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Toda a soul de um homem - Fonoteca Municipal de Lisboa

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ESTE E E SUPLE SU MENTO ENTO FAZ PARTE I INTE N GRANT RA E DA EDIÇÃ Ç O Nº N 7601 760 76 DO PÚ PÚBLICO BLICO LI , E NÃO N ÃO PO DE SE SER R VEN VENDIDO DIDO DO SEPAR SEPA SEEEE SE SSS EP E ADAME D NNTE NTE NN<br />

Sexta-feira<br />

28 Janeiro 2011<br />

www.ipsilon.pt<br />

João Maria Gusmão Pedro Paiva Blues Explosion Anna Calvi Nicholas Oulman<br />

<strong>Toda</strong> a <strong>soul</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>homem</strong><br />

Charles Bradley, 62 anos e <strong>um</strong> imenso primeiro álb<strong>um</strong>


Flash<br />

S<strong>um</strong>ário<br />

Charles Bradley 6<br />

<strong>Toda</strong> a <strong>soul</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>homem</strong>, e<br />

dos outros que fi caram<br />

no esquecimento<br />

Anna Calvi 12<br />

Rock com teatro lá <strong>de</strong>ntro<br />

Jon Spencer Blues<br />

Explosion 14<br />

A reedição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a obra<br />

fundamental<br />

Nicholas Oulman 16<br />

Tudo sobre o seu pai, Alain<br />

Oulman<br />

Poesia vs. Cinema 18<br />

Uma história <strong>de</strong> cinefi lia<br />

Odisseia 22<br />

Quando o teatro une<br />

o que tudo o resto separa<br />

João Maria Gusmão<br />

e Pedro Paiva 25<br />

No mundo extraterrestre<br />

Ficha Técnica<br />

Directora Bárbara Reis<br />

Editor Vasco Câmara,<br />

Inês Nadais (adjunta)<br />

Conselho editorial Isabel<br />

Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />

Design Mark Porter, Simon<br />

Esterson, Kuchar Swara<br />

Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />

Designers Ana Carvalho,<br />

Carla Noronha, Mariana Soares<br />

Editor <strong>de</strong> fotografi a<br />

Miguel Ma<strong>de</strong>ira<br />

E-mail: ipsilon@publico.pt<br />

valter<br />

hugo mãe<br />

estoura<br />

no Brasil<br />

“Titus<br />

Andronicus”<br />

em cantonês,<br />

na encenação<br />

<strong>de</strong> Tang Shu<br />

Wing<br />

Shakespeare em<br />

português e maori<br />

(e mais 36 línguas)<br />

nos Jogos Olímpicos<br />

<strong>de</strong> Londres<br />

O ano parece estar a<br />

começar bem para valter<br />

hugo mãe, sobretudo no<br />

Brasil. O escritor português<br />

é <strong>um</strong> dos convidados da 9.ª<br />

Festa Literária<br />

Internacional <strong>de</strong> Paraty<br />

(FLIP), que este ano<br />

O lançamento<br />

no Brasil <strong>de</strong><br />

“o remorso<br />

<strong>de</strong> baltazar<br />

serapião”<br />

pôs o escritor<br />

português<br />

na capa dos<br />

ca<strong>de</strong>rnos<br />

Não são as obras completas <strong>de</strong><br />

William Shakespeare em 97<br />

minutos, mas são as obras<br />

completas <strong>de</strong> William Shakespeare<br />

homenageará o mo<strong>de</strong>rnista<br />

Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> (1890-<br />

1954). O argentino Andrés<br />

Ne<strong>um</strong>an, (autor <strong>de</strong> “O<br />

culturais dos<br />

três maiores<br />

jornais do país<br />

em 38 línguas, português incluído.<br />

Em 2012, o Globe Theatre também<br />

vai a jogo nas Olimpíadas <strong>de</strong><br />

Londres: o teatro dirigido por<br />

Dominic Dromgoole propõe-se<br />

apresentar cada <strong>um</strong>a das 38 peças<br />

Viajante do Século”,<br />

vencedor dos Prémios<br />

Alfaguara e Crítica 2009), e<br />

o norte-americano David<br />

Remnick , editor da “The<br />

do dramaturgo britânico n<strong>um</strong>a<br />

língua diferente, e a lista vai do<br />

português ao maori, do lituano ao<br />

cantonês, do aborígene ao urdu, do<br />

árabe ao italiano, do xona ao<br />

mandarim. É provavelmente o<br />

New Yorker” e autor da<br />

biografia <strong>de</strong> Barack Obama,<br />

são os outros escritores já<br />

confirmados.<br />

Não por casa da FLIP,<br />

mais ambicioso projecto<br />

shakespereano alg<strong>um</strong>a<br />

vez empreendido:<br />

nunca <strong>um</strong> teatro<br />

conseguiu fazer<br />

o pleno da obra<br />

mas por causa <strong>de</strong> “o<br />

remorso <strong>de</strong> baltazar<br />

serapião”, valter hugo mãe<br />

foi no sábado capa dos<br />

ca<strong>de</strong>rnos culturais dos<br />

“obra para muitas e<br />

profícuas leituras” e fala da<br />

sua linguagem inventiva,<br />

do dramaturgo<br />

em apenas<br />

<strong>um</strong>a<br />

temporada, e<br />

muito menos<br />

38 línguas<br />

em 38 línguas.<br />

para 38 obras:<br />

“É <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia<br />

Shakespeare<br />

espantosamente<br />

nunca foi <strong>um</strong>a<br />

clara e ligeiramente<br />

al<strong>de</strong>ia tão<br />

tola”, admite<br />

global<br />

Dromgoole, mas<br />

que talvez possa<br />

mais importantes jornais<br />

brasileiros (a “Ilustrada”,<br />

da “Folha <strong>de</strong> S. Paulo”, o<br />

“Sábático”, do “Estado <strong>de</strong><br />

S. Paulo”, e a “Prosa e<br />

Verso”, <strong>de</strong> “O Globo”). O<br />

primeiro romance do<br />

escritor a chegar ao Brasil<br />

acaba <strong>de</strong> ser lançado pela<br />

Editora 34; durante a FLIP,<br />

comparando a obra <strong>de</strong> valter<br />

com a <strong>de</strong> Gonçalo M.<br />

Tavares. O crítico Antonio<br />

Gonçalves Filho, no ca<strong>de</strong>rno<br />

“Sabático” do “Estado <strong>de</strong> S.<br />

Paulo”, vai mais longe.<br />

Escreve que “o que Raduan<br />

Nassar fez pela literatura<br />

brasileira com ‘Lavoura<br />

Arcaica’, o poeta Hugo Mãe<br />

mostrar até que<br />

ponto Shakespeare é “<strong>um</strong>a<br />

linguagem universal”.<br />

O festival do Globe começa a 23<br />

<strong>de</strong> Abril, dia do nascimento <strong>de</strong><br />

Shakespeare, e <strong>de</strong>corre ao longo<br />

a Cosac & Naify lançará o<br />

mais recente “A máquina<br />

<strong>de</strong> fazer espanhóis”, <strong>um</strong><br />

dos melhores 20 livros <strong>de</strong><br />

2010 para o Ípsilon. Até<br />

fez pela literatura <strong>de</strong><br />

Portugal com este livro”. E<br />

diz que “o autor examina a<br />

barbárie (...) com a força<br />

crítica <strong>de</strong> <strong>um</strong> autêntico<br />

das seis semanas seguintes. Do<br />

alinhamento constam monstros<br />

como o encenador lituano<br />

Eimuntas Nekrosius (que já trouxe<br />

dois dos seus assombrosos<br />

Shakespeares ao Porto, “Macbetas”<br />

agora, valter hugo mãe só<br />

tinha visto publicada no<br />

Brasil <strong>um</strong>a colectânea <strong>de</strong><br />

poemas.<br />

A recepção a “o<br />

escritor do seu tempo”. Na<br />

“Ilustrada”, da “Folha <strong>de</strong> S.<br />

Paulo”, o professor <strong>de</strong> teoria<br />

literária Marcelo Pen diz que<br />

hugo mãe “impressiona em<br />

e “Otelas”), os teatros nacionais da<br />

Grécia e da China, e os brasileiros<br />

do Grupo Galpão (cujo “Romeu e<br />

Julieta”, montado por Gabriel<br />

Villela, também andou pelo Porto,<br />

no FITEI <strong>de</strong> 2001, e ainda por Braga<br />

remorso...”, Prémio<br />

Literário José Saramago<br />

2007, não podia estar a ser<br />

mais efusiva. Luis Maffei,<br />

poeta e professor <strong>de</strong><br />

narrativa <strong>de</strong>lirante” com<br />

“sintaxe (...) tortuosa, em<br />

que se mesclam arcaísmos,<br />

lusitanismos, expressão<br />

popular e estrutura bíblica”.<br />

e Coimbra). Shakespereanos <strong>de</strong><br />

todo o mundo, uni-vos: já não falta<br />

assim tanto tempo.<br />

Literatura Portuguesa, diz<br />

no “Prosa e Verso” que é<br />

A crítica é acompanhada <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> texto jornalístico <strong>de</strong><br />

Fábio Victor, “Novo<br />

sotaque português”, que<br />

junta a João Tordo, também<br />

prémio Saramago, e os<br />

consi<strong>de</strong>ra “os expoentes da<br />

nova geração literária <strong>de</strong><br />

Portugal”.<br />

Entretanto, n<strong>um</strong><br />

inquérito da “Folha”, hugo<br />

mãe afirma que a sua<br />

melhor <strong>de</strong>scoberta do<br />

Brasil foi a primeira vez<br />

que ouviu Cartola: “Chorei<br />

<strong>um</strong>a semana inteira porque<br />

toda a minha dor <strong>de</strong> corno<br />

me doeu <strong>de</strong> beleza”. Para<br />

ele, o Brasil precisa <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scobrir “o projecto<br />

musical A Naifa” e “a<br />

palavra ‘lusa’ mais<br />

engraçada é chuça-pitos”:<br />

“É <strong>um</strong> insecto que mata<br />

pintainhos. Aqui no Norte<br />

do país usa-se para dizer <strong>de</strong><br />

<strong>homem</strong> que tem cara <strong>de</strong><br />

sonso, como <strong>um</strong> tarado<br />

escondido”. João Tordo<br />

escolheu “autoclismo”, que<br />

no Brasil é “<strong>de</strong>scarga”.<br />

Isabel Coutinho<br />

Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 3<br />

JORGE MIGUEL GONCALVES/ NFACTOS


Flash<br />

Uma das<br />

miragens<br />

<strong>de</strong> Orson<br />

Welles<br />

po<strong>de</strong><br />

fi nalmente<br />

tornar-se<br />

realida<strong>de</strong><br />

É <strong>um</strong> dos<br />

muitos<br />

projectos<br />

inacabados a<br />

que o nome<br />

<strong>de</strong> Orson<br />

Welles esteve<br />

ligado – mas<br />

quem viu<br />

fragmentos<br />

diz que “The Other Si<strong>de</strong> of<br />

the Wind”, rodado em<br />

1970, po<strong>de</strong> bem ser o<br />

“testamento<br />

cinematográfico” do<br />

lendário actor e realizador.<br />

E tudo aponta para que o<br />

filme venha a ser<br />

finalmente terminado nos<br />

próximos meses, se se<br />

confirmarem as notícias do<br />

jornal “The Observer”: há<br />

negociações para<br />

Novo disco <strong>de</strong> Kanye<br />

West no Verão<br />

Ontem ainda estava nas listas dos<br />

melhores <strong>de</strong> 2010, hoje já está a<br />

preparar o assalto a 2011: Kanye<br />

West anunciou segunda-feira no<br />

Twitter que vai lançar <strong>um</strong> novo<br />

disco no Verão. Este anúncio é feito<br />

apenas dois meses <strong>de</strong>pois do<br />

lançamento do aclamado “My<br />

Beautiful Dark Twisted Fantasy”,<br />

consi<strong>de</strong>rado o disco do ano pelo<br />

Ípsilon. O “rapper” norteamericano<br />

não adiantou mais<br />

<strong>de</strong>talhes sobre o disco.<br />

Ainda na segunda-feira, Kanye<br />

West escreveu no seu Twitter que o<br />

seu disco em colaboração com<br />

Jay-Z, “Watch the Throne” vai sair<br />

daqui a dois meses. Jay-Z foi <strong>um</strong> dos<br />

muitos convidados que<br />

participaram em “My Beautiful<br />

Dark Twisted Fantasy”. Depois <strong>de</strong><br />

4 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

completar “The Other Si<strong>de</strong><br />

of the Wind”, e o realizador<br />

Peter Bogdanovich estará<br />

envolvido no resgate.<br />

Como com quase todos os<br />

filmes do autor <strong>de</strong> “O Mundo<br />

a Seus Pés”, a história <strong>de</strong><br />

“The Other Si<strong>de</strong> of the<br />

Wind” parece ela própria<br />

<strong>um</strong> filme. Em 1970, Welles<br />

“<strong>de</strong>senterrou” e retrabalhou<br />

<strong>um</strong>a a carreira <strong>de</strong> sucesso<br />

enquanto uanto produtor, o<br />

controverso troverso Kanye West já<br />

lançou çou cinco discos em<br />

seis anos. O álb<strong>um</strong> <strong>de</strong><br />

estreia, eia, “The College<br />

Dropout”, pout”, foi<br />

lançado çado em<br />

2004 4<br />

pelas as<br />

editoras oras<br />

Def Jam<br />

e Roc-A- oc-A-<br />

Fella. a.<br />

O sucessor <strong>de</strong> “My<br />

Beautiful Dark Twisted<br />

Fantasy”, álb<strong>um</strong> do ano <strong>um</strong><br />

pouco por todo o lado,<br />

não tarda<br />

Ciclo<br />

NUNO FERREIRA SANTOS<br />

JP Simões, aka “o mais<br />

português dos artistas<br />

portugueses”, vai ao Porto<br />

para <strong>um</strong> concerto gratuito.<br />

No próximo domingo, às<br />

19h, o artista vai estar no<br />

Café au lait, no Porto, para<br />

abrir o ciclo <strong>de</strong> concertos<br />

Bodyspace au Lait. O ciclo<br />

surge da colaboração<br />

entre o “site” <strong>de</strong> crítica<br />

musical Bodyspace e o<br />

A história do projecto<br />

inacabado “The Other Si<strong>de</strong><br />

of the Wind” (à esquerda,<br />

<strong>um</strong>a cena da rodagem) é<br />

<strong>um</strong> dos inúmeros fi lmes da<br />

vida <strong>de</strong> Orson Welles<br />

extensamente <strong>um</strong> guião que<br />

concebera durante <strong>um</strong>a<br />

visita a Espanha em finais<br />

dos anos 40, “Sacred<br />

Monsters”, <strong>um</strong>a meditação<br />

“dramática” sobre<br />

Hollywood. O filme<br />

acompanha a festa do 75.º<br />

aniversário <strong>de</strong> Jake<br />

Hannaford, cineasta<br />

ficcional interpretado por<br />

Vêm aí mais seis<br />

livros livr <strong>de</strong> Bob Dylan<br />

Bob Dylan Dy assinou <strong>um</strong> acordo<br />

com a Simon & Schuster para a<br />

publicação public <strong>de</strong> seis livros,<br />

incluindo incluin o segundo e terceiro<br />

vol<strong>um</strong>es vol<strong>um</strong> da autobiografia,<br />

iniciada inicia em 2004 com a edição<br />

<strong>de</strong> d “C “Chronicles: Vol<strong>um</strong>e One”.<br />

Saber Sa S be que estão<br />

<strong>de</strong>finitivamente <strong>de</strong> d fi<br />

a caminho<br />

mais mai dois livros <strong>de</strong> memórias<br />

do cantor c e compositor “é <strong>um</strong>a<br />

notícia notí muito excitante para os<br />

fãs <strong>de</strong> d Bob Dylan e para todos<br />

os qu que se interessam pela<br />

história histó do rock”, comentou o<br />

porta-voz po da ca<strong>de</strong>ia britânica<br />

<strong>de</strong> livrarias Waterstone, Jon<br />

Howells, H sublinhando que o<br />

primeiro p vol<strong>um</strong>e <strong>de</strong><br />

Bob Dylan vai retomar a<br />

autobiografi a iniciada com<br />

“Chronicles: Vol<strong>um</strong>e One”<br />

café-bar, que se juntam<br />

para fazer <strong>um</strong> concerto<br />

por mês, sempre com<br />

entrada livre.<br />

Quanto ao concerto,<br />

<strong>de</strong> nada se po<strong>de</strong> estar<br />

certo. JP Simões, que já<br />

li<strong>de</strong>rou projectos como<br />

Pop Dell’Arte, Belle<br />

Chase Hotel e Quinteto<br />

Tati, tem planeado para<br />

2011 o lançamento do seu<br />

John Huston, que Welles,<br />

segundo o “Observer”,<br />

<strong>de</strong>finiu como “<strong>um</strong> sacana <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> realizador (...) que cria as<br />

pessoas e as <strong>de</strong>strói” (“é <strong>um</strong><br />

filme sobre nós”, terá dito a<br />

Huston). Embora Welles<br />

tenha repetidamente negado<br />

essa componente<br />

autobiográfica, o produtor<br />

espanhol Andrés Vicente<br />

Gómez diz que o<br />

protagonista é <strong>um</strong>a<br />

combinação <strong>de</strong> “Hemingway,<br />

Huston e ele próprio”.<br />

Rodado nos EUA com <strong>um</strong><br />

elenco que incluía ainda<br />

Peter Bogdanovich, Dennis<br />

Hopper, Clau<strong>de</strong> Chabrol e<br />

Merce<strong>de</strong>s McCambridge,<br />

“The Other Si<strong>de</strong> of the<br />

Wind” foi financiado pelo<br />

próprio Welles e por <strong>um</strong>a<br />

produtora parisiense, Les<br />

Films <strong>de</strong> l’Astrophore,<br />

proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mehdi<br />

Boushehri, cunhado do Xá<br />

do Irão. Com o filme<br />

montado a “96 por cento”,<br />

Welles não conseguiu<br />

interessar nenh<strong>um</strong><br />

distribuidor americano, <strong>um</strong><br />

dos investidores apropriouse<br />

<strong>de</strong> dinheiro da produção,<br />

e as relações entre realizador<br />

e financiadores arrefeceram.<br />

Enquanto os advogados<br />

tentavam resolver as<br />

questões legais, <strong>de</strong>u-se a<br />

Revolução Islâmica, o Xá<br />

tornou-se “persona non<br />

“Chronicles” “foi<br />

<strong>um</strong>a revelação” e<br />

“estabeleceu <strong>um</strong><br />

novo padrão para o<br />

que se po<strong>de</strong><br />

esperar <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

autobiografia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

estrela <strong>de</strong> rock”.<br />

Centrado nos anos <strong>de</strong><br />

formação <strong>de</strong> Dylan, a obra<br />

esteve 19 semanas seguidas na lista<br />

do “New York Times” dos livros<br />

mais vendidos no sector <strong>de</strong> nãoficção.<br />

A notícia é tanto mais<br />

surpreen<strong>de</strong>nte quanto os fãs<br />

começavam a recear que Dylan se<br />

ficasse mesmo pelo primeiro<br />

vol<strong>um</strong>e. Em 2008, a editora<br />

anunciou que o músico começara a<br />

trabalhar n<strong>um</strong> próximo livro, mas<br />

não houve qualquer confirmação<br />

posterior e, em Agosto <strong>de</strong> 2010,<br />

último trabalho a solo,<br />

“On<strong>de</strong> Mora o Mundo” No<br />

novo álb<strong>um</strong>, sucessor<br />

<strong>de</strong> “Boato” (2009), o<br />

artista escolheu o jazz e<br />

a música brasileira como<br />

os principais géneros a<br />

explorar. Mais <strong>um</strong>a caixa<br />

<strong>de</strong> surpresas que po<strong>de</strong><br />

ser aberta, ou não, no<br />

concerto <strong>de</strong>ste domingo à<br />

tar<strong>de</strong>.<br />

grata”, e os materiais<br />

filmados, por essa altura já<br />

a salvo n<strong>um</strong> cofre<br />

parisiense, ficaram n<strong>um</strong><br />

limbo legal que só começou<br />

a ser resolvido nos anos 90.<br />

Nessa altura, o canal <strong>de</strong><br />

cabo Showtime adquiriu<br />

parte significativa dos<br />

direitos, tencionando<br />

trabalhar com Bogdanovich<br />

na reconstrução do filme <strong>de</strong><br />

acordo com os <strong>de</strong>sejos<br />

originais do realizador. É<br />

esse processo que parece<br />

agora estar mais perto da<br />

concretização. Jacqueline<br />

Boushehri, viúva do<br />

proprietário da Astrophore,<br />

e Oja Kodar, companheira<br />

<strong>de</strong> Welles e co-arg<strong>um</strong>entista<br />

do filme, estarão dispostas<br />

a ven<strong>de</strong>r a sua parte dos<br />

direitos (o comprador, tudo<br />

o indica, será o Showtime).<br />

Para Andrés Vicente<br />

Gómez, completar o filme<br />

será “<strong>um</strong>a traição”.<br />

Françoise Widhoff, que<br />

acompanhou as rodagens e<br />

trabalhou com Welles no<br />

seu filme seguinte, “F for<br />

Fake”, também levanta<br />

reservas. Mas isso não a<br />

impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar o<br />

filme “<strong>um</strong>a obra-prima”,<br />

“muito mo<strong>de</strong>rna e livre”.<br />

Veremos se é mesmo <strong>de</strong>sta<br />

que “The Other Si<strong>de</strong> of the<br />

Wind” <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser <strong>um</strong>a<br />

miragem. Jorge Mourinha<br />

<strong>um</strong>a “fonte<br />

próxima” <strong>de</strong><br />

Dylan assegurou<br />

à revista “Rolling<br />

Stone” que não<br />

existiam<br />

quaisquer<br />

projectos para a<br />

publicação <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

segundo vol<strong>um</strong>e <strong>de</strong><br />

“Chronicles”.<br />

Continua, <strong>de</strong> resto, a não se<br />

saber quando sairá a aguardada<br />

continuação das suas memórias,<br />

já que a editora evitou arriscar<br />

<strong>um</strong>a data. E também pouco abriu<br />

o jogo no que respeita aos outros<br />

quatro livros que Dylan se<br />

comprometeu a escrever, tendo<br />

apenas adiantado que <strong>um</strong> <strong>de</strong>les<br />

terá como base o programa<br />

“Theme Time Radio Hour”, que o<br />

cantor mantém na rádio XM.


AGENDA CULTURAL FNAC<br />

entrada livre<br />

APRESENTAÇÃO<br />

LONGE DO MEU CORAÇÃO<br />

Livro <strong>de</strong> Júlio Magalhães<br />

Este romance retrata com mestria e realismo o quotidiano dos portugueses que partiram em busca <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

vida melhor, sonhando <strong>um</strong> dia regressar ricos à terra que os viu partir pobres.<br />

29.01. 16H00 FNAC VISEU<br />

MÚSICA AO VIVO<br />

COUPLE COFFEE<br />

Quarto Grão<br />

A banda <strong>de</strong> Luanda Cozetti e Norton Daiello regressa com <strong>um</strong> trabalho inteiramente composto por<br />

temas originais.<br />

28.01. 22H00 FNAC COIMBRA<br />

05.02. 17H00 FNAC CASCAISHOPPING<br />

11.02. 17H00 FNAC STA. CATARINA<br />

MÚSICA AO VIVO<br />

NOISERV<br />

A Day In the Day Of The Days<br />

Noiserv cria peças musicais <strong>de</strong> <strong>um</strong> minimalismo capaz <strong>de</strong> atingir cada indivíduo na sua intimida<strong>de</strong>,<br />

relembrando-lhe vivências, momentos e memórias intrincadas entre a realida<strong>de</strong> e o sonho.<br />

28.01. 22H00 FNAC LEIRIASHOPPING<br />

MÚSICA AO VIVO<br />

BALLA<br />

Equilíbrio<br />

Neste trabalho, com letras <strong>de</strong> José Luís Peixoto, Miguel Esteves Cardoso, Pedro Mexia e do próprio Armando<br />

Teixeira, mentor do projecto, a banda optou por <strong>um</strong>a abordagem electrónica.<br />

29.01. 22H00 FNAC COIMBRA<br />

30.01. 17H00 FNAC LEIRIASHOPPING<br />

EXPOSIÇÃO<br />

A HISTÓRIA DE TUDO AQUILO QUE É<br />

Fotografias <strong>de</strong> Maria-do-Mar Pedro Rêgo<br />

Novo Talento FNAC Fotografia 2010, Menção Honrosa<br />

Exposição composta por sequências <strong>de</strong> <strong>um</strong>a a quatro fotografias cuja ligação é invisível, formal,<br />

funcional ou poética.<br />

26.01. - 26.03.2011 FNAC COLOMBO<br />

apoio:<br />

12.02. 22H00 FNAC LEIRIASHOPPING<br />

20.02. 17H00 FNAC ALMADA<br />

APRESENTAÇÃO MÚSICA AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO<br />

Consulte a AGENDA FNAC em:<br />

http://cultura.fnac.pt


6 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

Chegou a hora


<strong>de</strong> Charles<br />

a sawsx<br />

Bradley<br />

Viu James Brown aos 14 anos e passou os 48 seguintes<br />

a perseguir <strong>um</strong> sonho. Dormiu no metropolitano,<br />

foi cozinheiro, carpinteiro, engraxador. Foi tudo o<br />

que conseguiu enquanto a música teimava em<br />

fugir-lhe. Até agora. Apresente-se “No Time For<br />

Dreaming”, álb<strong>um</strong> que é a sua vida, portento <strong>soul</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> estreante <strong>de</strong> 62 anos. Mário Lopes<br />

Um <strong>homem</strong> em fato-macaco caminha<br />

por Bushwick, bairro <strong>de</strong> Brooklyn,<br />

Nova Iorque, e canta: “Don’t tell me<br />

how to live my life, when you haven’t<br />

felt the pain”. Vemos <strong>um</strong> velho agarrado<br />

a <strong>um</strong> rádio, <strong>de</strong> sorriso entreaberto,<br />

e gran<strong>de</strong>s planos <strong>de</strong> faces sem<br />

sorriso - olhos que nos fixam, profundos<br />

e tristes. Aquele, olhos cerrados<br />

e cada ruga a dar força à expressão:<br />

“The world is burning up in flames,<br />

and no one wanna take the blame”.<br />

Aponta: “Is it you? Or you?” Aponta<br />

para si: “Me! Oh me”. Este <strong>homem</strong><br />

chama-se Charles Bradley. As ruas do<br />

ví<strong>de</strong>o são aquelas em que cresceu.<br />

São aquelas a que voltou, muito adulto,<br />

há <strong>um</strong>a década. As que escolheu<br />

quando, por fim, chegou a hora <strong>de</strong> se<br />

revelar. A sua música é a sua vida e<br />

ele esperou <strong>um</strong>a vida para a cantar.<br />

Apresente-se “No Time For Dreaming”,<br />

álb<strong>um</strong> imenso <strong>de</strong> <strong>um</strong> estreante<br />

<strong>de</strong> 62 anos.<br />

Charles Bradley sabia que conseguiria,<br />

só não sabia quando. Nascido<br />

em 1948 em Gainesville, Florida, mas<br />

cidadão nova-iorquino <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito<br />

cedo, lembra-se <strong>de</strong> a irmã o levar ao<br />

Apollo, a mítica sala <strong>de</strong> concertos no<br />

bairro <strong>de</strong> Harlem. Tinha 14 anos e estava<br />

perante James Brown, no mesmo<br />

local on<strong>de</strong>, dois anos antes, o “Padrinho<br />

da Soul” gravara o histórico “At<br />

The Apollo”. Bradley não se lembra<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes, mas a sensação ficou-lhe<br />

gravada na pele. Explica-a avançando<br />

uns anos e citando “I don’t want nobody<br />

to give me nothing ( Just open<br />

the door and I’ll get it myself )”, single<br />

<strong>de</strong> 1969 <strong>de</strong> Brown: “A banda estava<br />

no topo e ele tinha <strong>um</strong>a dinâmica impressionante,<br />

punha tudo na perfor-<br />

mance. E <strong>de</strong>pois, era como se dissesse<br />

‘não quero que ninguém me dê<br />

nada, abram a porta e agarro-o eu<br />

mesmo’.”<br />

Nesse dia chegou a casa, pegou n<strong>um</strong>a<br />

vassoura, atou-lhe <strong>um</strong>a corda e<br />

treinou os passos que vira em frente<br />

ao espelho. Sabia o que queria. Queria<br />

o palco e a energia da banda, queria<br />

a <strong>soul</strong>. Esperou 48 anos. É o tempo<br />

que separa o dia da revelação no<br />

Apollo, do 25 <strong>de</strong> Janeiro em que editou<br />

“No Time For Dreaming”. Entre<br />

<strong>um</strong> e outro, viveu nas ruas <strong>de</strong> Nova<br />

Iorque e foi cozinheiro em mil cida<strong>de</strong>s,<br />

da Big Apple ao Alasca. Foi engraxador,<br />

canalizador e carpinteiro<br />

– “mas a música esteve comigo toda<br />

a vida”, em pequenos concertos em<br />

pequenos bares, encarnando os ídolos<br />

James Brown ou Otis Redding.<br />

Charles Bradley falhou <strong>um</strong>a carreira<br />

para po<strong>de</strong>r gravar, aos 62 anos, <strong>um</strong><br />

álb<strong>um</strong> que põe em canção <strong>um</strong> percurso<br />

<strong>de</strong> luta e labuta, <strong>de</strong> questionamento<br />

e perseverança. De alma cheia<br />

e sem amargura no alerta.<br />

Em fundo, irrompe <strong>um</strong> ritmo <strong>de</strong><br />

bateria. A voz do entrevistado <strong>de</strong>saparece<br />

por momentos. Comenta qualquer<br />

coisa, recebe <strong>um</strong>a gargalhada<br />

<strong>de</strong> volta. Nos estúdios da Daptone Records<br />

– “No Time For Dreaming” foi<br />

editado pela Dunham, a recente subsidiária<br />

da editora que revelou Sharon<br />

Jones & The Dap Kings e que <strong>de</strong>u novo<br />

impulso a Lee Fields -, Charles Bradley,<br />

na sua voz incrivelmente rouca,<br />

com as palavras a saírem em cadência<br />

lenta, pon<strong>de</strong>rada, repete ao Ípsilon:<br />

“Esperei tanto tempo por <strong>um</strong>a oportunida<strong>de</strong>.<br />

Procurei-a e procurei-a honestamente,<br />

porque sabia que iria<br />

“Era como se nos<br />

dissesse ‘não quero<br />

que ninguém me dê<br />

nada, abram a porta<br />

e agarro-o eu mesmo’”<br />

– sobre o momento<br />

revelador em que viu<br />

James Brown<br />

chegar. Não sabia quando ou porquê,<br />

mas ela chegaria”.<br />

O que o coração procura<br />

A Daptone Records, editora in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

se<strong>de</strong>ada em Brooklyn, é responsável<br />

por alg<strong>um</strong>a da melhor <strong>soul</strong> que<br />

ouvimos na última década. Purista<br />

até à medula, foi fundada por Gabriel<br />

Roth, produtor e baixista dos Dap-<br />

Kings (banda resi<strong>de</strong>nte à semelhança<br />

dos Booker T & The MGs da Stax ou<br />

dos Funk Brothers da Motown), e por<br />

Neal Sugarman, mentor dos The Sugarman<br />

Three, mestres tardios do<br />

funk. Ao longo dos anos, para além<br />

<strong>de</strong> Sharon Jones e Lee Fields, a editora<br />

recuperou outros veteranos como<br />

a cantora gospel Naomi Shelton, e albergou<br />

gente como a Budos Band,<br />

responsáveis, com os Antibalas, pela<br />

recuperação do afrobeat em território<br />

americano.<br />

Pelo meio, a editora viveu o seu<br />

momento <strong>de</strong> maior exposição quando<br />

o produtor Mark Ronson escolheu os<br />

Dap-Kings como a banda i<strong>de</strong>al para<br />

acompanhar <strong>um</strong>a cantora chamada<br />

Amy Winehouse n<strong>um</strong> álb<strong>um</strong> intitulado<br />

“Back to Black”. Gabriel Roth, hoje<br />

com 36 anos, não estava particularmente<br />

interessado na britânica,<br />

mas não podia negar aos seus músicos<br />

e à editora o dinheiro que a empreitada<br />

garantiria. Os Dap-Kings entregaram-se<br />

ao trabalho e receberam os<br />

louvores que sabemos: o disco <strong>de</strong> platina<br />

que ganharam com o trabalho<br />

está em <strong>de</strong>staque n<strong>um</strong>a das divisões<br />

da se<strong>de</strong> da Daptone. Dica: se alg<strong>um</strong>a<br />

vez passarem por lá, procurem na<br />

casa <strong>de</strong> banho.<br />

Gabriel Roth, Neal Sugarman e<br />

comparsas procuram outra coisa. Procuram<br />

“quem viva e sue o r&b”, como<br />

<strong>de</strong>scrito em 2008 no New York Times.<br />

Foi isso que Roth reconheceu há onze<br />

anos em Charles Bradley, na noite em<br />

que assistiu a <strong>um</strong> dos seus concertos<br />

enquanto Black Velvet (alter-ego inventado<br />

pela irmã). Levou-o para o<br />

estúdio e gravou-o com os Sugarman<br />

3 e com os Bullets. Nesses singles,<br />

Charles Bradley sobressai como discípulo<br />

inspirado <strong>de</strong> James Brown –<br />

“This love ain’t big enough for the<br />

both of us” é <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>ira pérola<br />

<strong>de</strong> groove, com <strong>um</strong>a batida quebrada<br />

infernal. Aquele, porém, não era ainda<br />

o Charles Bradley que ouvimos em<br />

“No Time For Dreaming”.<br />

Thomas Brenneck, membro da Budos<br />

Band e da Menahan Street Band,<br />

o combo <strong>soul</strong> que acompanha<br />

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Bradley, partilha a visão <strong>de</strong> Roth.<br />

A ele se <strong>de</strong>ve, em gran<strong>de</strong> parte, a<br />

existência <strong>de</strong> “No Time For Dreaming”.<br />

Foi ele que ajudou Bradley<br />

a ultrapassar a <strong>de</strong>pressão provocada<br />

pela morte do irmão mais velho, assassinado<br />

pelo seu sobrinho. Charles<br />

Bradley: “O meu irmão lutou para<br />

manter a família, foi o seu suporte<br />

e como <strong>um</strong> pai para mim. E morreu<br />

assim. O que digo em ‘No Time For<br />

Dreaming’ é que fazemos muito bem<br />

em sonhar, mas que é preciso acção,<br />

que é preciso reagir para que o sonho<br />

seja real”.<br />

Pouco antes da entrevista, Tom<br />

Brenneck recordou-nos o seu percurso<br />

com Bradley. Começou assim:<br />

“Charles é especial, <strong>um</strong> verda<strong>de</strong>iro<br />

diamante” - o trabalho <strong>de</strong> Tom foi<br />

ajudar a lapidá-lo. Prosseguiu: “À<br />

custa do seu passado, ele era diferente<br />

<strong>de</strong> Sharon Jones ou Lee Fields,<br />

performers refinados que tocavam<br />

há décadas. Lee gravou o seu primeiro<br />

disco, ‘Let’s talk it over’, em<br />

1972 e Sharon tocava em bandas <strong>de</strong><br />

Queens e <strong>de</strong> Brooklyn <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos<br />

1970, mas o Charles nunca teve <strong>um</strong><br />

trabalho contínuo que lhe permitisse<br />

refinar a sua arte”.<br />

Quando começaram a trabalhar<br />

juntos, Brenneck e a banda sentiamse<br />

como “miúdos que estavam a ter<br />

o privilégio <strong>de</strong> tocar com James Brown.”<br />

O que era tremendamente excitante,<br />

mas não era o que Charles<br />

Bradley podia ser: “Aquela música<br />

não parecia a<strong>de</strong>quar-se à sua personalida<strong>de</strong>,<br />

só parecia servir <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> imitação”. Um dia, porém, Bradley<br />

ouviu alg<strong>um</strong>as novas canções<br />

em que Brenneck trabalhava, canções<br />

que nos <strong>de</strong>screve como “<strong>um</strong><br />

mergulho no lado mais negro da<br />

<strong>soul</strong>”. E o cantor que não podia ser<br />

James Brown mas estava ainda a<br />

tempo <strong>de</strong> ser Charles Bradley,<br />

reagiu imediatamente. Era aquele<br />

o som: “<strong>de</strong>scobri o que o meu coração<br />

procurava”.<br />

Começaram a jorrar histórias,<br />

frases “simples e belíssimas, cantadas<br />

com <strong>um</strong>a profundida<strong>de</strong> que as<br />

torna únicas” (Tom Brenneck).<br />

Charles <strong>de</strong>scobrira por fim o seu<br />

caminho e agarrava a oportunida<strong>de</strong>,<br />

negada durante décadas, com<br />

urgência e sofreguidão. Brenneck:<br />

“Se o <strong>de</strong>ixasse a cantar à solta, não<br />

haveria estrutura, não haveria verso-refrão-verso.<br />

Ele cantaria como<br />

<strong>um</strong> pássaro durante horas, sem pausas,<br />

<strong>de</strong>itando tudo cá para fora. Mas<br />

é esse po<strong>de</strong>r em bruto, é essa intuição<br />

que o torna tão especial”.<br />

Uma imensa dignida<strong>de</strong><br />

Tínhamos sido avisados que Charles<br />

Bradley era <strong>um</strong> contador <strong>de</strong> histórias,<br />

<strong>um</strong> conversador nato. E que<br />

era também, como escrito no texto<br />

<strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong> “No Time for<br />

Dreaming”, <strong>um</strong> <strong>homem</strong> h<strong>um</strong>il<strong>de</strong>,<br />

sem vestígios <strong>de</strong> mágoa pelo tempo<br />

perdido e pelas oportunida<strong>de</strong>s que<br />

não teve. Não era exagero <strong>de</strong> marketing.<br />

As primeiras palavras que<br />

lhe ouvimos são estas: “Lutei tanto<br />

por isto. Rezei, passei por tanto e<br />

esperei que a oportunida<strong>de</strong> surgisse.”<br />

A <strong>de</strong>spedida fez-se assim: “Obrigado<br />

por me dar a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

falar e mostrar o que sou. Obrigado<br />

por ouvir a minha história”. Entre<br />

<strong>um</strong>a e outra, revela-se <strong>um</strong>a extrema<br />

dignida<strong>de</strong>. Dignida<strong>de</strong> na forma como<br />

continuou vida fora a “perseguir<br />

o sonho” – dirá isto várias vezes -,<br />

dignida<strong>de</strong> no olhar que, aos 62 anos,<br />

lança sobre o mundo.<br />

“No Time For Dreaming” é a sua<br />

vida tornada alerta e <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a América por quem, canta em<br />

“Why is it so hard?” e diz-nos agora,<br />

se sente traído: “Vejo adulação a


quem não a merece e vejo imensa<br />

frustração. Somos todos filhos <strong>de</strong><br />

Deus, mas alg<strong>um</strong>as pessoas não utilizam<br />

esse dom <strong>de</strong> forma correcta.<br />

Não o fazem na forma como tratam<br />

os outros e como se tratam a si próprios”.<br />

Mas a voz <strong>de</strong> Bradley, na sua generosa<br />

rouquidão, no arrepiante<br />

po<strong>de</strong>r da sincerida<strong>de</strong> que expõe,<br />

não tem pinga <strong>de</strong> ódio, não é <strong>um</strong><br />

grito <strong>de</strong> guerra. Tal como não o<br />

eram os discursos inspiradores <strong>de</strong><br />

Martin Luther King, tal como não o<br />

era o seminal “What’s going on”, <strong>de</strong><br />

Marvin Gaye, tal como não o é essa<br />

tremenda canção <strong>de</strong> Aloe Blacc intitulada<br />

“I need a dollar”. “Não pretendo<br />

ser melhor que ninguém,<br />

essa nunca foi a questão. Só estou a<br />

tentar guiar-me <strong>de</strong> forma justa pela<br />

vida. Sei como a violência torna o<br />

mundo mais corrupto, sei como a<br />

violência corrompe a mente, sei como<br />

o ódio po<strong>de</strong> cegar”. Sabe.<br />

Passou parte da adolescência a<br />

viver nas ruas <strong>de</strong> Nova Iorque, dormindo<br />

em carruagens <strong>de</strong> metropolitano<br />

– “ia até ao fim <strong>de</strong> <strong>um</strong>a linha,<br />

a polícia aparecia, fugia, entrava<br />

noutra carruagem e repetia isto até<br />

nascer o dia”. Depois, conseguiu<br />

emprego ao abrigo <strong>de</strong> <strong>um</strong> programa<br />

estatal <strong>de</strong> apoio a famílias <strong>de</strong>sfavorecidas.<br />

Tornou-se cozinheiro e<br />

percorreu os Estados Unidos. Quando<br />

se fartou <strong>de</strong> cozinhar, foi muitas<br />

outras coisas – curiosida<strong>de</strong>: instalou<br />

as canalizações na se<strong>de</strong> da Daptone.<br />

A música, essa, parecia sempre<br />

fugir-lhe - <strong>um</strong>a banda no Maine <strong>de</strong>sfeita<br />

quando os músicos foram combater<br />

para o Vietname, oportunida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> gravação na Califórnia que<br />

nunca se concretizaram.<br />

Em 2000, carregou <strong>um</strong>a carrinha<br />

com o que tinha e regressou a casa.<br />

Começou a tocar em clubes <strong>de</strong><br />

Brooklyn enquanto Black Velvet e<br />

a música permitia-lhe por fim pagar<br />

as contas. Depois morreu-lhe o irmão<br />

e o mundo <strong>de</strong>sabou sobre ele.<br />

Foi a última provação. Pouco <strong>de</strong>pois,<br />

Gabriel Roth viu-o e levou-o<br />

para a Daptone. Tom Brenneck<br />

ouviu-o e <strong>de</strong>u-lhe a música que ele<br />

há tanto perseguia.<br />

48 anos <strong>de</strong>pois, Charles Bradley<br />

concretizou o seu sonho. Porque não<br />

há agora tempo a per<strong>de</strong>r, chamoulhe<br />

“No Time For Dreaming”.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 28 e segs.<br />

Os órfãos têm outra vez <strong>um</strong> lar<br />

De 1969 a 1974 não só houve <strong>um</strong>a carrada <strong>de</strong> discos que, com mais ou menos suor funk, com mais ou menos recurso a<br />

metais ou orquestras, elevaram a <strong>soul</strong> à condição <strong>de</strong> território experimental glorioso, como também se dá o caso <strong>de</strong> quase<br />

todos esses discos terem sido fracassos comerciais que fi caram no esquecimento até à reedição – todas elas recentes. A<br />

história da pop estava mesmo incompleta. João Bonifácio<br />

Parece bouta<strong>de</strong> mas não é: com a<br />

publicida<strong>de</strong> certa, com sorte, com<br />

o que quer que seja que faz com<br />

que os olhos todos se virem para<br />

o mesmo lugar n<strong>um</strong> <strong>de</strong>terminado<br />

momento, Ronald Edward Lewis,<br />

<strong>um</strong> americano que não nasceu<br />

em Memphis na década <strong>de</strong> 1940,<br />

podia ter <strong>um</strong> lugar na história<br />

equivalente ao <strong>de</strong> Marvin Gaye.<br />

O seu primeiro disco, editado<br />

em 1974 na Stax, tinha tudo para<br />

ser “o” disco: a voz <strong>de</strong> três oitavas<br />

a on<strong>de</strong>ar por entre <strong>um</strong>a suave<br />

cortina melódica, <strong>um</strong> fundo jazzy<br />

sempre em oscilações rítmicas e<br />

por cima, ora trôpego, ora manso,<br />

ora violento, ora melancólico, o<br />

z<strong>um</strong>bir sem fundo da orquestra,<br />

violinos a exponenciarem o rasgo<br />

da voz, fl autas a cirandar por todo<br />

o lado.<br />

Podia apostar-se todas as fi chas<br />

no disco – era impossível falhar:<br />

tinha fundura, tinha corpo, tinha<br />

balanço, tinha canções que se<br />

atiravam aos seis minutos. E foi<br />

o mais redondo falhanço, <strong>um</strong><br />

falhanço que encerra em si – pela<br />

gran<strong>de</strong>za do disco e pela história<br />

pessoal <strong>de</strong> Bond – o <strong>de</strong>samparo <strong>de</strong><br />

toda <strong>um</strong>a geração negra.<br />

A Stax, em queda <strong>de</strong>pois da<br />

morte <strong>de</strong> Otis Redding, apostou<br />

o dinheiro na produção e não<br />

promoveu o disco quando<br />

concluiu que este tinha <strong>um</strong> som<br />

mais suave que o habitual na<br />

editora. Bond foi para a estrada<br />

sozinho <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r <strong>um</strong> disco com<br />

<strong>um</strong>a latitu<strong>de</strong> sonora gigantesca.<br />

Não havia discos nas lojas, quase<br />

não havia gente nos concertos. (A<br />

que havia nunca o esqueceu e é<br />

graças a elas e para elas e os que<br />

vierem a seguir que este texto<br />

existe.)<br />

Seguiu-se o cost<strong>um</strong>e: comas<br />

inexplicáveis, pernas partidas,<br />

<strong>de</strong>pressão, drogaria, álcool. A<br />

Swamp Dogg Segundo o próprio, <strong>de</strong>itou-se <strong>um</strong><br />

dia analfabeto e acordou <strong>um</strong> génio musical. Senhor<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> sarcasmo imenso e <strong>de</strong> <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> ouvido pop,<br />

fez dos primeiros álbuns conceptuais políticos, “Total<br />

Destruction to Your Mind”. Vão ao Youtube ouvir<br />

“Synthetic World” pela vossa saú<strong>de</strong>.<br />

coisa foi dura ao ponto <strong>de</strong> nem<br />

as amiza<strong>de</strong>s lhe valerem – e que<br />

amiza<strong>de</strong>s: Isaac Hayes era fã,<br />

os Rotary Connection (Minnie<br />

Riperton na voz) i<strong>de</strong>m.<br />

Bond nunca mais voltou<br />

a gravar e fi cou em “coma”<br />

mediático até ao ano passado<br />

quando a Light In The Attic o<br />

reeditou. Em Portugal só agora<br />

chega às lojas esta obra seminal<br />

que sintetiza <strong>de</strong> forma belíssima<br />

<strong>um</strong>a vida tremendamente<br />

violenta: os pais <strong>de</strong> Bond<br />

separaram-se quando era miúdo<br />

e ele, por razões que ainda hoje<br />

não sabe explicar, não fi cou com<br />

nenh<strong>um</strong>, crescendo em lares <strong>de</strong><br />

acolhimento (graças aos quais<br />

conheceu o gospel na missa e a<br />

country na rádio).<br />

A ferida aberta na infância<br />

reproduziu-se freudianamente na<br />

vida <strong>de</strong> saltimbanco que levou em<br />

adulto: tal como os pais biológicos,<br />

os vários pais adoptivos nunca<br />

fi caram com ele; e Bond acabou<br />

a dormir nas ruas porque não<br />

queria ser <strong>um</strong> peso para ninguém.<br />

Hoje diz estar feliz com a reedição.<br />

Música do outro mundo<br />

Seria <strong>um</strong>a história bonita ou<br />

triste conforme o olhar <strong>de</strong> cada<br />

<strong>um</strong>, não fora ter-se repetido com<br />

<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> artistas da <strong>soul</strong> dos<br />

anos 1970: é que <strong>de</strong> 1969 a 1974 não<br />

só houve <strong>um</strong>a carrada <strong>de</strong> discos<br />

que, com mais ou menos suor<br />

funk, com mais ou menos recurso<br />

a metais ou orquestras, elevaram<br />

a <strong>soul</strong> à condição <strong>de</strong> território<br />

experimental glorioso, como<br />

também se dá o caso <strong>de</strong> quase<br />

todos esses discos terem sido<br />

fracassos comerciais que fi caram<br />

no esquecimento até à reedição –<br />

todas elas recentes.<br />

Em com<strong>um</strong>, além da <strong>soul</strong>, esses<br />

discos só têm <strong>um</strong>a coisa: foram<br />

feitos por negros e têm <strong>um</strong> olhar<br />

impiedoso sobre a condição <strong>de</strong> ser<br />

negro e viver na América.<br />

Para sermos exactos, têm<br />

mais <strong>um</strong> dado em com<strong>um</strong>, que<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> como pesarmos esse<br />

“esquecimento” a que foram<br />

vetados. É que até àquela época<br />

a única forma da música negra<br />

conseguir pontuar nas tabelas<br />

<strong>de</strong> vendas era esbranquiçar-se<br />

– e os cantores e compositores<br />

que fi caram nas margens foram<br />

os primeiros a recusaram esse<br />

namoro com o centro, os que<br />

olharam à volta do ponto <strong>de</strong><br />

vista do negro. (O que não é o<br />

mesmo que dizer que todos os<br />

que olharam do ponto <strong>de</strong> vista<br />

do negro fi caram à margem da<br />

história.)<br />

Po<strong>de</strong>mos dizer: esses discos<br />

foram abandonados quando foram<br />

lançados, foram negligenciados<br />

a posteriori e foram apagados da<br />

história.<br />

É certo que álbuns como “Stand”<br />

(1969) ou “There’s a Riot Going On”<br />

Lou Bond Abandonado pelos pais <strong>de</strong>scobriu,<br />

nas idas à missa, o Gospel. E, graças aos rádios das<br />

várias famílias adoptivas que teve, ouviu a country.<br />

Tinha tanto <strong>de</strong> bala<strong>de</strong>iro folk como <strong>de</strong> visionário e o<br />

seu único disco é <strong>um</strong>a montanha, a peça que faltava<br />

no puzzle da <strong>soul</strong>. Viveu nas ruas, passou fome,<br />

esteve em coma, andou agarrado. Imensamente<br />

h<strong>um</strong>il<strong>de</strong>, agra<strong>de</strong>ce ao Senhor estar vivo. E nós,<br />

como vamos agra<strong>de</strong>cer-lhe ter existido?<br />

(1971), <strong>de</strong> Sly and the Family Stone,<br />

“Curtis” (1970), <strong>de</strong> Curtis Mayfi eld,<br />

“Pieces of a Man” (1971), <strong>de</strong> Gil<br />

Scott-Heron se tornaram icónicos,<br />

e que gente famosa como James<br />

Brown ou as Staples Singers<br />

lançaram, nessa época, discos<br />

acentuadamente políticos - basta<br />

lembrar que Brown editou o single<br />

“(Sing it loud) I’m black and I’m<br />

proud” em 1969. Mas a verda<strong>de</strong> é<br />

que o grosso da produção negra<br />

não encontrou, no seu tempo,<br />

eco em lado alg<strong>um</strong> – é como se<br />

houvesse <strong>um</strong>a cortina entre o<br />

real que cantavam e os potenciais<br />

cons<strong>um</strong>idores. Entre quem fazia<br />

a música e quem a ouvia alguém<br />

escolheu não ouvir esta música<br />

que só agora vem à tona.<br />

A questão é: que discos são<br />

esses, on<strong>de</strong> andam?<br />

Não há <strong>um</strong>a resposta fi xa, isto<br />

é, não há <strong>um</strong> único tipo musical<br />

em jogo. Trata-se <strong>de</strong> gente<br />

extremamente díspar que só<br />

tem em com<strong>um</strong> a <strong>soul</strong> como casa<br />

partida e a América negra como<br />

chegada.<br />

É gente como Lou Rawls,<br />

<strong>homem</strong> <strong>de</strong> voz po<strong>de</strong>rosa, <strong>de</strong><br />

crooner, que em 1972 <strong>de</strong>u <strong>um</strong>a<br />

guinada na carreira e resolveu<br />

olhar para o que andava mal<br />

no mundo – daí resultou <strong>um</strong><br />

tremendo “Man Of Value”,<br />

tematicamente <strong>de</strong> acordo com o<br />

título. No outro extremo temos<br />

a loucura dos Madhouse, que<br />

foram buscar Nixon para a capa<br />

do estupendo “Serve’em”, <strong>de</strong> 1972,<br />

cujo título carregado <strong>de</strong> sarcasmo<br />

<strong>de</strong>nota logo a carga explosiva<br />

da música, <strong>um</strong> funk assente em<br />

riff s mais oloeados que pele <strong>de</strong><br />

mo<strong>de</strong>lo em foto <strong>de</strong> bikini, ou em<br />

linhas <strong>de</strong> baixo tão gordurosas,<br />

tão repletas <strong>de</strong> graves cheios,<br />

roliços, gulosos que a espinha<br />

Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 9


10 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

começa a comichar, seguese-lhe<br />

o pescoço, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sce<br />

até aos pezinhos a modos<br />

que na mesma altura em<br />

que os braços se arribam<br />

e ao fi m <strong>de</strong> <strong>um</strong>a canção<br />

nota-se que o corpo entrou<br />

involuntariamente no<br />

modo “dança”.<br />

E se quisermos falar <strong>de</strong><br />

coisas do outro mundo,<br />

temos os Boscoe, combo<br />

que durou <strong>um</strong> só disco,<br />

homónimo, <strong>de</strong> 1973 – mas<br />

<strong>um</strong> magnífi co disco: malhas<br />

<strong>de</strong> guitarra bluesadas a rastejar,<br />

spoken-word, fl autas a tropeçar na<br />

pauta: em “Writin’ on the wall” é<br />

assim durante seis minutos antes<br />

<strong>de</strong> entrar <strong>um</strong> breve interlúdio<br />

aparentado da <strong>soul</strong> que logo<br />

<strong>de</strong>scola r<strong>um</strong>o a <strong>um</strong>a névoa <strong>de</strong><br />

ganza. Frase chave: “We were so<br />

busy kissing somebody’s ass that<br />

we forgot about the past”.<br />

Ainda no outro mundo, mas<br />

no capítulo <strong>de</strong>dicado às vozes<br />

é impossível não abençoar a<br />

reedição <strong>de</strong> “The Baby Huey Story:<br />

The Living Legend”, disco <strong>de</strong> 1971<br />

que reuniu – <strong>um</strong> ano após a sua<br />

morte – vários temas <strong>de</strong> Baby<br />

Huey, <strong>homem</strong> gigantesco que<br />

nunca gravou em vida. Encontrase<br />

lá a mais <strong>de</strong>moníaca,<br />

<strong>de</strong>mencial e espantosa versão<br />

<strong>de</strong> sempre <strong>de</strong> “A Change<br />

is gonna come”, <strong>de</strong> Sam<br />

Cooke, transformada <strong>de</strong><br />

balada dorida em <strong>soul</strong><br />

fantasmagórica (primeiro)<br />

e funk psicadélico si<strong>de</strong>ral<br />

(por fi m).<br />

Mas há dois homens que<br />

merecem ser vistos com<br />

mais atenção. O primeiro é<br />

Eugene McDaniels que em<br />

1969 lançou “Outlaw”, disco<br />

que além <strong>de</strong> ser senhor <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

balanço tão swingado que até faz<br />

babar (o wurlitzer, a guitarrinha<br />

picada) ainda dispara para outros<br />

lados a meio <strong>de</strong> cada canção. Dois<br />

anos <strong>de</strong>pois McDaniels voltava<br />

com “Headless Heroes of The<br />

Apocalypse” e <strong>um</strong>a noção ainda<br />

mais própria da música negra (o<br />

baixo, por exemplo, não era tão<br />

proeminente como é usual na <strong>soul</strong><br />

da época), agora fazendo pontes<br />

entre o gospel, arranjos lounge e a<br />

bluezada <strong>de</strong>safi nada que sempre<br />

marcou o seu som, sem abdicar <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> olhar politizado, ou social se<br />

quiserem.<br />

Se McDaniels é <strong>um</strong> pioneiro, o<br />

louco Swamp Dogg não lhe fi ca<br />

atrás. Dogg era <strong>um</strong>a personagem<br />

única, que dizia <strong>de</strong> si mesmo<br />

ter-se <strong>de</strong>itado <strong>um</strong> dia analfabeto<br />

e acordado no dia seguinte<br />

<strong>um</strong> génio. Em 1970 atirou <strong>um</strong>a<br />

granada louca chamada “Total<br />

Destruction to Your Mind”, que<br />

tem em “Synthetic world” a mais<br />

perfeita encarnação da <strong>soul</strong>-pop<br />

que não abdica <strong>de</strong> pensar – <strong>um</strong><br />

órgão <strong>de</strong> <strong>de</strong>rreter mel coxas<br />

abaixo, a voz plena <strong>de</strong> sarcasmo,<br />

o ritmozinho dolente e <strong>de</strong> repente<br />

ali os metais, a guitarra wah-wah,<br />

o acelerar do tempo da voz – <strong>um</strong>a<br />

canção <strong>de</strong> (como dizer?) génio.<br />

Não contente e com o rabo quente<br />

Dogg voltou no ano seguinte com<br />

“Rat On!”, <strong>um</strong> disco com <strong>um</strong>a das<br />

capas mais hilariantes da história<br />

da pop – e mais pesadão, mais<br />

funkalhão que o anterior.<br />

Baby Huey Um pequeno<br />

mostrinho <strong>de</strong> peso, era também<br />

<strong>um</strong> monstro <strong>de</strong> voz e <strong>de</strong> autoflagelação,<br />

com <strong>um</strong> talento tão<br />

gran<strong>de</strong> quanto auto-<strong>de</strong>strutivo.<br />

Só foi publicado <strong>de</strong>pois da<br />

morte passando à história<br />

como figura <strong>de</strong> culto. A<br />

reedição em CD, já no século<br />

XXI, mudou o seu lugar no<br />

panteão.<br />

Low Rawls Essencialmente<br />

<strong>um</strong> crooner, com <strong>um</strong>a carreira<br />

que oscilou entre o charme e o<br />

lamechas, tornou-se mais<br />

político que nunca em 1974 e<br />

assinou <strong>um</strong> dos mais<br />

tremendos álbuns acerca da<br />

velha questão: o que é isto <strong>de</strong><br />

ser <strong>um</strong> <strong>homem</strong>?<br />

O que é que há <strong>de</strong> tão<br />

impressionante nestes dois<br />

homens? O facto <strong>de</strong> – antes <strong>de</strong><br />

Marvin Gaye e Stevie Won<strong>de</strong>r lá<br />

chegarem – comporem álbuns<br />

conceptuais, tanto ao nível do som<br />

como dos assuntos abordados.<br />

É curioso notar que a<br />

história ofi cial proclama que<br />

a in<strong>de</strong>pendência dos artistas<br />

negros se <strong>de</strong>ve a Stevie Won<strong>de</strong>r<br />

(que também se politizou em<br />

“Innervisions”, <strong>de</strong> 1973, três anos<br />

antes do seu génio partir para<br />

<strong>um</strong> exílio <strong>de</strong> on<strong>de</strong> só voltou sob o<br />

nome <strong>de</strong> Prince) e Marvin Gaye.<br />

Po<strong>de</strong>mos arg<strong>um</strong>entar que além<br />

<strong>de</strong> terem canções tremendas<br />

Gaye e Won<strong>de</strong>r têm o peso que<br />

têm porque fi zeram discos<br />

conceptuais. É bom notar, no<br />

entanto, que antes disso já Curtis<br />

Mayfi eld tinha fundado a sua<br />

própria editora, a Curtom, em<br />

1970 e também ele tinha <strong>um</strong><br />

programa.<br />

A história neste aspecto<br />

é exclusiva, porque o<br />

território que Won<strong>de</strong>r,<br />

Gaye e Mayfi eld – pese a<br />

sua gran<strong>de</strong>za – marcaram<br />

já tinha sido explorado<br />

por Swamp Dogg e por<br />

Eugene McDaniels, cujo<br />

rótulo <strong>de</strong> pioneiros valeu<br />

zero na conta bancária.<br />

Graças ao hip-hop<br />

Po<strong>de</strong>mos perguntar-nos porque<br />

raio é que <strong>um</strong> ou outro disco<br />

permaneceu durante bastante<br />

tempo no imaginário colectivo<br />

enquanto a maior parte dos outros<br />

não. A resposta terá <strong>de</strong> incluir <strong>um</strong>a<br />

espécie <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> resistência<br />

face à indústria, que toda esta<br />

gente partilhava. Por outro lado<br />

responsabilizar exclusivamente<br />

os brancos pela enormida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

música negra que fi cou posta<br />

<strong>de</strong> parte não só parece abusivo<br />

como também maniqueísta e<br />

excessivamente simplifi cador<br />

– por alg<strong>um</strong>a razão os Boscoe<br />

apontavam o <strong>de</strong>do à própria<br />

comunida<strong>de</strong> negra.<br />

A única coisa que sabemos<br />

é como é que alguns <strong>de</strong>stes<br />

discos evitaram o completo<br />

oblívio: graças ao hip-hop.<br />

Quando o hip-hop ganhou<br />

consciência do passado,<br />

quando foi à procura das<br />

suas raízes começou a<br />

usar samples <strong>de</strong> toda<br />

esta gente. Para dar<br />

dois exemplos simples,<br />

“Jagger the Dagger”, <strong>de</strong><br />

Eugene McDaniels, foi<br />

usado por <strong>um</strong>a data <strong>de</strong><br />

grupos, dos A tribe Called<br />

Quest aos Gravedigazz; e se<br />

formos à obra <strong>de</strong> Lou Bond<br />

verifi camos que em 1996 os<br />

Outkast usaram <strong>um</strong> sample <strong>de</strong><br />

“To the establishment” (sem a<br />

mais pequena dúvida e sombra <strong>de</strong><br />

exagero <strong>um</strong>a das maiores canções<br />

<strong>de</strong> sempre) em “Wailin’”, Prodigy<br />

usou o mesmo sample em “Trials<br />

of Love” (2000) e por aí fora, n<strong>um</strong>a<br />

lista que inclui Mary J Blidge.<br />

Os discos que quiseram olhar <strong>de</strong><br />

forma negra para o negro fi caram<br />

quase todos <strong>de</strong> fora. Lentamente<br />

pequenas vinhetas foram sendo<br />

extraídas, fazendo-os regressar<br />

sob a forma <strong>de</strong> base sonora.<br />

No século XXI ressuscitaram<br />

em reedições <strong>de</strong> coleccionador,<br />

obrigando a <strong>um</strong>a revisão histórica:<br />

antes 1969 era o ano em que os<br />

Led Zeppelin nasceram, agora<br />

po<strong>de</strong>mos dizer que é o ano do<br />

fenomenal “Cryin’ in the streets”,<br />

<strong>de</strong> George Perkins & the Silver<br />

Stars.<br />

Uma última nota: Lou Bond<br />

pensou durante muitos anos que<br />

tinha nascido em Memphis e só<br />

quando aos 13 anos conheceu <strong>um</strong>a<br />

tia é que fi cou a saber que tinha<br />

nascido em Chicago.<br />

De certa maneira estamos no<br />

mesmo pé que ele: pensávamos<br />

que tínhamos vindo dali e afi nal<br />

(também) viemos dacolá.<br />

Do pouco que se sabe <strong>de</strong> Lou<br />

Bond percebe-se que ele <strong>de</strong>seja<br />

apenas que o Senhor lhe dê paz,<br />

<strong>um</strong>a reforma tranquila e que a sua<br />

música seja ouvida.<br />

Seja feita a sua vonta<strong>de</strong>.


John Tilbury sexta 4<br />

Dustin O’Halloran<br />

Alexan<strong>de</strong>r<br />

sábado 5<br />

von Schlippenbach<br />

Andrew Poppy<br />

www.teatromariamatos.pt<br />

música<br />

4 / 5 Fevereiro 22h00 M/3<br />

15€


Estudou música clássica na infância,<br />

mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ouvir David Bowie resolveu<br />

pedir aos pais <strong>um</strong>a guitarra<br />

eléctrica, que nunca mais largou.<br />

Na adolescência andou perdida por<br />

formações <strong>de</strong> jazz, mas há cinco anos,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> perceber que também sabia<br />

cantar, resolveu lançar-se à aventura.<br />

Quem a viu em palco no último ano<br />

ficou rendido. A la<strong>de</strong>á-la dois músicos,<br />

mas é ela que se impõe, misteriosa<br />

e po<strong>de</strong>rosa, em guitarra e voz.<br />

Brian Eno e Nick Cave ce<strong>de</strong>ram aos<br />

seus encantos. Agora, aos 28 anos,<br />

Anna, inglesa <strong>de</strong> ascendência italiana,<br />

prepara-se para o mundo.<br />

A propósito do seu álb<strong>um</strong> <strong>de</strong> estreia,<br />

escrevíamos aqui, há duas semanas,<br />

que era constituído por canções<br />

rock <strong>de</strong>scarnadas, mas ao mesmo<br />

tempo cheias <strong>de</strong> romance e<br />

s<strong>um</strong>ptuosida<strong>de</strong>. A sua performance<br />

vocal é quase operática, <strong>um</strong> teatro <strong>de</strong><br />

sombras exposto em canções <strong>de</strong> sentido<br />

dramático e som nocturno eléctrico.<br />

Às vezes são ternas, outras imponentes.<br />

Um pouco como ela, confessa.<br />

Há músicos que têm dificulda<strong>de</strong><br />

em comunicar as suas criações<br />

por palavras. No seu caso, que<br />

está nessa posição pela primeira<br />

vez, como se tem sentido?<br />

É importante saber explicar aquilo que<br />

se fez, mas ao mesmo tempo é <strong>um</strong>a<br />

posição <strong>de</strong>sconfortável, porque inevitavelmente<br />

temos que falar <strong>de</strong> nós<br />

próprios e isso, para mim, não é fácil.<br />

Na verda<strong>de</strong>, sou bastante tímida.<br />

Nos concertos tem <strong>um</strong>a<br />

presença muito intensa. O palco<br />

acaba por ser o local on<strong>de</strong><br />

suplanta essa inibição?<br />

Diz-se que os artista são muito tímidos<br />

e <strong>de</strong>ve existir alg<strong>um</strong>a verda<strong>de</strong> nisso.<br />

No meu caso sinto que estar em palco<br />

me proporciona expor <strong>um</strong>a parte <strong>de</strong><br />

mim que normalmente está mais resguarda<br />

no meu quotidiano. Mas o<br />

palco é isso mesmo, permite-nos ser<br />

maiores do que a vida. Nunca gostei<br />

<strong>de</strong> músicos ou <strong>de</strong> actores que vão para<br />

palco para serem a máscara do que<br />

são no dia a dia. Isso não me interessa<br />

nada.<br />

O palco é <strong>um</strong>a experiência<br />

libertadora nesse sentido?<br />

Sim, totalmente. Po<strong>de</strong>mos expor<br />

emoções que normalmente ten<strong>de</strong>mos<br />

a escon<strong>de</strong>r, da fúria à ternura. No meu<br />

dia à dia não gosto <strong>de</strong> ser o centro das<br />

atenções. Ali sinto que através da mú-<br />

Terna é a fúria<br />

É <strong>um</strong>a das revelações dos últimos meses. Inglesa <strong>de</strong> ascendência italiana, acabou <strong>de</strong> lançar u<br />

Uma dualida<strong>de</strong> que ela acaba por refl ectir também, diz-nos. Vítor B<br />

12 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

sica posso expressar-me totalmente.<br />

E as canções que estão no disco acabam<br />

por expressar também essa dualida<strong>de</strong>,<br />

alg<strong>um</strong>as vezes ternas, outras<br />

iradas.<br />

Em palco faz-se acompanhar<br />

apenas <strong>de</strong> dois músicos, mas<br />

o som acaba por ter qualquer<br />

coisa <strong>de</strong> grandioso. O mesmo<br />

suce<strong>de</strong> no disco, on<strong>de</strong> parece<br />

existir <strong>um</strong> balanço entre o<br />

minimalismo dos recursos e<br />

<strong>um</strong> tipo <strong>de</strong> música que tem<br />

qualquer coisa <strong>de</strong> teatral.<br />

Sim, concordo. O álb<strong>um</strong> acaba por<br />

expor essas duas facetas, <strong>um</strong>a mais<br />

intimista e outra mais po<strong>de</strong>rosa. É<br />

<strong>um</strong>a combinação <strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />

força. Uma das minhas maiores influências<br />

é a música clássica e, pelo menos<br />

naquela que me agrada, consigo<br />

<strong>de</strong>scortinar essa tensão, que acaba<br />

por originar momentos <strong>de</strong> distensão<br />

e alívio também. Gostava que as minhas<br />

canções conseguissem captar<br />

todas essas nuances e, nisso, os arranjos<br />

orquestrais são importantes.<br />

“Apenas comecei<br />

a cantar há cinco<br />

anos. Antes tinha<br />

imensa vergonha<br />

e nem me atrevia...<br />

Quando digo isto hoje<br />

as pessoas riem-se<br />

mas é verda<strong>de</strong>.<br />

Comecei a cantar<br />

a ouvir Maria Callas,<br />

Edith Piaf e Nina<br />

Simone, tentando<br />

imitá-las e, ao mesmo<br />

tempo, tentando<br />

entendê-las”<br />

Gosto <strong>de</strong>ssa pressão entre instr<strong>um</strong>entos<br />

tocados com precisão como a guitarra<br />

e elementos mais orquestrais.<br />

Parece ter as i<strong>de</strong>ias precisas<br />

sobre o que preten<strong>de</strong> para as<br />

canções. Demorou mais <strong>de</strong> dois<br />

anos a registá-las precisamente<br />

para que chegasse a <strong>um</strong> estágio<br />

on<strong>de</strong> não tivesse dúvidas sobre o<br />

que pretendia para o disco?<br />

Não. Dúvidas temos sempre. Demorei<br />

o tempo que <strong>de</strong>morei, foi <strong>um</strong>a procura,<br />

não sinto que tenha sido muito ou<br />

pouco. Foi o necessário.<br />

Quando se quer criar temos que<br />

apren<strong>de</strong>r a lidar com a dúvida. Mas<br />

isso não nos po<strong>de</strong> fazer parar. Tinha<br />

<strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia global daquilo que queria<br />

e que era fazer <strong>um</strong> álb<strong>um</strong> que expressasse<br />

paixão, on<strong>de</strong> as canções nos<br />

pu<strong>de</strong>ssem transportar para outro universo.<br />

Queria canções com atmosfera,<br />

capazes <strong>de</strong> nos fazer transportar para<br />

outra dimensão qualquer. Para mim,<br />

cada canção, <strong>de</strong>veria funcionar como<br />

<strong>um</strong> mini-filme. Tinha essa i<strong>de</strong>ia muito<br />

presente, mas é claro que no <strong>de</strong>-<br />

Quem a viu em<br />

palco no<br />

último ano<br />

ficou rendido,<br />

como Brian<br />

Eno e Nick<br />

Cave


correr do processo temos que nos<br />

adaptar às surpresas e às dúvidas que<br />

vão surgindo.<br />

Imagino que goste <strong>de</strong> filmes<br />

que projectem <strong>um</strong>a certa<br />

transcendência, que não sejam<br />

<strong>de</strong> todo “realistas”.<br />

Sim, é verda<strong>de</strong>. Tenho tendência para<br />

coisas que não sejam esteticamente<br />

realistas, mas que não o sendo, nos<br />

aju<strong>de</strong>m a perceber e a sentir a realida<strong>de</strong><br />

à nossa volta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma, por<br />

vezes, mais profunda. É isso que sinto<br />

ao ver filmes <strong>de</strong> David Lynch, Gus<br />

van Sant, Wong Kar-wai ou Hitchcock,<br />

para quem a música era muito importante<br />

na criação dos momentos <strong>de</strong><br />

tensão e distensão dramática.<br />

Deve estar saturada que lhe<br />

falem <strong>de</strong> PJ Harvey, como termo<br />

<strong>de</strong> comparação, mas quando<br />

se está a começar são naturais<br />

essas analogias. Por outro lado<br />

contou na produção com Rob<br />

Ellis, habitual colaborador <strong>de</strong>la,<br />

o que não <strong>de</strong>ve ajudar a dissipar<br />

comparações.<br />

Tem razão, mas não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser chato<br />

ser confrontada com isso a toda a<br />

hora, até porque é preguiçoso. Respeito<br />

imenso o trabalho <strong>de</strong> PJ Harvey,<br />

é <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> artista, mas não creio<br />

que tenhamos muito a ver, sinceramente.<br />

As minhas influências são muito<br />

diferentes e o que tento fazer com<br />

as canções também.<br />

O que a levou a escolher Rob<br />

Ellis para a produção?<br />

Ele gosta da mesma música clássica<br />

que eu, <strong>de</strong> Ravel a Olivier Messiaen,<br />

e é alguém que enten<strong>de</strong> quando digo<br />

que ao tocar guitarra tento imaginá-la<br />

como se fosse <strong>um</strong>a orquestra. A guitarra<br />

tem que ser extremamente expressiva.<br />

A comunicação com ele é<br />

fluída e isso é raro <strong>de</strong> encontrar.<br />

É filha <strong>de</strong> pai italiano e gosta <strong>de</strong><br />

dizer que esse facto acaba por<br />

reflectir-se na sua música. De<br />

que forma?<br />

O meu pai é da Toscânia e ali encontro<br />

<strong>um</strong> pouco da vibração que está presente<br />

na minha música, qualquer coisa<br />

entre a vulnerabilida<strong>de</strong> e a vonta<strong>de</strong><br />

resistente e apaixonada <strong>de</strong> viver em<br />

toda a plenitu<strong>de</strong>. Por outro lado foi<br />

através do meu pai que <strong>de</strong>scobri Maria<br />

Callas, a ópera italiana e compositores<br />

clássicos como Lorin Maazel, <strong>de</strong><br />

quem gosto.<br />

Voltando às comparações, Brian<br />

Eno, que a tem elogiado muito,<br />

também não resistiu a <strong>um</strong>a,<br />

quando disse, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> a ver<br />

pela primeira vez ao vivo, que<br />

tinha sido o melhor primeiro<br />

concerto que vira <strong>de</strong> alguém,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Patti Smith há muitos<br />

anos atrás.<br />

Ok, é verda<strong>de</strong>, mas é diferente...[risos].<br />

Aí ele estava apenas a comparar<br />

o tipo <strong>de</strong> emoção que havia sentido e<br />

não estava a colocar-me na mesma<br />

prateleira que Patti Smith.<br />

Ele também disse outra coisa<br />

interessante: que não precisava<br />

dos serviços <strong>de</strong>le como<br />

produtor porquê você já sabia<br />

exactamente o que queria fazer.<br />

Acho que o que ele queria dizer é que,<br />

normalmente, produz grupos que,<br />

por <strong>um</strong>a razão ou outra, estão n<strong>um</strong><br />

processo <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a in<strong>de</strong>finição. Não<br />

é o meu caso, é verda<strong>de</strong>. É lisonjeiro<br />

ouvir isso da boca <strong>de</strong> alguém como<br />

ele. Não creio que alg<strong>um</strong>a vez me tenha<br />

querido comparar a Patti Smith.<br />

Normalmente é mais a Siouxsie Sioux,<br />

que ouvi pela primeira vez <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

me começaram a falar <strong>de</strong>la.<br />

Nick Cave também lhe<br />

en<strong>de</strong>reçou palavras <strong>de</strong> elogio.<br />

Deve ser óptimo, claro. Mas<br />

também lhe coloca alg<strong>um</strong>a<br />

pressão em cima agora que<br />

lança o primeiro álb<strong>um</strong>.<br />

Não a sinto, a sério. Estou a fazer apenas<br />

aquilo em que acredito e é óptimo<br />

sentir que há pessoas que gostam do<br />

que faço. Tivemos oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

nos conhecermos [andou em digressão<br />

com os Grin<strong>de</strong>rman <strong>de</strong> Nick Cave]<br />

e foi <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> momento porque ele<br />

é <strong>um</strong> dos meus heróis musicais.<br />

Não tem qualquer treino vocal,<br />

mas possui <strong>um</strong>a voz muito<br />

personalizada. Canta <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

muito nova?<br />

Apenas comecei a cantar há cinco<br />

anos. Antes tinha imensa vergonha e<br />

nem me atrevia... [risos]. Quando digo<br />

isto hoje as pessoas riem-se mas é<br />

verda<strong>de</strong>. Comecei a cantar a ouvir<br />

Maria Callas, Edith Piaf e Nina Simone,<br />

tentando imitá-las e, ao mesmo<br />

tempo, tentando entendê-las.<br />

E percebeu o que faz <strong>de</strong>las<br />

cantoras <strong>de</strong> eleição?<br />

A sua força advinha da forma extremamente<br />

vulnerável como cantavam.<br />

Foi assim que comecei, praticando<br />

seis horas por dia, tentando encontrar<br />

a minha voz através <strong>de</strong>las. Aprendi<br />

ouvindo, trabalhando no duro até<br />

perceber como po<strong>de</strong>ria tirar o máximo<br />

da minha voz, mas é verda<strong>de</strong> que<br />

nunca estu<strong>de</strong>i técnica. Talvez <strong>um</strong> dia,<br />

quem sabe, mas nesta fase o melhor<br />

professor que posso ter é conhecer a<br />

minha voz, pegar na guitarra e começar<br />

a cantar.<br />

N<strong>um</strong>a entrevista confessava<br />

que ainda não atingiu, com<br />

as palavras, o nível que sente<br />

já ter alcançado enquanto<br />

compositora e cantora. O que<br />

falta?<br />

Com as palavras ainda não me sinto<br />

tão à vonta<strong>de</strong>, mas acabo por não dissociar<br />

as duas realida<strong>de</strong>s – a música<br />

e as palavras. É <strong>um</strong> processo inconsciente<br />

a forma como escrevo. Às vezes<br />

é necessida<strong>de</strong>. Ando sempre com <strong>um</strong><br />

gravador atrás para registar esses momentos.<br />

Às vezes é apenas <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia<br />

tosca, mas <strong>de</strong>pois as coisas vão ganhando<br />

forma em termos líricos e em<br />

termos melódicos. Gosto da <strong>de</strong>puração<br />

que o tempo traz. Cada nota, como<br />

cada palavra, <strong>de</strong>ve justificar-se<br />

por si própria. Se estiverem lá por estar<br />

não me interessam e <strong>de</strong> imediato<br />

vão para o lixo.<br />

<strong>de</strong> Anna Calvi<br />

<strong>um</strong> disco <strong>de</strong> canções ternas mas também imponentes.<br />

Belanciano<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

FEV ~11<br />

3 A 6 FEV<br />

QUINTA A DOMINGO ÀS 21H00<br />

SALA PRINCIPAL M/3<br />

W W W . T E A T R O S A O L U I Z . P T<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT; TEL: 213 257 640<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

FEV ~11<br />

PRODUÇÃO<br />

BILHETES À VENDA EM WWW.TEATROSOALUIZ.PT,<br />

WWW.BILHETEIRAONLINE.PT E ADERENTES<br />

BILHETEIRA DAS 13H00 ÀS 20H00<br />

TEL: 213 257 650 / BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

SALA PRINCIPAL<br />

M/3<br />

APOIO À DIVULGAÇÃO<br />

11 e 12 Fev<br />

21h<br />

www.teatrosaoluiz.pt<br />

Carlos do Carmo<br />

convida<br />

António Victorino d’Almeida<br />

António Serrano<br />

Carlos Bica<br />

guitarras:<br />

Carlos Manuel Proença<br />

José Maria Nóbrega<br />

Fernando Araújo<br />

José Manuel Neto<br />

Ricardo Rocha<br />

e<br />

Orquestra Sinfonietta <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

Dirigida pelo Maestro<br />

Vasco Pearce <strong>de</strong> Azevedo<br />

Carlos<br />

do Carmo<br />

o fado e os<br />

músicos<br />

APOIO À DIVULGAÇÃO<br />

Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 13


Jon Spencer é por estes dias <strong>um</strong> <strong>homem</strong><br />

feliz. Em 2008, fartou-se <strong>de</strong> estar<br />

farto dos Blues Explosion e juntouse<br />

novamente a Judah Bauer e a Russel<br />

Simins. Os Blues Explosion<br />

regressaram, mas não para preparar<br />

o sucessor <strong>de</strong> “Damage”, o último álb<strong>um</strong><br />

<strong>de</strong> originais, editado em 2004.<br />

Há dois anos que andam a tocar as<br />

canções <strong>de</strong> “Orange” ou “Now I Got<br />

Worry”, dois dos mon<strong>um</strong>entos que<br />

gravaram na década <strong>de</strong> 1990. Entretanto,<br />

Jon Spencer mergulhou nos<br />

arquivos para <strong>de</strong>volver ao mundo, em<br />

generosas reedições, a história toda:<br />

os berros e guitarradas da extraordinária<br />

e mui suada invenção que a banda<br />

nova-iorquina <strong>de</strong>flagrou nas fuças<br />

da música popular urbana quando os<br />

anos 1990 andavam entretidos em ser<br />

muito sérios e compenetrados.<br />

E por isso Jon Spencer é <strong>um</strong> <strong>homem</strong><br />

feliz. Feliz <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma peculiar:<br />

“Ainda estou lixado com todo o<br />

rock’n’roll <strong>de</strong> merda que existe por<br />

aí. Era assim antes e é assim agora.”<br />

Estar lixado, como sabemos, é <strong>um</strong><br />

óptimo combustível criativo. “Vejo<br />

falta <strong>de</strong> imaginação e falta <strong>de</strong> criativida<strong>de</strong>”.<br />

Pausa: “Falta <strong>de</strong> tomates”.<br />

Ora, isso irrita o <strong>homem</strong> feliz que é<br />

hoje Jon Spencer. Até porque se há<br />

coisa que nunca faltou aos Jon Spencer<br />

Blues Explosion foi <strong>um</strong> nada discreto<br />

par <strong>de</strong> tomates. A edição <strong>de</strong><br />

“Year One” e as reedições <strong>de</strong> “Extra<br />

Width”, “Orange”, “Now I Got Worry”,<br />

“ACME” e “Controversial Negro”,<br />

cobrindo o período <strong>de</strong> 1991 a 1998,<br />

são explícitas quanto aquele pormenor<br />

anatómico.<br />

Voltemos ao início. Jon Spencer continua<br />

“lixado” como sempre. Não foi<br />

isso, porém, que tornou os Blues Explosion<br />

especiais. Em 1994, Spencer<br />

dizia à revista Mojo, “se andar tudo à<br />

volta do ‘vai-te fo<strong>de</strong>r’, então pura e<br />

simplesmente não há esperança”. Homem<br />

formado no un<strong>de</strong>rground do<br />

punk americano, integrou em 1985 os<br />

Pussy Galore, niilistas ferozes que se<br />

propunham, a partir <strong>de</strong> esconsas caves<br />

<strong>de</strong> Washington ou Nova Iorque,<br />

homenagear e <strong>de</strong>struir no mesmo gesto<br />

o cânone rock’n’roll. A banda on<strong>de</strong><br />

também encontrávamos Neil Michael<br />

Hagerty, que formaria <strong>de</strong>pois os maravilhosamente<br />

<strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ntes Royal<br />

Trux, era, arg<strong>um</strong>enta Spencer, <strong>um</strong>a<br />

manifestação <strong>de</strong> “horror total” e <strong>de</strong><br />

“ódio” perante a mediocrida<strong>de</strong> vigente.<br />

Era, classifica, “<strong>um</strong>a trip negativa”.<br />

Os Blues Explosion escolheram outra<br />

forma <strong>de</strong> confronto, a celebração: “[a<br />

banda] somos nós a gritar ‘o rock’n’roll<br />

é <strong>um</strong>a coisa belíssima, é música fantástica,<br />

alegre, exultante, bonita e estranha.<br />

É música que tem a misteriosa<br />

vibração da electricida<strong>de</strong>, é subir a <strong>um</strong><br />

palco e atingir <strong>um</strong> pico <strong>de</strong> êxtase comunal<br />

em que seja possível per<strong>de</strong>rmonos.”<br />

14 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

A verda<strong>de</strong><br />

Feita esta inflamada <strong>de</strong>claração que<br />

podia ter saído das tiradas à pregador<br />

profano que lhe ouvimos nos concertos,<br />

ouvimos-lhe <strong>um</strong>a frase importante:<br />

“Os Jon Spencer Blues Explosion<br />

somos nós a dizer ‘é isto o rock’n’roll,<br />

e é isto que rock’n’roll po<strong>de</strong> ser’”. Esse<br />

movimento constante entre dois<br />

<strong>de</strong>sejos - o <strong>de</strong> encarnar o passado<br />

projectando-se no futuro -, foi e é o<br />

segredo da banda que gravou com o<br />

veterano bluesman RL Burnsi<strong>de</strong>, mas<br />

que também chamou o então “state<br />

of the art” Beck para <strong>um</strong>a colaboração;<br />

que resgatou o pioneiro <strong>soul</strong> Rufus<br />

Thomas em “Now I Got Worry” e<br />

que, <strong>de</strong>pois, entregou a produção <strong>de</strong><br />

“ACME”, entre outros, a Dan The Automator,<br />

respeitado produtor hip hop,<br />

ou a Calvin Johnson, herói do punk<br />

<strong>de</strong> Washington, fundador dos Beat<br />

Happening e da K Records.<br />

O “primitivista” Jon Spencer<br />

Nos concertos dos Blues Explosion<br />

não há (nunca houve) alinhamento<br />

<strong>de</strong>finido. Jon Spencer, invariavelmente<br />

<strong>de</strong> cabedal negro, canta e meneia<br />

as ancas como <strong>um</strong> Elvis em “speeds”,<br />

rebola pelo chão como Lux Interior<br />

e estica a mão até ao “theremin” para<br />

que o z<strong>um</strong>bido eléctrico se torne ainda<br />

mais intenso e perturbador. Atrás<br />

<strong>de</strong> si, Russel Simins toca como po<strong>de</strong>rosíssima<br />

locomotiva que mantém<br />

tudo em movimento feroz, sem <strong>um</strong>a<br />

única falha (Simins nunca dá <strong>um</strong> tiro<br />

ao lado). A seu lado, Judah Bauer, guitarrista<br />

com a história toda na ponta<br />

dos <strong>de</strong>dos, <strong>de</strong>sdobra-se em sons cavernosos,<br />

em guitarra sli<strong>de</strong> infernal:<br />

coli<strong>de</strong> o funk com riffalhada Stones,<br />

surge corrosão punk em groove<br />

rhythm & blues.<br />

Um concerto dos Jon Spencer Blues<br />

Explosion é <strong>um</strong> festim arrebatador.<br />

Uma cerimónia profana sem regras<br />

para c<strong>um</strong>prir, com o mestre-<strong>de</strong>-cerimónias<br />

Spencer a assomar como figura<br />

que encarna todos os gloriosos<br />

excessos do rock’n’roll: a sua se<strong>de</strong><br />

inconformista, a sua noção <strong>de</strong> espectáculo<br />

e a sua caminhada no fio da<br />

navalha, acenando com prazer micro<br />

clichés (os vibratos Elvis no final das<br />

frases ou a auto glorificação típica do<br />

hip hop: “Raise your hand for the<br />

Blues Explosion”) e <strong>um</strong>a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ser, à <strong>um</strong>a, provocação e exaltação<br />

hedonista: “I’m talking about fucking!<br />

Eating pussy! Making love! Sucking<br />

cock!”, incita algures em “Controversial<br />

Negro”.<br />

Por tudo isso, a banda nunca foi<br />

consensual. Nos Estados Unidos, por<br />

exemplo, acusaram-nos <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeitar<br />

o blues (eles que nunca foram <strong>um</strong>a<br />

banda <strong>de</strong> blues) e <strong>de</strong> ridicularizar os<br />

músicos e cantores negros (eles a<br />

quem Rufus Thomas chamava “my<br />

people”, eles que gravaram e andaram<br />

em digressão com <strong>um</strong> verda<strong>de</strong>i-<br />

dos Jon Spencer Blues E<br />

Nos anos 1990, abalaram certezas com <strong>um</strong> <strong>de</strong>scaramento épico, mostrando sem paninhos q<br />

ser daí em frente. Ouvimos as reedições da sua discografi a e exclamamos: agra<strong>de</strong>çamos a<br />

ro bluesman, RL Burnsi<strong>de</strong>, primo <strong>de</strong><br />

Muddy Waters). Pondo <strong>de</strong> parte as<br />

acusações <strong>de</strong>lirantes <strong>de</strong> racismo, feitas<br />

por “branquelas arranjadinhos,<br />

totós da música vivendo em medo e<br />

cheios <strong>de</strong> sentimentos <strong>de</strong> culpa liberal”<br />

(citamos o texto <strong>de</strong> apresentação<br />

<strong>de</strong> “Controversial Negro”, título que,<br />

como se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>, é <strong>um</strong>a reacção à<br />

“polémica”), os Jon Spencer Blues<br />

Explosion eram acusados, genericamente,<br />

<strong>de</strong> não serem sinceros. De não<br />

serem, atente-se, verda<strong>de</strong>iros.<br />

Convencionou-se que a noção <strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong> é aquilo que separa o trigo<br />

do joio no blues, no rock’n’roll ou no<br />

punk. Mas a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> não interessa<br />

a Jon Spencer. Não tem qualquer<br />

relação com o que são e com<br />

aquilo que interessa nos Blues Explosion.<br />

“Nah, não compro nada disso”,<br />

resmunga. “Po<strong>de</strong>s fazer o que quiseres,<br />

po<strong>de</strong>s dizer a maior mentira do<br />

mundo. Rock’n’roll significa libertares-te<br />

e apresentares ao mundo diferentes<br />

versões <strong>de</strong> ti próprio. O relevante<br />

é isto: fazer por ti mesmo, arcando<br />

com as responsabilida<strong>de</strong>s que<br />

isso acarreta. Os Blues Explosion fizeram<br />

o seu próprio caminho e, on<strong>de</strong><br />

quer que tenhamos chegado, chegámos<br />

através <strong>de</strong> suor e muito trabalho”.<br />

Trabalho e acção.<br />

Spencer <strong>de</strong>fine-se como <strong>um</strong> “primitivista”<br />

que não acredita em “técnica”,<br />

mas sim em “paixão”. Quando<br />

abordamos discos como o celebrado<br />

“Orange” ou “Now I Got Worry”,<br />

obras-primas <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> estúdio<br />

on<strong>de</strong> encontrávamos colagens sonoras<br />

vanguardistas ou i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> produ-<br />

“Ainda estou lixado<br />

com todo o rock’n’roll<br />

<strong>de</strong> merda que existe<br />

por aí. Era assim<br />

antes e é assim agora.<br />

Vejo falta <strong>de</strong><br />

imaginação e falta<br />

<strong>de</strong> criativida<strong>de</strong>.<br />

Falta <strong>de</strong> tomates”<br />

Jon Spencer


Explosion<br />

quentes que raio era isso do rock’n’roll e que raio podia<br />

aos <strong>de</strong>uses pela Blues Explosion. Mário Lopes<br />

O trio infernal,<br />

Judah Bauer,<br />

Russel<br />

Simins,<br />

Jon Spencer<br />

ção hip hop fluindo harmoniosamente<br />

entre a amálgama <strong>de</strong> guitarras,<br />

teclados reverberantes e baterias ribombantes,<br />

quando tentamos mergulhar<br />

no processo criativo da Blues<br />

Explosion, Spencer não tem mais a<br />

dizer que isto: “Não separo a música<br />

em cantos diferentes da sala. Quase<br />

tudo acontece a <strong>um</strong> nível subconsciente.<br />

Quando ouço discos ou quando<br />

vejo concertos, não tiro notas para<br />

utilizar mais tar<strong>de</strong>. Tenho sons na<br />

cabeça e sinto-os nas entranhas. É<br />

instintivo. Se acredito, ajo”.<br />

Entre 1992 e 1998, os álbuns dos<br />

Blues Explosion saíram com cadência<br />

próxima a <strong>um</strong> por ano e os concertos<br />

terão andado próximo do milhar.<br />

Afloraram o mainstream quando<br />

“Afro”, single <strong>de</strong> “Extra width”, começou<br />

a passar na MTV, e estiveram<br />

quase a instalar-se nele com o sucesso<br />

<strong>de</strong> público e crítica <strong>de</strong> “Orange”.<br />

Não chegaram lá. Ou melhor, chegaram<br />

por interposta pessoa, quando<br />

no início dos anos 00 começámos a<br />

ouvir falar do “renascimento do<br />

rock’n’roll” e <strong>de</strong> bandas como os White<br />

Stripes. Ultrapassados pelos acontecimentos<br />

e pelo frenesim mediático,<br />

passaram a ser vistos como sobreviventes<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> passado longínquo –<br />

não terá ajudado o facto <strong>de</strong> “Plastic<br />

Fang” e “Damage”, álbuns <strong>de</strong> 2002 e<br />

2004, serem os mais conservadores<br />

e menos inspirados da banda.<br />

Daí para cá, Jon Spencer <strong>de</strong>dicou-se<br />

aos Heavy Trash, ao lado <strong>de</strong> Matt Verta-Ray,<br />

ex-Speedball Baby, e Judah<br />

Bauer integrou, por exemplo, a banda<br />

<strong>de</strong> Cat Power. “Sentia-me esgotado e<br />

queria tocar outro tipo <strong>de</strong> música,<br />

com outras pessoas”, confessa o vocalista.<br />

Agora? Agora que nos fala <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

Nova Iorque, acabado <strong>de</strong> chegar<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a digressão australiana, tudo<br />

mudou. Regressaram aos concertos,<br />

nos últimos tempos têm passado <strong>de</strong><br />

quando em vez pelo estúdio e até po<strong>de</strong><br />

ser que haja <strong>um</strong> novo disco a caminho<br />

“Tem sido óptimo voltar a tocar<br />

com os Blues Explosion e foi óptimo<br />

reeditar o catálogo. Fi-lo por<br />

<strong>um</strong>a razão apenas: não estavam disponíveis<br />

e acho que são bons”.<br />

Bons?<br />

Nos anos 1990 do grunge, nesses<br />

anos 1990 em que os géneros se queriam<br />

estanques e bem compartimentados,<br />

os Jon Spencer Blues Explosion<br />

abalaram certezas com <strong>um</strong> <strong>de</strong>scaramento<br />

épico, mostrando sem paninhos<br />

quentes que raio era isso do<br />

rock’n’roll e que raio podia ser daí em<br />

frente.<br />

Duas décadas <strong>de</strong>pois, a sua música<br />

não envelheceu <strong>um</strong> ano que seja.<br />

Mantém <strong>um</strong>a carga icónica impressionante,<br />

<strong>um</strong>a vitalida<strong>de</strong> inescapável,<br />

<strong>um</strong> fulgor criativo inimitável. Agra<strong>de</strong>çamos<br />

aos <strong>de</strong>uses do rock’n’roll pela<br />

Jon Spencer Blues Explosion.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 28 e segs.<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

JAN ~ 11<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

JAN ~ 11<br />

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com as <strong>de</strong><br />

participações<br />

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SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT; TEL: 213 257 640<br />

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antónio<br />

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gonçalves<br />

m/16<br />

28 A 3O JAN<br />

SEXTA E SÁBADO ÀS 21H00<br />

DOMINGO ÀS 17H30<br />

SALA PRINCIPAL<br />

VÍDEOS FÁBIO IAQUONE, LUCA ATTILII MÚSICA ORIGINAL E DIRECÇÃO MUSICAL MÁRIO LAGINHA COREOGRAFIAS PAULO<br />

RIBEIRO CENOGRAFIA NUNO LACERDA LOPES FIGURINOS BERNARDO MONTEIRO DESENHO DE LUZ RUI SIMÃO DESENHO<br />

DE SOM FRANCISCO LEAL VOZ E ELOCUÇÃO JOÃO HENRIQUES ASSISTÊNCIA DE ENCENAÇÃO MANUEL TUR INTERPRETAÇÃO<br />

JOSÉ MANUEL BARRETO, RAQUEL TAVARES (FADISTAS); EMÍLIA SILVESTRE, PEDRO ALMENDRA, PEDRO FRIAS (ACTORES);<br />

CARLA RIBEIRO, FRANCISCO ROUSSEAU, MÁRIO FRANCO (BAILARINOS); MÁRIO LAGINHA, CARLOS PIÇARRA ALVES, MÁRIO<br />

FRANCO, DIOGO CLEMENTE, MIGUEL AMARAL (MÚSICOS) COLABORAÇÃO ESPECIAL EM VÍDEO ALBANO JERÓNIMO, ANTÓNIO<br />

DURÃES, JOÃO REIS, TERESA MADRUGA PRODUÇÃO TEATRO NACIONAL SÃO JOÃO COLABORAÇÃO OPART M/12<br />

CO-PRODUÇÃO<br />

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BILHETES À VENDA EM WWW.TEATROSOALUIZ.PT,<br />

WWW.BILHETEIRAONLINE.PT E ADERENTES<br />

BILHETEIRA DAS 13H00 ÀS 20H00<br />

TEL: 213 257 650 / BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

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co-produção<br />

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português<br />

Do Chiado à Cova da Moura,<br />

<strong>de</strong> Ipanema à Baía <strong>de</strong> Luanda,<br />

<strong>de</strong> Vinhais a Salvaterra<br />

<strong>de</strong> Magos,<br />

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SÁBADO<br />

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Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 15<br />

silva!<strong>de</strong>signers


Os poetas, foi<br />

Alain que os<br />

levou a<br />

Amália; as<br />

músicas<br />

também<br />

Alain Oulman tinha <strong>um</strong> íman. A sua<br />

presença puxava outras, qualquer cida<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>morava o suficiente<br />

para o seu magnetismo ensopar o ar<br />

enviava-lhe como oferendas aos <strong>de</strong>uses<br />

os seus seres mais criativos. À sua<br />

volta, por entre garfadas da melhor<br />

comida e goles dos melhores vinhos,<br />

gente ligada às artes passava noites<br />

inteiras em animadas tertúlias. Oulman<br />

sentava toda a gente à mesa, mas<br />

<strong>de</strong>pois era como se <strong>de</strong>saparecesse.<br />

Era alérgico aos holofotes, confundiase<br />

com a sala, era aquele que nas fotografias<br />

ou nos ví<strong>de</strong>os da noite apa-<br />

16 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

Em “Com que Voz”,<br />

doc<strong>um</strong>entário sobre<br />

Alain realizado pelo<br />

seu filho Nicholas<br />

Oulman, <strong>de</strong>scobre-se<br />

a história <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> <strong>homem</strong> que não<br />

queria ser contado<br />

e cujo nome tentou<br />

resguardar sempre da<br />

avi<strong>de</strong>z dos holofotes<br />

recia sempre em segundo plano, aquele<br />

que escapa aos olhares mais rápidos<br />

e que só <strong>um</strong>a visualização atenta e<br />

cuidada consegue <strong>de</strong>scortinar, aquele<br />

com quem toda a gente falava e se confessava<br />

mas <strong>de</strong> quem se sabia pouco<br />

mais do que a sua ocupação do momento<br />

e o imenso talento.<br />

O escritor israelita Amos Oz ignorou<br />

durante anos que Alain Oulman<br />

era músico e tivera <strong>um</strong> passado vital<br />

para a história do fado e para a idolatria<br />

a Amália Rodrigues. Não era,<br />

afinal, apenas o seu editor francês na<br />

Calmann-Lévy. Em “Com que Voz”,<br />

doc<strong>um</strong>entário sobre Alain realizado<br />

pelo seu filho Nicholas Oulman, <strong>de</strong>scobre-se<br />

a história <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>homem</strong> que<br />

não queria ser contado e cujo nome<br />

tentou resguardar sempre da avi<strong>de</strong>z<br />

dos holofotes. Daí que Nicholas ache<br />

“chocante” que, em tantas horas que<br />

Alain e Amos estiveram lado a lado,<br />

comparando palavra a palavra as traduções<br />

para francês dos textos do<br />

israelita, nunca o seu pai tenha aproveitado<br />

<strong>um</strong>a pausa para <strong>um</strong> cigarro<br />

ou <strong>um</strong> café para <strong>de</strong>ixar escapar <strong>um</strong><br />

“‘Olha, nunca te disse, mas sabes que<br />

também faço música?’”.<br />

Nicholas tem <strong>um</strong> nome para isto<br />

– compartimentação. E é <strong>um</strong>a das<br />

revelações que “Com que Voz” trouxe<br />

ao filho realizador: “Como é que<br />

<strong>um</strong>a pessoa consegue compartimentar<br />

tanto a vida? Não sabia que isto<br />

era tão drástico”. Ou seja, no máximo<br />

da sua reserva, Alain dividia <strong>de</strong> forma<br />

tão rigorosa cada área da sua vida,<br />

que só se permitia mostrar <strong>um</strong>a das<br />

suas facetas a quem tinha <strong>de</strong> lidar directamente<br />

como ela. Era <strong>um</strong>a postura<br />

quase geométrica: se alguém se<br />

colocar junto a <strong>um</strong>a pirâmi<strong>de</strong>, <strong>de</strong>la<br />

não terá outra imagem que não a do<br />

lado escolhido. Talvez que, como o<br />

filme <strong>de</strong> Nicholas sugere, alg<strong>um</strong>a coisa<br />

<strong>de</strong>sta postura provenha da pressão<br />

que subitamente recaiu sobre si após<br />

a morte do seu irmão mais velho, José.<br />

Até aí <strong>um</strong> espírito livre, com o irmão<br />

<strong>de</strong>stinado a prosseguir os negócios<br />

do pai em <strong>Lisboa</strong>, Alain tinha<br />

estudado música na Suíça, começado<br />

a compor, partido para Nova Iorque<br />

e ficado absolutamente fascinado<br />

com o jazz.<br />

José, que ouvira nas palavras do<br />

general De Gaulle <strong>um</strong> chamamento<br />

com reverberação interior, alistou-se<br />

na Royal Air Force com o <strong>de</strong>sígnio <strong>de</strong><br />

libertar a Europa do jugo nazi, e n<strong>um</strong><br />

voo picado em 1944 <strong>de</strong>spenhou-se em<br />

solo holandês. Alain foi então chamado<br />

a vir para <strong>Lisboa</strong>, <strong>de</strong>ixando a sua<br />

vida e ass<strong>um</strong>indo a do irmão. Mas<br />

houve sempre <strong>um</strong>a recusa <strong>de</strong>ste papel.<br />

E enquanto passava os dias no<br />

escritório da empresa familiar, em<br />

<strong>Lisboa</strong>, <strong>de</strong> auscultador colado ao ouvido<br />

a tratar <strong>de</strong> assuntos relacionados<br />

com carvão, cereais ou café, ao lado<br />

da pesada papelada burocrática <strong>de</strong>stacavam-se<br />

outras folhas on<strong>de</strong> a sua<br />

mão caía repetidamente. As pautas,<br />

on<strong>de</strong> rabiscava notas todo o dia, permitiam-lhe<br />

a fuga constante ao fado<br />

dinástico que parecia cercá-lo. O outro<br />

fado, aquele que havia <strong>de</strong> confundir-se<br />

com a voz <strong>de</strong> Amália, cons<strong>um</strong>irlhe-ia<br />

a criativida<strong>de</strong> durante os anos<br />

seguintes, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter dirigido teatro<br />

nos Lisbon Players (on<strong>de</strong> conheceu<br />

Felicity Serra, a mulher) e, mais<br />

tar<strong>de</strong> Eunice Muñoz e João Perry em<br />

“The Rainmaker” <strong>de</strong> Richard Nash.<br />

Depois, Amália começa a revolução:<br />

canta Camões, canta Alexandre<br />

Lá na sombra, era Alain<br />

“Com que Voz”, fi lme <strong>de</strong> Nicholas Oulman sobre o pai Alain Oulman, estreou-se ontem. Tempo para c<br />

mudou o fado e Amália, mas que foi também encenador, editor <strong>de</strong> Amos Oz e dono <strong>de</strong> <strong>um</strong> magnetis m


O’Neil, canta David Mourão-Ferreira,<br />

canta o disco “Busto” (1962), <strong>um</strong> assombro<br />

interpretativo com o piano<br />

intrometido n<strong>um</strong>a fórmula que até<br />

então era musicalmente mais limitada.<br />

Os poetas, foi Alain que os levou<br />

a Amália; as músicas também. Quando<br />

a polémica estalou, Amália teve <strong>de</strong><br />

respon<strong>de</strong>r pela ‘heresia’ <strong>de</strong> cantar<br />

Camões e <strong>de</strong> confiar a mais portuguesa<br />

das músicas a <strong>um</strong> compositor estrangeiro.<br />

“Que eu saiba o Alain não<br />

é estrangeiro; que eu saiba nasceu no<br />

Dafundo”, respon<strong>de</strong>u na RTP.<br />

<strong>Lisboa</strong>-Paris<br />

-Nova Iorque-<strong>Lisboa</strong><br />

Nicholas Oulman viveu com o pai dos<br />

onze aos <strong>de</strong>zoito anos, em Paris. Depois<br />

<strong>de</strong> ter sido preso pela PIDE,<br />

Alain foi libertado com <strong>um</strong> consi<strong>de</strong>rável<br />

esforço diplomático e <strong>de</strong>portado.<br />

De certa forma, <strong>de</strong>scobriu aí <strong>um</strong>a<br />

nova liberda<strong>de</strong>, e seguiu sozinho para<br />

França, <strong>de</strong>ixando a família em Portugal<br />

e <strong>de</strong>dicando-se obcecadamente<br />

à editora literária Calmann-Lévy, casa<br />

<strong>de</strong> autores como Amos Oz, Patricia<br />

Highsmith ou Chaterine Clément, e<br />

pela qual foi publicado em pleno Estado<br />

Novo o livro <strong>de</strong> Mário Soares<br />

“Portugal Bailloné” (“Portugal Amordaçado”).<br />

Foi lá que viveu até à morte<br />

aos 61 anos (1990), chegada quando<br />

Nicholas se iniciava nas artes dos<br />

filmes. Em 1993, Nicholas partiu para<br />

Nova Iorque para estudar cinema e<br />

por lá andou, a realizar “<strong>um</strong>as curtasmetragens<br />

nos Estados Unidos, aquelas<br />

coisas que <strong>um</strong>a pessoa quando<br />

pensa que vai ser o próximo não sei<br />

quantos…”.<br />

Regressou a Portugal em 2002 e<br />

quando preparava o arg<strong>um</strong>ento para<br />

a sua primeira longa foi abordado pelo<br />

Museu do Fado para saber da existência<br />

<strong>de</strong> materiais que ajudassem a<br />

montar <strong>um</strong>a exposição sobre o pai.<br />

“Quando o meu pai faleceu muitas<br />

das coisas foram postas em caixotes,<br />

andámos <strong>de</strong> <strong>um</strong> país para o outro,<br />

<strong>de</strong>pois estive <strong>de</strong>z anos em Nova Ior-<br />

a conhecer o compositor que e<br />

s mo raro. Gonçalo Frota<br />

que... Sabia que existiam certas coisas,<br />

mas estava tudo <strong>de</strong>sorganizado”.<br />

Ao fazer esse trabalho <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencaixotamento,<br />

Nicholas <strong>de</strong>scobriu <strong>um</strong> filme<br />

a <strong>de</strong>senhar-se por moto próprio à sua<br />

frente, ao ser confrontado “com todas<br />

as áreas <strong>de</strong> que tinha ouvido falar como<br />

filho e não como pessoa do outro<br />

lado da barreira”. Como pai, recorda<br />

Nicholas, Alain “não era <strong>um</strong>a pessoa<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s conversas, era <strong>um</strong> trabalhador,<br />

‘workaholic’, e nunca falava<br />

muito daquilo que fazia”.<br />

Mas nesse processo, Nicholas percebeu<br />

logo que a sua maior dificulda<strong>de</strong><br />

seria contar a história do pai quando<br />

ele se esquivava espantosamente<br />

<strong>de</strong> todos os momentos públicos. “Como<br />

o meu pai estava sempre em segundo<br />

plano, sabia que não ia haver<br />

muita coisa, mas na verda<strong>de</strong> não encontrei<br />

absolutamente nada”. Foi <strong>um</strong><br />

mergulho nos arquivos em seco, sem<br />

nada que o amparasse. Por isso, “Com<br />

que Voz” vai levantando o véu sobre<br />

Alain Oulman, <strong>de</strong>sembocando n<strong>um</strong>a<br />

cena final que, para Nicholas, é o <strong>de</strong>sfecho<br />

inevitável, Alain <strong>de</strong> súbito em<br />

voz e imagem, n<strong>um</strong> ensaio com Amália,<br />

que <strong>de</strong>snuda n<strong>um</strong> par <strong>de</strong> minutos<br />

“a relação <strong>de</strong> trabalho, amiza<strong>de</strong>, admiração<br />

e respeito” entre os dois.<br />

Confortável com o facto <strong>de</strong> o perí-<br />

odo retratado maioritariamente no<br />

doc<strong>um</strong>entário ntário respeitar a <strong>um</strong><br />

tempo que, ue, como filho,<br />

Nicholas não viveu – nas- nascido<br />

em 1967 e tendo<br />

passado toda a Infância<br />

a<br />

em Portugal, ugal, via esporadicamenteente<br />

o pai até<br />

ir viver com om ele em Paris<br />

no final al dos anos<br />

s<br />

70 –, Nicholas holas sabia<br />

que tinha a aí <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>fesa para ara evitar<br />

<strong>um</strong>a terrível errível<br />

armadilha: ha: a<br />

<strong>de</strong> “fazer er<br />

<strong>um</strong> filme e<br />

simplesmente<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

Nicholas Oulman viveu com<br />

o pai dos onze aos <strong>de</strong>zoito anos,<br />

em Paris<br />

Filho <strong>de</strong> <strong>um</strong> filho sobre o Pai?<br />

Nicholas diz que é, antes, <strong>um</strong><br />

filme sobre a vida <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

pessoa e as escolhas que ela<br />

teve <strong>de</strong> fazer<br />

filho sobre o pai”. O que queria era<br />

contar a vida <strong>de</strong> <strong>um</strong>a pessoa e as escolhas<br />

que esta teve <strong>de</strong> fazer. Para<br />

isso, foi fundamental a presença da<br />

mãe em frente às câmaras, único garante<br />

<strong>de</strong> que “Com que Voz” não se<br />

tornaria <strong>um</strong>a peça <strong>de</strong> glorificação,<br />

fazendo Alain h<strong>um</strong>ano aos olhos do<br />

público. “Se fosse <strong>um</strong> filme <strong>de</strong> glorificação,<br />

passados <strong>de</strong>z minutos já estava<br />

toda a gente farta. Sem entrar em<br />

intimida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vassas, era importante<br />

mostrar também o lado h<strong>um</strong>ano. É a<br />

história <strong>de</strong> <strong>um</strong>a pessoa, que fez coisas<br />

boas e menos boas; se calhar há quem<br />

tenha sofrido pelas escolhas que ele<br />

fez. Só mostrar as qualida<strong>de</strong>s tornálo-ia<br />

sobre-h<strong>um</strong>ano”.<br />

Daí que se oiça Felicity confessar<br />

que talvez ele nunca se <strong>de</strong>vesse ter<br />

casado ou ter filhos, n<strong>um</strong>a sequência<br />

que tanto po<strong>de</strong> ser justificada pela<br />

frequente ausência da vida familiar<br />

<strong>de</strong>vido aos obsessivos períodos criativos,<br />

como também <strong>de</strong>ixa no ar <strong>um</strong>a<br />

ambiguida<strong>de</strong> relativamente à sexualida<strong>de</strong><br />

do compositor. Nicholas nega<br />

a intenção, mas diz que a interpretação<br />

lhe passou igualmente pela cabeça<br />

na montagem e preferiu não a subtrair.<br />

Não passando <strong>de</strong> <strong>um</strong>a coincidência,<br />

o filho lembra que na vida com<strong>um</strong><br />

que tiveram em Paris Alain “trabalhava<br />

e às sextas-feiras normalmente<br />

havia <strong>um</strong> jantar com autores, pessoas<br />

com quem trabalhava ou elementos<br />

<strong>de</strong> júris <strong>de</strong> prémios literários que era<br />

preciso cortejar”. “Havia essas tertúlias<br />

lá em casa, <strong>de</strong>pois eles saíam, eu<br />

ficava em casa, e aí já não sei o que<br />

acontecia”. As interpretações estão<br />

aí para ser feitas e, para seu espanto,<br />

há quem lhe tenha dito que este não<br />

é <strong>um</strong> filme sobre Alain Oulman, mas<br />

sim sobre mulheres abandonadas:<br />

Felicity e Amália.<br />

É provável que para o escasso público<br />

para quem o nome <strong>de</strong> Alain Oulman<br />

soasse já familiar, “Com que Voz”<br />

seja na mesma <strong>um</strong>a enorme <strong>de</strong>scoberta.<br />

Para Nicholas, no entanto, não<br />

mudou nada <strong>de</strong> relevante na imagem<br />

que tem do pai. Na sua memória, virão<br />

sempre em primeiro lugar as discus-<br />

sões que tiveram quando Alain lhe<br />

chamava ch c amava a atenção para alg<strong>um</strong>a<br />

coisa co c isa ou o dia em que, aos 13<br />

anos, an anos, o pai lhe passou pela primeirame<br />

m ira vez o volante do carro<br />

para pa para as mãos.<br />

Ver Ve Ver crítica <strong>de</strong> filmes págs.<br />

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Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 17


Poetas a quem o<br />

ensinou a<br />

A poesia portuguesa em diálogo com o movimento das imagens do cinema. O cinema “faz parte<br />

nenh<strong>um</strong> momento em que não me lembro <strong>de</strong> não ter visto fi lmes”, diz-nos José Miguel Silva, <strong>um</strong><br />

“Poemas com Cinema”. Francisco Valente<br />

“Persona” e<br />

“Lágrimas e<br />

Suspiros”, <strong>de</strong><br />

Ingmar<br />

Bergman<br />

“Morreu a mais bela mulher do mundo”,<br />

escreveu Ruy Belo sobre Marilyn<br />

Monroe, para quem pediu “em<br />

vez <strong>de</strong> marilyn dizer mulher”. A eternida<strong>de</strong><br />

da imagem <strong>de</strong> Marilyn, superior<br />

à mortalida<strong>de</strong> da vida, encontrava<br />

também caminho no movimento<br />

da poesia <strong>de</strong> Ruy Belo, on<strong>de</strong><br />

viveria ainda o calor da imagem <strong>de</strong><br />

Natalie Wood (“eu sei que <strong>de</strong>anie<br />

loomis não existe/mas entre as mais<br />

essa mulher caminha/e a sua evolução<br />

segue <strong>um</strong>a linha/que à imaginação<br />

pura resiste”).<br />

Em “Poemas com Cinema” (Assírio<br />

& Alvim) é-nos proposto <strong>um</strong> olhar<br />

sobre esses caminhos: a poesia portuguesa<br />

em diálogo com o movimento<br />

das imagens do cinema. “Queríamos<br />

lançar pistas para <strong>um</strong>a reflexão<br />

sem dar <strong>um</strong>a leitura teórica”, diz<br />

Rosa Maria Martelo, co-organizadora<br />

da antologia. “A estrutura da antologia,<br />

no fundo, remete para essas<br />

pistas.” O resultado é <strong>um</strong> trabalho<br />

inédito na edição portuguesa: <strong>um</strong><br />

livro exclusivamente centrado na<br />

poesia portuguesa e nos seus pontos<br />

<strong>de</strong> contacto com outra forma <strong>de</strong> escrita<br />

— a das imagens e da sua montagem.<br />

“Conhecíamos alg<strong>um</strong>as antologias<br />

mas não havia <strong>um</strong>a para a<br />

poesia portuguesa”, diz Martelo,<br />

“achámos que po<strong>de</strong>ria ser interessante<br />

ver como a situação se equacionava”.<br />

O ponto <strong>de</strong> partida é “<strong>um</strong><br />

texto <strong>de</strong> Herberto Hel<strong>de</strong>r que faz<br />

<strong>um</strong>a reflexão entre a poesia <strong>de</strong> tradição<br />

mo<strong>de</strong>rna e o cinema”, afirma.<br />

“Era a sua i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> território partilhado<br />

que nos interessava pôr em<br />

evidência, e esse território pren<strong>de</strong>-se<br />

muito com a tradição mo<strong>de</strong>rna: a da<br />

poesia da imagem.”<br />

Um refl exo da vida<br />

A associação entre cinema e poesia<br />

resultará, no fundo, do fascínio mútuo<br />

pela projecção <strong>de</strong> imagens, espelhada<br />

na montagem dos versos e planos<br />

<strong>de</strong> cada <strong>um</strong>a das formas <strong>de</strong> expressão.<br />

“Poemas com Cinema”<br />

sugere, em primeiro plano, <strong>um</strong>a relação<br />

dos poetas com o cinema como<br />

fonte <strong>de</strong> inspiração emocional. “O<br />

cinema é <strong>um</strong>a experiência emocional<br />

e intelectual pelos <strong>de</strong>safios que coloca,<br />

<strong>um</strong>a interpelação que po<strong>de</strong> motivar<br />

a escrever”, diz José Miguel Silva<br />

(n. 1969). “Faz parte do ar que<br />

respiramos. Não houve nenh<strong>um</strong> mo-<br />

18 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

Armando Silva Carvalho<br />

poeta e tradutor dos livros <strong>de</strong> Ingmar<br />

Bergman “Lágrimas e Suspiros,<br />

seguido <strong>de</strong> Persona e Dependência” e<br />

“Fanny e Alexandre”<br />

“Fui para o cinema <strong>de</strong> calções, vi muita coboiada e<br />

gozei que nem <strong>um</strong> bruto com a veloz realida<strong>de</strong> das<br />

fitas, ensinaram-me a ver o mundo para lá do<br />

salazarento à minha volta”. Antes da faculda<strong>de</strong>,<br />

via imagens pelo cinema ambulante, “medíocres<br />

filmes <strong>de</strong> cobóis e melosos xaropes com Milu e<br />

António Silva”, até se <strong>de</strong>dicar ao “filme <strong>de</strong> autor,<br />

Fellini ou Bergman, e alg<strong>um</strong>a ‘nouvelle vague’ que<br />

me passou por cima.”


cinema<br />

a ver<br />

do ar que respiramos. Não houve<br />

dos poetas da antologia<br />

“Nostalgia”<br />

e “Stalker”, <strong>de</strong><br />

Tarkovsky<br />

mento em que não me lembro <strong>de</strong> não<br />

ter visto filmes.”<br />

O poeta, incluído na antologia, é<br />

dos exemplos mais marcantes da presença<br />

do cinema na poesia portuguesa,<br />

<strong>um</strong>a escrita que chama as experiências<br />

vividas nas salas. “Um dos<br />

primeiros cineastas que me interessou<br />

foi Tarkovsky, com ‘Nostalgia’<br />

(1983) e ‘Stalker’ (1979). Na minha<br />

adolescência, foi marcante. Podia ser<br />

comparado às gran<strong>de</strong>s obras literárias:<br />

a lentidão, o cuidado com a<br />

composição das imagens. Foi <strong>um</strong>a<br />

revolução.” Hoje evoca John Cassavetes<br />

como referência. “‘Maridos’<br />

(1972) provocou-me <strong>um</strong>a comoção<br />

muito gran<strong>de</strong>: pessoas comuns n<strong>um</strong>a<br />

noite <strong>de</strong> farra, com conversas banais,<br />

com quem não teríamos dificulda<strong>de</strong>s<br />

em falar ou adoptar <strong>um</strong>a perspectiva<br />

diferente para os abordar. Acabou<br />

por ser <strong>um</strong> filme chave na minha estética.”<br />

Armando Silva Carvalho (n. 1938),<br />

poeta e tradutor dos livros <strong>de</strong> Ingmar<br />

Bergman (“Lágrimas e Suspiros, se-<br />

José Miguel Silva<br />

“Um dos primeiros cineastas<br />

que me interessou foi<br />

Tarkovsky, com ‘Nostalgia’<br />

(1983) e ‘Stalker’ (1979). Na<br />

minha adolescência, foi<br />

marcante. Podia ser<br />

comparado às gran<strong>de</strong>s obras<br />

literárias: a lentidão, o cuidado<br />

com a composição das<br />

imagens. Foi <strong>um</strong>a revolução.”<br />

guido <strong>de</strong> Persona e Dependência” e<br />

“Fanny e Alexandre”, ed. Assírio &<br />

Alvim), evoca o cinema como <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> <strong>um</strong> mundo para além<br />

da sua realida<strong>de</strong>. “Fui para o cinema<br />

<strong>de</strong> calções, vi muita coboiada e gozei<br />

que nem <strong>um</strong> bruto com a veloz realida<strong>de</strong><br />

das fitas, ensinaram-me a ver o<br />

mundo para lá do salazarento à minha<br />

volta”. Antes da faculda<strong>de</strong>, via imagens<br />

pelo cinema ambulante, “medíocres<br />

filmes <strong>de</strong> cobóis e melosos xaropes<br />

portugueses com Milu e António<br />

Silva”, até se <strong>de</strong>dicar, em <strong>Lisboa</strong>,<br />

ao “filme <strong>de</strong> autor, Fellini ou Bergman,<br />

e alg<strong>um</strong>a ‘nouvelle vague’ que<br />

me passou por cima.” A sua experiência<br />

no cinema enquanto “arg<strong>um</strong>entista<br />

profissional” assim como junto<br />

à mesa <strong>de</strong> montagem ajudaram-no “a<br />

cortar metodicamente no tempo para<br />

conseguir a síntese na escrita.”<br />

Pedro Mexia (n. 1972) também viveu<br />

com o cinema na escrita e na sua<br />

vida profissional. O universo do poeta,<br />

ex-subdirector da Cinemateca e<br />

tradutor <strong>de</strong> “Notas sobre o Cine-<br />

www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv<br />

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Rui Horta<br />

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Rui Horta<br />

coreografia<br />

Rui Horta, em conjunto<br />

com todos os intérpretes<br />

textos<br />

Rui Horta<br />

Tiago Rodrigues<br />

música e direcção musical<br />

João Lucas<br />

assistente do coreógrafo<br />

Anabelle Bonnery<br />

interpretação<br />

Gilles Baron<br />

Katarzyna Sitarz<br />

Marcus Bal<strong>de</strong>mar<br />

Milán Újvári<br />

Noemí Viana Garcia<br />

Silvia Bertoncelli<br />

Vít Barták<br />

músicos<br />

Anthony Wheeldon<br />

(guitarra e electrónica)<br />

DJ Ri<strong>de</strong><br />

(turntable e electrónica)<br />

Marco Santos<br />

(percussão e electrónica)<br />

Paulo Temeroso<br />

(sopros e electrónica)<br />

banda filarmónica Banda<br />

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Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 19<br />

fotografia Zsófia Gergely, <strong>de</strong>sign Joana Monteiro


Pedro Mexia<br />

“Um dos meus filmes preferidos é ‘Paris, Texas’<br />

(1984). A questão que põe sobre o casal... Acho que<br />

não tenho escrito sobre outra coisa”<br />

“Paris Texas”,<br />

<strong>de</strong> Wim<br />

Wen<strong>de</strong>rs, e<br />

“Pickpocket”,<br />

<strong>de</strong> Robert<br />

Bresson<br />

matógrafo” <strong>de</strong> Robert Bresson “foi<br />

formado por alguns filmes”, diz-nos.<br />

“No caso <strong>de</strong> Bresson, o impacto é<br />

nítido: são filmes que têm muita importância,<br />

por razões estéticas e não<br />

só. Não posso negar que o seu catolicismo<br />

me interessa.” Para Mexia,<br />

o cinema é também <strong>um</strong>a experiência<br />

emocional, à semelhança do que po<strong>de</strong>rá<br />

alimentar a inspiração da escrita.<br />

“Vemos filmes que nos dizem<br />

muito pela altura em que os vimos,<br />

o que não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser poético. Lembro-me<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> filme do qual tinha<br />

<strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia sublime: ‘Verão <strong>de</strong> 42’ <strong>de</strong><br />

Robert Mulligan, a <strong>de</strong>scoberta da<br />

sexualida<strong>de</strong> com Jennifer O’Neill. Na<br />

altura, teve <strong>um</strong> impacto brutal, e não<br />

<strong>de</strong>sprezo o impacto <strong>de</strong> filmes menos<br />

bons. Gosto muito do lado emotivo<br />

do cinema em que a estética não é<br />

tudo.” O poeta vê ainda paralelos na<br />

sua escrita. “Um dos meus filmes<br />

preferidos é ‘Paris, Texas’ (1984). A<br />

questão que põe sobre o casal...<br />

Acho que não tenho escrito sobre<br />

outra coisa.”<br />

Um movimento para a escrita<br />

Para além <strong>de</strong>sse fascínio, coloca-se a<br />

questão sugerida pelos últimos capítulos<br />

da antologia: <strong>um</strong>a influência do<br />

cinema que abre novos caminhos na<br />

escrita poética. No fundo, <strong>um</strong>a montagem<br />

<strong>de</strong> imagens no ecrã que intervém,<br />

pelo trabalho do autor, na montagem<br />

dos seus versos e na projecção<br />

das suas palavras. Segundo Rosa Maria<br />

Martelo, “a relação entre a poesia<br />

e visualida<strong>de</strong> é muito importante na<br />

construção da i<strong>de</strong>ia mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> poesia,<br />

como no fascínio pela velocida<strong>de</strong><br />

e movimento. A captação <strong>de</strong>ste e<br />

a relação com a imagem coloca-se <strong>de</strong><br />

maneira muito forte, e tanto a poesia<br />

como o cinema respon<strong>de</strong>m a isso.”<br />

Pedro Mexia lembra o espírito <strong>de</strong><br />

contaminação das artes no século XX.<br />

“As primeiras obras-primas do cinema<br />

a serem discutidas começam com<br />

Griffith em 1917. Em 1922, temos ‘The<br />

Waste Land’ <strong>de</strong> T.S. Elliot, em que a<br />

montagem <strong>de</strong> referências é <strong>um</strong> exercício<br />

intensíssimo <strong>de</strong> citações e influências<br />

culturais.” Com o surrealismo<br />

vem o surgimento da “gran<strong>de</strong> escola”,<br />

adaptações <strong>de</strong> poetas (Robert<br />

20 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

Desnos, Antonin Artaud) dominadas<br />

por “<strong>um</strong>a lógica do insólito e da associação”.<br />

Mais tar<strong>de</strong>, surgem artistas<br />

multifacetados como Jean Cocteau,<br />

que “dividiu a sua obra completa em<br />

poesia para teatro ou para cinema”,<br />

ou Pasolini, que explorou a verbalida<strong>de</strong><br />

na poesia e cinema. Em Portugal,<br />

afirma Mexia, “vemos ‘Trás-os-<br />

Montes’ (1976) <strong>de</strong> António Reis e não<br />

estranhamos aquela pessoa ter escrito<br />

poesia.”<br />

Joana Matos Frias, co-organizadora<br />

da antologia, esclarece que “entre poesia<br />

e cinema, como com outra arte,<br />

não existe tradução ou a sua possibilida<strong>de</strong>”,<br />

mas “<strong>um</strong> processo <strong>de</strong> metamorfose<br />

que po<strong>de</strong> ter consequências<br />

distintas.” Na antologia, essa mutação<br />

existe em Herberto Hel<strong>de</strong>r ou Manuel<br />

Gusmão, on<strong>de</strong> “a relação com o cinema<br />

é estruturante da sua própria poética,<br />

mas o modo como cada <strong>um</strong> po<strong>de</strong><br />

pensá-la é único.”<br />

Para Manuel Gusmão (n. 1945),<br />

“vários filmes” passam na sua poesia:<br />

“‘A Fera H<strong>um</strong>ana’ (1938) <strong>de</strong> Renoir<br />

ou ‘Johnny Guitar’ (1954) <strong>de</strong><br />

Nicholas Ray, com importação <strong>de</strong><br />

frases que sei hoje <strong>de</strong> cor”, diz-nos.<br />

“É por associação às imagens do cinema<br />

que monto a minha biografia.<br />

‘Deus Sabe Quanto Amei’ [Minnelli,<br />

1958] surge relacionado com acontecimentos<br />

da minha vida afectados<br />

pelo filme que trato <strong>de</strong> contar [no<br />

poema].” O poeta ass<strong>um</strong>e, <strong>de</strong>ste modo,<br />

o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> montagem pessoal a<br />

partir das imagens dos outros. “O<br />

que me interessa na narrativa e na<br />

imagem cinematográfica, e como<br />

maneira para transpor para a poesia,<br />

é a alucinação. Interessa-me fazer<br />

narrativas com a montagem das imagens<br />

do cinema.”<br />

Na antologia, Gusmão cria o seu<br />

movimento poético a partir <strong>de</strong> “Crónica<br />

<strong>de</strong> Ana Madalena Bach” (1968)<br />

<strong>de</strong> Jean-Marie Straub e cruza as suas<br />

memórias <strong>de</strong> “O Herói Sacrílego”<br />

(1955) <strong>de</strong> Kenji Mizoguchi com “Rapsódia<br />

em Agosto” (1991) <strong>de</strong> Kurosawa.<br />

“É a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> montagem entre<br />

realizadores diferentes, e em poesia<br />

isso é a possibilida<strong>de</strong> da citação.” A<br />

experiência <strong>de</strong> visionamento e memória<br />

toma as imagens dos filmes,<br />

pela sua escrita, como já suas. “Muitas<br />

vezes, não tenho a certeza <strong>de</strong> como é<br />

<strong>um</strong>a imagem no filme, e sei que há<br />

casos em que a modifiquei. O que me<br />

interessa é essa modificação.” O jogo<br />

<strong>de</strong> citação, para Gusmão, é fonte <strong>de</strong><br />

criação para o “fazer da linguagem”,<br />

<strong>um</strong> ponto com<strong>um</strong> entre as duas expressões<br />

artísticas. “Godard joga muito<br />

com elementos do jogo <strong>de</strong> palavras<br />

quando fala, por exemplo, <strong>de</strong> ‘fauxtographie’<br />

[“falsa-tografia”, “Fim-<strong>de</strong>-<br />

Semana”, 1967]. Isso é <strong>um</strong> exercício<br />

poético: recorrer a algo da linguagem<br />

verbal ou à manipulação retórica da<br />

linguagem no cinema.”<br />

Os diálogos entre o cinema e a poesia<br />

revelam, assim, <strong>um</strong>a inspiração<br />

pela projecção das suas imagens que<br />

nos ensina a ver melhor. Como escreveu<br />

Ruy Belo, “poemas on<strong>de</strong> o cinema<br />

me ensinou a ver”. Ou Godard,<br />

fechando “Pedro o Louco” (1965)<br />

com versos <strong>de</strong> Rimbaud, encontrando<br />

a eternida<strong>de</strong> na junção do sol com<br />

o mar.<br />

“Crónica <strong>de</strong><br />

Ana Madalena<br />

Bach”, <strong>de</strong><br />

Straub,<br />

“Johnny<br />

Guitar”, <strong>de</strong><br />

Nicholas Ray<br />

e “Deus Sabe<br />

Quanto Amei”,<br />

<strong>de</strong> Minnelli<br />

Manuel Gusmão<br />

“Vários filmes” passam na sua poesia: “‘A Fera<br />

H<strong>um</strong>ana’ (1938) <strong>de</strong> Renoir ou ‘Johnny Guitar’ (1954)<br />

<strong>de</strong> Nicholas Ray, com importação <strong>de</strong> frases que sei<br />

hoje <strong>de</strong> cor. É por associação às imagens do cinema<br />

que monto a minha biografia. ‘Deus Sabe Quanto<br />

Amei’ [Minnelli, 1958] surge relacionado com<br />

acontecimentos da minha vida afectados pelo filme<br />

que trato <strong>de</strong> contar [no poema].”


Stieg<br />

por Eva<br />

A companheira do escritor Stieg Larsson,<br />

Eva Gabrielsson, publicou as suas memórias.<br />

Um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vingança mais do que gran<strong>de</strong>s<br />

revelações Isabel Coutinho<br />

O último Verão que Eva Gabrielsson<br />

passou com o seu companheiro, o<br />

escritor sueco Stieg Larsson, foi diferente<br />

dos outros. Finalmente, o casal<br />

tinha tempo <strong>um</strong> para o outro. Stieg<br />

assinara o contrato para a publicação<br />

<strong>de</strong> três livros da série “Millenni<strong>um</strong>” e<br />

estava feliz. Nessas férias os dois visitaram<br />

amigos e alugaram <strong>um</strong>a cabana<br />

no arquipélago <strong>de</strong> Estocolmo. No final<br />

do mês <strong>de</strong> Agosto, em que Stieg fez<br />

50 anos, o escritor disse timidamente<br />

à arquitecta com quem vivia há 32<br />

anos: “E se nos casássemos agora?”.<br />

Combinaram então que, no Outono,<br />

fariam <strong>um</strong>a festa para comemorarem<br />

os 50 anos. Chamariam os amigos<br />

e, no final, revelariam que se tratava<br />

da festa <strong>de</strong> casamento. “Des<strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a viagem que fizemos a <strong>Lisboa</strong>, em<br />

2001, guardávamos para a festa dos<br />

nossos 50 anos <strong>um</strong>a garrafa <strong>de</strong> vinho<br />

do Porto ‘Quinta Noval 1976’. Contudo<br />

não tivemos tempo, nem para o<br />

casamento, nem para a festa. Esta<br />

garrafa aparece no segundo vol<strong>um</strong>e<br />

<strong>de</strong> ‘Millenni<strong>um</strong>’, no apartamento novo<br />

<strong>de</strong> Lisbeth Salan<strong>de</strong>r. A garrafa está<br />

agora na minha cozinha. Nunca a irei<br />

abrir”, escreve Eva Gabrielsson em<br />

“Milléni<strong>um</strong> - Stieg et moi”, livro <strong>de</strong><br />

memórias publicado a semana passada,<br />

em França, pela editora Actes Sud.<br />

Escrito pela viúva <strong>de</strong> Stieg, com a ajuda<br />

da jornalista francesa Marie-Françoise<br />

Colombani, a obra conta a sua<br />

versão dos acontecimentos que viveu<br />

<strong>de</strong>pois da morte do escritor, em 2004,<br />

e fala da sua indignação quando se<br />

viu confrontada com a lei da sucessão<br />

sueca. Quando não há testamento, os<br />

her<strong>de</strong>iros são os familiares mais próximos,<br />

neste caso o irmão e o pai <strong>de</strong><br />

Stieg.<br />

Tudo teria sido diferente se, naquele<br />

Outono, Stieg e Eva se tivessem casado.<br />

O escritor morreu a 9 <strong>de</strong> Novembro,<br />

n<strong>um</strong> hospital <strong>de</strong> Estocolmo,<br />

na sequência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a crise cardíaca:<br />

sentiu-se mal ao subir as escadas do<br />

edifício on<strong>de</strong> trabalhava, a redacção<br />

Ao ritmo a que vão<br />

as coisas, escreve Eva,<br />

não ficará admirada<br />

se <strong>um</strong> dia <strong>de</strong>parar<br />

com o nome<br />

do companheiro<br />

n<strong>um</strong>a garrafa <strong>de</strong><br />

cerveja, n<strong>um</strong> pacote<br />

<strong>de</strong> café ou a dar nome<br />

a <strong>um</strong> carro<br />

da revista “Expo”. Eva estava noutra<br />

cida<strong>de</strong>. Quando chegou o companheiro<br />

estava morto. Nas memórias conta<br />

com pormenor o que se passou nesses<br />

dias, nos meses e nos anos seguintes.<br />

Os direitos já foram vendidos para<br />

<strong>de</strong>zanove países mas ainda não foram<br />

adquiridos para Portugal.<br />

Vingança<br />

“Milléni<strong>um</strong> - Stieg et moi” tem cerca<br />

<strong>de</strong> 200 páginas e não nos revela nada<br />

<strong>de</strong> muito surpreen<strong>de</strong>nte. Embora Eva<br />

conte <strong>de</strong> forma estruturada e, por vezes,<br />

<strong>de</strong>talhada, o que se passou na sua<br />

vida antes e <strong>de</strong>pois da morte <strong>de</strong> Stieg<br />

Larsson, já contou gran<strong>de</strong> parte do<br />

que ali é <strong>de</strong>scrito em entrevistas, nomeadamente<br />

naquela que <strong>de</strong>u ao ípsilon,<br />

em Estocolmo, o ano passado<br />

(edição <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> Abril 2010). A novida<strong>de</strong><br />

é a publicação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a carta que<br />

Stieg escreveu antes <strong>de</strong> partir para<br />

África, em 1977, e que ela só encontrou<br />

<strong>de</strong>pois da sua morte; a transcrição dos<br />

diários <strong>de</strong> Eva dos últimos anos on<strong>de</strong><br />

assistimos, passo a passo, ao processo<br />

<strong>de</strong> ruptura entre ela e a família <strong>de</strong><br />

Stieg. Perpassa no livro <strong>um</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />

vingança e o relato <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cerimónia<br />

com textos da mitologia escandinava,<br />

que lhe serviu <strong>de</strong> terapia, é revelador<br />

da perturbação <strong>de</strong> Eva <strong>de</strong>pois da morte<br />

<strong>de</strong> Stieg e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter perdido tudo:<br />

até a esperança.<br />

No último capítulo Eva fala do quarto<br />

vol<strong>um</strong>e da série – o manuscrito que<br />

Larsson <strong>de</strong>ixou inacabado e que teria<br />

como título provisório “A Vingança<br />

<strong>de</strong> Deus” – mas não dá pormenores.<br />

Conta que no dia seguinte à morte <strong>de</strong><br />

Stieg, a irmã <strong>de</strong> Eva foi entregar a mochila<br />

do escritor na redacção da “Expo”.<br />

Esse saco continha a sua agenda,<br />

com o s<strong>um</strong>ário e <strong>de</strong>talhes da edição<br />

da revista que preparavam, e o computador<br />

portátil que pertencia à revista.<br />

Ali estavam os seus artigos, a<br />

correspondência, as suas investigações,<br />

os contactos das fontes, etc. “O<br />

quarto vol<strong>um</strong>e <strong>de</strong> Millenni<strong>um</strong> encontra-se<br />

aqui...talvez.”, escreve Eva.<br />

“Tem mais <strong>de</strong> duas centenas <strong>de</strong> páginas<br />

pois quando fomos para férias,<br />

no último Verão que passámos juntos,<br />

Stieg já tinha escrito mais <strong>de</strong> 160”, diz<br />

Eva, que arrisca afirmar que o seu<br />

companheiro talvez tenha conseguido<br />

escrever mais 50 páginas até ao dia<br />

em que morreu. “Não pretendo contar<br />

aqui a trama do quarto vol<strong>um</strong>e.<br />

Mas tenho vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> dizer que, neste<br />

livro, Lisbeth liberta-se pouco a<br />

pouco dos seus fantasmas e dos seus<br />

inimigos. Cada vez que ela se consegue<br />

vingar <strong>de</strong> <strong>um</strong>a pessoa que lhe fez<br />

mal, fisicamente ou psicologicamente,<br />

apaga a tatuagem que para ela representa<br />

essa pessoa. Enquanto os<br />

piercings correspon<strong>de</strong>m a <strong>um</strong> fenómeno<br />

<strong>de</strong> moda entre as pessoas da<br />

sua ida<strong>de</strong>, para Lisbeth as tatuagens<br />

são <strong>um</strong>a pintura <strong>de</strong> guerra”, lê-se na<br />

página 184.<br />

Eva conta que Stieg escreveu duas<br />

mil páginas em dois anos, “quase sem<br />

notas, sem pesquisa, a não ser em relação<br />

a pequenos <strong>de</strong>talhes, sem in-<br />

Tudo teria sido diferente<br />

se, naquele Outono, Stieg e Eva<br />

se tivessem casado<br />

vestigação”. Como é que isto foi possível?,<br />

pergunta. A explicação que dá<br />

é simples: “São as nossas vidas e os<br />

nossos 32 anos <strong>de</strong> vida em com<strong>um</strong><br />

que formam a base <strong>de</strong> dados <strong>de</strong>stes<br />

livros. São fruto da experiência <strong>de</strong><br />

Stieg, mas também da minha. Dos<br />

nossos combates, das nossas lutas,<br />

das nossas viagens, das nossas paixões,<br />

dos nossos medos... Estes livros<br />

são o puzzle das nossas vidas.”<br />

É por isso que Eva não consegue<br />

dizer o que é que nos livros vem <strong>de</strong>la<br />

ou do companheiro. Coloca-se sempre<br />

n<strong>um</strong>a posição ambígua. Tanto diz<br />

que Stieg gastou anos <strong>de</strong> trabalho em<br />

cada livro, como diz que tinham <strong>um</strong>a<br />

linguagem com<strong>um</strong>, escreveram várias<br />

ENCENAÇÃO e REALIZAÇÃO VÍDEO<br />

JOÃO LOURENÇO<br />

MÚSICA<br />

MAZGANI<br />

CENÁRIO<br />

ANTÓNIO CASIMIRO<br />

JOÃO LOURENÇO<br />

BERTOLT BRECHT<br />

ESTRUTURA PATROCINADA PELO<br />

APOIO<br />

vezes juntos. Conta também que em<br />

2005, o seu representante fez <strong>um</strong>a<br />

proposta ao pai e irmão <strong>de</strong> Stieg, os<br />

her<strong>de</strong>iros segundo a lei sueca, e à editora<br />

Norstedts, para que ela ficasse<br />

com a gestão dos direitos morais da<br />

obra <strong>de</strong> Stieg, <strong>de</strong> maneira a po<strong>de</strong>r trabalhar<br />

nos textos do companheiro e<br />

terminar o quarto vol<strong>um</strong>e. Os Larsson<br />

recusaram. Eva continua a lutar por<br />

ter esse direito. Não quer que o nome<br />

<strong>de</strong> Stieg Larsson continue a ser “<strong>um</strong>a<br />

indústria e <strong>um</strong>a marca”. Ao ritmo a<br />

que vão as coisas, escreve, não ficará<br />

admirada se <strong>um</strong> dia <strong>de</strong>parar com o<br />

nome do companheiro n<strong>um</strong>a garrafa<br />

<strong>de</strong> cerveja, n<strong>um</strong> pacote <strong>de</strong> café ou a<br />

dar nome a <strong>um</strong> carro.<br />

FIGURINOS<br />

BERNARDO MONTEIRO<br />

COREOGRAFIA<br />

CLÁUDIA NÓVOA<br />

SUPERVISÃO AUDIOVISUAL<br />

AURÉLIO VASQUES<br />

LUZ<br />

MELIM TEIXEIRA<br />

[ m/12 ]<br />

QUARTA A SÁBADO 21H30 DOMINGO-MATINÉE 16H00<br />

VERSÃO JOÃO LOURENÇO | VERA SAN PAYO DE LEMOS<br />

DRAMATURGIA VERA SAN PAYO DE LEMOS<br />

COM<br />

ANTÓNIO PEDRO LIMA | CÁTIA RIBEIRO<br />

CARLOS MALVAREZ | CRISTÓVÃO CAMPOS<br />

FRANCISCO PESTANA | JOÃO FERNANDEZ<br />

LUIS BARROS | MAFALDA LENCASTRE<br />

MAFALDA LUÍS DE CASTRO | MARTA DIAS<br />

MIGUEL GUILHERME | MIGUEL TAPADAS<br />

PATRÍCIA ANDRÉ | RUI MORISSON<br />

SARA CIPRIANO | SÉRGIO PRAIA<br />

SOFIA DE PORTUGAL<br />

VASCO SOUSA<br />

Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 21


FRANÇA<br />

22 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

Nanterre<br />

BURKINA FASO<br />

Bobo-Dioulasso<br />

ALEMANHA<br />

Berlim<br />

Palermo<br />

ITÁLIA<br />

Tel Aviv<br />

ISRAEL


“Third Generation”,<br />

Habimah National<br />

Theatre (Tel Aviv) /<br />

Schaubühne (Berlim)<br />

A dramaturga e encenadora<br />

israelita Yael Ronen tem feito<br />

sucessivas experiências <strong>de</strong><br />

cruzamento das narrativas<br />

i<strong>de</strong>ntitárias <strong>de</strong> Israel com<br />

histórias contíguas como a<br />

da Palestina, da Alemanha e<br />

da Polónia. “Third<br />

Generation” é a última <strong>de</strong>ssas<br />

experiências.<br />

“Shakespeare Salvato<br />

dai Ragazzini”, Teatro<br />

Garibaldi alla Kalsa<br />

(Palermo)<br />

O Teatro Garibaldi investe na<br />

produção <strong>de</strong> textos clássicos<br />

com <strong>um</strong> elenco formado por<br />

adolescentes da burguesia e<br />

do proletariado <strong>de</strong> Palermo.<br />

No ano passado, o cineasta<br />

Raoul Ruiz rodou <strong>um</strong><br />

doc<strong>um</strong>entário com eles,<br />

“L’Estate Breve”.<br />

“Médée”, Théâtre <strong>de</strong><br />

Nanterre-Amandiers<br />

(Nanterre)<br />

Depois <strong>de</strong> <strong>um</strong>a viagem ao<br />

Burkina Faso, o encenador<br />

Jean-Louis Martinelli quis<br />

fazer <strong>um</strong>a “Me<strong>de</strong>ia” só com<br />

actores africanos. Vieram <strong>de</strong><br />

Bobo-Dioulasso para ensaiar<br />

e estrear em Nanterre. A peça<br />

continua em digressão e<br />

estará no Porto em Maio.<br />

Teatros <strong>de</strong> portas abertas ao<br />

mundo<br />

Yael Ronen pôs israelitas, palestinianos e alemães a lamberem as feridas<br />

do Holocausto e da ocupação. Matteo Bavera abriu <strong>um</strong> teatro n<strong>um</strong><br />

bairro infrequentável e salvou miúdos com textos <strong>de</strong> Shakespeare. Jean-<br />

Louis Martinelli levantou <strong>um</strong>a “Me<strong>de</strong>ia” do chão do Burkina Faso. Hoje e<br />

amanhã, eles vêm ao Porto dizer o que o teatro po<strong>de</strong> fazer pelo mundo –<br />

n<strong>um</strong>a sala, o S. João, que tem o mundo inteiro nas traseiras. Inês Nadais<br />

Há quatro anos, quando o barbeiro<br />

argelino Samir Moussa foi preso na<br />

Rua Cimo <strong>de</strong> Vila por suspeita <strong>de</strong> ligações<br />

ao terrorismo internacional,<br />

o Porto acordou para o facto <strong>de</strong> ter o<br />

mundo inteiro, Al-Qaeda eventualmente<br />

incluída, nas traseiras do Teatro<br />

Nacional S. João (TNSJ). Até hoje,<br />

esse mundo <strong>de</strong> barbearias argelinas,<br />

lojas <strong>de</strong> pedras preciosas bengalis,<br />

talhos “halal” e balconistas paquistaneses,<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> lado, e, do outro, o mundo<br />

do S. João, on<strong>de</strong> nem a parte da<br />

Rua do Cimo <strong>de</strong> Vila que é mais “nacional”<br />

(a das tascas com presuntos<br />

suspensos do tecto e “boîtes” à antiga<br />

portuguesa) cost<strong>um</strong>a entrar, continuam<br />

a ser realida<strong>de</strong>s paralelas. Mas é<br />

<strong>de</strong> casos em que o teatro saiu à rua<br />

que se vai falar hoje e amanhã no<br />

TNSJ: o colóquio que abre o programa<br />

Odisseia traz ao Porto a israelita que<br />

pôs ju<strong>de</strong>us, palestinianos e alemães<br />

a lamberem juntos as feridas do Holocausto<br />

e da ocupação, o italiano que<br />

reabriu <strong>um</strong> teatro em ruínas n<strong>um</strong><br />

bairro infrequentável <strong>de</strong> Palermo e<br />

salvou miúdos da <strong>de</strong>linquência com<br />

textos <strong>de</strong> Shakespeare, e o francês<br />

que foi ao Burkina Faso levantar <strong>um</strong>a<br />

“Me<strong>de</strong>ia” do chão para <strong>de</strong>pois a estrear<br />

em Nanterre. Dizem que é como<br />

andar <strong>de</strong> bicicleta: <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r<br />

como se faz, nunca se esquece.<br />

Yael Ronen ( Jerusalém, 1976) tem,<br />

digamos, andado várias vezes <strong>de</strong> bicicleta<br />

nos últimos anos. Faz política<br />

por outros meios <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, em 2005,<br />

estreou “Plonter” no Cameri Theatre<br />

<strong>de</strong> Tel Aviv – lá fora o Governo construía<br />

<strong>um</strong> muro para isolar a Faixa <strong>de</strong><br />

Gaza, lá <strong>de</strong>ntro ela juntava israelitas<br />

e árabes israelitas n<strong>um</strong> drama político<br />

sobre a interminável história <strong>de</strong><br />

violência <strong>de</strong> Israel em que todas as<br />

partes do conflito perdiam a face. Três<br />

anos <strong>de</strong>pois, foi para Wroclav trabalhar<br />

com actores polacos sobre a memória<br />

do Holocausto (ou seja: abrir a<br />

ferida da colaboração da socieda<strong>de</strong><br />

civil polaca no extermínio dos ju<strong>de</strong>us<br />

da Europa), ao mesmo tempo que o<br />

encenador polaco Michal Zadara fazia<br />

o movimento inverso e se instalava<br />

em Tel Aviv para tratar o outro lado<br />

da questão (a história mal contada dos<br />

polacos anónimos a quem muitos ju<strong>de</strong>us<br />

<strong>de</strong>vem a vida) com actores israelitas.<br />

Dessas linhas cruzadas resultou<br />

<strong>um</strong> díptico, “Bat Yam” / “Tykocin Express”,<br />

que res<strong>um</strong>e o método <strong>de</strong> trabalho<br />

<strong>de</strong> Yael Ronen: nos espectáculos<br />

<strong>de</strong>la, os actores não representam,<br />

mudam verda<strong>de</strong>iramente <strong>de</strong> pele (e<br />

com eles os espectadores). “Third<br />

Generation” (2009), coprodução do<br />

Habimah National Theatre <strong>de</strong> Tel Aviv<br />

com a Schaubühne <strong>de</strong> Berlim, foi a<br />

sua última e mais transformadora experiência:<br />

<strong>um</strong> espectáculo triangular<br />

em que quatro israelitas, quatro palestinianos<br />

e quatro alemães da terceira<br />

geração pós-Holocausto abrem<br />

as bonecas russas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a longa narrativa<br />

<strong>de</strong> culpa e vitimização.<br />

É provável que amanhã, no Porto,<br />

Ronen repita o que disse ao Ípsilon<br />

por telefone, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Tel Aviv, quando<br />

lhe perguntámos o que é que o teatro<br />

po<strong>de</strong> fazer pelo entendimento israelo-árabe:<br />

“Como é óbvio, absolutamente<br />

nada. E no entanto as pessoas<br />

são influenciadas pelas mais variadas<br />

coisas: inci<strong>de</strong>ntalmente, <strong>um</strong>a <strong>de</strong>ssas<br />

coisas po<strong>de</strong> ser a minha peça <strong>de</strong> tea-<br />

“O conflito israeloárabe<br />

incomoda-me<br />

<strong>de</strong>masiado no meu<br />

dia-a-dia. Se me<br />

limitasse a montar<br />

Shakespeare<br />

e Molière, sentir-me-ia<br />

<strong>um</strong>a hipócrita”<br />

Yael Ronen<br />

tro. De qualquer modo, não é <strong>um</strong> tema<br />

que eu possa evitar. O conflito<br />

israelo-árabe incomoda-me <strong>de</strong>masiado<br />

no meu dia-a-dia. Se me limitasse<br />

a montar Shakespeare e Molière, sentir-me-ia<br />

<strong>um</strong>a hipócrita”. Também<br />

não seria o Habimah (<strong>de</strong> que o seu<br />

pai, Ilan Ronen, é aliás <strong>um</strong> dos directores<br />

artísticos) a pedir-lhe para evitar<br />

o tema: as missões estatutárias do teatro<br />

nacional israelita incluem “produzir<br />

peças que confrontem as relações<br />

israelo-árabes, as tensões entre<br />

ju<strong>de</strong>us religiosos e seculares e entre<br />

israelitas imigrantes e nativos, e ainda<br />

o estatuto da mulher, a corrupção<br />

burocrática, o fosso geracional, o Holocausto”.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 23


24 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

O Garibaldi,<br />

em Palermo,<br />

é absoluta<br />

mente<br />

singular<br />

(ou pelo<br />

menos era,<br />

até às obras<br />

<strong>de</strong> restauro<br />

que ainda não<br />

estão terminadas):<br />

sem<br />

tecto e sem<br />

palco, é <strong>um</strong><br />

teatro on<strong>de</strong><br />

qualquer pes<br />

soa, qualquer<br />

gato, po<strong>de</strong><br />

entrar a<br />

qualquer hora<br />

“O melhor teatro<br />

que se po<strong>de</strong> fazer<br />

é o teatro não<br />

profissional.<br />

É o único que muda<br />

realmente as pessoas”<br />

Matteo Bavera,<br />

Teatro Garibaldi<br />

Quando se estreou em Berlim,<br />

“Third Generation” tinha em cima <strong>um</strong><br />

estágio <strong>de</strong> <strong>um</strong> mês em que os actores<br />

tiveram <strong>de</strong> lidar em conjunto com<br />

todo o pesado historial dos seus passados<br />

cruzados, <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> encontros<br />

com especialistas (historiadores,<br />

jornalistas, terapeutas) e visitas <strong>de</strong><br />

estudos a lugares cruciais da “Shoah”<br />

e do conflito israelo-palestiniano<br />

(campos <strong>de</strong> concentração, memoriais,<br />

“checkpoints”). “Sentimos alívio<br />

nos espectadores, como se finalmente<br />

alguém falasse daquilo <strong>de</strong> que todos<br />

queremos falar mas não temos<br />

coragem. Sobretudo na Alemanha”,<br />

diz Ronen. É tudo mais fácil entre israelitas<br />

e alemães, por causa da distância:<br />

“Com os alemães sentimos o<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> perdoar, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> esquecer.<br />

Com os palestinianos, ainda é<br />

tudo muito emocional. E há <strong>um</strong>a linha<br />

vermelha: sempre que aparecia a<br />

comparação entre o Holocausto e a<br />

ocupação, era o fim da discussão”.<br />

Por lamber feridas que estão longe<br />

<strong>de</strong> sequer começar a cicatrizar, e<br />

questionar a importância <strong>de</strong>sproporcionada<br />

do Holocausto na i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

israelita, o Governo não ficou <strong>de</strong>masiado<br />

contente com a peça: “O Ministério<br />

dos Negócios Estrangeiros achou<br />

que este triângulo era <strong>de</strong>masiado explosivo”.<br />

“Third Generation” provocou<br />

“discussões apaixonadas, verda<strong>de</strong>iras<br />

lutas entre espectadores” no<br />

Habimah, mas não conseguiu sair <strong>de</strong><br />

Tel Aviv para fazer a programada digressão<br />

n<strong>um</strong> país on<strong>de</strong>, mesmo não<br />

po<strong>de</strong>ndo fazer, “como é óbvio, absolutamente<br />

nada”, o teatro é <strong>um</strong>a forma<br />

verda<strong>de</strong>iramente popular: “Aqui<br />

as pessoas vão mais ao teatro do que<br />

ao futebol. Mas os três teatros <strong>de</strong> repertório<br />

produzem em hebraico. As<br />

audiências não são muito mistas”.<br />

Ninguém acredita verda<strong>de</strong>iramente<br />

que venham a sê-lo nos próximos<br />

tempos. Debaixo do Habimah, as au-<br />

torida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Tel Aviv fizeram construir<br />

<strong>um</strong> abrigo anti-aéreo que po<strong>de</strong><br />

acolher até 1600 pessoas em caso <strong>de</strong><br />

bombar<strong>de</strong>amento.<br />

Garibaldi, teatro aberto<br />

Dois mil quilómetros a Oeste <strong>de</strong> Tel<br />

Aviv, n<strong>um</strong>a cida<strong>de</strong> mais a Sul da Europa<br />

do que certos pontos do Norte<br />

<strong>de</strong> África, Matteo Bavera (Santa Agata<br />

<strong>de</strong> Militello, Sicília, 1955) também<br />

<strong>de</strong>cidiu aventurar-se n<strong>um</strong>a zona <strong>de</strong><br />

guerra: Kalsa, <strong>um</strong> bairro infrequentável<br />

<strong>de</strong> Palermo (<strong>um</strong> teatro em ruínas<br />

inaugurado em 1862 pelo próprio Garibaldi<br />

e <strong>de</strong>pois sucessivamente abandonado<br />

e reconvertido em cabaré,<br />

cinema porno, “hall” <strong>de</strong> boxe, e à volta<br />

todos os tipos <strong>de</strong> tráfico e <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong>,<br />

a pobreza e a Máfia, outra<br />

história interminável). Chamou <strong>um</strong><br />

encenador, Carlo Cecchi, e perguntou-lhe<br />

se queria reabrir o Garibaldi<br />

com ele: “Aquilo não era só a ruína<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> bairro em ruínas. Era o espelho<br />

da história trágica <strong>de</strong> Palermo e da<br />

Itália. As guerras, as Brigadas Vermelhas,<br />

a Máfia, n<strong>um</strong> século passámos<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> horror a outro”, recordava Cecchi<br />

há uns anos ao “Le Mon<strong>de</strong>”.<br />

Quando Bavera o ocupou, em 1996,<br />

o Garibaldi estava abandonado há 30<br />

anos e a população do bairro tinha<br />

pilhado todo o recheio, mas o encanto<br />

era justamente esse: era “o esqueleto<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> teatro”, <strong>um</strong>a sala verda<strong>de</strong>iramente<br />

aberta à cida<strong>de</strong>, sem tecto<br />

nem palco, on<strong>de</strong> qualquer pessoa<br />

(qualquer gato) podia entrar a qualquer<br />

hora. A primeira encenação <strong>de</strong><br />

Cecchi para o Garibaldi foi <strong>um</strong> “Hamlet”<br />

(“Queria reabrir <strong>um</strong> teatrofantasma<br />

com <strong>um</strong> fantasma. As pessoas<br />

do bairro vieram. Pensavam que<br />

a peça tinha sido escrita para elas porque<br />

ouviam <strong>um</strong> <strong>homem</strong> a dizer ao<br />

filho: tens <strong>de</strong> te vingar”), e a partir daí<br />

o teatro começou a funcionar a duas<br />

velocida<strong>de</strong>s: cruzando a atenção aos<br />

autores locais (Emma Dante, Davi<strong>de</strong><br />

Enia, Franco Scaldati, Giuseppe Massa)<br />

com a atenção aos gran<strong>de</strong>s do teatro<br />

europeu (Chéreau, Brook, Dodin,<br />

Warlikowski), e <strong>de</strong>pois investindo n<strong>um</strong>a<br />

formação <strong>de</strong> públicos que é <strong>um</strong>a<br />

verda<strong>de</strong>ira formação artística, através<br />

do projecto “Shakespeare Salvato dai<br />

Ragazzini”, que põe adolescentes <strong>de</strong><br />

Palermo a fazerem os clássicos.<br />

“É o nosso gran<strong>de</strong> cartão-<strong>de</strong>-visita”,<br />

diz ao Ípsilon Matteo Bavera, lembrando<br />

que o cineasta Raoul Ruiz foi<br />

a Palermo <strong>de</strong> propósito para filmar o<br />

projecto para o doc<strong>um</strong>entário<br />

“L’Estate Breve” (e também que Wim<br />

Wen<strong>de</strong>rs termina o seu “Palermo<br />

Shooting” com imagens do “mais belo<br />

teatro do mundo, o Garibaldi”).<br />

“Nunca faço audições para o projecto.<br />

Encontro uns miúdos, que <strong>de</strong>pois<br />

trazem outros, e a companhia formase<br />

sozinha. Quando começámos, houve<br />

<strong>um</strong> criminoso aqui do bairro que<br />

me pediu para pôr as suas duas filhas<br />

no projecto. E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>scobrimos<br />

<strong>um</strong> miúdo que se escondia para assistir<br />

aos ensaios e <strong>de</strong>pois na escola<br />

dizia Shakespeare <strong>de</strong> cor. O melhor<br />

teatro que se po<strong>de</strong> fazer é o teatro não<br />

profissional. É o único que muda realmente<br />

as pessoas”, explica o director<br />

do Garibaldi. Nos últimos 14 anos,<br />

viu o teatro passar <strong>de</strong> ruína “off-limits”<br />

a acontecimento europeu, mas<br />

“foi muito difícil”: “Um teatro significa<br />

luzes e projectores, e o bairro<br />

vivia sobretudo do tráfico. As luzes<br />

não eram bem-vindas. Às tantas perceberam<br />

que éramos <strong>um</strong> teatro, não<br />

espiões da polícia. E quando alguém<br />

roubava a vespa <strong>de</strong> <strong>um</strong> espectador,<br />

eu punha-me a gritar e a mota acabava<br />

por aparecer. Isso também tem a<br />

ver com o facto <strong>de</strong> termos falado, nas<br />

nossas peças, do proletariado palermitano,<br />

que é invisível mas ainda existe,<br />

e dos imigrantes, que vivem n<strong>um</strong>a<br />

espécie <strong>de</strong> enclave fora da civilização.<br />

E também se <strong>de</strong>ve aos miúdos, que<br />

fizeram a ponte com o bairro”.<br />

Veio o bairro, vieram os espectadores,<br />

veio até a especulação imobiliária:<br />

“O bairro mudou verda<strong>de</strong>iramente<br />

por causa <strong>de</strong> <strong>um</strong> teatro”, sublinha<br />

Bavera. Esse teatro está fechado há<br />

três anos para restauro e como, apesar<br />

<strong>de</strong> tudo, esta ainda é “<strong>um</strong>a história<br />

siciliana”, as obras <strong>de</strong>moraram<br />

tempo a mais e parte do dinheiro <strong>de</strong>sapareceu.<br />

“O nosso projecto foi traído<br />

– só queríamos reforçar a segurança,<br />

mas vedaram o teatro à luz do<br />

sol e per<strong>de</strong>mos as maravilhosas pare<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>scascadas que ainda eram do<br />

tempo do Garibaldi. Vamos per<strong>de</strong>r<br />

imenso tempo a reverter as obras”.<br />

A lição do Garibaldi, apesar <strong>de</strong> tudo,<br />

é que nenh<strong>um</strong> tempo é tempo<br />

perdido, nenh<strong>um</strong> público é público<br />

perdido. Amanhã, Bavera vem ao Porto<br />

contar essa história – e Yael Ronen<br />

contará a <strong>de</strong>la, que também ainda<br />

não sabemos se irá acabar bem. Jean-<br />

Louis Martinelli (Ro<strong>de</strong>z, 1951), director<br />

do Théâtre Nanterre-Amandiers,<br />

estará na mesma mesa para dizer como<br />

se vai ao Burkina Faso encontrar<br />

<strong>um</strong>a “Me<strong>de</strong>ia”. Depois disso talvez o<br />

TNSJ, e o seu público, possam começar<br />

ir ao fim da rua Cimo <strong>de</strong> Vila sem<br />

ser como quem vai ao fim do mundo.


FOTOGRAFIAS DE DANIEL ROCHA<br />

O mundo extraterrestre<br />

Nas obras <strong>de</strong> João Maia Gusmão e Pedro Paiva, inesperadas, insolentes, divertidas e profundas,<br />

as leis do universo h<strong>um</strong>ano cessam <strong>de</strong> ser úteis. Eis “Breve História da Lentidão e da<br />

Vertigem”. Nuno Crespo<br />

João Maria Gusmão (<strong>Lisboa</strong>, 1979) e<br />

Pedro Paiva (<strong>Lisboa</strong>, 1977) conheceramse<br />

na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belas Artes em <strong>Lisboa</strong><br />

on<strong>de</strong> ambos estudaram pintura e<br />

começaram a expor conjuntamente<br />

em 2001. Em 2005 ganharam o Prémio<br />

EDP Novos Artistas e tornaram-se n<strong>um</strong><br />

fenómeno <strong>de</strong> popularida<strong>de</strong>, reconhecimento<br />

e interesse. Foram convidados<br />

para a Bienal <strong>de</strong> São Paulo, estiveram<br />

na Manifesta e em 2009 foram os representantes<br />

oficiais <strong>de</strong> Portugal na<br />

53ª Bienal <strong>de</strong> Veneza. Já este ano a<br />

londrina Tate Mo<strong>de</strong>rn (<strong>um</strong> dos museus<br />

mais importantes do mundo)<br />

adquiriu para a sua colecção <strong>um</strong> conjunto<br />

<strong>de</strong> treze filmes da dupla, escolha<br />

feita com a ambição <strong>de</strong> ser <strong>um</strong>a amostra<br />

coerente do conjunto da totalida<strong>de</strong><br />

da obra <strong>de</strong> Paiva e Gusmão.<br />

Sempre ligados à Galeria Zé dos<br />

Bois e mais tar<strong>de</strong> à galeria Graça Brandão,<br />

fizeram exposições muito relevantes<br />

para a construção do que se<br />

po<strong>de</strong> chamar “cena da arte portuguesa<br />

contemporânea”: os seus “Eflúvios<br />

Magnéticos” (2006) e a “Abissologia”<br />

(2008) inauguraram novas modalida<strong>de</strong>s<br />

estéticas e introduziram novos<br />

vocábulos no discurso artístico português.<br />

São jovens e o trabalho que<br />

<strong>de</strong>senvolvem é <strong>um</strong>a novida<strong>de</strong>, não<br />

por ser recente, mas por constituir<br />

<strong>um</strong>a abordagem inesperada e fértil<br />

O trabalho <strong>de</strong>stes<br />

artistas não<br />

é contemplativo.<br />

O espectador<br />

é colocado<br />

na situação<br />

<strong>de</strong> explorador<br />

extravagante: tem<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir<br />

movimentos,<br />

subtilezas, segredos<br />

aos processos criativos e por as suas<br />

obras serem inesperadas, insolentes,<br />

divertidas e profundas.<br />

Se o seu trabalho tem boa recepção<br />

crítica, coleccionadores e <strong>um</strong>a circulação<br />

internacional pouco com<strong>um</strong><br />

para artistas portugueses, isso não se<br />

<strong>de</strong>ve a operações <strong>de</strong> relações públicas:<br />

recusam a mediatização pessoal,<br />

porque só o trabalho é público. Acompanharam<br />

o Ípsilon na visita à sua<br />

mais recente exposição em <strong>Lisboa</strong>,<br />

mas não se <strong>de</strong>ixam citar ou fotografar:<br />

as imagens que importam são as das<br />

obras e as palavras são as dos ensaios<br />

que escrevem.<br />

As coisas com rabo <strong>de</strong> peixe<br />

Gusmão e Paiva criam coisas que no<br />

seu conjunto constroem <strong>um</strong>a dimensão<br />

(fluida, vaga e inconstante) na<br />

qual as leis do universo h<strong>um</strong>ano cessam<br />

<strong>de</strong> ser úteis: passam a correspon<strong>de</strong>r<br />

a simples artifícios retóricos,<br />

palavras ocas sem sentido ou significado.<br />

Se à primeira vista os seus filmes,<br />

fotografias e esculturas são simples<br />

peças h<strong>um</strong>orísticas (criam situações<br />

insólitas que provocam riso: mesmo<br />

tratando-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> riso cínico que assinala<br />

<strong>um</strong> território <strong>de</strong> compreensão),<br />

<strong>de</strong>pois percebe-se tratar-se <strong>de</strong><br />

peças pertencentes a <strong>um</strong> mais vasto<br />

mecanismo <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> imagens.<br />

Não é <strong>um</strong>a máquina reprodutiva a<br />

qual torna visível o mundo, mas a<br />

criação da visibilida<strong>de</strong>, a qual surge<br />

no trabalho <strong>de</strong>stes artistas como lugar<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>cepção.<br />

A exposição recentemente inaugurada,<br />

“Breve História da Lentidão e<br />

da Vertigem”, tem como mote <strong>um</strong>a<br />

história acerca das coisas que terminam<br />

em rabo <strong>de</strong> peixe: “conta-se que<br />

[...] os marinheiros podiam ver e ouvir<br />

nas marés perigosas, imaginando<br />

o que lhes faltava, Vénus <strong>de</strong>spidas<br />

<strong>de</strong>clinadas nas rochas, sorrindo e<br />

suspirando canções hipnóticas [...]<br />

conta-se ainda que os marinheiros<br />

inebriados imaginando a genitália da<br />

ilha dos amores [...] se atiravam ao<br />

mar <strong>de</strong>scobrindo tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais ser<br />

difícil a cópula com ais fêmeas, porque<br />

afinal tinham escamas.” (texto<br />

da exposição)<br />

A história aprendida <strong>de</strong> Horácio é<br />

constituída por diferentes camadas,<br />

não se trata só da sereia ou da ebrieda<strong>de</strong><br />

dos marinheiros, mas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

metáfora potente acerca da visão<br />

Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 25


26 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

dos homens. A qual é lugar <strong>de</strong> engano<br />

e <strong>de</strong>cepção: julga-se que as imagens<br />

dizem as coisas tal-qual elas são,<br />

mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>scobre-se terem rabo<br />

<strong>de</strong> peixe.<br />

Este acontecimento assinala a existência<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a zona <strong>de</strong> in<strong>de</strong>cisão e<br />

intervalo na qual é possível assistir-se<br />

à criação <strong>de</strong> figuras, fantasmas e fábulas.<br />

Esse intervalo expressa o que<br />

está entre as coisas e as imagens que<br />

os homens fazem <strong>de</strong>las e é para esse<br />

lugar que confluem todas as aparições<br />

e alucinações. Não existe qualquer<br />

tipo <strong>de</strong> lamento face a esta tragédia<br />

do olhar h<strong>um</strong>ano porque é:<br />

“inevitável que existem problemas<br />

sem solução” (ibi<strong>de</strong>m).<br />

Esta história introduz o visitante<br />

da exposição no contexto a<strong>de</strong>quado<br />

para po<strong>de</strong>r integrar os diferentes<br />

fragmentos que constituem as muitas<br />

obras, as quais são acontecimentos<br />

insólitos: animais voadores, frutos<br />

pairantes e batatas com po<strong>de</strong>res <strong>de</strong><br />

levitação.<br />

Se por <strong>um</strong> lado, as imagens produzidas<br />

pelo olhar h<strong>um</strong>ano são lugar <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cepção por não se po<strong>de</strong>r copular<br />

com a realida<strong>de</strong>, por outro são fonte<br />

<strong>de</strong> prazer: <strong>de</strong>scobrem-se as capacida<strong>de</strong>s<br />

criativas e projectivas inerentes<br />

à inteligência e isso é o garante do<br />

prazer da arte.<br />

Estar sujeito a enganos e a erros<br />

perceptivos é o motivo estético do<br />

trabalho <strong>de</strong> Gusmão e Paiva e é daqui<br />

que surge o insólito fixado nas fotografias<br />

em que os gatos voam, as galinhas<br />

ficam bêbedas, os objectos,<br />

permanecendo iguais, multiplicamse<br />

e certas comidas têm o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

fazer os guerreiros vencer dragões<br />

cuspidores <strong>de</strong> fogo.<br />

Como conclusão escrevem os artistas:<br />

“há quem chame ao que não<br />

se vê indiscernível e nessa sequência<br />

em que o <strong>homem</strong> se alimenta do<br />

mundo, representando e i<strong>de</strong>alizando<br />

o que o ro<strong>de</strong>ia, também ele é <strong>de</strong>vorado<br />

pelos monstros marinhos e por<br />

todos os <strong>de</strong>sconhecidos que espreitam<br />

à esquina.”<br />

Reconstrução do paganismo<br />

Se o fantástico e inesperado é <strong>um</strong> dos<br />

fios da trama do conjunto <strong>de</strong>stes trabalhos,<br />

outro é a reconstrução do paganismo,<br />

isto é, Gusmão e Paiva, her<strong>de</strong>iros<br />

do Caeiro <strong>de</strong> Pessoa, são os<br />

<strong>de</strong>scobridores da natureza e reconhecem<br />

no natural, isto é, em todo o fenómeno<br />

que se manifesta, <strong>um</strong>a divinda<strong>de</strong>.<br />

Os artistas constroem <strong>um</strong>a ambição<br />

sensível que anula a lógica<br />

discursiva e conceptual e dá lugar ao<br />

anseio pelo contacto directo com todas<br />

as coisas: “toda a coisa que vemos,<br />

<strong>de</strong>vemos vê-la sempre pela primeira<br />

vez, porque realmente é a primeira<br />

vez que a vemos” escreve Caeiro no<br />

“Guardador <strong>de</strong> Rebanhos”.<br />

Recuperar o olhar primitivo é apresentado<br />

pelo mestre <strong>de</strong> Álvaro <strong>de</strong><br />

Campos como <strong>um</strong> pasmo. Ele que não<br />

tem filosofia, mas “sentidos… / se falo<br />

na Natureza não é porque saiba o<br />

que ela é, / mas porque a amo, e amoa<br />

por isso” , e é <strong>um</strong> poeta cujo o olhar<br />

é “nítido como <strong>um</strong> girassol […] e o<br />

que vejo a cada momento / é aquilo<br />

que nunca antes eu tinha visto, / e eu<br />

sei dar por isso muito bem… / sei ter<br />

o pasmo essencial.” (ibi<strong>de</strong>m)<br />

Se, como escreve o Guardador <strong>de</strong><br />

Rebanhos, “a nossa única riqueza é<br />

ver” e os pensamentos “todos sensações<br />

[…] pensar <strong>um</strong>a flor é vê-la e<br />

cheirá-la / e comer <strong>um</strong> fruto é saberlhe<br />

o sentido”, então está-se no reino<br />

em que as coisas recuperam <strong>um</strong>a voz<br />

própria e falam na primeira pessoa.<br />

E este discurso, já não conformado à<br />

matriz h<strong>um</strong>ana, revela-se fonte <strong>de</strong><br />

espanto. Ver as coisas sem filosofia,<br />

sem projecção ou representação, é<br />

ficar pasmado porque se submete ao<br />

As ligações<br />

estabelecidas entre<br />

filme, esculturas<br />

e o reino animal<br />

são <strong>de</strong> tal modo novas<br />

e férteis que criam<br />

<strong>um</strong> horizonte<br />

extraterrestre<br />

permanente risco <strong>de</strong> tomar o rabo <strong>de</strong><br />

peixe pela musa mais bela e inspiradora.<br />

E o trabalho <strong>de</strong> Gusmão e Paiva<br />

são <strong>um</strong> caso exemplar <strong>de</strong>ste risco.<br />

“Sempre se julgou encontrar no reino<br />

animal, entre os bichos fabulados<br />

e os verda<strong>de</strong>iros, <strong>um</strong>a ingenuida<strong>de</strong><br />

[...]. Esse mistério — o do <strong>homem</strong> e do<br />

mundo — surge assim [...] n<strong>um</strong>a Zoologia<br />

Extraterrestre que estuda [...] o<br />

que liga a morte ao mundo e o que<br />

liga o mundo à vida, à vida sem consi<strong>de</strong>rações,<br />

só soluço, lampejo.” Esta<br />

frase dos artistas enquadra as acções<br />

animais nos seus trabalhos enquanto<br />

preocupação zoológica, a qual não<br />

ensaia <strong>um</strong>a classificação das espécies<br />

animais, mas <strong>um</strong>a fixação <strong>de</strong>scritiva<br />

das formas improváveis como os animais<br />

(reais, possíveis e imaginários)<br />

se comportam. Veja-se o filme “O sonho<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a raia” ou as fotografias<br />

“Gato a Cair” e “Galinha Bêbeda”,<br />

Os animais <strong>de</strong> Gusmão e Paiva são<br />

extraterrestres porque a sua origem<br />

resi<strong>de</strong> no anseio <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r os<br />

ritmos formativos das formas visíveis.<br />

A sua estratégia não é a ridicularização<br />

das criações fantásticas (como as coisas<br />

que terminam em rabo <strong>de</strong> peixe),<br />

mas fazer a sua genealogia. E nesse<br />

esforço <strong>de</strong>scobre-se o reino fabulado<br />

com a região privilegiado do pasmo<br />

essencial <strong>de</strong> Caeiro. Uma zoologia não<br />

dirigida exclusivamente ao reino animal,<br />

mas a todas as formas reconhecíveis:<br />

a <strong>de</strong>scrição que materializam<br />

esten<strong>de</strong>-se dos animais aos sólidos<br />

geométricos e aos movimentos celestes<br />

e planetários (veja-se os mo<strong>de</strong>los<br />

astronómicos das câmaras obscuras<br />

“Acerca do Movimento Astronómico”<br />

e a fotografia “Sistema Planetário”).<br />

Nestes trabalhos nem tudo são fábulas<br />

e metáforas barrocas. Essa exuberância<br />

formal e conceptual é acompanhada<br />

por <strong>um</strong> esforço <strong>de</strong> rigor<br />

traduzido em filmes <strong>de</strong> acções escultóricas<br />

ou, se se preferir, <strong>de</strong> esculturas<br />

em movimento.<br />

O trabalho <strong>de</strong>stes artistas não é contemplativo.<br />

O espectador é colocado<br />

na situação <strong>de</strong> explorador extravagante:<br />

tem <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir movimentos,<br />

subtilezas, segredos. Os enigmas propostos<br />

não são feitos pelo simples<br />

prazer do difícil, mas são <strong>de</strong>safios colocados<br />

à sensibilida<strong>de</strong> e exigidos pela<br />

complexida<strong>de</strong> imaginativa das fábulas<br />

que criam.<br />

Tudo diz respeito a <strong>um</strong>a elaborada<br />

técnica <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> objectos e,<br />

<strong>de</strong>sta forma, todos os filmes e fotos<br />

po<strong>de</strong>m ser vistos como doc<strong>um</strong>entação<br />

<strong>de</strong> processos <strong>de</strong> criação escultórica.<br />

A relação não é literal ou didáctica<br />

(os objectos não estão ao lado dos<br />

filmes como se <strong>de</strong>les fossem ilustrações),<br />

mas existe.<br />

As ligações estabelecidas entre filme,<br />

esculturas e o reino animal são<br />

<strong>de</strong> tal modo novas e férteis que criam<br />

<strong>um</strong> horizonte extraterrestre, ou seja,<br />

são obras on<strong>de</strong> se assiste à extrapolação<br />

e exorbitância do curso habitual<br />

da órbita celeste.


James<br />

Blake<br />

Tem 22 anos<br />

e é dos “acontecimentos”<br />

<strong>de</strong> 2011. Pág. 28<br />

Charles<br />

Bradley Uma<br />

estreia aos 62 anos,<br />

<strong>um</strong> mon<strong>um</strong>ento <strong>de</strong><br />

<strong>soul</strong>. Pág. 28<br />

LIEVEN VAN ASSCHE/ AFP<br />

Mike Leigh<br />

Um instantâneo<br />

<strong>de</strong>sencantado sobre<br />

a solidão: “Um ano a<br />

mais”. Pág. 33<br />

<br />

<br />

<br />

PEDRO CUNHA<br />

Camané<br />

quatro noites<br />

no S. Luiz.<br />

Pág. 30<br />

Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 27


Discos<br />

James Blake:<br />

já <strong>um</strong> dos<br />

“acontecimentos”<br />

<strong>de</strong> 2011<br />

28 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

Pop<br />

A voz<br />

visionária <strong>de</strong><br />

James Blake<br />

Ritmo, alma e silêncio.<br />

Atitu<strong>de</strong> visionária,<br />

minimalismo elegante e<br />

<strong>um</strong>a voz que suspen<strong>de</strong> os<br />

sentidos. Eis o álb<strong>um</strong> <strong>de</strong><br />

estreia <strong>de</strong> James Blake.<br />

Vítor Belanciano<br />

James Blake<br />

James Blake<br />

Atlas, distri. Universal Unive<br />

mmmmm<br />

O inglês James<br />

Blake, 22 anos,<br />

marcou o ano<br />

transacto com<br />

três magníficos<br />

EPs (“The bells<br />

sketch”, “CMYK”<br />

e “Klavierwerke”)<br />

“Klavierwerke”). Para os mais<br />

atentos, não é nen nenh<strong>um</strong><br />

<strong>de</strong>sconhecido. O álb<strong>um</strong> á <strong>de</strong> estreia,<br />

que agora é lançado lançad em todo o<br />

mundo, surge env envolto com o<br />

carimbo <strong>de</strong> “acontecimento”, “aco<br />

com<br />

o que isso tem te <strong>de</strong> potenciador<br />

<strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong> curios e também<br />

<strong>de</strong> possíveis poss efeitos<br />

prejudiciais.<br />

prejud<br />

Ou Ou seja, não é <strong>um</strong><br />

álb<strong>um</strong> álbu para o qual se<br />

parta par com <strong>um</strong> olhar<br />

límpido. lím Como<br />

acontece aco quase<br />

sempre sem nestes casos,<br />

o olhar o <strong>de</strong> muitos já<br />

está es radicado em<br />

juízos ju pré-<strong>de</strong>finidos.<br />

Até A nesse sentido<br />

será s <strong>um</strong>a obra<br />

incontornável i<br />

<strong>de</strong><br />

2011. 2 A história <strong>de</strong><br />

James J Blake, como<br />

todas, t é nova e<br />

velha. v Nova,<br />

porque po aquilo que<br />

tem para propor é<br />

realmente sin singular. Velha,<br />

porque é recorrente reco na música<br />

popular surg surgirem projectos em<br />

<strong>de</strong>terminado <strong>de</strong>terminado momento do<br />

crescimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

linguagem (neste (n caso do<br />

dubstep) que qu a elevam a novos<br />

patamares, patamares, criando vasos<br />

comunicantes comunicant com <strong>um</strong><br />

público mais ma plural.<br />

Aconteceu Aconteceu ccom<br />

Arthur Russell<br />

com o movimento movi “disco”,<br />

apesar <strong>de</strong> só recentemente ter<br />

sido re<strong>de</strong>scoberto; re<strong>de</strong>sc com os<br />

Portishead nno<br />

período pós-<br />

hip-hop; ou<br />

com os The xx,<br />

mais recentemente, recente através <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> som minimalista, atmosférico,<br />

<strong>de</strong> emoções quase suprimidas.<br />

Acontece agora com James Blake,<br />

alguém que emerge na cena<br />

londrina do dubstep para criar <strong>um</strong>a<br />

sonorida<strong>de</strong> também ela minimalista,<br />

espaçosa, alojando alg<strong>um</strong>as<br />

dinâmicas do dubstep (os subgraves,<br />

os ecos, o <strong>de</strong>sign sonoro)<br />

para erguer a sua própria realida<strong>de</strong>,<br />

projectada em baladas <strong>soul</strong> cheias<br />

<strong>de</strong> distorção, lamentos em forma <strong>de</strong><br />

narrativas lacónicas e voz alterada<br />

digitalmente, algures entre Bon Iver,<br />

Antony e André 3000 dos OutKast.<br />

Há momentos <strong>de</strong> quase silêncio,<br />

mas também apontamentos<br />

electrónicos quase industriais. Há<br />

batimentos cardíacos digitais<br />

(“Unluck”, “Wilhelms scream”),<br />

mudanças <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> quase<br />

gospel (“Measurements”), mas<br />

também canções vulneráveis em<br />

carne viva ao piano (“Limit to your<br />

love”, versão <strong>de</strong> <strong>um</strong>a canção da<br />

canadiana Feist, ou “Give me my<br />

month” e “Why don’t you call me”).<br />

Composto, produzido e gravado<br />

inteiramente por Blake, o álb<strong>um</strong><br />

apresenta-se tal e qual foi feito no<br />

seu quarto, porque recusou as<br />

sugestões das editoras que o<br />

pretendiam regravar com <strong>um</strong><br />

produtor. Fica-lhe bem a atitu<strong>de</strong>.<br />

Porque é <strong>um</strong> disco <strong>de</strong> canções<br />

secretas, <strong>de</strong> climas introspectivos,<br />

<strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> melódica, com <strong>um</strong>a<br />

economia narrativa e pormenores<br />

digitais <strong>de</strong> produção únicos, e que<br />

apetece partilhar com poucos,<br />

apesar <strong>de</strong>, felizmente, muitos se<br />

irem <strong>de</strong>ixar enredar nas suas<br />

malhas. Ainda bem.<br />

Mon<strong>um</strong>ento<br />

<strong>soul</strong><br />

A estreia <strong>de</strong> Charles Bradley,<br />

62 anos. Mário Lopes<br />

Charles Bradley<br />

No Time For Dreaming<br />

Dunham / Daptone Records<br />

mmmmm<br />

No fim, tudo se<br />

res<strong>um</strong>e a esta a voz. voz.<br />

Uma voz<br />

imponente, toda oda<br />

ela urgência,<br />

<strong>um</strong>a voz em<br />

que acreditamos, sem cinismo<br />

e sem reservas. Há algo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>masiado real, <strong>de</strong><br />

indiscutivelmente verda<strong>de</strong>iro<br />

na voz <strong>de</strong> Charles Bradley, 62<br />

anos e álb<strong>um</strong> <strong>de</strong> estreia acabado o<br />

<strong>de</strong> editar – e, sim, temos perfeita a<br />

consciência que “verda<strong>de</strong>” é <strong>um</strong> m<br />

conceito <strong>de</strong> aplicação perigosa na<br />

música popular. Ainda assim, é isso<br />

que sobressai neste mon<strong>um</strong>ento o<br />

<strong>soul</strong> que é “No Time For Dreaming”. ing”.<br />

Álb<strong>um</strong> sem tempo, tem o órgão ão<br />

aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

hammond fervilhando para se<br />

<strong>de</strong>stacar ou remetendo-se, h<strong>um</strong>il<strong>de</strong>,<br />

aos bastidores da canção, tem os<br />

metais acentuando frases ou<br />

oferecendo novos escapes<br />

melódicos, tem percussão para<br />

acentuar a elegância do ritmo e <strong>um</strong><br />

vibrafone que dá tom <strong>de</strong> fantasia<br />

nocturna a música que é suor <strong>de</strong><br />

vida, que é realida<strong>de</strong> “in your face”,<br />

sem espaço para escapismo.<br />

Charles Bradley não po<strong>de</strong>ria estar<br />

em melhor companhia. A Menahan<br />

Street Band, composta por membros<br />

da Budos Band, dos Dap-Kings, dos<br />

Antibalas ou dos Expressions,<br />

acompanhantes <strong>de</strong>sse digníssimo<br />

veterano chamado Lee Fields, é <strong>um</strong><br />

super grupo versado e rodado em<br />

toda a música negra. Não são meros<br />

conhecedores <strong>de</strong> todo o funk e toda<br />

a <strong>soul</strong>: são verda<strong>de</strong>iramente a <strong>soul</strong> e<br />

o funk. Quando se lhes <strong>de</strong>para <strong>um</strong>a<br />

voz como a <strong>de</strong> Charles Bradley, <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a rouquidão exigente, dramática<br />

na catarse e na ternura, é como se<br />

c<strong>um</strong>prissem o seu <strong>de</strong>stino.<br />

Quando ouvimos <strong>um</strong>a voz como a<br />

<strong>de</strong> Charles Bradley, falar <strong>de</strong><br />

revivalismo torna-se <strong>um</strong> absurdo.<br />

Sim, “No Time For Dreaming” é <strong>um</strong><br />

álb<strong>um</strong> <strong>de</strong> <strong>soul</strong> clássica, filiação Stax,<br />

James Brown, Marvin Gaye. Mas que<br />

isso não nos <strong>de</strong>svie do essencial:<br />

Bradley não surge aqui como<br />

veterano que nos recorda mitos <strong>de</strong><br />

ontem. Construiu-se nessa história<br />

para se apresentar perante nós,<br />

agora, com a sagacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

vida longa e com a ambição <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

novato <strong>de</strong>sejoso <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar a sua<br />

marca.<br />

“No Time For Dreaming” é <strong>um</strong><br />

álb<strong>um</strong> <strong>de</strong> acusações e <strong>de</strong> alertas, <strong>de</strong><br />

salvação e concórdia. É a vida <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

<strong>homem</strong> ou, perdoe-se a<br />

redundância, a alma <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>homem</strong><br />

tornada canção. Estupendas<br />

canções: o <strong>de</strong>sespero sem<br />

resignação do primeiro single, “The<br />

world (is going up in flames)”, a<br />

exuberância <strong>de</strong> “Gol<strong>de</strong>n rule” ou a<br />

autobiografia como motor criativo<br />

nas turbulentas “How How long” long e “Why Why<br />

is it it so<br />

hard”<br />

–<br />

Charles<br />

Bradley:<br />

a alma <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> <strong>homem</strong><br />

tornada<br />

canção<br />

nelas, a <strong>soul</strong> como vitória sobre os<br />

tormentos da vida.<br />

E, em todas elas, a elegância e<br />

sabedoria da Menahan Street Band:<br />

metais em <strong>de</strong>svio afro-beat em “The<br />

world (is going up in flames)”, a<br />

citação enviesada <strong>de</strong> “Season of the<br />

witch”, pelos Vanilla Fudge, em “I<br />

believe in your love”, as figuras <strong>de</strong><br />

guitarra apontando a <strong>um</strong>a<br />

inesgotável fonte <strong>soul</strong> chamada<br />

Steve Cropper (dos Booker T & MGs)<br />

e i, controlo perfeito das dinâmicas<br />

musicais, seguindo Bradley nos seus<br />

caminhos <strong>de</strong> angústias não<br />

resolvidas, <strong>de</strong> questionamento<br />

social, <strong>de</strong> conforto e pacificação<br />

encontrados nos braços <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

mulher.<br />

Charles Bradley, 62 anos, é o<br />

presente. Valeu a pena a espera.<br />

Blues<br />

Explosion<br />

é o número 1<br />

Reedição da discografia que<br />

interessa. Mário Lopes<br />

Jon Spencer Blues Explosion<br />

Year One<br />

mmmnn<br />

Extra Width<br />

mmmmn<br />

Orange<br />

mmmmm<br />

Now I Got Worry<br />

mmmmn<br />

Controversial<br />

Negro<br />

mmmnn<br />

ACME<br />

mmmnn<br />

Todos Shove;<br />

distri. Popstock<br />

SSer<br />

os Jon Spencer Blues<br />

EExplosion,<br />

maravilhosos<br />

bbastardos<br />

do rock’n’roll que<br />

rreescreveram<br />

a história toda


Ser os Jon<br />

Spencer Blues<br />

Explosion,<br />

maravilhosos<br />

bastardos do<br />

rock’n’roll que<br />

reescreveram<br />

a história<br />

toda sem que<br />

ninguém<br />

percebesse o<br />

que se estava<br />

a passar, não<br />

terá sido nada<br />

menos que<br />

glorioso<br />

sem que ninguém percebesse<br />

exactamente o que se estava a<br />

passar, não terá sido nada menos<br />

que glorioso. Na nossa memória,<br />

pelo menos, fixaram-se assim:<br />

“Bellbottoms”, toda ela o groove<br />

bombástico do imenso Russel Simins<br />

(o baterista), o uivo tresloucado <strong>de</strong><br />

Spencer, o vocalista que encarnou<br />

Jagger e Presley como em BD <strong>de</strong> Lux<br />

Interior, e os riffs <strong>de</strong> Judah Bauer<br />

montados em fluxo <strong>de</strong> consciência.<br />

O início com orquestração à Isaac<br />

Hayes, a libidinosa aceleração final e<br />

o rock’n’roll a c<strong>um</strong>prir-se como<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> futuro, como<br />

<strong>de</strong>scontrolo cuidadosamente<br />

encenado para nossa libertação.<br />

Os Jon Spencer Blues Explosion,<br />

confirmamo-lo agora, vinte anos<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se terem formado das<br />

cinzas dos Pussy Galore, foram<br />

precisamente isso, <strong>um</strong>a libertação.<br />

As reedições que nos <strong>de</strong>volvem tudo<br />

aquilo que interessa da sua carreira,<br />

ou seja ,da compilação “Year One”<br />

(os álbuns, EPs e <strong>de</strong>mais gravações<br />

do primeiro ano <strong>de</strong> vida) a “ACME”,<br />

editado em 1998, quando o grito <strong>de</strong><br />

todos os conce rtos, “The blues is<br />

n<strong>um</strong>ber 1!”, já tinha ensur<strong>de</strong>cido q.b.<br />

o mainstream, mostram-nos que<br />

sim. Confirma-se. É isso mesmo Jon,<br />

“the blues is n<strong>um</strong>ber 1” - e agora, em<br />

reedições “<strong>de</strong>luxe”: “Extra Width”<br />

em conjunto com “Mo Width”,<br />

“Orange” com “Experimental<br />

Remixes”, “Now I Got Worry” com<br />

16 faixas bónus, “ACME” com “XTRA<br />

ACME”, e o ao vivo “Controversial<br />

Negro” a<strong>um</strong>entado com as canções<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> outro concerto, registado em<br />

1994.<br />

Aquilo que começou como colisão<br />

furiosa e aparentemente<br />

<strong>de</strong>sgovernada <strong>de</strong> ruído punk e<br />

bravado rockabilly (com versão <strong>de</strong><br />

Jerry Lee Lewis, “Lovin’ up a storm”,<br />

em “Year One”) tornou-se<br />

rapidamente <strong>um</strong>a máquina criativa<br />

impressionante. Em “Extra width”<br />

(1993), com “Afro”, com “Soul<br />

typecast”, os Blues Explosion<br />

abrem-se à <strong>soul</strong> e aos teclados<br />

Booker T sem per<strong>de</strong>r as qualida<strong>de</strong>s<br />

corrosivas e experimentam o<br />

estúdio <strong>de</strong> forma consistente,<br />

criando algo como “Insi<strong>de</strong> the world<br />

of the Blues Explosion” - bateria e<br />

Hammond trabalhados como<br />

produção hip hop. Em “Orange”<br />

(1994), floresce tudo o que<br />

semearam anteriormente. O estúdio<br />

torna-se, mais que nunca, <strong>um</strong><br />

instr<strong>um</strong>ento fundamental, e as<br />

canções transformam-se em<br />

laboratório <strong>de</strong> experiências: “play<br />

the blues, punk!”, outro berro<br />

emblemático, mostra que se<br />

mantém a pose confrontante, mas,<br />

nesta altura, os Blues Explosion<br />

surgem como algo novo – <strong>um</strong>a banda<br />

experimental que <strong>de</strong>sconstruía o<br />

blues em estilhaços, que<br />

transformava o legado dos Meters<br />

em funk para sintetizador e cowbell<br />

(“my father was sister Ray”, avisa<br />

Spencer), que <strong>de</strong>monstrava prazer<br />

genuíno em chafurdar na sujida<strong>de</strong> e<br />

no ruído – tinham o rock’n’roll como<br />

base <strong>de</strong> tudo e as ancas como alvo<br />

privilegiado.<br />

Com “Orange”, os Blues Explosion<br />

ven<strong>de</strong>ram às centenas <strong>de</strong> milhar e<br />

encheram concerto atrás <strong>de</strong><br />

concerto das suas intermináveis<br />

digressões. “Now I Got Worry”<br />

(1996) foi a resposta ao novo<br />

estatuto. Abre com <strong>um</strong> berreiro<br />

tétrico, acelera <strong>de</strong>mencial no<br />

“hardcore” <strong>de</strong> “I<strong>de</strong>ntify” e, em<br />

“Fuck shit up”, versão dos Dub<br />

Narcotic Soundsystem, leva a <strong>um</strong><br />

extremo vanguardista, psicótico, a<br />

inspiração nas produções hip hop<br />

aflorada em “Orange”. “Now I Got<br />

Worry”, versão negra do seu<br />

exuberante antecessor, é o segundo<br />

melhor álb<strong>um</strong> da Blues Explosion.<br />

Depois <strong>de</strong>le, “ACME” (1998).<br />

Produzido em gran<strong>de</strong> parte por<br />

Dan The Automator, é <strong>um</strong> festim <strong>de</strong><br />

Farfisas e produções luxuriantes. São<br />

os Blues Explosion concentrados<br />

como nunca antes na textura do som,<br />

na <strong>de</strong>manda do groove <strong>soul</strong>, mas<br />

falta-lhe o sentido <strong>de</strong> urgência dos<br />

álbuns anteriores. Falta-lhe, por<br />

exemplo, a chama que il<strong>um</strong>ina<br />

“Controversial Negro”, bootleg ao<br />

vivo <strong>de</strong> <strong>um</strong> concerto no Tucson, em<br />

1996, que preserva para a posterida<strong>de</strong><br />

o portento que era em concerto da<br />

banda agora regressada aos palcos.<br />

Spencer, exibicionista como se<br />

<strong>de</strong>seja, provocador como se impõe,<br />

exaltava a multidão com o seu teatro<br />

<strong>de</strong> uivos e vibrato em tom grave, com<br />

o grito que se faz ouvir, novamente e<br />

por fim: “The blues is n<strong>um</strong>ber 1”.<br />

Depois <strong>de</strong>stes discos, ainda<br />

vieram os canónicos “Plastic Fang”<br />

(2002) e “Damage” (2004), mas<br />

nestes anos 1990 em que os ouvimos<br />

novamente, é tudo verda<strong>de</strong><br />

“N<strong>um</strong>ber 1”.<br />

Jazz<br />

Valsas<br />

e hard bop<br />

Dois registos obrigatórios<br />

que nos relembram a<br />

importância da tradição<br />

histórica nos r<strong>um</strong>os actuais<br />

do jazz. Rodrigo Amado<br />

Bill Evans<br />

Waltz for Debby<br />

Riversi<strong>de</strong>, dist.<br />

Universal<br />

mmmmm<br />

Pepper Adams<br />

Plays Charles<br />

Mingus<br />

Fresh Sound, dist.<br />

Mbari<br />

mmmmn<br />

A cada ano que passa, a influência<br />

avassaladora <strong>de</strong> Bill Evans cresce e<br />

atinge não só pianistas <strong>de</strong> jazz <strong>de</strong><br />

todos os quadrantes (Hancock,<br />

Jarrett, Mehldau, Moran) como<br />

pianistas das mais diversas áreas<br />

musicais, da clássica ao rhythm &<br />

blues. É hoje difícil encontrar <strong>um</strong><br />

practicante do instr<strong>um</strong>ento que<br />

não o referencie. “Waltz for Debby”,<br />

<strong>um</strong>a das suas gravações mais<br />

importantes, complementa <strong>um</strong><br />

outro registo <strong>de</strong> referência, “Sunday<br />

at the Village Vanguard”, gravado na<br />

mesma sessão, e fornece-nos pistas<br />

valiosas, sob a forma <strong>de</strong> música,<br />

para compreen<strong>de</strong>r a atracção<br />

mágica e magnética da sua obra.<br />

Gravado ao vivo no famoso<br />

clube <strong>de</strong> Nova Iorque com o trio<br />

lendário formado por Evans, o<br />

contrabaixista Scott LaFaro (que<br />

acabaria por falecer poucos dias<br />

após a sessão) e o baterista Paul<br />

Motian, “Waltz for Debby” inclui<br />

interpretações intemporais <strong>de</strong> “My<br />

foolish heart”, “Waltz for Debby”,<br />

“My Romance” e “Milestones”.<br />

Evans foi <strong>um</strong> dos primeiros a<br />

<strong>de</strong>mocratizar o papel do contrabaixo<br />

e da bateria no seio do trio, dandolhes<br />

total liberda<strong>de</strong> para <strong>um</strong>a maior<br />

interactivida<strong>de</strong> musical, conferindo<br />

à sua música <strong>um</strong>a<br />

contemporaneida<strong>de</strong> que não se<br />

esgota, continuando, pelo contrário,<br />

a crescer.<br />

Pepper Adams é, juntamente com<br />

Gerry Mulligan, o mais influente<br />

saxofonista barítono da sua geração,<br />

encontrando-se no topo da galeria<br />

jazz ao lado <strong>de</strong> Harry Carney ou<br />

Serge Chaloff. Bastante menos<br />

reconhecido do que Mulligan,<br />

Adams espalhou o seu talento por<br />

gravações <strong>de</strong> gente tão ilustre como<br />

Aretha Franklin, Charles Mingus,<br />

Carmen McRae, Thelonious Monk,<br />

Joe Williams ou Dizzy Gillespie. Com<br />

<strong>um</strong>a reputação construída em<br />

Detroit, Adams possuia <strong>um</strong> estilo<br />

explosivo que acabaria por lhe valer<br />

a alcunha <strong>de</strong> “the knife”, sendo<br />

impossível ficar indiferente à forma<br />

incisiva e “quente” como<br />

improvisava. Da sua extensa<br />

discografia, <strong>de</strong>stacam-se “Mingus Ah<br />

Um”, gravado com Mingus, “At Town<br />

Hall”, com Monk, e em nome<br />

próprio, “10 to 4 at the 5-Spot”, <strong>um</strong><br />

clássico <strong>de</strong> 58 em que participa o<br />

gran<strong>de</strong> Elvin Jones, e este “Plays<br />

Charles Mingus”, gravação realizada<br />

em quinteto e octeto que inclui Thad<br />

Jones, Zoot Sims, Hank Jones e Paul<br />

Chambers, entre outros. Com o<br />

material escolhido em conjunto com<br />

o próprio Mingus, é <strong>um</strong> álb<strong>um</strong> <strong>de</strong><br />

jazz intenso, hard-bop <strong>de</strong> alta<br />

rotativida<strong>de</strong>, contaminado pelo<br />

blues e pelo conturbado período<br />

político que se vivia na altura.<br />

A cada ano<br />

que passa,<br />

a infl uência<br />

avassaladora<br />

<strong>de</strong> Bill Evans<br />

cresce<br />

Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 29


Concertos<br />

Além das canções do disco,<br />

Camané vai incluir <strong>um</strong><br />

tema diferente por concerto,<br />

retirado do repertório<br />

<strong>de</strong> David Mourão-Ferreira<br />

30 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

Pop<br />

Camané para<br />

mais dias<br />

“Do Amor e dos Dias” em<br />

quatro noites no São Luiz.<br />

Nuno Pacheco<br />

Camané<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz - Sala Principal.<br />

R. Antº Maria Cardoso, 38-58. De 5ª, 3, a Dom., 6,<br />

às 21h. Tel.: 213257650. 10€ a 20€.<br />

Quando estreou “Do Amor e dos<br />

Dias” no CCB, a 7 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong><br />

2010, Camané não sabia ainda o que<br />

o esperava: <strong>um</strong> espectáculo perto da<br />

perfeição e a <strong>de</strong>claração do disco,<br />

por voto praticamente unânime da<br />

crítica, como o melhor da produção<br />

portuguesa do ano passado. Agora, é<br />

já com essa responsabilida<strong>de</strong> sobre<br />

os ombros que ele se lança à estrada<br />

para levar esse trabalho a outros<br />

palcos, a começar já pelo do São<br />

Luiz, nas noites <strong>de</strong> 3, 4, 5 e 6 <strong>de</strong><br />

Fevereiro. “Já houve <strong>um</strong>a certa<br />

rodagem do disco, com concertos em<br />

Novembro, já estou mais livre para<br />

<strong>de</strong>scobrir outras coisas e os músicos<br />

também já estão mais à vonta<strong>de</strong>”, diz<br />

Camané. “A passagem para<br />

espectáculo foi complicada porque<br />

este é <strong>um</strong> disco com muita<br />

informação, mais difícil <strong>de</strong> tocar e <strong>de</strong><br />

cantar também. Mas o facto <strong>de</strong><br />

estarmos mais à vonta<strong>de</strong> agora<br />

também não nos <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>scansar<br />

muito, porque gosto da possibilida<strong>de</strong><br />

e a esperança <strong>de</strong> fazer melhor.”<br />

NUNO FERREIRA SANTOS<br />

No São Luiz, além dos temas do<br />

disco, haverá cada noite <strong>um</strong> tema<br />

diferente, retirado do repertório <strong>de</strong><br />

canções <strong>de</strong> amor <strong>de</strong> David Mourão-<br />

Ferreira, como “Noite apressada”,<br />

“Abandono” ou “Praia <strong>de</strong> Outono”.<br />

Porque, diz o fadista, “têm a ver com<br />

a temática do disco”, on<strong>de</strong> a<br />

presença do poeta é já forte. Haverá<br />

também <strong>um</strong> outro tema, que ele não<br />

quer revelar ainda, que cantará nas<br />

quatro noites. Um tema <strong>de</strong> que ele<br />

gosta muito há vários anos e que será<br />

<strong>um</strong>a surpresa para os que o forem<br />

ouvir. Os que já conhecem o disco<br />

têm-no felicitado. “Muitas pessoas<br />

me vêm falar da i<strong>de</strong>ntificação que<br />

têm com os fados, até pessoas muito<br />

mais novas, crianças que falam no<br />

fado do periquito…”<br />

Para Camané, este disco é muito<br />

importante. “Deu-me a oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> crescer como intérprete. O facto<br />

<strong>de</strong> ter <strong>um</strong> registo emocional mais<br />

irónico, mais extrovertido, fez com<br />

que eu saísse mais <strong>de</strong> mim e<br />

conseguisse até surpreen<strong>de</strong>r-me. É<br />

<strong>um</strong> disco que me ensinou a fazer<br />

diferente.” Na véspera da primeira<br />

noite no São Luiz, dia 2 pelas 21h,<br />

será inaugurada no Museu do Fado<br />

<strong>um</strong>a exposição sobre Camané, on<strong>de</strong><br />

“será possível ouvir as primeiras<br />

gravações, conhecer a génese do<br />

culto fadista na sua tradição familiar”<br />

e, anuncia-se, “conhecer a fundo o<br />

repertório imaculado da sua<br />

discografia”.<br />

Clássica<br />

Espiritualida<strong>de</strong><br />

russa<br />

O Coro da Rádio da Letónia<br />

traz as “Vésperas” <strong>de</strong><br />

Rachmaninov, obra lapidar<br />

do repertório ortodoxo.<br />

Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />

Coro da Rádio da Letónia<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Sigvards Klava.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Pequeno<br />

Auditório. Pç. Império. 5ª, 3, às 21h. Tel.: 213612400.<br />

12,5€ a 15€.<br />

Obras <strong>de</strong> Rachmaninov.<br />

Fundado em 1940, o Coro da Rádio<br />

da Letónia é actualmente <strong>um</strong> dos<br />

agrupamentos corais mais<br />

importantes da Europa. Ao longo das<br />

últimas duas décadas, ganhou vários<br />

prémios e participou nos mais<br />

prestigiados festivais. Desempenha<br />

também <strong>um</strong> papel crucial na<br />

promoção dos compositores da<br />

Letónia através da encomenda anual<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a média <strong>de</strong> <strong>de</strong>z novas obras. Os<br />

elementos do coro exploram também<br />

novas técnicas <strong>de</strong> canto, constituindo<br />

<strong>um</strong> verda<strong>de</strong>iro laboratório <strong>de</strong> apoio à<br />

criação contemporânea. As suas<br />

gravações (em etiquetas como a BIS,<br />

Um mon<strong>um</strong>ento da liturgia ortodoxa no CCB<br />

GB Records, Ondine e Naïve) incluem<br />

peças <strong>de</strong> compositores letões como<br />

Kristaps Petersons e Martins Vil<strong>um</strong>s<br />

(primeiro prémio da UNESCO<br />

International Rostr<strong>um</strong> of Composers)<br />

e gran<strong>de</strong>s obras da história da música<br />

coral como a “Liturgia <strong>de</strong> São João<br />

Crisóstomo”, <strong>de</strong> Rachmaninov.<br />

Será precisamente com outro<br />

gran<strong>de</strong> mon<strong>um</strong>ento musical da<br />

liturgia ortodoxa da autoria <strong>de</strong><br />

Rachmaninov que o Coro da Rádio da<br />

Letónia regressa ao Centro Cultural<br />

<strong>de</strong> Belém. No próximo dia 3, sob a<br />

direcção <strong>de</strong> Sigvards Klava, interpreta<br />

as Vésperas op. 37, do compositor<br />

russo, <strong>um</strong>a obra-prima <strong>de</strong> intensa<br />

espiritualida<strong>de</strong> e magnificência<br />

sonora composta em 1915. Trata-se <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> ciclo <strong>de</strong> 15 cânticos para<br />

contralto, tenor e coro “a cappella”,<br />

que cobrem <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> rubricas do<br />

Ofício Divino segundo o uso<br />

monástico (com <strong>um</strong> paralelo nas<br />

Vésperas, nas Matinas e na Hora<br />

Prima da Igreja Católica Romana), e<br />

que era <strong>de</strong>signado originalmente por<br />

“Vigília”. Apoiando-se em antigas<br />

melodias <strong>de</strong> várias tradições da Igreja<br />

Ortodoxa (canto “znamenny”, o<br />

equivalente russo do gregoriano) e na<br />

harmonia modal, Rachmaninov<br />

utiliza o princípio da “orquestração<br />

coral”, recorrendo à junção e à<br />

oposição <strong>de</strong> timbres e a <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong><br />

varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> escrita. No<br />

dia 5, sábado, o Coro da Rádio da<br />

Letónia será também o protagonista<br />

da abertura do ciclo Sofia<br />

Gubaidulina.<br />

Diálogo <strong>de</strong> culturas<br />

Al-Kindi Ensemble<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Julien Jâlal<br />

Eddine Weiss.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação Calouste Gulbenkian - Gran<strong>de</strong><br />

Auditório. Av. Berna, 45A. 2ª, 31, às 21h. Tel.:<br />

217823700. 15€ a 20€.<br />

Músicas do Mundo.<br />

O ensemble Al-Kindi, <strong>um</strong> dos<br />

melhores agrupamentos mundiais no<br />

domínio da música clássica árabe, é<br />

<strong>um</strong> dos próximos convidados do<br />

ciclo <strong>de</strong>dicado às Músicas do Mundo<br />

na Gulbenkian. Na próxima segundafeira,<br />

traz ao Gran<strong>de</strong> Auditório <strong>um</strong><br />

programa ambicioso, que gira em<br />

torno da adoração da Virgem Maria<br />

por muçulmanos e cristãos. Aos<br />

habituais cinco instr<strong>um</strong>entistas do<br />

Al-Kindi, li<strong>de</strong>rados por Julien Jâlal<br />

Eddine Weiss, junta-se <strong>um</strong> conjunto<br />

<strong>de</strong> 20 figuras, incluindo <strong>um</strong> coro<br />

bizantino, <strong>de</strong>rviches sírios com as<br />

suas rodopiantes danças rituais e o<br />

cantor soufi Sheikh Habboush.<br />

Criado em 1983 por Julien Jâlal<br />

Eddine Weiss, o Al-Kindi <strong>de</strong>dica-se às<br />

tradições musicais eruditas do<br />

Próximo e do Médio Oriente. Gran<strong>de</strong><br />

virtuoso do kanun (cítara árabe),<br />

Ao Ensemble Al-Kindi vai juntar-se, na Gulbenkian,<br />

<strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> 20 fi guras, incluindo <strong>um</strong> cantor soufi ,<br />

<strong>de</strong>rviches sírios e <strong>um</strong> coro bizantino


Julien Weiss nasceu e cresceu em<br />

Paris, tendo começado por estudar<br />

guitarra clássica, mas cedo começou a<br />

pôr em causa os valores da cultura<br />

oci<strong>de</strong>ntal. Em 1976, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter<br />

realizado viagens à Califórnia, a<br />

Marrocos e às Antilhas, a audição <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> disco do iraquiano Mounir Bachir<br />

(gran<strong>de</strong> mestre do oud, alaú<strong>de</strong><br />

oriental) impressionou-o <strong>de</strong> tal modo<br />

que trocou a guitarra clássica e as<br />

harmonias do jazz pelo estudo da<br />

música micro-tonal oriental, do<br />

alaú<strong>de</strong> árabe e das múltiplas<br />

possibilida<strong>de</strong>s do kanun. Em<br />

conjunto com as suas pesquisas sobre<br />

música árabe, Weiss <strong>de</strong>dicou-se ao<br />

estudo das teorias musicais gregas,<br />

persas, turcas, bizantinas e oci<strong>de</strong>ntais<br />

e fez experiências comparativas com<br />

diferentes práticas musicais. Neste<br />

percurso foi <strong>de</strong>cisiva a criação do<br />

ensemble Al-Kindi, cujo nome faz<br />

referência ao filósofo, matemático e<br />

astrónomo iraquiano do século IX<br />

Abu Yusuf Al-Kindi, pai da teoria<br />

musical árabo-muçulmana. C.F.<br />

Jazz<br />

Fátima<br />

Miranda<br />

na Guarda<br />

Recorte clássico<br />

Luther “Guitar<br />

Junior” abre o<br />

ciclo Hootenanny<br />

Afonso Pais Trio<br />

Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque. Dom., 30, às 22h. Tel.: 220120220. 10€.<br />

Ciclo Jazz Galp.<br />

O guitarrista Afonso Pais é <strong>um</strong> dos<br />

músicos <strong>de</strong> jazz nacionais com maior<br />

consistência. Mantendo-se afastado<br />

<strong>de</strong> modas ou tendências do<br />

momento, tem <strong>de</strong>senvolvido <strong>um</strong><br />

percurso sólido, apoiado pela edição<br />

<strong>de</strong> registos que doc<strong>um</strong>entam bem a<br />

sua evolução musical. No seu último<br />

disco, “Fluxorama”, gravado em trio<br />

com <strong>um</strong>a formação idêntica à que se<br />

apresenta agora na Casa da Música -<br />

Pais na guitarra eléctrica, Albert Sanz<br />

no órgão Hammond e R.J. Miller<br />

(aqui substituido por Luis Can<strong>de</strong>ias)<br />

na bateria –, o guitarrista revisita <strong>de</strong><br />

novo duas das suas gran<strong>de</strong>s paixões<br />

musicais, os cancioneiros norteamericano<br />

e brasileiro. Optando<br />

invariavelmente por <strong>um</strong>a abordagem<br />

sóbria, <strong>de</strong> recorte clássico, a<br />

linguagem <strong>de</strong> Afonso Pais evoca não<br />

só os gran<strong>de</strong>s mestres do jazz como<br />

Jim Hall ou Wes Montgomery, mas<br />

também os gran<strong>de</strong>s estetas da<br />

guitarra brasileira, ou mmesmo<br />

da<br />

guitarra clássica. Apostando Aposta aqui no<br />

celebrado formato <strong>de</strong> gu guitarra-órgão-<br />

bateria, o trio po<strong>de</strong>rá int interpretar<br />

originais originais do guitarrista e alg<strong>um</strong>as<br />

(gran<strong>de</strong>s) canções como<br />

“Con alma”<br />

(Dizzy (Dizzy GGillespie),<br />

Afonso Pais “Medo d<strong>de</strong><br />

amar”<br />

explora duas (Vinicius (Viniciu <strong>de</strong><br />

das suas Moraes), Moraes) “You’d be<br />

paixões (os so nice to t come<br />

cancioneiros home to” to (Cole<br />

brasileiro e Porter) ou o “Soul<br />

americano) eyes” (Mal (M<br />

na Casa da Waldron). Waldr<br />

Música Rodrigo Rodr Amado<br />

Agenda<br />

Sexta 28<br />

Deolinda<br />

<strong>Lisboa</strong>. Coliseu. R. Portas St. Antão, 96, às 21h30.<br />

Tel.: 213240580. 15€ a 35€.<br />

Pedro Abrunhosa<br />

Famalicão. Casa das Artes - Gran<strong>de</strong> Auditório.<br />

Pq. <strong>de</strong> Sinçães, às 21h30. Tel.: 252371297. 15€.<br />

Nelson Cascais Quinteto<br />

<strong>Lisboa</strong>. Onda Jazz. Arco <strong>de</strong> Jesus, 7, às 22h30. Tel.:<br />

919184867. 8€.<br />

Sábado 29<br />

Luther “Guitar Junior” & The<br />

Magic Rockers<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest - Gran<strong>de</strong> Auditório. Rua Arco<br />

do Cego, às 21h30. Tel.: 217905155. 5€ a 18€.<br />

Ciclo Hootenanny.<br />

Yasmin Levy<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação Gulbenkian. Av. Berna, 45A, às<br />

21h. Tel.: 217823700. 15€ a 20€.<br />

The Young Gods<br />

Porto. Hard Club. Pç. Infante, 95, às 22h. 15€.<br />

Deolinda<br />

<strong>Lisboa</strong>. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão,<br />

96, às 21h30. Tel.: 213240580. 15€ a 35€.<br />

Rodrigo Leão<br />

Almada. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Almada. Av. Prof.<br />

Egas Moniz, às 21h30. Tel.: 212739360. 25€.<br />

Pedro Abrunhosa<br />

Famalicão. Casa das Artes - Gran<strong>de</strong> Auditório.<br />

Pq. <strong>de</strong> Sinçães, às 21h30. Tel.: 252371297. 15€.<br />

Fátima Miranda<br />

Guarda. Teatro <strong>Municipal</strong> - Pequeno Auditório.<br />

R. Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.: 271205241. 10€.<br />

Orquestra Sinfónica do Porto<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque, às 18h. Tel.: 220120220. 20€.<br />

2001: Odisseia no Espaço.<br />

Orquestra Sinfónica<br />

Portuguesa<br />

<strong>Lisboa</strong>. CCB - Gran<strong>de</strong> Auditório. Pç. Império, às<br />

21h. Tel.: 213612400. 5€ a 20€.<br />

Mês Janácek.<br />

Domingo 30<br />

OM + Gabriel Ferrandini<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Zé dos Bois. R. da Barroca, 59, às<br />

22h. Tel.: 213430205. 15€.<br />

The Young Gods<br />

<strong>Lisboa</strong>. Café Teatro Santiago Alquimista. R.<br />

Santiago, 19, às 22h30. Tel.: 218884503. 20€.<br />

Segunda 31<br />

Guy Davis<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest - Pequeno Auditório. R. Arco<br />

do Cego, às 21h30. Tel.: 217905155. 5€.<br />

Ciclo Hootenanny.<br />

Terça 1<br />

Phil Wiggins Duo<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest - Pequeno Auditório. R. Arco<br />

do Cego, às 21h30. Tel.: 217905155. 5€.<br />

Ciclo Hootenanny.<br />

The Young Gods<br />

Guarda. Teatro <strong>Municipal</strong> . - Gran<strong>de</strong> Auditório.<br />

R. Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.: 271205241. 15€.<br />

Quinta 3<br />

Os Young Gods<br />

em digressão<br />

Bernardo Sassetti<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest - Pequeno Auditório. Rua Arco<br />

do Cego, às 21h30. Tel.: 217905155. 5€.<br />

Ciclo Hootenanny.<br />

Mão Morta<br />

Porto. Rivoli Teatro <strong>Municipal</strong>. Pç. D. João I, às<br />

21h45. Tel.: 223392200. 12,5€.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 31


Teatro/Dança<br />

32 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

Confeonferênciasncias Actores ou personagens?<br />

A Mala Voadora expõe as convenções<br />

do teatro em “3D”<br />

Teatro<br />

e outras<br />

falsida<strong>de</strong>s<br />

A Mala Voadora está<br />

preparada para o que<br />

se segue: <strong>um</strong> teatro tão<br />

falso como o que trouxe a<br />

companhia até aqui.<br />

Tiago Bartolomeu Costa<br />

3D<br />

Pela Mala Voadora. Direcção <strong>de</strong><br />

Jorge Andra<strong>de</strong>. Com Anabela<br />

Almeida, Jorge Andra<strong>de</strong>.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Negócio. R. <strong>de</strong> O Século, 9, porta 5. Até<br />

30/01. 4ª a Dom. às 21h30. Tel.: 213430205. 5€ a<br />

7,5€.<br />

Po<strong>de</strong> <strong>um</strong>a companhia ambicionar,<br />

ao fim <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong><br />

trabalho consecutivo, mudar <strong>de</strong><br />

direcção, arr<strong>um</strong>ar i<strong>de</strong>ias e partir<br />

para <strong>um</strong> outro universo? Em “3D”,<br />

em cena até domingo no Negócio,<br />

em <strong>Lisboa</strong>, é a isso que se propõe a<br />

companhia Mala Voadora, dirigida<br />

pelo actor e encenador Jorge<br />

Andra<strong>de</strong> e pelo arquitecto e<br />

cenógrafo José Capela. Dizem que o<br />

se segue é <strong>um</strong> novo capítulo <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

livro aberto há muito tempo, e há<br />

muitas peças.<br />

Se os espectáculos <strong>de</strong>sta<br />

companhia nos foram sempre<br />

mostrando <strong>um</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> explorar o<br />

teatro como <strong>um</strong> exercício <strong>de</strong><br />

construção <strong>de</strong> verosimilhanças, on<strong>de</strong><br />

o que vemos não é se não o resultado<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> pacto <strong>de</strong> confiança<br />

estabelecido entre os autores e os<br />

espectadores, em “3D” esse frágil<br />

pacto é levado a <strong>um</strong> limite<br />

vertiginoso. O cenário, e o próprio<br />

início da peça, são <strong>um</strong>a colagem a <strong>um</strong><br />

espectáculo anterior, “Single”. As<br />

mesmas pare<strong>de</strong>s, representando <strong>um</strong>a<br />

casa que nos dizem ser verda<strong>de</strong>ira –<br />

A actriz, dramaturga<br />

e encenadora<br />

AAngélica<br />

Lid<strong>de</strong>ll<br />

ch chega a Coimbra<br />

na próxima sextafeira<br />

fe para dois<br />

dias di <strong>de</strong> leituras e<br />

conferências co<br />

no<br />

Teatro Te da Cerca<br />

<strong>de</strong> São Bernardo.<br />

Depois Dep <strong>de</strong>sta escala<br />

tão verda<strong>de</strong>ira quanto <strong>um</strong>a casa n<strong>um</strong><br />

palco po<strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong>ira, mesmo<br />

que pertença realmente ao<br />

encenador –, as mesmas personagens<br />

que falam, eventualmente para quem<br />

está à frente <strong>de</strong>las, mas, no fundo,<br />

com elas mesmas.<br />

O facto <strong>de</strong> estas personagens<br />

estarem no mesmo espaço, ao<br />

mesmo tempo, não é garantia <strong>de</strong><br />

que pertençam à mesma história (se<br />

houver só <strong>um</strong>a história). Em “3D”,<br />

vários textos cruzam-se com dois<br />

actores que usam os seus nomes<br />

verda<strong>de</strong>iros. E outros corpos, tão<br />

reais quanto as falsas personagens,<br />

continuam no seu mundo, a<br />

cozinhar, a passar a ferro, a pintar, a<br />

ter relações sexuais. No fundo, a<br />

realida<strong>de</strong> como ela é, revista e<br />

ampliada no palco <strong>de</strong> <strong>um</strong> teatro que<br />

se res<strong>um</strong>e a três pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

contraplacado con<strong>de</strong>nsando a<br />

realida<strong>de</strong> em hora e meia.<br />

Para os dois directores da<br />

companhia, esta é <strong>um</strong>a<br />

oportunida<strong>de</strong> para a observação, ao<br />

microscópio, dos mecanismos que<br />

tornam “real” a ficção que vemos à<br />

nossa frente. As palavras <strong>de</strong> Noel<br />

Coward (“Design for living”), T.S.<br />

Elliot (“Cocktail Party”) e António<br />

Pedro (“Desimaginação - Farsa do<br />

Quotidiano”) são, entre outras,<br />

mecanismos para forçar a realida<strong>de</strong><br />

a expor-se (enten<strong>de</strong>ndo-se aqui por<br />

realida<strong>de</strong> o modo como ela é <strong>um</strong><br />

produto da imaginação, da<br />

conveniência e da estratégia).<br />

No fundo, o que a Mala Voadora<br />

propõe com “3D” é arr<strong>um</strong>ar a sua<br />

principal linha <strong>de</strong> trabalho: o teatro<br />

existe porque se diz que existe. E<br />

porque a enunciação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a acção<br />

produz consequências que, ao fim<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> tempo, se organizam –<br />

mesmo que arbitrariamente –,<br />

sugerindo <strong>um</strong>a forma, <strong>um</strong>a norma,<br />

<strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> regras. O ponto<br />

on<strong>de</strong> esta companhia chegou, agora,<br />

é ao momento em que as velhas<br />

regras precisam ser substituidas por<br />

outras. Mesmo que falsas, como as<br />

do teatro.<br />

aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

nas Jornadas<br />

<strong>de</strong> Dramaturgia<br />

Espanhola<br />

Contemporânea<br />

da Escola da Noite,<br />

Lid<strong>de</strong>ll segue para a<br />

Culturgest, em <strong>Lisboa</strong>,<br />

on<strong>de</strong> apresentará o<br />

mon<strong>um</strong>ental “La Casa<br />

<strong>de</strong> la Fuerza” dias 11<br />

e 12.<br />

SUSANA PAIVAA<br />

Agenda<br />

Teatro<br />

Continuam<br />

Life and Times - Episo<strong>de</strong> 1<br />

De Pavol Liska, Kelly Copper. Pelo<br />

Nature Theater of Oklahoma. Com<br />

Ilan Bachrach, Gabel Eiben, Anne<br />

Gridley, entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos - Sala<br />

Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. Até 29/01.<br />

5ª a Sáb. às 20h30. Tel.: 218438801. 6€ a 12€.<br />

Mãe Coragem<br />

De Bertolt Brecht. Encenação <strong>de</strong><br />

João Garcia Miguel. Com Custodia<br />

Gallego, Paula Diogo, entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Pequeno<br />

Auditório. Pç. Império. Até 30/01. 2ª, 5ª, 6ª e Sáb.<br />

às 21h. Dom. às 16h. Tel.: 213612400. 10€ a 12,5€.<br />

Sombras<br />

De Ricardo Pais. Com José Manuel<br />

Barreto, Raquel Tavares, Emília<br />

Silvestre, Pedro Almendra, Pedro<br />

Frias, Mário Laginha, entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz. R. Antº Maria<br />

Cardoso, 38-58. De 28/01 a 30/01. 6ª e Sáb. às 21h.<br />

Dom. às 17h30. Tel.: 213257650. 10€ a 20€.<br />

Hughie + Antes do Pequeno<br />

Almoço<br />

De Eugene O’Neill. Pela Companhia<br />

<strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Almada. Encenação <strong>de</strong><br />

Joaquim Benite. Com Anabela<br />

Teixeira, entre outros.<br />

Amadora. Espaço<br />

Cultural Recreios da<br />

Amadora. Av. Santos<br />

Mattos, 2. Até 30/01. 5ª a<br />

Sáb. às 21h30. Dom. às<br />

16h. Tel.: 214927315. 6€ a<br />

10€.<br />

Salomé<br />

De Oscar Wil<strong>de</strong>.<br />

Pelo Centro<br />

Dramático<br />

Galego.<br />

Encenação <strong>de</strong><br />

Carlos Santiago.<br />

Com María Mera,<br />

Pepe Penaba<strong>de</strong>,<br />

Hugo Torres,<br />

entre outros.<br />

Braga. Theatro Circo - Sala Principal. Av.<br />

Liberda<strong>de</strong>, 697. De 28/01 a 29/01. 6ª e Sáb. às 21h30.<br />

Tel.: 253203800. 5€ a 8€.<br />

A Porta Fechou-se e a Casa era<br />

Pequena<br />

De Ricardo Neves-Neves. Pelo Teatro<br />

do Eléctrico. Encenação <strong>de</strong> Ricardo<br />

Neves-Neves. Com Ricardo Neves-<br />

Neves, Vitor Oliveira.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. De 01/02 a<br />

17/02. 3ª a 5ª às 21h45. Tel.: 217221770. 5€ a 7,5€.<br />

O Homem Elefante<br />

De Bernard Pomerance. Encenação<br />

<strong>de</strong> Sandra Faleiro. Com António<br />

Fonseca, Rita Lello, Cláudio da Silva,<br />

Vera Kalantrupmann, entre outros.<br />

Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. Até<br />

30/01. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />

223401905. 5€ a 15€.<br />

Fala da Criada dos Noailles...<br />

De Jorge Silva Melo. Pelos Artistas<br />

Unidos. Encenação <strong>de</strong> Jorge Silva<br />

Melo. Com Elsa Galvão, Vânia<br />

Rodrigues, entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Trinda<strong>de</strong>. Lg, Trinda<strong>de</strong>, 7 A. Até<br />

29/01. 4ª a Sáb. às 21h. Dom. às 16h. Tel.:<br />

213420000. 8€ a 14€.<br />

Demónios <strong>de</strong> Macbeth<br />

De William Shakespeare. Encenação<br />

<strong>de</strong> Sofia <strong>de</strong> Portugal. Com Elsa<br />

“Sombras”,<br />

<strong>de</strong> Ricardo<br />

Pais, a partir<br />

<strong>de</strong> hoje<br />

em <strong>Lisboa</strong><br />

Dançando com a<br />

Diferença em Aveiro<br />

Eugene<br />

O’Neill<br />

em dose<br />

dupla na<br />

Amadora<br />

O Teatro<br />

do Eléctrico<br />

na Comuna<br />

Valentim.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Trinda<strong>de</strong>. Lg. Trinda<strong>de</strong>, 7 A. Até<br />

27/02. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h. Tel.:<br />

213420000. 8€.<br />

Glória ou como<br />

Penélope Morreu <strong>de</strong> Tédio<br />

De Cláudia Chéu. Encenação <strong>de</strong><br />

Cláudia Chéu. Com Albano<br />

Jerónimo.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional D. Maria II - Sala<br />

Experimental. Pç. D. Pedro IV. Até 30/01. 4ª a Sáb.<br />

às 21h45. Dom. às 16h. Tel.: 213250835.<br />

A Higiene do Assassino<br />

De Amélie Nothomb. Pela Efémero.<br />

Encenação <strong>de</strong> Vítor Correia. Com<br />

André Roussel, Filipa Braga Cruz,<br />

Luís Moura, entre outros.<br />

Aveiro. Estaleiro Teatral. Parque Infante D. Pedro.<br />

Até 29/01. 4ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 234386524. 5€.<br />

E Não se Po<strong>de</strong> Matá-los?<br />

De Alicia Guerra. Encenação <strong>de</strong> João<br />

Mota. Com Carlos Paulo, Alvaro<br />

Correia, Mia Farr, entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. Até 27/03.<br />

4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 217221770. 5€<br />

a 10€.<br />

Teleganza<br />

De Jorge Louraço Figueira. Pelo<br />

Teatro Nova Europa. Encenação <strong>de</strong><br />

António Durães. Com João Miguel<br />

Mota, Tânia Dinis, Tiago Correia.<br />

Porto. Estúdio Zero. R. Heroísmo, 86. Até 30/01. 3ª<br />

a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 225373265. 5€.<br />

Noite <strong>de</strong> Reis<br />

De William<br />

Shakespeare.<br />

Pelo Teatrão.<br />

Encenação <strong>de</strong><br />

Marco Antonio<br />

Rodrigues. Com<br />

Inês Mourão,<br />

Isabel Craveiro,<br />

Rodrigo Santos,<br />

entre outros.<br />

Coimbra. Oficina<br />

<strong>Municipal</strong> do Teatro. R.<br />

Pedro Nunes. Até 29/01.<br />

5ª a Sáb. às 21h30. Tel.:<br />

239718238. 5€ a 10€.<br />

O Senhor Puntila e o Seu Criado<br />

Matti<br />

De Bertolt Brecht. Pelo Teatro<br />

Aberto. Encenação <strong>de</strong> João<br />

Lourenço. Com Miguel Guilherme,<br />

Sérgio Praia, entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Aberto - Sala Azul. Pç. Espanha. Até<br />

27/02. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />

213880089. 7,5€ a 15€.<br />

Dança<br />

Continuam<br />

Nortada<br />

De Olga Roriz. Pela Companhia Olga<br />

Roriz.<br />

Portalegre. Centro <strong>de</strong> Artes do Espectáculo. Pç.<br />

Republica, 39. Dia 29/01. Sáb. às 21h30. Tel.:<br />

245307498. 10€.<br />

A Praça<br />

De Né Barros.<br />

Matosinhos. Cine-Teatro Constantino Nery. Av.<br />

Serpa Pinto. Dia 29/01. Sáb. às 21h30. Tel.:<br />

229392320. 7,5€.<br />

Levanta os Braços Como<br />

Antenas Para o Céu + Beautiful<br />

People<br />

De Clara An<strong>de</strong>rmatt, Rui Horta. Pelo<br />

Grupo Dançando com a Diferença.<br />

Aveiro. Teatro Aveirense - Sala Principal. Pç.<br />

República. Dia 28/01. 6ª às 21h30. Tel.: 234400922.<br />

8€.<br />

MANUEL ROBERTO


Cinema<br />

MARTIN BUREAU/ AFP<br />

Estreiam<br />

As vidas<br />

dos outros<br />

Um instantâneo<br />

<strong>de</strong>sencantado sobre a<br />

solidão pelos olhos <strong>de</strong> quem<br />

não a sente. Jorge Mourinha<br />

Um Ano Mais<br />

Another Year<br />

De Mike Leigh,<br />

com Jim Broadbent, Lesley Manville,<br />

Ruth Sheen, Peter Wight, Oliver<br />

Maltman, David Bradley. M/12<br />

MMMMn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />

14h30, 17h, 19h30, 22h 6ª Sábado 2ª 14h30, 17h,<br />

19h30, 22h, 00h30; Me<strong>de</strong>ia Saldanha<br />

Resi<strong>de</strong>nce: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h; UCI Cinemas - El Corte<br />

Inglés: Sala 3: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h35,<br />

19h10, 21h50, 00h30 Domingo 11h30, 14h, 16h35,<br />

19h10, 21h50, 00h30; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 5: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h25, 19h05, 21h45 6ª<br />

Sábado 13h55, 16h25, 19h05, 21h45, 00h25; ZON<br />

Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h45, 21h20, 24h; ZON<br />

Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h10, 16h10, 19h10, 21h50, 00h20; ZON<br />

Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h45, 18h40, 21h25,<br />

00h05; ZON Lusomundo Almada Fór<strong>um</strong>: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h25, 16h05, 18h45,<br />

21h35, 00h15<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 13h45, 16h25, 19h15, 22h05, 00h55 3ª 4ª 16h25,<br />

19h15, 22h05, 00h55; ZON Lusomundo Dolce Vita<br />

Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,<br />

15h30, 18h10, 21h10, 23h50; ZON Lusomundo<br />

Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

12h50, 15h40, 18h10, 21h10, 23h40<br />

Há <strong>um</strong>a tradição <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />

interpretações nos filmes do inglês<br />

Mike Leigh. A David Thewlis (“Nu”),<br />

Brenda Blethyn (“Segredos e<br />

Mentiras”), Imelda Staunton (“Vera<br />

Drake”) e Sally Hawkins (“Um Dia <strong>de</strong><br />

Cada Vez”) vem-se agora juntar<br />

Lesley Manville, no papel <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

secretária solitária que se refugia no<br />

RRazzie<br />

álcool e nos sonhos impossíveis para<br />

combater a sua solidão.<br />

O que há <strong>de</strong> invulgar no caso <strong>de</strong><br />

Manville é que ela não é a<br />

personagem principal do filme. “Um<br />

Ano Mais” é <strong>um</strong> filme <strong>de</strong> conjunto, e<br />

a Mary a que a actriz dá corpo e alma<br />

é apenas <strong>um</strong> dos “satélites” que<br />

orbitam à volta dos “heróis”<br />

aparentes: Tom e Gerri, <strong>um</strong> casal<br />

londrino que parece ter a vida<br />

perfeita, ele engenheiro geólogo, ela<br />

assistente social. (Desenganem-se se<br />

acharem que os nomes, Tom e Gerri,<br />

são coincidência.)<br />

Mas este casal feliz (que está longe<br />

<strong>de</strong> ser tão santo como o olhar<br />

superficial sugere) é mais o “fio<br />

condutor” do filme do que o centro<br />

<strong>de</strong>ste olhar <strong>de</strong>sencantado sobre a<br />

solidão. São personagens que Leigh<br />

usa como “substitutos” dos<br />

espectadores, que, tal como nós,<br />

assistem à litania <strong>de</strong> misérias e<br />

gran<strong>de</strong>zas que os seus convidados<br />

trazem à sua casa confortável ao<br />

longo das quatro estações do ano.<br />

Espectadores investidos nas vidas<br />

dos outros: Mary, claro, mas também<br />

Ken, o velho amigo que parece estar a<br />

matar-se aos poucos, Joe, o filho que<br />

ainda não assentou, Ronnie, o irmão<br />

viúvo que não sabe o que fazer da<br />

vida. Espectadores investidos mas,<br />

atenção, sem a con<strong>de</strong>scendência<br />

Objectos em Silêncio<br />

O Património Científico e Técnico em Portugal<br />

Cursos <strong>de</strong> natureza teórico-prática para<br />

profissionais, estudantes e interessados na área<br />

da preservação do património científico e técnico,<br />

<strong>de</strong>stinados à formação ao nível do inventário,<br />

organização, estudo e conservação <strong>de</strong> artefactos<br />

da ciência e técnica.<br />

“O Último Airben<strong>de</strong>r” e “A<br />

Saga Twilight: Eclipse”<br />

foram “distinguidos”<br />

com nove nomeações<br />

para os Razzie Awards,<br />

os prémios para o pior<br />

que se fez no cinema<br />

durante o último ano.<br />

“Um Ano Mais”: <strong>um</strong> casal feliz como fi o condutor<br />

aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Foram nomeados para<br />

“Pior Filme”, junto com<br />

“O Sexo e a Cida<strong>de</strong> 2”,<br />

“Ex-Mulher Procurase”<br />

e “Ponha Aqui o seu<br />

Dentinho”. Nas categorias<br />

<strong>de</strong> interpretação, muitos<br />

actores dos nomeados<br />

altaneira ou o <strong>de</strong>sprezo que muitos<br />

críticos teimaram em ver no filme.<br />

A verda<strong>de</strong> é que todos conhecemos<br />

gente como a que faz parte <strong>de</strong>ste<br />

filme – gente que se esforça por ser<br />

feliz e que dá graças pelas suas<br />

pequenas bênçãos. Personagens que<br />

ficam <strong>de</strong>senhadas com meia dúzia <strong>de</strong><br />

pinceladas magistrais e que<br />

transformam “Um Ano Mais” na mais<br />

recente manifestação do olhar<br />

cirúrgico que Leigh lança sobre a<br />

Inglaterra contemporânea,<br />

erradamente <strong>de</strong>scrito como fazendo<br />

parte do “realismo social”. Definição<br />

tecnicamente correcta mas que falha<br />

porque Leigh não está tanto<br />

interessado no “realismo social” por<br />

si próprio, mas antes em captar <strong>um</strong>a<br />

vibração emocional no trabalho dos<br />

actores que transponha a barreira<br />

entre o real e a ficção e evite a lógica<br />

fechada das narrativas tradicionais,<br />

excertos <strong>de</strong> <strong>um</strong> contínuo sem<br />

princípio nem fim. Os riscos <strong>de</strong>sse<br />

trabalho são constantes no cinema <strong>de</strong><br />

Leigh, que alinha clássicos e obras<br />

menores n<strong>um</strong>a sequência irregular,<br />

mas é reconfortante ver alguém que<br />

não se acomoda. Basta ver como a<br />

própria estrutura “televisiva”,<br />

episódica, da narrativa consegue<br />

<strong>um</strong>a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> que as exigências do<br />

pequeno écrã só raramente<br />

permitem.<br />

Inscrições<br />

15 vagas por curso<br />

Participação gratuita<br />

Fundação Portuguesa<br />

das Comunicações /<br />

Museu das Comunicações<br />

Organização: Projecto co-financiado pelo Ministério da Cultura/Instituto dos Museus<br />

e da Conservação, através do Programa ProMuseus<br />

já são repetentes, como<br />

Robert Pattinson, Taylor<br />

Lautner e Kristen Stewart<br />

em “A Saga Twilight:<br />

Eclipse”, Megan Fox em<br />

“Jonah Hex” e Ashton<br />

Kutcher em “Beijos &<br />

Balas”<br />

Paradoxalmente, “Um Ano Mais”,<br />

exemplar do método Leigh no seu<br />

melhor, tem sido <strong>um</strong> dos seus<br />

trabalhos menos unânimes <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que estreou em Cannes 2010, com as<br />

opiniões a abrangerem o espectro da<br />

aclamação incondicional à recusa<br />

mais absoluta. Mas já <strong>de</strong>mos por nós<br />

a pensar que “Um Ano Mais” é tão<br />

incisivo e <strong>de</strong>sencantado que talvez<br />

seja essa franqueza que incomoda<br />

quem vê. Para nós, é o melhor Leigh<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o magistral “Segredos e<br />

Mentiras” - e isto, n<strong>um</strong> ciclo que<br />

incluiu “Topsy-Turvy” ou “Vera<br />

Drake”, não é dizer pouco.<br />

Estranha forma<br />

<strong>de</strong> filme<br />

Alain Oulman - Com Que Voz<br />

De Nicholas Oulman,<br />

com . M/12<br />

MMnnn<br />

Datas e horário dos cursos<br />

24 a 28 <strong>de</strong> Janeiro<br />

Fundação Portuguesa das<br />

Comunicações/ Museu das<br />

Comunicações (<strong>Lisboa</strong>);<br />

9 a 13 <strong>de</strong> Maio<br />

Museu dos Transportes e<br />

Comunicações (Porto);<br />

2ª a 6ª das 9h às 13h e das 14h às 18h.<br />

Apoio:<br />

<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 5: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55; CinemaCity<br />

Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h40,<br />

17h45, 19h50, 21h50, 23h50 Sábado Domingo<br />

19h50, 21h50, 23h50; CinemaCity Classic<br />

Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h30, 17h30,<br />

19h30, 21h30 6ª 13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h30,<br />

23h40 Sábado 11h30, 13h30, 15h30, 17h30, 19h30,<br />

21h30, 23h40 Domingo 11h30, 13h30, 15h30, 17h30,<br />

19h30, 21h30<br />

Porto: ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h10, 18h35,<br />

21h, 23h30<br />

N<strong>um</strong> momento em que o<br />

doc<strong>um</strong>entário ganhou foros <strong>de</strong><br />

género maior no panorama das<br />

estreias nacionais, não admirará a<br />

programação para os gran<strong>de</strong>s<br />

Saiba mais em www.fpc.pt<br />

Rua do Instituto Industrial, 16<br />

1200-225 <strong>Lisboa</strong><br />

museu@fpc.pt<br />

Número ver<strong>de</strong>: 800 215 216<br />

www.fpc.pt<br />

17 a 21 <strong>de</strong> Outubro<br />

Museu <strong>de</strong> Portimão;<br />

21 a 25 <strong>de</strong> Novembro<br />

Museu <strong>de</strong> Ciência da<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 33


Cinema<br />

ecrãs <strong>de</strong> “Alain Oulman – Com Que<br />

Voz”, biografia comovida e, por<br />

vezes, comovente do <strong>homem</strong> que<br />

operou a radical transformação do<br />

fado, oferecendo à voz <strong>de</strong> Amália<br />

alguns dos temas mais espantosos e a<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cantar poemas que<br />

não caberiam na estreiteza melódica<br />

e harmónica dos fados tradicionais.<br />

E o que é “Com Que Voz”? Uma<br />

interessante recolha <strong>de</strong> materiais <strong>de</strong><br />

arquivo, alguns <strong>de</strong>les já conhecidos,<br />

da longa biografia <strong>de</strong> Amália,<br />

“Estranha Forma <strong>de</strong> Vida”, excertos<br />

<strong>de</strong> programas <strong>de</strong> televisão (o muito<br />

citado “julgamento” <strong>de</strong> Amália, por<br />

se “atrever” a cantar Camões com<br />

música <strong>de</strong> <strong>um</strong> “estrangeiro”) ou<br />

actuações seleccionadas da Diva,<br />

interpretando temas clássicos da sua<br />

extensa colaboração com Oulman.<br />

Tudo aparece, porém, sob <strong>um</strong>a<br />

nova perspectiva e <strong>um</strong>a nova or<strong>de</strong>m,<br />

quase sempre cronológica, <strong>de</strong> forma<br />

a traçar <strong>um</strong> retrato <strong>de</strong> corpo inteiro<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>homem</strong> que se <strong>de</strong>sdobrou em<br />

múltiplas activida<strong>de</strong>s: encenador <strong>de</strong><br />

teatro; editor literário, à frente do<br />

gigante francês, a Calmann-Levy,<br />

empresa familiar (Oulman era filho<br />

da filha do fundador da editora),<br />

ocasião para falar do seu papel como<br />

divulgador da obra <strong>de</strong> Patrícia<br />

Highsmith e para entrevistar dos<br />

autores <strong>de</strong> sucesso que incentivou no<br />

mundo das letras, Catherine Clément<br />

e o israelita Amos Oz, projectando-os<br />

no mercado francês e europeu;<br />

militante <strong>de</strong> esquerda,<br />

estranhamente ligado à cisão maoista<br />

do Partido Comunista Português<br />

(muito curiosa a escolha <strong>de</strong> Zita<br />

Seabra para vocalizar mais <strong>um</strong>a<br />

bicada à politica sectária do Partido a<br />

que pertenceu) e expulso do Portugal<br />

<strong>de</strong> Salazar, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter estado preso<br />

pela PIDE, salvo “in extremis” pelos<br />

bons contactos familiares e pelo facto<br />

<strong>de</strong> ser cidadão francês.<br />

Ou seja, esta biografia <strong>de</strong> Alain<br />

Oulman, compositor e <strong>homem</strong> <strong>de</strong><br />

cultura, <strong>de</strong>sdobra-se n<strong>um</strong>a<br />

complicada retrospectiva histórica,<br />

esboçando <strong>um</strong> retrato do país nas<br />

décadas <strong>de</strong> 60 e 70, sem esquecer a<br />

inclusão <strong>de</strong> imagens inevitáveis, mas<br />

breves, do 25 <strong>de</strong> Abril. Conduzido, <strong>de</strong><br />

início, pelos <strong>de</strong>poimentos das irmãs<br />

mais velhas, que historiam a<br />

problemática <strong>de</strong> <strong>um</strong>a família judia<br />

luso-francesa, com <strong>um</strong> pai<br />

impositivo, <strong>um</strong> irmão morto durante<br />

a guerra, com cuja estatura teve <strong>de</strong><br />

medir-se, alargado <strong>de</strong>pois à<br />

participação <strong>de</strong> outros familiares e da<br />

ex-mulher (extremamente<br />

comovente o momento em que ela<br />

fala da morte prematura e limpa <strong>um</strong>a<br />

lágrima), o filme aparece filtrado pela<br />

homenagem póst<strong>um</strong>a do filho,<br />

Nicholas, realizador e arg<strong>um</strong>entista:<br />

logo trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a visão intimista e<br />

próxima <strong>de</strong> quem quer recuperar o<br />

que conheceu pouco (ou nada), <strong>um</strong><br />

interessante doc<strong>um</strong>ento, bem<br />

pesquisado e correctamente<br />

enca<strong>de</strong>ado.<br />

O único problema passa pela<br />

34 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

As estrelas do público<br />

Jorge<br />

Mourinha<br />

Luís M.<br />

Oliveira<br />

Mário<br />

J. Torres<br />

Vasco<br />

Câmara<br />

Um ano mais mmmmn nnnnn nnnnn mnnnn<br />

O amor é o melhor remédio mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

Biutiful A mnnnn nnnnn A<br />

Chantrapas mmnnn mmmmn nnnnn mmnnn<br />

Alain Oulman- com que voz mmnnn nnnnn mmnnn nnnnn<br />

Hereafter - Outra Vida mmnnn nnnnn mmmmn mnnnn<br />

A Minha Alegria mmmnn mmmnn nnnnn mmmmn<br />

72 horas mmnnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

Tron- o Legado mmmnn nnnnn mnnnn nnnnn<br />

Vais conhecer o <strong>homem</strong> dos teus sonhos mmnnn mmmnn nnnnn mmnnn<br />

estrutura, tendo em conta a sua<br />

projecção n<strong>um</strong>a sala <strong>de</strong> cinema:<br />

“Alain Oulman – Com Que Voz” faz<br />

sentido enquanto doc<strong>um</strong>entário para<br />

televisão, mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Ruínas”, <strong>de</strong><br />

Manuel Mozos, “Fantasia Lusitana”,<br />

<strong>de</strong> João Canijo, sofisticados modos <strong>de</strong><br />

interrogar o passado português, ou,<br />

se quisermos reverter para a<br />

memória familiar, “Florette”, <strong>de</strong><br />

Serge Treffaut, este filme faz figura <strong>de</strong><br />

mitigada, embora fascinante,<br />

biografia para passar em horário<br />

nobre <strong>de</strong> <strong>um</strong>a televisão.<br />

Óful<br />

Biutiful<br />

De Alejandro González Iñárritu,<br />

com Javier Bar<strong>de</strong>m, Maricel Álvarez,<br />

Eduard Fernán<strong>de</strong>z. M/16<br />

Mnnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 4: 5ª 2ª<br />

3ª 4ª 16h30, 21h 6ª 16h30, 21h, 00h15 Sábado<br />

12h50, 16h30, 21h, 00h15 Domingo 12h50, 16h30,<br />

21h; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 7: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h30, 21h30,<br />

00h25; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />

Touros: Sala 8: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 1520, 18h20, 21h20,<br />

00h15 Sábado Domingo 12h, 1520, 18h20, 21h20,<br />

00h15; CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 4: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20 6ª Sábado<br />

15h20, 18h20, 21h20, 00h10; Me<strong>de</strong>ia Saldanha<br />

Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h10, 16h, 18h50, 21h40, 00h30; UCI Cinemas -<br />

El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª<br />

15h, 18h15, 21h30, 00h25 Domingo 11h30, 15h, 18h15,<br />

21h30, 00h25; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h30, 20h50,<br />

24h; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h30, 21h,<br />

00h10; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 17h, 21h, 00h15; ZON<br />

Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h45, 21h, 00h15; ZON<br />

Lusomundo Almada Fór<strong>um</strong>: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h50, 21h, 00h15<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 11: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h10, 18h25, 21h35,<br />

00h40; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 17h20, 21h,<br />

00h15; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h30, 20h50,<br />

00h10<br />

Ele há gostos para tudo, mas somos<br />

dos que pensam que Alejandro<br />

Gonzalez Iñarritu é o gran<strong>de</strong> “bluff”<br />

da primeira década do século XXI. E<br />

a dimensão do “bluff” tem muito a<br />

ver com o facto <strong>de</strong> esta ter sido a<br />

década em que a Internet se<br />

consagrou como território da<br />

(mesma) “opinião” replicada ad<br />

nauseam, mas não vale a pena ir<br />

agora por aí. Sejamos sucintos: não é<br />

Bar<strong>de</strong>m é <strong>um</strong> óptimo actor,<br />

mas este é o Bar<strong>de</strong>m mais bovino e esbugalhado<br />

que alguém alg<strong>um</strong>a vez fi lmou<br />

“Biutiful” que nos vem mudar as<br />

i<strong>de</strong>ias: trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> “bluff” tão<br />

gran<strong>de</strong> como qualquer outro filme <strong>de</strong><br />

Iñarritu.<br />

A “pequena história” por trás <strong>de</strong><br />

“Biutiful” regista que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

Iñarritu se ter zangado com o seu<br />

arg<strong>um</strong>entista Guillermo Arriaga (que<br />

se achava o responsável pela “obras<br />

primas” <strong>de</strong> Iñarritu) se aventurou<br />

aqui pela primeira vez a “solo”. A<br />

primeira conclusão é óbvia: não era<br />

por causa <strong>de</strong> Arriaga que Iñarritu era<br />

mau, porque mesmo sem ele<br />

continua a sê-lo. Mas há <strong>um</strong>a<br />

consequência, porque Iñarritu não<br />

quis seguir a marca dos arg<strong>um</strong>entos<br />

<strong>de</strong> Arriaga (as estruturas em<br />

“mosaico”, que levaram tanta gente<br />

ao êxtase perante a “montagem” <strong>de</strong><br />

“Babel”, por exemplo), e agarrou-se a<br />

<strong>um</strong>a história contada com <strong>um</strong>a<br />

linearida<strong>de</strong> absoluta ou quase<br />

absoluta, com <strong>um</strong>a personagem<br />

central (Javier Bar<strong>de</strong>m) e <strong>um</strong>a<br />

geografia concentrada na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Barcelona. Muda isto alg<strong>um</strong>a coisa?<br />

Só se for que, <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong><br />

“truques”, o cinema <strong>de</strong> Iñarritu se<br />

expõe mais na sua falta <strong>de</strong> subtileza e<br />

se tal era possível no seu<br />

oportunismo. São ainda as “dores da<br />

h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>”, em fundo <strong>de</strong> miséria<br />

(como em “Babel”, com <strong>um</strong>a leve<br />

caução anti-globalização, que inclui<br />

cenas <strong>de</strong> t<strong>um</strong>ultos <strong>de</strong> rua e tudo), e<br />

temperada com <strong>um</strong> “intimismo”<br />

psicologizante oriundo da “tragédia<br />

pessoal” da personagem <strong>de</strong> Bar<strong>de</strong>m<br />

(a relação com a mulher, doente<br />

mental). Tudo é solene e soturno,<br />

mas a solenida<strong>de</strong> e a soturnida<strong>de</strong> são<br />

fabricadas como ornamentos (a<br />

fotografia, a música) ou, pior ainda,<br />

como “guias <strong>de</strong> leitura” pré<strong>de</strong>finidos,<br />

a condicionarem o modo<br />

como o espectador <strong>de</strong>ve olhar para<br />

aquilo. E o espectador sofre, <strong>de</strong> facto,<br />

e sofre bastante. Por exemplo com<br />

todas as cenas <strong>de</strong> “família” e <strong>de</strong><br />

“intimida<strong>de</strong>”, maçadoras, falhas <strong>de</strong><br />

imaginação, <strong>um</strong> suposto naturalismo<br />

básico mas <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> energia –<br />

Cassavetes, se ressuscitasse,<br />

arrependia-se <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a vez ter feito<br />

“Faces”, o filme que <strong>de</strong>u a impressão<br />

que isto era fácil <strong>de</strong> fazer.<br />

E Javier Bar<strong>de</strong>m, no meio disto? É<br />

<strong>um</strong> óptimo actor e os actores como<br />

ele nunca per<strong>de</strong>m completamente a<br />

dignida<strong>de</strong>; mas sejamos francos, é o<br />

Bar<strong>de</strong>m mais bovino e esbugalhado<br />

que alguém alg<strong>um</strong>a vez filmou, e o<br />

pior é que é só disso que Iñarritu está<br />

à procura. Luís Miguel Oliveira<br />

O Amor é o Melhor Remédio<br />

Love &amp; Other Drugs<br />

De Edward Zwick,<br />

com Jake Gyllenhaal, Anne Hathaway,<br />

Oliver Platt, Hank Azaria, Josh Gad.<br />

M/12<br />

MMMnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 5: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h50,<br />

21h30, 24h; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 6: 5ª<br />

6ª 2ª 3ª 4ª 13h45, 15h55, 18h35, 21h35, 23h50<br />

Sábado Domingo 11h30, 13h45, 15h55, 18h35, 21h35,<br />

23h50; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 2: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 15h45, 18h10,<br />

21h40, 23h55; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />

Touros: Sala 4: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h30,<br />

19h10, 22h, 00h10 Sábado Domingo 14h20, 16h30,<br />

18h40, 22h, 00h10; Me<strong>de</strong>ia Fonte Nova: Sala 1: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30,<br />

22h; Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 7: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30,<br />

24h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h30, 19h, 21h40, 00h10<br />

Domingo 11h30, 14h05, 16h30, 19h, 21h40,<br />

00h10; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 10: 5ª Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 13h50, 16h25, 19h10, 21h35 6ª Sábado<br />

13h50, 16h25, 19h10, 21h35, 00h10; ZON Lusomundo<br />

Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h40, 16h20, 18h55, 21h30, 00h30; ZON<br />

Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h20,<br />

24h; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h30, 18h10, 21h30,<br />

00h05; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h30, 18h10,<br />

21h10, 23h50; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h10,<br />

21h10, 23h50; Castello Lopes - Fór<strong>um</strong> Barreiro: Sala<br />

4: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30 6ª 15h30,<br />

18h30, 21h30, 00h10 Sábado 13h, 15h30, 18h30,<br />

21h30, 00h10 Domingo 13h, 15h30, 18h30,<br />

21h30; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 2: 5ª<br />

6ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h10, 21h20, 23h50 Sábado<br />

Domingo 12h50, 15h20, 18h10, 21h20, 23h50; ZON<br />

Lusomundo Almada Fór<strong>um</strong>: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30, 18h40, 21h30,<br />

00h10; ZON Lusomundo Fór<strong>um</strong> Montijo: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h45, 18h20,<br />

21h20, 00h05; Zon Lusomundo Freeport: 5ª 2ª 3ª<br />

4ª 16h, 18h30, 21h10 6ª 16h, 18h30, 21h10, 23h40<br />

Sábado 13h20, 16h, 18h30, 21h10, 23h40 Domingo<br />

13h20, 16h, 18h30, 21h10<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 13h50, 16h25, 19h05, 21h50, 00h35 3ª<br />

4ª 16h25, 19h05, 21h50, 00h35; ZON Lusomundo<br />

Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h20, 16h, 18h40, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo<br />

GaiaShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h20, 16h10, 18h55, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo<br />

MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40,<br />

16h20, 19h, 21h40 6ª Sábado 13h40, 16h20, 19h,<br />

21h40, 00h30; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30, 18h20,<br />

21h20, 24h; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 16h, 18h50, 21h50,<br />

00h40; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h20,<br />

21h30, 00h30; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h25, 19h05,<br />

21h45, 00h25<br />

Edward Zwick é realizador que gosta<br />

dos gestos gran<strong>de</strong>s e épicos, que<br />

tanto acerta (“Tempo <strong>de</strong> Glória”,<br />

“Diamante <strong>de</strong> Sangue”) como falha<br />

(“Lendas <strong>de</strong> Paixão”, “O Último<br />

Samurai”). Daí que vê-lo a atirar-se à<br />

comédia romântica comece por<br />

inspirar alg<strong>um</strong>a <strong>de</strong>sconfiança, antes<br />

<strong>de</strong> nos <strong>de</strong>volver o melhor Zwick,<br />

aquele que criou, ajudou a escrever<br />

e dirigiu vários episódios da seminal<br />

série televisiva “Os Trintões”. “O<br />

Amor É o Melhor Remédio” é <strong>um</strong>a<br />

comédia romântica politicamente<br />

incorrecta, sobre o romance<br />

improvável entre <strong>um</strong> <strong>de</strong>legado <strong>de</strong><br />

Jake Gyllenhall em “O Amor é o Melhor<br />

Remédio”: o charme ligado no máximo<br />

propaganda médica ambicioso e<br />

mulherengo e <strong>um</strong>a artista cujo<br />

diagnóstico <strong>de</strong> Parkinson precoce<br />

tornou cínica e misantropa. O<br />

encontro entre estes dois egoístas<br />

viciados em sexo <strong>de</strong>senrola-se nos<br />

anos 1990, sob fundo do lançamento<br />

do Viagra, e é <strong>um</strong> olhar <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>vastadora irrisão sobre as<br />

manigâncias da indústria<br />

farmacêutica, <strong>um</strong>a comédia sexual<br />

mal comportada sem falsos<br />

moralismos, e <strong>um</strong>a comédia<br />

romântica com gente lá <strong>de</strong>ntro em<br />

vez <strong>de</strong> construções <strong>de</strong> arg<strong>um</strong>entista,<br />

alinhando sem pruridos situações <strong>de</strong><br />

que a maior parte das comédias<br />

românticas foge como o diabo da<br />

cruz. O elenco que Zwick reuniu<br />

ajuda, até porque Jake Gyllenhaal e<br />

Anne Hathaway raras vezes têm<br />

papel que lhes permita ligar o<br />

charme no máximo <strong>de</strong>ste modo.<br />

Nem sempre a gestão dos vários tons<br />

é feita a contento, mas o que noutras<br />

mãos seria <strong>um</strong>a confusão<br />

<strong>de</strong>sgraçada dá todos os passos certos<br />

nas <strong>de</strong> Zwick. J. M.<br />

72 Horas<br />

The Next Three Days<br />

De Paul Haggis,<br />

com Russell Crowe, Elizabeth Banks.<br />

M/12<br />

MMnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 6: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40,<br />

18h30, 21h20, 00h10; CinemaCity Alegro<br />

Alfragi<strong>de</strong>: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h35, 15h50, 18h30, 21h40, 23h55; CinemaCity<br />

Beloura Shopping: Cinemax: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h05, 18h30, 21h25,<br />

23h40; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 10: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 19h15, 22h, 00h30<br />

Domingo 11h30, 14h20, 16h50, 19h15, 22h,<br />

00h30; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 8: 5ª Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h45, 16h15, 18h55, 21h30 6ª Sábado 13h45,<br />

16h15, 18h55, 21h30, 00h05; ZON Lusomundo<br />

Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h20, 16h, 18h35, 21h40, 00h20; ZON Lusomundo<br />

Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,<br />

15h30, 18h10, 21h20, 24h; ZON Lusomundo<br />

CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

12h50, 15h40, 18h20, 21h30, 00h15; ZON<br />

Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h15, 23h55; ZON<br />

Lusomundo Odivelas Parque: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30,<br />

18h10, 21h10 6ª 15h30, 18h10, 21h10, 23h50 Sábado<br />

13h, 15h30, 18h10, 21h10, 23h50 Domingo 13h,<br />

15h30, 18h10, 21h10; ZON Lusomundo Oeiras<br />

Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,<br />

15h40, 18h20, 21h20, 24h; ZON Lusomundo Torres<br />

Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15,<br />

16h, 18h40, 21h25, 00h25; ZON Lusomundo Vasco<br />

da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50,<br />

15h25, 18h, 21h, 23h40; Castello Lopes - C. C.<br />

J<strong>um</strong>bo: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 16h, 18h40, 21h20 6ª<br />

16h, 18h40, 21h20, 24h Sábado 13h20, 16h, 18h40,<br />

21h20, 24h Domingo 13h20, 16h, 18h40,<br />

21h20; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 1: 5ª<br />

6ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30, 00h10 Sábado<br />

Domingo 12h40, 15h30, 18h30, 21h30, 00h10; ZON<br />

Lusomundo Almada Fór<strong>um</strong>: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h30, 15h10, 18h, 21h,<br />

23h50; ZON Lusomundo Fór<strong>um</strong> Montijo: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h10, 18h50,<br />

21h30, 00h15<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 13h45, 16h15, 18h50, 21h30, 00h20 3ª 4ª 16h15,<br />

18h50, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo Dolce Vita<br />

Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50,<br />

16h30, 19h10, 21h50, 00h30; ZON Lusomundo<br />

Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h20, 15h50, 18h30, 21h30, 00h10; ZON<br />

Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado


aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Biopic<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h10, 19h10, 22h,<br />

00h45; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30, 18h40,<br />

21h40, 00h25; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 2:<br />

5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h40, 21h30 6ª 15h40, 18h40,<br />

21h30, 00h15 Sábado 12h50, 15h40, 18h40, 21h30,<br />

00h15 Domingo 12h50, 15h40, 18h40, 21h30; ZON<br />

Lusomundo Fór<strong>um</strong> Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h, 15h50, 18h50, 21h40 6ª Sábado 13h, 15h50,<br />

18h50, 21h40, 00h30<br />

É, no espaço <strong>de</strong> três semanas, a<br />

terceira “remake” americana <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

filme francês que chega às salas,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “O Preço da Traição” e “O<br />

Turista” - e é a terceira “remake” com<br />

“pedigree”, entregue aos bons<br />

cuidados <strong>de</strong> Paul Haggis,<br />

arg<strong>um</strong>entista do “Million Dollar<br />

Baby” <strong>de</strong> Eastwood e realizador <strong>de</strong><br />

“Crash”, aqui adaptando <strong>um</strong><br />

“thriller” <strong>de</strong> Fred Cavayé (“Pour<br />

Elle”, pouco visto fora <strong>de</strong> França).<br />

Russell Crowe substitui Vincent<br />

Lindon no papel <strong>de</strong> <strong>um</strong> professor<br />

universitário tão seguro que a esposa<br />

está inocente do homicídio pelo qual<br />

foi con<strong>de</strong>nada que articula <strong>um</strong><br />

arriscado plano <strong>de</strong> evasão. Mas esta é<br />

também a terceira “remake” falhada,<br />

já que Haggis não consegue resolver a<br />

contento o dilema que o interessou:<br />

conciliar <strong>um</strong> “thriller” <strong>de</strong> factura<br />

clássica (conseguido) com <strong>um</strong>a<br />

meditação sobre o amor<br />

incondicional (falhada). “72 Horas”<br />

brinca com a ambiguida<strong>de</strong> (Lara é ou<br />

não realmente culpada?) e evoca aqui<br />

e ali as questões morais levantadas<br />

por esta transformação <strong>de</strong> pai <strong>de</strong><br />

família e professor em criminoso<br />

justiceiro e implacável, mas acaba<br />

por abandoná-las sem nunca as levar<br />

muito longe para se concentrar<br />

finalmente no lado <strong>de</strong> “thriller”. J.M.<br />

Continuam<br />

Hereafter - Outra Vida<br />

Hereafter<br />

De Clint Eastwood,<br />

com Matt Damon, Cécile <strong>de</strong> France,<br />

Jay Mohr, Bryce Dallas Howard,<br />

George McLaren, Frankie McLaren.<br />

M/12<br />

Mnnnn<br />

Bryan Singer (“Os<br />

Suspeitos do Cost<strong>um</strong>e” e<br />

“Superman – O Regresso”)<br />

vai realizar <strong>um</strong> fi lme<br />

sobre o coreógrafo e<br />

encenador Bob Fosse. A<br />

HBO comprou os direitos<br />

da biografi a “Bye, Bye<br />

Life: The Loves and<br />

Deaths of Bob Fosse”, que<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª 2ª<br />

3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h30 6ª 15h30, 18h20, 21h30,<br />

00h10 Sábado 13h, 15h30, 18h20, 21h30, 00h10<br />

Domingo 13h, 15h30, 18h20, 21h30; Castello Lopes<br />

- Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30,<br />

19h, 21h30 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h30,<br />

24h; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 4: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h40,<br />

21h10, 23h50; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 2:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h05,<br />

18h40, 21h35, 00h10; CinemaCity Beloura<br />

Shopping: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h30, 16h15, 18h50, 21h35, 00h10; CinemaCity<br />

Campo Pequeno Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 2: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h30,<br />

21h30, 24h; CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 1: 5ª<br />

servirá <strong>de</strong> base do fi lme.<br />

Ainda não foi divulgado<br />

quem vai escrever o guião.<br />

Bob Fosse (1927-1987),<br />

fi gura incontornável e<br />

inovadora da coreografi a,<br />

venceu nove Tony Awards<br />

e <strong>um</strong> Óscar. Foi nomeado<br />

para o Óscar <strong>de</strong> Melhor<br />

Realizador por três vezes,<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h, 18h30, 21h35 6ª<br />

Sábado 13h35, 16h, 18h30, 21h35, 24h; Me<strong>de</strong>ia<br />

Mon<strong>um</strong>ental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h45, 00h15; UCI Cinemas -<br />

El Corte Inglés: Sala 9: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª<br />

14h10, 16h45, 19h20, 21h55, 00h30 Domingo 11h30,<br />

14h10, 16h45, 19h20, 21h55, 00h30; UCI Dolce Vita<br />

Tejo: Sala 9: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h35,<br />

19h15, 21h45 6ª Sábado 14h05, 16h35, 19h15, 21h45,<br />

00h25; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h40, 21h10,<br />

00h10; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 19h, 21h40,<br />

00h20; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h35, 15h20, 18h10,<br />

21h05, 00h05; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h45, 18h45,<br />

21h40, 00h25; ZON Lusomundo Dolce Vita<br />

Miraflores: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30,<br />

21h30 6ª Sábado 15h30, 18h30, 21h30, 00h30; ZON<br />

Lusomundo Odivelas Parque: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40,<br />

18h30, 21h30 6ª 15h40, 18h30, 21h30, 00h10 Sábado<br />

12h55, 15h40, 18h30, 21h30, 00h10 Domingo 12h55,<br />

15h40, 18h30, 21h30; ZON Lusomundo Oeiras<br />

Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50,<br />

15h35, 18h30, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo<br />

Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

12h45, 15h30, 18h20, 21h10, 00h10; ZON Lusomundo<br />

Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

12h45, 15h30, 18h30, 21h20, 00h10; Algarcine - Sines<br />

: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30<br />

6ª Sábado 15h30, 18h30, 21h30, 24h; Castello Lopes<br />

- C. C. J<strong>um</strong>bo: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h30,<br />

21h30 6ª 15h40, 18h30, 21h30, 00h10 Sábado 13h,<br />

15h40, 18h30, 21h30, 00h10 Domingo 13h, 15h40,<br />

18h30, 21h30; Castello Lopes - Fór<strong>um</strong> Barreiro: Sala<br />

1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h10, 21h20 6ª 15h20, 18h10,<br />

21h20, 24h Sábado 12h40, 15h20, 18h10, 21h20, 24h<br />

Domingo 12h40, 15h20, 18h10, 21h20; Castello Lopes<br />

- Rio Sul Shopping: Sala 3: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h40,<br />

18h20, 21h10, 24h Sábado Domingo 13h, 15h40,<br />

18h20, 21h10, 24h; ZON Lusomundo Almada Fór<strong>um</strong>:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40,<br />

18h30, 21h10, 24h; ZON Lusomundo Fór<strong>um</strong> Montijo:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40,<br />

18h25, 21h25, 00h10<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 13h55, 16h35, 19h20, 22h05, 00h50 3ª<br />

4ª 16h35, 19h20, 22h05, 00h50; Vivacine -<br />

Maia: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h50, 17h, 21h, 23h50; ZON Lusomundo Dolce Vita<br />

Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50,<br />

15h40, 18h30, 21h20, 00h10; ZON Lusomundo<br />

Ferrara Plaza: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h40,18h30,<br />

21h20 6ª Sábado 15h40,18h30, 21h20, 00h05; ZON<br />

Lusomundo GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h, 15h50, 18h40, 21h20 6ª Sábado 13h, 15h50,<br />

18h40, 21h20, 00h30; ZON Lusomundo<br />

NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

12h50, 15h40, 18h40, 21h40, 00h30; ZON<br />

Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h25, 18h30, 21h20,<br />

00h10; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 4: 5ª 2ª<br />

3ª 4ª 16h, 18h50, 21h40 6ª 16h, 18h50, 21h40,<br />

00h20 Sábado 13h20, 16h, 18h50, 21h40, 00h20<br />

Domingo 13h20, 16h, 18h50, 21h40; ZON<br />

Lusomundo Fór<strong>um</strong> Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

14h40, 17h40, 21h 6ª Sábado 14h40, 17h40, 21h, 24h<br />

E Clint ficou atolado na mixórdia do<br />

filme <strong>de</strong> arg<strong>um</strong>entista com narrativas<br />

paralelas programadas para se<br />

cruzarem. Demasiados planos<br />

turísticos <strong>de</strong> ligação e <strong>de</strong>masiados<br />

planos <strong>de</strong> aviões – mas, afinal, o<br />

arg<strong>um</strong>ento or<strong>de</strong>na que se<br />

transportem as personagens <strong>de</strong> S.<br />

Francisco e <strong>de</strong> Paris para Londres a<br />

tempo <strong>de</strong> <strong>um</strong> “happy end” que é das<br />

coisas mais feias que Clint já filmou.<br />

Uma história francesa ao “estilo<br />

internacional”, isto é, sem estilo;<br />

<strong>um</strong>a história americana que merecia<br />

o filme todo (a sequência das aulas <strong>de</strong><br />

cozinha prometia...) – é o mais perto<br />

que Clint chega das zonas que mais<br />

gostamos que ele tacteie, a escuridão;<br />

finalmente, <strong>um</strong>a versão <strong>de</strong> plástico<br />

do melodrama social britânico.<br />

Nenh<strong>um</strong>a das histórias tem vida<br />

própria, sofre sempre da condição <strong>de</strong><br />

estar “ao lado” <strong>de</strong> <strong>um</strong>a outra, ao lado<br />

e <strong>de</strong>salmada, con<strong>de</strong>nada ao<br />

cruzamento. E <strong>de</strong>pois, a metafísica<br />

por computador... Vasco Câmara<br />

vencendo em 1972 com<br />

“Cabaret, A<strong>de</strong>us Berlim”.<br />

Em 1979, realizou e<br />

escreveu “O Espectáculo<br />

Vai Começar”, <strong>um</strong> fi lme<br />

autobiográfi co que<br />

venceu a Palma <strong>de</strong> Ouro<br />

<strong>de</strong> Cannes.<br />

Vais Conhecer o Homem<br />

dos Teus Sonhos<br />

You Will Meet a Tall Dark<br />

Stranger<br />

De Woody Allen,<br />

com Antonio Ban<strong>de</strong>ras, Josh Brolin,<br />

Anthony Hopkins, Gemma Jones,<br />

Freida Pinto, Lucy Punch, Naomi<br />

Watts. M/12<br />

MMnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Londres: Sala 2: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª<br />

Sábado 14h15, 16h45, 19h15, 21h45, 00h15; Castello<br />

Lopes - Loures Shopping: Sala 7: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h30, 18h10, 21h05,<br />

23h30; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 9: 5ª 6ª<br />

2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 24h Sábado<br />

Domingo 11h50, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h,<br />

24h; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />

Touros: Sala 5: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h10,<br />

18h10, 20h10, 22h10, 00h20 Sábado Domingo<br />

13h50, 14h05, 16h10, 18h10, 20h10, 22h10,<br />

00h20; Me<strong>de</strong>ia Mon<strong>um</strong>ental: Sala 4 - Cine Teatro:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h,<br />

20h, 22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala<br />

13: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h10,<br />

21h30, 23h55 Domingo 11h30, 14h15, 16h45, 19h10,<br />

21h30, 23h55; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h20, 18h45,<br />

21h50, 00h15; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h10, 17h50,<br />

21h10, 23h30; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 16h, 18h50, 21h15,<br />

23h40; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 13h, 15h35, 18h, 21h05, 23h40 4ª<br />

13h, 15h35, 18h, 23h40; ZON Lusomundo Oeiras<br />

Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 18h,<br />

21h45, 00h25; Castello Lopes - Rio Sul<br />

Shopping: Sala 7: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 16h10, 19h, 22h,<br />

00h30 Sábado Domingo 13h40, 16h10, 19h, 22h,<br />

00h30; ZON Lusomundo Almada Fór<strong>um</strong>: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h35, 18h05,<br />

21h05, 23h30<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 12: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 14h15, 16h40, 19h05, 21h35, 00h05 3ª<br />

4ª 16h40, 19h05, 21h35, 00h05; ZON Lusomundo<br />

Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

19h30, 22h, 00h35; ZON Lusomundo<br />

NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h40, 16h20, 19h, 21h30, 24h; ZON Lusomundo<br />

Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h30, 16h30, 19h10, 22h, 00h15; ZON<br />

Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h55, 16h35, 19h05, 21h40, 00h15<br />

Esta tem sido a “démarche” <strong>de</strong><br />

Woody Allen nas cida<strong>de</strong>s (Londres ou<br />

Barcelona): sem curiosida<strong>de</strong> já para o<br />

que é diferente e apenas<br />

aproveitando os cenários que lhe dão<br />

para repor obsessões, motivos e as<br />

figuras <strong>de</strong> sempre – veja-se como a<br />

prostituta <strong>de</strong>ste filme, Lucy Punch, é<br />

<strong>um</strong>a reedição, trejeitos e tudo, das<br />

prostitutas <strong>de</strong> outros filmes, da Mira<br />

Sorvino <strong>de</strong> “Po<strong>de</strong>rosa Afrodite” ou da<br />

Bebe Neuwirth <strong>de</strong> “Celebrida<strong>de</strong>s”.<br />

Ou seja, é coisa <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>, em<br />

que o “outro” não regista ou é<br />

passeio turístico. E no entanto, em<br />

“Vais conhecer o <strong>homem</strong> dos teus<br />

sonhos”, essa clausura <strong>de</strong> velho - é<br />

<strong>um</strong> filme <strong>de</strong>scarnado até ao osso,<br />

aparentemente já sem paciência para<br />

“construir”, <strong>de</strong>spejando actores n<strong>um</strong><br />

cenário a recitarem <strong>um</strong> texto e sem<br />

outra alternativa a não ser servirem<br />

<strong>de</strong> veículo do que foi escrito por... -<br />

carrega este filme sobre o <strong>de</strong>stino<br />

com <strong>um</strong>a claustrofobia pegajosa. E<br />

subitamente, aquilo que parecia<br />

Woody Allen em piloto automático, é<br />

máquina em movimento, o realizador<br />

instituindo-se como “<strong>de</strong>us exmachina”<br />

a fazer o cerco às<br />

personagens. E subitamente ficamos<br />

também cercados. V. C.<br />

DOMINGO, 30 DE JANEIRO, 11H30<br />

GRANDE AUDITÓRIO DO CCB<br />

Orquestra Académica Metropolitana<br />

Adriana Ferreira flauta<br />

Jean-Marc Burfin direcção musical<br />

obras <strong>de</strong><br />

Darius Milhaud<br />

Wolfgang Ama<strong>de</strong>us Mozart<br />

Lowell Liebermann<br />

CO-PRODUÇÃO<br />

APOIOS<br />

Concertos para Famílias<br />

PREÇO ÚNICO: 5€<br />

Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 35


Livros<br />

36 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

Ficção<br />

As velhas<br />

bruxas<br />

Romance originalíssimo<br />

sobre feminilida<strong>de</strong><br />

e envelhecimento,<br />

sexualida<strong>de</strong>, amor e<br />

segredos. José Riço<br />

Direitinho<br />

Baba Yaga Pôs Um Ovo<br />

Dubravka Ugreši<br />

(trad. Paula Reis)<br />

Teorema<br />

mmmmm<br />

“Baba Yaga Pôs Um<br />

Ovo” é mais <strong>um</strong> livro<br />

da colecção “Mitos”,<br />

que por cá tem<br />

vindo a ser<br />

publicada pela<br />

Teorema. A i<strong>de</strong>ia<br />

original é <strong>um</strong><br />

projecto da casa<br />

editorial escocesa Canongate, que<br />

convidou vários autores (entre<br />

muitos outros há nomes como Milan<br />

Kun<strong>de</strong>ra, Rushdie, Achebe, Maalouf,<br />

Margaret Atwood ou Jeanette<br />

Winterson) a reescreverem<br />

livremente alguns dos mitos<br />

universais. Calhou agora a vez da<br />

escritora e ensaísta croata Dubravka<br />

Ugreši (n. 1949), <strong>um</strong>a das vozes mais<br />

originais e eruditas da literatura da<br />

Europa Central e que até agora se<br />

encontrava inédita em português. (A<br />

publicação <strong>de</strong> <strong>um</strong> dos seus romances<br />

mais conhecidos, <strong>um</strong>a obra-prima da<br />

ironia, “Museu da Rendição<br />

Incondicional”, foi anunciada pela<br />

editora Cavalo <strong>de</strong> Ferro para 2011.) De<br />

entre os livros publicados nesta<br />

colecção, este é, sem dúvida, o mais<br />

conseguido.<br />

A mestria técnica <strong>de</strong> Ugreši é <strong>um</strong>a<br />

das suas características mais notadas,<br />

ao conseguir juntar, por exemplo,<br />

subtis intertextualida<strong>de</strong>s (ela conhece<br />

bem as tradições literárias e<br />

filosóficas europeias) com diálogos<br />

bastante assertivos que il<strong>um</strong>inam<br />

sátiras corrosivas; ou como consegue<br />

fazer uso do seu extraordinário<br />

sentido <strong>de</strong> observação para os<br />

<strong>de</strong>talhes sócio-culturais. A<br />

complexida<strong>de</strong> do seu pensamento é<br />

expressa, normalmente, com <strong>um</strong>a<br />

simplicida<strong>de</strong> tocante. A estrutura dos<br />

romances é quase sempre episódica,<br />

ESCRITOR preten<strong>de</strong>:<br />

Estabelecer parceria com Pessoa habilitada para digitar, semanalmente, os seus<br />

manuscritos (em <strong>Lisboa</strong>);<br />

Activida<strong>de</strong> interessante, em situação <strong>de</strong> reforma, com partilha dos direitos <strong>de</strong> Autor.<br />

Contacto: Tel. 91 886 97 75<br />

resultando n<strong>um</strong>a ac<strong>um</strong>ulação <strong>de</strong><br />

partes narrativas e <strong>de</strong> polifonia <strong>de</strong><br />

registos, n<strong>um</strong> patchwork narrativo<br />

em construção. Antes da<br />

<strong>de</strong>sagregação da antiga Jugoslávia,<br />

Dubravka Ugreši – que estudou e<br />

ensinou literatura russa e as suas<br />

vanguardas – escreveu romances<br />

cómicos e arremedos pósmo<strong>de</strong>rnistas<br />

<strong>de</strong> histórias românticas<br />

com <strong>um</strong> final feliz, <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong><br />

exercícios <strong>de</strong> ironia paródica. Mas<br />

veio a Guerra dos Balcãs e os tempos<br />

mudaram: ela foi obrigada a <strong>de</strong>ixar o<br />

ensino em Zagreb, viveu entre<br />

“residências artísticas” até se fixar<br />

em Amesterdão, e tornou-se n<strong>um</strong>a<br />

autora mais “séria”, passando a<br />

escrever (alternando entre o registo<br />

<strong>de</strong> ficção e o <strong>de</strong> ensaio) sobre temas<br />

como o exílio, a vida <strong>de</strong> escritor, os<br />

nacionalismos ou a imposição<br />

arbitrária <strong>de</strong> fronteiras e <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.<br />

Baba Yaga é a verda<strong>de</strong>ira (e<br />

suprema) bruxa do folclore eslavo:<br />

violenta, po<strong>de</strong>rosa, <strong>de</strong> apetites<br />

vigorosos, ela é <strong>um</strong>a guardiã <strong>de</strong><br />

saberes secretos. Foi nesta figura<br />

mítica – <strong>de</strong>scrita nas histórias<br />

populares como <strong>um</strong>a velha <strong>de</strong> nariz<br />

vermelho que vive n<strong>um</strong>a casa assente<br />

em gigantescas patas <strong>de</strong> galinha – que<br />

a autora se inspirou para a escrita<br />

<strong>de</strong>ste romance <strong>de</strong> personagens<br />

(quatro mulheres velhas) que vivem<br />

na fronteira entre a tragédia e a farsa.<br />

Dubravka Ugreši escreveu <strong>um</strong>a<br />

espécie <strong>de</strong> tríptico – <strong>um</strong>a história<br />

sobre morte, sexualida<strong>de</strong> e<br />

envelhecimento – que ilustra a<br />

tendência <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as socieda<strong>de</strong>s<br />

para “<strong>de</strong>monizar” as mulheres<br />

idosas. A primeira e a segunda partes<br />

são histórias aparentemente<br />

<strong>de</strong>sligadas; na primeira (“Vai lá… não<br />

sei aon<strong>de</strong>… e traz-me… <strong>um</strong>a coisa<br />

que me faz falta”) narra a memória<br />

do envelhecimento da mãe da<br />

narradora, o <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong><br />

palavras, a sua substituição apressada<br />

por outras que têm <strong>um</strong> significado<br />

diferente, a perda <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>s<br />

cognitivas, a mania <strong>de</strong> ter tudo<br />

sempre arr<strong>um</strong>ado e sem mudar <strong>de</strong><br />

sítio, e a incompreensão mútua <strong>de</strong><br />

pessoas <strong>de</strong> diferentes ida<strong>de</strong>s; a<br />

segunda parte (“Não me faças<br />

perguntas, que eu não te conto<br />

mentiras”), em jeito <strong>de</strong> subversiva (e<br />

absurda) história <strong>de</strong> fadas, tem lugar<br />

n<strong>um</strong> “spa” pós-comunista para on<strong>de</strong><br />

três mulheres velhas e caquéticas<br />

(Pupa, Beba e Kukla) vão em busca<br />

<strong>de</strong> tentar manter os seus corpos e<br />

mentes “apresentáveis”; lá<br />

encontram <strong>um</strong> estranho médico e<br />

ainda <strong>um</strong> massagista com <strong>um</strong>a<br />

“erecção permanente” <strong>de</strong>vido a <strong>um</strong><br />

distúrbio causado pela explosão <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a bomba na guerra da Bósnia…<br />

pelo meio, para além <strong>de</strong> muitas e<br />

<strong>de</strong>liciosas reflexões sobre memória e<br />

loucura, há a morte <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>las e a<br />

tentativa <strong>de</strong> preservação do corpo<br />

n<strong>um</strong> gigantesco ovo <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. A<br />

terceira parte (“Quem sabe <strong>de</strong>mais,<br />

cedo <strong>de</strong>mais envelhece”) é <strong>um</strong><br />

aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Dubravka Ugreši escreveu <strong>um</strong>a história sobre morte, sexualida<strong>de</strong><br />

e envelhecimento que ilustra a tendência <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as socieda<strong>de</strong>s para<br />

“<strong>de</strong>monizar” as mulheres idosas<br />

comentário, feito n<strong>um</strong> registo mais<br />

ensaístico, às duas primeiras partes,<br />

por <strong>um</strong>a personagem que aparece<br />

quase no início, <strong>um</strong>a jovem<br />

estudante <strong>de</strong> folclore eslavo que<br />

il<strong>um</strong>ina o leitor quanto às<br />

correspondências do que foi narrado<br />

com o mito <strong>de</strong> Baba Yaga. Este é <strong>um</strong><br />

romance originalíssimo sobre<br />

feminilida<strong>de</strong> e envelhecimento,<br />

sexualida<strong>de</strong> e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, amor e<br />

segredos.<br />

Um tempo <strong>de</strong><br />

impostores<br />

A dimensão heróica convive<br />

mal com a crónica literata,<br />

mas a secura da prosa<br />

proporciona momentos<br />

fortes. Eduardo Pitta<br />

O Revisor<br />

Ricardo Menén<strong>de</strong>z Salmón<br />

(Trad. Helena Pitta<br />

Porto Editora<br />

mmmnn<br />

Entre os autores espanhóis com<br />

menos <strong>de</strong> 40 anos, Ricardo<br />

Menén<strong>de</strong>z Salmón (n. 1971) é <strong>um</strong> dos<br />

mais interessantes. Publicou<br />

romances (oito), ensaio, poesia,<br />

teatro e crónica. O livro mais<br />

recente, “La luz es más antigua que<br />

el amor” (2010), faz <strong>um</strong> “travelling”<br />

Entre os autores espanhóis<br />

com menos <strong>de</strong> 40 anos, Ricardo<br />

Menén<strong>de</strong>z Salmón é <strong>um</strong> dos mais<br />

interessantes<br />

entre a Peste Negra<br />

<strong>de</strong> 1350 e o 11 <strong>de</strong><br />

Setembro <strong>de</strong> 2001,<br />

tarefa impossível<br />

sem o domínio<br />

perfeito dos<br />

recursos narrativos.<br />

Salmón atingiu o<br />

patamar da<br />

consagração com a Trilogia do Mal:<br />

“A Ofensa”, várias vezes premiado e<br />

unânimemente consi<strong>de</strong>rado o<br />

melhor romance espanhol <strong>de</strong> 2007;<br />

“Derrocada” (2008) e “O Revisor”<br />

(2009). O terceiro acaba <strong>de</strong> ser<br />

traduzido.<br />

A trilogia que “O Revisor” encerra<br />

é <strong>um</strong>a reflexão sobre as raízes do<br />

Mal: massacre <strong>de</strong> inocentes e outros<br />

episódios aviltantes da II Gran<strong>de</strong><br />

Guerra (“A Ofensa”); condição<br />

h<strong>um</strong>ana e bestialida<strong>de</strong> na cida<strong>de</strong><br />

imaginária <strong>de</strong> Promenadia, que é<br />

como quem diz, Gijón (“Derrocada”)<br />

e, a fechar, estupor, mentira e<br />

sequelas dos atentados <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong><br />

Março <strong>de</strong> 2004 em Madrid: “Quando<br />

o primeiro comboio foi pelos ares,<br />

<strong>de</strong>rramando sobre as nossas<br />

pequenas e esforçadas vidas <strong>um</strong><br />

aluvião <strong>de</strong> sangue, cólera e medo, eu<br />

[...] corrigia <strong>um</strong>as provas <strong>de</strong><br />

‘Demónios’ <strong>de</strong> Fiódor Dostoiévski.”<br />

Vladimir, o narrador, é revisor<br />

literário, ou seja, alguém que sabe<br />

que a linguagem cria e modifica a<br />

realida<strong>de</strong>: «Perverter a realida<strong>de</strong><br />

através da linguagem [...] é <strong>um</strong>a das<br />

maiores conquistas do po<strong>de</strong>r.”<br />

Escrito a partir das Astúrias como<br />

se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a crónica se tratasse (o


narrador “arr<strong>um</strong>a” os<br />

acontecimentos <strong>de</strong> que foi<br />

testemunha <strong>um</strong> ano antes), nem por<br />

isso este romance per<strong>de</strong> tensão<br />

dialéctica. Truques <strong>de</strong><br />

metalinguagem, elipses, envios<br />

(Platão, Nabokov, DeLillo, etc.), i.e.,<br />

material atinente à profissão <strong>de</strong><br />

Vladimir, não ilu<strong>de</strong>m o essencial:<br />

“Ninguém, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que existem<br />

ágoras, mentiu tanto como os<br />

políticos.” Salmón está zangado.<br />

Porém, se por vezes a moral turva o<br />

juízo (estamos <strong>de</strong> volta à literatura<br />

comprometida), a secura da prosa<br />

resiste a boa altura. Palavras suas: “a<br />

literatura, por <strong>de</strong>finição, é a<br />

fraternida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>talhe.”<br />

N<strong>um</strong> tempo em que os conceitos<br />

<strong>de</strong> justiça, <strong>de</strong>mocracia e liberda<strong>de</strong><br />

per<strong>de</strong>m o sentido, o <strong>de</strong>mónio são os<br />

outros. Os políticos foram<br />

aperfeiçoando a arte da mentira, <strong>de</strong><br />

modo que “os bons tempos já estão<br />

a chegar ao fim há <strong>um</strong>as quantas<br />

primaveras”. Corolário: “há-<strong>de</strong> ir<br />

tudo para a merda.” Não admira que<br />

Heraclito seja chamado à colação.<br />

Para Salmón não há inocentes. Os<br />

masacres <strong>de</strong> Atocha (três bombas), El<br />

Pozo <strong>de</strong>l Tío Raimundo (duas), Santa<br />

Eugenia (<strong>um</strong>a) e calle <strong>de</strong> Téllez<br />

(quatro), com o seu cortejo <strong>de</strong> horror,<br />

mortos (191) e feridos (dois mil),<br />

interpelam directamente o po<strong>de</strong>r:<br />

Aznar, chefe do governo, mentiu.<br />

Otegi, lí<strong>de</strong>r do Batasuna e “vigário da<br />

ETA na arena política”, não<br />

convenceu ninguém. Naquele dia,<br />

centenas <strong>de</strong> satélites focavam “os<br />

seus olhos <strong>de</strong> silício sobre o coração<br />

<strong>de</strong> Madrid”, porque o mundo “tinha<br />

parado sobre a sucata dos quatro<br />

comboios.”<br />

Escrito a dois tempos, o da<br />

indignação (Madrid) e o do tédio<br />

(algures nas Astúrias), o discurso<br />

per<strong>de</strong> fôlego quando o narrador se<br />

per<strong>de</strong> n<strong>um</strong>a horta, “entre cenouras,<br />

morangos e urtigas.” O primeiro tem<br />

dificulda<strong>de</strong> em <strong>de</strong>scobrir “o pathos<br />

do Mal ao <strong>de</strong>ambular entre os [seus]<br />

vizinhos como <strong>um</strong> <strong>de</strong>us homérico<br />

diante das muralhas <strong>de</strong> Tróia.” O<br />

segundo discreteia sobre a profissão<br />

<strong>de</strong> revisor... Verda<strong>de</strong> que nada disto<br />

impe<strong>de</strong> momentos fortes, como<br />

sejam as reflexões sobre a orientação<br />

cognitiva (a ‘Weltanschauung’) do<br />

lí<strong>de</strong>r do Batasuna, <strong>um</strong> <strong>homem</strong> que<br />

“teria dançado o Deutschland über<br />

alles ou o raio da dança da chuva em<br />

cima das nossas t<strong>um</strong>bas.” Diria que a<br />

dimensão “heróica” convive mal com<br />

a crónica literata <strong>de</strong>ste tempo <strong>de</strong><br />

impostores.<br />

A título <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong> refira-se<br />

que, além <strong>de</strong> Salmón, outros<br />

escritores espanhóis utilizaram os<br />

atentados <strong>de</strong> Madrid como tema<br />

literário: Luis Mateo Díez, “La piedra<br />

en el corazón” (2006), Blanca<br />

Riestra, “Madrid blues” (2008),<br />

Adolfo García Ortega, “El mapa <strong>de</strong> la<br />

vida” (2009) e Manuel Gutiérrez<br />

Aragón, “La vida antes <strong>de</strong> marzo”<br />

(2009). Quanto sei, o <strong>de</strong> Salmón é o<br />

único publicado em Portugal.<br />

Poesia<br />

Malcontente<br />

Uma peregrinação céptica a<br />

Itália. Pedro Mexia<br />

Erros Individuais<br />

José Miguel Silva<br />

Relógio D’Água<br />

mmmnn<br />

Que faz <strong>um</strong> céptico<br />

hedonista e<br />

quezilento no país<br />

da arte sacra? É a<br />

pergunta <strong>de</strong> José<br />

Miguel Silva em<br />

“Erros Individuais”,<br />

<strong>um</strong> livro <strong>de</strong> poemas<br />

florentinos que não<br />

ce<strong>de</strong> ao <strong>de</strong>sl<strong>um</strong>bramento esteticista e<br />

<strong>de</strong>monstra antes <strong>um</strong>a <strong>de</strong>sconfiança<br />

hostil. Florença é <strong>um</strong> museu, e em<br />

gran<strong>de</strong> medida <strong>um</strong> museu religioso,<br />

<strong>um</strong> “intérmino <strong>de</strong>sfile / <strong>de</strong> agonias,<br />

ascensões e pietás”. E se em geral os<br />

incréus conce<strong>de</strong>m <strong>um</strong>a moratória<br />

estética ao belo cristão, isso não<br />

acontece <strong>de</strong> todo com José Miguel<br />

Silva. Para ele, a arte cristã é<br />

“publicida<strong>de</strong>” a <strong>um</strong>a “patranha” e<br />

<strong>um</strong> “negócio”. E é esse ass<strong>um</strong>ido<br />

<strong>de</strong>sconforto que faz a singularida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ste vol<strong>um</strong>e.<br />

Voltemos à citação inicial: “Que faz<br />

<strong>um</strong> céptico hedonista e quezilento /<br />

no país da arte sacra? Como po<strong>de</strong> /<br />

libertar-se da noção <strong>de</strong> que estes<br />

jogos / <strong>de</strong> vol<strong>um</strong>es, estes planos<br />

vivamente / coloridos, representam<br />

tudo aquilo em / que não crê: o<br />

fanatismo, a vi<strong>de</strong>iterna, / o sacrifício<br />

do corpo? Deambula / pelas salas<br />

como <strong>um</strong> cão esfomeado / por <strong>um</strong><br />

campo <strong>de</strong> tremoço, sem achar / em<br />

tão exótica e senil mitologia / firma<br />

carne on<strong>de</strong> ferrar o pensamento”<br />

(p (pág. g 25). ) Turista <strong>de</strong>sconfiado no<br />

meio <strong>de</strong> turistas<br />

empáticos, José<br />

Miguel Silva <strong>de</strong>ixa<br />

esta esta interrogação<br />

importante: até<br />

que ponto<br />

somos capazes<br />

<strong>de</strong> nos abstrair<br />

dos aspectos<br />

i<strong>de</strong>ológicos na<br />

contemplação<br />

estética?<br />

Poeta<br />

Para José Miguel Silva a arte<br />

cristã é “publicida<strong>de</strong>” a <strong>um</strong>a<br />

“patranha” e <strong>um</strong> “negócio”<br />

e é esse ass<strong>um</strong>ido <strong>de</strong>sconforto<br />

que faz a singularida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ste vol<strong>um</strong>e<br />

vigorosamente “político”, José Miguel<br />

consi<strong>de</strong>ra esse exercício quase<br />

impossível. Vê no apogeu florentino o<br />

triunfo do catolicismo, e o<br />

catolicismo, segundo ele, é <strong>um</strong>a<br />

forma <strong>de</strong> dominação, <strong>um</strong> tráfico <strong>de</strong><br />

consolo, <strong>um</strong>a <strong>de</strong>gradação da<br />

compaixão e <strong>um</strong>a repressão dos<br />

instintos. A atitu<strong>de</strong> mais pacífica seria<br />

a tal abstracção estética, que não se<br />

<strong>de</strong>tém na i<strong>de</strong>ologia, como <strong>de</strong>fendia<br />

Gramsci acerca <strong>de</strong> Dante; mas o<br />

poeta português ass<strong>um</strong>e a sua<br />

dificulda<strong>de</strong> e a sua irritação.<br />

Ao elogio do “espiritual”,<br />

contrapõe realida<strong>de</strong>s terrenas e<br />

carnais. Cenas bíblicas geram nele<br />

<strong>um</strong>a apetência pela pintura<br />

doméstica holan<strong>de</strong>sa. E quando vê<br />

<strong>um</strong>a nativida<strong>de</strong> (<strong>de</strong> Ghirlandaio)<br />

apetece-lhe dizer que vale mais não<br />

nascer. Ainda assim, tem perfeita<br />

noção <strong>de</strong> que aquilo que para os<br />

antigos era catequese, <strong>de</strong> tal modo<br />

que até os analfabetos entendiam, se<br />

tornou para os mo<strong>de</strong>rnos <strong>um</strong> jogo <strong>de</strong><br />

formas e vol<strong>um</strong>es: “Para nós é tudo<br />

vago, / duvidoso. Só as formas / nos<br />

consolam, e as cores, / a impostura<br />

da beleza” (pág. 28).<br />

Em Itália, não é apenas a religião<br />

que incomoda o poeta, mas o<br />

dinheiro. A secção chamada “Via <strong>de</strong>i<br />

Malcontenti” leva <strong>um</strong>a citação <strong>de</strong><br />

Lewis M<strong>um</strong>ford, que diz que o i<strong>de</strong>al<br />

<strong>de</strong>mocrático foi corrompido pelo<br />

capitalismo. Florença foi <strong>um</strong>a capital<br />

financeira, e José Miguel Silva<br />

abomina o “homo economicus”. O<br />

comércio e a especulação são vistos<br />

como <strong>um</strong>a peste, à maneira das<br />

epi<strong>de</strong>mias que grassavam nas cida<strong>de</strong>s<br />

italianas antigas. A opulência<br />

florentina prova que a arte é muitas<br />

vezes <strong>um</strong>a glorificação do dinheiro.<br />

Os ricos, mortais tal como os pobres,<br />

sonham com a posterida<strong>de</strong>, e<br />

durante séculos conseguiram <strong>um</strong>a<br />

posterida<strong>de</strong> artística, pois eram<br />

mecenas. Isso, reconhece o poeta a<br />

contragosto, é <strong>um</strong> bem. Embora ele<br />

se coloque q <strong>de</strong> preferência p ao lado dos<br />

“malcontentes”, os con<strong>de</strong>nados ou<br />

<strong>de</strong>sprovidos. Daí que, qu n<strong>um</strong>a igreja,<br />

recolha imaginad imaginadas vozes <strong>de</strong><br />

diversos malcontentes, malcon que olham<br />

os tectos magníf magníficos enquanto<br />

<strong>de</strong>sfiam a sua “raiva “r e<br />

<strong>de</strong>sconsolo”.<br />

A viagem em IItália<br />

é mais<br />

amena noutras pa paragens, e<br />

aparecem exemplos exemplo <strong>de</strong> como é<br />

possível conjugar “bom “b gosto e bom<br />

governo”. A Tosc Toscânia, <strong>um</strong> edénico<br />

“parque do possível”, p é<br />

mesmo ocasião <strong>de</strong><br />

alguns algu raros<br />

momentos m <strong>de</strong><br />

simples s entrega<br />

estética, e e <strong>de</strong>pois<br />

surgem s cida<strong>de</strong>s<br />

on<strong>de</strong> o se reconhece<br />

o equilíbrio<br />

renascentista,<br />

vagamente laico,<br />

e menos<br />

aristocrático do<br />

que<br />

Isabel<br />

Coutinho<br />

Ciberescritas<br />

Alegria, alegria. O escritor Paulo Roberto Pires<br />

(durante anos director editorial da Agir e<br />

Nova Fronteira – foi o editor <strong>de</strong> Rubem<br />

Fonseca quando o escritor saiu da<br />

Companhia das Letras) andava <strong>de</strong>saparecido.<br />

O blogue que mantinha na revista brasileira “Bravo!” –<br />

<strong>um</strong>a revista mensal <strong>de</strong> cultura on<strong>de</strong> escreve - estava há<br />

meses parado. Mas aquele que é agora o editor da<br />

“serrote”, <strong>um</strong>a revista quadrimestral (sai em Março,<br />

Julho e Novembro) <strong>de</strong> ensaios, literatura, fotografia e arte<br />

publicada pelo Instituto Moreira Salles (IMS), <strong>de</strong>u à costa.<br />

A boa notícia é que po<strong>de</strong>mos agora ler os seus textos no<br />

Blog do IMS, que foi lançado a 24 <strong>de</strong> Janeiro. “É com a<br />

liberda<strong>de</strong> da primeira pessoa e a eleição livre <strong>de</strong> temas<br />

que começo hoje minha terceira encarnação <strong>de</strong><br />

blogueiro”, diz ele (as encarnações anteriores foram as<br />

suas participação no site em NoMínimo e na “Bravo!”).<br />

Nesta primeira crónica, Paulo fala da leitura que fez <strong>de</strong><br />

“How to live – A life of Montaigne in one question and<br />

twenty atempts at an answer”, <strong>de</strong> Sarah Bakewell.<br />

O Blog do IMS é <strong>um</strong> complemento do website do<br />

instituto cultural brasileiro (www.ims.com.br). Tem<br />

conteúdos exclusivos e secções fi xas. Por exemplo,<br />

“Sala 21”: convida fotógrafos brasileiros a produzirem<br />

<strong>um</strong> ensaio visual, on<strong>de</strong> mostram imagens inéditas ou<br />

propõem novo olhar sobre seu trabalho. “A proposta<br />

é formar, ao fi m da série, <strong>um</strong> recorte signifi cativo da<br />

fotografi a brasileira contemporânea a partir <strong>de</strong> nomes<br />

que não integram o acervo IMS, mas que exercem<br />

trabalhos relevantes e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> interesse doc<strong>um</strong>ental e<br />

estético”, explica-se. A primeira galeria virtual publicada<br />

nessa secção - “Série 6x6” – foi realizada pelo fotógrafo<br />

Luiz Braga (artista convidado do pavilhão brasileiro<br />

na Bienal <strong>de</strong> Veneza em 2009). Na secção “Quadro a<br />

quadro”, pinturas e <strong>de</strong>senhos do acervo <strong>de</strong> artes plásticas<br />

do IMS serão comentados por<br />

O Blog do IMS foi<br />

lançado a 24 <strong>de</strong> Janeiro<br />

Blog do IMS<br />

http://blogdoims.<br />

uol.com.br/<br />

(Ciberescritas já é<br />

<strong>um</strong> blogue http://<br />

blogs.publico.pt/<br />

ciberescritas)<br />

Nada (e tudo) <strong>de</strong> cultura<br />

convidados – na estreia do<br />

blogue, é o crítico e escritor<br />

Davi Arrigucci Jr. que escreve<br />

sobre o quadro “Duas fi guras”<br />

(1920), <strong>de</strong> Ismael Nery. E<br />

na secção “Por <strong>de</strong>ntro do acervo” obras <strong>de</strong> fotógrafos<br />

consagrados que pertencem ao acervo do IMS são<br />

comentadas (em áudio) por especialistas – o antropólogo<br />

Eduardo Viveiros <strong>de</strong> Castro fala, na estreia, sobre imagens<br />

<strong>de</strong> índios feitas por Maureen Bisilliat, Marc Ferrez, José<br />

Me<strong>de</strong>iros, Henri Ballot, Alice Brill e Albert Frisch.<br />

A revista <strong>de</strong> ensaios “serrote” também tem o seu<br />

espaço nesta página web. Secção “Desentendimento”:<br />

ví<strong>de</strong>os on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>batem temas importantes <strong>de</strong> cultura e<br />

política. O Lulismo é o primeiro assunto discutido, com<br />

<strong>um</strong>a conversa entre os cientistas políticos André Singer<br />

e José Arthur Giannotti, mediada pelo jornalista Mário<br />

Sergio Conti.<br />

Por fi m, “Correspondência” é <strong>um</strong>a secção muito<br />

engraçada. Dois convidados, que já se conhecem,<br />

trocam mensagens cujo tema será escolhido por eles<br />

próprios. A primeira conversa é entre o escritor Daniel<br />

Galera (publicado por cá, na Caminho) e o editor<br />

André Conti. Durante dois meses, os dois trocarão<br />

cartas semanalmente. Falam <strong>de</strong> livros, literatura, jogos,<br />

Internet e <strong>de</strong> tatuagens. Já se po<strong>de</strong> espreitar a primeira<br />

carta <strong>de</strong> Galera: “Tava pensando em te consultar a<br />

respeito <strong>de</strong> <strong>um</strong> assunto, e esse assunto é: tatuagens”,<br />

diz o escritor. “Queria tatuar ‘This is water’, a expressão<br />

imortalizada pelo David Foster Wallace no discurso <strong>de</strong><br />

paraninfo do Kenyon College. Sei que é <strong>um</strong> clichê, mas<br />

o próprio DFW era <strong>de</strong>fensor do valor dos clichês, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que bem empregados.”<br />

isabel.coutinho@publico.pt<br />

Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 37


Livros<br />

sensatamente burguês: “Nas<br />

cida<strong>de</strong>s educadas, como Siena, / as<br />

casas fazem os homens e não / os<br />

homens as casas” (pág. 43), escreve<br />

José Miguel Silva, n<strong>um</strong> verso que tem<br />

ecos <strong>de</strong> Pound.<br />

A Itália, auge da civilização<br />

renascentista, é <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo que José<br />

Miguel Silva não repudia, embora<br />

reclame <strong>um</strong>a aceitação a benefício <strong>de</strong><br />

inventário, e a título estritamente<br />

ateu e <strong>de</strong>sencantado. Talvez não<br />

fosse necessária, por isso, a coda<br />

portuguesa. Sena e Magalhães<br />

escreveram que baste sobre o país da<br />

lisonja, da fealda<strong>de</strong>, da<br />

mediocrida<strong>de</strong>, do egoísmo, da<br />

obediência, <strong>de</strong> modo que os últimos<br />

poemas <strong>de</strong> “Erros Individuais”, que<br />

voltam a essa toada, acrescentam<br />

pouco. Essa “peregrinatio ad loca<br />

infecta” é previsível. Mas a<br />

peregrinação a Itália tinha <strong>de</strong>ixado<br />

alg<strong>um</strong>as perguntas pessoais,<br />

incómodas e agudas.<br />

Ensaio<br />

O sexo como<br />

pecado<br />

A ortodoxia sexual na<br />

origem <strong>de</strong> quase todos os<br />

códigos morais. Bruno<br />

Horta<br />

Sex at Dawn<br />

Christopher Ryan e<br />

Cacilda Jethá<br />

Harper Collins<br />

mmmnn<br />

História do<br />

Pecado<br />

Oliver Thomson<br />

Guerra & Paz<br />

mmnnn<br />

Oliver Thomson<br />

(Birmingham, 1936)<br />

confessa a<br />

impotência: “Na<br />

História social, é<br />

possível registar <strong>um</strong>a melhoria<br />

regular no bem-estar material, nos<br />

cuidados <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, na tecnologia,<br />

nos transportes, e assim por diante.<br />

Até na História política po<strong>de</strong>rá haver<br />

alg<strong>um</strong>a linha <strong>de</strong> progresso na<br />

evolução da <strong>de</strong>mocracia e dos<br />

direitos h<strong>um</strong>anos.” Mas na História<br />

moral a subjectivida<strong>de</strong> domina e as<br />

fontes são caprichosas, pelo que “não<br />

se po<strong>de</strong> fazer <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>ira<br />

tentativa <strong>de</strong> registar o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento ético <strong>de</strong> nações ou<br />

comunida<strong>de</strong>s”.<br />

Porquê, então, chamar ao livro<br />

“História do Pecado”? O título da<br />

edição original dá <strong>um</strong>a resposta<br />

convincente, através do artigo<br />

in<strong>de</strong>finido que a tradução<br />

38 • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • Ípsilon<br />

portuguesa, ou insondáveis opções<br />

editoriais, <strong>de</strong>ixaram cair: “A History<br />

of Sin” (1993).<br />

Os problemas <strong>de</strong>sta tradução são,<br />

aliás, frequentes: “Têm havido<br />

n<strong>um</strong>erosas doutrinas” (p.53); “o<br />

direito à sepultura viria a ser <strong>um</strong> dos<br />

direitos tradicionais do <strong>homem</strong> mais<br />

arreigado e inalienável” (p.87).<br />

O autor é formado em História pela<br />

Trinity College, em Cambridge, foi<br />

professor <strong>de</strong> Comunicação Social e<br />

História na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Glasgow<br />

e actualmente dirige <strong>um</strong>a agência <strong>de</strong><br />

publicida<strong>de</strong> – informa a badana do<br />

livro. Sendo <strong>um</strong>a pessoa <strong>de</strong> ciência,<br />

estranha-se que faça as seguintes<br />

afirmações: “O lesbianismo, ou a<br />

adopção <strong>de</strong> hábitos masculinos por<br />

parte das mulheres […] disseminouse<br />

no mundo inteiro na década <strong>de</strong> 60<br />

e foi racionalizado com mais eficácia<br />

do que nunca, nomeadamente<br />

através do arg<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> que se<br />

justifica enquanto meio <strong>de</strong> controlo<br />

populacional” (p.43). “A necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>fesa com<strong>um</strong> contra os<br />

animais [por parte do Homem <strong>de</strong><br />

Nean<strong>de</strong>rtal] e, mais tar<strong>de</strong>, contra<br />

outros homens, tornou-se na base do<br />

patriotismo tribal e da ética militar.<br />

Levou também ao papel subsidiário<br />

das mulheres” (p. 87). “Filipe <strong>de</strong><br />

Orleães, <strong>um</strong> alcoólico e travesti que<br />

usava maquilhagem, […] dava-se com<br />

‘coquettes’ e o que eram chamados<br />

‘roués’, viciados n<strong>um</strong>a ronda<br />

interminável <strong>de</strong> orgias mesquinhas”<br />

(p. 255).<br />

A capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> síntese do autor<br />

atraiçoa-o, portanto. Mas noutros<br />

momentos é valiosa. Thomson<br />

res<strong>um</strong>e cinco factores que<br />

influenciam a criação <strong>de</strong> códigos<br />

morais: compaixão, amor pela<br />

família, auto<strong>de</strong>fesa cooperativa,<br />

<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> aprovação e preferência<br />

por processos <strong>de</strong>cisórios fáceis. Três<br />

componentes <strong>de</strong> protecção<br />

sistematicamente presentes nos<br />

sistemas éticos: protecção da vida, do<br />

ciclo reprodutivo e da provisão<br />

alimentar. E cinco princípios<br />

fundamentais <strong>de</strong>sses códigos:<br />

reciprocida<strong>de</strong> (recompensa/castigo),<br />

altruísmo (“ama o teu próximo como<br />

a ti mesmo”, diz o livro que foi Moisés<br />

quem disse, mas foi Deus a dizer-lhe<br />

a ele); obediência (h<strong>um</strong>ilda<strong>de</strong> como<br />

virtu<strong>de</strong>), absolutos (tabus; sim e não;<br />

preto e branco) e cost<strong>um</strong>es<br />

(comportamento como extensão<br />

estética dos padrões éticos).<br />

A obra está dividida em três partes.<br />

Na primeira, figuram as origens dos<br />

códigos morais <strong>de</strong> diversas épocas e<br />

comunida<strong>de</strong>s. “Um código moral<br />

po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido enquanto sistema<br />

<strong>de</strong> padrões éticos pelo qual<br />

<strong>de</strong>terminada socieda<strong>de</strong> controla o<br />

comportamento dos seus indivíduos”<br />

(p.25). A filiação elitista da<br />

moralida<strong>de</strong> é sublinhada com<br />

insistência: “Quem <strong>de</strong>tém os cordões<br />

da bolsa [utiliza-a] para ajudar a<br />

instilar o tipo <strong>de</strong> ética mais passível<br />

<strong>de</strong> manter essa riqueza. Deste modo,<br />

o algodão fez da escravatura na<br />

“Sex at Dawan”: separar pratica e simbolicamente<br />

a sexualida<strong>de</strong> do amor e o <strong>de</strong>sejo da intimida<strong>de</strong><br />

América e do trabalho infantil no<br />

condado inglês <strong>de</strong> Lancashire <strong>um</strong>a<br />

virtu<strong>de</strong>” (p. 23).<br />

Na segunda parte, Thomson entra<br />

no tema. Começa cedo, nos<br />

caçadores-recolectores, e vem até ao<br />

século XX, muitas vezes em registo <strong>de</strong><br />

catálogo <strong>de</strong> cruelda<strong>de</strong>s. Na terceira<br />

parte, a mais curta, <strong>de</strong>ixa <strong>um</strong>a visão<br />

<strong>de</strong> futuro: “A moral bem-sucedida<br />

tem-se baseado no medo. Medo <strong>de</strong><br />

sofrer, do castigo, do ridículo, da<br />

censura ou <strong>de</strong> tormentos eternos. […]<br />

O <strong>de</strong>safio para o século XXI está em<br />

construir <strong>um</strong> novo ‘ethos’ <strong>de</strong><br />

maturida<strong>de</strong> baseado em objectivos<br />

positivos e não negativos” (p. 353).<br />

A poligamia é <strong>um</strong> conceito a que o<br />

autor <strong>de</strong>dica alg<strong>um</strong>a atenção, mas<br />

também aqui parece cair na síntese<br />

fácil. “Poucas socieda<strong>de</strong>s optaram<br />

por negar ou reduzir o valor da<br />

unida<strong>de</strong> familiar básica enquanto<br />

núcleo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social e<br />

<strong>de</strong> carácter”, mas são “n<strong>um</strong>erosas as<br />

socieda<strong>de</strong>s que têm apoiado a<br />

poligamia, seja sob a forma <strong>de</strong><br />

poligenia [a tradução volta a falhar,<br />

querendo, por certo, referir-se a<br />

poliginia] ou poliandria” (p. 39). Teria<br />

sido útil <strong>de</strong>finir “unida<strong>de</strong> familiar<br />

básica” e ir além daquilo a que as<br />

teorias queer chamam<br />

“heterossexismo compulsivo”.<br />

Neste particular, “Sex at Dawn: The<br />

Prehistoric Origins of Mo<strong>de</strong>rn<br />

Sexuality”, do psicólogo Christopher<br />

Ryan e da psiquiatra Cacilda Jethá é<br />

mais equilibrado. Um pouco mais.<br />

aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

(Segundo se lê no site criado para<br />

promover a obra, sexatdawn.com,<br />

Cacilda Jethá nasceu em<br />

Moçambique, n<strong>um</strong>a família <strong>de</strong><br />

origem goesa, estudou medicina em<br />

Portugal, regressou a Moçambique<br />

para trabalhar na área do VIH/sida e<br />

<strong>de</strong>pois voltou a <strong>Lisboa</strong> para fazer a<br />

especialida<strong>de</strong> em psiquiatria, no<br />

hospital Júlio <strong>de</strong> Matos. Actualmente,<br />

vive em Barcelona, tal como o coautor<br />

do livro.)<br />

Ryan e Jethá rejeitam, grosso<br />

modo, os códigos morais dominantes<br />

relativos ao casamento, à estrutura<br />

familiar e à sexualida<strong>de</strong>. Defen<strong>de</strong>m<br />

que a poligamia e a promiscuida<strong>de</strong><br />

sexual (“relacionamentos sexuais<br />

simultâneos”) são comportamentos<br />

naturais nos h<strong>um</strong>anos e noutros<br />

primatas. A cultura é que opera a<br />

repressão <strong>de</strong>sses comportamentos, o<br />

que muitas vezes está na origem do<br />

insucesso das relações, sobretudo o<br />

casamento.<br />

A proposta dos autores é a <strong>de</strong><br />

separar pratica e simbolicamente a<br />

sexualida<strong>de</strong> do amor e o <strong>de</strong>sejo da<br />

intimida<strong>de</strong>. “Não achamos que os<br />

h<strong>um</strong>anos nasçam hippies marxistas<br />

ou que o amor romântico não fosse<br />

importante para as comunida<strong>de</strong>s<br />

pré-históricas. Dizemos, antes, que a<br />

cultura contemporânea <strong>de</strong>svirtua a<br />

relação entre amor e sexo. Com ou<br />

sem amor, a sexualida<strong>de</strong> aleatória era<br />

a norma entre os nossos<br />

antepassados pré-históricos” (p. 6).<br />

Seguindo a máxima <strong>de</strong> La Fontaine<br />

<strong>de</strong> que os animais servem para dar<br />

lições aos homens, os autores<br />

buscam nos outros primatas a<br />

justificação para a necessida<strong>de</strong><br />

h<strong>um</strong>ana <strong>de</strong> poligamia. Dizem que os<br />

únicos primatas monogâmicos são os<br />

gibões e concluem que “nenh<strong>um</strong>a<br />

espécie <strong>de</strong> primatas gregários é<br />

monogâmica, a não ser, segundo a<br />

narrativa padrão, a espécie h<strong>um</strong>ana”<br />

(p. 64). “O sexo por prazer, com<br />

vários parceiros, é muito mais<br />

‘h<strong>um</strong>ano’ que animal” (p. 85).<br />

Um dos arg<strong>um</strong>entos é tão original<br />

quanto questionável: “Porque é que<br />

muitos homens heterossexuais ficam<br />

extasiados com filmes pornográficos<br />

em que vários homens têm sexo com<br />

<strong>um</strong>a única mulher? […] Várias<br />

explicações são possíveis, mas <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>las é a <strong>de</strong> que esse interesse encaixa<br />

bem n<strong>um</strong>a Pré-História caracterizada<br />

pela competição espermática” (p.<br />

231). Logo, caracterizada por<br />

socieda<strong>de</strong>s poligâmicas.<br />

Um problema se levanta neste<br />

arg<strong>um</strong>entário: a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que os<br />

comportamentos dos animais e da<br />

h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong> pré-histórica são <strong>um</strong><br />

referente para os h<strong>um</strong>anos <strong>de</strong> hoje.<br />

É, no mínimo, fazer <strong>de</strong> conta que a<br />

evolução das espécies nunca existiu<br />

e, ao mesmo tempo, insistir n<strong>um</strong><br />

“naturalismo” das coisas, que as<br />

Ciências Sociais <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m não fazer<br />

sentido. “Naturalismo” que ora serve<br />

para justificar a poligamia ora é a<br />

forma <strong>de</strong> “animalizar” os h<strong>um</strong>anos.<br />

Ryan e Jethá rebatem alg<strong>um</strong>as das<br />

i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Thomson, nomeadamente a<br />

questão da “unida<strong>de</strong> familiar básica”.<br />

O “nikah misyar” (casamento formal<br />

entre pares que vivem separados) e o<br />

“nikah mut’ah” (casamento informal,<br />

celebrado entre <strong>um</strong> <strong>homem</strong> e <strong>um</strong>a<br />

prostituta), ambos da tradição<br />

muçulmana sunita, são dados como<br />

exemplo <strong>de</strong> que neste aspecto não há<br />

<strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo universal. “Muitas das<br />

características que o Oci<strong>de</strong>nte<br />

consi<strong>de</strong>ra serem hoje fundamentais<br />

n<strong>um</strong> casamento são tudo menos<br />

universais: exclusivida<strong>de</strong> sexual,<br />

transmissão <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, relação<br />

prolongada no tempo. Nada disto é<br />

esperado em muitas das relações a<br />

que os psicólogos e antropólogos<br />

evolucionistas querem chamar<br />

casamento” (p. 122).<br />

Igualmente diferente da <strong>de</strong><br />

Thomson é a opinião que Ryan e<br />

Jethá têm sobre o início da<br />

subalternização social das mulheres.<br />

Deu-se há cerca <strong>de</strong> 10 mil anos, no<br />

Neolítico, não no Paleolítico (período<br />

a que pertence o Homem <strong>de</strong><br />

Nean<strong>de</strong>rtal). “Claramente, quem<br />

mais per<strong>de</strong> com a revolução agrícola,<br />

para além dos escravos, são as<br />

mulheres, que <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ter o papel<br />

central e respeitável da fase<br />

recolectora, tornando-se mais <strong>um</strong>a<br />

das proprieda<strong>de</strong>s que o <strong>homem</strong> tem<br />

<strong>de</strong> adquirir e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, tal como a<br />

casa, os escravos e o gado” (p. 14).<br />

Não é ainda <strong>um</strong>a pós-sexualida<strong>de</strong> o<br />

que “Sex at Dawn” propõe. Mas anda<br />

lá perto.


Exposições<br />

A ética<br />

do artista<br />

As muitas facetas <strong>de</strong> Vasco<br />

Araújo n<strong>um</strong>a exposição que<br />

tem a mentira por tema.<br />

Luísa Soares <strong>de</strong> Oliveira<br />

Mente-me (Lie to Me)<br />

De Vasco Araújo.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Filomena Soares. Rua da<br />

Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 19/03. 3ª a<br />

Sáb. das 10h às 20h.<br />

Fotografia, Ví<strong>de</strong>o e Escultura.<br />

mmnnn<br />

A mentira é <strong>um</strong> tema <strong>de</strong> primeira<br />

importância na política dos nossos<br />

dias. Se ela é consi<strong>de</strong>rada como <strong>um</strong>a<br />

falta <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za nos países <strong>de</strong><br />

tradição capitalista e protestante, as<br />

coisas funcionam <strong>de</strong> outro modo<br />

nos <strong>de</strong> cultura predominantemente<br />

católica, como o nosso. Por isso, a<br />

mais recente exposição <strong>de</strong> Vasco<br />

Araújo, “Mente-me” terá impactos<br />

diferentes consoante o público a que<br />

se <strong>de</strong>stina. A tradução inglesa do<br />

filme que constitui a parte principal<br />

da exposição (“Telos”, uns longos 17<br />

minutos <strong>de</strong> boa produção <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

texto adaptado <strong>de</strong> Rousseau – que já<br />

agora se escreve sem x no fim, ao<br />

contrário do que surge no genérico)<br />

acentua a vocação internacional que<br />

o artista preten<strong>de</strong> dar à sua obra, e<br />

justificará talvez os muitos erros<br />

ortográficos do português que<br />

pontua obras centradas na<br />

articulação entre imagem e texto.<br />

A obra <strong>de</strong> Vasco Araújo tem-se<br />

construído sobre a questão da<br />

alterida<strong>de</strong>. Além <strong>de</strong> artista, Araújo foi<br />

Agenda<br />

Inauguram<br />

Gil J. Wolman<br />

- Sou Imortal<br />

e Estou Vivo<br />

Porto. Museu<br />

<strong>de</strong> Serralves. R. Dom João <strong>de</strong> Castro, 210.<br />

Tel.: 226156500. De 28/01 a 27/03. 3ª a 6ª das 10h<br />

às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h.<br />

Inaugura hoje às 22h.<br />

Pintura, Filme, Outros.<br />

Diários Gráfi cos<br />

Em Almada: Não Somos<br />

Desenhadores Perfeitos<br />

De Clara Marta, Eduardo Salavisa,<br />

Francisco Vidal, Javier <strong>de</strong> Blas,<br />

entre outros.<br />

Cova da Pieda<strong>de</strong>. Museu da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Almada. Pç.<br />

João Raimundo. Tel.: 212734030. De 29/01 a 16/04.<br />

3ª a Sáb. das 10h às 18h. Inaugura amanhã às 17h.<br />

Desenho.<br />

Mappamundi<br />

De Guillermo<br />

Kuitca, Noriko<br />

Ambe, Neal Beggs,<br />

Daniel Chust<br />

Peters, entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção Berardo. Pç. Império -<br />

Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Tel.: 213612878. De 31/01<br />

a 24/04. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h<br />

às 19h. Inaugura 31/1 às 19h30.<br />

Pintura, Outros.<br />

também cantor lírico, e os diversos<br />

papéis que era levado a interpretar<br />

surgem ainda pontualmente em<br />

obras suas. No caso presente,<br />

encontramos sinais <strong>de</strong>ssa<br />

apropriação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> alheia nas<br />

séries “Telefonemas” (fotografias do<br />

autor representando diversas<br />

personagens e textos que<br />

reproduzem conversas telefónicas<br />

marcadas por equívocos <strong>de</strong><br />

aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

DANIEL ROCHA<br />

Em<br />

Londres<br />

L<br />

As peças que recuperam roupa e acessórios<br />

<strong>de</strong> vestir antigos reforçam o sentido teatral<br />

das fi cções criadas por Vasco Araújo<br />

Continuam<br />

Breve História da Lentidão<br />

e da Vertigem<br />

De João Maria Gusmão, Pedro Paiva.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Graça Brandão. R. dos Caetanos, 26.<br />

Tel.: 213469183/4. Até 12/03. 3ª a Sáb. das 11h às 20h.<br />

Ví<strong>de</strong>o. Fotografia. Escultura.<br />

Ver texto na pág. 25 e segs.<br />

Muros <strong>de</strong> Abrigo<br />

De Ana Vieira.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />

Perdigão. R. Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474.<br />

Até 03/04. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Instalação, Outros.<br />

Casa Com<strong>um</strong> - Obras da Colecção<br />

do CAM<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />

Perdigão. R. Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474.<br />

Até 03/04. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Instalação, Outros.<br />

Não Confi em<br />

nos Arquitectos<br />

De Didier<br />

Faustino.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro<br />

<strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna<br />

- José <strong>de</strong> Azeredo Perdigão. R. Dr. Nicolau<br />

Bettencourt. Tel.: 217823474. Até 03/04.<br />

3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Ví<strong>de</strong>o, Instalação, Escultura,<br />

Performance, Outros.<br />

Julião Sarmento<br />

vai estar no Starr<br />

Auditori<strong>um</strong> da Tate<br />

Mo<strong>de</strong>rn, em Londres,<br />

para <strong>um</strong>a conversa<br />

com o crítico Adrian<br />

Searle sobre os temas<br />

que marcam mais<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>), e sobretudo em<br />

“Amneris”, sobre <strong>um</strong>a cantora <strong>de</strong><br />

ópera que era a melhor Amneris <strong>de</strong><br />

Moscavi<strong>de</strong>… As peças tri e<br />

bidimensionais, dispostas na sala<br />

principal da galeria, expõem todas<br />

elas <strong>um</strong>a ficção e <strong>um</strong>a imagem com<br />

ela relacionada. As mais interessantes<br />

são aquelas on<strong>de</strong> o artista recupera<br />

roupa e acessórios <strong>de</strong> vestir antigos<br />

(“Dos sapatos” ou “o meu criado”,<br />

Tinta nos Nervos - Banda<br />

Desenhada Portuguesa<br />

De Richard Câmara, Diniz Conefrey,<br />

Eduardo Batarda, José Carlos<br />

Fernan<strong>de</strong>s, António Jorge Gonçalves,<br />

entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção Berardo. Pç. Império - Centro<br />

Cultural <strong>de</strong> Belém. Tel.: 213612878. Até 27/03. Sáb.<br />

das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h.<br />

Desenho, Ilustração, Outros.<br />

Retratos<br />

<strong>de</strong> Mulheres<br />

De Man Ray, Jorge<br />

Martins, Julião<br />

Sarmento.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação Arpad<br />

Szenes - Vieira da Silva.<br />

Pç. Amoreiras, 56/58. Tel.:<br />

213880044. Até 30/04. 2ª,<br />

4ª, 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. das<br />

10h às 18h.<br />

Fotografia.<br />

Uma história <strong>de</strong> amor<br />

De Bruno Pacheco.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Chiado 8 - Arte Contemporânea. Lg. Chiado,<br />

8 - Edifício Se<strong>de</strong> da Mundial-Confiança. Tel.:<br />

213237335. Até 11/03. 2ª a 6ª das 12h às 20h.<br />

Fotografia, Outros.<br />

Que Sais-Je?<br />

De Braço <strong>de</strong> Ferro, Isabel Carvalho,<br />

Von Calhau!, Ana Jotta, entre outro.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Vera Cortês - Agência <strong>de</strong> Arte. Av. 24 <strong>de</strong> Julho,<br />

profundamente a sua<br />

obra (a memória, o<br />

sexo, a transgressão, a<br />

moral). É já no dia 12 <strong>de</strong><br />

Fevereiro e os bilhetes<br />

custam <strong>de</strong> cinco a nove<br />

libras.<br />

por exemplo), <strong>de</strong>certo porque a<br />

ficção ou, se se quiser, a literatura – e<br />

já agora, a arte – pressupõem <strong>um</strong>a<br />

espécie <strong>de</strong> contrato entre leitor ou<br />

espectador e artista: sabemos<br />

sempre que não é verda<strong>de</strong>, mas<br />

agimos como se <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> se<br />

tratasse no momento em que fruímos<br />

da peça. Cada <strong>um</strong>a <strong>de</strong>stas peças,<br />

quer o armário cheio <strong>de</strong> roupa ou os<br />

diversos colarinhos engomados <strong>de</strong><br />

fardas <strong>de</strong> outros tempos, reforça o<br />

sentido teatral das ficções criadas<br />

pelo artista. Encontrámos<br />

mecanismos semelhantes noutras<br />

exposições <strong>de</strong> Vasco Araújo,<br />

nomeadamente “Debret”, que esteve<br />

em 2010 no Pavilhão Branco, e até<br />

mesmo na sua participação no<br />

prémio BESPhoto <strong>de</strong> 2007.<br />

É no filme que as coisas não<br />

andam tão bem. “Telos” consiste<br />

n<strong>um</strong>a divagação sobre a ética da<br />

mentira que chega à conclusão <strong>de</strong><br />

que esta, afinal, é h<strong>um</strong>ana, estando<br />

apenas isentos <strong>de</strong>la os animais (ou<br />

melhor, <strong>um</strong> cão, a quem Vasco<br />

Araújo empresta a sua voz). A peça,<br />

implicitamente, con<strong>de</strong>na<br />

moralmente todos aqueles que se<br />

vangloriam <strong>de</strong> estar isentos <strong>de</strong> falta,<br />

e, ao contrário do que o autor<br />

preten<strong>de</strong>, não levanta questões:<br />

apenas enuncia verda<strong>de</strong>s que, dada<br />

a complexida<strong>de</strong> do tema, serão<br />

apenas meias verda<strong>de</strong>s... De facto,<br />

possuir a verda<strong>de</strong> é – <strong>de</strong>ve ser –<br />

muito complicado. Mas também é<br />

<strong>um</strong> facto que certa arte<br />

contemporânea, como certos<br />

partidos políticos, se julga na<br />

obrigação <strong>de</strong> esclarecer o público<br />

sobre os males e <strong>de</strong>feitos que o<br />

assolam. Mesmo que seja com<br />

Rousseau, que até parece que<br />

pensava que todos nascíamos bons.<br />

54 - 1ºE. Tel.: 213950177. Até 25/03. 3ª a Sáb. das 14h<br />

às 19h.<br />

Obra Gráfica, Outros.<br />

Encenações<br />

De Manuel Amado.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Socieda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Belas Artes. R.<br />

Barata Salgueiro, 36. Tel.: 213138510. Até 15/03. 2ª<br />

a Sáb. das 14h às 20h.<br />

Pintura.<br />

Guimarães, Arte<br />

Contemporânea 2011<br />

De André Banha, Dalila Gonçalves,<br />

Diogo Evangelista, entre outros.<br />

Guimarães. Laboratório das Artes. Larg. do Toral.<br />

Até 10/04. 6ª e Sáb. das 16h às 19h.<br />

Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Av. D. Afonso<br />

Henriques, 701. Tel.: 253424700. Até 10/04. 3ª a<br />

Sáb. das 10h às 19h. Dom. das 14h às 19h.<br />

Instalação, Pintura, Desenho,<br />

Escultura, Outros.<br />

Que Horas São?<br />

De Alexandre Conefrey.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Giefarte. R. Arrábida, 54B. Tel.: 213880381.<br />

Até 16/03. 2ª a 6ª das 11h às 20h.<br />

Pintura.<br />

Casa-Carrossel<br />

De Fátima Mendonça.<br />

Porto. Galeria 111. R. D. Manuel II, 246. Tel.:<br />

226093279. Até 26/02. 3ª a 6ª das 10h às 19h30. 2ª<br />

e Sáb. das 15h às 19h30.<br />

Pintura.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 28 Janeiro 2011 • 39

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