietário da Astrophore,<br />
e Oja Kodar, companheira<br />
<strong>de</strong> Welles e co-arg<strong>um</strong>entista<br />
do filme, estarão dispostas<br />
a ven<strong>de</strong>r a sua parte dos<br />
direitos (o comprador, tudo<br />
o indica, será o Showtime).<br />
Para Andrés Vicente<br />
Gómez, completar o filme<br />
será “<strong>um</strong>a traição”.<br />
Françoise Widhoff, que<br />
acompanhou as rodagens e<br />
trabalhou com Welles no<br />
seu filme seguinte, “F for<br />
Fake”, também levanta<br />
reservas. Mas isso não a<br />
impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar o<br />
filme “<strong>um</strong>a obra-prima”,<br />
“muito mo<strong>de</strong>rna e livre”.<br />
Veremos se é mesmo <strong>de</strong>sta<br />
que “The Other Si<strong>de</strong> of the<br />
Wind” <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser <strong>um</strong>a<br />
miragem. Jorge Mourinha<br />
<strong>um</strong>a “fonte<br />
próxima” <strong>de</strong><br />
Dylan assegurou<br />
à revista “Rolling<br />
Stone” que não<br />
existiam<br />
quaisquer<br />
projectos para a<br />
publicação <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
segundo vol<strong>um</strong>e <strong>de</strong><br />
“Chronicles”.<br />
Continua, <strong>de</strong> resto, a não se<br />
saber quando sairá a aguardada<br />
continuação das suas memórias,<br />
já que a editora evitou arriscar<br />
<strong>um</strong>a data. E também pouco abriu<br />
o jogo no que respeita aos outros<br />
quatro livros que Dylan se<br />
comprometeu a escrever, tendo<br />
apenas adiantado que <strong>um</strong> <strong>de</strong>les<br />
terá como base o programa<br />
“Theme Time Radio Hour”, que o<br />
cantor mantém na rádio XM.
AGENDA CULTURAL FNAC<br />
entrada livre<br />
APRESENTAÇÃO<br />
LONGE DO MEU CORAÇÃO<br />
Livro <strong>de</strong> Júlio Magalhães<br />
Este romance retrata com mestria e realismo o quotidiano dos portugueses que partiram em busca <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
vida melhor, sonhando <strong>um</strong> dia regressar ricos à terra que os viu partir pobres.<br />
29.01. 16H00 FNAC VISEU<br />
MÚSICA AO VIVO<br />
COUPLE COFFEE<br />
Quarto Grão<br />
A banda <strong>de</strong> Luanda Cozetti e Norton Daiello regressa com <strong>um</strong> trabalho inteiramente composto por<br />
temas originais.<br />
28.01. 22H00 FNAC COIMBRA<br />
05.02. 17H00 FNAC CASCAISHOPPING<br />
11.02. 17H00 FNAC STA. CATARINA<br />
MÚSICA AO VIVO<br />
NOISERV<br />
A Day In the Day Of The Days<br />
Noiserv cria peças musicais <strong>de</strong> <strong>um</strong> minimalismo capaz <strong>de</strong> atingir cada indivíduo na sua intimida<strong>de</strong>,<br />
relembrando-lhe vivências, momentos e memórias intrincadas entre a realida<strong>de</strong> e o sonho.<br />
28.01. 22H00 FNAC LEIRIASHOPPING<br />
MÚSICA AO VIVO<br />
BALLA<br />
Equilíbrio<br />
Neste trabalho, com letras <strong>de</strong> José Luís Peixoto, Miguel Esteves Cardoso, Pedro Mexia e do próprio Armando<br />
Teixeira, mentor do projecto, a banda optou por <strong>um</strong>a abordagem electrónica.<br />
29.01. 22H00 FNAC COIMBRA<br />
30.01. 17H00 FNAC LEIRIASHOPPING<br />
EXPOSIÇÃO<br />
A HISTÓRIA DE TUDO AQUILO QUE É<br />
Fotografias <strong>de</strong> Maria-do-Mar Pedro Rêgo<br />
Novo Talento FNAC Fotografia 2010, Menção Honrosa<br />
Exposição composta por sequências <strong>de</strong> <strong>um</strong>a a quatro fotografias cuja ligação é invisível, formal,<br />
funcional ou poética.<br />
26.01. - 26.03.2011 FNAC COLOMBO<br />
apoio:<br />
12.02. 22H00 FNAC LEIRIASHOPPING<br />
20.02. 17H00 FNAC ALMADA<br />
APRESENTAÇÃO MÚSICA AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO<br />
Consulte a AGENDA FNAC em:<br />
http://cultura.fnac.pt
6 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
Chegou a hora
<strong>de</strong> Charles<br />
a sawsx<br />
Bradley<br />
Viu James Brown aos 14 anos e passou os 48 seguintes<br />
a perseguir <strong>um</strong> sonho. Dormiu no metropolitano,<br />
foi cozinheiro, carpinteiro, engraxador. Foi tudo o<br />
que conseguiu enquanto a música teimava em<br />
fugir-lhe. Até agora. Apresente-se “No Time For<br />
Dreaming”, álb<strong>um</strong> que é a sua vida, portento <strong>soul</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> estreante <strong>de</strong> 62 anos. Mário Lopes<br />
Um <strong>homem</strong> em fato-macaco caminha<br />
por Bushwick, bairro <strong>de</strong> Brooklyn,<br />
Nova Iorque, e canta: “Don’t tell me<br />
how to live my life, when you haven’t<br />
felt the pain”. Vemos <strong>um</strong> velho agarrado<br />
a <strong>um</strong> rádio, <strong>de</strong> sorriso entreaberto,<br />
e gran<strong>de</strong>s planos <strong>de</strong> faces sem<br />
sorriso - olhos que nos fixam, profundos<br />
e tristes. Aquele, olhos cerrados<br />
e cada ruga a dar força à expressão:<br />
“The world is burning up in flames,<br />
and no one wanna take the blame”.<br />
Aponta: “Is it you? Or you?” Aponta<br />
para si: “Me! Oh me”. Este <strong>homem</strong><br />
chama-se Charles Bradley. As ruas do<br />
ví<strong>de</strong>o são aquelas em que cresceu.<br />
São aquelas a que voltou, muito adulto,<br />
há <strong>um</strong>a década. As que escolheu<br />
quando, por fim, chegou a hora <strong>de</strong> se<br />
revelar. A sua música é a sua vida e<br />
ele esperou <strong>um</strong>a vida para a cantar.<br />
Apresente-se “No Time For Dreaming”,<br />
álb<strong>um</strong> imenso <strong>de</strong> <strong>um</strong> estreante<br />
<strong>de</strong> 62 anos.<br />
Charles Bradley sabia que conseguiria,<br />
só não sabia quando. Nascido<br />
em 1948 em Gainesville, Florida, mas<br />
cidadão nova-iorquino <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito<br />
cedo, lembra-se <strong>de</strong> a irmã o levar ao<br />
Apollo, a mítica sala <strong>de</strong> concertos no<br />
bairro <strong>de</strong> Harlem. Tinha 14 anos e estava<br />
perante James Brown, no mesmo<br />
local on<strong>de</strong>, dois anos antes, o “Padrinho<br />
da Soul” gravara o histórico “At<br />
The Apollo”. Bradley não se lembra<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes, mas a sensação ficou-lhe<br />
gravada na pele. Explica-a avançando<br />
uns anos e citando “I don’t want nobody<br />
to give me nothing ( Just open<br />
the door and I’ll get it myself )”, single<br />
<strong>de</strong> 1969 <strong>de</strong> Brown: “A banda estava<br />
no topo e ele tinha <strong>um</strong>a dinâmica impressionante,<br />
punha tudo na perfor-<br />
mance. E <strong>de</strong>pois, era como se dissesse<br />
‘não quero que ninguém me dê<br />
nada, abram a porta e agarro-o eu<br />
mesmo’.”<br />
Nesse dia chegou a casa, pegou n<strong>um</strong>a<br />
vassoura, atou-lhe <strong>um</strong>a corda e<br />
treinou os passos que vira em frente<br />
ao espelho. Sabia o que queria. Queria<br />
o palco e a energia da banda, queria<br />
a <strong>soul</strong>. Esperou 48 anos. É o tempo<br />
que separa o dia da revelação no<br />
Apollo, do 25 <strong>de</strong> Janeiro em que editou<br />
“No Time For Dreaming”. Entre<br />
<strong>um</strong> e outro, viveu nas ruas <strong>de</strong> Nova<br />
Iorque e foi cozinheiro em mil cida<strong>de</strong>s,<br />
da Big Apple ao Alasca. Foi engraxador,<br />
canalizador e carpinteiro<br />
– “mas a música esteve comigo toda<br />
a vida”, em pequenos concertos em<br />
pequenos bares, encarnando os ídolos<br />
James Brown ou Otis Redding.<br />
Charles Bradley falhou <strong>um</strong>a carreira<br />
para po<strong>de</strong>r gravar, aos 62 anos, <strong>um</strong><br />
álb<strong>um</strong> que põe em canção <strong>um</strong> percurso<br />
<strong>de</strong> luta e labuta, <strong>de</strong> questionamento<br />
e perseverança. De alma cheia<br />
e sem amargura no alerta.<br />
Em fundo, irrompe <strong>um</strong> ritmo <strong>de</strong><br />
bateria. A voz do entrevistado <strong>de</strong>saparece<br />
por momentos. Comenta qualquer<br />
coisa, recebe <strong>um</strong>a gargalhada<br />
<strong>de</strong> volta. Nos estúdios da Daptone Records<br />
– “No Time For Dreaming” foi<br />
editado pela Dunham, a recente subsidiária<br />
da editora que revelou Sharon<br />
Jones & The Dap Kings e que <strong>de</strong>u novo<br />
impulso a Lee Fields -, Charles Bradley,<br />
na sua voz incrivelmente rouca,<br />
com as palavras a saírem em cadência<br />
lenta, pon<strong>de</strong>rada, repete ao Ípsilon:<br />
“Esperei tanto tempo por <strong>um</strong>a oportunida<strong>de</strong>.<br />
Procurei-a e procurei-a honestamente,<br />
porque sabia que iria<br />
“Era como se nos<br />
dissesse ‘não quero<br />
que ninguém me dê<br />
nada, abram a porta<br />
e agarro-o eu mesmo’”<br />
– sobre o momento<br />
revelador em que viu<br />
James Brown<br />
chegar. Não sabia quando ou porquê,<br />
mas ela chegaria”.<br />
O que o coração procura<br />
A Daptone Records, editora in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
se<strong>de</strong>ada em Brooklyn, é responsável<br />
por alg<strong>um</strong>a da melhor <strong>soul</strong> que<br />
ouvimos na última década. Purista<br />
até à medula, foi fundada por Gabriel<br />
Roth, produtor e baixista dos Dap-<br />
Kings (banda resi<strong>de</strong>nte à semelhança<br />
dos Booker T & The MGs da Stax ou<br />
dos Funk Brothers da Motown), e por<br />
Neal Sugarman, mentor dos The Sugarman<br />
Three, mestres tardios do<br />
funk. Ao longo dos anos, para além<br />
<strong>de</strong> Sharon Jones e Lee Fields, a editora<br />
recuperou outros veteranos como<br />
a cantora gospel Naomi Shelton, e albergou<br />
gente como a Budos Band,<br />
responsáveis, com os Antibalas, pela<br />
recuperação do afrobeat em território<br />
americano.<br />
Pelo meio, a editora viveu o seu<br />
momento <strong>de</strong> maior exposição quando<br />
o produtor Mark Ronson escolheu os<br />
Dap-Kings como a banda i<strong>de</strong>al para<br />
acompanhar <strong>um</strong>a cantora chamada<br />
Amy Winehouse n<strong>um</strong> álb<strong>um</strong> intitulado<br />
“Back to Black”. Gabriel Roth, hoje<br />
com 36 anos, não estava particularmente<br />
interessado na britânica,<br />
mas não podia negar aos seus músicos<br />
e à editora o dinheiro que a empreitada<br />
garantiria. Os Dap-Kings entregaram-se<br />
ao trabalho e receberam os<br />
louvores que sabemos: o disco <strong>de</strong> platina<br />
que ganharam com o trabalho<br />
está em <strong>de</strong>staque n<strong>um</strong>a das divisões<br />
da se<strong>de</strong> da Daptone. Dica: se alg<strong>um</strong>a<br />
vez passarem por lá, procurem na<br />
casa <strong>de</strong> banho.<br />
Gabriel Roth, Neal Sugarman e<br />
comparsas procuram outra coisa. Procuram<br />
“quem viva e sue o r&b”, como<br />
<strong>de</strong>scrito em 2008 no New York Times.<br />
Foi isso que Roth reconheceu há onze<br />
anos em Charles Bradley, na noite em<br />
que assistiu a <strong>um</strong> dos seus concertos<br />
enquanto Black Velvet (alter-ego inventado<br />
pela irmã). Levou-o para o<br />
estúdio e gravou-o com os Sugarman<br />
3 e com os Bullets. Nesses singles,<br />
Charles Bradley sobressai como discípulo<br />
inspirado <strong>de</strong> James Brown –<br />
“This love ain’t big enough for the<br />
both of us” é <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>ira pérola<br />
<strong>de</strong> groove, com <strong>um</strong>a batida quebrada<br />
infernal. Aquele, porém, não era ainda<br />
o Charles Bradley que ouvimos em<br />
“No Time For Dreaming”.<br />
Thomas Brenneck, membro da Budos<br />
Band e da Menahan Street Band,<br />
o combo <strong>soul</strong> que acompanha<br />
Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 7
8 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
Bradley, partilha a visão <strong>de</strong> Roth.<br />
A ele se <strong>de</strong>ve, em gran<strong>de</strong> parte, a<br />
existência <strong>de</strong> “No Time For Dreaming”.<br />
Foi ele que ajudou Bradley<br />
a ultrapassar a <strong>de</strong>pressão provocada<br />
pela morte do irmão mais velho, assassinado<br />
pelo seu sobrinho. Charles<br />
Bradley: “O meu irmão lutou para<br />
manter a família, foi o seu suporte<br />
e como <strong>um</strong> pai para mim. E morreu<br />
assim. O que digo em ‘No Time For<br />
Dreaming’ é que fazemos muito bem<br />
em sonhar, mas que é preciso acção,<br />
que é preciso reagir para que o sonho<br />
seja real”.<br />
Pouco antes da entrevista, Tom<br />
Brenneck recordou-nos o seu percurso<br />
com Bradley. Começou assim:<br />
“Charles é especial, <strong>um</strong> verda<strong>de</strong>iro<br />
diamante” - o trabalho <strong>de</strong> Tom foi<br />
ajudar a lapidá-lo. Prosseguiu: “À<br />
custa do seu passado, ele era diferente<br />
<strong>de</strong> Sharon Jones ou Lee Fields,<br />
performers refinados que tocavam<br />
há décadas. Lee gravou o seu primeiro<br />
disco, ‘Let’s talk it over’, em<br />
1972 e Sharon tocava em bandas <strong>de</strong><br />
Queens e <strong>de</strong> Brooklyn <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos<br />
1970, mas o Charles nunca teve <strong>um</strong><br />
trabalho contínuo que lhe permitisse<br />
refinar a sua arte”.<br />
Quando começaram a trabalhar<br />
juntos, Brenneck e a banda sentiamse<br />
como “miúdos que estavam a ter<br />
o privilégio <strong>de</strong> tocar com James Brown.”<br />
O que era tremendamente excitante,<br />
mas não era o que Charles<br />
Bradley podia ser: “Aquela música<br />
não parecia a<strong>de</strong>quar-se à sua personalida<strong>de</strong>,<br />
só parecia servir <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> imitação”. Um dia, porém, Bradley<br />
ouviu alg<strong>um</strong>as novas canções<br />
em que Brenneck trabalhava, canções<br />
que nos <strong>de</strong>screve como “<strong>um</strong><br />
mergulho no lado mais negro da<br />
<strong>soul</strong>”. E o cantor que não podia ser<br />
James Brown mas estava ainda a<br />
tempo <strong>de</strong> ser Charles Bradley,<br />
reagiu imediatamente. Era aquele<br />
o som: “<strong>de</strong>scobri o que o meu coração<br />
procurava”.<br />
Começaram a jorrar histórias,<br />
frases “simples e belíssimas, cantadas<br />
com <strong>um</strong>a profundida<strong>de</strong> que as<br />
torna únicas” (Tom Brenneck).<br />
Charles <strong>de</strong>scobrira por fim o seu<br />
caminho e agarrava a oportunida<strong>de</strong>,<br />
negada durante décadas, com<br />
urgência e sofreguidão. Brenneck:<br />
“Se o <strong>de</strong>ixasse a cantar à solta, não<br />
haveria estrutura, não haveria verso-refrão-verso.<br />
Ele cantaria como<br />
<strong>um</strong> pássaro durante horas, sem pausas,<br />
<strong>de</strong>itando tudo cá para fora. Mas<br />
é esse po<strong>de</strong>r em bruto, é essa intuição<br />
que o torna tão especial”.<br />
Uma imensa dignida<strong>de</strong><br />
Tínhamos sido avisados que Charles<br />
Bradley era <strong>um</strong> contador <strong>de</strong> histórias,<br />
<strong>um</strong> conversador nato. E que<br />
era também, como escrito no texto<br />
<strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong> “No Time for<br />
Dreaming”, <strong>um</strong> <strong>homem</strong> h<strong>um</strong>il<strong>de</strong>,<br />
sem vestígios <strong>de</strong> mágoa pelo tempo<br />
perdido e pelas oportunida<strong>de</strong>s que<br />
não teve. Não era exagero <strong>de</strong> marketing.<br />
As primeiras palavras que<br />
lhe ouvimos são estas: “Lutei tanto<br />
por isto. Rezei, passei por tanto e<br />
esperei que a oportunida<strong>de</strong> surgisse.”<br />
A <strong>de</strong>spedida fez-se assim: “Obrigado<br />
por me dar a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
falar e mostrar o que sou. Obrigado<br />
por ouvir a minha história”. Entre<br />
<strong>um</strong>a e outra, revela-se <strong>um</strong>a extrema<br />
dignida<strong>de</strong>. Dignida<strong>de</strong> na forma como<br />
continuou vida fora a “perseguir<br />
o sonho” – dirá isto várias vezes -,<br />
dignida<strong>de</strong> no olhar que, aos 62 anos,<br />
lança sobre o mundo.<br />
“No Time For Dreaming” é a sua<br />
vida tornada alerta e <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a América por quem, canta em<br />
“Why is it so hard?” e diz-nos agora,<br />
se sente traído: “Vejo adulação a
quem não a merece e vejo imensa<br />
frustração. Somos todos filhos <strong>de</strong><br />
Deus, mas alg<strong>um</strong>as pessoas não utilizam<br />
esse dom <strong>de</strong> forma correcta.<br />
Não o fazem na forma como tratam<br />
os outros e como se tratam a si próprios”.<br />
Mas a voz <strong>de</strong> Bradley, na sua generosa<br />
rouquidão, no arrepiante<br />
po<strong>de</strong>r da sincerida<strong>de</strong> que expõe,<br />
não tem pinga <strong>de</strong> ódio, não é <strong>um</strong><br />
grito <strong>de</strong> guerra. Tal como não o<br />
eram os discursos inspiradores <strong>de</strong><br />
Martin Luther King, tal como não o<br />
era o seminal “What’s going on”, <strong>de</strong><br />
Marvin Gaye, tal como não o é essa<br />
tremenda canção <strong>de</strong> Aloe Blacc intitulada<br />
“I need a dollar”. “Não pretendo<br />
ser melhor que ninguém,<br />
essa nunca foi a questão. Só estou a<br />
tentar guiar-me <strong>de</strong> forma justa pela<br />
vida. Sei como a violência torna o<br />
mundo mais corrupto, sei como a<br />
violência corrompe a mente, sei como<br />
o ódio po<strong>de</strong> cegar”. Sabe.<br />
Passou parte da adolescência a<br />
viver nas ruas <strong>de</strong> Nova Iorque, dormindo<br />
em carruagens <strong>de</strong> metropolitano<br />
– “ia até ao fim <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linha,<br />
a polícia aparecia, fugia, entrava<br />
noutra carruagem e repetia isto até<br />
nascer o dia”. Depois, conseguiu<br />
emprego ao abrigo <strong>de</strong> <strong>um</strong> programa<br />
estatal <strong>de</strong> apoio a famílias <strong>de</strong>sfavorecidas.<br />
Tornou-se cozinheiro e<br />
percorreu os Estados Unidos. Quando<br />
se fartou <strong>de</strong> cozinhar, foi muitas<br />
outras coisas – curiosida<strong>de</strong>: instalou<br />
as canalizações na se<strong>de</strong> da Daptone.<br />
A música, essa, parecia sempre<br />
fugir-lhe - <strong>um</strong>a banda no Maine <strong>de</strong>sfeita<br />
quando os músicos foram combater<br />
para o Vietname, oportunida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> gravação na Califórnia que<br />
nunca se concretizaram.<br />
Em 2000, carregou <strong>um</strong>a carrinha<br />
com o que tinha e regressou a casa.<br />
Começou a tocar em clubes <strong>de</strong><br />
Brooklyn enquanto Black Velvet e<br />
a música permitia-lhe por fim pagar<br />
as contas. Depois morreu-lhe o irmão<br />
e o mundo <strong>de</strong>sabou sobre ele.<br />
Foi a última provação. Pouco <strong>de</strong>pois,<br />
Gabriel Roth viu-o e levou-o<br />
para a Daptone. Tom Brenneck<br />
ouviu-o e <strong>de</strong>u-lhe a música que ele<br />
há tanto perseguia.<br />
48 anos <strong>de</strong>pois, Charles Bradley<br />
concretizou o seu sonho. Porque não<br />
há agora tempo a per<strong>de</strong>r, chamoulhe<br />
“No Time For Dreaming”.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 28 e segs.<br />
Os órfãos têm outra vez <strong>um</strong> lar<br />
De 1969 a 1974 não só houve <strong>um</strong>a carrada <strong>de</strong> discos que, com mais ou menos suor funk, com mais ou menos recurso a<br />
metais ou orquestras, elevaram a <strong>soul</strong> à condição <strong>de</strong> território experimental glorioso, como também se dá o caso <strong>de</strong> quase<br />
todos esses discos terem sido fracassos comerciais que fi caram no esquecimento até à reedição – todas elas recentes. A<br />
história da pop estava mesmo incompleta. João Bonifácio<br />
Parece bouta<strong>de</strong> mas não é: com a<br />
publicida<strong>de</strong> certa, com sorte, com<br />
o que quer que seja que faz com<br />
que os olhos todos se virem para<br />
o mesmo lugar n<strong>um</strong> <strong>de</strong>terminado<br />
momento, Ronald Edward Lewis,<br />
<strong>um</strong> americano que não nasceu<br />
em Memphis na década <strong>de</strong> 1940,<br />
podia ter <strong>um</strong> lugar na história<br />
equivalente ao <strong>de</strong> Marvin Gaye.<br />
O seu primeiro disco, editado<br />
em 1974 na Stax, tinha tudo para<br />
ser “o” disco: a voz <strong>de</strong> três oitavas<br />
a on<strong>de</strong>ar por entre <strong>um</strong>a suave<br />
cortina melódica, <strong>um</strong> fundo jazzy<br />
sempre em oscilações rítmicas e<br />
por cima, ora trôpego, ora manso,<br />
ora violento, ora melancólico, o<br />
z<strong>um</strong>bir sem fundo da orquestra,<br />
violinos a exponenciarem o rasgo<br />
da voz, fl autas a cirandar por todo<br />
o lado.<br />
Podia apostar-se todas as fi chas<br />
no disco – era impossível falhar:<br />
tinha fundura, tinha corpo, tinha<br />
balanço, tinha canções que se<br />
atiravam aos seis minutos. E foi<br />
o mais redondo falhanço, <strong>um</strong><br />
falhanço que encerra em si – pela<br />
gran<strong>de</strong>za do disco e pela história<br />
pessoal <strong>de</strong> Bond – o <strong>de</strong>samparo <strong>de</strong><br />
toda <strong>um</strong>a geração negra.<br />
A Stax, em queda <strong>de</strong>pois da<br />
morte <strong>de</strong> Otis Redding, apostou<br />
o dinheiro na produção e não<br />
promoveu o disco quando<br />
concluiu que este tinha <strong>um</strong> som<br />
mais suave que o habitual na<br />
editora. Bond foi para a estrada<br />
sozinho <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r <strong>um</strong> disco com<br />
<strong>um</strong>a latitu<strong>de</strong> sonora gigantesca.<br />
Não havia discos nas lojas, quase<br />
não havia gente nos concertos. (A<br />
que havia nunca o esqueceu e é<br />
graças a elas e para elas e os que<br />
vierem a seguir que este texto<br />
existe.)<br />
Seguiu-se o cost<strong>um</strong>e: comas<br />
inexplicáveis, pernas partidas,<br />
<strong>de</strong>pressão, drogaria, álcool. A<br />
Swamp Dogg Segundo o próprio, <strong>de</strong>itou-se <strong>um</strong><br />
dia analfabeto e acordou <strong>um</strong> génio musical. Senhor<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> sarcasmo imenso e <strong>de</strong> <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> ouvido pop,<br />
fez dos primeiros álbuns conceptuais políticos, “Total<br />
Destruction to Your Mind”. Vão ao Youtube ouvir<br />
“Synthetic World” pela vossa saú<strong>de</strong>.<br />
coisa foi dura ao ponto <strong>de</strong> nem<br />
as amiza<strong>de</strong>s lhe valerem – e que<br />
amiza<strong>de</strong>s: Isaac Hayes era fã,<br />
os Rotary Connection (Minnie<br />
Riperton na voz) i<strong>de</strong>m.<br />
Bond nunca mais voltou<br />
a gravar e fi cou em “coma”<br />
mediático até ao ano passado<br />
quando a Light In The Attic o<br />
reeditou. Em Portugal só agora<br />
chega às lojas esta obra seminal<br />
que sintetiza <strong>de</strong> forma belíssima<br />
<strong>um</strong>a vida tremendamente<br />
violenta: os pais <strong>de</strong> Bond<br />
separaram-se quando era miúdo<br />
e ele, por razões que ainda hoje<br />
não sabe explicar, não fi cou com<br />
nenh<strong>um</strong>, crescendo em lares <strong>de</strong><br />
acolhimento (graças aos quais<br />
conheceu o gospel na missa e a<br />
country na rádio).<br />
A ferida aberta na infância<br />
reproduziu-se freudianamente na<br />
vida <strong>de</strong> saltimbanco que levou em<br />
adulto: tal como os pais biológicos,<br />
os vários pais adoptivos nunca<br />
fi caram com ele; e Bond acabou<br />
a dormir nas ruas porque não<br />
queria ser <strong>um</strong> peso para ninguém.<br />
Hoje diz estar feliz com a reedição.<br />
Música do outro mundo<br />
Seria <strong>um</strong>a história bonita ou<br />
triste conforme o olhar <strong>de</strong> cada<br />
<strong>um</strong>, não fora ter-se repetido com<br />
<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> artistas da <strong>soul</strong> dos<br />
anos 1970: é que <strong>de</strong> 1969 a 1974 não<br />
só houve <strong>um</strong>a carrada <strong>de</strong> discos<br />
que, com mais ou menos suor<br />
funk, com mais ou menos recurso<br />
a metais ou orquestras, elevaram<br />
a <strong>soul</strong> à condição <strong>de</strong> território<br />
experimental glorioso, como<br />
também se dá o caso <strong>de</strong> quase<br />
todos esses discos terem sido<br />
fracassos comerciais que fi caram<br />
no esquecimento até à reedição –<br />
todas elas recentes.<br />
Em com<strong>um</strong>, além da <strong>soul</strong>, esses<br />
discos só têm <strong>um</strong>a coisa: foram<br />
feitos por negros e têm <strong>um</strong> olhar<br />
impiedoso sobre a condição <strong>de</strong> ser<br />
negro e viver na América.<br />
Para sermos exactos, têm<br />
mais <strong>um</strong> dado em com<strong>um</strong>, que<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> como pesarmos esse<br />
“esquecimento” a que foram<br />
vetados. É que até àquela época<br />
a única forma da música negra<br />
conseguir pontuar nas tabelas<br />
<strong>de</strong> vendas era esbranquiçar-se<br />
– e os cantores e compositores<br />
que fi caram nas margens foram<br />
os primeiros a recusaram esse<br />
namoro com o centro, os que<br />
olharam à volta do ponto <strong>de</strong><br />
vista do negro. (O que não é o<br />
mesmo que dizer que todos os<br />
que olharam do ponto <strong>de</strong> vista<br />
do negro fi caram à margem da<br />
história.)<br />
Po<strong>de</strong>mos dizer: esses discos<br />
foram abandonados quando foram<br />
lançados, foram negligenciados<br />
a posteriori e foram apagados da<br />
história.<br />
É certo que álbuns como “Stand”<br />
(1969) ou “There’s a Riot Going On”<br />
Lou Bond Abandonado pelos pais <strong>de</strong>scobriu,<br />
nas idas à missa, o Gospel. E, graças aos rádios das<br />
várias famílias adoptivas que teve, ouviu a country.<br />
Tinha tanto <strong>de</strong> bala<strong>de</strong>iro folk como <strong>de</strong> visionário e o<br />
seu único disco é <strong>um</strong>a montanha, a peça que faltava<br />
no puzzle da <strong>soul</strong>. Viveu nas ruas, passou fome,<br />
esteve em coma, andou agarrado. Imensamente<br />
h<strong>um</strong>il<strong>de</strong>, agra<strong>de</strong>ce ao Senhor estar vivo. E nós,<br />
como vamos agra<strong>de</strong>cer-lhe ter existido?<br />
(1971), <strong>de</strong> Sly and the Family Stone,<br />
“Curtis” (1970), <strong>de</strong> Curtis Mayfi eld,<br />
“Pieces of a Man” (1971), <strong>de</strong> Gil<br />
Scott-Heron se tornaram icónicos,<br />
e que gente famosa como James<br />
Brown ou as Staples Singers<br />
lançaram, nessa época, discos<br />
acentuadamente políticos - basta<br />
lembrar que Brown editou o single<br />
“(Sing it loud) I’m black and I’m<br />
proud” em 1969. Mas a verda<strong>de</strong> é<br />
que o grosso da produção negra<br />
não encontrou, no seu tempo,<br />
eco em lado alg<strong>um</strong> – é como se<br />
houvesse <strong>um</strong>a cortina entre o<br />
real que cantavam e os potenciais<br />
cons<strong>um</strong>idores. Entre quem fazia<br />
a música e quem a ouvia alguém<br />
escolheu não ouvir esta música<br />
que só agora vem à tona.<br />
A questão é: que discos são<br />
esses, on<strong>de</strong> andam?<br />
Não há <strong>um</strong>a resposta fi xa, isto<br />
é, não há <strong>um</strong> único tipo musical<br />
em jogo. Trata-se <strong>de</strong> gente<br />
extremamente díspar que só<br />
tem em com<strong>um</strong> a <strong>soul</strong> como casa<br />
partida e a América negra como<br />
chegada.<br />
É gente como Lou Rawls,<br />
<strong>homem</strong> <strong>de</strong> voz po<strong>de</strong>rosa, <strong>de</strong><br />
crooner, que em 1972 <strong>de</strong>u <strong>um</strong>a<br />
guinada na carreira e resolveu<br />
olhar para o que andava mal<br />
no mundo – daí resultou <strong>um</strong><br />
tremendo “Man Of Value”,<br />
tematicamente <strong>de</strong> acordo com o<br />
título. No outro extremo temos<br />
a loucura dos Madhouse, que<br />
foram buscar Nixon para a capa<br />
do estupendo “Serve’em”, <strong>de</strong> 1972,<br />
cujo título carregado <strong>de</strong> sarcasmo<br />
<strong>de</strong>nota logo a carga explosiva<br />
da música, <strong>um</strong> funk assente em<br />
riff s mais oloeados que pele <strong>de</strong><br />
mo<strong>de</strong>lo em foto <strong>de</strong> bikini, ou em<br />
linhas <strong>de</strong> baixo tão gordurosas,<br />
tão repletas <strong>de</strong> graves cheios,<br />
roliços, gulosos que a espinha<br />
Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 9
10 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
começa a comichar, seguese-lhe<br />
o pescoço, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sce<br />
até aos pezinhos a modos<br />
que na mesma altura em<br />
que os braços se arribam<br />
e ao fi m <strong>de</strong> <strong>um</strong>a canção<br />
nota-se que o corpo entrou<br />
involuntariamente no<br />
modo “dança”.<br />
E se quisermos falar <strong>de</strong><br />
coisas do outro mundo,<br />
temos os Boscoe, combo<br />
que durou <strong>um</strong> só disco,<br />
homónimo, <strong>de</strong> 1973 – mas<br />
<strong>um</strong> magnífi co disco: malhas<br />
<strong>de</strong> guitarra bluesadas a rastejar,<br />
spoken-word, fl autas a tropeçar na<br />
pauta: em “Writin’ on the wall” é<br />
assim durante seis minutos antes<br />
<strong>de</strong> entrar <strong>um</strong> breve interlúdio<br />
aparentado da <strong>soul</strong> que logo<br />
<strong>de</strong>scola r<strong>um</strong>o a <strong>um</strong>a névoa <strong>de</strong><br />
ganza. Frase chave: “We were so<br />
busy kissing somebody’s ass that<br />
we forgot about the past”.<br />
Ainda no outro mundo, mas<br />
no capítulo <strong>de</strong>dicado às vozes<br />
é impossível não abençoar a<br />
reedição <strong>de</strong> “The Baby Huey Story:<br />
The Living Legend”, disco <strong>de</strong> 1971<br />
que reuniu – <strong>um</strong> ano após a sua<br />
morte – vários temas <strong>de</strong> Baby<br />
Huey, <strong>homem</strong> gigantesco que<br />
nunca gravou em vida. Encontrase<br />
lá a mais <strong>de</strong>moníaca,<br />
<strong>de</strong>mencial e espantosa versão<br />
<strong>de</strong> sempre <strong>de</strong> “A Change<br />
is gonna come”, <strong>de</strong> Sam<br />
Cooke, transformada <strong>de</strong><br />
balada dorida em <strong>soul</strong><br />
fantasmagórica (primeiro)<br />
e funk psicadélico si<strong>de</strong>ral<br />
(por fi m).<br />
Mas há dois homens que<br />
merecem ser vistos com<br />
mais atenção. O primeiro é<br />
Eugene McDaniels que em<br />
1969 lançou “Outlaw”, disco<br />
que além <strong>de</strong> ser senhor <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
balanço tão swingado que até faz<br />
babar (o wurlitzer, a guitarrinha<br />
picada) ainda dispara para outros<br />
lados a meio <strong>de</strong> cada canção. Dois<br />
anos <strong>de</strong>pois McDaniels voltava<br />
com “Headless Heroes of The<br />
Apocalypse” e <strong>um</strong>a noção ainda<br />
mais própria da música negra (o<br />
baixo, por exemplo, não era tão<br />
proeminente como é usual na <strong>soul</strong><br />
da época), agora fazendo pontes<br />
entre o gospel, arranjos lounge e a<br />
bluezada <strong>de</strong>safi nada que sempre<br />
marcou o seu som, sem abdicar <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> olhar politizado, ou social se<br />
quiserem.<br />
Se McDaniels é <strong>um</strong> pioneiro, o<br />
louco Swamp Dogg não lhe fi ca<br />
atrás. Dogg era <strong>um</strong>a personagem<br />
única, que dizia <strong>de</strong> si mesmo<br />
ter-se <strong>de</strong>itado <strong>um</strong> dia analfabeto<br />
e acordado no dia seguinte<br />
<strong>um</strong> génio. Em 1970 atirou <strong>um</strong>a<br />
granada louca chamada “Total<br />
Destruction to Your Mind”, que<br />
tem em “Synthetic world” a mais<br />
perfeita encarnação da <strong>soul</strong>-pop<br />
que não abdica <strong>de</strong> pensar – <strong>um</strong><br />
órgão <strong>de</strong> <strong>de</strong>rreter mel coxas<br />
abaixo, a voz plena <strong>de</strong> sarcasmo,<br />
o ritmozinho dolente e <strong>de</strong> repente<br />
ali os metais, a guitarra wah-wah,<br />
o acelerar do tempo da voz – <strong>um</strong>a<br />
canção <strong>de</strong> (como dizer?) génio.<br />
Não contente e com o rabo quente<br />
Dogg voltou no ano seguinte com<br />
“Rat On!”, <strong>um</strong> disco com <strong>um</strong>a das<br />
capas mais hilariantes da história<br />
da pop – e mais pesadão, mais<br />
funkalhão que o anterior.<br />
Baby Huey Um pequeno<br />
mostrinho <strong>de</strong> peso, era também<br />
<strong>um</strong> monstro <strong>de</strong> voz e <strong>de</strong> autoflagelação,<br />
com <strong>um</strong> talento tão<br />
gran<strong>de</strong> quanto auto-<strong>de</strong>strutivo.<br />
Só foi publicado <strong>de</strong>pois da<br />
morte passando à história<br />
como figura <strong>de</strong> culto. A<br />
reedição em CD, já no século<br />
XXI, mudou o seu lugar no<br />
panteão.<br />
Low Rawls Essencialmente<br />
<strong>um</strong> crooner, com <strong>um</strong>a carreira<br />
que oscilou entre o charme e o<br />
lamechas, tornou-se mais<br />
político que nunca em 1974 e<br />
assinou <strong>um</strong> dos mais<br />
tremendos álbuns acerca da<br />
velha questão: o que é isto <strong>de</strong><br />
ser <strong>um</strong> <strong>homem</strong>?<br />
O que é que há <strong>de</strong> tão<br />
impressionante nestes dois<br />
homens? O facto <strong>de</strong> – antes <strong>de</strong><br />
Marvin Gaye e Stevie Won<strong>de</strong>r lá<br />
chegarem – comporem álbuns<br />
conceptuais, tanto ao nível do som<br />
como dos assuntos abordados.<br />
É curioso notar que a<br />
história ofi cial proclama que<br />
a in<strong>de</strong>pendência dos artistas<br />
negros se <strong>de</strong>ve a Stevie Won<strong>de</strong>r<br />
(que também se politizou em<br />
“Innervisions”, <strong>de</strong> 1973, três anos<br />
antes do seu génio partir para<br />
<strong>um</strong> exílio <strong>de</strong> on<strong>de</strong> só voltou sob o<br />
nome <strong>de</strong> Prince) e Marvin Gaye.<br />
Po<strong>de</strong>mos arg<strong>um</strong>entar que além<br />
<strong>de</strong> terem canções tremendas<br />
Gaye e Won<strong>de</strong>r têm o peso que<br />
têm porque fi zeram discos<br />
conceptuais. É bom notar, no<br />
entanto, que antes disso já Curtis<br />
Mayfi eld tinha fundado a sua<br />
própria editora, a Curtom, em<br />
1970 e também ele tinha <strong>um</strong><br />
programa.<br />
A história neste aspecto<br />
é exclusiva, porque o<br />
território que Won<strong>de</strong>r,<br />
Gaye e Mayfi eld – pese a<br />
sua gran<strong>de</strong>za – marcaram<br />
já tinha sido explorado<br />
por Swamp Dogg e por<br />
Eugene McDaniels, cujo<br />
rótulo <strong>de</strong> pioneiros valeu<br />
zero na conta bancária.<br />
Graças ao hip-hop<br />
Po<strong>de</strong>mos perguntar-nos porque<br />
raio é que <strong>um</strong> ou outro disco<br />
permaneceu durante bastante<br />
tempo no imaginário colectivo<br />
enquanto a maior parte dos outros<br />
não. A resposta terá <strong>de</strong> incluir <strong>um</strong>a<br />
espécie <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> resistência<br />
face à indústria, que toda esta<br />
gente partilhava. Por outro lado<br />
responsabilizar exclusivamente<br />
os brancos pela enormida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
música negra que fi cou posta<br />
<strong>de</strong> parte não só parece abusivo<br />
como também maniqueísta e<br />
excessivamente simplifi cador<br />
– por alg<strong>um</strong>a razão os Boscoe<br />
apontavam o <strong>de</strong>do à própria<br />
comunida<strong>de</strong> negra.<br />
A única coisa que sabemos<br />
é como é que alguns <strong>de</strong>stes<br />
discos evitaram o completo<br />
oblívio: graças ao hip-hop.<br />
Quando o hip-hop ganhou<br />
consciência do passado,<br />
quando foi à procura das<br />
suas raízes começou a<br />
usar samples <strong>de</strong> toda<br />
esta gente. Para dar<br />
dois exemplos simples,<br />
“Jagger the Dagger”, <strong>de</strong><br />
Eugene McDaniels, foi<br />
usado por <strong>um</strong>a data <strong>de</strong><br />
grupos, dos A tribe Called<br />
Quest aos Gravedigazz; e se<br />
formos à obra <strong>de</strong> Lou Bond<br />
verifi camos que em 1996 os<br />
Outkast usaram <strong>um</strong> sample <strong>de</strong><br />
“To the establishment” (sem a<br />
mais pequena dúvida e sombra <strong>de</strong><br />
exagero <strong>um</strong>a das maiores canções<br />
<strong>de</strong> sempre) em “Wailin’”, Prodigy<br />
usou o mesmo sample em “Trials<br />
of Love” (2000) e por aí fora, n<strong>um</strong>a<br />
lista que inclui Mary J Blidge.<br />
Os discos que quiseram olhar <strong>de</strong><br />
forma negra para o negro fi caram<br />
quase todos <strong>de</strong> fora. Lentamente<br />
pequenas vinhetas foram sendo<br />
extraídas, fazendo-os regressar<br />
sob a forma <strong>de</strong> base sonora.<br />
No século XXI ressuscitaram<br />
em reedições <strong>de</strong> coleccionador,<br />
obrigando a <strong>um</strong>a revisão histórica:<br />
antes 1969 era o ano em que os<br />
Led Zeppelin nasceram, agora<br />
po<strong>de</strong>mos dizer que é o ano do<br />
fenomenal “Cryin’ in the streets”,<br />
<strong>de</strong> George Perkins & the Silver<br />
Stars.<br />
Uma última nota: Lou Bond<br />
pensou durante muitos anos que<br />
tinha nascido em Memphis e só<br />
quando aos 13 anos conheceu <strong>um</strong>a<br />
tia é que fi cou a saber que tinha<br />
nascido em Chicago.<br />
De certa maneira estamos no<br />
mesmo pé que ele: pensávamos<br />
que tínhamos vindo dali e afi nal<br />
(também) viemos dacolá.<br />
Do pouco que se sabe <strong>de</strong> Lou<br />
Bond percebe-se que ele <strong>de</strong>seja<br />
apenas que o Senhor lhe dê paz,<br />
<strong>um</strong>a reforma tranquila e que a sua<br />
música seja ouvida.<br />
Seja feita a sua vonta<strong>de</strong>.
John Tilbury sexta 4<br />
Dustin O’Halloran<br />
Alexan<strong>de</strong>r<br />
sábado 5<br />
von Schlippenbach<br />
Andrew Poppy<br />
www.teatromariamatos.pt<br />
música<br />
4 / 5 Fevereiro 22h00 M/3<br />
15€
Estudou música clássica na infância,<br />
mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ouvir David Bowie resolveu<br />
pedir aos pais <strong>um</strong>a guitarra<br />
eléctrica, que nunca mais largou.<br />
Na adolescência andou perdida por<br />
formações <strong>de</strong> jazz, mas há cinco anos,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> perceber que também sabia<br />
cantar, resolveu lançar-se à aventura.<br />
Quem a viu em palco no último ano<br />
ficou rendido. A la<strong>de</strong>á-la dois músicos,<br />
mas é ela que se impõe, misteriosa<br />
e po<strong>de</strong>rosa, em guitarra e voz.<br />
Brian Eno e Nick Cave ce<strong>de</strong>ram aos<br />
seus encantos. Agora, aos 28 anos,<br />
Anna, inglesa <strong>de</strong> ascendência italiana,<br />
prepara-se para o mundo.<br />
A propósito do seu álb<strong>um</strong> <strong>de</strong> estreia,<br />
escrevíamos aqui, há duas semanas,<br />
que era constituído por canções<br />
rock <strong>de</strong>scarnadas, mas ao mesmo<br />
tempo cheias <strong>de</strong> romance e<br />
s<strong>um</strong>ptuosida<strong>de</strong>. A sua performance<br />
vocal é quase operática, <strong>um</strong> teatro <strong>de</strong><br />
sombras exposto em canções <strong>de</strong> sentido<br />
dramático e som nocturno eléctrico.<br />
Às vezes são ternas, outras imponentes.<br />
Um pouco como ela, confessa.<br />
Há músicos que têm dificulda<strong>de</strong><br />
em comunicar as suas criações<br />
por palavras. No seu caso, que<br />
está nessa posição pela primeira<br />
vez, como se tem sentido?<br />
É importante saber explicar aquilo que<br />
se fez, mas ao mesmo tempo é <strong>um</strong>a<br />
posição <strong>de</strong>sconfortável, porque inevitavelmente<br />
temos que falar <strong>de</strong> nós<br />
próprios e isso, para mim, não é fácil.<br />
Na verda<strong>de</strong>, sou bastante tímida.<br />
Nos concertos tem <strong>um</strong>a<br />
presença muito intensa. O palco<br />
acaba por ser o local on<strong>de</strong><br />
suplanta essa inibição?<br />
Diz-se que os artista são muito tímidos<br />
e <strong>de</strong>ve existir alg<strong>um</strong>a verda<strong>de</strong> nisso.<br />
No meu caso sinto que estar em palco<br />
me proporciona expor <strong>um</strong>a parte <strong>de</strong><br />
mim que normalmente está mais resguarda<br />
no meu quotidiano. Mas o<br />
palco é isso mesmo, permite-nos ser<br />
maiores do que a vida. Nunca gostei<br />
<strong>de</strong> músicos ou <strong>de</strong> actores que vão para<br />
palco para serem a máscara do que<br />
são no dia a dia. Isso não me interessa<br />
nada.<br />
O palco é <strong>um</strong>a experiência<br />
libertadora nesse sentido?<br />
Sim, totalmente. Po<strong>de</strong>mos expor<br />
emoções que normalmente ten<strong>de</strong>mos<br />
a escon<strong>de</strong>r, da fúria à ternura. No meu<br />
dia à dia não gosto <strong>de</strong> ser o centro das<br />
atenções. Ali sinto que através da mú-<br />
Terna é a fúria<br />
É <strong>um</strong>a das revelações dos últimos meses. Inglesa <strong>de</strong> ascendência italiana, acabou <strong>de</strong> lançar u<br />
Uma dualida<strong>de</strong> que ela acaba por refl ectir também, diz-nos. Vítor B<br />
12 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
sica posso expressar-me totalmente.<br />
E as canções que estão no disco acabam<br />
por expressar também essa dualida<strong>de</strong>,<br />
alg<strong>um</strong>as vezes ternas, outras<br />
iradas.<br />
Em palco faz-se acompanhar<br />
apenas <strong>de</strong> dois músicos, mas<br />
o som acaba por ter qualquer<br />
coisa <strong>de</strong> grandioso. O mesmo<br />
suce<strong>de</strong> no disco, on<strong>de</strong> parece<br />
existir <strong>um</strong> balanço entre o<br />
minimalismo dos recursos e<br />
<strong>um</strong> tipo <strong>de</strong> música que tem<br />
qualquer coisa <strong>de</strong> teatral.<br />
Sim, concordo. O álb<strong>um</strong> acaba por<br />
expor essas duas facetas, <strong>um</strong>a mais<br />
intimista e outra mais po<strong>de</strong>rosa. É<br />
<strong>um</strong>a combinação <strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />
força. Uma das minhas maiores influências<br />
é a música clássica e, pelo menos<br />
naquela que me agrada, consigo<br />
<strong>de</strong>scortinar essa tensão, que acaba<br />
por originar momentos <strong>de</strong> distensão<br />
e alívio também. Gostava que as minhas<br />
canções conseguissem captar<br />
todas essas nuances e, nisso, os arranjos<br />
orquestrais são importantes.<br />
“Apenas comecei<br />
a cantar há cinco<br />
anos. Antes tinha<br />
imensa vergonha<br />
e nem me atrevia...<br />
Quando digo isto hoje<br />
as pessoas riem-se<br />
mas é verda<strong>de</strong>.<br />
Comecei a cantar<br />
a ouvir Maria Callas,<br />
Edith Piaf e Nina<br />
Simone, tentando<br />
imitá-las e, ao mesmo<br />
tempo, tentando<br />
entendê-las”<br />
Gosto <strong>de</strong>ssa pressão entre instr<strong>um</strong>entos<br />
tocados com precisão como a guitarra<br />
e elementos mais orquestrais.<br />
Parece ter as i<strong>de</strong>ias precisas<br />
sobre o que preten<strong>de</strong> para as<br />
canções. Demorou mais <strong>de</strong> dois<br />
anos a registá-las precisamente<br />
para que chegasse a <strong>um</strong> estágio<br />
on<strong>de</strong> não tivesse dúvidas sobre o<br />
que pretendia para o disco?<br />
Não. Dúvidas temos sempre. Demorei<br />
o tempo que <strong>de</strong>morei, foi <strong>um</strong>a procura,<br />
não sinto que tenha sido muito ou<br />
pouco. Foi o necessário.<br />
Quando se quer criar temos que<br />
apren<strong>de</strong>r a lidar com a dúvida. Mas<br />
isso não nos po<strong>de</strong> fazer parar. Tinha<br />
<strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia global daquilo que queria<br />
e que era fazer <strong>um</strong> álb<strong>um</strong> que expressasse<br />
paixão, on<strong>de</strong> as canções nos<br />
pu<strong>de</strong>ssem transportar para outro universo.<br />
Queria canções com atmosfera,<br />
capazes <strong>de</strong> nos fazer transportar para<br />
outra dimensão qualquer. Para mim,<br />
cada canção, <strong>de</strong>veria funcionar como<br />
<strong>um</strong> mini-filme. Tinha essa i<strong>de</strong>ia muito<br />
presente, mas é claro que no <strong>de</strong>-<br />
Quem a viu em<br />
palco no<br />
último ano<br />
ficou rendido,<br />
como Brian<br />
Eno e Nick<br />
Cave
correr do processo temos que nos<br />
adaptar às surpresas e às dúvidas que<br />
vão surgindo.<br />
Imagino que goste <strong>de</strong> filmes<br />
que projectem <strong>um</strong>a certa<br />
transcendência, que não sejam<br />
<strong>de</strong> todo “realistas”.<br />
Sim, é verda<strong>de</strong>. Tenho tendência para<br />
coisas que não sejam esteticamente<br />
realistas, mas que não o sendo, nos<br />
aju<strong>de</strong>m a perceber e a sentir a realida<strong>de</strong><br />
à nossa volta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma, por<br />
vezes, mais profunda. É isso que sinto<br />
ao ver filmes <strong>de</strong> David Lynch, Gus<br />
van Sant, Wong Kar-wai ou Hitchcock,<br />
para quem a música era muito importante<br />
na criação dos momentos <strong>de</strong><br />
tensão e distensão dramática.<br />
Deve estar saturada que lhe<br />
falem <strong>de</strong> PJ Harvey, como termo<br />
<strong>de</strong> comparação, mas quando<br />
se está a começar são naturais<br />
essas analogias. Por outro lado<br />
contou na produção com Rob<br />
Ellis, habitual colaborador <strong>de</strong>la,<br />
o que não <strong>de</strong>ve ajudar a dissipar<br />
comparações.<br />
Tem razão, mas não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser chato<br />
ser confrontada com isso a toda a<br />
hora, até porque é preguiçoso. Respeito<br />
imenso o trabalho <strong>de</strong> PJ Harvey,<br />
é <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> artista, mas não creio<br />
que tenhamos muito a ver, sinceramente.<br />
As minhas influências são muito<br />
diferentes e o que tento fazer com<br />
as canções também.<br />
O que a levou a escolher Rob<br />
Ellis para a produção?<br />
Ele gosta da mesma música clássica<br />
que eu, <strong>de</strong> Ravel a Olivier Messiaen,<br />
e é alguém que enten<strong>de</strong> quando digo<br />
que ao tocar guitarra tento imaginá-la<br />
como se fosse <strong>um</strong>a orquestra. A guitarra<br />
tem que ser extremamente expressiva.<br />
A comunicação com ele é<br />
fluída e isso é raro <strong>de</strong> encontrar.<br />
É filha <strong>de</strong> pai italiano e gosta <strong>de</strong><br />
dizer que esse facto acaba por<br />
reflectir-se na sua música. De<br />
que forma?<br />
O meu pai é da Toscânia e ali encontro<br />
<strong>um</strong> pouco da vibração que está presente<br />
na minha música, qualquer coisa<br />
entre a vulnerabilida<strong>de</strong> e a vonta<strong>de</strong><br />
resistente e apaixonada <strong>de</strong> viver em<br />
toda a plenitu<strong>de</strong>. Por outro lado foi<br />
através do meu pai que <strong>de</strong>scobri Maria<br />
Callas, a ópera italiana e compositores<br />
clássicos como Lorin Maazel, <strong>de</strong><br />
quem gosto.<br />
Voltando às comparações, Brian<br />
Eno, que a tem elogiado muito,<br />
também não resistiu a <strong>um</strong>a,<br />
quando disse, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> a ver<br />
pela primeira vez ao vivo, que<br />
tinha sido o melhor primeiro<br />
concerto que vira <strong>de</strong> alguém,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Patti Smith há muitos<br />
anos atrás.<br />
Ok, é verda<strong>de</strong>, mas é diferente...[risos].<br />
Aí ele estava apenas a comparar<br />
o tipo <strong>de</strong> emoção que havia sentido e<br />
não estava a colocar-me na mesma<br />
prateleira que Patti Smith.<br />
Ele também disse outra coisa<br />
interessante: que não precisava<br />
dos serviços <strong>de</strong>le como<br />
produtor porquê você já sabia<br />
exactamente o que queria fazer.<br />
Acho que o que ele queria dizer é que,<br />
normalmente, produz grupos que,<br />
por <strong>um</strong>a razão ou outra, estão n<strong>um</strong><br />
processo <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a in<strong>de</strong>finição. Não<br />
é o meu caso, é verda<strong>de</strong>. É lisonjeiro<br />
ouvir isso da boca <strong>de</strong> alguém como<br />
ele. Não creio que alg<strong>um</strong>a vez me tenha<br />
querido comparar a Patti Smith.<br />
Normalmente é mais a Siouxsie Sioux,<br />
que ouvi pela primeira vez <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
me começaram a falar <strong>de</strong>la.<br />
Nick Cave também lhe<br />
en<strong>de</strong>reçou palavras <strong>de</strong> elogio.<br />
Deve ser óptimo, claro. Mas<br />
também lhe coloca alg<strong>um</strong>a<br />
pressão em cima agora que<br />
lança o primeiro álb<strong>um</strong>.<br />
Não a sinto, a sério. Estou a fazer apenas<br />
aquilo em que acredito e é óptimo<br />
sentir que há pessoas que gostam do<br />
que faço. Tivemos oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
nos conhecermos [andou em digressão<br />
com os Grin<strong>de</strong>rman <strong>de</strong> Nick Cave]<br />
e foi <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> momento porque ele<br />
é <strong>um</strong> dos meus heróis musicais.<br />
Não tem qualquer treino vocal,<br />
mas possui <strong>um</strong>a voz muito<br />
personalizada. Canta <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
muito nova?<br />
Apenas comecei a cantar há cinco<br />
anos. Antes tinha imensa vergonha e<br />
nem me atrevia... [risos]. Quando digo<br />
isto hoje as pessoas riem-se mas é<br />
verda<strong>de</strong>. Comecei a cantar a ouvir<br />
Maria Callas, Edith Piaf e Nina Simone,<br />
tentando imitá-las e, ao mesmo<br />
tempo, tentando entendê-las.<br />
E percebeu o que faz <strong>de</strong>las<br />
cantoras <strong>de</strong> eleição?<br />
A sua força advinha da forma extremamente<br />
vulnerável como cantavam.<br />
Foi assim que comecei, praticando<br />
seis horas por dia, tentando encontrar<br />
a minha voz através <strong>de</strong>las. Aprendi<br />
ouvindo, trabalhando no duro até<br />
perceber como po<strong>de</strong>ria tirar o máximo<br />
da minha voz, mas é verda<strong>de</strong> que<br />
nunca estu<strong>de</strong>i técnica. Talvez <strong>um</strong> dia,<br />
quem sabe, mas nesta fase o melhor<br />
professor que posso ter é conhecer a<br />
minha voz, pegar na guitarra e começar<br />
a cantar.<br />
N<strong>um</strong>a entrevista confessava<br />
que ainda não atingiu, com<br />
as palavras, o nível que sente<br />
já ter alcançado enquanto<br />
compositora e cantora. O que<br />
falta?<br />
Com as palavras ainda não me sinto<br />
tão à vonta<strong>de</strong>, mas acabo por não dissociar<br />
as duas realida<strong>de</strong>s – a música<br />
e as palavras. É <strong>um</strong> processo inconsciente<br />
a forma como escrevo. Às vezes<br />
é necessida<strong>de</strong>. Ando sempre com <strong>um</strong><br />
gravador atrás para registar esses momentos.<br />
Às vezes é apenas <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia<br />
tosca, mas <strong>de</strong>pois as coisas vão ganhando<br />
forma em termos líricos e em<br />
termos melódicos. Gosto da <strong>de</strong>puração<br />
que o tempo traz. Cada nota, como<br />
cada palavra, <strong>de</strong>ve justificar-se<br />
por si própria. Se estiverem lá por estar<br />
não me interessam e <strong>de</strong> imediato<br />
vão para o lixo.<br />
<strong>de</strong> Anna Calvi<br />
<strong>um</strong> disco <strong>de</strong> canções ternas mas também imponentes.<br />
Belanciano<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
FEV ~11<br />
3 A 6 FEV<br />
QUINTA A DOMINGO ÀS 21H00<br />
SALA PRINCIPAL M/3<br />
W W W . T E A T R O S A O L U I Z . P T<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT; TEL: 213 257 640<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
FEV ~11<br />
PRODUÇÃO<br />
BILHETES À VENDA EM WWW.TEATROSOALUIZ.PT,<br />
WWW.BILHETEIRAONLINE.PT E ADERENTES<br />
BILHETEIRA DAS 13H00 ÀS 20H00<br />
TEL: 213 257 650 / BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />
SALA PRINCIPAL<br />
M/3<br />
APOIO À DIVULGAÇÃO<br />
11 e 12 Fev<br />
21h<br />
www.teatrosaoluiz.pt<br />
Carlos do Carmo<br />
convida<br />
António Victorino d’Almeida<br />
António Serrano<br />
Carlos Bica<br />
guitarras:<br />
Carlos Manuel Proença<br />
José Maria Nóbrega<br />
Fernando Araújo<br />
José Manuel Neto<br />
Ricardo Rocha<br />
e<br />
Orquestra Sinfonietta <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
Dirigida pelo Maestro<br />
Vasco Pearce <strong>de</strong> Azevedo<br />
Carlos<br />
do Carmo<br />
o fado e os<br />
músicos<br />
APOIO À DIVULGAÇÃO<br />
Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 13
Jon Spencer é por estes dias <strong>um</strong> <strong>homem</strong><br />
feliz. Em 2008, fartou-se <strong>de</strong> estar<br />
farto dos Blues Explosion e juntouse<br />
novamente a Judah Bauer e a Russel<br />
Simins. Os Blues Explosion<br />
regressaram, mas não para preparar<br />
o sucessor <strong>de</strong> “Damage”, o último álb<strong>um</strong><br />
<strong>de</strong> originais, editado em 2004.<br />
Há dois anos que andam a tocar as<br />
canções <strong>de</strong> “Orange” ou “Now I Got<br />
Worry”, dois dos mon<strong>um</strong>entos que<br />
gravaram na década <strong>de</strong> 1990. Entretanto,<br />
Jon Spencer mergulhou nos<br />
arquivos para <strong>de</strong>volver ao mundo, em<br />
generosas reedições, a história toda:<br />
os berros e guitarradas da extraordinária<br />
e mui suada invenção que a banda<br />
nova-iorquina <strong>de</strong>flagrou nas fuças<br />
da música popular urbana quando os<br />
anos 1990 andavam entretidos em ser<br />
muito sérios e compenetrados.<br />
E por isso Jon Spencer é <strong>um</strong> <strong>homem</strong><br />
feliz. Feliz <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma peculiar:<br />
“Ainda estou lixado com todo o<br />
rock’n’roll <strong>de</strong> merda que existe por<br />
aí. Era assim antes e é assim agora.”<br />
Estar lixado, como sabemos, é <strong>um</strong><br />
óptimo combustível criativo. “Vejo<br />
falta <strong>de</strong> imaginação e falta <strong>de</strong> criativida<strong>de</strong>”.<br />
Pausa: “Falta <strong>de</strong> tomates”.<br />
Ora, isso irrita o <strong>homem</strong> feliz que é<br />
hoje Jon Spencer. Até porque se há<br />
coisa que nunca faltou aos Jon Spencer<br />
Blues Explosion foi <strong>um</strong> nada discreto<br />
par <strong>de</strong> tomates. A edição <strong>de</strong><br />
“Year One” e as reedições <strong>de</strong> “Extra<br />
Width”, “Orange”, “Now I Got Worry”,<br />
“ACME” e “Controversial Negro”,<br />
cobrindo o período <strong>de</strong> 1991 a 1998,<br />
são explícitas quanto aquele pormenor<br />
anatómico.<br />
Voltemos ao início. Jon Spencer continua<br />
“lixado” como sempre. Não foi<br />
isso, porém, que tornou os Blues Explosion<br />
especiais. Em 1994, Spencer<br />
dizia à revista Mojo, “se andar tudo à<br />
volta do ‘vai-te fo<strong>de</strong>r’, então pura e<br />
simplesmente não há esperança”. Homem<br />
formado no un<strong>de</strong>rground do<br />
punk americano, integrou em 1985 os<br />
Pussy Galore, niilistas ferozes que se<br />
propunham, a partir <strong>de</strong> esconsas caves<br />
<strong>de</strong> Washington ou Nova Iorque,<br />
homenagear e <strong>de</strong>struir no mesmo gesto<br />
o cânone rock’n’roll. A banda on<strong>de</strong><br />
também encontrávamos Neil Michael<br />
Hagerty, que formaria <strong>de</strong>pois os maravilhosamente<br />
<strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ntes Royal<br />
Trux, era, arg<strong>um</strong>enta Spencer, <strong>um</strong>a<br />
manifestação <strong>de</strong> “horror total” e <strong>de</strong><br />
“ódio” perante a mediocrida<strong>de</strong> vigente.<br />
Era, classifica, “<strong>um</strong>a trip negativa”.<br />
Os Blues Explosion escolheram outra<br />
forma <strong>de</strong> confronto, a celebração: “[a<br />
banda] somos nós a gritar ‘o rock’n’roll<br />
é <strong>um</strong>a coisa belíssima, é música fantástica,<br />
alegre, exultante, bonita e estranha.<br />
É música que tem a misteriosa<br />
vibração da electricida<strong>de</strong>, é subir a <strong>um</strong><br />
palco e atingir <strong>um</strong> pico <strong>de</strong> êxtase comunal<br />
em que seja possível per<strong>de</strong>rmonos.”<br />
14 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
A verda<strong>de</strong><br />
Feita esta inflamada <strong>de</strong>claração que<br />
podia ter saído das tiradas à pregador<br />
profano que lhe ouvimos nos concertos,<br />
ouvimos-lhe <strong>um</strong>a frase importante:<br />
“Os Jon Spencer Blues Explosion<br />
somos nós a dizer ‘é isto o rock’n’roll,<br />
e é isto que rock’n’roll po<strong>de</strong> ser’”. Esse<br />
movimento constante entre dois<br />
<strong>de</strong>sejos - o <strong>de</strong> encarnar o passado<br />
projectando-se no futuro -, foi e é o<br />
segredo da banda que gravou com o<br />
veterano bluesman RL Burnsi<strong>de</strong>, mas<br />
que também chamou o então “state<br />
of the art” Beck para <strong>um</strong>a colaboração;<br />
que resgatou o pioneiro <strong>soul</strong> Rufus<br />
Thomas em “Now I Got Worry” e<br />
que, <strong>de</strong>pois, entregou a produção <strong>de</strong><br />
“ACME”, entre outros, a Dan The Automator,<br />
respeitado produtor hip hop,<br />
ou a Calvin Johnson, herói do punk<br />
<strong>de</strong> Washington, fundador dos Beat<br />
Happening e da K Records.<br />
O “primitivista” Jon Spencer<br />
Nos concertos dos Blues Explosion<br />
não há (nunca houve) alinhamento<br />
<strong>de</strong>finido. Jon Spencer, invariavelmente<br />
<strong>de</strong> cabedal negro, canta e meneia<br />
as ancas como <strong>um</strong> Elvis em “speeds”,<br />
rebola pelo chão como Lux Interior<br />
e estica a mão até ao “theremin” para<br />
que o z<strong>um</strong>bido eléctrico se torne ainda<br />
mais intenso e perturbador. Atrás<br />
<strong>de</strong> si, Russel Simins toca como po<strong>de</strong>rosíssima<br />
locomotiva que mantém<br />
tudo em movimento feroz, sem <strong>um</strong>a<br />
única falha (Simins nunca dá <strong>um</strong> tiro<br />
ao lado). A seu lado, Judah Bauer, guitarrista<br />
com a história toda na ponta<br />
dos <strong>de</strong>dos, <strong>de</strong>sdobra-se em sons cavernosos,<br />
em guitarra sli<strong>de</strong> infernal:<br />
coli<strong>de</strong> o funk com riffalhada Stones,<br />
surge corrosão punk em groove<br />
rhythm & blues.<br />
Um concerto dos Jon Spencer Blues<br />
Explosion é <strong>um</strong> festim arrebatador.<br />
Uma cerimónia profana sem regras<br />
para c<strong>um</strong>prir, com o mestre-<strong>de</strong>-cerimónias<br />
Spencer a assomar como figura<br />
que encarna todos os gloriosos<br />
excessos do rock’n’roll: a sua se<strong>de</strong><br />
inconformista, a sua noção <strong>de</strong> espectáculo<br />
e a sua caminhada no fio da<br />
navalha, acenando com prazer micro<br />
clichés (os vibratos Elvis no final das<br />
frases ou a auto glorificação típica do<br />
hip hop: “Raise your hand for the<br />
Blues Explosion”) e <strong>um</strong>a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
ser, à <strong>um</strong>a, provocação e exaltação<br />
hedonista: “I’m talking about fucking!<br />
Eating pussy! Making love! Sucking<br />
cock!”, incita algures em “Controversial<br />
Negro”.<br />
Por tudo isso, a banda nunca foi<br />
consensual. Nos Estados Unidos, por<br />
exemplo, acusaram-nos <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeitar<br />
o blues (eles que nunca foram <strong>um</strong>a<br />
banda <strong>de</strong> blues) e <strong>de</strong> ridicularizar os<br />
músicos e cantores negros (eles a<br />
quem Rufus Thomas chamava “my<br />
people”, eles que gravaram e andaram<br />
em digressão com <strong>um</strong> verda<strong>de</strong>i-<br />
dos Jon Spencer Blues E<br />
Nos anos 1990, abalaram certezas com <strong>um</strong> <strong>de</strong>scaramento épico, mostrando sem paninhos q<br />
ser daí em frente. Ouvimos as reedições da sua discografi a e exclamamos: agra<strong>de</strong>çamos a<br />
ro bluesman, RL Burnsi<strong>de</strong>, primo <strong>de</strong><br />
Muddy Waters). Pondo <strong>de</strong> parte as<br />
acusações <strong>de</strong>lirantes <strong>de</strong> racismo, feitas<br />
por “branquelas arranjadinhos,<br />
totós da música vivendo em medo e<br />
cheios <strong>de</strong> sentimentos <strong>de</strong> culpa liberal”<br />
(citamos o texto <strong>de</strong> apresentação<br />
<strong>de</strong> “Controversial Negro”, título que,<br />
como se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>, é <strong>um</strong>a reacção à<br />
“polémica”), os Jon Spencer Blues<br />
Explosion eram acusados, genericamente,<br />
<strong>de</strong> não serem sinceros. De não<br />
serem, atente-se, verda<strong>de</strong>iros.<br />
Convencionou-se que a noção <strong>de</strong><br />
verda<strong>de</strong> é aquilo que separa o trigo<br />
do joio no blues, no rock’n’roll ou no<br />
punk. Mas a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> não interessa<br />
a Jon Spencer. Não tem qualquer<br />
relação com o que são e com<br />
aquilo que interessa nos Blues Explosion.<br />
“Nah, não compro nada disso”,<br />
resmunga. “Po<strong>de</strong>s fazer o que quiseres,<br />
po<strong>de</strong>s dizer a maior mentira do<br />
mundo. Rock’n’roll significa libertares-te<br />
e apresentares ao mundo diferentes<br />
versões <strong>de</strong> ti próprio. O relevante<br />
é isto: fazer por ti mesmo, arcando<br />
com as responsabilida<strong>de</strong>s que<br />
isso acarreta. Os Blues Explosion fizeram<br />
o seu próprio caminho e, on<strong>de</strong><br />
quer que tenhamos chegado, chegámos<br />
através <strong>de</strong> suor e muito trabalho”.<br />
Trabalho e acção.<br />
Spencer <strong>de</strong>fine-se como <strong>um</strong> “primitivista”<br />
que não acredita em “técnica”,<br />
mas sim em “paixão”. Quando<br />
abordamos discos como o celebrado<br />
“Orange” ou “Now I Got Worry”,<br />
obras-primas <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> estúdio<br />
on<strong>de</strong> encontrávamos colagens sonoras<br />
vanguardistas ou i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> produ-<br />
“Ainda estou lixado<br />
com todo o rock’n’roll<br />
<strong>de</strong> merda que existe<br />
por aí. Era assim<br />
antes e é assim agora.<br />
Vejo falta <strong>de</strong><br />
imaginação e falta<br />
<strong>de</strong> criativida<strong>de</strong>.<br />
Falta <strong>de</strong> tomates”<br />
Jon Spencer
Explosion<br />
quentes que raio era isso do rock’n’roll e que raio podia<br />
aos <strong>de</strong>uses pela Blues Explosion. Mário Lopes<br />
O trio infernal,<br />
Judah Bauer,<br />
Russel<br />
Simins,<br />
Jon Spencer<br />
ção hip hop fluindo harmoniosamente<br />
entre a amálgama <strong>de</strong> guitarras,<br />
teclados reverberantes e baterias ribombantes,<br />
quando tentamos mergulhar<br />
no processo criativo da Blues<br />
Explosion, Spencer não tem mais a<br />
dizer que isto: “Não separo a música<br />
em cantos diferentes da sala. Quase<br />
tudo acontece a <strong>um</strong> nível subconsciente.<br />
Quando ouço discos ou quando<br />
vejo concertos, não tiro notas para<br />
utilizar mais tar<strong>de</strong>. Tenho sons na<br />
cabeça e sinto-os nas entranhas. É<br />
instintivo. Se acredito, ajo”.<br />
Entre 1992 e 1998, os álbuns dos<br />
Blues Explosion saíram com cadência<br />
próxima a <strong>um</strong> por ano e os concertos<br />
terão andado próximo do milhar.<br />
Afloraram o mainstream quando<br />
“Afro”, single <strong>de</strong> “Extra width”, começou<br />
a passar na MTV, e estiveram<br />
quase a instalar-se nele com o sucesso<br />
<strong>de</strong> público e crítica <strong>de</strong> “Orange”.<br />
Não chegaram lá. Ou melhor, chegaram<br />
por interposta pessoa, quando<br />
no início dos anos 00 começámos a<br />
ouvir falar do “renascimento do<br />
rock’n’roll” e <strong>de</strong> bandas como os White<br />
Stripes. Ultrapassados pelos acontecimentos<br />
e pelo frenesim mediático,<br />
passaram a ser vistos como sobreviventes<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> passado longínquo –<br />
não terá ajudado o facto <strong>de</strong> “Plastic<br />
Fang” e “Damage”, álbuns <strong>de</strong> 2002 e<br />
2004, serem os mais conservadores<br />
e menos inspirados da banda.<br />
Daí para cá, Jon Spencer <strong>de</strong>dicou-se<br />
aos Heavy Trash, ao lado <strong>de</strong> Matt Verta-Ray,<br />
ex-Speedball Baby, e Judah<br />
Bauer integrou, por exemplo, a banda<br />
<strong>de</strong> Cat Power. “Sentia-me esgotado e<br />
queria tocar outro tipo <strong>de</strong> música,<br />
com outras pessoas”, confessa o vocalista.<br />
Agora? Agora que nos fala <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
Nova Iorque, acabado <strong>de</strong> chegar<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a digressão australiana, tudo<br />
mudou. Regressaram aos concertos,<br />
nos últimos tempos têm passado <strong>de</strong><br />
quando em vez pelo estúdio e até po<strong>de</strong><br />
ser que haja <strong>um</strong> novo disco a caminho<br />
“Tem sido óptimo voltar a tocar<br />
com os Blues Explosion e foi óptimo<br />
reeditar o catálogo. Fi-lo por<br />
<strong>um</strong>a razão apenas: não estavam disponíveis<br />
e acho que são bons”.<br />
Bons?<br />
Nos anos 1990 do grunge, nesses<br />
anos 1990 em que os géneros se queriam<br />
estanques e bem compartimentados,<br />
os Jon Spencer Blues Explosion<br />
abalaram certezas com <strong>um</strong> <strong>de</strong>scaramento<br />
épico, mostrando sem paninhos<br />
quentes que raio era isso do<br />
rock’n’roll e que raio podia ser daí em<br />
frente.<br />
Duas décadas <strong>de</strong>pois, a sua música<br />
não envelheceu <strong>um</strong> ano que seja.<br />
Mantém <strong>um</strong>a carga icónica impressionante,<br />
<strong>um</strong>a vitalida<strong>de</strong> inescapável,<br />
<strong>um</strong> fulgor criativo inimitável. Agra<strong>de</strong>çamos<br />
aos <strong>de</strong>uses do rock’n’roll pela<br />
Jon Spencer Blues Explosion.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 28 e segs.<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
JAN ~ 11<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
JAN ~ 11<br />
C<br />
com as <strong>de</strong><br />
participações<br />
Chu<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT; TEL: 213 257 640<br />
llage<br />
+<br />
ivan LINS<br />
mitó<br />
(a naifa)<br />
silva<br />
lU.<br />
B d<br />
o sentinela<br />
+<br />
+<br />
+<br />
antónio<br />
jorge<br />
gonçalves<br />
m/16<br />
28 A 3O JAN<br />
SEXTA E SÁBADO ÀS 21H00<br />
DOMINGO ÀS 17H30<br />
SALA PRINCIPAL<br />
VÍDEOS FÁBIO IAQUONE, LUCA ATTILII MÚSICA ORIGINAL E DIRECÇÃO MUSICAL MÁRIO LAGINHA COREOGRAFIAS PAULO<br />
RIBEIRO CENOGRAFIA NUNO LACERDA LOPES FIGURINOS BERNARDO MONTEIRO DESENHO DE LUZ RUI SIMÃO DESENHO<br />
DE SOM FRANCISCO LEAL VOZ E ELOCUÇÃO JOÃO HENRIQUES ASSISTÊNCIA DE ENCENAÇÃO MANUEL TUR INTERPRETAÇÃO<br />
JOSÉ MANUEL BARRETO, RAQUEL TAVARES (FADISTAS); EMÍLIA SILVESTRE, PEDRO ALMENDRA, PEDRO FRIAS (ACTORES);<br />
CARLA RIBEIRO, FRANCISCO ROUSSEAU, MÁRIO FRANCO (BAILARINOS); MÁRIO LAGINHA, CARLOS PIÇARRA ALVES, MÁRIO<br />
FRANCO, DIOGO CLEMENTE, MIGUEL AMARAL (MÚSICOS) COLABORAÇÃO ESPECIAL EM VÍDEO ALBANO JERÓNIMO, ANTÓNIO<br />
DURÃES, JOÃO REIS, TERESA MADRUGA PRODUÇÃO TEATRO NACIONAL SÃO JOÃO COLABORAÇÃO OPART M/12<br />
CO-PRODUÇÃO<br />
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BILHETES À VENDA EM WWW.TEATROSOALUIZ.PT,<br />
WWW.BILHETEIRAONLINE.PT E ADERENTES<br />
BILHETEIRA DAS 13H00 ÀS 20H00<br />
TEL: 213 257 650 / BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />
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Do Chiado à Cova da Moura,<br />
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http://vi<strong>de</strong>os.sapo.pt/tag.html?clubedapalavra<br />
Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 15<br />
silva!<strong>de</strong>signers
Os poetas, foi<br />
Alain que os<br />
levou a<br />
Amália; as<br />
músicas<br />
também<br />
Alain Oulman tinha <strong>um</strong> íman. A sua<br />
presença puxava outras, qualquer cida<strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>morava o suficiente<br />
para o seu magnetismo ensopar o ar<br />
enviava-lhe como oferendas aos <strong>de</strong>uses<br />
os seus seres mais criativos. À sua<br />
volta, por entre garfadas da melhor<br />
comida e goles dos melhores vinhos,<br />
gente ligada às artes passava noites<br />
inteiras em animadas tertúlias. Oulman<br />
sentava toda a gente à mesa, mas<br />
<strong>de</strong>pois era como se <strong>de</strong>saparecesse.<br />
Era alérgico aos holofotes, confundiase<br />
com a sala, era aquele que nas fotografias<br />
ou nos ví<strong>de</strong>os da noite apa-<br />
16 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
Em “Com que Voz”,<br />
doc<strong>um</strong>entário sobre<br />
Alain realizado pelo<br />
seu filho Nicholas<br />
Oulman, <strong>de</strong>scobre-se<br />
a história <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> <strong>homem</strong> que não<br />
queria ser contado<br />
e cujo nome tentou<br />
resguardar sempre da<br />
avi<strong>de</strong>z dos holofotes<br />
recia sempre em segundo plano, aquele<br />
que escapa aos olhares mais rápidos<br />
e que só <strong>um</strong>a visualização atenta e<br />
cuidada consegue <strong>de</strong>scortinar, aquele<br />
com quem toda a gente falava e se confessava<br />
mas <strong>de</strong> quem se sabia pouco<br />
mais do que a sua ocupação do momento<br />
e o imenso talento.<br />
O escritor israelita Amos Oz ignorou<br />
durante anos que Alain Oulman<br />
era músico e tivera <strong>um</strong> passado vital<br />
para a história do fado e para a idolatria<br />
a Amália Rodrigues. Não era,<br />
afinal, apenas o seu editor francês na<br />
Calmann-Lévy. Em “Com que Voz”,<br />
doc<strong>um</strong>entário sobre Alain realizado<br />
pelo seu filho Nicholas Oulman, <strong>de</strong>scobre-se<br />
a história <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>homem</strong> que<br />
não queria ser contado e cujo nome<br />
tentou resguardar sempre da avi<strong>de</strong>z<br />
dos holofotes. Daí que Nicholas ache<br />
“chocante” que, em tantas horas que<br />
Alain e Amos estiveram lado a lado,<br />
comparando palavra a palavra as traduções<br />
para francês dos textos do<br />
israelita, nunca o seu pai tenha aproveitado<br />
<strong>um</strong>a pausa para <strong>um</strong> cigarro<br />
ou <strong>um</strong> café para <strong>de</strong>ixar escapar <strong>um</strong><br />
“‘Olha, nunca te disse, mas sabes que<br />
também faço música?’”.<br />
Nicholas tem <strong>um</strong> nome para isto<br />
– compartimentação. E é <strong>um</strong>a das<br />
revelações que “Com que Voz” trouxe<br />
ao filho realizador: “Como é que<br />
<strong>um</strong>a pessoa consegue compartimentar<br />
tanto a vida? Não sabia que isto<br />
era tão drástico”. Ou seja, no máximo<br />
da sua reserva, Alain dividia <strong>de</strong> forma<br />
tão rigorosa cada área da sua vida,<br />
que só se permitia mostrar <strong>um</strong>a das<br />
suas facetas a quem tinha <strong>de</strong> lidar directamente<br />
como ela. Era <strong>um</strong>a postura<br />
quase geométrica: se alguém se<br />
colocar junto a <strong>um</strong>a pirâmi<strong>de</strong>, <strong>de</strong>la<br />
não terá outra imagem que não a do<br />
lado escolhido. Talvez que, como o<br />
filme <strong>de</strong> Nicholas sugere, alg<strong>um</strong>a coisa<br />
<strong>de</strong>sta postura provenha da pressão<br />
que subitamente recaiu sobre si após<br />
a morte do seu irmão mais velho, José.<br />
Até aí <strong>um</strong> espírito livre, com o irmão<br />
<strong>de</strong>stinado a prosseguir os negócios<br />
do pai em <strong>Lisboa</strong>, Alain tinha<br />
estudado música na Suíça, começado<br />
a compor, partido para Nova Iorque<br />
e ficado absolutamente fascinado<br />
com o jazz.<br />
José, que ouvira nas palavras do<br />
general De Gaulle <strong>um</strong> chamamento<br />
com reverberação interior, alistou-se<br />
na Royal Air Force com o <strong>de</strong>sígnio <strong>de</strong><br />
libertar a Europa do jugo nazi, e n<strong>um</strong><br />
voo picado em 1944 <strong>de</strong>spenhou-se em<br />
solo holandês. Alain foi então chamado<br />
a vir para <strong>Lisboa</strong>, <strong>de</strong>ixando a sua<br />
vida e ass<strong>um</strong>indo a do irmão. Mas<br />
houve sempre <strong>um</strong>a recusa <strong>de</strong>ste papel.<br />
E enquanto passava os dias no<br />
escritório da empresa familiar, em<br />
<strong>Lisboa</strong>, <strong>de</strong> auscultador colado ao ouvido<br />
a tratar <strong>de</strong> assuntos relacionados<br />
com carvão, cereais ou café, ao lado<br />
da pesada papelada burocrática <strong>de</strong>stacavam-se<br />
outras folhas on<strong>de</strong> a sua<br />
mão caía repetidamente. As pautas,<br />
on<strong>de</strong> rabiscava notas todo o dia, permitiam-lhe<br />
a fuga constante ao fado<br />
dinástico que parecia cercá-lo. O outro<br />
fado, aquele que havia <strong>de</strong> confundir-se<br />
com a voz <strong>de</strong> Amália, cons<strong>um</strong>irlhe-ia<br />
a criativida<strong>de</strong> durante os anos<br />
seguintes, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter dirigido teatro<br />
nos Lisbon Players (on<strong>de</strong> conheceu<br />
Felicity Serra, a mulher) e, mais<br />
tar<strong>de</strong> Eunice Muñoz e João Perry em<br />
“The Rainmaker” <strong>de</strong> Richard Nash.<br />
Depois, Amália começa a revolução:<br />
canta Camões, canta Alexandre<br />
Lá na sombra, era Alain<br />
“Com que Voz”, fi lme <strong>de</strong> Nicholas Oulman sobre o pai Alain Oulman, estreou-se ontem. Tempo para c<br />
mudou o fado e Amália, mas que foi também encenador, editor <strong>de</strong> Amos Oz e dono <strong>de</strong> <strong>um</strong> magnetis m
O’Neil, canta David Mourão-Ferreira,<br />
canta o disco “Busto” (1962), <strong>um</strong> assombro<br />
interpretativo com o piano<br />
intrometido n<strong>um</strong>a fórmula que até<br />
então era musicalmente mais limitada.<br />
Os poetas, foi Alain que os levou<br />
a Amália; as músicas também. Quando<br />
a polémica estalou, Amália teve <strong>de</strong><br />
respon<strong>de</strong>r pela ‘heresia’ <strong>de</strong> cantar<br />
Camões e <strong>de</strong> confiar a mais portuguesa<br />
das músicas a <strong>um</strong> compositor estrangeiro.<br />
“Que eu saiba o Alain não<br />
é estrangeiro; que eu saiba nasceu no<br />
Dafundo”, respon<strong>de</strong>u na RTP.<br />
<strong>Lisboa</strong>-Paris<br />
-Nova Iorque-<strong>Lisboa</strong><br />
Nicholas Oulman viveu com o pai dos<br />
onze aos <strong>de</strong>zoito anos, em Paris. Depois<br />
<strong>de</strong> ter sido preso pela PIDE,<br />
Alain foi libertado com <strong>um</strong> consi<strong>de</strong>rável<br />
esforço diplomático e <strong>de</strong>portado.<br />
De certa forma, <strong>de</strong>scobriu aí <strong>um</strong>a<br />
nova liberda<strong>de</strong>, e seguiu sozinho para<br />
França, <strong>de</strong>ixando a família em Portugal<br />
e <strong>de</strong>dicando-se obcecadamente<br />
à editora literária Calmann-Lévy, casa<br />
<strong>de</strong> autores como Amos Oz, Patricia<br />
Highsmith ou Chaterine Clément, e<br />
pela qual foi publicado em pleno Estado<br />
Novo o livro <strong>de</strong> Mário Soares<br />
“Portugal Bailloné” (“Portugal Amordaçado”).<br />
Foi lá que viveu até à morte<br />
aos 61 anos (1990), chegada quando<br />
Nicholas se iniciava nas artes dos<br />
filmes. Em 1993, Nicholas partiu para<br />
Nova Iorque para estudar cinema e<br />
por lá andou, a realizar “<strong>um</strong>as curtasmetragens<br />
nos Estados Unidos, aquelas<br />
coisas que <strong>um</strong>a pessoa quando<br />
pensa que vai ser o próximo não sei<br />
quantos…”.<br />
Regressou a Portugal em 2002 e<br />
quando preparava o arg<strong>um</strong>ento para<br />
a sua primeira longa foi abordado pelo<br />
Museu do Fado para saber da existência<br />
<strong>de</strong> materiais que ajudassem a<br />
montar <strong>um</strong>a exposição sobre o pai.<br />
“Quando o meu pai faleceu muitas<br />
das coisas foram postas em caixotes,<br />
andámos <strong>de</strong> <strong>um</strong> país para o outro,<br />
<strong>de</strong>pois estive <strong>de</strong>z anos em Nova Ior-<br />
a conhecer o compositor que e<br />
s mo raro. Gonçalo Frota<br />
que... Sabia que existiam certas coisas,<br />
mas estava tudo <strong>de</strong>sorganizado”.<br />
Ao fazer esse trabalho <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencaixotamento,<br />
Nicholas <strong>de</strong>scobriu <strong>um</strong> filme<br />
a <strong>de</strong>senhar-se por moto próprio à sua<br />
frente, ao ser confrontado “com todas<br />
as áreas <strong>de</strong> que tinha ouvido falar como<br />
filho e não como pessoa do outro<br />
lado da barreira”. Como pai, recorda<br />
Nicholas, Alain “não era <strong>um</strong>a pessoa<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s conversas, era <strong>um</strong> trabalhador,<br />
‘workaholic’, e nunca falava<br />
muito daquilo que fazia”.<br />
Mas nesse processo, Nicholas percebeu<br />
logo que a sua maior dificulda<strong>de</strong><br />
seria contar a história do pai quando<br />
ele se esquivava espantosamente<br />
<strong>de</strong> todos os momentos públicos. “Como<br />
o meu pai estava sempre em segundo<br />
plano, sabia que não ia haver<br />
muita coisa, mas na verda<strong>de</strong> não encontrei<br />
absolutamente nada”. Foi <strong>um</strong><br />
mergulho nos arquivos em seco, sem<br />
nada que o amparasse. Por isso, “Com<br />
que Voz” vai levantando o véu sobre<br />
Alain Oulman, <strong>de</strong>sembocando n<strong>um</strong>a<br />
cena final que, para Nicholas, é o <strong>de</strong>sfecho<br />
inevitável, Alain <strong>de</strong> súbito em<br />
voz e imagem, n<strong>um</strong> ensaio com Amália,<br />
que <strong>de</strong>snuda n<strong>um</strong> par <strong>de</strong> minutos<br />
“a relação <strong>de</strong> trabalho, amiza<strong>de</strong>, admiração<br />
e respeito” entre os dois.<br />
Confortável com o facto <strong>de</strong> o perí-<br />
odo retratado maioritariamente no<br />
doc<strong>um</strong>entário ntário respeitar a <strong>um</strong><br />
tempo que, ue, como filho,<br />
Nicholas não viveu – nas- nascido<br />
em 1967 e tendo<br />
passado toda a Infância<br />
a<br />
em Portugal, ugal, via esporadicamenteente<br />
o pai até<br />
ir viver com om ele em Paris<br />
no final al dos anos<br />
s<br />
70 –, Nicholas holas sabia<br />
que tinha a aí <strong>um</strong>a<br />
<strong>de</strong>fesa para ara evitar<br />
<strong>um</strong>a terrível errível<br />
armadilha: ha: a<br />
<strong>de</strong> “fazer er<br />
<strong>um</strong> filme e<br />
simplesmente<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
Nicholas Oulman viveu com<br />
o pai dos onze aos <strong>de</strong>zoito anos,<br />
em Paris<br />
Filho <strong>de</strong> <strong>um</strong> filho sobre o Pai?<br />
Nicholas diz que é, antes, <strong>um</strong><br />
filme sobre a vida <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
pessoa e as escolhas que ela<br />
teve <strong>de</strong> fazer<br />
filho sobre o pai”. O que queria era<br />
contar a vida <strong>de</strong> <strong>um</strong>a pessoa e as escolhas<br />
que esta teve <strong>de</strong> fazer. Para<br />
isso, foi fundamental a presença da<br />
mãe em frente às câmaras, único garante<br />
<strong>de</strong> que “Com que Voz” não se<br />
tornaria <strong>um</strong>a peça <strong>de</strong> glorificação,<br />
fazendo Alain h<strong>um</strong>ano aos olhos do<br />
público. “Se fosse <strong>um</strong> filme <strong>de</strong> glorificação,<br />
passados <strong>de</strong>z minutos já estava<br />
toda a gente farta. Sem entrar em<br />
intimida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vassas, era importante<br />
mostrar também o lado h<strong>um</strong>ano. É a<br />
história <strong>de</strong> <strong>um</strong>a pessoa, que fez coisas<br />
boas e menos boas; se calhar há quem<br />
tenha sofrido pelas escolhas que ele<br />
fez. Só mostrar as qualida<strong>de</strong>s tornálo-ia<br />
sobre-h<strong>um</strong>ano”.<br />
Daí que se oiça Felicity confessar<br />
que talvez ele nunca se <strong>de</strong>vesse ter<br />
casado ou ter filhos, n<strong>um</strong>a sequência<br />
que tanto po<strong>de</strong> ser justificada pela<br />
frequente ausência da vida familiar<br />
<strong>de</strong>vido aos obsessivos períodos criativos,<br />
como também <strong>de</strong>ixa no ar <strong>um</strong>a<br />
ambiguida<strong>de</strong> relativamente à sexualida<strong>de</strong><br />
do compositor. Nicholas nega<br />
a intenção, mas diz que a interpretação<br />
lhe passou igualmente pela cabeça<br />
na montagem e preferiu não a subtrair.<br />
Não passando <strong>de</strong> <strong>um</strong>a coincidência,<br />
o filho lembra que na vida com<strong>um</strong><br />
que tiveram em Paris Alain “trabalhava<br />
e às sextas-feiras normalmente<br />
havia <strong>um</strong> jantar com autores, pessoas<br />
com quem trabalhava ou elementos<br />
<strong>de</strong> júris <strong>de</strong> prémios literários que era<br />
preciso cortejar”. “Havia essas tertúlias<br />
lá em casa, <strong>de</strong>pois eles saíam, eu<br />
ficava em casa, e aí já não sei o que<br />
acontecia”. As interpretações estão<br />
aí para ser feitas e, para seu espanto,<br />
há quem lhe tenha dito que este não<br />
é <strong>um</strong> filme sobre Alain Oulman, mas<br />
sim sobre mulheres abandonadas:<br />
Felicity e Amália.<br />
É provável que para o escasso público<br />
para quem o nome <strong>de</strong> Alain Oulman<br />
soasse já familiar, “Com que Voz”<br />
seja na mesma <strong>um</strong>a enorme <strong>de</strong>scoberta.<br />
Para Nicholas, no entanto, não<br />
mudou nada <strong>de</strong> relevante na imagem<br />
que tem do pai. Na sua memória, virão<br />
sempre em primeiro lugar as discus-<br />
sões que tiveram quando Alain lhe<br />
chamava ch c amava a atenção para alg<strong>um</strong>a<br />
coisa co c isa ou o dia em que, aos 13<br />
anos, an anos, o pai lhe passou pela primeirame<br />
m ira vez o volante do carro<br />
para pa para as mãos.<br />
Ver Ve Ver crítica <strong>de</strong> filmes págs.<br />
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Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 17
Poetas a quem o<br />
ensinou a<br />
A poesia portuguesa em diálogo com o movimento das imagens do cinema. O cinema “faz parte<br />
nenh<strong>um</strong> momento em que não me lembro <strong>de</strong> não ter visto fi lmes”, diz-nos José Miguel Silva, <strong>um</strong><br />
“Poemas com Cinema”. Francisco Valente<br />
“Persona” e<br />
“Lágrimas e<br />
Suspiros”, <strong>de</strong><br />
Ingmar<br />
Bergman<br />
“Morreu a mais bela mulher do mundo”,<br />
escreveu Ruy Belo sobre Marilyn<br />
Monroe, para quem pediu “em<br />
vez <strong>de</strong> marilyn dizer mulher”. A eternida<strong>de</strong><br />
da imagem <strong>de</strong> Marilyn, superior<br />
à mortalida<strong>de</strong> da vida, encontrava<br />
também caminho no movimento<br />
da poesia <strong>de</strong> Ruy Belo, on<strong>de</strong><br />
viveria ainda o calor da imagem <strong>de</strong><br />
Natalie Wood (“eu sei que <strong>de</strong>anie<br />
loomis não existe/mas entre as mais<br />
essa mulher caminha/e a sua evolução<br />
segue <strong>um</strong>a linha/que à imaginação<br />
pura resiste”).<br />
Em “Poemas com Cinema” (Assírio<br />
& Alvim) é-nos proposto <strong>um</strong> olhar<br />
sobre esses caminhos: a poesia portuguesa<br />
em diálogo com o movimento<br />
das imagens do cinema. “Queríamos<br />
lançar pistas para <strong>um</strong>a reflexão<br />
sem dar <strong>um</strong>a leitura teórica”, diz<br />
Rosa Maria Martelo, co-organizadora<br />
da antologia. “A estrutura da antologia,<br />
no fundo, remete para essas<br />
pistas.” O resultado é <strong>um</strong> trabalho<br />
inédito na edição portuguesa: <strong>um</strong><br />
livro exclusivamente centrado na<br />
poesia portuguesa e nos seus pontos<br />
<strong>de</strong> contacto com outra forma <strong>de</strong> escrita<br />
— a das imagens e da sua montagem.<br />
“Conhecíamos alg<strong>um</strong>as antologias<br />
mas não havia <strong>um</strong>a para a<br />
poesia portuguesa”, diz Martelo,<br />
“achámos que po<strong>de</strong>ria ser interessante<br />
ver como a situação se equacionava”.<br />
O ponto <strong>de</strong> partida é “<strong>um</strong><br />
texto <strong>de</strong> Herberto Hel<strong>de</strong>r que faz<br />
<strong>um</strong>a reflexão entre a poesia <strong>de</strong> tradição<br />
mo<strong>de</strong>rna e o cinema”, afirma.<br />
“Era a sua i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> território partilhado<br />
que nos interessava pôr em<br />
evidência, e esse território pren<strong>de</strong>-se<br />
muito com a tradição mo<strong>de</strong>rna: a da<br />
poesia da imagem.”<br />
Um refl exo da vida<br />
A associação entre cinema e poesia<br />
resultará, no fundo, do fascínio mútuo<br />
pela projecção <strong>de</strong> imagens, espelhada<br />
na montagem dos versos e planos<br />
<strong>de</strong> cada <strong>um</strong>a das formas <strong>de</strong> expressão.<br />
“Poemas com Cinema”<br />
sugere, em primeiro plano, <strong>um</strong>a relação<br />
dos poetas com o cinema como<br />
fonte <strong>de</strong> inspiração emocional. “O<br />
cinema é <strong>um</strong>a experiência emocional<br />
e intelectual pelos <strong>de</strong>safios que coloca,<br />
<strong>um</strong>a interpelação que po<strong>de</strong> motivar<br />
a escrever”, diz José Miguel Silva<br />
(n. 1969). “Faz parte do ar que<br />
respiramos. Não houve nenh<strong>um</strong> mo-<br />
18 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
Armando Silva Carvalho<br />
poeta e tradutor dos livros <strong>de</strong> Ingmar<br />
Bergman “Lágrimas e Suspiros,<br />
seguido <strong>de</strong> Persona e Dependência” e<br />
“Fanny e Alexandre”<br />
“Fui para o cinema <strong>de</strong> calções, vi muita coboiada e<br />
gozei que nem <strong>um</strong> bruto com a veloz realida<strong>de</strong> das<br />
fitas, ensinaram-me a ver o mundo para lá do<br />
salazarento à minha volta”. Antes da faculda<strong>de</strong>,<br />
via imagens pelo cinema ambulante, “medíocres<br />
filmes <strong>de</strong> cobóis e melosos xaropes com Milu e<br />
António Silva”, até se <strong>de</strong>dicar ao “filme <strong>de</strong> autor,<br />
Fellini ou Bergman, e alg<strong>um</strong>a ‘nouvelle vague’ que<br />
me passou por cima.”
cinema<br />
a ver<br />
do ar que respiramos. Não houve<br />
dos poetas da antologia<br />
“Nostalgia”<br />
e “Stalker”, <strong>de</strong><br />
Tarkovsky<br />
mento em que não me lembro <strong>de</strong> não<br />
ter visto filmes.”<br />
O poeta, incluído na antologia, é<br />
dos exemplos mais marcantes da presença<br />
do cinema na poesia portuguesa,<br />
<strong>um</strong>a escrita que chama as experiências<br />
vividas nas salas. “Um dos<br />
primeiros cineastas que me interessou<br />
foi Tarkovsky, com ‘Nostalgia’<br />
(1983) e ‘Stalker’ (1979). Na minha<br />
adolescência, foi marcante. Podia ser<br />
comparado às gran<strong>de</strong>s obras literárias:<br />
a lentidão, o cuidado com a<br />
composição das imagens. Foi <strong>um</strong>a<br />
revolução.” Hoje evoca John Cassavetes<br />
como referência. “‘Maridos’<br />
(1972) provocou-me <strong>um</strong>a comoção<br />
muito gran<strong>de</strong>: pessoas comuns n<strong>um</strong>a<br />
noite <strong>de</strong> farra, com conversas banais,<br />
com quem não teríamos dificulda<strong>de</strong>s<br />
em falar ou adoptar <strong>um</strong>a perspectiva<br />
diferente para os abordar. Acabou<br />
por ser <strong>um</strong> filme chave na minha estética.”<br />
Armando Silva Carvalho (n. 1938),<br />
poeta e tradutor dos livros <strong>de</strong> Ingmar<br />
Bergman (“Lágrimas e Suspiros, se-<br />
José Miguel Silva<br />
“Um dos primeiros cineastas<br />
que me interessou foi<br />
Tarkovsky, com ‘Nostalgia’<br />
(1983) e ‘Stalker’ (1979). Na<br />
minha adolescência, foi<br />
marcante. Podia ser<br />
comparado às gran<strong>de</strong>s obras<br />
literárias: a lentidão, o cuidado<br />
com a composição das<br />
imagens. Foi <strong>um</strong>a revolução.”<br />
guido <strong>de</strong> Persona e Dependência” e<br />
“Fanny e Alexandre”, ed. Assírio &<br />
Alvim), evoca o cinema como <strong>um</strong>a<br />
<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> <strong>um</strong> mundo para além<br />
da sua realida<strong>de</strong>. “Fui para o cinema<br />
<strong>de</strong> calções, vi muita coboiada e gozei<br />
que nem <strong>um</strong> bruto com a veloz realida<strong>de</strong><br />
das fitas, ensinaram-me a ver o<br />
mundo para lá do salazarento à minha<br />
volta”. Antes da faculda<strong>de</strong>, via imagens<br />
pelo cinema ambulante, “medíocres<br />
filmes <strong>de</strong> cobóis e melosos xaropes<br />
portugueses com Milu e António<br />
Silva”, até se <strong>de</strong>dicar, em <strong>Lisboa</strong>,<br />
ao “filme <strong>de</strong> autor, Fellini ou Bergman,<br />
e alg<strong>um</strong>a ‘nouvelle vague’ que<br />
me passou por cima.” A sua experiência<br />
no cinema enquanto “arg<strong>um</strong>entista<br />
profissional” assim como junto<br />
à mesa <strong>de</strong> montagem ajudaram-no “a<br />
cortar metodicamente no tempo para<br />
conseguir a síntese na escrita.”<br />
Pedro Mexia (n. 1972) também viveu<br />
com o cinema na escrita e na sua<br />
vida profissional. O universo do poeta,<br />
ex-subdirector da Cinemateca e<br />
tradutor <strong>de</strong> “Notas sobre o Cine-<br />
www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv<br />
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Rui Horta<br />
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Rui Horta<br />
coreografia<br />
Rui Horta, em conjunto<br />
com todos os intérpretes<br />
textos<br />
Rui Horta<br />
Tiago Rodrigues<br />
música e direcção musical<br />
João Lucas<br />
assistente do coreógrafo<br />
Anabelle Bonnery<br />
interpretação<br />
Gilles Baron<br />
Katarzyna Sitarz<br />
Marcus Bal<strong>de</strong>mar<br />
Milán Újvári<br />
Noemí Viana Garcia<br />
Silvia Bertoncelli<br />
Vít Barták<br />
músicos<br />
Anthony Wheeldon<br />
(guitarra e electrónica)<br />
DJ Ri<strong>de</strong><br />
(turntable e electrónica)<br />
Marco Santos<br />
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Paulo Temeroso<br />
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Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 19<br />
fotografia Zsófia Gergely, <strong>de</strong>sign Joana Monteiro
Pedro Mexia<br />
“Um dos meus filmes preferidos é ‘Paris, Texas’<br />
(1984). A questão que põe sobre o casal... Acho que<br />
não tenho escrito sobre outra coisa”<br />
“Paris Texas”,<br />
<strong>de</strong> Wim<br />
Wen<strong>de</strong>rs, e<br />
“Pickpocket”,<br />
<strong>de</strong> Robert<br />
Bresson<br />
matógrafo” <strong>de</strong> Robert Bresson “foi<br />
formado por alguns filmes”, diz-nos.<br />
“No caso <strong>de</strong> Bresson, o impacto é<br />
nítido: são filmes que têm muita importância,<br />
por razões estéticas e não<br />
só. Não posso negar que o seu catolicismo<br />
me interessa.” Para Mexia,<br />
o cinema é também <strong>um</strong>a experiência<br />
emocional, à semelhança do que po<strong>de</strong>rá<br />
alimentar a inspiração da escrita.<br />
“Vemos filmes que nos dizem<br />
muito pela altura em que os vimos,<br />
o que não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser poético. Lembro-me<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> filme do qual tinha<br />
<strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia sublime: ‘Verão <strong>de</strong> 42’ <strong>de</strong><br />
Robert Mulligan, a <strong>de</strong>scoberta da<br />
sexualida<strong>de</strong> com Jennifer O’Neill. Na<br />
altura, teve <strong>um</strong> impacto brutal, e não<br />
<strong>de</strong>sprezo o impacto <strong>de</strong> filmes menos<br />
bons. Gosto muito do lado emotivo<br />
do cinema em que a estética não é<br />
tudo.” O poeta vê ainda paralelos na<br />
sua escrita. “Um dos meus filmes<br />
preferidos é ‘Paris, Texas’ (1984). A<br />
questão que põe sobre o casal...<br />
Acho que não tenho escrito sobre<br />
outra coisa.”<br />
Um movimento para a escrita<br />
Para além <strong>de</strong>sse fascínio, coloca-se a<br />
questão sugerida pelos últimos capítulos<br />
da antologia: <strong>um</strong>a influência do<br />
cinema que abre novos caminhos na<br />
escrita poética. No fundo, <strong>um</strong>a montagem<br />
<strong>de</strong> imagens no ecrã que intervém,<br />
pelo trabalho do autor, na montagem<br />
dos seus versos e na projecção<br />
das suas palavras. Segundo Rosa Maria<br />
Martelo, “a relação entre a poesia<br />
e visualida<strong>de</strong> é muito importante na<br />
construção da i<strong>de</strong>ia mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> poesia,<br />
como no fascínio pela velocida<strong>de</strong><br />
e movimento. A captação <strong>de</strong>ste e<br />
a relação com a imagem coloca-se <strong>de</strong><br />
maneira muito forte, e tanto a poesia<br />
como o cinema respon<strong>de</strong>m a isso.”<br />
Pedro Mexia lembra o espírito <strong>de</strong><br />
contaminação das artes no século XX.<br />
“As primeiras obras-primas do cinema<br />
a serem discutidas começam com<br />
Griffith em 1917. Em 1922, temos ‘The<br />
Waste Land’ <strong>de</strong> T.S. Elliot, em que a<br />
montagem <strong>de</strong> referências é <strong>um</strong> exercício<br />
intensíssimo <strong>de</strong> citações e influências<br />
culturais.” Com o surrealismo<br />
vem o surgimento da “gran<strong>de</strong> escola”,<br />
adaptações <strong>de</strong> poetas (Robert<br />
20 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
Desnos, Antonin Artaud) dominadas<br />
por “<strong>um</strong>a lógica do insólito e da associação”.<br />
Mais tar<strong>de</strong>, surgem artistas<br />
multifacetados como Jean Cocteau,<br />
que “dividiu a sua obra completa em<br />
poesia para teatro ou para cinema”,<br />
ou Pasolini, que explorou a verbalida<strong>de</strong><br />
na poesia e cinema. Em Portugal,<br />
afirma Mexia, “vemos ‘Trás-os-<br />
Montes’ (1976) <strong>de</strong> António Reis e não<br />
estranhamos aquela pessoa ter escrito<br />
poesia.”<br />
Joana Matos Frias, co-organizadora<br />
da antologia, esclarece que “entre poesia<br />
e cinema, como com outra arte,<br />
não existe tradução ou a sua possibilida<strong>de</strong>”,<br />
mas “<strong>um</strong> processo <strong>de</strong> metamorfose<br />
que po<strong>de</strong> ter consequências<br />
distintas.” Na antologia, essa mutação<br />
existe em Herberto Hel<strong>de</strong>r ou Manuel<br />
Gusmão, on<strong>de</strong> “a relação com o cinema<br />
é estruturante da sua própria poética,<br />
mas o modo como cada <strong>um</strong> po<strong>de</strong><br />
pensá-la é único.”<br />
Para Manuel Gusmão (n. 1945),<br />
“vários filmes” passam na sua poesia:<br />
“‘A Fera H<strong>um</strong>ana’ (1938) <strong>de</strong> Renoir<br />
ou ‘Johnny Guitar’ (1954) <strong>de</strong><br />
Nicholas Ray, com importação <strong>de</strong><br />
frases que sei hoje <strong>de</strong> cor”, diz-nos.<br />
“É por associação às imagens do cinema<br />
que monto a minha biografia.<br />
‘Deus Sabe Quanto Amei’ [Minnelli,<br />
1958] surge relacionado com acontecimentos<br />
da minha vida afectados<br />
pelo filme que trato <strong>de</strong> contar [no<br />
poema].” O poeta ass<strong>um</strong>e, <strong>de</strong>ste modo,<br />
o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> montagem pessoal a<br />
partir das imagens dos outros. “O<br />
que me interessa na narrativa e na<br />
imagem cinematográfica, e como<br />
maneira para transpor para a poesia,<br />
é a alucinação. Interessa-me fazer<br />
narrativas com a montagem das imagens<br />
do cinema.”<br />
Na antologia, Gusmão cria o seu<br />
movimento poético a partir <strong>de</strong> “Crónica<br />
<strong>de</strong> Ana Madalena Bach” (1968)<br />
<strong>de</strong> Jean-Marie Straub e cruza as suas<br />
memórias <strong>de</strong> “O Herói Sacrílego”<br />
(1955) <strong>de</strong> Kenji Mizoguchi com “Rapsódia<br />
em Agosto” (1991) <strong>de</strong> Kurosawa.<br />
“É a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> montagem entre<br />
realizadores diferentes, e em poesia<br />
isso é a possibilida<strong>de</strong> da citação.” A<br />
experiência <strong>de</strong> visionamento e memória<br />
toma as imagens dos filmes,<br />
pela sua escrita, como já suas. “Muitas<br />
vezes, não tenho a certeza <strong>de</strong> como é<br />
<strong>um</strong>a imagem no filme, e sei que há<br />
casos em que a modifiquei. O que me<br />
interessa é essa modificação.” O jogo<br />
<strong>de</strong> citação, para Gusmão, é fonte <strong>de</strong><br />
criação para o “fazer da linguagem”,<br />
<strong>um</strong> ponto com<strong>um</strong> entre as duas expressões<br />
artísticas. “Godard joga muito<br />
com elementos do jogo <strong>de</strong> palavras<br />
quando fala, por exemplo, <strong>de</strong> ‘fauxtographie’<br />
[“falsa-tografia”, “Fim-<strong>de</strong>-<br />
Semana”, 1967]. Isso é <strong>um</strong> exercício<br />
poético: recorrer a algo da linguagem<br />
verbal ou à manipulação retórica da<br />
linguagem no cinema.”<br />
Os diálogos entre o cinema e a poesia<br />
revelam, assim, <strong>um</strong>a inspiração<br />
pela projecção das suas imagens que<br />
nos ensina a ver melhor. Como escreveu<br />
Ruy Belo, “poemas on<strong>de</strong> o cinema<br />
me ensinou a ver”. Ou Godard,<br />
fechando “Pedro o Louco” (1965)<br />
com versos <strong>de</strong> Rimbaud, encontrando<br />
a eternida<strong>de</strong> na junção do sol com<br />
o mar.<br />
“Crónica <strong>de</strong><br />
Ana Madalena<br />
Bach”, <strong>de</strong><br />
Straub,<br />
“Johnny<br />
Guitar”, <strong>de</strong><br />
Nicholas Ray<br />
e “Deus Sabe<br />
Quanto Amei”,<br />
<strong>de</strong> Minnelli<br />
Manuel Gusmão<br />
“Vários filmes” passam na sua poesia: “‘A Fera<br />
H<strong>um</strong>ana’ (1938) <strong>de</strong> Renoir ou ‘Johnny Guitar’ (1954)<br />
<strong>de</strong> Nicholas Ray, com importação <strong>de</strong> frases que sei<br />
hoje <strong>de</strong> cor. É por associação às imagens do cinema<br />
que monto a minha biografia. ‘Deus Sabe Quanto<br />
Amei’ [Minnelli, 1958] surge relacionado com<br />
acontecimentos da minha vida afectados pelo filme<br />
que trato <strong>de</strong> contar [no poema].”
Stieg<br />
por Eva<br />
A companheira do escritor Stieg Larsson,<br />
Eva Gabrielsson, publicou as suas memórias.<br />
Um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vingança mais do que gran<strong>de</strong>s<br />
revelações Isabel Coutinho<br />
O último Verão que Eva Gabrielsson<br />
passou com o seu companheiro, o<br />
escritor sueco Stieg Larsson, foi diferente<br />
dos outros. Finalmente, o casal<br />
tinha tempo <strong>um</strong> para o outro. Stieg<br />
assinara o contrato para a publicação<br />
<strong>de</strong> três livros da série “Millenni<strong>um</strong>” e<br />
estava feliz. Nessas férias os dois visitaram<br />
amigos e alugaram <strong>um</strong>a cabana<br />
no arquipélago <strong>de</strong> Estocolmo. No final<br />
do mês <strong>de</strong> Agosto, em que Stieg fez<br />
50 anos, o escritor disse timidamente<br />
à arquitecta com quem vivia há 32<br />
anos: “E se nos casássemos agora?”.<br />
Combinaram então que, no Outono,<br />
fariam <strong>um</strong>a festa para comemorarem<br />
os 50 anos. Chamariam os amigos<br />
e, no final, revelariam que se tratava<br />
da festa <strong>de</strong> casamento. “Des<strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a viagem que fizemos a <strong>Lisboa</strong>, em<br />
2001, guardávamos para a festa dos<br />
nossos 50 anos <strong>um</strong>a garrafa <strong>de</strong> vinho<br />
do Porto ‘Quinta Noval 1976’. Contudo<br />
não tivemos tempo, nem para o<br />
casamento, nem para a festa. Esta<br />
garrafa aparece no segundo vol<strong>um</strong>e<br />
<strong>de</strong> ‘Millenni<strong>um</strong>’, no apartamento novo<br />
<strong>de</strong> Lisbeth Salan<strong>de</strong>r. A garrafa está<br />
agora na minha cozinha. Nunca a irei<br />
abrir”, escreve Eva Gabrielsson em<br />
“Milléni<strong>um</strong> - Stieg et moi”, livro <strong>de</strong><br />
memórias publicado a semana passada,<br />
em França, pela editora Actes Sud.<br />
Escrito pela viúva <strong>de</strong> Stieg, com a ajuda<br />
da jornalista francesa Marie-Françoise<br />
Colombani, a obra conta a sua<br />
versão dos acontecimentos que viveu<br />
<strong>de</strong>pois da morte do escritor, em 2004,<br />
e fala da sua indignação quando se<br />
viu confrontada com a lei da sucessão<br />
sueca. Quando não há testamento, os<br />
her<strong>de</strong>iros são os familiares mais próximos,<br />
neste caso o irmão e o pai <strong>de</strong><br />
Stieg.<br />
Tudo teria sido diferente se, naquele<br />
Outono, Stieg e Eva se tivessem casado.<br />
O escritor morreu a 9 <strong>de</strong> Novembro,<br />
n<strong>um</strong> hospital <strong>de</strong> Estocolmo,<br />
na sequência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a crise cardíaca:<br />
sentiu-se mal ao subir as escadas do<br />
edifício on<strong>de</strong> trabalhava, a redacção<br />
Ao ritmo a que vão<br />
as coisas, escreve Eva,<br />
não ficará admirada<br />
se <strong>um</strong> dia <strong>de</strong>parar<br />
com o nome<br />
do companheiro<br />
n<strong>um</strong>a garrafa <strong>de</strong><br />
cerveja, n<strong>um</strong> pacote<br />
<strong>de</strong> café ou a dar nome<br />
a <strong>um</strong> carro<br />
da revista “Expo”. Eva estava noutra<br />
cida<strong>de</strong>. Quando chegou o companheiro<br />
estava morto. Nas memórias conta<br />
com pormenor o que se passou nesses<br />
dias, nos meses e nos anos seguintes.<br />
Os direitos já foram vendidos para<br />
<strong>de</strong>zanove países mas ainda não foram<br />
adquiridos para Portugal.<br />
Vingança<br />
“Milléni<strong>um</strong> - Stieg et moi” tem cerca<br />
<strong>de</strong> 200 páginas e não nos revela nada<br />
<strong>de</strong> muito surpreen<strong>de</strong>nte. Embora Eva<br />
conte <strong>de</strong> forma estruturada e, por vezes,<br />
<strong>de</strong>talhada, o que se passou na sua<br />
vida antes e <strong>de</strong>pois da morte <strong>de</strong> Stieg<br />
Larsson, já contou gran<strong>de</strong> parte do<br />
que ali é <strong>de</strong>scrito em entrevistas, nomeadamente<br />
naquela que <strong>de</strong>u ao ípsilon,<br />
em Estocolmo, o ano passado<br />
(edição <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> Abril 2010). A novida<strong>de</strong><br />
é a publicação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a carta que<br />
Stieg escreveu antes <strong>de</strong> partir para<br />
África, em 1977, e que ela só encontrou<br />
<strong>de</strong>pois da sua morte; a transcrição dos<br />
diários <strong>de</strong> Eva dos últimos anos on<strong>de</strong><br />
assistimos, passo a passo, ao processo<br />
<strong>de</strong> ruptura entre ela e a família <strong>de</strong><br />
Stieg. Perpassa no livro <strong>um</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />
vingança e o relato <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cerimónia<br />
com textos da mitologia escandinava,<br />
que lhe serviu <strong>de</strong> terapia, é revelador<br />
da perturbação <strong>de</strong> Eva <strong>de</strong>pois da morte<br />
<strong>de</strong> Stieg e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter perdido tudo:<br />
até a esperança.<br />
No último capítulo Eva fala do quarto<br />
vol<strong>um</strong>e da série – o manuscrito que<br />
Larsson <strong>de</strong>ixou inacabado e que teria<br />
como título provisório “A Vingança<br />
<strong>de</strong> Deus” – mas não dá pormenores.<br />
Conta que no dia seguinte à morte <strong>de</strong><br />
Stieg, a irmã <strong>de</strong> Eva foi entregar a mochila<br />
do escritor na redacção da “Expo”.<br />
Esse saco continha a sua agenda,<br />
com o s<strong>um</strong>ário e <strong>de</strong>talhes da edição<br />
da revista que preparavam, e o computador<br />
portátil que pertencia à revista.<br />
Ali estavam os seus artigos, a<br />
correspondência, as suas investigações,<br />
os contactos das fontes, etc. “O<br />
quarto vol<strong>um</strong>e <strong>de</strong> Millenni<strong>um</strong> encontra-se<br />
aqui...talvez.”, escreve Eva.<br />
“Tem mais <strong>de</strong> duas centenas <strong>de</strong> páginas<br />
pois quando fomos para férias,<br />
no último Verão que passámos juntos,<br />
Stieg já tinha escrito mais <strong>de</strong> 160”, diz<br />
Eva, que arrisca afirmar que o seu<br />
companheiro talvez tenha conseguido<br />
escrever mais 50 páginas até ao dia<br />
em que morreu. “Não pretendo contar<br />
aqui a trama do quarto vol<strong>um</strong>e.<br />
Mas tenho vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> dizer que, neste<br />
livro, Lisbeth liberta-se pouco a<br />
pouco dos seus fantasmas e dos seus<br />
inimigos. Cada vez que ela se consegue<br />
vingar <strong>de</strong> <strong>um</strong>a pessoa que lhe fez<br />
mal, fisicamente ou psicologicamente,<br />
apaga a tatuagem que para ela representa<br />
essa pessoa. Enquanto os<br />
piercings correspon<strong>de</strong>m a <strong>um</strong> fenómeno<br />
<strong>de</strong> moda entre as pessoas da<br />
sua ida<strong>de</strong>, para Lisbeth as tatuagens<br />
são <strong>um</strong>a pintura <strong>de</strong> guerra”, lê-se na<br />
página 184.<br />
Eva conta que Stieg escreveu duas<br />
mil páginas em dois anos, “quase sem<br />
notas, sem pesquisa, a não ser em relação<br />
a pequenos <strong>de</strong>talhes, sem in-<br />
Tudo teria sido diferente<br />
se, naquele Outono, Stieg e Eva<br />
se tivessem casado<br />
vestigação”. Como é que isto foi possível?,<br />
pergunta. A explicação que dá<br />
é simples: “São as nossas vidas e os<br />
nossos 32 anos <strong>de</strong> vida em com<strong>um</strong><br />
que formam a base <strong>de</strong> dados <strong>de</strong>stes<br />
livros. São fruto da experiência <strong>de</strong><br />
Stieg, mas também da minha. Dos<br />
nossos combates, das nossas lutas,<br />
das nossas viagens, das nossas paixões,<br />
dos nossos medos... Estes livros<br />
são o puzzle das nossas vidas.”<br />
É por isso que Eva não consegue<br />
dizer o que é que nos livros vem <strong>de</strong>la<br />
ou do companheiro. Coloca-se sempre<br />
n<strong>um</strong>a posição ambígua. Tanto diz<br />
que Stieg gastou anos <strong>de</strong> trabalho em<br />
cada livro, como diz que tinham <strong>um</strong>a<br />
linguagem com<strong>um</strong>, escreveram várias<br />
ENCENAÇÃO e REALIZAÇÃO VÍDEO<br />
JOÃO LOURENÇO<br />
MÚSICA<br />
MAZGANI<br />
CENÁRIO<br />
ANTÓNIO CASIMIRO<br />
JOÃO LOURENÇO<br />
BERTOLT BRECHT<br />
ESTRUTURA PATROCINADA PELO<br />
APOIO<br />
vezes juntos. Conta também que em<br />
2005, o seu representante fez <strong>um</strong>a<br />
proposta ao pai e irmão <strong>de</strong> Stieg, os<br />
her<strong>de</strong>iros segundo a lei sueca, e à editora<br />
Norstedts, para que ela ficasse<br />
com a gestão dos direitos morais da<br />
obra <strong>de</strong> Stieg, <strong>de</strong> maneira a po<strong>de</strong>r trabalhar<br />
nos textos do companheiro e<br />
terminar o quarto vol<strong>um</strong>e. Os Larsson<br />
recusaram. Eva continua a lutar por<br />
ter esse direito. Não quer que o nome<br />
<strong>de</strong> Stieg Larsson continue a ser “<strong>um</strong>a<br />
indústria e <strong>um</strong>a marca”. Ao ritmo a<br />
que vão as coisas, escreve, não ficará<br />
admirada se <strong>um</strong> dia <strong>de</strong>parar com o<br />
nome do companheiro n<strong>um</strong>a garrafa<br />
<strong>de</strong> cerveja, n<strong>um</strong> pacote <strong>de</strong> café ou a<br />
dar nome a <strong>um</strong> carro.<br />
FIGURINOS<br />
BERNARDO MONTEIRO<br />
COREOGRAFIA<br />
CLÁUDIA NÓVOA<br />
SUPERVISÃO AUDIOVISUAL<br />
AURÉLIO VASQUES<br />
LUZ<br />
MELIM TEIXEIRA<br />
[ m/12 ]<br />
QUARTA A SÁBADO 21H30 DOMINGO-MATINÉE 16H00<br />
VERSÃO JOÃO LOURENÇO | VERA SAN PAYO DE LEMOS<br />
DRAMATURGIA VERA SAN PAYO DE LEMOS<br />
COM<br />
ANTÓNIO PEDRO LIMA | CÁTIA RIBEIRO<br />
CARLOS MALVAREZ | CRISTÓVÃO CAMPOS<br />
FRANCISCO PESTANA | JOÃO FERNANDEZ<br />
LUIS BARROS | MAFALDA LENCASTRE<br />
MAFALDA LUÍS DE CASTRO | MARTA DIAS<br />
MIGUEL GUILHERME | MIGUEL TAPADAS<br />
PATRÍCIA ANDRÉ | RUI MORISSON<br />
SARA CIPRIANO | SÉRGIO PRAIA<br />
SOFIA DE PORTUGAL<br />
VASCO SOUSA<br />
Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 21
FRANÇA<br />
22 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
Nanterre<br />
BURKINA FASO<br />
Bobo-Dioulasso<br />
ALEMANHA<br />
Berlim<br />
Palermo<br />
ITÁLIA<br />
Tel Aviv<br />
ISRAEL
“Third Generation”,<br />
Habimah National<br />
Theatre (Tel Aviv) /<br />
Schaubühne (Berlim)<br />
A dramaturga e encenadora<br />
israelita Yael Ronen tem feito<br />
sucessivas experiências <strong>de</strong><br />
cruzamento das narrativas<br />
i<strong>de</strong>ntitárias <strong>de</strong> Israel com<br />
histórias contíguas como a<br />
da Palestina, da Alemanha e<br />
da Polónia. “Third<br />
Generation” é a última <strong>de</strong>ssas<br />
experiências.<br />
“Shakespeare Salvato<br />
dai Ragazzini”, Teatro<br />
Garibaldi alla Kalsa<br />
(Palermo)<br />
O Teatro Garibaldi investe na<br />
produção <strong>de</strong> textos clássicos<br />
com <strong>um</strong> elenco formado por<br />
adolescentes da burguesia e<br />
do proletariado <strong>de</strong> Palermo.<br />
No ano passado, o cineasta<br />
Raoul Ruiz rodou <strong>um</strong><br />
doc<strong>um</strong>entário com eles,<br />
“L’Estate Breve”.<br />
“Médée”, Théâtre <strong>de</strong><br />
Nanterre-Amandiers<br />
(Nanterre)<br />
Depois <strong>de</strong> <strong>um</strong>a viagem ao<br />
Burkina Faso, o encenador<br />
Jean-Louis Martinelli quis<br />
fazer <strong>um</strong>a “Me<strong>de</strong>ia” só com<br />
actores africanos. Vieram <strong>de</strong><br />
Bobo-Dioulasso para ensaiar<br />
e estrear em Nanterre. A peça<br />
continua em digressão e<br />
estará no Porto em Maio.<br />
Teatros <strong>de</strong> portas abertas ao<br />
mundo<br />
Yael Ronen pôs israelitas, palestinianos e alemães a lamberem as feridas<br />
do Holocausto e da ocupação. Matteo Bavera abriu <strong>um</strong> teatro n<strong>um</strong><br />
bairro infrequentável e salvou miúdos com textos <strong>de</strong> Shakespeare. Jean-<br />
Louis Martinelli levantou <strong>um</strong>a “Me<strong>de</strong>ia” do chão do Burkina Faso. Hoje e<br />
amanhã, eles vêm ao Porto dizer o que o teatro po<strong>de</strong> fazer pelo mundo –<br />
n<strong>um</strong>a sala, o S. João, que tem o mundo inteiro nas traseiras. Inês Nadais<br />
Há quatro anos, quando o barbeiro<br />
argelino Samir Moussa foi preso na<br />
Rua Cimo <strong>de</strong> Vila por suspeita <strong>de</strong> ligações<br />
ao terrorismo internacional,<br />
o Porto acordou para o facto <strong>de</strong> ter o<br />
mundo inteiro, Al-Qaeda eventualmente<br />
incluída, nas traseiras do Teatro<br />
Nacional S. João (TNSJ). Até hoje,<br />
esse mundo <strong>de</strong> barbearias argelinas,<br />
lojas <strong>de</strong> pedras preciosas bengalis,<br />
talhos “halal” e balconistas paquistaneses,<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> lado, e, do outro, o mundo<br />
do S. João, on<strong>de</strong> nem a parte da<br />
Rua do Cimo <strong>de</strong> Vila que é mais “nacional”<br />
(a das tascas com presuntos<br />
suspensos do tecto e “boîtes” à antiga<br />
portuguesa) cost<strong>um</strong>a entrar, continuam<br />
a ser realida<strong>de</strong>s paralelas. Mas é<br />
<strong>de</strong> casos em que o teatro saiu à rua<br />
que se vai falar hoje e amanhã no<br />
TNSJ: o colóquio que abre o programa<br />
Odisseia traz ao Porto a israelita que<br />
pôs ju<strong>de</strong>us, palestinianos e alemães<br />
a lamberem juntos as feridas do Holocausto<br />
e da ocupação, o italiano que<br />
reabriu <strong>um</strong> teatro em ruínas n<strong>um</strong><br />
bairro infrequentável <strong>de</strong> Palermo e<br />
salvou miúdos da <strong>de</strong>linquência com<br />
textos <strong>de</strong> Shakespeare, e o francês<br />
que foi ao Burkina Faso levantar <strong>um</strong>a<br />
“Me<strong>de</strong>ia” do chão para <strong>de</strong>pois a estrear<br />
em Nanterre. Dizem que é como<br />
andar <strong>de</strong> bicicleta: <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r<br />
como se faz, nunca se esquece.<br />
Yael Ronen ( Jerusalém, 1976) tem,<br />
digamos, andado várias vezes <strong>de</strong> bicicleta<br />
nos últimos anos. Faz política<br />
por outros meios <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, em 2005,<br />
estreou “Plonter” no Cameri Theatre<br />
<strong>de</strong> Tel Aviv – lá fora o Governo construía<br />
<strong>um</strong> muro para isolar a Faixa <strong>de</strong><br />
Gaza, lá <strong>de</strong>ntro ela juntava israelitas<br />
e árabes israelitas n<strong>um</strong> drama político<br />
sobre a interminável história <strong>de</strong><br />
violência <strong>de</strong> Israel em que todas as<br />
partes do conflito perdiam a face. Três<br />
anos <strong>de</strong>pois, foi para Wroclav trabalhar<br />
com actores polacos sobre a memória<br />
do Holocausto (ou seja: abrir a<br />
ferida da colaboração da socieda<strong>de</strong><br />
civil polaca no extermínio dos ju<strong>de</strong>us<br />
da Europa), ao mesmo tempo que o<br />
encenador polaco Michal Zadara fazia<br />
o movimento inverso e se instalava<br />
em Tel Aviv para tratar o outro lado<br />
da questão (a história mal contada dos<br />
polacos anónimos a quem muitos ju<strong>de</strong>us<br />
<strong>de</strong>vem a vida) com actores israelitas.<br />
Dessas linhas cruzadas resultou<br />
<strong>um</strong> díptico, “Bat Yam” / “Tykocin Express”,<br />
que res<strong>um</strong>e o método <strong>de</strong> trabalho<br />
<strong>de</strong> Yael Ronen: nos espectáculos<br />
<strong>de</strong>la, os actores não representam,<br />
mudam verda<strong>de</strong>iramente <strong>de</strong> pele (e<br />
com eles os espectadores). “Third<br />
Generation” (2009), coprodução do<br />
Habimah National Theatre <strong>de</strong> Tel Aviv<br />
com a Schaubühne <strong>de</strong> Berlim, foi a<br />
sua última e mais transformadora experiência:<br />
<strong>um</strong> espectáculo triangular<br />
em que quatro israelitas, quatro palestinianos<br />
e quatro alemães da terceira<br />
geração pós-Holocausto abrem<br />
as bonecas russas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a longa narrativa<br />
<strong>de</strong> culpa e vitimização.<br />
É provável que amanhã, no Porto,<br />
Ronen repita o que disse ao Ípsilon<br />
por telefone, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Tel Aviv, quando<br />
lhe perguntámos o que é que o teatro<br />
po<strong>de</strong> fazer pelo entendimento israelo-árabe:<br />
“Como é óbvio, absolutamente<br />
nada. E no entanto as pessoas<br />
são influenciadas pelas mais variadas<br />
coisas: inci<strong>de</strong>ntalmente, <strong>um</strong>a <strong>de</strong>ssas<br />
coisas po<strong>de</strong> ser a minha peça <strong>de</strong> tea-<br />
“O conflito israeloárabe<br />
incomoda-me<br />
<strong>de</strong>masiado no meu<br />
dia-a-dia. Se me<br />
limitasse a montar<br />
Shakespeare<br />
e Molière, sentir-me-ia<br />
<strong>um</strong>a hipócrita”<br />
Yael Ronen<br />
tro. De qualquer modo, não é <strong>um</strong> tema<br />
que eu possa evitar. O conflito<br />
israelo-árabe incomoda-me <strong>de</strong>masiado<br />
no meu dia-a-dia. Se me limitasse<br />
a montar Shakespeare e Molière, sentir-me-ia<br />
<strong>um</strong>a hipócrita”. Também<br />
não seria o Habimah (<strong>de</strong> que o seu<br />
pai, Ilan Ronen, é aliás <strong>um</strong> dos directores<br />
artísticos) a pedir-lhe para evitar<br />
o tema: as missões estatutárias do teatro<br />
nacional israelita incluem “produzir<br />
peças que confrontem as relações<br />
israelo-árabes, as tensões entre<br />
ju<strong>de</strong>us religiosos e seculares e entre<br />
israelitas imigrantes e nativos, e ainda<br />
o estatuto da mulher, a corrupção<br />
burocrática, o fosso geracional, o Holocausto”.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 23
24 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
O Garibaldi,<br />
em Palermo,<br />
é absoluta<br />
mente<br />
singular<br />
(ou pelo<br />
menos era,<br />
até às obras<br />
<strong>de</strong> restauro<br />
que ainda não<br />
estão terminadas):<br />
sem<br />
tecto e sem<br />
palco, é <strong>um</strong><br />
teatro on<strong>de</strong><br />
qualquer pes<br />
soa, qualquer<br />
gato, po<strong>de</strong><br />
entrar a<br />
qualquer hora<br />
“O melhor teatro<br />
que se po<strong>de</strong> fazer<br />
é o teatro não<br />
profissional.<br />
É o único que muda<br />
realmente as pessoas”<br />
Matteo Bavera,<br />
Teatro Garibaldi<br />
Quando se estreou em Berlim,<br />
“Third Generation” tinha em cima <strong>um</strong><br />
estágio <strong>de</strong> <strong>um</strong> mês em que os actores<br />
tiveram <strong>de</strong> lidar em conjunto com<br />
todo o pesado historial dos seus passados<br />
cruzados, <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> encontros<br />
com especialistas (historiadores,<br />
jornalistas, terapeutas) e visitas <strong>de</strong><br />
estudos a lugares cruciais da “Shoah”<br />
e do conflito israelo-palestiniano<br />
(campos <strong>de</strong> concentração, memoriais,<br />
“checkpoints”). “Sentimos alívio<br />
nos espectadores, como se finalmente<br />
alguém falasse daquilo <strong>de</strong> que todos<br />
queremos falar mas não temos<br />
coragem. Sobretudo na Alemanha”,<br />
diz Ronen. É tudo mais fácil entre israelitas<br />
e alemães, por causa da distância:<br />
“Com os alemães sentimos o<br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> perdoar, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> esquecer.<br />
Com os palestinianos, ainda é<br />
tudo muito emocional. E há <strong>um</strong>a linha<br />
vermelha: sempre que aparecia a<br />
comparação entre o Holocausto e a<br />
ocupação, era o fim da discussão”.<br />
Por lamber feridas que estão longe<br />
<strong>de</strong> sequer começar a cicatrizar, e<br />
questionar a importância <strong>de</strong>sproporcionada<br />
do Holocausto na i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
israelita, o Governo não ficou <strong>de</strong>masiado<br />
contente com a peça: “O Ministério<br />
dos Negócios Estrangeiros achou<br />
que este triângulo era <strong>de</strong>masiado explosivo”.<br />
“Third Generation” provocou<br />
“discussões apaixonadas, verda<strong>de</strong>iras<br />
lutas entre espectadores” no<br />
Habimah, mas não conseguiu sair <strong>de</strong><br />
Tel Aviv para fazer a programada digressão<br />
n<strong>um</strong> país on<strong>de</strong>, mesmo não<br />
po<strong>de</strong>ndo fazer, “como é óbvio, absolutamente<br />
nada”, o teatro é <strong>um</strong>a forma<br />
verda<strong>de</strong>iramente popular: “Aqui<br />
as pessoas vão mais ao teatro do que<br />
ao futebol. Mas os três teatros <strong>de</strong> repertório<br />
produzem em hebraico. As<br />
audiências não são muito mistas”.<br />
Ninguém acredita verda<strong>de</strong>iramente<br />
que venham a sê-lo nos próximos<br />
tempos. Debaixo do Habimah, as au-<br />
torida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Tel Aviv fizeram construir<br />
<strong>um</strong> abrigo anti-aéreo que po<strong>de</strong><br />
acolher até 1600 pessoas em caso <strong>de</strong><br />
bombar<strong>de</strong>amento.<br />
Garibaldi, teatro aberto<br />
Dois mil quilómetros a Oeste <strong>de</strong> Tel<br />
Aviv, n<strong>um</strong>a cida<strong>de</strong> mais a Sul da Europa<br />
do que certos pontos do Norte<br />
<strong>de</strong> África, Matteo Bavera (Santa Agata<br />
<strong>de</strong> Militello, Sicília, 1955) também<br />
<strong>de</strong>cidiu aventurar-se n<strong>um</strong>a zona <strong>de</strong><br />
guerra: Kalsa, <strong>um</strong> bairro infrequentável<br />
<strong>de</strong> Palermo (<strong>um</strong> teatro em ruínas<br />
inaugurado em 1862 pelo próprio Garibaldi<br />
e <strong>de</strong>pois sucessivamente abandonado<br />
e reconvertido em cabaré,<br />
cinema porno, “hall” <strong>de</strong> boxe, e à volta<br />
todos os tipos <strong>de</strong> tráfico e <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong>,<br />
a pobreza e a Máfia, outra<br />
história interminável). Chamou <strong>um</strong><br />
encenador, Carlo Cecchi, e perguntou-lhe<br />
se queria reabrir o Garibaldi<br />
com ele: “Aquilo não era só a ruína<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> bairro em ruínas. Era o espelho<br />
da história trágica <strong>de</strong> Palermo e da<br />
Itália. As guerras, as Brigadas Vermelhas,<br />
a Máfia, n<strong>um</strong> século passámos<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> horror a outro”, recordava Cecchi<br />
há uns anos ao “Le Mon<strong>de</strong>”.<br />
Quando Bavera o ocupou, em 1996,<br />
o Garibaldi estava abandonado há 30<br />
anos e a população do bairro tinha<br />
pilhado todo o recheio, mas o encanto<br />
era justamente esse: era “o esqueleto<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> teatro”, <strong>um</strong>a sala verda<strong>de</strong>iramente<br />
aberta à cida<strong>de</strong>, sem tecto<br />
nem palco, on<strong>de</strong> qualquer pessoa<br />
(qualquer gato) podia entrar a qualquer<br />
hora. A primeira encenação <strong>de</strong><br />
Cecchi para o Garibaldi foi <strong>um</strong> “Hamlet”<br />
(“Queria reabrir <strong>um</strong> teatrofantasma<br />
com <strong>um</strong> fantasma. As pessoas<br />
do bairro vieram. Pensavam que<br />
a peça tinha sido escrita para elas porque<br />
ouviam <strong>um</strong> <strong>homem</strong> a dizer ao<br />
filho: tens <strong>de</strong> te vingar”), e a partir daí<br />
o teatro começou a funcionar a duas<br />
velocida<strong>de</strong>s: cruzando a atenção aos<br />
autores locais (Emma Dante, Davi<strong>de</strong><br />
Enia, Franco Scaldati, Giuseppe Massa)<br />
com a atenção aos gran<strong>de</strong>s do teatro<br />
europeu (Chéreau, Brook, Dodin,<br />
Warlikowski), e <strong>de</strong>pois investindo n<strong>um</strong>a<br />
formação <strong>de</strong> públicos que é <strong>um</strong>a<br />
verda<strong>de</strong>ira formação artística, através<br />
do projecto “Shakespeare Salvato dai<br />
Ragazzini”, que põe adolescentes <strong>de</strong><br />
Palermo a fazerem os clássicos.<br />
“É o nosso gran<strong>de</strong> cartão-<strong>de</strong>-visita”,<br />
diz ao Ípsilon Matteo Bavera, lembrando<br />
que o cineasta Raoul Ruiz foi<br />
a Palermo <strong>de</strong> propósito para filmar o<br />
projecto para o doc<strong>um</strong>entário<br />
“L’Estate Breve” (e também que Wim<br />
Wen<strong>de</strong>rs termina o seu “Palermo<br />
Shooting” com imagens do “mais belo<br />
teatro do mundo, o Garibaldi”).<br />
“Nunca faço audições para o projecto.<br />
Encontro uns miúdos, que <strong>de</strong>pois<br />
trazem outros, e a companhia formase<br />
sozinha. Quando começámos, houve<br />
<strong>um</strong> criminoso aqui do bairro que<br />
me pediu para pôr as suas duas filhas<br />
no projecto. E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>scobrimos<br />
<strong>um</strong> miúdo que se escondia para assistir<br />
aos ensaios e <strong>de</strong>pois na escola<br />
dizia Shakespeare <strong>de</strong> cor. O melhor<br />
teatro que se po<strong>de</strong> fazer é o teatro não<br />
profissional. É o único que muda realmente<br />
as pessoas”, explica o director<br />
do Garibaldi. Nos últimos 14 anos,<br />
viu o teatro passar <strong>de</strong> ruína “off-limits”<br />
a acontecimento europeu, mas<br />
“foi muito difícil”: “Um teatro significa<br />
luzes e projectores, e o bairro<br />
vivia sobretudo do tráfico. As luzes<br />
não eram bem-vindas. Às tantas perceberam<br />
que éramos <strong>um</strong> teatro, não<br />
espiões da polícia. E quando alguém<br />
roubava a vespa <strong>de</strong> <strong>um</strong> espectador,<br />
eu punha-me a gritar e a mota acabava<br />
por aparecer. Isso também tem a<br />
ver com o facto <strong>de</strong> termos falado, nas<br />
nossas peças, do proletariado palermitano,<br />
que é invisível mas ainda existe,<br />
e dos imigrantes, que vivem n<strong>um</strong>a<br />
espécie <strong>de</strong> enclave fora da civilização.<br />
E também se <strong>de</strong>ve aos miúdos, que<br />
fizeram a ponte com o bairro”.<br />
Veio o bairro, vieram os espectadores,<br />
veio até a especulação imobiliária:<br />
“O bairro mudou verda<strong>de</strong>iramente<br />
por causa <strong>de</strong> <strong>um</strong> teatro”, sublinha<br />
Bavera. Esse teatro está fechado há<br />
três anos para restauro e como, apesar<br />
<strong>de</strong> tudo, esta ainda é “<strong>um</strong>a história<br />
siciliana”, as obras <strong>de</strong>moraram<br />
tempo a mais e parte do dinheiro <strong>de</strong>sapareceu.<br />
“O nosso projecto foi traído<br />
– só queríamos reforçar a segurança,<br />
mas vedaram o teatro à luz do<br />
sol e per<strong>de</strong>mos as maravilhosas pare<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>scascadas que ainda eram do<br />
tempo do Garibaldi. Vamos per<strong>de</strong>r<br />
imenso tempo a reverter as obras”.<br />
A lição do Garibaldi, apesar <strong>de</strong> tudo,<br />
é que nenh<strong>um</strong> tempo é tempo<br />
perdido, nenh<strong>um</strong> público é público<br />
perdido. Amanhã, Bavera vem ao Porto<br />
contar essa história – e Yael Ronen<br />
contará a <strong>de</strong>la, que também ainda<br />
não sabemos se irá acabar bem. Jean-<br />
Louis Martinelli (Ro<strong>de</strong>z, 1951), director<br />
do Théâtre Nanterre-Amandiers,<br />
estará na mesma mesa para dizer como<br />
se vai ao Burkina Faso encontrar<br />
<strong>um</strong>a “Me<strong>de</strong>ia”. Depois disso talvez o<br />
TNSJ, e o seu público, possam começar<br />
ir ao fim da rua Cimo <strong>de</strong> Vila sem<br />
ser como quem vai ao fim do mundo.
FOTOGRAFIAS DE DANIEL ROCHA<br />
O mundo extraterrestre<br />
Nas obras <strong>de</strong> João Maia Gusmão e Pedro Paiva, inesperadas, insolentes, divertidas e profundas,<br />
as leis do universo h<strong>um</strong>ano cessam <strong>de</strong> ser úteis. Eis “Breve História da Lentidão e da<br />
Vertigem”. Nuno Crespo<br />
João Maria Gusmão (<strong>Lisboa</strong>, 1979) e<br />
Pedro Paiva (<strong>Lisboa</strong>, 1977) conheceramse<br />
na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belas Artes em <strong>Lisboa</strong><br />
on<strong>de</strong> ambos estudaram pintura e<br />
começaram a expor conjuntamente<br />
em 2001. Em 2005 ganharam o Prémio<br />
EDP Novos Artistas e tornaram-se n<strong>um</strong><br />
fenómeno <strong>de</strong> popularida<strong>de</strong>, reconhecimento<br />
e interesse. Foram convidados<br />
para a Bienal <strong>de</strong> São Paulo, estiveram<br />
na Manifesta e em 2009 foram os representantes<br />
oficiais <strong>de</strong> Portugal na<br />
53ª Bienal <strong>de</strong> Veneza. Já este ano a<br />
londrina Tate Mo<strong>de</strong>rn (<strong>um</strong> dos museus<br />
mais importantes do mundo)<br />
adquiriu para a sua colecção <strong>um</strong> conjunto<br />
<strong>de</strong> treze filmes da dupla, escolha<br />
feita com a ambição <strong>de</strong> ser <strong>um</strong>a amostra<br />
coerente do conjunto da totalida<strong>de</strong><br />
da obra <strong>de</strong> Paiva e Gusmão.<br />
Sempre ligados à Galeria Zé dos<br />
Bois e mais tar<strong>de</strong> à galeria Graça Brandão,<br />
fizeram exposições muito relevantes<br />
para a construção do que se<br />
po<strong>de</strong> chamar “cena da arte portuguesa<br />
contemporânea”: os seus “Eflúvios<br />
Magnéticos” (2006) e a “Abissologia”<br />
(2008) inauguraram novas modalida<strong>de</strong>s<br />
estéticas e introduziram novos<br />
vocábulos no discurso artístico português.<br />
São jovens e o trabalho que<br />
<strong>de</strong>senvolvem é <strong>um</strong>a novida<strong>de</strong>, não<br />
por ser recente, mas por constituir<br />
<strong>um</strong>a abordagem inesperada e fértil<br />
O trabalho <strong>de</strong>stes<br />
artistas não<br />
é contemplativo.<br />
O espectador<br />
é colocado<br />
na situação<br />
<strong>de</strong> explorador<br />
extravagante: tem<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir<br />
movimentos,<br />
subtilezas, segredos<br />
aos processos criativos e por as suas<br />
obras serem inesperadas, insolentes,<br />
divertidas e profundas.<br />
Se o seu trabalho tem boa recepção<br />
crítica, coleccionadores e <strong>um</strong>a circulação<br />
internacional pouco com<strong>um</strong><br />
para artistas portugueses, isso não se<br />
<strong>de</strong>ve a operações <strong>de</strong> relações públicas:<br />
recusam a mediatização pessoal,<br />
porque só o trabalho é público. Acompanharam<br />
o Ípsilon na visita à sua<br />
mais recente exposição em <strong>Lisboa</strong>,<br />
mas não se <strong>de</strong>ixam citar ou fotografar:<br />
as imagens que importam são as das<br />
obras e as palavras são as dos ensaios<br />
que escrevem.<br />
As coisas com rabo <strong>de</strong> peixe<br />
Gusmão e Paiva criam coisas que no<br />
seu conjunto constroem <strong>um</strong>a dimensão<br />
(fluida, vaga e inconstante) na<br />
qual as leis do universo h<strong>um</strong>ano cessam<br />
<strong>de</strong> ser úteis: passam a correspon<strong>de</strong>r<br />
a simples artifícios retóricos,<br />
palavras ocas sem sentido ou significado.<br />
Se à primeira vista os seus filmes,<br />
fotografias e esculturas são simples<br />
peças h<strong>um</strong>orísticas (criam situações<br />
insólitas que provocam riso: mesmo<br />
tratando-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> riso cínico que assinala<br />
<strong>um</strong> território <strong>de</strong> compreensão),<br />
<strong>de</strong>pois percebe-se tratar-se <strong>de</strong><br />
peças pertencentes a <strong>um</strong> mais vasto<br />
mecanismo <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> imagens.<br />
Não é <strong>um</strong>a máquina reprodutiva a<br />
qual torna visível o mundo, mas a<br />
criação da visibilida<strong>de</strong>, a qual surge<br />
no trabalho <strong>de</strong>stes artistas como lugar<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>cepção.<br />
A exposição recentemente inaugurada,<br />
“Breve História da Lentidão e<br />
da Vertigem”, tem como mote <strong>um</strong>a<br />
história acerca das coisas que terminam<br />
em rabo <strong>de</strong> peixe: “conta-se que<br />
[...] os marinheiros podiam ver e ouvir<br />
nas marés perigosas, imaginando<br />
o que lhes faltava, Vénus <strong>de</strong>spidas<br />
<strong>de</strong>clinadas nas rochas, sorrindo e<br />
suspirando canções hipnóticas [...]<br />
conta-se ainda que os marinheiros<br />
inebriados imaginando a genitália da<br />
ilha dos amores [...] se atiravam ao<br />
mar <strong>de</strong>scobrindo tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais ser<br />
difícil a cópula com ais fêmeas, porque<br />
afinal tinham escamas.” (texto<br />
da exposição)<br />
A história aprendida <strong>de</strong> Horácio é<br />
constituída por diferentes camadas,<br />
não se trata só da sereia ou da ebrieda<strong>de</strong><br />
dos marinheiros, mas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
metáfora potente acerca da visão<br />
Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 25
26 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
dos homens. A qual é lugar <strong>de</strong> engano<br />
e <strong>de</strong>cepção: julga-se que as imagens<br />
dizem as coisas tal-qual elas são,<br />
mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>scobre-se terem rabo<br />
<strong>de</strong> peixe.<br />
Este acontecimento assinala a existência<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a zona <strong>de</strong> in<strong>de</strong>cisão e<br />
intervalo na qual é possível assistir-se<br />
à criação <strong>de</strong> figuras, fantasmas e fábulas.<br />
Esse intervalo expressa o que<br />
está entre as coisas e as imagens que<br />
os homens fazem <strong>de</strong>las e é para esse<br />
lugar que confluem todas as aparições<br />
e alucinações. Não existe qualquer<br />
tipo <strong>de</strong> lamento face a esta tragédia<br />
do olhar h<strong>um</strong>ano porque é:<br />
“inevitável que existem problemas<br />
sem solução” (ibi<strong>de</strong>m).<br />
Esta história introduz o visitante<br />
da exposição no contexto a<strong>de</strong>quado<br />
para po<strong>de</strong>r integrar os diferentes<br />
fragmentos que constituem as muitas<br />
obras, as quais são acontecimentos<br />
insólitos: animais voadores, frutos<br />
pairantes e batatas com po<strong>de</strong>res <strong>de</strong><br />
levitação.<br />
Se por <strong>um</strong> lado, as imagens produzidas<br />
pelo olhar h<strong>um</strong>ano são lugar <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cepção por não se po<strong>de</strong>r copular<br />
com a realida<strong>de</strong>, por outro são fonte<br />
<strong>de</strong> prazer: <strong>de</strong>scobrem-se as capacida<strong>de</strong>s<br />
criativas e projectivas inerentes<br />
à inteligência e isso é o garante do<br />
prazer da arte.<br />
Estar sujeito a enganos e a erros<br />
perceptivos é o motivo estético do<br />
trabalho <strong>de</strong> Gusmão e Paiva e é daqui<br />
que surge o insólito fixado nas fotografias<br />
em que os gatos voam, as galinhas<br />
ficam bêbedas, os objectos,<br />
permanecendo iguais, multiplicamse<br />
e certas comidas têm o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
fazer os guerreiros vencer dragões<br />
cuspidores <strong>de</strong> fogo.<br />
Como conclusão escrevem os artistas:<br />
“há quem chame ao que não<br />
se vê indiscernível e nessa sequência<br />
em que o <strong>homem</strong> se alimenta do<br />
mundo, representando e i<strong>de</strong>alizando<br />
o que o ro<strong>de</strong>ia, também ele é <strong>de</strong>vorado<br />
pelos monstros marinhos e por<br />
todos os <strong>de</strong>sconhecidos que espreitam<br />
à esquina.”<br />
Reconstrução do paganismo<br />
Se o fantástico e inesperado é <strong>um</strong> dos<br />
fios da trama do conjunto <strong>de</strong>stes trabalhos,<br />
outro é a reconstrução do paganismo,<br />
isto é, Gusmão e Paiva, her<strong>de</strong>iros<br />
do Caeiro <strong>de</strong> Pessoa, são os<br />
<strong>de</strong>scobridores da natureza e reconhecem<br />
no natural, isto é, em todo o fenómeno<br />
que se manifesta, <strong>um</strong>a divinda<strong>de</strong>.<br />
Os artistas constroem <strong>um</strong>a ambição<br />
sensível que anula a lógica<br />
discursiva e conceptual e dá lugar ao<br />
anseio pelo contacto directo com todas<br />
as coisas: “toda a coisa que vemos,<br />
<strong>de</strong>vemos vê-la sempre pela primeira<br />
vez, porque realmente é a primeira<br />
vez que a vemos” escreve Caeiro no<br />
“Guardador <strong>de</strong> Rebanhos”.<br />
Recuperar o olhar primitivo é apresentado<br />
pelo mestre <strong>de</strong> Álvaro <strong>de</strong><br />
Campos como <strong>um</strong> pasmo. Ele que não<br />
tem filosofia, mas “sentidos… / se falo<br />
na Natureza não é porque saiba o<br />
que ela é, / mas porque a amo, e amoa<br />
por isso” , e é <strong>um</strong> poeta cujo o olhar<br />
é “nítido como <strong>um</strong> girassol […] e o<br />
que vejo a cada momento / é aquilo<br />
que nunca antes eu tinha visto, / e eu<br />
sei dar por isso muito bem… / sei ter<br />
o pasmo essencial.” (ibi<strong>de</strong>m)<br />
Se, como escreve o Guardador <strong>de</strong><br />
Rebanhos, “a nossa única riqueza é<br />
ver” e os pensamentos “todos sensações<br />
[…] pensar <strong>um</strong>a flor é vê-la e<br />
cheirá-la / e comer <strong>um</strong> fruto é saberlhe<br />
o sentido”, então está-se no reino<br />
em que as coisas recuperam <strong>um</strong>a voz<br />
própria e falam na primeira pessoa.<br />
E este discurso, já não conformado à<br />
matriz h<strong>um</strong>ana, revela-se fonte <strong>de</strong><br />
espanto. Ver as coisas sem filosofia,<br />
sem projecção ou representação, é<br />
ficar pasmado porque se submete ao<br />
As ligações<br />
estabelecidas entre<br />
filme, esculturas<br />
e o reino animal<br />
são <strong>de</strong> tal modo novas<br />
e férteis que criam<br />
<strong>um</strong> horizonte<br />
extraterrestre<br />
permanente risco <strong>de</strong> tomar o rabo <strong>de</strong><br />
peixe pela musa mais bela e inspiradora.<br />
E o trabalho <strong>de</strong> Gusmão e Paiva<br />
são <strong>um</strong> caso exemplar <strong>de</strong>ste risco.<br />
“Sempre se julgou encontrar no reino<br />
animal, entre os bichos fabulados<br />
e os verda<strong>de</strong>iros, <strong>um</strong>a ingenuida<strong>de</strong><br />
[...]. Esse mistério — o do <strong>homem</strong> e do<br />
mundo — surge assim [...] n<strong>um</strong>a Zoologia<br />
Extraterrestre que estuda [...] o<br />
que liga a morte ao mundo e o que<br />
liga o mundo à vida, à vida sem consi<strong>de</strong>rações,<br />
só soluço, lampejo.” Esta<br />
frase dos artistas enquadra as acções<br />
animais nos seus trabalhos enquanto<br />
preocupação zoológica, a qual não<br />
ensaia <strong>um</strong>a classificação das espécies<br />
animais, mas <strong>um</strong>a fixação <strong>de</strong>scritiva<br />
das formas improváveis como os animais<br />
(reais, possíveis e imaginários)<br />
se comportam. Veja-se o filme “O sonho<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a raia” ou as fotografias<br />
“Gato a Cair” e “Galinha Bêbeda”,<br />
Os animais <strong>de</strong> Gusmão e Paiva são<br />
extraterrestres porque a sua origem<br />
resi<strong>de</strong> no anseio <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r os<br />
ritmos formativos das formas visíveis.<br />
A sua estratégia não é a ridicularização<br />
das criações fantásticas (como as coisas<br />
que terminam em rabo <strong>de</strong> peixe),<br />
mas fazer a sua genealogia. E nesse<br />
esforço <strong>de</strong>scobre-se o reino fabulado<br />
com a região privilegiado do pasmo<br />
essencial <strong>de</strong> Caeiro. Uma zoologia não<br />
dirigida exclusivamente ao reino animal,<br />
mas a todas as formas reconhecíveis:<br />
a <strong>de</strong>scrição que materializam<br />
esten<strong>de</strong>-se dos animais aos sólidos<br />
geométricos e aos movimentos celestes<br />
e planetários (veja-se os mo<strong>de</strong>los<br />
astronómicos das câmaras obscuras<br />
“Acerca do Movimento Astronómico”<br />
e a fotografia “Sistema Planetário”).<br />
Nestes trabalhos nem tudo são fábulas<br />
e metáforas barrocas. Essa exuberância<br />
formal e conceptual é acompanhada<br />
por <strong>um</strong> esforço <strong>de</strong> rigor<br />
traduzido em filmes <strong>de</strong> acções escultóricas<br />
ou, se se preferir, <strong>de</strong> esculturas<br />
em movimento.<br />
O trabalho <strong>de</strong>stes artistas não é contemplativo.<br />
O espectador é colocado<br />
na situação <strong>de</strong> explorador extravagante:<br />
tem <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir movimentos,<br />
subtilezas, segredos. Os enigmas propostos<br />
não são feitos pelo simples<br />
prazer do difícil, mas são <strong>de</strong>safios colocados<br />
à sensibilida<strong>de</strong> e exigidos pela<br />
complexida<strong>de</strong> imaginativa das fábulas<br />
que criam.<br />
Tudo diz respeito a <strong>um</strong>a elaborada<br />
técnica <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> objectos e,<br />
<strong>de</strong>sta forma, todos os filmes e fotos<br />
po<strong>de</strong>m ser vistos como doc<strong>um</strong>entação<br />
<strong>de</strong> processos <strong>de</strong> criação escultórica.<br />
A relação não é literal ou didáctica<br />
(os objectos não estão ao lado dos<br />
filmes como se <strong>de</strong>les fossem ilustrações),<br />
mas existe.<br />
As ligações estabelecidas entre filme,<br />
esculturas e o reino animal são<br />
<strong>de</strong> tal modo novas e férteis que criam<br />
<strong>um</strong> horizonte extraterrestre, ou seja,<br />
são obras on<strong>de</strong> se assiste à extrapolação<br />
e exorbitância do curso habitual<br />
da órbita celeste.
James<br />
Blake<br />
Tem 22 anos<br />
e é dos “acontecimentos”<br />
<strong>de</strong> 2011. Pág. 28<br />
Charles<br />
Bradley Uma<br />
estreia aos 62 anos,<br />
<strong>um</strong> mon<strong>um</strong>ento <strong>de</strong><br />
<strong>soul</strong>. Pág. 28<br />
LIEVEN VAN ASSCHE/ AFP<br />
Mike Leigh<br />
Um instantâneo<br />
<strong>de</strong>sencantado sobre<br />
a solidão: “Um ano a<br />
mais”. Pág. 33<br />
<br />
<br />
<br />
PEDRO CUNHA<br />
Camané<br />
quatro noites<br />
no S. Luiz.<br />
Pág. 30<br />
Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 27
Discos<br />
James Blake:<br />
já <strong>um</strong> dos<br />
“acontecimentos”<br />
<strong>de</strong> 2011<br />
28 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
Pop<br />
A voz<br />
visionária <strong>de</strong><br />
James Blake<br />
Ritmo, alma e silêncio.<br />
Atitu<strong>de</strong> visionária,<br />
minimalismo elegante e<br />
<strong>um</strong>a voz que suspen<strong>de</strong> os<br />
sentidos. Eis o álb<strong>um</strong> <strong>de</strong><br />
estreia <strong>de</strong> James Blake.<br />
Vítor Belanciano<br />
James Blake<br />
James Blake<br />
Atlas, distri. Universal Unive<br />
mmmmm<br />
O inglês James<br />
Blake, 22 anos,<br />
marcou o ano<br />
transacto com<br />
três magníficos<br />
EPs (“The bells<br />
sketch”, “CMYK”<br />
e “Klavierwerke”)<br />
“Klavierwerke”). Para os mais<br />
atentos, não é nen nenh<strong>um</strong><br />
<strong>de</strong>sconhecido. O álb<strong>um</strong> á <strong>de</strong> estreia,<br />
que agora é lançado lançad em todo o<br />
mundo, surge env envolto com o<br />
carimbo <strong>de</strong> “acontecimento”, “aco<br />
com<br />
o que isso tem te <strong>de</strong> potenciador<br />
<strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong> curios e também<br />
<strong>de</strong> possíveis poss efeitos<br />
prejudiciais.<br />
prejud<br />
Ou Ou seja, não é <strong>um</strong><br />
álb<strong>um</strong> álbu para o qual se<br />
parta par com <strong>um</strong> olhar<br />
límpido. lím Como<br />
acontece aco quase<br />
sempre sem nestes casos,<br />
o olhar o <strong>de</strong> muitos já<br />
está es radicado em<br />
juízos ju pré-<strong>de</strong>finidos.<br />
Até A nesse sentido<br />
será s <strong>um</strong>a obra<br />
incontornável i<br />
<strong>de</strong><br />
2011. 2 A história <strong>de</strong><br />
James J Blake, como<br />
todas, t é nova e<br />
velha. v Nova,<br />
porque po aquilo que<br />
tem para propor é<br />
realmente sin singular. Velha,<br />
porque é recorrente reco na música<br />
popular surg surgirem projectos em<br />
<strong>de</strong>terminado <strong>de</strong>terminado momento do<br />
crescimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
linguagem (neste (n caso do<br />
dubstep) que qu a elevam a novos<br />
patamares, patamares, criando vasos<br />
comunicantes comunicant com <strong>um</strong><br />
público mais ma plural.<br />
Aconteceu Aconteceu ccom<br />
Arthur Russell<br />
com o movimento movi “disco”,<br />
apesar <strong>de</strong> só recentemente ter<br />
sido re<strong>de</strong>scoberto; re<strong>de</strong>sc com os<br />
Portishead nno<br />
período pós-<br />
hip-hop; ou<br />
com os The xx,<br />
mais recentemente, recente através <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> som minimalista, atmosférico,<br />
<strong>de</strong> emoções quase suprimidas.<br />
Acontece agora com James Blake,<br />
alguém que emerge na cena<br />
londrina do dubstep para criar <strong>um</strong>a<br />
sonorida<strong>de</strong> também ela minimalista,<br />
espaçosa, alojando alg<strong>um</strong>as<br />
dinâmicas do dubstep (os subgraves,<br />
os ecos, o <strong>de</strong>sign sonoro)<br />
para erguer a sua própria realida<strong>de</strong>,<br />
projectada em baladas <strong>soul</strong> cheias<br />
<strong>de</strong> distorção, lamentos em forma <strong>de</strong><br />
narrativas lacónicas e voz alterada<br />
digitalmente, algures entre Bon Iver,<br />
Antony e André 3000 dos OutKast.<br />
Há momentos <strong>de</strong> quase silêncio,<br />
mas também apontamentos<br />
electrónicos quase industriais. Há<br />
batimentos cardíacos digitais<br />
(“Unluck”, “Wilhelms scream”),<br />
mudanças <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> quase<br />
gospel (“Measurements”), mas<br />
também canções vulneráveis em<br />
carne viva ao piano (“Limit to your<br />
love”, versão <strong>de</strong> <strong>um</strong>a canção da<br />
canadiana Feist, ou “Give me my<br />
month” e “Why don’t you call me”).<br />
Composto, produzido e gravado<br />
inteiramente por Blake, o álb<strong>um</strong><br />
apresenta-se tal e qual foi feito no<br />
seu quarto, porque recusou as<br />
sugestões das editoras que o<br />
pretendiam regravar com <strong>um</strong><br />
produtor. Fica-lhe bem a atitu<strong>de</strong>.<br />
Porque é <strong>um</strong> disco <strong>de</strong> canções<br />
secretas, <strong>de</strong> climas introspectivos,<br />
<strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> melódica, com <strong>um</strong>a<br />
economia narrativa e pormenores<br />
digitais <strong>de</strong> produção únicos, e que<br />
apetece partilhar com poucos,<br />
apesar <strong>de</strong>, felizmente, muitos se<br />
irem <strong>de</strong>ixar enredar nas suas<br />
malhas. Ainda bem.<br />
Mon<strong>um</strong>ento<br />
<strong>soul</strong><br />
A estreia <strong>de</strong> Charles Bradley,<br />
62 anos. Mário Lopes<br />
Charles Bradley<br />
No Time For Dreaming<br />
Dunham / Daptone Records<br />
mmmmm<br />
No fim, tudo se<br />
res<strong>um</strong>e a esta a voz. voz.<br />
Uma voz<br />
imponente, toda oda<br />
ela urgência,<br />
<strong>um</strong>a voz em<br />
que acreditamos, sem cinismo<br />
e sem reservas. Há algo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>masiado real, <strong>de</strong><br />
indiscutivelmente verda<strong>de</strong>iro<br />
na voz <strong>de</strong> Charles Bradley, 62<br />
anos e álb<strong>um</strong> <strong>de</strong> estreia acabado o<br />
<strong>de</strong> editar – e, sim, temos perfeita a<br />
consciência que “verda<strong>de</strong>” é <strong>um</strong> m<br />
conceito <strong>de</strong> aplicação perigosa na<br />
música popular. Ainda assim, é isso<br />
que sobressai neste mon<strong>um</strong>ento o<br />
<strong>soul</strong> que é “No Time For Dreaming”. ing”.<br />
Álb<strong>um</strong> sem tempo, tem o órgão ão<br />
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
hammond fervilhando para se<br />
<strong>de</strong>stacar ou remetendo-se, h<strong>um</strong>il<strong>de</strong>,<br />
aos bastidores da canção, tem os<br />
metais acentuando frases ou<br />
oferecendo novos escapes<br />
melódicos, tem percussão para<br />
acentuar a elegância do ritmo e <strong>um</strong><br />
vibrafone que dá tom <strong>de</strong> fantasia<br />
nocturna a música que é suor <strong>de</strong><br />
vida, que é realida<strong>de</strong> “in your face”,<br />
sem espaço para escapismo.<br />
Charles Bradley não po<strong>de</strong>ria estar<br />
em melhor companhia. A Menahan<br />
Street Band, composta por membros<br />
da Budos Band, dos Dap-Kings, dos<br />
Antibalas ou dos Expressions,<br />
acompanhantes <strong>de</strong>sse digníssimo<br />
veterano chamado Lee Fields, é <strong>um</strong><br />
super grupo versado e rodado em<br />
toda a música negra. Não são meros<br />
conhecedores <strong>de</strong> todo o funk e toda<br />
a <strong>soul</strong>: são verda<strong>de</strong>iramente a <strong>soul</strong> e<br />
o funk. Quando se lhes <strong>de</strong>para <strong>um</strong>a<br />
voz como a <strong>de</strong> Charles Bradley, <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a rouquidão exigente, dramática<br />
na catarse e na ternura, é como se<br />
c<strong>um</strong>prissem o seu <strong>de</strong>stino.<br />
Quando ouvimos <strong>um</strong>a voz como a<br />
<strong>de</strong> Charles Bradley, falar <strong>de</strong><br />
revivalismo torna-se <strong>um</strong> absurdo.<br />
Sim, “No Time For Dreaming” é <strong>um</strong><br />
álb<strong>um</strong> <strong>de</strong> <strong>soul</strong> clássica, filiação Stax,<br />
James Brown, Marvin Gaye. Mas que<br />
isso não nos <strong>de</strong>svie do essencial:<br />
Bradley não surge aqui como<br />
veterano que nos recorda mitos <strong>de</strong><br />
ontem. Construiu-se nessa história<br />
para se apresentar perante nós,<br />
agora, com a sagacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
vida longa e com a ambição <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
novato <strong>de</strong>sejoso <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar a sua<br />
marca.<br />
“No Time For Dreaming” é <strong>um</strong><br />
álb<strong>um</strong> <strong>de</strong> acusações e <strong>de</strong> alertas, <strong>de</strong><br />
salvação e concórdia. É a vida <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
<strong>homem</strong> ou, perdoe-se a<br />
redundância, a alma <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>homem</strong><br />
tornada canção. Estupendas<br />
canções: o <strong>de</strong>sespero sem<br />
resignação do primeiro single, “The<br />
world (is going up in flames)”, a<br />
exuberância <strong>de</strong> “Gol<strong>de</strong>n rule” ou a<br />
autobiografia como motor criativo<br />
nas turbulentas “How How long” long e “Why Why<br />
is it it so<br />
hard”<br />
–<br />
Charles<br />
Bradley:<br />
a alma <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> <strong>homem</strong><br />
tornada<br />
canção<br />
nelas, a <strong>soul</strong> como vitória sobre os<br />
tormentos da vida.<br />
E, em todas elas, a elegância e<br />
sabedoria da Menahan Street Band:<br />
metais em <strong>de</strong>svio afro-beat em “The<br />
world (is going up in flames)”, a<br />
citação enviesada <strong>de</strong> “Season of the<br />
witch”, pelos Vanilla Fudge, em “I<br />
believe in your love”, as figuras <strong>de</strong><br />
guitarra apontando a <strong>um</strong>a<br />
inesgotável fonte <strong>soul</strong> chamada<br />
Steve Cropper (dos Booker T & MGs)<br />
e i, controlo perfeito das dinâmicas<br />
musicais, seguindo Bradley nos seus<br />
caminhos <strong>de</strong> angústias não<br />
resolvidas, <strong>de</strong> questionamento<br />
social, <strong>de</strong> conforto e pacificação<br />
encontrados nos braços <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
mulher.<br />
Charles Bradley, 62 anos, é o<br />
presente. Valeu a pena a espera.<br />
Blues<br />
Explosion<br />
é o número 1<br />
Reedição da discografia que<br />
interessa. Mário Lopes<br />
Jon Spencer Blues Explosion<br />
Year One<br />
mmmnn<br />
Extra Width<br />
mmmmn<br />
Orange<br />
mmmmm<br />
Now I Got Worry<br />
mmmmn<br />
Controversial<br />
Negro<br />
mmmnn<br />
ACME<br />
mmmnn<br />
Todos Shove;<br />
distri. Popstock<br />
SSer<br />
os Jon Spencer Blues<br />
EExplosion,<br />
maravilhosos<br />
bbastardos<br />
do rock’n’roll que<br />
rreescreveram<br />
a história toda
Ser os Jon<br />
Spencer Blues<br />
Explosion,<br />
maravilhosos<br />
bastardos do<br />
rock’n’roll que<br />
reescreveram<br />
a história<br />
toda sem que<br />
ninguém<br />
percebesse o<br />
que se estava<br />
a passar, não<br />
terá sido nada<br />
menos que<br />
glorioso<br />
sem que ninguém percebesse<br />
exactamente o que se estava a<br />
passar, não terá sido nada menos<br />
que glorioso. Na nossa memória,<br />
pelo menos, fixaram-se assim:<br />
“Bellbottoms”, toda ela o groove<br />
bombástico do imenso Russel Simins<br />
(o baterista), o uivo tresloucado <strong>de</strong><br />
Spencer, o vocalista que encarnou<br />
Jagger e Presley como em BD <strong>de</strong> Lux<br />
Interior, e os riffs <strong>de</strong> Judah Bauer<br />
montados em fluxo <strong>de</strong> consciência.<br />
O início com orquestração à Isaac<br />
Hayes, a libidinosa aceleração final e<br />
o rock’n’roll a c<strong>um</strong>prir-se como<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> futuro, como<br />
<strong>de</strong>scontrolo cuidadosamente<br />
encenado para nossa libertação.<br />
Os Jon Spencer Blues Explosion,<br />
confirmamo-lo agora, vinte anos<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se terem formado das<br />
cinzas dos Pussy Galore, foram<br />
precisamente isso, <strong>um</strong>a libertação.<br />
As reedições que nos <strong>de</strong>volvem tudo<br />
aquilo que interessa da sua carreira,<br />
ou seja ,da compilação “Year One”<br />
(os álbuns, EPs e <strong>de</strong>mais gravações<br />
do primeiro ano <strong>de</strong> vida) a “ACME”,<br />
editado em 1998, quando o grito <strong>de</strong><br />
todos os conce rtos, “The blues is<br />
n<strong>um</strong>ber 1!”, já tinha ensur<strong>de</strong>cido q.b.<br />
o mainstream, mostram-nos que<br />
sim. Confirma-se. É isso mesmo Jon,<br />
“the blues is n<strong>um</strong>ber 1” - e agora, em<br />
reedições “<strong>de</strong>luxe”: “Extra Width”<br />
em conjunto com “Mo Width”,<br />
“Orange” com “Experimental<br />
Remixes”, “Now I Got Worry” com<br />
16 faixas bónus, “ACME” com “XTRA<br />
ACME”, e o ao vivo “Controversial<br />
Negro” a<strong>um</strong>entado com as canções<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> outro concerto, registado em<br />
1994.<br />
Aquilo que começou como colisão<br />
furiosa e aparentemente<br />
<strong>de</strong>sgovernada <strong>de</strong> ruído punk e<br />
bravado rockabilly (com versão <strong>de</strong><br />
Jerry Lee Lewis, “Lovin’ up a storm”,<br />
em “Year One”) tornou-se<br />
rapidamente <strong>um</strong>a máquina criativa<br />
impressionante. Em “Extra width”<br />
(1993), com “Afro”, com “Soul<br />
typecast”, os Blues Explosion<br />
abrem-se à <strong>soul</strong> e aos teclados<br />
Booker T sem per<strong>de</strong>r as qualida<strong>de</strong>s<br />
corrosivas e experimentam o<br />
estúdio <strong>de</strong> forma consistente,<br />
criando algo como “Insi<strong>de</strong> the world<br />
of the Blues Explosion” - bateria e<br />
Hammond trabalhados como<br />
produção hip hop. Em “Orange”<br />
(1994), floresce tudo o que<br />
semearam anteriormente. O estúdio<br />
torna-se, mais que nunca, <strong>um</strong><br />
instr<strong>um</strong>ento fundamental, e as<br />
canções transformam-se em<br />
laboratório <strong>de</strong> experiências: “play<br />
the blues, punk!”, outro berro<br />
emblemático, mostra que se<br />
mantém a pose confrontante, mas,<br />
nesta altura, os Blues Explosion<br />
surgem como algo novo – <strong>um</strong>a banda<br />
experimental que <strong>de</strong>sconstruía o<br />
blues em estilhaços, que<br />
transformava o legado dos Meters<br />
em funk para sintetizador e cowbell<br />
(“my father was sister Ray”, avisa<br />
Spencer), que <strong>de</strong>monstrava prazer<br />
genuíno em chafurdar na sujida<strong>de</strong> e<br />
no ruído – tinham o rock’n’roll como<br />
base <strong>de</strong> tudo e as ancas como alvo<br />
privilegiado.<br />
Com “Orange”, os Blues Explosion<br />
ven<strong>de</strong>ram às centenas <strong>de</strong> milhar e<br />
encheram concerto atrás <strong>de</strong><br />
concerto das suas intermináveis<br />
digressões. “Now I Got Worry”<br />
(1996) foi a resposta ao novo<br />
estatuto. Abre com <strong>um</strong> berreiro<br />
tétrico, acelera <strong>de</strong>mencial no<br />
“hardcore” <strong>de</strong> “I<strong>de</strong>ntify” e, em<br />
“Fuck shit up”, versão dos Dub<br />
Narcotic Soundsystem, leva a <strong>um</strong><br />
extremo vanguardista, psicótico, a<br />
inspiração nas produções hip hop<br />
aflorada em “Orange”. “Now I Got<br />
Worry”, versão negra do seu<br />
exuberante antecessor, é o segundo<br />
melhor álb<strong>um</strong> da Blues Explosion.<br />
Depois <strong>de</strong>le, “ACME” (1998).<br />
Produzido em gran<strong>de</strong> parte por<br />
Dan The Automator, é <strong>um</strong> festim <strong>de</strong><br />
Farfisas e produções luxuriantes. São<br />
os Blues Explosion concentrados<br />
como nunca antes na textura do som,<br />
na <strong>de</strong>manda do groove <strong>soul</strong>, mas<br />
falta-lhe o sentido <strong>de</strong> urgência dos<br />
álbuns anteriores. Falta-lhe, por<br />
exemplo, a chama que il<strong>um</strong>ina<br />
“Controversial Negro”, bootleg ao<br />
vivo <strong>de</strong> <strong>um</strong> concerto no Tucson, em<br />
1996, que preserva para a posterida<strong>de</strong><br />
o portento que era em concerto da<br />
banda agora regressada aos palcos.<br />
Spencer, exibicionista como se<br />
<strong>de</strong>seja, provocador como se impõe,<br />
exaltava a multidão com o seu teatro<br />
<strong>de</strong> uivos e vibrato em tom grave, com<br />
o grito que se faz ouvir, novamente e<br />
por fim: “The blues is n<strong>um</strong>ber 1”.<br />
Depois <strong>de</strong>stes discos, ainda<br />
vieram os canónicos “Plastic Fang”<br />
(2002) e “Damage” (2004), mas<br />
nestes anos 1990 em que os ouvimos<br />
novamente, é tudo verda<strong>de</strong><br />
“N<strong>um</strong>ber 1”.<br />
Jazz<br />
Valsas<br />
e hard bop<br />
Dois registos obrigatórios<br />
que nos relembram a<br />
importância da tradição<br />
histórica nos r<strong>um</strong>os actuais<br />
do jazz. Rodrigo Amado<br />
Bill Evans<br />
Waltz for Debby<br />
Riversi<strong>de</strong>, dist.<br />
Universal<br />
mmmmm<br />
Pepper Adams<br />
Plays Charles<br />
Mingus<br />
Fresh Sound, dist.<br />
Mbari<br />
mmmmn<br />
A cada ano que passa, a influência<br />
avassaladora <strong>de</strong> Bill Evans cresce e<br />
atinge não só pianistas <strong>de</strong> jazz <strong>de</strong><br />
todos os quadrantes (Hancock,<br />
Jarrett, Mehldau, Moran) como<br />
pianistas das mais diversas áreas<br />
musicais, da clássica ao rhythm &<br />
blues. É hoje difícil encontrar <strong>um</strong><br />
practicante do instr<strong>um</strong>ento que<br />
não o referencie. “Waltz for Debby”,<br />
<strong>um</strong>a das suas gravações mais<br />
importantes, complementa <strong>um</strong><br />
outro registo <strong>de</strong> referência, “Sunday<br />
at the Village Vanguard”, gravado na<br />
mesma sessão, e fornece-nos pistas<br />
valiosas, sob a forma <strong>de</strong> música,<br />
para compreen<strong>de</strong>r a atracção<br />
mágica e magnética da sua obra.<br />
Gravado ao vivo no famoso<br />
clube <strong>de</strong> Nova Iorque com o trio<br />
lendário formado por Evans, o<br />
contrabaixista Scott LaFaro (que<br />
acabaria por falecer poucos dias<br />
após a sessão) e o baterista Paul<br />
Motian, “Waltz for Debby” inclui<br />
interpretações intemporais <strong>de</strong> “My<br />
foolish heart”, “Waltz for Debby”,<br />
“My Romance” e “Milestones”.<br />
Evans foi <strong>um</strong> dos primeiros a<br />
<strong>de</strong>mocratizar o papel do contrabaixo<br />
e da bateria no seio do trio, dandolhes<br />
total liberda<strong>de</strong> para <strong>um</strong>a maior<br />
interactivida<strong>de</strong> musical, conferindo<br />
à sua música <strong>um</strong>a<br />
contemporaneida<strong>de</strong> que não se<br />
esgota, continuando, pelo contrário,<br />
a crescer.<br />
Pepper Adams é, juntamente com<br />
Gerry Mulligan, o mais influente<br />
saxofonista barítono da sua geração,<br />
encontrando-se no topo da galeria<br />
jazz ao lado <strong>de</strong> Harry Carney ou<br />
Serge Chaloff. Bastante menos<br />
reconhecido do que Mulligan,<br />
Adams espalhou o seu talento por<br />
gravações <strong>de</strong> gente tão ilustre como<br />
Aretha Franklin, Charles Mingus,<br />
Carmen McRae, Thelonious Monk,<br />
Joe Williams ou Dizzy Gillespie. Com<br />
<strong>um</strong>a reputação construída em<br />
Detroit, Adams possuia <strong>um</strong> estilo<br />
explosivo que acabaria por lhe valer<br />
a alcunha <strong>de</strong> “the knife”, sendo<br />
impossível ficar indiferente à forma<br />
incisiva e “quente” como<br />
improvisava. Da sua extensa<br />
discografia, <strong>de</strong>stacam-se “Mingus Ah<br />
Um”, gravado com Mingus, “At Town<br />
Hall”, com Monk, e em nome<br />
próprio, “10 to 4 at the 5-Spot”, <strong>um</strong><br />
clássico <strong>de</strong> 58 em que participa o<br />
gran<strong>de</strong> Elvin Jones, e este “Plays<br />
Charles Mingus”, gravação realizada<br />
em quinteto e octeto que inclui Thad<br />
Jones, Zoot Sims, Hank Jones e Paul<br />
Chambers, entre outros. Com o<br />
material escolhido em conjunto com<br />
o próprio Mingus, é <strong>um</strong> álb<strong>um</strong> <strong>de</strong><br />
jazz intenso, hard-bop <strong>de</strong> alta<br />
rotativida<strong>de</strong>, contaminado pelo<br />
blues e pelo conturbado período<br />
político que se vivia na altura.<br />
A cada ano<br />
que passa,<br />
a infl uência<br />
avassaladora<br />
<strong>de</strong> Bill Evans<br />
cresce<br />
Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 29
Concertos<br />
Além das canções do disco,<br />
Camané vai incluir <strong>um</strong><br />
tema diferente por concerto,<br />
retirado do repertório<br />
<strong>de</strong> David Mourão-Ferreira<br />
30 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
Pop<br />
Camané para<br />
mais dias<br />
“Do Amor e dos Dias” em<br />
quatro noites no São Luiz.<br />
Nuno Pacheco<br />
Camané<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz - Sala Principal.<br />
R. Antº Maria Cardoso, 38-58. De 5ª, 3, a Dom., 6,<br />
às 21h. Tel.: 213257650. 10€ a 20€.<br />
Quando estreou “Do Amor e dos<br />
Dias” no CCB, a 7 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong><br />
2010, Camané não sabia ainda o que<br />
o esperava: <strong>um</strong> espectáculo perto da<br />
perfeição e a <strong>de</strong>claração do disco,<br />
por voto praticamente unânime da<br />
crítica, como o melhor da produção<br />
portuguesa do ano passado. Agora, é<br />
já com essa responsabilida<strong>de</strong> sobre<br />
os ombros que ele se lança à estrada<br />
para levar esse trabalho a outros<br />
palcos, a começar já pelo do São<br />
Luiz, nas noites <strong>de</strong> 3, 4, 5 e 6 <strong>de</strong><br />
Fevereiro. “Já houve <strong>um</strong>a certa<br />
rodagem do disco, com concertos em<br />
Novembro, já estou mais livre para<br />
<strong>de</strong>scobrir outras coisas e os músicos<br />
também já estão mais à vonta<strong>de</strong>”, diz<br />
Camané. “A passagem para<br />
espectáculo foi complicada porque<br />
este é <strong>um</strong> disco com muita<br />
informação, mais difícil <strong>de</strong> tocar e <strong>de</strong><br />
cantar também. Mas o facto <strong>de</strong><br />
estarmos mais à vonta<strong>de</strong> agora<br />
também não nos <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>scansar<br />
muito, porque gosto da possibilida<strong>de</strong><br />
e a esperança <strong>de</strong> fazer melhor.”<br />
NUNO FERREIRA SANTOS<br />
No São Luiz, além dos temas do<br />
disco, haverá cada noite <strong>um</strong> tema<br />
diferente, retirado do repertório <strong>de</strong><br />
canções <strong>de</strong> amor <strong>de</strong> David Mourão-<br />
Ferreira, como “Noite apressada”,<br />
“Abandono” ou “Praia <strong>de</strong> Outono”.<br />
Porque, diz o fadista, “têm a ver com<br />
a temática do disco”, on<strong>de</strong> a<br />
presença do poeta é já forte. Haverá<br />
também <strong>um</strong> outro tema, que ele não<br />
quer revelar ainda, que cantará nas<br />
quatro noites. Um tema <strong>de</strong> que ele<br />
gosta muito há vários anos e que será<br />
<strong>um</strong>a surpresa para os que o forem<br />
ouvir. Os que já conhecem o disco<br />
têm-no felicitado. “Muitas pessoas<br />
me vêm falar da i<strong>de</strong>ntificação que<br />
têm com os fados, até pessoas muito<br />
mais novas, crianças que falam no<br />
fado do periquito…”<br />
Para Camané, este disco é muito<br />
importante. “Deu-me a oportunida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> crescer como intérprete. O facto<br />
<strong>de</strong> ter <strong>um</strong> registo emocional mais<br />
irónico, mais extrovertido, fez com<br />
que eu saísse mais <strong>de</strong> mim e<br />
conseguisse até surpreen<strong>de</strong>r-me. É<br />
<strong>um</strong> disco que me ensinou a fazer<br />
diferente.” Na véspera da primeira<br />
noite no São Luiz, dia 2 pelas 21h,<br />
será inaugurada no Museu do Fado<br />
<strong>um</strong>a exposição sobre Camané, on<strong>de</strong><br />
“será possível ouvir as primeiras<br />
gravações, conhecer a génese do<br />
culto fadista na sua tradição familiar”<br />
e, anuncia-se, “conhecer a fundo o<br />
repertório imaculado da sua<br />
discografia”.<br />
Clássica<br />
Espiritualida<strong>de</strong><br />
russa<br />
O Coro da Rádio da Letónia<br />
traz as “Vésperas” <strong>de</strong><br />
Rachmaninov, obra lapidar<br />
do repertório ortodoxo.<br />
Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />
Coro da Rádio da Letónia<br />
Direcção Musical <strong>de</strong> Sigvards Klava.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Pequeno<br />
Auditório. Pç. Império. 5ª, 3, às 21h. Tel.: 213612400.<br />
12,5€ a 15€.<br />
Obras <strong>de</strong> Rachmaninov.<br />
Fundado em 1940, o Coro da Rádio<br />
da Letónia é actualmente <strong>um</strong> dos<br />
agrupamentos corais mais<br />
importantes da Europa. Ao longo das<br />
últimas duas décadas, ganhou vários<br />
prémios e participou nos mais<br />
prestigiados festivais. Desempenha<br />
também <strong>um</strong> papel crucial na<br />
promoção dos compositores da<br />
Letónia através da encomenda anual<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a média <strong>de</strong> <strong>de</strong>z novas obras. Os<br />
elementos do coro exploram também<br />
novas técnicas <strong>de</strong> canto, constituindo<br />
<strong>um</strong> verda<strong>de</strong>iro laboratório <strong>de</strong> apoio à<br />
criação contemporânea. As suas<br />
gravações (em etiquetas como a BIS,<br />
Um mon<strong>um</strong>ento da liturgia ortodoxa no CCB<br />
GB Records, Ondine e Naïve) incluem<br />
peças <strong>de</strong> compositores letões como<br />
Kristaps Petersons e Martins Vil<strong>um</strong>s<br />
(primeiro prémio da UNESCO<br />
International Rostr<strong>um</strong> of Composers)<br />
e gran<strong>de</strong>s obras da história da música<br />
coral como a “Liturgia <strong>de</strong> São João<br />
Crisóstomo”, <strong>de</strong> Rachmaninov.<br />
Será precisamente com outro<br />
gran<strong>de</strong> mon<strong>um</strong>ento musical da<br />
liturgia ortodoxa da autoria <strong>de</strong><br />
Rachmaninov que o Coro da Rádio da<br />
Letónia regressa ao Centro Cultural<br />
<strong>de</strong> Belém. No próximo dia 3, sob a<br />
direcção <strong>de</strong> Sigvards Klava, interpreta<br />
as Vésperas op. 37, do compositor<br />
russo, <strong>um</strong>a obra-prima <strong>de</strong> intensa<br />
espiritualida<strong>de</strong> e magnificência<br />
sonora composta em 1915. Trata-se <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> ciclo <strong>de</strong> 15 cânticos para<br />
contralto, tenor e coro “a cappella”,<br />
que cobrem <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> rubricas do<br />
Ofício Divino segundo o uso<br />
monástico (com <strong>um</strong> paralelo nas<br />
Vésperas, nas Matinas e na Hora<br />
Prima da Igreja Católica Romana), e<br />
que era <strong>de</strong>signado originalmente por<br />
“Vigília”. Apoiando-se em antigas<br />
melodias <strong>de</strong> várias tradições da Igreja<br />
Ortodoxa (canto “znamenny”, o<br />
equivalente russo do gregoriano) e na<br />
harmonia modal, Rachmaninov<br />
utiliza o princípio da “orquestração<br />
coral”, recorrendo à junção e à<br />
oposição <strong>de</strong> timbres e a <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong><br />
varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> escrita. No<br />
dia 5, sábado, o Coro da Rádio da<br />
Letónia será também o protagonista<br />
da abertura do ciclo Sofia<br />
Gubaidulina.<br />
Diálogo <strong>de</strong> culturas<br />
Al-Kindi Ensemble<br />
Direcção Musical <strong>de</strong> Julien Jâlal<br />
Eddine Weiss.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação Calouste Gulbenkian - Gran<strong>de</strong><br />
Auditório. Av. Berna, 45A. 2ª, 31, às 21h. Tel.:<br />
217823700. 15€ a 20€.<br />
Músicas do Mundo.<br />
O ensemble Al-Kindi, <strong>um</strong> dos<br />
melhores agrupamentos mundiais no<br />
domínio da música clássica árabe, é<br />
<strong>um</strong> dos próximos convidados do<br />
ciclo <strong>de</strong>dicado às Músicas do Mundo<br />
na Gulbenkian. Na próxima segundafeira,<br />
traz ao Gran<strong>de</strong> Auditório <strong>um</strong><br />
programa ambicioso, que gira em<br />
torno da adoração da Virgem Maria<br />
por muçulmanos e cristãos. Aos<br />
habituais cinco instr<strong>um</strong>entistas do<br />
Al-Kindi, li<strong>de</strong>rados por Julien Jâlal<br />
Eddine Weiss, junta-se <strong>um</strong> conjunto<br />
<strong>de</strong> 20 figuras, incluindo <strong>um</strong> coro<br />
bizantino, <strong>de</strong>rviches sírios com as<br />
suas rodopiantes danças rituais e o<br />
cantor soufi Sheikh Habboush.<br />
Criado em 1983 por Julien Jâlal<br />
Eddine Weiss, o Al-Kindi <strong>de</strong>dica-se às<br />
tradições musicais eruditas do<br />
Próximo e do Médio Oriente. Gran<strong>de</strong><br />
virtuoso do kanun (cítara árabe),<br />
Ao Ensemble Al-Kindi vai juntar-se, na Gulbenkian,<br />
<strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> 20 fi guras, incluindo <strong>um</strong> cantor soufi ,<br />
<strong>de</strong>rviches sírios e <strong>um</strong> coro bizantino
Julien Weiss nasceu e cresceu em<br />
Paris, tendo começado por estudar<br />
guitarra clássica, mas cedo começou a<br />
pôr em causa os valores da cultura<br />
oci<strong>de</strong>ntal. Em 1976, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter<br />
realizado viagens à Califórnia, a<br />
Marrocos e às Antilhas, a audição <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> disco do iraquiano Mounir Bachir<br />
(gran<strong>de</strong> mestre do oud, alaú<strong>de</strong><br />
oriental) impressionou-o <strong>de</strong> tal modo<br />
que trocou a guitarra clássica e as<br />
harmonias do jazz pelo estudo da<br />
música micro-tonal oriental, do<br />
alaú<strong>de</strong> árabe e das múltiplas<br />
possibilida<strong>de</strong>s do kanun. Em<br />
conjunto com as suas pesquisas sobre<br />
música árabe, Weiss <strong>de</strong>dicou-se ao<br />
estudo das teorias musicais gregas,<br />
persas, turcas, bizantinas e oci<strong>de</strong>ntais<br />
e fez experiências comparativas com<br />
diferentes práticas musicais. Neste<br />
percurso foi <strong>de</strong>cisiva a criação do<br />
ensemble Al-Kindi, cujo nome faz<br />
referência ao filósofo, matemático e<br />
astrónomo iraquiano do século IX<br />
Abu Yusuf Al-Kindi, pai da teoria<br />
musical árabo-muçulmana. C.F.<br />
Jazz<br />
Fátima<br />
Miranda<br />
na Guarda<br />
Recorte clássico<br />
Luther “Guitar<br />
Junior” abre o<br />
ciclo Hootenanny<br />
Afonso Pais Trio<br />
Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque. Dom., 30, às 22h. Tel.: 220120220. 10€.<br />
Ciclo Jazz Galp.<br />
O guitarrista Afonso Pais é <strong>um</strong> dos<br />
músicos <strong>de</strong> jazz nacionais com maior<br />
consistência. Mantendo-se afastado<br />
<strong>de</strong> modas ou tendências do<br />
momento, tem <strong>de</strong>senvolvido <strong>um</strong><br />
percurso sólido, apoiado pela edição<br />
<strong>de</strong> registos que doc<strong>um</strong>entam bem a<br />
sua evolução musical. No seu último<br />
disco, “Fluxorama”, gravado em trio<br />
com <strong>um</strong>a formação idêntica à que se<br />
apresenta agora na Casa da Música -<br />
Pais na guitarra eléctrica, Albert Sanz<br />
no órgão Hammond e R.J. Miller<br />
(aqui substituido por Luis Can<strong>de</strong>ias)<br />
na bateria –, o guitarrista revisita <strong>de</strong><br />
novo duas das suas gran<strong>de</strong>s paixões<br />
musicais, os cancioneiros norteamericano<br />
e brasileiro. Optando<br />
invariavelmente por <strong>um</strong>a abordagem<br />
sóbria, <strong>de</strong> recorte clássico, a<br />
linguagem <strong>de</strong> Afonso Pais evoca não<br />
só os gran<strong>de</strong>s mestres do jazz como<br />
Jim Hall ou Wes Montgomery, mas<br />
também os gran<strong>de</strong>s estetas da<br />
guitarra brasileira, ou mmesmo<br />
da<br />
guitarra clássica. Apostando Aposta aqui no<br />
celebrado formato <strong>de</strong> gu guitarra-órgão-<br />
bateria, o trio po<strong>de</strong>rá int interpretar<br />
originais originais do guitarrista e alg<strong>um</strong>as<br />
(gran<strong>de</strong>s) canções como<br />
“Con alma”<br />
(Dizzy (Dizzy GGillespie),<br />
Afonso Pais “Medo d<strong>de</strong><br />
amar”<br />
explora duas (Vinicius (Viniciu <strong>de</strong><br />
das suas Moraes), Moraes) “You’d be<br />
paixões (os so nice to t come<br />
cancioneiros home to” to (Cole<br />
brasileiro e Porter) ou o “Soul<br />
americano) eyes” (Mal (M<br />
na Casa da Waldron). Waldr<br />
Música Rodrigo Rodr Amado<br />
Agenda<br />
Sexta 28<br />
Deolinda<br />
<strong>Lisboa</strong>. Coliseu. R. Portas St. Antão, 96, às 21h30.<br />
Tel.: 213240580. 15€ a 35€.<br />
Pedro Abrunhosa<br />
Famalicão. Casa das Artes - Gran<strong>de</strong> Auditório.<br />
Pq. <strong>de</strong> Sinçães, às 21h30. Tel.: 252371297. 15€.<br />
Nelson Cascais Quinteto<br />
<strong>Lisboa</strong>. Onda Jazz. Arco <strong>de</strong> Jesus, 7, às 22h30. Tel.:<br />
919184867. 8€.<br />
Sábado 29<br />
Luther “Guitar Junior” & The<br />
Magic Rockers<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest - Gran<strong>de</strong> Auditório. Rua Arco<br />
do Cego, às 21h30. Tel.: 217905155. 5€ a 18€.<br />
Ciclo Hootenanny.<br />
Yasmin Levy<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação Gulbenkian. Av. Berna, 45A, às<br />
21h. Tel.: 217823700. 15€ a 20€.<br />
The Young Gods<br />
Porto. Hard Club. Pç. Infante, 95, às 22h. 15€.<br />
Deolinda<br />
<strong>Lisboa</strong>. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão,<br />
96, às 21h30. Tel.: 213240580. 15€ a 35€.<br />
Rodrigo Leão<br />
Almada. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Almada. Av. Prof.<br />
Egas Moniz, às 21h30. Tel.: 212739360. 25€.<br />
Pedro Abrunhosa<br />
Famalicão. Casa das Artes - Gran<strong>de</strong> Auditório.<br />
Pq. <strong>de</strong> Sinçães, às 21h30. Tel.: 252371297. 15€.<br />
Fátima Miranda<br />
Guarda. Teatro <strong>Municipal</strong> - Pequeno Auditório.<br />
R. Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.: 271205241. 10€.<br />
Orquestra Sinfónica do Porto<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque, às 18h. Tel.: 220120220. 20€.<br />
2001: Odisseia no Espaço.<br />
Orquestra Sinfónica<br />
Portuguesa<br />
<strong>Lisboa</strong>. CCB - Gran<strong>de</strong> Auditório. Pç. Império, às<br />
21h. Tel.: 213612400. 5€ a 20€.<br />
Mês Janácek.<br />
Domingo 30<br />
OM + Gabriel Ferrandini<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Zé dos Bois. R. da Barroca, 59, às<br />
22h. Tel.: 213430205. 15€.<br />
The Young Gods<br />
<strong>Lisboa</strong>. Café Teatro Santiago Alquimista. R.<br />
Santiago, 19, às 22h30. Tel.: 218884503. 20€.<br />
Segunda 31<br />
Guy Davis<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest - Pequeno Auditório. R. Arco<br />
do Cego, às 21h30. Tel.: 217905155. 5€.<br />
Ciclo Hootenanny.<br />
Terça 1<br />
Phil Wiggins Duo<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest - Pequeno Auditório. R. Arco<br />
do Cego, às 21h30. Tel.: 217905155. 5€.<br />
Ciclo Hootenanny.<br />
The Young Gods<br />
Guarda. Teatro <strong>Municipal</strong> . - Gran<strong>de</strong> Auditório.<br />
R. Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.: 271205241. 15€.<br />
Quinta 3<br />
Os Young Gods<br />
em digressão<br />
Bernardo Sassetti<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest - Pequeno Auditório. Rua Arco<br />
do Cego, às 21h30. Tel.: 217905155. 5€.<br />
Ciclo Hootenanny.<br />
Mão Morta<br />
Porto. Rivoli Teatro <strong>Municipal</strong>. Pç. D. João I, às<br />
21h45. Tel.: 223392200. 12,5€.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 31
Teatro/Dança<br />
32 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
Confeonferênciasncias Actores ou personagens?<br />
A Mala Voadora expõe as convenções<br />
do teatro em “3D”<br />
Teatro<br />
e outras<br />
falsida<strong>de</strong>s<br />
A Mala Voadora está<br />
preparada para o que<br />
se segue: <strong>um</strong> teatro tão<br />
falso como o que trouxe a<br />
companhia até aqui.<br />
Tiago Bartolomeu Costa<br />
3D<br />
Pela Mala Voadora. Direcção <strong>de</strong><br />
Jorge Andra<strong>de</strong>. Com Anabela<br />
Almeida, Jorge Andra<strong>de</strong>.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Negócio. R. <strong>de</strong> O Século, 9, porta 5. Até<br />
30/01. 4ª a Dom. às 21h30. Tel.: 213430205. 5€ a<br />
7,5€.<br />
Po<strong>de</strong> <strong>um</strong>a companhia ambicionar,<br />
ao fim <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong><br />
trabalho consecutivo, mudar <strong>de</strong><br />
direcção, arr<strong>um</strong>ar i<strong>de</strong>ias e partir<br />
para <strong>um</strong> outro universo? Em “3D”,<br />
em cena até domingo no Negócio,<br />
em <strong>Lisboa</strong>, é a isso que se propõe a<br />
companhia Mala Voadora, dirigida<br />
pelo actor e encenador Jorge<br />
Andra<strong>de</strong> e pelo arquitecto e<br />
cenógrafo José Capela. Dizem que o<br />
se segue é <strong>um</strong> novo capítulo <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
livro aberto há muito tempo, e há<br />
muitas peças.<br />
Se os espectáculos <strong>de</strong>sta<br />
companhia nos foram sempre<br />
mostrando <strong>um</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> explorar o<br />
teatro como <strong>um</strong> exercício <strong>de</strong><br />
construção <strong>de</strong> verosimilhanças, on<strong>de</strong><br />
o que vemos não é se não o resultado<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> pacto <strong>de</strong> confiança<br />
estabelecido entre os autores e os<br />
espectadores, em “3D” esse frágil<br />
pacto é levado a <strong>um</strong> limite<br />
vertiginoso. O cenário, e o próprio<br />
início da peça, são <strong>um</strong>a colagem a <strong>um</strong><br />
espectáculo anterior, “Single”. As<br />
mesmas pare<strong>de</strong>s, representando <strong>um</strong>a<br />
casa que nos dizem ser verda<strong>de</strong>ira –<br />
A actriz, dramaturga<br />
e encenadora<br />
AAngélica<br />
Lid<strong>de</strong>ll<br />
ch chega a Coimbra<br />
na próxima sextafeira<br />
fe para dois<br />
dias di <strong>de</strong> leituras e<br />
conferências co<br />
no<br />
Teatro Te da Cerca<br />
<strong>de</strong> São Bernardo.<br />
Depois Dep <strong>de</strong>sta escala<br />
tão verda<strong>de</strong>ira quanto <strong>um</strong>a casa n<strong>um</strong><br />
palco po<strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong>ira, mesmo<br />
que pertença realmente ao<br />
encenador –, as mesmas personagens<br />
que falam, eventualmente para quem<br />
está à frente <strong>de</strong>las, mas, no fundo,<br />
com elas mesmas.<br />
O facto <strong>de</strong> estas personagens<br />
estarem no mesmo espaço, ao<br />
mesmo tempo, não é garantia <strong>de</strong><br />
que pertençam à mesma história (se<br />
houver só <strong>um</strong>a história). Em “3D”,<br />
vários textos cruzam-se com dois<br />
actores que usam os seus nomes<br />
verda<strong>de</strong>iros. E outros corpos, tão<br />
reais quanto as falsas personagens,<br />
continuam no seu mundo, a<br />
cozinhar, a passar a ferro, a pintar, a<br />
ter relações sexuais. No fundo, a<br />
realida<strong>de</strong> como ela é, revista e<br />
ampliada no palco <strong>de</strong> <strong>um</strong> teatro que<br />
se res<strong>um</strong>e a três pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
contraplacado con<strong>de</strong>nsando a<br />
realida<strong>de</strong> em hora e meia.<br />
Para os dois directores da<br />
companhia, esta é <strong>um</strong>a<br />
oportunida<strong>de</strong> para a observação, ao<br />
microscópio, dos mecanismos que<br />
tornam “real” a ficção que vemos à<br />
nossa frente. As palavras <strong>de</strong> Noel<br />
Coward (“Design for living”), T.S.<br />
Elliot (“Cocktail Party”) e António<br />
Pedro (“Desimaginação - Farsa do<br />
Quotidiano”) são, entre outras,<br />
mecanismos para forçar a realida<strong>de</strong><br />
a expor-se (enten<strong>de</strong>ndo-se aqui por<br />
realida<strong>de</strong> o modo como ela é <strong>um</strong><br />
produto da imaginação, da<br />
conveniência e da estratégia).<br />
No fundo, o que a Mala Voadora<br />
propõe com “3D” é arr<strong>um</strong>ar a sua<br />
principal linha <strong>de</strong> trabalho: o teatro<br />
existe porque se diz que existe. E<br />
porque a enunciação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a acção<br />
produz consequências que, ao fim<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> tempo, se organizam –<br />
mesmo que arbitrariamente –,<br />
sugerindo <strong>um</strong>a forma, <strong>um</strong>a norma,<br />
<strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> regras. O ponto<br />
on<strong>de</strong> esta companhia chegou, agora,<br />
é ao momento em que as velhas<br />
regras precisam ser substituidas por<br />
outras. Mesmo que falsas, como as<br />
do teatro.<br />
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
nas Jornadas<br />
<strong>de</strong> Dramaturgia<br />
Espanhola<br />
Contemporânea<br />
da Escola da Noite,<br />
Lid<strong>de</strong>ll segue para a<br />
Culturgest, em <strong>Lisboa</strong>,<br />
on<strong>de</strong> apresentará o<br />
mon<strong>um</strong>ental “La Casa<br />
<strong>de</strong> la Fuerza” dias 11<br />
e 12.<br />
SUSANA PAIVAA<br />
Agenda<br />
Teatro<br />
Continuam<br />
Life and Times - Episo<strong>de</strong> 1<br />
De Pavol Liska, Kelly Copper. Pelo<br />
Nature Theater of Oklahoma. Com<br />
Ilan Bachrach, Gabel Eiben, Anne<br />
Gridley, entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos - Sala<br />
Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. Até 29/01.<br />
5ª a Sáb. às 20h30. Tel.: 218438801. 6€ a 12€.<br />
Mãe Coragem<br />
De Bertolt Brecht. Encenação <strong>de</strong><br />
João Garcia Miguel. Com Custodia<br />
Gallego, Paula Diogo, entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Pequeno<br />
Auditório. Pç. Império. Até 30/01. 2ª, 5ª, 6ª e Sáb.<br />
às 21h. Dom. às 16h. Tel.: 213612400. 10€ a 12,5€.<br />
Sombras<br />
De Ricardo Pais. Com José Manuel<br />
Barreto, Raquel Tavares, Emília<br />
Silvestre, Pedro Almendra, Pedro<br />
Frias, Mário Laginha, entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz. R. Antº Maria<br />
Cardoso, 38-58. De 28/01 a 30/01. 6ª e Sáb. às 21h.<br />
Dom. às 17h30. Tel.: 213257650. 10€ a 20€.<br />
Hughie + Antes do Pequeno<br />
Almoço<br />
De Eugene O’Neill. Pela Companhia<br />
<strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Almada. Encenação <strong>de</strong><br />
Joaquim Benite. Com Anabela<br />
Teixeira, entre outros.<br />
Amadora. Espaço<br />
Cultural Recreios da<br />
Amadora. Av. Santos<br />
Mattos, 2. Até 30/01. 5ª a<br />
Sáb. às 21h30. Dom. às<br />
16h. Tel.: 214927315. 6€ a<br />
10€.<br />
Salomé<br />
De Oscar Wil<strong>de</strong>.<br />
Pelo Centro<br />
Dramático<br />
Galego.<br />
Encenação <strong>de</strong><br />
Carlos Santiago.<br />
Com María Mera,<br />
Pepe Penaba<strong>de</strong>,<br />
Hugo Torres,<br />
entre outros.<br />
Braga. Theatro Circo - Sala Principal. Av.<br />
Liberda<strong>de</strong>, 697. De 28/01 a 29/01. 6ª e Sáb. às 21h30.<br />
Tel.: 253203800. 5€ a 8€.<br />
A Porta Fechou-se e a Casa era<br />
Pequena<br />
De Ricardo Neves-Neves. Pelo Teatro<br />
do Eléctrico. Encenação <strong>de</strong> Ricardo<br />
Neves-Neves. Com Ricardo Neves-<br />
Neves, Vitor Oliveira.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. De 01/02 a<br />
17/02. 3ª a 5ª às 21h45. Tel.: 217221770. 5€ a 7,5€.<br />
O Homem Elefante<br />
De Bernard Pomerance. Encenação<br />
<strong>de</strong> Sandra Faleiro. Com António<br />
Fonseca, Rita Lello, Cláudio da Silva,<br />
Vera Kalantrupmann, entre outros.<br />
Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. Até<br />
30/01. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />
223401905. 5€ a 15€.<br />
Fala da Criada dos Noailles...<br />
De Jorge Silva Melo. Pelos Artistas<br />
Unidos. Encenação <strong>de</strong> Jorge Silva<br />
Melo. Com Elsa Galvão, Vânia<br />
Rodrigues, entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Trinda<strong>de</strong>. Lg, Trinda<strong>de</strong>, 7 A. Até<br />
29/01. 4ª a Sáb. às 21h. Dom. às 16h. Tel.:<br />
213420000. 8€ a 14€.<br />
Demónios <strong>de</strong> Macbeth<br />
De William Shakespeare. Encenação<br />
<strong>de</strong> Sofia <strong>de</strong> Portugal. Com Elsa<br />
“Sombras”,<br />
<strong>de</strong> Ricardo<br />
Pais, a partir<br />
<strong>de</strong> hoje<br />
em <strong>Lisboa</strong><br />
Dançando com a<br />
Diferença em Aveiro<br />
Eugene<br />
O’Neill<br />
em dose<br />
dupla na<br />
Amadora<br />
O Teatro<br />
do Eléctrico<br />
na Comuna<br />
Valentim.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Trinda<strong>de</strong>. Lg. Trinda<strong>de</strong>, 7 A. Até<br />
27/02. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h. Tel.:<br />
213420000. 8€.<br />
Glória ou como<br />
Penélope Morreu <strong>de</strong> Tédio<br />
De Cláudia Chéu. Encenação <strong>de</strong><br />
Cláudia Chéu. Com Albano<br />
Jerónimo.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional D. Maria II - Sala<br />
Experimental. Pç. D. Pedro IV. Até 30/01. 4ª a Sáb.<br />
às 21h45. Dom. às 16h. Tel.: 213250835.<br />
A Higiene do Assassino<br />
De Amélie Nothomb. Pela Efémero.<br />
Encenação <strong>de</strong> Vítor Correia. Com<br />
André Roussel, Filipa Braga Cruz,<br />
Luís Moura, entre outros.<br />
Aveiro. Estaleiro Teatral. Parque Infante D. Pedro.<br />
Até 29/01. 4ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 234386524. 5€.<br />
E Não se Po<strong>de</strong> Matá-los?<br />
De Alicia Guerra. Encenação <strong>de</strong> João<br />
Mota. Com Carlos Paulo, Alvaro<br />
Correia, Mia Farr, entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. Até 27/03.<br />
4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 217221770. 5€<br />
a 10€.<br />
Teleganza<br />
De Jorge Louraço Figueira. Pelo<br />
Teatro Nova Europa. Encenação <strong>de</strong><br />
António Durães. Com João Miguel<br />
Mota, Tânia Dinis, Tiago Correia.<br />
Porto. Estúdio Zero. R. Heroísmo, 86. Até 30/01. 3ª<br />
a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 225373265. 5€.<br />
Noite <strong>de</strong> Reis<br />
De William<br />
Shakespeare.<br />
Pelo Teatrão.<br />
Encenação <strong>de</strong><br />
Marco Antonio<br />
Rodrigues. Com<br />
Inês Mourão,<br />
Isabel Craveiro,<br />
Rodrigo Santos,<br />
entre outros.<br />
Coimbra. Oficina<br />
<strong>Municipal</strong> do Teatro. R.<br />
Pedro Nunes. Até 29/01.<br />
5ª a Sáb. às 21h30. Tel.:<br />
239718238. 5€ a 10€.<br />
O Senhor Puntila e o Seu Criado<br />
Matti<br />
De Bertolt Brecht. Pelo Teatro<br />
Aberto. Encenação <strong>de</strong> João<br />
Lourenço. Com Miguel Guilherme,<br />
Sérgio Praia, entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Aberto - Sala Azul. Pç. Espanha. Até<br />
27/02. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />
213880089. 7,5€ a 15€.<br />
Dança<br />
Continuam<br />
Nortada<br />
De Olga Roriz. Pela Companhia Olga<br />
Roriz.<br />
Portalegre. Centro <strong>de</strong> Artes do Espectáculo. Pç.<br />
Republica, 39. Dia 29/01. Sáb. às 21h30. Tel.:<br />
245307498. 10€.<br />
A Praça<br />
De Né Barros.<br />
Matosinhos. Cine-Teatro Constantino Nery. Av.<br />
Serpa Pinto. Dia 29/01. Sáb. às 21h30. Tel.:<br />
229392320. 7,5€.<br />
Levanta os Braços Como<br />
Antenas Para o Céu + Beautiful<br />
People<br />
De Clara An<strong>de</strong>rmatt, Rui Horta. Pelo<br />
Grupo Dançando com a Diferença.<br />
Aveiro. Teatro Aveirense - Sala Principal. Pç.<br />
República. Dia 28/01. 6ª às 21h30. Tel.: 234400922.<br />
8€.<br />
MANUEL ROBERTO
Cinema<br />
MARTIN BUREAU/ AFP<br />
Estreiam<br />
As vidas<br />
dos outros<br />
Um instantâneo<br />
<strong>de</strong>sencantado sobre a<br />
solidão pelos olhos <strong>de</strong> quem<br />
não a sente. Jorge Mourinha<br />
Um Ano Mais<br />
Another Year<br />
De Mike Leigh,<br />
com Jim Broadbent, Lesley Manville,<br />
Ruth Sheen, Peter Wight, Oliver<br />
Maltman, David Bradley. M/12<br />
MMMMn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />
14h30, 17h, 19h30, 22h 6ª Sábado 2ª 14h30, 17h,<br />
19h30, 22h, 00h30; Me<strong>de</strong>ia Saldanha<br />
Resi<strong>de</strong>nce: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h; UCI Cinemas - El Corte<br />
Inglés: Sala 3: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h35,<br />
19h10, 21h50, 00h30 Domingo 11h30, 14h, 16h35,<br />
19h10, 21h50, 00h30; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 5: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h25, 19h05, 21h45 6ª<br />
Sábado 13h55, 16h25, 19h05, 21h45, 00h25; ZON<br />
Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h45, 21h20, 24h; ZON<br />
Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 13h10, 16h10, 19h10, 21h50, 00h20; ZON<br />
Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h45, 18h40, 21h25,<br />
00h05; ZON Lusomundo Almada Fór<strong>um</strong>: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h25, 16h05, 18h45,<br />
21h35, 00h15<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 13h45, 16h25, 19h15, 22h05, 00h55 3ª 4ª 16h25,<br />
19h15, 22h05, 00h55; ZON Lusomundo Dolce Vita<br />
Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,<br />
15h30, 18h10, 21h10, 23h50; ZON Lusomundo<br />
Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
12h50, 15h40, 18h10, 21h10, 23h40<br />
Há <strong>um</strong>a tradição <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />
interpretações nos filmes do inglês<br />
Mike Leigh. A David Thewlis (“Nu”),<br />
Brenda Blethyn (“Segredos e<br />
Mentiras”), Imelda Staunton (“Vera<br />
Drake”) e Sally Hawkins (“Um Dia <strong>de</strong><br />
Cada Vez”) vem-se agora juntar<br />
Lesley Manville, no papel <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
secretária solitária que se refugia no<br />
RRazzie<br />
álcool e nos sonhos impossíveis para<br />
combater a sua solidão.<br />
O que há <strong>de</strong> invulgar no caso <strong>de</strong><br />
Manville é que ela não é a<br />
personagem principal do filme. “Um<br />
Ano Mais” é <strong>um</strong> filme <strong>de</strong> conjunto, e<br />
a Mary a que a actriz dá corpo e alma<br />
é apenas <strong>um</strong> dos “satélites” que<br />
orbitam à volta dos “heróis”<br />
aparentes: Tom e Gerri, <strong>um</strong> casal<br />
londrino que parece ter a vida<br />
perfeita, ele engenheiro geólogo, ela<br />
assistente social. (Desenganem-se se<br />
acharem que os nomes, Tom e Gerri,<br />
são coincidência.)<br />
Mas este casal feliz (que está longe<br />
<strong>de</strong> ser tão santo como o olhar<br />
superficial sugere) é mais o “fio<br />
condutor” do filme do que o centro<br />
<strong>de</strong>ste olhar <strong>de</strong>sencantado sobre a<br />
solidão. São personagens que Leigh<br />
usa como “substitutos” dos<br />
espectadores, que, tal como nós,<br />
assistem à litania <strong>de</strong> misérias e<br />
gran<strong>de</strong>zas que os seus convidados<br />
trazem à sua casa confortável ao<br />
longo das quatro estações do ano.<br />
Espectadores investidos nas vidas<br />
dos outros: Mary, claro, mas também<br />
Ken, o velho amigo que parece estar a<br />
matar-se aos poucos, Joe, o filho que<br />
ainda não assentou, Ronnie, o irmão<br />
viúvo que não sabe o que fazer da<br />
vida. Espectadores investidos mas,<br />
atenção, sem a con<strong>de</strong>scendência<br />
Objectos em Silêncio<br />
O Património Científico e Técnico em Portugal<br />
Cursos <strong>de</strong> natureza teórico-prática para<br />
profissionais, estudantes e interessados na área<br />
da preservação do património científico e técnico,<br />
<strong>de</strong>stinados à formação ao nível do inventário,<br />
organização, estudo e conservação <strong>de</strong> artefactos<br />
da ciência e técnica.<br />
“O Último Airben<strong>de</strong>r” e “A<br />
Saga Twilight: Eclipse”<br />
foram “distinguidos”<br />
com nove nomeações<br />
para os Razzie Awards,<br />
os prémios para o pior<br />
que se fez no cinema<br />
durante o último ano.<br />
“Um Ano Mais”: <strong>um</strong> casal feliz como fi o condutor<br />
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Foram nomeados para<br />
“Pior Filme”, junto com<br />
“O Sexo e a Cida<strong>de</strong> 2”,<br />
“Ex-Mulher Procurase”<br />
e “Ponha Aqui o seu<br />
Dentinho”. Nas categorias<br />
<strong>de</strong> interpretação, muitos<br />
actores dos nomeados<br />
altaneira ou o <strong>de</strong>sprezo que muitos<br />
críticos teimaram em ver no filme.<br />
A verda<strong>de</strong> é que todos conhecemos<br />
gente como a que faz parte <strong>de</strong>ste<br />
filme – gente que se esforça por ser<br />
feliz e que dá graças pelas suas<br />
pequenas bênçãos. Personagens que<br />
ficam <strong>de</strong>senhadas com meia dúzia <strong>de</strong><br />
pinceladas magistrais e que<br />
transformam “Um Ano Mais” na mais<br />
recente manifestação do olhar<br />
cirúrgico que Leigh lança sobre a<br />
Inglaterra contemporânea,<br />
erradamente <strong>de</strong>scrito como fazendo<br />
parte do “realismo social”. Definição<br />
tecnicamente correcta mas que falha<br />
porque Leigh não está tanto<br />
interessado no “realismo social” por<br />
si próprio, mas antes em captar <strong>um</strong>a<br />
vibração emocional no trabalho dos<br />
actores que transponha a barreira<br />
entre o real e a ficção e evite a lógica<br />
fechada das narrativas tradicionais,<br />
excertos <strong>de</strong> <strong>um</strong> contínuo sem<br />
princípio nem fim. Os riscos <strong>de</strong>sse<br />
trabalho são constantes no cinema <strong>de</strong><br />
Leigh, que alinha clássicos e obras<br />
menores n<strong>um</strong>a sequência irregular,<br />
mas é reconfortante ver alguém que<br />
não se acomoda. Basta ver como a<br />
própria estrutura “televisiva”,<br />
episódica, da narrativa consegue<br />
<strong>um</strong>a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> que as exigências do<br />
pequeno écrã só raramente<br />
permitem.<br />
Inscrições<br />
15 vagas por curso<br />
Participação gratuita<br />
Fundação Portuguesa<br />
das Comunicações /<br />
Museu das Comunicações<br />
Organização: Projecto co-financiado pelo Ministério da Cultura/Instituto dos Museus<br />
e da Conservação, através do Programa ProMuseus<br />
já são repetentes, como<br />
Robert Pattinson, Taylor<br />
Lautner e Kristen Stewart<br />
em “A Saga Twilight:<br />
Eclipse”, Megan Fox em<br />
“Jonah Hex” e Ashton<br />
Kutcher em “Beijos &<br />
Balas”<br />
Paradoxalmente, “Um Ano Mais”,<br />
exemplar do método Leigh no seu<br />
melhor, tem sido <strong>um</strong> dos seus<br />
trabalhos menos unânimes <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
que estreou em Cannes 2010, com as<br />
opiniões a abrangerem o espectro da<br />
aclamação incondicional à recusa<br />
mais absoluta. Mas já <strong>de</strong>mos por nós<br />
a pensar que “Um Ano Mais” é tão<br />
incisivo e <strong>de</strong>sencantado que talvez<br />
seja essa franqueza que incomoda<br />
quem vê. Para nós, é o melhor Leigh<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o magistral “Segredos e<br />
Mentiras” - e isto, n<strong>um</strong> ciclo que<br />
incluiu “Topsy-Turvy” ou “Vera<br />
Drake”, não é dizer pouco.<br />
Estranha forma<br />
<strong>de</strong> filme<br />
Alain Oulman - Com Que Voz<br />
De Nicholas Oulman,<br />
com . M/12<br />
MMnnn<br />
Datas e horário dos cursos<br />
24 a 28 <strong>de</strong> Janeiro<br />
Fundação Portuguesa das<br />
Comunicações/ Museu das<br />
Comunicações (<strong>Lisboa</strong>);<br />
9 a 13 <strong>de</strong> Maio<br />
Museu dos Transportes e<br />
Comunicações (Porto);<br />
2ª a 6ª das 9h às 13h e das 14h às 18h.<br />
Apoio:<br />
<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 5: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55; CinemaCity<br />
Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h40,<br />
17h45, 19h50, 21h50, 23h50 Sábado Domingo<br />
19h50, 21h50, 23h50; CinemaCity Classic<br />
Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h30, 17h30,<br />
19h30, 21h30 6ª 13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h30,<br />
23h40 Sábado 11h30, 13h30, 15h30, 17h30, 19h30,<br />
21h30, 23h40 Domingo 11h30, 13h30, 15h30, 17h30,<br />
19h30, 21h30<br />
Porto: ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h10, 18h35,<br />
21h, 23h30<br />
N<strong>um</strong> momento em que o<br />
doc<strong>um</strong>entário ganhou foros <strong>de</strong><br />
género maior no panorama das<br />
estreias nacionais, não admirará a<br />
programação para os gran<strong>de</strong>s<br />
Saiba mais em www.fpc.pt<br />
Rua do Instituto Industrial, 16<br />
1200-225 <strong>Lisboa</strong><br />
museu@fpc.pt<br />
Número ver<strong>de</strong>: 800 215 216<br />
www.fpc.pt<br />
17 a 21 <strong>de</strong> Outubro<br />
Museu <strong>de</strong> Portimão;<br />
21 a 25 <strong>de</strong> Novembro<br />
Museu <strong>de</strong> Ciência da<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 33
Cinema<br />
ecrãs <strong>de</strong> “Alain Oulman – Com Que<br />
Voz”, biografia comovida e, por<br />
vezes, comovente do <strong>homem</strong> que<br />
operou a radical transformação do<br />
fado, oferecendo à voz <strong>de</strong> Amália<br />
alguns dos temas mais espantosos e a<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cantar poemas que<br />
não caberiam na estreiteza melódica<br />
e harmónica dos fados tradicionais.<br />
E o que é “Com Que Voz”? Uma<br />
interessante recolha <strong>de</strong> materiais <strong>de</strong><br />
arquivo, alguns <strong>de</strong>les já conhecidos,<br />
da longa biografia <strong>de</strong> Amália,<br />
“Estranha Forma <strong>de</strong> Vida”, excertos<br />
<strong>de</strong> programas <strong>de</strong> televisão (o muito<br />
citado “julgamento” <strong>de</strong> Amália, por<br />
se “atrever” a cantar Camões com<br />
música <strong>de</strong> <strong>um</strong> “estrangeiro”) ou<br />
actuações seleccionadas da Diva,<br />
interpretando temas clássicos da sua<br />
extensa colaboração com Oulman.<br />
Tudo aparece, porém, sob <strong>um</strong>a<br />
nova perspectiva e <strong>um</strong>a nova or<strong>de</strong>m,<br />
quase sempre cronológica, <strong>de</strong> forma<br />
a traçar <strong>um</strong> retrato <strong>de</strong> corpo inteiro<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>homem</strong> que se <strong>de</strong>sdobrou em<br />
múltiplas activida<strong>de</strong>s: encenador <strong>de</strong><br />
teatro; editor literário, à frente do<br />
gigante francês, a Calmann-Levy,<br />
empresa familiar (Oulman era filho<br />
da filha do fundador da editora),<br />
ocasião para falar do seu papel como<br />
divulgador da obra <strong>de</strong> Patrícia<br />
Highsmith e para entrevistar dos<br />
autores <strong>de</strong> sucesso que incentivou no<br />
mundo das letras, Catherine Clément<br />
e o israelita Amos Oz, projectando-os<br />
no mercado francês e europeu;<br />
militante <strong>de</strong> esquerda,<br />
estranhamente ligado à cisão maoista<br />
do Partido Comunista Português<br />
(muito curiosa a escolha <strong>de</strong> Zita<br />
Seabra para vocalizar mais <strong>um</strong>a<br />
bicada à politica sectária do Partido a<br />
que pertenceu) e expulso do Portugal<br />
<strong>de</strong> Salazar, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter estado preso<br />
pela PIDE, salvo “in extremis” pelos<br />
bons contactos familiares e pelo facto<br />
<strong>de</strong> ser cidadão francês.<br />
Ou seja, esta biografia <strong>de</strong> Alain<br />
Oulman, compositor e <strong>homem</strong> <strong>de</strong><br />
cultura, <strong>de</strong>sdobra-se n<strong>um</strong>a<br />
complicada retrospectiva histórica,<br />
esboçando <strong>um</strong> retrato do país nas<br />
décadas <strong>de</strong> 60 e 70, sem esquecer a<br />
inclusão <strong>de</strong> imagens inevitáveis, mas<br />
breves, do 25 <strong>de</strong> Abril. Conduzido, <strong>de</strong><br />
início, pelos <strong>de</strong>poimentos das irmãs<br />
mais velhas, que historiam a<br />
problemática <strong>de</strong> <strong>um</strong>a família judia<br />
luso-francesa, com <strong>um</strong> pai<br />
impositivo, <strong>um</strong> irmão morto durante<br />
a guerra, com cuja estatura teve <strong>de</strong><br />
medir-se, alargado <strong>de</strong>pois à<br />
participação <strong>de</strong> outros familiares e da<br />
ex-mulher (extremamente<br />
comovente o momento em que ela<br />
fala da morte prematura e limpa <strong>um</strong>a<br />
lágrima), o filme aparece filtrado pela<br />
homenagem póst<strong>um</strong>a do filho,<br />
Nicholas, realizador e arg<strong>um</strong>entista:<br />
logo trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a visão intimista e<br />
próxima <strong>de</strong> quem quer recuperar o<br />
que conheceu pouco (ou nada), <strong>um</strong><br />
interessante doc<strong>um</strong>ento, bem<br />
pesquisado e correctamente<br />
enca<strong>de</strong>ado.<br />
O único problema passa pela<br />
34 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
As estrelas do público<br />
Jorge<br />
Mourinha<br />
Luís M.<br />
Oliveira<br />
Mário<br />
J. Torres<br />
Vasco<br />
Câmara<br />
Um ano mais mmmmn nnnnn nnnnn mnnnn<br />
O amor é o melhor remédio mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />
Biutiful A mnnnn nnnnn A<br />
Chantrapas mmnnn mmmmn nnnnn mmnnn<br />
Alain Oulman- com que voz mmnnn nnnnn mmnnn nnnnn<br />
Hereafter - Outra Vida mmnnn nnnnn mmmmn mnnnn<br />
A Minha Alegria mmmnn mmmnn nnnnn mmmmn<br />
72 horas mmnnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />
Tron- o Legado mmmnn nnnnn mnnnn nnnnn<br />
Vais conhecer o <strong>homem</strong> dos teus sonhos mmnnn mmmnn nnnnn mmnnn<br />
estrutura, tendo em conta a sua<br />
projecção n<strong>um</strong>a sala <strong>de</strong> cinema:<br />
“Alain Oulman – Com Que Voz” faz<br />
sentido enquanto doc<strong>um</strong>entário para<br />
televisão, mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Ruínas”, <strong>de</strong><br />
Manuel Mozos, “Fantasia Lusitana”,<br />
<strong>de</strong> João Canijo, sofisticados modos <strong>de</strong><br />
interrogar o passado português, ou,<br />
se quisermos reverter para a<br />
memória familiar, “Florette”, <strong>de</strong><br />
Serge Treffaut, este filme faz figura <strong>de</strong><br />
mitigada, embora fascinante,<br />
biografia para passar em horário<br />
nobre <strong>de</strong> <strong>um</strong>a televisão.<br />
Óful<br />
Biutiful<br />
De Alejandro González Iñárritu,<br />
com Javier Bar<strong>de</strong>m, Maricel Álvarez,<br />
Eduard Fernán<strong>de</strong>z. M/16<br />
Mnnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 4: 5ª 2ª<br />
3ª 4ª 16h30, 21h 6ª 16h30, 21h, 00h15 Sábado<br />
12h50, 16h30, 21h, 00h15 Domingo 12h50, 16h30,<br />
21h; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 7: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h30, 21h30,<br />
00h25; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />
Touros: Sala 8: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 1520, 18h20, 21h20,<br />
00h15 Sábado Domingo 12h, 1520, 18h20, 21h20,<br />
00h15; CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 4: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20 6ª Sábado<br />
15h20, 18h20, 21h20, 00h10; Me<strong>de</strong>ia Saldanha<br />
Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 13h10, 16h, 18h50, 21h40, 00h30; UCI Cinemas -<br />
El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª<br />
15h, 18h15, 21h30, 00h25 Domingo 11h30, 15h, 18h15,<br />
21h30, 00h25; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h30, 20h50,<br />
24h; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h30, 21h,<br />
00h10; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 17h, 21h, 00h15; ZON<br />
Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h45, 21h, 00h15; ZON<br />
Lusomundo Almada Fór<strong>um</strong>: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h50, 21h, 00h15<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 11: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h10, 18h25, 21h35,<br />
00h40; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 17h20, 21h,<br />
00h15; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h30, 20h50,<br />
00h10<br />
Ele há gostos para tudo, mas somos<br />
dos que pensam que Alejandro<br />
Gonzalez Iñarritu é o gran<strong>de</strong> “bluff”<br />
da primeira década do século XXI. E<br />
a dimensão do “bluff” tem muito a<br />
ver com o facto <strong>de</strong> esta ter sido a<br />
década em que a Internet se<br />
consagrou como território da<br />
(mesma) “opinião” replicada ad<br />
nauseam, mas não vale a pena ir<br />
agora por aí. Sejamos sucintos: não é<br />
Bar<strong>de</strong>m é <strong>um</strong> óptimo actor,<br />
mas este é o Bar<strong>de</strong>m mais bovino e esbugalhado<br />
que alguém alg<strong>um</strong>a vez fi lmou<br />
“Biutiful” que nos vem mudar as<br />
i<strong>de</strong>ias: trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> “bluff” tão<br />
gran<strong>de</strong> como qualquer outro filme <strong>de</strong><br />
Iñarritu.<br />
A “pequena história” por trás <strong>de</strong><br />
“Biutiful” regista que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
Iñarritu se ter zangado com o seu<br />
arg<strong>um</strong>entista Guillermo Arriaga (que<br />
se achava o responsável pela “obras<br />
primas” <strong>de</strong> Iñarritu) se aventurou<br />
aqui pela primeira vez a “solo”. A<br />
primeira conclusão é óbvia: não era<br />
por causa <strong>de</strong> Arriaga que Iñarritu era<br />
mau, porque mesmo sem ele<br />
continua a sê-lo. Mas há <strong>um</strong>a<br />
consequência, porque Iñarritu não<br />
quis seguir a marca dos arg<strong>um</strong>entos<br />
<strong>de</strong> Arriaga (as estruturas em<br />
“mosaico”, que levaram tanta gente<br />
ao êxtase perante a “montagem” <strong>de</strong><br />
“Babel”, por exemplo), e agarrou-se a<br />
<strong>um</strong>a história contada com <strong>um</strong>a<br />
linearida<strong>de</strong> absoluta ou quase<br />
absoluta, com <strong>um</strong>a personagem<br />
central (Javier Bar<strong>de</strong>m) e <strong>um</strong>a<br />
geografia concentrada na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Barcelona. Muda isto alg<strong>um</strong>a coisa?<br />
Só se for que, <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong><br />
“truques”, o cinema <strong>de</strong> Iñarritu se<br />
expõe mais na sua falta <strong>de</strong> subtileza e<br />
se tal era possível no seu<br />
oportunismo. São ainda as “dores da<br />
h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>”, em fundo <strong>de</strong> miséria<br />
(como em “Babel”, com <strong>um</strong>a leve<br />
caução anti-globalização, que inclui<br />
cenas <strong>de</strong> t<strong>um</strong>ultos <strong>de</strong> rua e tudo), e<br />
temperada com <strong>um</strong> “intimismo”<br />
psicologizante oriundo da “tragédia<br />
pessoal” da personagem <strong>de</strong> Bar<strong>de</strong>m<br />
(a relação com a mulher, doente<br />
mental). Tudo é solene e soturno,<br />
mas a solenida<strong>de</strong> e a soturnida<strong>de</strong> são<br />
fabricadas como ornamentos (a<br />
fotografia, a música) ou, pior ainda,<br />
como “guias <strong>de</strong> leitura” pré<strong>de</strong>finidos,<br />
a condicionarem o modo<br />
como o espectador <strong>de</strong>ve olhar para<br />
aquilo. E o espectador sofre, <strong>de</strong> facto,<br />
e sofre bastante. Por exemplo com<br />
todas as cenas <strong>de</strong> “família” e <strong>de</strong><br />
“intimida<strong>de</strong>”, maçadoras, falhas <strong>de</strong><br />
imaginação, <strong>um</strong> suposto naturalismo<br />
básico mas <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> energia –<br />
Cassavetes, se ressuscitasse,<br />
arrependia-se <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a vez ter feito<br />
“Faces”, o filme que <strong>de</strong>u a impressão<br />
que isto era fácil <strong>de</strong> fazer.<br />
E Javier Bar<strong>de</strong>m, no meio disto? É<br />
<strong>um</strong> óptimo actor e os actores como<br />
ele nunca per<strong>de</strong>m completamente a<br />
dignida<strong>de</strong>; mas sejamos francos, é o<br />
Bar<strong>de</strong>m mais bovino e esbugalhado<br />
que alguém alg<strong>um</strong>a vez filmou, e o<br />
pior é que é só disso que Iñarritu está<br />
à procura. Luís Miguel Oliveira<br />
O Amor é o Melhor Remédio<br />
Love & Other Drugs<br />
De Edward Zwick,<br />
com Jake Gyllenhaal, Anne Hathaway,<br />
Oliver Platt, Hank Azaria, Josh Gad.<br />
M/12<br />
MMMnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 5: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h50,<br />
21h30, 24h; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 6: 5ª<br />
6ª 2ª 3ª 4ª 13h45, 15h55, 18h35, 21h35, 23h50<br />
Sábado Domingo 11h30, 13h45, 15h55, 18h35, 21h35,<br />
23h50; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 2: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 15h45, 18h10,<br />
21h40, 23h55; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />
Touros: Sala 4: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h30,<br />
19h10, 22h, 00h10 Sábado Domingo 14h20, 16h30,<br />
18h40, 22h, 00h10; Me<strong>de</strong>ia Fonte Nova: Sala 1: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30,<br />
22h; Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 7: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30,<br />
24h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª<br />
Sábado 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h30, 19h, 21h40, 00h10<br />
Domingo 11h30, 14h05, 16h30, 19h, 21h40,<br />
00h10; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 10: 5ª Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 13h50, 16h25, 19h10, 21h35 6ª Sábado<br />
13h50, 16h25, 19h10, 21h35, 00h10; ZON Lusomundo<br />
Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h40, 16h20, 18h55, 21h30, 00h30; ZON<br />
Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h20,<br />
24h; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h30, 18h10, 21h30,<br />
00h05; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h30, 18h10,<br />
21h10, 23h50; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h10,<br />
21h10, 23h50; Castello Lopes - Fór<strong>um</strong> Barreiro: Sala<br />
4: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30 6ª 15h30,<br />
18h30, 21h30, 00h10 Sábado 13h, 15h30, 18h30,<br />
21h30, 00h10 Domingo 13h, 15h30, 18h30,<br />
21h30; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 2: 5ª<br />
6ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h10, 21h20, 23h50 Sábado<br />
Domingo 12h50, 15h20, 18h10, 21h20, 23h50; ZON<br />
Lusomundo Almada Fór<strong>um</strong>: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30, 18h40, 21h30,<br />
00h10; ZON Lusomundo Fór<strong>um</strong> Montijo: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h45, 18h20,<br />
21h20, 00h05; Zon Lusomundo Freeport: 5ª 2ª 3ª<br />
4ª 16h, 18h30, 21h10 6ª 16h, 18h30, 21h10, 23h40<br />
Sábado 13h20, 16h, 18h30, 21h10, 23h40 Domingo<br />
13h20, 16h, 18h30, 21h10<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 13h50, 16h25, 19h05, 21h50, 00h35 3ª<br />
4ª 16h25, 19h05, 21h50, 00h35; ZON Lusomundo<br />
Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h20, 16h, 18h40, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo<br />
GaiaShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h20, 16h10, 18h55, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo<br />
MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40,<br />
16h20, 19h, 21h40 6ª Sábado 13h40, 16h20, 19h,<br />
21h40, 00h30; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30, 18h20,<br />
21h20, 24h; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 16h, 18h50, 21h50,<br />
00h40; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h20,<br />
21h30, 00h30; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h25, 19h05,<br />
21h45, 00h25<br />
Edward Zwick é realizador que gosta<br />
dos gestos gran<strong>de</strong>s e épicos, que<br />
tanto acerta (“Tempo <strong>de</strong> Glória”,<br />
“Diamante <strong>de</strong> Sangue”) como falha<br />
(“Lendas <strong>de</strong> Paixão”, “O Último<br />
Samurai”). Daí que vê-lo a atirar-se à<br />
comédia romântica comece por<br />
inspirar alg<strong>um</strong>a <strong>de</strong>sconfiança, antes<br />
<strong>de</strong> nos <strong>de</strong>volver o melhor Zwick,<br />
aquele que criou, ajudou a escrever<br />
e dirigiu vários episódios da seminal<br />
série televisiva “Os Trintões”. “O<br />
Amor É o Melhor Remédio” é <strong>um</strong>a<br />
comédia romântica politicamente<br />
incorrecta, sobre o romance<br />
improvável entre <strong>um</strong> <strong>de</strong>legado <strong>de</strong><br />
Jake Gyllenhall em “O Amor é o Melhor<br />
Remédio”: o charme ligado no máximo<br />
propaganda médica ambicioso e<br />
mulherengo e <strong>um</strong>a artista cujo<br />
diagnóstico <strong>de</strong> Parkinson precoce<br />
tornou cínica e misantropa. O<br />
encontro entre estes dois egoístas<br />
viciados em sexo <strong>de</strong>senrola-se nos<br />
anos 1990, sob fundo do lançamento<br />
do Viagra, e é <strong>um</strong> olhar <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>vastadora irrisão sobre as<br />
manigâncias da indústria<br />
farmacêutica, <strong>um</strong>a comédia sexual<br />
mal comportada sem falsos<br />
moralismos, e <strong>um</strong>a comédia<br />
romântica com gente lá <strong>de</strong>ntro em<br />
vez <strong>de</strong> construções <strong>de</strong> arg<strong>um</strong>entista,<br />
alinhando sem pruridos situações <strong>de</strong><br />
que a maior parte das comédias<br />
românticas foge como o diabo da<br />
cruz. O elenco que Zwick reuniu<br />
ajuda, até porque Jake Gyllenhaal e<br />
Anne Hathaway raras vezes têm<br />
papel que lhes permita ligar o<br />
charme no máximo <strong>de</strong>ste modo.<br />
Nem sempre a gestão dos vários tons<br />
é feita a contento, mas o que noutras<br />
mãos seria <strong>um</strong>a confusão<br />
<strong>de</strong>sgraçada dá todos os passos certos<br />
nas <strong>de</strong> Zwick. J. M.<br />
72 Horas<br />
The Next Three Days<br />
De Paul Haggis,<br />
com Russell Crowe, Elizabeth Banks.<br />
M/12<br />
MMnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 6: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40,<br />
18h30, 21h20, 00h10; CinemaCity Alegro<br />
Alfragi<strong>de</strong>: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 13h35, 15h50, 18h30, 21h40, 23h55; CinemaCity<br />
Beloura Shopping: Cinemax: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h05, 18h30, 21h25,<br />
23h40; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 10: 5ª 6ª<br />
Sábado 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 19h15, 22h, 00h30<br />
Domingo 11h30, 14h20, 16h50, 19h15, 22h,<br />
00h30; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 8: 5ª Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 13h45, 16h15, 18h55, 21h30 6ª Sábado 13h45,<br />
16h15, 18h55, 21h30, 00h05; ZON Lusomundo<br />
Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h20, 16h, 18h35, 21h40, 00h20; ZON Lusomundo<br />
Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,<br />
15h30, 18h10, 21h20, 24h; ZON Lusomundo<br />
CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
12h50, 15h40, 18h20, 21h30, 00h15; ZON<br />
Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h15, 23h55; ZON<br />
Lusomundo Odivelas Parque: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30,<br />
18h10, 21h10 6ª 15h30, 18h10, 21h10, 23h50 Sábado<br />
13h, 15h30, 18h10, 21h10, 23h50 Domingo 13h,<br />
15h30, 18h10, 21h10; ZON Lusomundo Oeiras<br />
Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,<br />
15h40, 18h20, 21h20, 24h; ZON Lusomundo Torres<br />
Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15,<br />
16h, 18h40, 21h25, 00h25; ZON Lusomundo Vasco<br />
da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50,<br />
15h25, 18h, 21h, 23h40; Castello Lopes - C. C.<br />
J<strong>um</strong>bo: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 16h, 18h40, 21h20 6ª<br />
16h, 18h40, 21h20, 24h Sábado 13h20, 16h, 18h40,<br />
21h20, 24h Domingo 13h20, 16h, 18h40,<br />
21h20; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 1: 5ª<br />
6ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30, 00h10 Sábado<br />
Domingo 12h40, 15h30, 18h30, 21h30, 00h10; ZON<br />
Lusomundo Almada Fór<strong>um</strong>: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h30, 15h10, 18h, 21h,<br />
23h50; ZON Lusomundo Fór<strong>um</strong> Montijo: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h10, 18h50,<br />
21h30, 00h15<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 13h45, 16h15, 18h50, 21h30, 00h20 3ª 4ª 16h15,<br />
18h50, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo Dolce Vita<br />
Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50,<br />
16h30, 19h10, 21h50, 00h30; ZON Lusomundo<br />
Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h20, 15h50, 18h30, 21h30, 00h10; ZON<br />
Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Biopic<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h10, 19h10, 22h,<br />
00h45; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30, 18h40,<br />
21h40, 00h25; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 2:<br />
5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h40, 21h30 6ª 15h40, 18h40,<br />
21h30, 00h15 Sábado 12h50, 15h40, 18h40, 21h30,<br />
00h15 Domingo 12h50, 15h40, 18h40, 21h30; ZON<br />
Lusomundo Fór<strong>um</strong> Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h, 15h50, 18h50, 21h40 6ª Sábado 13h, 15h50,<br />
18h50, 21h40, 00h30<br />
É, no espaço <strong>de</strong> três semanas, a<br />
terceira “remake” americana <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
filme francês que chega às salas,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “O Preço da Traição” e “O<br />
Turista” - e é a terceira “remake” com<br />
“pedigree”, entregue aos bons<br />
cuidados <strong>de</strong> Paul Haggis,<br />
arg<strong>um</strong>entista do “Million Dollar<br />
Baby” <strong>de</strong> Eastwood e realizador <strong>de</strong><br />
“Crash”, aqui adaptando <strong>um</strong><br />
“thriller” <strong>de</strong> Fred Cavayé (“Pour<br />
Elle”, pouco visto fora <strong>de</strong> França).<br />
Russell Crowe substitui Vincent<br />
Lindon no papel <strong>de</strong> <strong>um</strong> professor<br />
universitário tão seguro que a esposa<br />
está inocente do homicídio pelo qual<br />
foi con<strong>de</strong>nada que articula <strong>um</strong><br />
arriscado plano <strong>de</strong> evasão. Mas esta é<br />
também a terceira “remake” falhada,<br />
já que Haggis não consegue resolver a<br />
contento o dilema que o interessou:<br />
conciliar <strong>um</strong> “thriller” <strong>de</strong> factura<br />
clássica (conseguido) com <strong>um</strong>a<br />
meditação sobre o amor<br />
incondicional (falhada). “72 Horas”<br />
brinca com a ambiguida<strong>de</strong> (Lara é ou<br />
não realmente culpada?) e evoca aqui<br />
e ali as questões morais levantadas<br />
por esta transformação <strong>de</strong> pai <strong>de</strong><br />
família e professor em criminoso<br />
justiceiro e implacável, mas acaba<br />
por abandoná-las sem nunca as levar<br />
muito longe para se concentrar<br />
finalmente no lado <strong>de</strong> “thriller”. J.M.<br />
Continuam<br />
Hereafter - Outra Vida<br />
Hereafter<br />
De Clint Eastwood,<br />
com Matt Damon, Cécile <strong>de</strong> France,<br />
Jay Mohr, Bryce Dallas Howard,<br />
George McLaren, Frankie McLaren.<br />
M/12<br />
Mnnnn<br />
Bryan Singer (“Os<br />
Suspeitos do Cost<strong>um</strong>e” e<br />
“Superman – O Regresso”)<br />
vai realizar <strong>um</strong> fi lme<br />
sobre o coreógrafo e<br />
encenador Bob Fosse. A<br />
HBO comprou os direitos<br />
da biografi a “Bye, Bye<br />
Life: The Loves and<br />
Deaths of Bob Fosse”, que<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª 2ª<br />
3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h30 6ª 15h30, 18h20, 21h30,<br />
00h10 Sábado 13h, 15h30, 18h20, 21h30, 00h10<br />
Domingo 13h, 15h30, 18h20, 21h30; Castello Lopes<br />
- Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30,<br />
19h, 21h30 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h30,<br />
24h; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 4: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h40,<br />
21h10, 23h50; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 2:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h05,<br />
18h40, 21h35, 00h10; CinemaCity Beloura<br />
Shopping: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 13h30, 16h15, 18h50, 21h35, 00h10; CinemaCity<br />
Campo Pequeno Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 2: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h30,<br />
21h30, 24h; CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 1: 5ª<br />
servirá <strong>de</strong> base do fi lme.<br />
Ainda não foi divulgado<br />
quem vai escrever o guião.<br />
Bob Fosse (1927-1987),<br />
fi gura incontornável e<br />
inovadora da coreografi a,<br />
venceu nove Tony Awards<br />
e <strong>um</strong> Óscar. Foi nomeado<br />
para o Óscar <strong>de</strong> Melhor<br />
Realizador por três vezes,<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h, 18h30, 21h35 6ª<br />
Sábado 13h35, 16h, 18h30, 21h35, 24h; Me<strong>de</strong>ia<br />
Mon<strong>um</strong>ental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h45, 00h15; UCI Cinemas -<br />
El Corte Inglés: Sala 9: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª<br />
14h10, 16h45, 19h20, 21h55, 00h30 Domingo 11h30,<br />
14h10, 16h45, 19h20, 21h55, 00h30; UCI Dolce Vita<br />
Tejo: Sala 9: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h35,<br />
19h15, 21h45 6ª Sábado 14h05, 16h35, 19h15, 21h45,<br />
00h25; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h40, 21h10,<br />
00h10; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 19h, 21h40,<br />
00h20; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h35, 15h20, 18h10,<br />
21h05, 00h05; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h45, 18h45,<br />
21h40, 00h25; ZON Lusomundo Dolce Vita<br />
Miraflores: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30,<br />
21h30 6ª Sábado 15h30, 18h30, 21h30, 00h30; ZON<br />
Lusomundo Odivelas Parque: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40,<br />
18h30, 21h30 6ª 15h40, 18h30, 21h30, 00h10 Sábado<br />
12h55, 15h40, 18h30, 21h30, 00h10 Domingo 12h55,<br />
15h40, 18h30, 21h30; ZON Lusomundo Oeiras<br />
Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50,<br />
15h35, 18h30, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo<br />
Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
12h45, 15h30, 18h20, 21h10, 00h10; ZON Lusomundo<br />
Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
12h45, 15h30, 18h30, 21h20, 00h10; Algarcine - Sines<br />
: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30<br />
6ª Sábado 15h30, 18h30, 21h30, 24h; Castello Lopes<br />
- C. C. J<strong>um</strong>bo: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h30,<br />
21h30 6ª 15h40, 18h30, 21h30, 00h10 Sábado 13h,<br />
15h40, 18h30, 21h30, 00h10 Domingo 13h, 15h40,<br />
18h30, 21h30; Castello Lopes - Fór<strong>um</strong> Barreiro: Sala<br />
1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h10, 21h20 6ª 15h20, 18h10,<br />
21h20, 24h Sábado 12h40, 15h20, 18h10, 21h20, 24h<br />
Domingo 12h40, 15h20, 18h10, 21h20; Castello Lopes<br />
- Rio Sul Shopping: Sala 3: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h40,<br />
18h20, 21h10, 24h Sábado Domingo 13h, 15h40,<br />
18h20, 21h10, 24h; ZON Lusomundo Almada Fór<strong>um</strong>:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40,<br />
18h30, 21h10, 24h; ZON Lusomundo Fór<strong>um</strong> Montijo:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40,<br />
18h25, 21h25, 00h10<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 13h55, 16h35, 19h20, 22h05, 00h50 3ª<br />
4ª 16h35, 19h20, 22h05, 00h50; Vivacine -<br />
Maia: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h50, 17h, 21h, 23h50; ZON Lusomundo Dolce Vita<br />
Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50,<br />
15h40, 18h30, 21h20, 00h10; ZON Lusomundo<br />
Ferrara Plaza: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h40,18h30,<br />
21h20 6ª Sábado 15h40,18h30, 21h20, 00h05; ZON<br />
Lusomundo GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h, 15h50, 18h40, 21h20 6ª Sábado 13h, 15h50,<br />
18h40, 21h20, 00h30; ZON Lusomundo<br />
NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
12h50, 15h40, 18h40, 21h40, 00h30; ZON<br />
Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h25, 18h30, 21h20,<br />
00h10; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 4: 5ª 2ª<br />
3ª 4ª 16h, 18h50, 21h40 6ª 16h, 18h50, 21h40,<br />
00h20 Sábado 13h20, 16h, 18h50, 21h40, 00h20<br />
Domingo 13h20, 16h, 18h50, 21h40; ZON<br />
Lusomundo Fór<strong>um</strong> Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
14h40, 17h40, 21h 6ª Sábado 14h40, 17h40, 21h, 24h<br />
E Clint ficou atolado na mixórdia do<br />
filme <strong>de</strong> arg<strong>um</strong>entista com narrativas<br />
paralelas programadas para se<br />
cruzarem. Demasiados planos<br />
turísticos <strong>de</strong> ligação e <strong>de</strong>masiados<br />
planos <strong>de</strong> aviões – mas, afinal, o<br />
arg<strong>um</strong>ento or<strong>de</strong>na que se<br />
transportem as personagens <strong>de</strong> S.<br />
Francisco e <strong>de</strong> Paris para Londres a<br />
tempo <strong>de</strong> <strong>um</strong> “happy end” que é das<br />
coisas mais feias que Clint já filmou.<br />
Uma história francesa ao “estilo<br />
internacional”, isto é, sem estilo;<br />
<strong>um</strong>a história americana que merecia<br />
o filme todo (a sequência das aulas <strong>de</strong><br />
cozinha prometia...) – é o mais perto<br />
que Clint chega das zonas que mais<br />
gostamos que ele tacteie, a escuridão;<br />
finalmente, <strong>um</strong>a versão <strong>de</strong> plástico<br />
do melodrama social britânico.<br />
Nenh<strong>um</strong>a das histórias tem vida<br />
própria, sofre sempre da condição <strong>de</strong><br />
estar “ao lado” <strong>de</strong> <strong>um</strong>a outra, ao lado<br />
e <strong>de</strong>salmada, con<strong>de</strong>nada ao<br />
cruzamento. E <strong>de</strong>pois, a metafísica<br />
por computador... Vasco Câmara<br />
vencendo em 1972 com<br />
“Cabaret, A<strong>de</strong>us Berlim”.<br />
Em 1979, realizou e<br />
escreveu “O Espectáculo<br />
Vai Começar”, <strong>um</strong> fi lme<br />
autobiográfi co que<br />
venceu a Palma <strong>de</strong> Ouro<br />
<strong>de</strong> Cannes.<br />
Vais Conhecer o Homem<br />
dos Teus Sonhos<br />
You Will Meet a Tall Dark<br />
Stranger<br />
De Woody Allen,<br />
com Antonio Ban<strong>de</strong>ras, Josh Brolin,<br />
Anthony Hopkins, Gemma Jones,<br />
Freida Pinto, Lucy Punch, Naomi<br />
Watts. M/12<br />
MMnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Londres: Sala 2: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª<br />
Sábado 14h15, 16h45, 19h15, 21h45, 00h15; Castello<br />
Lopes - Loures Shopping: Sala 7: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h30, 18h10, 21h05,<br />
23h30; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 9: 5ª 6ª<br />
2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 24h Sábado<br />
Domingo 11h50, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h,<br />
24h; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />
Touros: Sala 5: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h10,<br />
18h10, 20h10, 22h10, 00h20 Sábado Domingo<br />
13h50, 14h05, 16h10, 18h10, 20h10, 22h10,<br />
00h20; Me<strong>de</strong>ia Mon<strong>um</strong>ental: Sala 4 - Cine Teatro:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h,<br />
20h, 22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala<br />
13: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h10,<br />
21h30, 23h55 Domingo 11h30, 14h15, 16h45, 19h10,<br />
21h30, 23h55; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h20, 18h45,<br />
21h50, 00h15; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h10, 17h50,<br />
21h10, 23h30; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 16h, 18h50, 21h15,<br />
23h40; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 13h, 15h35, 18h, 21h05, 23h40 4ª<br />
13h, 15h35, 18h, 23h40; ZON Lusomundo Oeiras<br />
Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 18h,<br />
21h45, 00h25; Castello Lopes - Rio Sul<br />
Shopping: Sala 7: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 16h10, 19h, 22h,<br />
00h30 Sábado Domingo 13h40, 16h10, 19h, 22h,<br />
00h30; ZON Lusomundo Almada Fór<strong>um</strong>: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h35, 18h05,<br />
21h05, 23h30<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 12: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 14h15, 16h40, 19h05, 21h35, 00h05 3ª<br />
4ª 16h40, 19h05, 21h35, 00h05; ZON Lusomundo<br />
Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
19h30, 22h, 00h35; ZON Lusomundo<br />
NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h40, 16h20, 19h, 21h30, 24h; ZON Lusomundo<br />
Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 13h30, 16h30, 19h10, 22h, 00h15; ZON<br />
Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 13h55, 16h35, 19h05, 21h40, 00h15<br />
Esta tem sido a “démarche” <strong>de</strong><br />
Woody Allen nas cida<strong>de</strong>s (Londres ou<br />
Barcelona): sem curiosida<strong>de</strong> já para o<br />
que é diferente e apenas<br />
aproveitando os cenários que lhe dão<br />
para repor obsessões, motivos e as<br />
figuras <strong>de</strong> sempre – veja-se como a<br />
prostituta <strong>de</strong>ste filme, Lucy Punch, é<br />
<strong>um</strong>a reedição, trejeitos e tudo, das<br />
prostitutas <strong>de</strong> outros filmes, da Mira<br />
Sorvino <strong>de</strong> “Po<strong>de</strong>rosa Afrodite” ou da<br />
Bebe Neuwirth <strong>de</strong> “Celebrida<strong>de</strong>s”.<br />
Ou seja, é coisa <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>, em<br />
que o “outro” não regista ou é<br />
passeio turístico. E no entanto, em<br />
“Vais conhecer o <strong>homem</strong> dos teus<br />
sonhos”, essa clausura <strong>de</strong> velho - é<br />
<strong>um</strong> filme <strong>de</strong>scarnado até ao osso,<br />
aparentemente já sem paciência para<br />
“construir”, <strong>de</strong>spejando actores n<strong>um</strong><br />
cenário a recitarem <strong>um</strong> texto e sem<br />
outra alternativa a não ser servirem<br />
<strong>de</strong> veículo do que foi escrito por... -<br />
carrega este filme sobre o <strong>de</strong>stino<br />
com <strong>um</strong>a claustrofobia pegajosa. E<br />
subitamente, aquilo que parecia<br />
Woody Allen em piloto automático, é<br />
máquina em movimento, o realizador<br />
instituindo-se como “<strong>de</strong>us exmachina”<br />
a fazer o cerco às<br />
personagens. E subitamente ficamos<br />
também cercados. V. C.<br />
DOMINGO, 30 DE JANEIRO, 11H30<br />
GRANDE AUDITÓRIO DO CCB<br />
Orquestra Académica Metropolitana<br />
Adriana Ferreira flauta<br />
Jean-Marc Burfin direcção musical<br />
obras <strong>de</strong><br />
Darius Milhaud<br />
Wolfgang Ama<strong>de</strong>us Mozart<br />
Lowell Liebermann<br />
CO-PRODUÇÃO<br />
APOIOS<br />
Concertos para Famílias<br />
PREÇO ÚNICO: 5€<br />
Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 35
Livros<br />
36 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
Ficção<br />
As velhas<br />
bruxas<br />
Romance originalíssimo<br />
sobre feminilida<strong>de</strong><br />
e envelhecimento,<br />
sexualida<strong>de</strong>, amor e<br />
segredos. José Riço<br />
Direitinho<br />
Baba Yaga Pôs Um Ovo<br />
Dubravka Ugreši<br />
(trad. Paula Reis)<br />
Teorema<br />
mmmmm<br />
“Baba Yaga Pôs Um<br />
Ovo” é mais <strong>um</strong> livro<br />
da colecção “Mitos”,<br />
que por cá tem<br />
vindo a ser<br />
publicada pela<br />
Teorema. A i<strong>de</strong>ia<br />
original é <strong>um</strong><br />
projecto da casa<br />
editorial escocesa Canongate, que<br />
convidou vários autores (entre<br />
muitos outros há nomes como Milan<br />
Kun<strong>de</strong>ra, Rushdie, Achebe, Maalouf,<br />
Margaret Atwood ou Jeanette<br />
Winterson) a reescreverem<br />
livremente alguns dos mitos<br />
universais. Calhou agora a vez da<br />
escritora e ensaísta croata Dubravka<br />
Ugreši (n. 1949), <strong>um</strong>a das vozes mais<br />
originais e eruditas da literatura da<br />
Europa Central e que até agora se<br />
encontrava inédita em português. (A<br />
publicação <strong>de</strong> <strong>um</strong> dos seus romances<br />
mais conhecidos, <strong>um</strong>a obra-prima da<br />
ironia, “Museu da Rendição<br />
Incondicional”, foi anunciada pela<br />
editora Cavalo <strong>de</strong> Ferro para 2011.) De<br />
entre os livros publicados nesta<br />
colecção, este é, sem dúvida, o mais<br />
conseguido.<br />
A mestria técnica <strong>de</strong> Ugreši é <strong>um</strong>a<br />
das suas características mais notadas,<br />
ao conseguir juntar, por exemplo,<br />
subtis intertextualida<strong>de</strong>s (ela conhece<br />
bem as tradições literárias e<br />
filosóficas europeias) com diálogos<br />
bastante assertivos que il<strong>um</strong>inam<br />
sátiras corrosivas; ou como consegue<br />
fazer uso do seu extraordinário<br />
sentido <strong>de</strong> observação para os<br />
<strong>de</strong>talhes sócio-culturais. A<br />
complexida<strong>de</strong> do seu pensamento é<br />
expressa, normalmente, com <strong>um</strong>a<br />
simplicida<strong>de</strong> tocante. A estrutura dos<br />
romances é quase sempre episódica,<br />
ESCRITOR preten<strong>de</strong>:<br />
Estabelecer parceria com Pessoa habilitada para digitar, semanalmente, os seus<br />
manuscritos (em <strong>Lisboa</strong>);<br />
Activida<strong>de</strong> interessante, em situação <strong>de</strong> reforma, com partilha dos direitos <strong>de</strong> Autor.<br />
Contacto: Tel. 91 886 97 75<br />
resultando n<strong>um</strong>a ac<strong>um</strong>ulação <strong>de</strong><br />
partes narrativas e <strong>de</strong> polifonia <strong>de</strong><br />
registos, n<strong>um</strong> patchwork narrativo<br />
em construção. Antes da<br />
<strong>de</strong>sagregação da antiga Jugoslávia,<br />
Dubravka Ugreši – que estudou e<br />
ensinou literatura russa e as suas<br />
vanguardas – escreveu romances<br />
cómicos e arremedos pósmo<strong>de</strong>rnistas<br />
<strong>de</strong> histórias românticas<br />
com <strong>um</strong> final feliz, <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong><br />
exercícios <strong>de</strong> ironia paródica. Mas<br />
veio a Guerra dos Balcãs e os tempos<br />
mudaram: ela foi obrigada a <strong>de</strong>ixar o<br />
ensino em Zagreb, viveu entre<br />
“residências artísticas” até se fixar<br />
em Amesterdão, e tornou-se n<strong>um</strong>a<br />
autora mais “séria”, passando a<br />
escrever (alternando entre o registo<br />
<strong>de</strong> ficção e o <strong>de</strong> ensaio) sobre temas<br />
como o exílio, a vida <strong>de</strong> escritor, os<br />
nacionalismos ou a imposição<br />
arbitrária <strong>de</strong> fronteiras e <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.<br />
Baba Yaga é a verda<strong>de</strong>ira (e<br />
suprema) bruxa do folclore eslavo:<br />
violenta, po<strong>de</strong>rosa, <strong>de</strong> apetites<br />
vigorosos, ela é <strong>um</strong>a guardiã <strong>de</strong><br />
saberes secretos. Foi nesta figura<br />
mítica – <strong>de</strong>scrita nas histórias<br />
populares como <strong>um</strong>a velha <strong>de</strong> nariz<br />
vermelho que vive n<strong>um</strong>a casa assente<br />
em gigantescas patas <strong>de</strong> galinha – que<br />
a autora se inspirou para a escrita<br />
<strong>de</strong>ste romance <strong>de</strong> personagens<br />
(quatro mulheres velhas) que vivem<br />
na fronteira entre a tragédia e a farsa.<br />
Dubravka Ugreši escreveu <strong>um</strong>a<br />
espécie <strong>de</strong> tríptico – <strong>um</strong>a história<br />
sobre morte, sexualida<strong>de</strong> e<br />
envelhecimento – que ilustra a<br />
tendência <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as socieda<strong>de</strong>s<br />
para “<strong>de</strong>monizar” as mulheres<br />
idosas. A primeira e a segunda partes<br />
são histórias aparentemente<br />
<strong>de</strong>sligadas; na primeira (“Vai lá… não<br />
sei aon<strong>de</strong>… e traz-me… <strong>um</strong>a coisa<br />
que me faz falta”) narra a memória<br />
do envelhecimento da mãe da<br />
narradora, o <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong><br />
palavras, a sua substituição apressada<br />
por outras que têm <strong>um</strong> significado<br />
diferente, a perda <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>s<br />
cognitivas, a mania <strong>de</strong> ter tudo<br />
sempre arr<strong>um</strong>ado e sem mudar <strong>de</strong><br />
sítio, e a incompreensão mútua <strong>de</strong><br />
pessoas <strong>de</strong> diferentes ida<strong>de</strong>s; a<br />
segunda parte (“Não me faças<br />
perguntas, que eu não te conto<br />
mentiras”), em jeito <strong>de</strong> subversiva (e<br />
absurda) história <strong>de</strong> fadas, tem lugar<br />
n<strong>um</strong> “spa” pós-comunista para on<strong>de</strong><br />
três mulheres velhas e caquéticas<br />
(Pupa, Beba e Kukla) vão em busca<br />
<strong>de</strong> tentar manter os seus corpos e<br />
mentes “apresentáveis”; lá<br />
encontram <strong>um</strong> estranho médico e<br />
ainda <strong>um</strong> massagista com <strong>um</strong>a<br />
“erecção permanente” <strong>de</strong>vido a <strong>um</strong><br />
distúrbio causado pela explosão <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a bomba na guerra da Bósnia…<br />
pelo meio, para além <strong>de</strong> muitas e<br />
<strong>de</strong>liciosas reflexões sobre memória e<br />
loucura, há a morte <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>las e a<br />
tentativa <strong>de</strong> preservação do corpo<br />
n<strong>um</strong> gigantesco ovo <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. A<br />
terceira parte (“Quem sabe <strong>de</strong>mais,<br />
cedo <strong>de</strong>mais envelhece”) é <strong>um</strong><br />
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Dubravka Ugreši escreveu <strong>um</strong>a história sobre morte, sexualida<strong>de</strong><br />
e envelhecimento que ilustra a tendência <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as socieda<strong>de</strong>s para<br />
“<strong>de</strong>monizar” as mulheres idosas<br />
comentário, feito n<strong>um</strong> registo mais<br />
ensaístico, às duas primeiras partes,<br />
por <strong>um</strong>a personagem que aparece<br />
quase no início, <strong>um</strong>a jovem<br />
estudante <strong>de</strong> folclore eslavo que<br />
il<strong>um</strong>ina o leitor quanto às<br />
correspondências do que foi narrado<br />
com o mito <strong>de</strong> Baba Yaga. Este é <strong>um</strong><br />
romance originalíssimo sobre<br />
feminilida<strong>de</strong> e envelhecimento,<br />
sexualida<strong>de</strong> e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, amor e<br />
segredos.<br />
Um tempo <strong>de</strong><br />
impostores<br />
A dimensão heróica convive<br />
mal com a crónica literata,<br />
mas a secura da prosa<br />
proporciona momentos<br />
fortes. Eduardo Pitta<br />
O Revisor<br />
Ricardo Menén<strong>de</strong>z Salmón<br />
(Trad. Helena Pitta<br />
Porto Editora<br />
mmmnn<br />
Entre os autores espanhóis com<br />
menos <strong>de</strong> 40 anos, Ricardo<br />
Menén<strong>de</strong>z Salmón (n. 1971) é <strong>um</strong> dos<br />
mais interessantes. Publicou<br />
romances (oito), ensaio, poesia,<br />
teatro e crónica. O livro mais<br />
recente, “La luz es más antigua que<br />
el amor” (2010), faz <strong>um</strong> “travelling”<br />
Entre os autores espanhóis<br />
com menos <strong>de</strong> 40 anos, Ricardo<br />
Menén<strong>de</strong>z Salmón é <strong>um</strong> dos mais<br />
interessantes<br />
entre a Peste Negra<br />
<strong>de</strong> 1350 e o 11 <strong>de</strong><br />
Setembro <strong>de</strong> 2001,<br />
tarefa impossível<br />
sem o domínio<br />
perfeito dos<br />
recursos narrativos.<br />
Salmón atingiu o<br />
patamar da<br />
consagração com a Trilogia do Mal:<br />
“A Ofensa”, várias vezes premiado e<br />
unânimemente consi<strong>de</strong>rado o<br />
melhor romance espanhol <strong>de</strong> 2007;<br />
“Derrocada” (2008) e “O Revisor”<br />
(2009). O terceiro acaba <strong>de</strong> ser<br />
traduzido.<br />
A trilogia que “O Revisor” encerra<br />
é <strong>um</strong>a reflexão sobre as raízes do<br />
Mal: massacre <strong>de</strong> inocentes e outros<br />
episódios aviltantes da II Gran<strong>de</strong><br />
Guerra (“A Ofensa”); condição<br />
h<strong>um</strong>ana e bestialida<strong>de</strong> na cida<strong>de</strong><br />
imaginária <strong>de</strong> Promenadia, que é<br />
como quem diz, Gijón (“Derrocada”)<br />
e, a fechar, estupor, mentira e<br />
sequelas dos atentados <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong><br />
Março <strong>de</strong> 2004 em Madrid: “Quando<br />
o primeiro comboio foi pelos ares,<br />
<strong>de</strong>rramando sobre as nossas<br />
pequenas e esforçadas vidas <strong>um</strong><br />
aluvião <strong>de</strong> sangue, cólera e medo, eu<br />
[...] corrigia <strong>um</strong>as provas <strong>de</strong><br />
‘Demónios’ <strong>de</strong> Fiódor Dostoiévski.”<br />
Vladimir, o narrador, é revisor<br />
literário, ou seja, alguém que sabe<br />
que a linguagem cria e modifica a<br />
realida<strong>de</strong>: «Perverter a realida<strong>de</strong><br />
através da linguagem [...] é <strong>um</strong>a das<br />
maiores conquistas do po<strong>de</strong>r.”<br />
Escrito a partir das Astúrias como<br />
se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a crónica se tratasse (o
narrador “arr<strong>um</strong>a” os<br />
acontecimentos <strong>de</strong> que foi<br />
testemunha <strong>um</strong> ano antes), nem por<br />
isso este romance per<strong>de</strong> tensão<br />
dialéctica. Truques <strong>de</strong><br />
metalinguagem, elipses, envios<br />
(Platão, Nabokov, DeLillo, etc.), i.e.,<br />
material atinente à profissão <strong>de</strong><br />
Vladimir, não ilu<strong>de</strong>m o essencial:<br />
“Ninguém, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que existem<br />
ágoras, mentiu tanto como os<br />
políticos.” Salmón está zangado.<br />
Porém, se por vezes a moral turva o<br />
juízo (estamos <strong>de</strong> volta à literatura<br />
comprometida), a secura da prosa<br />
resiste a boa altura. Palavras suas: “a<br />
literatura, por <strong>de</strong>finição, é a<br />
fraternida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>talhe.”<br />
N<strong>um</strong> tempo em que os conceitos<br />
<strong>de</strong> justiça, <strong>de</strong>mocracia e liberda<strong>de</strong><br />
per<strong>de</strong>m o sentido, o <strong>de</strong>mónio são os<br />
outros. Os políticos foram<br />
aperfeiçoando a arte da mentira, <strong>de</strong><br />
modo que “os bons tempos já estão<br />
a chegar ao fim há <strong>um</strong>as quantas<br />
primaveras”. Corolário: “há-<strong>de</strong> ir<br />
tudo para a merda.” Não admira que<br />
Heraclito seja chamado à colação.<br />
Para Salmón não há inocentes. Os<br />
masacres <strong>de</strong> Atocha (três bombas), El<br />
Pozo <strong>de</strong>l Tío Raimundo (duas), Santa<br />
Eugenia (<strong>um</strong>a) e calle <strong>de</strong> Téllez<br />
(quatro), com o seu cortejo <strong>de</strong> horror,<br />
mortos (191) e feridos (dois mil),<br />
interpelam directamente o po<strong>de</strong>r:<br />
Aznar, chefe do governo, mentiu.<br />
Otegi, lí<strong>de</strong>r do Batasuna e “vigário da<br />
ETA na arena política”, não<br />
convenceu ninguém. Naquele dia,<br />
centenas <strong>de</strong> satélites focavam “os<br />
seus olhos <strong>de</strong> silício sobre o coração<br />
<strong>de</strong> Madrid”, porque o mundo “tinha<br />
parado sobre a sucata dos quatro<br />
comboios.”<br />
Escrito a dois tempos, o da<br />
indignação (Madrid) e o do tédio<br />
(algures nas Astúrias), o discurso<br />
per<strong>de</strong> fôlego quando o narrador se<br />
per<strong>de</strong> n<strong>um</strong>a horta, “entre cenouras,<br />
morangos e urtigas.” O primeiro tem<br />
dificulda<strong>de</strong> em <strong>de</strong>scobrir “o pathos<br />
do Mal ao <strong>de</strong>ambular entre os [seus]<br />
vizinhos como <strong>um</strong> <strong>de</strong>us homérico<br />
diante das muralhas <strong>de</strong> Tróia.” O<br />
segundo discreteia sobre a profissão<br />
<strong>de</strong> revisor... Verda<strong>de</strong> que nada disto<br />
impe<strong>de</strong> momentos fortes, como<br />
sejam as reflexões sobre a orientação<br />
cognitiva (a ‘Weltanschauung’) do<br />
lí<strong>de</strong>r do Batasuna, <strong>um</strong> <strong>homem</strong> que<br />
“teria dançado o Deutschland über<br />
alles ou o raio da dança da chuva em<br />
cima das nossas t<strong>um</strong>bas.” Diria que a<br />
dimensão “heróica” convive mal com<br />
a crónica literata <strong>de</strong>ste tempo <strong>de</strong><br />
impostores.<br />
A título <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong> refira-se<br />
que, além <strong>de</strong> Salmón, outros<br />
escritores espanhóis utilizaram os<br />
atentados <strong>de</strong> Madrid como tema<br />
literário: Luis Mateo Díez, “La piedra<br />
en el corazón” (2006), Blanca<br />
Riestra, “Madrid blues” (2008),<br />
Adolfo García Ortega, “El mapa <strong>de</strong> la<br />
vida” (2009) e Manuel Gutiérrez<br />
Aragón, “La vida antes <strong>de</strong> marzo”<br />
(2009). Quanto sei, o <strong>de</strong> Salmón é o<br />
único publicado em Portugal.<br />
Poesia<br />
Malcontente<br />
Uma peregrinação céptica a<br />
Itália. Pedro Mexia<br />
Erros Individuais<br />
José Miguel Silva<br />
Relógio D’Água<br />
mmmnn<br />
Que faz <strong>um</strong> céptico<br />
hedonista e<br />
quezilento no país<br />
da arte sacra? É a<br />
pergunta <strong>de</strong> José<br />
Miguel Silva em<br />
“Erros Individuais”,<br />
<strong>um</strong> livro <strong>de</strong> poemas<br />
florentinos que não<br />
ce<strong>de</strong> ao <strong>de</strong>sl<strong>um</strong>bramento esteticista e<br />
<strong>de</strong>monstra antes <strong>um</strong>a <strong>de</strong>sconfiança<br />
hostil. Florença é <strong>um</strong> museu, e em<br />
gran<strong>de</strong> medida <strong>um</strong> museu religioso,<br />
<strong>um</strong> “intérmino <strong>de</strong>sfile / <strong>de</strong> agonias,<br />
ascensões e pietás”. E se em geral os<br />
incréus conce<strong>de</strong>m <strong>um</strong>a moratória<br />
estética ao belo cristão, isso não<br />
acontece <strong>de</strong> todo com José Miguel<br />
Silva. Para ele, a arte cristã é<br />
“publicida<strong>de</strong>” a <strong>um</strong>a “patranha” e<br />
<strong>um</strong> “negócio”. E é esse ass<strong>um</strong>ido<br />
<strong>de</strong>sconforto que faz a singularida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ste vol<strong>um</strong>e.<br />
Voltemos à citação inicial: “Que faz<br />
<strong>um</strong> céptico hedonista e quezilento /<br />
no país da arte sacra? Como po<strong>de</strong> /<br />
libertar-se da noção <strong>de</strong> que estes<br />
jogos / <strong>de</strong> vol<strong>um</strong>es, estes planos<br />
vivamente / coloridos, representam<br />
tudo aquilo em / que não crê: o<br />
fanatismo, a vi<strong>de</strong>iterna, / o sacrifício<br />
do corpo? Deambula / pelas salas<br />
como <strong>um</strong> cão esfomeado / por <strong>um</strong><br />
campo <strong>de</strong> tremoço, sem achar / em<br />
tão exótica e senil mitologia / firma<br />
carne on<strong>de</strong> ferrar o pensamento”<br />
(p (pág. g 25). ) Turista <strong>de</strong>sconfiado no<br />
meio <strong>de</strong> turistas<br />
empáticos, José<br />
Miguel Silva <strong>de</strong>ixa<br />
esta esta interrogação<br />
importante: até<br />
que ponto<br />
somos capazes<br />
<strong>de</strong> nos abstrair<br />
dos aspectos<br />
i<strong>de</strong>ológicos na<br />
contemplação<br />
estética?<br />
Poeta<br />
Para José Miguel Silva a arte<br />
cristã é “publicida<strong>de</strong>” a <strong>um</strong>a<br />
“patranha” e <strong>um</strong> “negócio”<br />
e é esse ass<strong>um</strong>ido <strong>de</strong>sconforto<br />
que faz a singularida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ste vol<strong>um</strong>e<br />
vigorosamente “político”, José Miguel<br />
consi<strong>de</strong>ra esse exercício quase<br />
impossível. Vê no apogeu florentino o<br />
triunfo do catolicismo, e o<br />
catolicismo, segundo ele, é <strong>um</strong>a<br />
forma <strong>de</strong> dominação, <strong>um</strong> tráfico <strong>de</strong><br />
consolo, <strong>um</strong>a <strong>de</strong>gradação da<br />
compaixão e <strong>um</strong>a repressão dos<br />
instintos. A atitu<strong>de</strong> mais pacífica seria<br />
a tal abstracção estética, que não se<br />
<strong>de</strong>tém na i<strong>de</strong>ologia, como <strong>de</strong>fendia<br />
Gramsci acerca <strong>de</strong> Dante; mas o<br />
poeta português ass<strong>um</strong>e a sua<br />
dificulda<strong>de</strong> e a sua irritação.<br />
Ao elogio do “espiritual”,<br />
contrapõe realida<strong>de</strong>s terrenas e<br />
carnais. Cenas bíblicas geram nele<br />
<strong>um</strong>a apetência pela pintura<br />
doméstica holan<strong>de</strong>sa. E quando vê<br />
<strong>um</strong>a nativida<strong>de</strong> (<strong>de</strong> Ghirlandaio)<br />
apetece-lhe dizer que vale mais não<br />
nascer. Ainda assim, tem perfeita<br />
noção <strong>de</strong> que aquilo que para os<br />
antigos era catequese, <strong>de</strong> tal modo<br />
que até os analfabetos entendiam, se<br />
tornou para os mo<strong>de</strong>rnos <strong>um</strong> jogo <strong>de</strong><br />
formas e vol<strong>um</strong>es: “Para nós é tudo<br />
vago, / duvidoso. Só as formas / nos<br />
consolam, e as cores, / a impostura<br />
da beleza” (pág. 28).<br />
Em Itália, não é apenas a religião<br />
que incomoda o poeta, mas o<br />
dinheiro. A secção chamada “Via <strong>de</strong>i<br />
Malcontenti” leva <strong>um</strong>a citação <strong>de</strong><br />
Lewis M<strong>um</strong>ford, que diz que o i<strong>de</strong>al<br />
<strong>de</strong>mocrático foi corrompido pelo<br />
capitalismo. Florença foi <strong>um</strong>a capital<br />
financeira, e José Miguel Silva<br />
abomina o “homo economicus”. O<br />
comércio e a especulação são vistos<br />
como <strong>um</strong>a peste, à maneira das<br />
epi<strong>de</strong>mias que grassavam nas cida<strong>de</strong>s<br />
italianas antigas. A opulência<br />
florentina prova que a arte é muitas<br />
vezes <strong>um</strong>a glorificação do dinheiro.<br />
Os ricos, mortais tal como os pobres,<br />
sonham com a posterida<strong>de</strong>, e<br />
durante séculos conseguiram <strong>um</strong>a<br />
posterida<strong>de</strong> artística, pois eram<br />
mecenas. Isso, reconhece o poeta a<br />
contragosto, é <strong>um</strong> bem. Embora ele<br />
se coloque q <strong>de</strong> preferência p ao lado dos<br />
“malcontentes”, os con<strong>de</strong>nados ou<br />
<strong>de</strong>sprovidos. Daí que, qu n<strong>um</strong>a igreja,<br />
recolha imaginad imaginadas vozes <strong>de</strong><br />
diversos malcontentes, malcon que olham<br />
os tectos magníf magníficos enquanto<br />
<strong>de</strong>sfiam a sua “raiva “r e<br />
<strong>de</strong>sconsolo”.<br />
A viagem em IItália<br />
é mais<br />
amena noutras pa paragens, e<br />
aparecem exemplos exemplo <strong>de</strong> como é<br />
possível conjugar “bom “b gosto e bom<br />
governo”. A Tosc Toscânia, <strong>um</strong> edénico<br />
“parque do possível”, p é<br />
mesmo ocasião <strong>de</strong><br />
alguns algu raros<br />
momentos m <strong>de</strong><br />
simples s entrega<br />
estética, e e <strong>de</strong>pois<br />
surgem s cida<strong>de</strong>s<br />
on<strong>de</strong> o se reconhece<br />
o equilíbrio<br />
renascentista,<br />
vagamente laico,<br />
e menos<br />
aristocrático do<br />
que<br />
Isabel<br />
Coutinho<br />
Ciberescritas<br />
Alegria, alegria. O escritor Paulo Roberto Pires<br />
(durante anos director editorial da Agir e<br />
Nova Fronteira – foi o editor <strong>de</strong> Rubem<br />
Fonseca quando o escritor saiu da<br />
Companhia das Letras) andava <strong>de</strong>saparecido.<br />
O blogue que mantinha na revista brasileira “Bravo!” –<br />
<strong>um</strong>a revista mensal <strong>de</strong> cultura on<strong>de</strong> escreve - estava há<br />
meses parado. Mas aquele que é agora o editor da<br />
“serrote”, <strong>um</strong>a revista quadrimestral (sai em Março,<br />
Julho e Novembro) <strong>de</strong> ensaios, literatura, fotografia e arte<br />
publicada pelo Instituto Moreira Salles (IMS), <strong>de</strong>u à costa.<br />
A boa notícia é que po<strong>de</strong>mos agora ler os seus textos no<br />
Blog do IMS, que foi lançado a 24 <strong>de</strong> Janeiro. “É com a<br />
liberda<strong>de</strong> da primeira pessoa e a eleição livre <strong>de</strong> temas<br />
que começo hoje minha terceira encarnação <strong>de</strong><br />
blogueiro”, diz ele (as encarnações anteriores foram as<br />
suas participação no site em NoMínimo e na “Bravo!”).<br />
Nesta primeira crónica, Paulo fala da leitura que fez <strong>de</strong><br />
“How to live – A life of Montaigne in one question and<br />
twenty atempts at an answer”, <strong>de</strong> Sarah Bakewell.<br />
O Blog do IMS é <strong>um</strong> complemento do website do<br />
instituto cultural brasileiro (www.ims.com.br). Tem<br />
conteúdos exclusivos e secções fi xas. Por exemplo,<br />
“Sala 21”: convida fotógrafos brasileiros a produzirem<br />
<strong>um</strong> ensaio visual, on<strong>de</strong> mostram imagens inéditas ou<br />
propõem novo olhar sobre seu trabalho. “A proposta<br />
é formar, ao fi m da série, <strong>um</strong> recorte signifi cativo da<br />
fotografi a brasileira contemporânea a partir <strong>de</strong> nomes<br />
que não integram o acervo IMS, mas que exercem<br />
trabalhos relevantes e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> interesse doc<strong>um</strong>ental e<br />
estético”, explica-se. A primeira galeria virtual publicada<br />
nessa secção - “Série 6x6” – foi realizada pelo fotógrafo<br />
Luiz Braga (artista convidado do pavilhão brasileiro<br />
na Bienal <strong>de</strong> Veneza em 2009). Na secção “Quadro a<br />
quadro”, pinturas e <strong>de</strong>senhos do acervo <strong>de</strong> artes plásticas<br />
do IMS serão comentados por<br />
O Blog do IMS foi<br />
lançado a 24 <strong>de</strong> Janeiro<br />
Blog do IMS<br />
http://blogdoims.<br />
uol.com.br/<br />
(Ciberescritas já é<br />
<strong>um</strong> blogue http://<br />
blogs.publico.pt/<br />
ciberescritas)<br />
Nada (e tudo) <strong>de</strong> cultura<br />
convidados – na estreia do<br />
blogue, é o crítico e escritor<br />
Davi Arrigucci Jr. que escreve<br />
sobre o quadro “Duas fi guras”<br />
(1920), <strong>de</strong> Ismael Nery. E<br />
na secção “Por <strong>de</strong>ntro do acervo” obras <strong>de</strong> fotógrafos<br />
consagrados que pertencem ao acervo do IMS são<br />
comentadas (em áudio) por especialistas – o antropólogo<br />
Eduardo Viveiros <strong>de</strong> Castro fala, na estreia, sobre imagens<br />
<strong>de</strong> índios feitas por Maureen Bisilliat, Marc Ferrez, José<br />
Me<strong>de</strong>iros, Henri Ballot, Alice Brill e Albert Frisch.<br />
A revista <strong>de</strong> ensaios “serrote” também tem o seu<br />
espaço nesta página web. Secção “Desentendimento”:<br />
ví<strong>de</strong>os on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>batem temas importantes <strong>de</strong> cultura e<br />
política. O Lulismo é o primeiro assunto discutido, com<br />
<strong>um</strong>a conversa entre os cientistas políticos André Singer<br />
e José Arthur Giannotti, mediada pelo jornalista Mário<br />
Sergio Conti.<br />
Por fi m, “Correspondência” é <strong>um</strong>a secção muito<br />
engraçada. Dois convidados, que já se conhecem,<br />
trocam mensagens cujo tema será escolhido por eles<br />
próprios. A primeira conversa é entre o escritor Daniel<br />
Galera (publicado por cá, na Caminho) e o editor<br />
André Conti. Durante dois meses, os dois trocarão<br />
cartas semanalmente. Falam <strong>de</strong> livros, literatura, jogos,<br />
Internet e <strong>de</strong> tatuagens. Já se po<strong>de</strong> espreitar a primeira<br />
carta <strong>de</strong> Galera: “Tava pensando em te consultar a<br />
respeito <strong>de</strong> <strong>um</strong> assunto, e esse assunto é: tatuagens”,<br />
diz o escritor. “Queria tatuar ‘This is water’, a expressão<br />
imortalizada pelo David Foster Wallace no discurso <strong>de</strong><br />
paraninfo do Kenyon College. Sei que é <strong>um</strong> clichê, mas<br />
o próprio DFW era <strong>de</strong>fensor do valor dos clichês, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
que bem empregados.”<br />
isabel.coutinho@publico.pt<br />
Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 37
Livros<br />
sensatamente burguês: “Nas<br />
cida<strong>de</strong>s educadas, como Siena, / as<br />
casas fazem os homens e não / os<br />
homens as casas” (pág. 43), escreve<br />
José Miguel Silva, n<strong>um</strong> verso que tem<br />
ecos <strong>de</strong> Pound.<br />
A Itália, auge da civilização<br />
renascentista, é <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo que José<br />
Miguel Silva não repudia, embora<br />
reclame <strong>um</strong>a aceitação a benefício <strong>de</strong><br />
inventário, e a título estritamente<br />
ateu e <strong>de</strong>sencantado. Talvez não<br />
fosse necessária, por isso, a coda<br />
portuguesa. Sena e Magalhães<br />
escreveram que baste sobre o país da<br />
lisonja, da fealda<strong>de</strong>, da<br />
mediocrida<strong>de</strong>, do egoísmo, da<br />
obediência, <strong>de</strong> modo que os últimos<br />
poemas <strong>de</strong> “Erros Individuais”, que<br />
voltam a essa toada, acrescentam<br />
pouco. Essa “peregrinatio ad loca<br />
infecta” é previsível. Mas a<br />
peregrinação a Itália tinha <strong>de</strong>ixado<br />
alg<strong>um</strong>as perguntas pessoais,<br />
incómodas e agudas.<br />
Ensaio<br />
O sexo como<br />
pecado<br />
A ortodoxia sexual na<br />
origem <strong>de</strong> quase todos os<br />
códigos morais. Bruno<br />
Horta<br />
Sex at Dawn<br />
Christopher Ryan e<br />
Cacilda Jethá<br />
Harper Collins<br />
mmmnn<br />
História do<br />
Pecado<br />
Oliver Thomson<br />
Guerra & Paz<br />
mmnnn<br />
Oliver Thomson<br />
(Birmingham, 1936)<br />
confessa a<br />
impotência: “Na<br />
História social, é<br />
possível registar <strong>um</strong>a melhoria<br />
regular no bem-estar material, nos<br />
cuidados <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, na tecnologia,<br />
nos transportes, e assim por diante.<br />
Até na História política po<strong>de</strong>rá haver<br />
alg<strong>um</strong>a linha <strong>de</strong> progresso na<br />
evolução da <strong>de</strong>mocracia e dos<br />
direitos h<strong>um</strong>anos.” Mas na História<br />
moral a subjectivida<strong>de</strong> domina e as<br />
fontes são caprichosas, pelo que “não<br />
se po<strong>de</strong> fazer <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>ira<br />
tentativa <strong>de</strong> registar o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento ético <strong>de</strong> nações ou<br />
comunida<strong>de</strong>s”.<br />
Porquê, então, chamar ao livro<br />
“História do Pecado”? O título da<br />
edição original dá <strong>um</strong>a resposta<br />
convincente, através do artigo<br />
in<strong>de</strong>finido que a tradução<br />
38 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />
portuguesa, ou insondáveis opções<br />
editoriais, <strong>de</strong>ixaram cair: “A History<br />
of Sin” (1993).<br />
Os problemas <strong>de</strong>sta tradução são,<br />
aliás, frequentes: “Têm havido<br />
n<strong>um</strong>erosas doutrinas” (p.53); “o<br />
direito à sepultura viria a ser <strong>um</strong> dos<br />
direitos tradicionais do <strong>homem</strong> mais<br />
arreigado e inalienável” (p.87).<br />
O autor é formado em História pela<br />
Trinity College, em Cambridge, foi<br />
professor <strong>de</strong> Comunicação Social e<br />
História na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Glasgow<br />
e actualmente dirige <strong>um</strong>a agência <strong>de</strong><br />
publicida<strong>de</strong> – informa a badana do<br />
livro. Sendo <strong>um</strong>a pessoa <strong>de</strong> ciência,<br />
estranha-se que faça as seguintes<br />
afirmações: “O lesbianismo, ou a<br />
adopção <strong>de</strong> hábitos masculinos por<br />
parte das mulheres […] disseminouse<br />
no mundo inteiro na década <strong>de</strong> 60<br />
e foi racionalizado com mais eficácia<br />
do que nunca, nomeadamente<br />
através do arg<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> que se<br />
justifica enquanto meio <strong>de</strong> controlo<br />
populacional” (p.43). “A necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>fesa com<strong>um</strong> contra os<br />
animais [por parte do Homem <strong>de</strong><br />
Nean<strong>de</strong>rtal] e, mais tar<strong>de</strong>, contra<br />
outros homens, tornou-se na base do<br />
patriotismo tribal e da ética militar.<br />
Levou também ao papel subsidiário<br />
das mulheres” (p. 87). “Filipe <strong>de</strong><br />
Orleães, <strong>um</strong> alcoólico e travesti que<br />
usava maquilhagem, […] dava-se com<br />
‘coquettes’ e o que eram chamados<br />
‘roués’, viciados n<strong>um</strong>a ronda<br />
interminável <strong>de</strong> orgias mesquinhas”<br />
(p. 255).<br />
A capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> síntese do autor<br />
atraiçoa-o, portanto. Mas noutros<br />
momentos é valiosa. Thomson<br />
res<strong>um</strong>e cinco factores que<br />
influenciam a criação <strong>de</strong> códigos<br />
morais: compaixão, amor pela<br />
família, auto<strong>de</strong>fesa cooperativa,<br />
<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> aprovação e preferência<br />
por processos <strong>de</strong>cisórios fáceis. Três<br />
componentes <strong>de</strong> protecção<br />
sistematicamente presentes nos<br />
sistemas éticos: protecção da vida, do<br />
ciclo reprodutivo e da provisão<br />
alimentar. E cinco princípios<br />
fundamentais <strong>de</strong>sses códigos:<br />
reciprocida<strong>de</strong> (recompensa/castigo),<br />
altruísmo (“ama o teu próximo como<br />
a ti mesmo”, diz o livro que foi Moisés<br />
quem disse, mas foi Deus a dizer-lhe<br />
a ele); obediência (h<strong>um</strong>ilda<strong>de</strong> como<br />
virtu<strong>de</strong>), absolutos (tabus; sim e não;<br />
preto e branco) e cost<strong>um</strong>es<br />
(comportamento como extensão<br />
estética dos padrões éticos).<br />
A obra está dividida em três partes.<br />
Na primeira, figuram as origens dos<br />
códigos morais <strong>de</strong> diversas épocas e<br />
comunida<strong>de</strong>s. “Um código moral<br />
po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido enquanto sistema<br />
<strong>de</strong> padrões éticos pelo qual<br />
<strong>de</strong>terminada socieda<strong>de</strong> controla o<br />
comportamento dos seus indivíduos”<br />
(p.25). A filiação elitista da<br />
moralida<strong>de</strong> é sublinhada com<br />
insistência: “Quem <strong>de</strong>tém os cordões<br />
da bolsa [utiliza-a] para ajudar a<br />
instilar o tipo <strong>de</strong> ética mais passível<br />
<strong>de</strong> manter essa riqueza. Deste modo,<br />
o algodão fez da escravatura na<br />
“Sex at Dawan”: separar pratica e simbolicamente<br />
a sexualida<strong>de</strong> do amor e o <strong>de</strong>sejo da intimida<strong>de</strong><br />
América e do trabalho infantil no<br />
condado inglês <strong>de</strong> Lancashire <strong>um</strong>a<br />
virtu<strong>de</strong>” (p. 23).<br />
Na segunda parte, Thomson entra<br />
no tema. Começa cedo, nos<br />
caçadores-recolectores, e vem até ao<br />
século XX, muitas vezes em registo <strong>de</strong><br />
catálogo <strong>de</strong> cruelda<strong>de</strong>s. Na terceira<br />
parte, a mais curta, <strong>de</strong>ixa <strong>um</strong>a visão<br />
<strong>de</strong> futuro: “A moral bem-sucedida<br />
tem-se baseado no medo. Medo <strong>de</strong><br />
sofrer, do castigo, do ridículo, da<br />
censura ou <strong>de</strong> tormentos eternos. […]<br />
O <strong>de</strong>safio para o século XXI está em<br />
construir <strong>um</strong> novo ‘ethos’ <strong>de</strong><br />
maturida<strong>de</strong> baseado em objectivos<br />
positivos e não negativos” (p. 353).<br />
A poligamia é <strong>um</strong> conceito a que o<br />
autor <strong>de</strong>dica alg<strong>um</strong>a atenção, mas<br />
também aqui parece cair na síntese<br />
fácil. “Poucas socieda<strong>de</strong>s optaram<br />
por negar ou reduzir o valor da<br />
unida<strong>de</strong> familiar básica enquanto<br />
núcleo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social e<br />
<strong>de</strong> carácter”, mas são “n<strong>um</strong>erosas as<br />
socieda<strong>de</strong>s que têm apoiado a<br />
poligamia, seja sob a forma <strong>de</strong><br />
poligenia [a tradução volta a falhar,<br />
querendo, por certo, referir-se a<br />
poliginia] ou poliandria” (p. 39). Teria<br />
sido útil <strong>de</strong>finir “unida<strong>de</strong> familiar<br />
básica” e ir além daquilo a que as<br />
teorias queer chamam<br />
“heterossexismo compulsivo”.<br />
Neste particular, “Sex at Dawn: The<br />
Prehistoric Origins of Mo<strong>de</strong>rn<br />
Sexuality”, do psicólogo Christopher<br />
Ryan e da psiquiatra Cacilda Jethá é<br />
mais equilibrado. Um pouco mais.<br />
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
(Segundo se lê no site criado para<br />
promover a obra, sexatdawn.com,<br />
Cacilda Jethá nasceu em<br />
Moçambique, n<strong>um</strong>a família <strong>de</strong><br />
origem goesa, estudou medicina em<br />
Portugal, regressou a Moçambique<br />
para trabalhar na área do VIH/sida e<br />
<strong>de</strong>pois voltou a <strong>Lisboa</strong> para fazer a<br />
especialida<strong>de</strong> em psiquiatria, no<br />
hospital Júlio <strong>de</strong> Matos. Actualmente,<br />
vive em Barcelona, tal como o coautor<br />
do livro.)<br />
Ryan e Jethá rejeitam, grosso<br />
modo, os códigos morais dominantes<br />
relativos ao casamento, à estrutura<br />
familiar e à sexualida<strong>de</strong>. Defen<strong>de</strong>m<br />
que a poligamia e a promiscuida<strong>de</strong><br />
sexual (“relacionamentos sexuais<br />
simultâneos”) são comportamentos<br />
naturais nos h<strong>um</strong>anos e noutros<br />
primatas. A cultura é que opera a<br />
repressão <strong>de</strong>sses comportamentos, o<br />
que muitas vezes está na origem do<br />
insucesso das relações, sobretudo o<br />
casamento.<br />
A proposta dos autores é a <strong>de</strong><br />
separar pratica e simbolicamente a<br />
sexualida<strong>de</strong> do amor e o <strong>de</strong>sejo da<br />
intimida<strong>de</strong>. “Não achamos que os<br />
h<strong>um</strong>anos nasçam hippies marxistas<br />
ou que o amor romântico não fosse<br />
importante para as comunida<strong>de</strong>s<br />
pré-históricas. Dizemos, antes, que a<br />
cultura contemporânea <strong>de</strong>svirtua a<br />
relação entre amor e sexo. Com ou<br />
sem amor, a sexualida<strong>de</strong> aleatória era<br />
a norma entre os nossos<br />
antepassados pré-históricos” (p. 6).<br />
Seguindo a máxima <strong>de</strong> La Fontaine<br />
<strong>de</strong> que os animais servem para dar<br />
lições aos homens, os autores<br />
buscam nos outros primatas a<br />
justificação para a necessida<strong>de</strong><br />
h<strong>um</strong>ana <strong>de</strong> poligamia. Dizem que os<br />
únicos primatas monogâmicos são os<br />
gibões e concluem que “nenh<strong>um</strong>a<br />
espécie <strong>de</strong> primatas gregários é<br />
monogâmica, a não ser, segundo a<br />
narrativa padrão, a espécie h<strong>um</strong>ana”<br />
(p. 64). “O sexo por prazer, com<br />
vários parceiros, é muito mais<br />
‘h<strong>um</strong>ano’ que animal” (p. 85).<br />
Um dos arg<strong>um</strong>entos é tão original<br />
quanto questionável: “Porque é que<br />
muitos homens heterossexuais ficam<br />
extasiados com filmes pornográficos<br />
em que vários homens têm sexo com<br />
<strong>um</strong>a única mulher? […] Várias<br />
explicações são possíveis, mas <strong>um</strong>a<br />
<strong>de</strong>las é a <strong>de</strong> que esse interesse encaixa<br />
bem n<strong>um</strong>a Pré-História caracterizada<br />
pela competição espermática” (p.<br />
231). Logo, caracterizada por<br />
socieda<strong>de</strong>s poligâmicas.<br />
Um problema se levanta neste<br />
arg<strong>um</strong>entário: a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que os<br />
comportamentos dos animais e da<br />
h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong> pré-histórica são <strong>um</strong><br />
referente para os h<strong>um</strong>anos <strong>de</strong> hoje.<br />
É, no mínimo, fazer <strong>de</strong> conta que a<br />
evolução das espécies nunca existiu<br />
e, ao mesmo tempo, insistir n<strong>um</strong><br />
“naturalismo” das coisas, que as<br />
Ciências Sociais <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m não fazer<br />
sentido. “Naturalismo” que ora serve<br />
para justificar a poligamia ora é a<br />
forma <strong>de</strong> “animalizar” os h<strong>um</strong>anos.<br />
Ryan e Jethá rebatem alg<strong>um</strong>as das<br />
i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Thomson, nomeadamente a<br />
questão da “unida<strong>de</strong> familiar básica”.<br />
O “nikah misyar” (casamento formal<br />
entre pares que vivem separados) e o<br />
“nikah mut’ah” (casamento informal,<br />
celebrado entre <strong>um</strong> <strong>homem</strong> e <strong>um</strong>a<br />
prostituta), ambos da tradição<br />
muçulmana sunita, são dados como<br />
exemplo <strong>de</strong> que neste aspecto não há<br />
<strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo universal. “Muitas das<br />
características que o Oci<strong>de</strong>nte<br />
consi<strong>de</strong>ra serem hoje fundamentais<br />
n<strong>um</strong> casamento são tudo menos<br />
universais: exclusivida<strong>de</strong> sexual,<br />
transmissão <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, relação<br />
prolongada no tempo. Nada disto é<br />
esperado em muitas das relações a<br />
que os psicólogos e antropólogos<br />
evolucionistas querem chamar<br />
casamento” (p. 122).<br />
Igualmente diferente da <strong>de</strong><br />
Thomson é a opinião que Ryan e<br />
Jethá têm sobre o início da<br />
subalternização social das mulheres.<br />
Deu-se há cerca <strong>de</strong> 10 mil anos, no<br />
Neolítico, não no Paleolítico (período<br />
a que pertence o Homem <strong>de</strong><br />
Nean<strong>de</strong>rtal). “Claramente, quem<br />
mais per<strong>de</strong> com a revolução agrícola,<br />
para além dos escravos, são as<br />
mulheres, que <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ter o papel<br />
central e respeitável da fase<br />
recolectora, tornando-se mais <strong>um</strong>a<br />
das proprieda<strong>de</strong>s que o <strong>homem</strong> tem<br />
<strong>de</strong> adquirir e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, tal como a<br />
casa, os escravos e o gado” (p. 14).<br />
Não é ainda <strong>um</strong>a pós-sexualida<strong>de</strong> o<br />
que “Sex at Dawn” propõe. Mas anda<br />
lá perto.
Exposições<br />
A ética<br />
do artista<br />
As muitas facetas <strong>de</strong> Vasco<br />
Araújo n<strong>um</strong>a exposição que<br />
tem a mentira por tema.<br />
Luísa Soares <strong>de</strong> Oliveira<br />
Mente-me (Lie to Me)<br />
De Vasco Araújo.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Filomena Soares. Rua da<br />
Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 19/03. 3ª a<br />
Sáb. das 10h às 20h.<br />
Fotografia, Ví<strong>de</strong>o e Escultura.<br />
mmnnn<br />
A mentira é <strong>um</strong> tema <strong>de</strong> primeira<br />
importância na política dos nossos<br />
dias. Se ela é consi<strong>de</strong>rada como <strong>um</strong>a<br />
falta <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za nos países <strong>de</strong><br />
tradição capitalista e protestante, as<br />
coisas funcionam <strong>de</strong> outro modo<br />
nos <strong>de</strong> cultura predominantemente<br />
católica, como o nosso. Por isso, a<br />
mais recente exposição <strong>de</strong> Vasco<br />
Araújo, “Mente-me” terá impactos<br />
diferentes consoante o público a que<br />
se <strong>de</strong>stina. A tradução inglesa do<br />
filme que constitui a parte principal<br />
da exposição (“Telos”, uns longos 17<br />
minutos <strong>de</strong> boa produção <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
texto adaptado <strong>de</strong> Rousseau – que já<br />
agora se escreve sem x no fim, ao<br />
contrário do que surge no genérico)<br />
acentua a vocação internacional que<br />
o artista preten<strong>de</strong> dar à sua obra, e<br />
justificará talvez os muitos erros<br />
ortográficos do português que<br />
pontua obras centradas na<br />
articulação entre imagem e texto.<br />
A obra <strong>de</strong> Vasco Araújo tem-se<br />
construído sobre a questão da<br />
alterida<strong>de</strong>. Além <strong>de</strong> artista, Araújo foi<br />
Agenda<br />
Inauguram<br />
Gil J. Wolman<br />
- Sou Imortal<br />
e Estou Vivo<br />
Porto. Museu<br />
<strong>de</strong> Serralves. R. Dom João <strong>de</strong> Castro, 210.<br />
Tel.: 226156500. De 28/01 a 27/03. 3ª a 6ª das 10h<br />
às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h.<br />
Inaugura hoje às 22h.<br />
Pintura, Filme, Outros.<br />
Diários Gráfi cos<br />
Em Almada: Não Somos<br />
Desenhadores Perfeitos<br />
De Clara Marta, Eduardo Salavisa,<br />
Francisco Vidal, Javier <strong>de</strong> Blas,<br />
entre outros.<br />
Cova da Pieda<strong>de</strong>. Museu da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Almada. Pç.<br />
João Raimundo. Tel.: 212734030. De 29/01 a 16/04.<br />
3ª a Sáb. das 10h às 18h. Inaugura amanhã às 17h.<br />
Desenho.<br />
Mappamundi<br />
De Guillermo<br />
Kuitca, Noriko<br />
Ambe, Neal Beggs,<br />
Daniel Chust<br />
Peters, entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção Berardo. Pç. Império -<br />
Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Tel.: 213612878. De 31/01<br />
a 24/04. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h<br />
às 19h. Inaugura 31/1 às 19h30.<br />
Pintura, Outros.<br />
também cantor lírico, e os diversos<br />
papéis que era levado a interpretar<br />
surgem ainda pontualmente em<br />
obras suas. No caso presente,<br />
encontramos sinais <strong>de</strong>ssa<br />
apropriação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> alheia nas<br />
séries “Telefonemas” (fotografias do<br />
autor representando diversas<br />
personagens e textos que<br />
reproduzem conversas telefónicas<br />
marcadas por equívocos <strong>de</strong><br />
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
DANIEL ROCHA<br />
Em<br />
Londres<br />
L<br />
As peças que recuperam roupa e acessórios<br />
<strong>de</strong> vestir antigos reforçam o sentido teatral<br />
das fi cções criadas por Vasco Araújo<br />
Continuam<br />
Breve História da Lentidão<br />
e da Vertigem<br />
De João Maria Gusmão, Pedro Paiva.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Graça Brandão. R. dos Caetanos, 26.<br />
Tel.: 213469183/4. Até 12/03. 3ª a Sáb. das 11h às 20h.<br />
Ví<strong>de</strong>o. Fotografia. Escultura.<br />
Ver texto na pág. 25 e segs.<br />
Muros <strong>de</strong> Abrigo<br />
De Ana Vieira.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />
Perdigão. R. Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474.<br />
Até 03/04. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
Instalação, Outros.<br />
Casa Com<strong>um</strong> - Obras da Colecção<br />
do CAM<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />
Perdigão. R. Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474.<br />
Até 03/04. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
Instalação, Outros.<br />
Não Confi em<br />
nos Arquitectos<br />
De Didier<br />
Faustino.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro<br />
<strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna<br />
- José <strong>de</strong> Azeredo Perdigão. R. Dr. Nicolau<br />
Bettencourt. Tel.: 217823474. Até 03/04.<br />
3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
Ví<strong>de</strong>o, Instalação, Escultura,<br />
Performance, Outros.<br />
Julião Sarmento<br />
vai estar no Starr<br />
Auditori<strong>um</strong> da Tate<br />
Mo<strong>de</strong>rn, em Londres,<br />
para <strong>um</strong>a conversa<br />
com o crítico Adrian<br />
Searle sobre os temas<br />
que marcam mais<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>), e sobretudo em<br />
“Amneris”, sobre <strong>um</strong>a cantora <strong>de</strong><br />
ópera que era a melhor Amneris <strong>de</strong><br />
Moscavi<strong>de</strong>… As peças tri e<br />
bidimensionais, dispostas na sala<br />
principal da galeria, expõem todas<br />
elas <strong>um</strong>a ficção e <strong>um</strong>a imagem com<br />
ela relacionada. As mais interessantes<br />
são aquelas on<strong>de</strong> o artista recupera<br />
roupa e acessórios <strong>de</strong> vestir antigos<br />
(“Dos sapatos” ou “o meu criado”,<br />
Tinta nos Nervos - Banda<br />
Desenhada Portuguesa<br />
De Richard Câmara, Diniz Conefrey,<br />
Eduardo Batarda, José Carlos<br />
Fernan<strong>de</strong>s, António Jorge Gonçalves,<br />
entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção Berardo. Pç. Império - Centro<br />
Cultural <strong>de</strong> Belém. Tel.: 213612878. Até 27/03. Sáb.<br />
das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h.<br />
Desenho, Ilustração, Outros.<br />
Retratos<br />
<strong>de</strong> Mulheres<br />
De Man Ray, Jorge<br />
Martins, Julião<br />
Sarmento.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação Arpad<br />
Szenes - Vieira da Silva.<br />
Pç. Amoreiras, 56/58. Tel.:<br />
213880044. Até 30/04. 2ª,<br />
4ª, 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. das<br />
10h às 18h.<br />
Fotografia.<br />
Uma história <strong>de</strong> amor<br />
De Bruno Pacheco.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Chiado 8 - Arte Contemporânea. Lg. Chiado,<br />
8 - Edifício Se<strong>de</strong> da Mundial-Confiança. Tel.:<br />
213237335. Até 11/03. 2ª a 6ª das 12h às 20h.<br />
Fotografia, Outros.<br />
Que Sais-Je?<br />
De Braço <strong>de</strong> Ferro, Isabel Carvalho,<br />
Von Calhau!, Ana Jotta, entre outro.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Vera Cortês - Agência <strong>de</strong> Arte. Av. 24 <strong>de</strong> Julho,<br />
profundamente a sua<br />
obra (a memória, o<br />
sexo, a transgressão, a<br />
moral). É já no dia 12 <strong>de</strong><br />
Fevereiro e os bilhetes<br />
custam <strong>de</strong> cinco a nove<br />
libras.<br />
por exemplo), <strong>de</strong>certo porque a<br />
ficção ou, se se quiser, a literatura – e<br />
já agora, a arte – pressupõem <strong>um</strong>a<br />
espécie <strong>de</strong> contrato entre leitor ou<br />
espectador e artista: sabemos<br />
sempre que não é verda<strong>de</strong>, mas<br />
agimos como se <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> se<br />
tratasse no momento em que fruímos<br />
da peça. Cada <strong>um</strong>a <strong>de</strong>stas peças,<br />
quer o armário cheio <strong>de</strong> roupa ou os<br />
diversos colarinhos engomados <strong>de</strong><br />
fardas <strong>de</strong> outros tempos, reforça o<br />
sentido teatral das ficções criadas<br />
pelo artista. Encontrámos<br />
mecanismos semelhantes noutras<br />
exposições <strong>de</strong> Vasco Araújo,<br />
nomeadamente “Debret”, que esteve<br />
em 2010 no Pavilhão Branco, e até<br />
mesmo na sua participação no<br />
prémio BESPhoto <strong>de</strong> 2007.<br />
É no filme que as coisas não<br />
andam tão bem. “Telos” consiste<br />
n<strong>um</strong>a divagação sobre a ética da<br />
mentira que chega à conclusão <strong>de</strong><br />
que esta, afinal, é h<strong>um</strong>ana, estando<br />
apenas isentos <strong>de</strong>la os animais (ou<br />
melhor, <strong>um</strong> cão, a quem Vasco<br />
Araújo empresta a sua voz). A peça,<br />
implicitamente, con<strong>de</strong>na<br />
moralmente todos aqueles que se<br />
vangloriam <strong>de</strong> estar isentos <strong>de</strong> falta,<br />
e, ao contrário do que o autor<br />
preten<strong>de</strong>, não levanta questões:<br />
apenas enuncia verda<strong>de</strong>s que, dada<br />
a complexida<strong>de</strong> do tema, serão<br />
apenas meias verda<strong>de</strong>s... De facto,<br />
possuir a verda<strong>de</strong> é – <strong>de</strong>ve ser –<br />
muito complicado. Mas também é<br />
<strong>um</strong> facto que certa arte<br />
contemporânea, como certos<br />
partidos políticos, se julga na<br />
obrigação <strong>de</strong> esclarecer o público<br />
sobre os males e <strong>de</strong>feitos que o<br />
assolam. Mesmo que seja com<br />
Rousseau, que até parece que<br />
pensava que todos nascíamos bons.<br />
54 - 1ºE. Tel.: 213950177. Até 25/03. 3ª a Sáb. das 14h<br />
às 19h.<br />
Obra Gráfica, Outros.<br />
Encenações<br />
De Manuel Amado.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Socieda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Belas Artes. R.<br />
Barata Salgueiro, 36. Tel.: 213138510. Até 15/03. 2ª<br />
a Sáb. das 14h às 20h.<br />
Pintura.<br />
Guimarães, Arte<br />
Contemporânea 2011<br />
De André Banha, Dalila Gonçalves,<br />
Diogo Evangelista, entre outros.<br />
Guimarães. Laboratório das Artes. Larg. do Toral.<br />
Até 10/04. 6ª e Sáb. das 16h às 19h.<br />
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Av. D. Afonso<br />
Henriques, 701. Tel.: 253424700. Até 10/04. 3ª a<br />
Sáb. das 10h às 19h. Dom. das 14h às 19h.<br />
Instalação, Pintura, Desenho,<br />
Escultura, Outros.<br />
Que Horas São?<br />
De Alexandre Conefrey.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Giefarte. R. Arrábida, 54B. Tel.: 213880381.<br />
Até 16/03. 2ª a 6ª das 11h às 20h.<br />
Pintura.<br />
Casa-Carrossel<br />
De Fátima Mendonça.<br />
Porto. Galeria 111. R. D. Manuel II, 246. Tel.:<br />
226093279. Até 26/02. 3ª a 6ª das 10h às 19h30. 2ª<br />
e Sáb. das 15h às 19h30.<br />
Pintura.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 39