13.04.2013 Views

ENTREVISTA Fábio Ulhoa Coelho e o novo Código ComerCial ...

ENTREVISTA Fábio Ulhoa Coelho e o novo Código ComerCial ...

ENTREVISTA Fábio Ulhoa Coelho e o novo Código ComerCial ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

distribuição gratuita edição 1 • ano 1 • março 2012<br />

josé edUardo Cardozo<br />

da PUC ao<br />

ministério<br />

entrevista <strong>Fábio</strong> <strong>Ulhoa</strong> <strong>Coelho</strong> e o <strong>novo</strong> <strong>Código</strong> <strong>ComerCial</strong><br />

escritório Pinheiro neto advogados<br />

Sapientia Faça Parte da assoCiação de alUnos e ex-alUnos<br />

artigos Crimes de trânsito Com motoristas embriagados<br />

dez anos do <strong>Código</strong> Civil<br />

e mais...


carta do editor<br />

PUc em PaUta<br />

retrosPectiva<br />

Profissão<br />

escritório<br />

Perfil<br />

entrevista<br />

áreas do direito<br />

caderno de ideias<br />

alUnos<br />

livros<br />

associação Sapientia<br />

edição 1 • ano 1 • março 2012<br />

sumário<br />

3 Carta aos puquianos<br />

5 PUC na sua totalidade<br />

9 Inovações jurídicas<br />

14 Ministério Público: essencial à justiça<br />

20 Pinheiro Neto Advogados<br />

28 José Eduardo Cardozo: da PUC ao Ministério<br />

40 <strong>Fábio</strong> <strong>Ulhoa</strong> <strong>Coelho</strong>: Um <strong>novo</strong> Direito Comercial<br />

50 Mercado financeiro e de capitais<br />

59 Artigos<br />

60 Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – eireli<br />

Manoel de Queiroz Pereira Calças<br />

68 Moots: ferramentas de desenvolvimento profissional e acadêmico<br />

Cláudio Finkelstein | Julia Schulz<br />

72 Os 10 anos do <strong>Código</strong> Civil sob a óptica civil constitucional<br />

Renan Lotufo | André Guimarães Avillés<br />

76 O Supremo Tribunal Federal e o plebiscito para<br />

desmembramento de Estado-membro<br />

Felipe Penteado Balera<br />

80 Crimes de trânsito com motoristas embriagados:<br />

culpa consciente ou dolo eventual?<br />

Christiano Jorge Santos<br />

86 Reflexão sobre a questão urbana brasileira<br />

Juliana Somekh<br />

90 Um direito penal do inimigo envolto em controvérsias<br />

Natália Pincelli<br />

96 O Direito enquanto veículo: a trajetória de uma jornalista<br />

100 Estante Fórum Jurídico<br />

102 PUC além das salas de aula


exPediente<br />

Editor-Chefe<br />

Filipe Facchini<br />

ffacchini@associacaosapientia.org.br<br />

2 Fórum jurídico<br />

EditorEs dE Matérias<br />

Ana carolina di Giacomo<br />

acdigiacomo@revistafj.org.br<br />

Luiz Guilherme rossi<br />

lrossi@revistafj.org.br<br />

Luis Gustavo dias<br />

ldias@associacaosapientia.org.br<br />

otávio Bressan<br />

obressan@revistafj.org.br<br />

Financeiro e Marketing<br />

Guilherme Garcia de oliveira<br />

gdeoliveira@associacaosapientia.org.br<br />

Colaboradores<br />

ana Carolina saad, bruno matos Ventura,<br />

Paula sandoval, sérgio Pinheiro marçal<br />

Projeto gráfico e direção de arte<br />

raquel matsushita<br />

Produção e diagramação<br />

juliana Freitas / Entrelinha design<br />

www.entrelinha.art.br<br />

rEaLizaÇÃo<br />

Coordenadora Editorial<br />

de Matérias<br />

raquel Arruda Soufen<br />

rsoufen@revistafj.org.br<br />

Nota aos leitores<br />

As opiniões expressas nos textos são de seus<br />

autores e não necessariamente da revista Fórum<br />

Jurídico ou da Associação Sapientia de Alunos e<br />

ex-alunos da Faculdade de direito da PuC-sP.<br />

tiragem: 4.000 exemplares<br />

Publicação semestral<br />

Coordenadora Editorial<br />

de artigos<br />

Clara Pacce Pinto serva<br />

cpserva@revistafj.org.br<br />

EditorEs dE artigos<br />

© Todos os direito reservados.<br />

André Avillés<br />

aavilles@revistafj.org.br<br />

julia Schulz<br />

jschulz@revistafj.org.br<br />

mylena Pesso de abreu<br />

mabreu@revistafj.org.br<br />

rodrigo Yves Favoretto dias<br />

rfavoretto@revistafj.org.br<br />

assoCiaÇÃo dE aLUNos E EX-aLUNos<br />

da FaCULdadE dE dirEito da PUC-sP<br />

diretor-Presidente<br />

Filipe Facchini<br />

ffacchini@associacaosapientia.org.br<br />

diretor Financeiro<br />

Guilherme Garcia de oliveira<br />

gdeoliveira@associacaosapientia.org.br<br />

diretor Executivo<br />

Luis Gustavo dias<br />

ldias@associacaosapientia.org.br<br />

assoCiE-sE<br />

associacao@associacaosapientia.org.br<br />

É proibida a reprodução ou transmissão de qualquer<br />

parte desta publicação em qualquer formato<br />

ou através de qualquer meio, seja eletrônico<br />

ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou<br />

qualquer sistema de armazenamento e recuperação<br />

de dados, sem autorização prévia por escrito.<br />

Vice-Coordenadora Editorial<br />

de artigos<br />

isabela cassará<br />

icassara@revistafj.org.br<br />

foto da caPa<br />

adriano machado | ag. istoÉ


carta do editor FiliPe FaCChini<br />

Carta aos<br />

puquianos<br />

A criação de um<br />

vínculo entre<br />

alunos e ex-alunos<br />

Após 65 anos de história, é inegável a força<br />

que a nossa PUC-SP conquistou no mundo<br />

jurídico. Ela formou inúmeros juristas renomados<br />

e profissionais de destaque em todos<br />

os ramos do direito. Independentemente da<br />

área que os alunos escolham seguir, a PUC<br />

sempre forneceu o diferencial que os distingue<br />

dos demais.<br />

Confesso que já reclamei muito de algumas<br />

coisas aqui dentro, das mais diversas<br />

e, durante muito tempo, não percebi a<br />

marca que a PUC deixa em cada um dos<br />

seus alunos. Ao ingressar na Faculdade, em<br />

minha primeira aula de Processo Civil, o<br />

professor Roberto Armelin, antes mesmo<br />

de se apresentar, nos disse “Parabéns! Vocês<br />

estão na melhor Faculdade de Direito do<br />

país”. Aquilo me deixou pensativo. Certamente<br />

temos professores incríveis e uma<br />

excelente avaliação do mercado de trabalho,<br />

porém ainda não conseguia enxergar esse diferencial.<br />

Hoje, no 5º ano, percebi que essa<br />

diferença existe, sim, em todos nós. Alguns<br />

podem perceber mais rápido, outros sequer<br />

notam até que se formem, mas a verdade é<br />

que essa Faculdade nos transforma.<br />

Essa mudança, entretanto, acontece de<br />

forma distinta em cada um de nós. O grande<br />

número de situações a que somos expostos<br />

na PUC nos adapta de maneiras diferentes. A<br />

única coisa que posso garantir é que sempre<br />

será uma mudança para melhor, que nenhu-<br />

Fórum jurídico<br />

3


4<br />

Brasão da nossa recém-<br />

-fundada Associação<br />

Sapientia de alunos e<br />

ex-alunos da Faculdade de<br />

direito da PuC-sP<br />

Fórum jurídico<br />

carta do editor FiliPe FaCChini<br />

ma outra faculdade pode oferecer. Aos que<br />

ainda não conseguiram perceber, podem<br />

aguardar, esse diferencial sempre aparece e<br />

fará com que você crie um amor pela Pontifícia.<br />

A razão da minha certeza se deu quando<br />

- trabalhando para criar nossa recém-<br />

-fundada Associação Sapientia - fui recebido<br />

por todos os ex-alunos, com os quais tive o<br />

prazer de conversar, com os braços abertos<br />

e imensos sorrisos que diziam “Finalmente<br />

vou poder retribuir à Faculdade que tanto<br />

fez por mim”.<br />

A revista Fórum Jurídico, com corpo<br />

editorial formado apenas por alunos da graduação,<br />

é a primeira das inúmeras contribuições<br />

que a Associação Sapientia trará. Aqui,<br />

mostraremos à Nação Puquiana o porquê<br />

das palavras do professor Armelin: Essa é a<br />

melhor Faculdade de Direito do país!<br />

Boa leitura!<br />

Filipe Facchini<br />

Editor-ChEFE


Pátio da cruz, no centro do "prédio velho"<br />

PUc em PaUta<br />

PUC na sua totalidade<br />

Esta seção se presta a mostrar ao estudante de direito da<br />

PuC-sP como aproveitar os mais diversos aspectos da vida na<br />

faculdade. Festas, viagens, esportes, política e estudos<br />

aNa CaroLiNa di giaCoMo E CLara PaCCE PiNto sErVa<br />

Fundada em 10 de outubro de 1945, com a<br />

denominação de “Faculdade Paulista de Direito”,<br />

tem o dia 22 de agosto de 1946 como o<br />

marco de sua criação, pois somente nessa data,<br />

com a junção com as Faculdades de Filosofia,<br />

Ciências e Letras de São Bento, passou a ser considerada<br />

universidade pelo Governo Federal.<br />

A titulação “Pontifícia” foi concedida pelo<br />

Papa Pio XII somente em 1947, sendo incluída<br />

no nome da faculdade. Um ano depois, em<br />

1948, foi instalada a sede da universidade na Rua<br />

Monte Alegre, com a doação de um terreno e<br />

FaCUldade PaUlista de direito<br />

uma capela pelas Irmãs Carmelitas. A Pontifícia<br />

Universidade Católica de São Paulo tem o histórico<br />

de mais de 65 anos de luta pela democracia<br />

e pela justiça brasileira.<br />

Uma das características da formação profissional<br />

do Direito PUC-SP é o estímulo ao<br />

pensamento crítico, à curiosidade, ao debate e<br />

à luta por um ideal. Desde o início, o curso<br />

de Direito foi formador de grandes pensadores<br />

políticos, que se destacaram na história brasileira,<br />

principalmente durante o período da ditadura<br />

militar.<br />

Fórum jurídico<br />

arqUivo fórUm JUrídico<br />

5


6 Fórum jurídico<br />

PUc em PaUta<br />

Assim, mais do que profissionais qualificados,<br />

o nosso curso busca formar cidadãos que fazem e<br />

farão a diferença na sociedade brasileira. Para tanto,<br />

a Pontifícia busca incentivar pesquisas, monitorias,<br />

iniciações científicas e intercâmbios para os<br />

estudantes, e pós-graduação stricto sensu (mestrado<br />

e doutorado) e lato sensu (especialização).<br />

Há, ainda, espaços como a Atlética e o Centro<br />

Acadêmico, que permitem uma convivência<br />

mais intensa do aluno na faculdade.<br />

Nesta seção da revista Fórum Jurídico buscaremos<br />

informar aos alunos, em cada uma das<br />

próximas edições, os detalhes de cada um dos<br />

institutos que brevemente descrevemos aqui,<br />

com algumas de suas características.<br />

cenTro acaDÊmico<br />

Os estudantes de direito da PUC-SP têm como<br />

entidade representativa o Centro Acadêmico 22<br />

de Agosto, atuante desde agosto de 1947. Figurou,<br />

no período da Ditadura Militar, como grande<br />

defensor da democracia em nosso país, zelando<br />

pelos Direitos Fundamentais, hoje transcritos na<br />

Constituição Federal de 1988. Não obstante, teve<br />

papel relevante em movimentos como o Diretas<br />

Já e Fora Collor. No âmbito da PUC-SP, visa assegurar<br />

os direitos dos alunos, por meio do acesso<br />

pleno e igualitário à universidade. Promove, ainda,<br />

palestras e outros eventos.<br />

Além disso, o CA preza pela chamada Assistência<br />

Judiciária 22 de Agosto, que presta serviços<br />

gratuitos nas áreas cível e penal, proporcionando<br />

a assistência individual e apoiando a<br />

organização comunitária na defesa de direitos.<br />

Os mandatos do Centro Acadêmico duram<br />

um ano, ocorrendo eleições sempre ao final do<br />

segundo semestre. À frente da gestão atual está<br />

o Grupo Disparada, formado inicialmente para<br />

atuar nos Conselhos da Faculdade (leia mais nas<br />

próximas edições), mas cuja atuação se estendeu à<br />

política acadêmica.<br />

arqUivo fórUm JUrídico<br />

FaCUldade PaUlista de direito<br />

aTlÉTica<br />

A nossa Atlética, mais conhecida como AAA,<br />

traz uma forma mais descontraída de se envolver<br />

com a vida na universidade. Ela planeja<br />

algumas das festas mais conhecidas no meio<br />

universitário, como a Advogado do Diabo e a<br />

Alphorria, além dos tão esperados Jogos Jurídicos<br />

Estaduais.<br />

A Atlética também é responsável por organizar<br />

e viabilizar treinos de todas as modalidades<br />

esportivas, que ocorrem semanalmente no período<br />

da noite ou nos finais de semana.<br />

Para mais informações, entre no site www.<br />

aaa22deagosto.com.br ou procure um representante<br />

da Atlética.<br />

BaTeria 22<br />

Além da participação na Atlética, a vida na<br />

universidade pode se tornar ainda mais descontraída<br />

com o envolvimento na Bateria.<br />

Inicialmente com a famosa “Baronesa”, agora<br />

com inúmeras outras músicas cantadas por to


dos os alunos em festas e nos JJEs, a Bateria 22<br />

é a representante da musicalidade da faculdade.<br />

Para tanto, são programados ensaios toda semana,<br />

oficialmente aos sábados, às 14 horas, no Monumento<br />

às Bandeiras.<br />

Para fazer parte da Bateria 22, compareçam<br />

aos ensaios!<br />

inTercÂmBio<br />

O intercâmbio possibilita a troca cultural e<br />

acadêmica. Em um mundo cada vez mais globalizado<br />

e integrado, complementar um curso<br />

de graduação no exterior significa uma grande<br />

oportunidade para crescer pessoal e profissionalmente.<br />

Pensando nisso, a PUC-SP firmou convênios<br />

com algumas das melhores instituições de ensino<br />

superior (IES) ao redor do mundo, e criou<br />

a Divisão de Cooperação Internacional – ARII,<br />

que faz a intermediação entre as IES e o aluno.<br />

Assim, aquele que tiver interesse em participar<br />

de um intercâmbio, depois escolher a<br />

instituição que melhor corresponda às suas<br />

segundo andar, onde fica<br />

quase todo o curso de<br />

direito. na página ao lado,<br />

rampa que leva à saída da<br />

rua monte alegre<br />

mais do que profissionais<br />

qualificados, o nosso curso<br />

busca formar cidadãos que<br />

fazem e farão a diferença na<br />

sociedade brasileira<br />

expectativas, deverá se inscrever na pré-seleção<br />

da ARII, observados os requisitos específicos<br />

de cada edital. Uma vez aprovado o<br />

candidato, os critérios a serem analisados são:<br />

um segundo idioma (se a IES for de língua<br />

estrangeira), mediante avaliação; rendimento<br />

escolar; conclusão de, no mínimo, dois anos de<br />

curso; e, por fim, aprovação em uma entrevista.<br />

A oportunidade compreende a possibilidade<br />

de fazer cursos e estágios no exterior, realizando<br />

um estudo comparado e aprendendo outro<br />

método de ensino.<br />

Para mais informações, acesse o site www.<br />

pucsp.br/arii, da Divisão de Cooperação Internacional<br />

– ARII.<br />

Fórum jurídico<br />

7


iniciaçÃo cienTÍFica<br />

8 Fórum jurídico<br />

PUc em PaUta<br />

a monitoria é o primeiro<br />

passo para aqueles que<br />

desejam lecionar no futuro<br />

Para aqueles que se interessam e querem estudar<br />

um determinado assunto, a universidade<br />

possibilita fazer sua primeira monografia: a Iniciação<br />

Científica. O aluno escolhe um tema, não<br />

necessariamente de direito, conversa com um<br />

professor da PUC para que ele seja seu orientador<br />

e apresenta um projeto, que é um resumo<br />

da matéria e das diretrizes do que será estudado.<br />

arqUivo fórUm JUrídico<br />

FaCUldade PaUlista de direito<br />

Capela da PuC na<br />

rua monte alegre<br />

Depois de aprovado o projeto, deve haver a<br />

entrega de parte da pesquisa no prazo de seis<br />

meses e a iniciação pronta será entregue no prazo<br />

de um ano. Depois disso, haverá a apresentação<br />

do estudo no dia do Encontro de Iniciação<br />

Científica, momento em que ela será apresentada<br />

oralmente e por meio de cartazes, e passará<br />

pela análise de professores e alunos.<br />

Assim como a Monitoria, a Iniciação Científica<br />

pode ou não ser remunerada. Dentro da<br />

Pontifícia, existem as modalidades PIBIC-CE-<br />

PE, PIBIC-CNPq e PIBIC (sem fomento).<br />

Descubra mais no site da PUC: www.pucsp.br/<br />

iniciacaocientifica.<br />

moniToria<br />

A Monitoria é o primeiro passo para aqueles<br />

que desejam lecionar no futuro.<br />

É uma atividade técnico-didática, na qual o<br />

aluno auxilia um professor na correção e elaboração<br />

de seminários, além de instruir outros<br />

alunos em seus trabalhos e ajudar na resolução<br />

de questões práticas complexas propostas em<br />

sala de aula.<br />

A Monitoria pode ser realizada de maneira<br />

voluntária, apenas com o consentimento<br />

do professor, ou de maneira oficial, podendo,<br />

nessa modalidade, ser remunerada. Nesse caso<br />

é preciso fazer um requerimento ao final do<br />

semestre na Secretaria da Faculdade de Direito,<br />

o qual será deferido apenas se o aluno tiver<br />

completado os créditos da matéria, com média<br />

de, no mínimo, 8,0.<br />

Um monitor ganha experiência na sala de aula<br />

e na proximidade com o professor, acrescentando<br />

um diferencial em seu currículo. Por isto, esse<br />

pode ser um passo importante em sua carreira. n


etrosPectiva<br />

balanço semestral<br />

o direito, mais especificamente a lei posta, altera-se constantemente<br />

para acompanhar os avanços da sociedade. no último semestre de<br />

2011, muitos foram os fatos que modificaram a forma como tratamos<br />

o direito. Assim sendo, como um meio de fazer uma retrospectiva<br />

desses fatos, elencamos algumas leis, decisões e acontecimentos que<br />

ocorreram de julho até dezembro de 2011<br />

raqUEL soUFEN<br />

direito<br />

Comercial<br />

lei n o 12.441, De 11/7/2011.<br />

Alterou o código civil, possibilitando<br />

a constituição da<br />

chamada Empresa individual<br />

de responsabilidade Limitada<br />

(eireli). Presente em muitos<br />

ordenamentos estrangeiros, a<br />

eireli surgiu no Brasil para suprir<br />

uma lacuna no ordenamento<br />

jurídico nacional. Esse <strong>novo</strong><br />

instituto resume-se à possibilidade<br />

de constituição de<br />

pessoa jurídica com um único<br />

titular, que não poderá ser<br />

responsabilizado por dívidas<br />

da eireli. mesmo sem expressa<br />

proibição na legislação, a<br />

possibilidade de constituição<br />

de eireli por pessoa jurídica<br />

é controvertida e foi proibida<br />

pelo dnrC. Confira mais sobre<br />

a eireli na página 60.<br />

inovações jUrídiCas<br />

direito administrativo<br />

lei n o 12.462, de 4/8/2011. criada para suprir a necessidade de<br />

um procedimento licitatório diferenciado em virtude dos grandes<br />

eventos, como a Copa do mundo de 2014 e os Jogos olímpicos<br />

de 2016. Foi instituído e disciplinado o regime diferenciado<br />

de Contratações Públicas – rdC. entre outras inovações, esta lei<br />

permitiu a contratação de controladores de tráfego aéreo temporários,<br />

bem como alterou a organização da Presidência da república<br />

e dos ministérios, criando a secretaria de aviação Civil.<br />

direito Previdenciário<br />

lei n o 12.470, de 31/8/2011. esta Lei modificou o Plano de<br />

Custeio da Previdência social, de modo a instituir alíquota diferenciada<br />

de contribuição para o microempreendedor individual<br />

e para o segurado facultativo sem renda própria, desde<br />

que pertencente a família de baixa renda e com dedicação exclusiva<br />

ao trabalho doméstico na sua residência. Foi incluído<br />

no rol de dependentes o filho ou o irmão que tenha deficiência<br />

intelectual ou mental, e foram alteradas as regras do benefício<br />

de prestação continuada de tais indivíduos. Por fim, ficou<br />

determinado que o salário-maternidade da empregada do microempreendedor<br />

individual será pago pela Previdência social.<br />

Fórum jurídico<br />

9


direito Penal<br />

10 Fórum jurídico<br />

retrosPectiva<br />

05/09/2011 – na decisão do Habeas Corpus 149.250, a<br />

Quinta Turma do STJ considerou ilegais as investigações<br />

da operação satiagraha promovida pela Polícia Federal,<br />

por abuso de poder na obtenção de provas pela agência<br />

brasileira de inteligência (abin). Foram, portanto, anulados<br />

todos os procedimentos decorrentes dessa operação,<br />

inclusive a ação penal contra o banqueiro daniel<br />

dantas, do grupo opportunity, inicialmente condenado<br />

por corrupção ativa. Foi interposto recurso Extraordinário,<br />

que aguarda julgamento.<br />

direito do trabalho<br />

direito Civil e<br />

Constitucional<br />

25/10/2011 Data do julgamento – Decisão do resp<br />

1.183.378 , da Quarta Turma do STJ. Pela primeira vez, foi<br />

dado provimento a um recurso que habilitou duas mulheres<br />

ao casamento civil. o STj seguiu, portanto, o entendimento<br />

consolidado pelo stF no primeiro semestre de 2011sobre o<br />

reconhecimento da união estável homoafetiva.<br />

inovações jUrídiCas<br />

direito<br />

Comercial<br />

12/09/11 – publicado no DJe, a Segunda<br />

Seção do STJ, no julgamento<br />

do resp 1.197.929, decidiu que instituições<br />

financeiras têm responsabilidade<br />

objetiva em caso de fraudes<br />

cometidas por terceiros e devem, por<br />

conseguinte, indenizar as vítimas<br />

dos fatos fraudulentos, como no caso<br />

de abertura de contas ou obtenção<br />

de empréstimos mediante o uso de<br />

identificação falsa. o stJ considerou<br />

que as fraudes dessa espécie seriam<br />

riscos do empreendimento, e, portanto,<br />

fortuitos internos.<br />

lei n o 12.506, de 11/10/2011– Esta Lei dispôs sobre novas regras para a contagem do prazo de<br />

aviso prévio. Agora, os empregados que tiverem trabalhado por até um ano na mesma empresa terão<br />

direito ao aviso prévio de 30 dias, e aqueles que trabalharam por tempo maior do que esse período<br />

terão direito ao acréscimo de 3 dias por ano trabalhado, até o limite de 90 dias. Por exemplo, no caso<br />

de um empregado que está há 4 anos na mesma empresa, ele terá direito aos 30 dias referentes ao<br />

primeiro ano trabalhado, somado aos 9 dias referentes aos outros três anos de serviço prestado,<br />

resultando em um período de aviso prévio de 39 dias.<br />

direito Constitucional<br />

26/10/2011 – o Pleno do STF decidiu, por unanimidade,<br />

negar provimento ao recurso extraordinário<br />

nº. 603.583-rS, ao defender a constitucionalidade<br />

do exame da oab. assim, foi definido


direito Comercial<br />

04/11/11 – publicada no DJe. no julgamento do resp 884.346, o colegiado do STJ determinou<br />

que o terceiro de boa-fé que receber e apresentar antes da data combinada cheque<br />

pós-datado – conhecido popularmente como pré-datado – não terá a obrigação de indenizar<br />

o emitente por danos morais caso este sofra algum prejuízo. o STj se posicionou nesse sentido,<br />

pois entende que a pactuação extracartular da pós-datação tem validade apenas entre as partes<br />

da relação jurídica original, não vinculando terceiros estranhos ao pacto.<br />

direito tributário<br />

28/10/2011 – DJe – o plenário do STF deferiu<br />

o pedido de medida liminar em ação<br />

Direta de inconstitucionalidade (aDi 4661<br />

mc/DF), para suspender o art. 16 do decreto<br />

7.567/2011, que conferia vigência imediata<br />

às alterações da tabela de incidência do<br />

imposto sobre Produtos industrializados<br />

(tiPi). as mais impactantes alterações se<br />

resumem na majoração das alíquotas do<br />

imposto sobre Produtos industrializados<br />

(iPi) sobre operações envolvendo veículos<br />

automotores importados e a diminuição das<br />

alíquotas do imposto incidente sobre automóveis<br />

fabricados no Brasil. o STF decidiu,<br />

portanto, que deve ser aplicado o princípio<br />

da anterioridade nonagesimal ao imposto<br />

sobre Produtos industrializados (iPi).<br />

que o exame não é limite ao exercício da profissão, e sim um<br />

atestado de conhecimentos jurídicos. afirmou-se, ainda, que<br />

o exame da oAB não viola o princípio da isonomia, e que, apesar<br />

de outras profissões não possuírem tal obrigatoriedade, a<br />

constituição não comporta qualquer vedação à aplicação de<br />

exames dessa espécie.<br />

direito<br />

Constitucional<br />

lei n o 12.527, de 18/11/2011.<br />

regulou os procedimentos<br />

específicos a serem observados<br />

pela administração Pública<br />

sobre o direito básico de<br />

acesso à informação previsto<br />

no inciso XXXiii do art. 5º, no<br />

inciso ii do § 3º do art. 37 e<br />

no § 2º do art. 216 da Constituição<br />

Federal, respeitando o<br />

princípio da publicidade, mas<br />

excetuando o sigilo. Por meio<br />

de tais mudanças, qualquer<br />

cidadão tem o direito de solicitar<br />

informações de interesse<br />

público, sem necessidade de<br />

prova de interesse específico.<br />

Sob pena de responsabilidade,<br />

o agente público não poderá<br />

ser omisso ou se recusar a<br />

prestar as informações.<br />

Fórum jurídico<br />

11


direito Comercial<br />

12 Fórum jurídico<br />

retrosPectiva<br />

inovações jUrídiCas<br />

lei n o 12.529, de 30/11/2011. essa lei alterou a estrutura do sistema brasileiro de defesa da Concorrência –<br />

sbdC, especificamente no que se refere à prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica e a<br />

economia sadia. tal norma ainda reorganizou as competências dos órgãos que integram o sbdC, como, por exemplo,<br />

o Conselho administrativo de defesa econômica – Cade. das várias modificações introduzidas por essa lei, a<br />

mais relevante delas é a exigência da análise prévia das fusões e aquisições entre empresas pelo cAdE, que, até<br />

então, era feita somente após a consumação da fusão.<br />

direito Comercial<br />

lei n o 12.543, de 08/12/2011. o Conselho monetário nacional,<br />

por meio desta lei ordinária, ficou autorizado a estabelecer<br />

condições específicas para negociações com contratos derivativos<br />

– contratos nos quais são estabelecidos pagamentos<br />

futuros através de um valor-base referente à uma variável –<br />

com objetivo de administrar a política monetária e cambial.<br />

outra novidade trazida pela Lei 12.543 foi a necessidade de registro<br />

desses contratos pelo banco Central ou pela CVm, como<br />

meio de dar maior publicidade à negociação. Por fim, tal lei ainda<br />

definiu a incidência do ioF sobre os contratos derivativos.<br />

direito tributário<br />

lei 12.546, de 14/12/2011. como uma forma de fomentar<br />

a exportação, o fisco fornece às empresas exportadoras a<br />

possibilidade de obterem créditos tributários pelo pagamento<br />

de certos tributos, que poderão ser utilizados na compensação<br />

com outros tributos devidos. contudo, atualmente<br />

esse procedimento sofre limitações legais e depende de<br />

grande burocracia. Para tentar solucionar esse problema e<br />

incentivar as exportações, foi sancionada a Lei n o 12.546,<br />

de 2011, que criou o regime especial de reintegração de Valores<br />

tributários (reintegra), com o objetivo de permitir a<br />

devolução de créditos tributários às empresas exportadoras<br />

de produtos manufaturados no país.<br />

direito Constitucional<br />

DJe 02/12/2011 – o STF, ao julgar procedente<br />

a aDi 4274/DF proposta pelo Procurador-geral<br />

da república, interpretou o § 2º do art. 33 da<br />

Lei n o 11.343/2006 de maneira a restringir o<br />

entendimento e excluir os debates públicos<br />

e as manifestações que visem à descriminalização<br />

do uso de drogas, como a “marcha da<br />

maconha”, das sanções impostas pela lei. tal<br />

posicionamento foi tomado com base nos<br />

direitos constitucionais de reunião e livre expressão<br />

do pensamento.<br />

mundo jurídico<br />

19/12/2011 posse da nova ministra do<br />

STF, rosa maria Weber. ela ocupará a cadeira<br />

deixada pela ex-ministra Ellen Gracie,<br />

que se aposentou em agosto. rosa<br />

maria Weber era ministra do Tribunal<br />

Superior do Trabalho, onde ingressou em<br />

2005, por indicação do ex-presidente<br />

Luiz inácio Lula da Silva. n


arqUivo fórUm JUrídico<br />

14 Fórum jurídico<br />

Profissão<br />

ProCUrador e Promotor<br />

ministério Público: essencial<br />

à justiça<br />

o ministério Público – órgão<br />

fundamental à manutenção<br />

do Estado democrático<br />

de direito e da Justiça –<br />

apresenta-se como uma das<br />

mais brilhantes e instigantes<br />

carreiras do direito<br />

Fachada do prédio do ministério<br />

Público Federal, em são Paulo<br />

isabELa Cassará E aNa CaroLiNa di giaCoMo<br />

Segundo Vidal Serrano Júnior e Luiz Alberto<br />

David de Araujo, 1 a denominação “Ministério”<br />

teria vindo da palavra manus, que era figura representativa<br />

da “mão” do rei. Ministério Público<br />

(MP) seria, então, por definição, figura relacionada<br />

com um apêndice do Estado, que exerceria o<br />

poder de representá-lo. Dessa forma, no período<br />

colonial, orientado pelo direito português, o Brasil<br />

ainda não tinha o Ministério Público como<br />

instituição. Assim, em 1521, as Ordenações Manuelinas,<br />

que fiscalizavam o cumprimento e a<br />

execução da lei juntamente com os Procuradores<br />

dos Feitos do Rei, citaram o papel do promotor<br />

de justiça, que deveria ser alguém letrado<br />

e bem entendido para saber espertar e alegar as<br />

causas e razões para lume e clareza da justiça e<br />

inteira conservação dela.<br />

Assim, após cinco séculos, no período da<br />

República, a Constituição Federal de 1988 faz<br />

referência expressa ao Ministério Público no<br />

capítulo “Das funções essenciais à Justiça”, conceituando-o<br />

e definindo as funções institucionais,<br />

as garantias e, finalmente, as vedações de<br />

seus membros.<br />

A Carta Magna, ao conceituar em seu artigo<br />

127 o parquet como instituição permanente e<br />

essencial à função jurisdicional do Estado, sendo<br />

responsável pela defesa da ordem jurídica,<br />

do regime democrático e dos interesses sociais<br />

e individuais indisponíveis, acabou por ampliar<br />

a evidência do referido órgão na sociedade,<br />

transformando a instituição em um braço da<br />

população brasileira.<br />

1 ARAUJO, Luiz Alberto David; e NUNES JÚNIOR. Vidal Serrano<br />

– Curso de Direito Constitucional, 12 ed., Saraiva. p. 407.


a inSTiTuiçÃo auTônoma<br />

Dessa forma, a Carta de 88, considerando<br />

o Ministério Público como indispensável ao<br />

Estado Democrático de Direito, estabeleceu<br />

como suas funções institucionais o dever de<br />

promover ação penal pública; exercer o controle<br />

externo da atividade policial; requisitar<br />

diligências investigatórias e a instauração de inquérito<br />

policial. Além dessas, com a Constituição,<br />

na área cível, o Ministério Público adquiriu<br />

novas funções, destacando a sua atuação na<br />

tutela dos interesses difusos e coletivos, como<br />

meio ambiente, consumidor, patrimônio histórico;<br />

pessoa portadora de deficiência; criança<br />

e adolescente; comunidades indígenas e minorias<br />

étnico-sociais, atribuições que ampliaram a<br />

evidência do parquet na sociedade.<br />

Os artigos 127 a 130 da Constituição estabelecem<br />

o rol de garantias tanto da instituição<br />

como um todo, quanto dos membros do parquet.<br />

Por meio delas, o Ministério Público passou a<br />

gozar de autonomia funcional, administrativa,<br />

financeira e iniciativa legislativa. Assim, o órgão<br />

passou a ter autonomia para exercer suas funções<br />

sem precisar se reportar a qualquer órgão<br />

mp DoS<br />

eSTaDoS<br />

miniSTÉrio<br />

púBlico<br />

mp<br />

FeDeral<br />

mp Da<br />

uniÃo<br />

mp Do<br />

TraBalho<br />

de qualquer um dos três poderes. No mais, possui<br />

a garantia de exclusividade na propositura<br />

de ação penal pública.<br />

Quantos aos membros do parquet, eles possuem<br />

a garantia tríplice, como é conhecida. Em<br />

outras palavras: os membros possuem as garantias<br />

de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade<br />

de vencimentos.<br />

Além dessas, possuem também a garantia de<br />

serem organizados com exclusividade por carreira,<br />

sendo sua promoção voluntária, seja ela<br />

por antiguidade ou merecimento.<br />

Pela vitaliciedade entende-se que, após os<br />

dois anos de estágio probatório, os membros do<br />

MP só perderão o cargo por força de sentença<br />

judicial transitada em julgado. A inamovibilidade<br />

reflete que um integrante do órgão não<br />

pode ser movido contra a sua vontade, salvo<br />

por virtude de expressa autorização da maioria<br />

absoluta do Conselho Superior do Ministério<br />

Público. Por fim, a irredutibilidade de subsídios<br />

beneficia os membros do MP com a impossibilidade<br />

de redução salarial.<br />

A CF de 88 também elenca restrições à carreira:<br />

fica proibido o exercício da política partidária,<br />

da advocacia e do comércio. Todas essas<br />

mp<br />

miliTar<br />

mp Do DF e<br />

TerriTórioS<br />

Fórum jurídico<br />

15


necessidade de manter a imparcialidade do MP.<br />

O art. 127 do mesmo Diploma elencou três<br />

princípios institucionais que regem o Ministério<br />

Público, quais sejam: a Unidade, a Indivisibilidade<br />

e a Independência Funcional. O primeiro determina<br />

que os membros do MP integrem esse<br />

órgão como um todo, agindo individualmente,<br />

sob a direção de um Procurador-Geral. O princípio<br />

da indivisibilidade, por sua vez, esclarece<br />

que não há vínculo entre seus membros e os<br />

processos em que atuam, admitindo, pois, a substituição<br />

de um Procurador por outro. Por fim, o<br />

princípio da Independência Funcional esclarece<br />

que não há hierarquia funcional entre os membros<br />

do Ministério Público, sendo ele um órgão<br />

independente no exercício de suas funções.<br />

Os artigos 127 e 129 da Carta Magna de 88<br />

indicam as duas formas de atuação do Ministério<br />

Público: na condição de órgão agente (parte)<br />

ou como interveniente (como custus legis).<br />

Atuar como parte significa agir na qualidade<br />

de autor da ação, o que representa um grande<br />

avanço na Justiça Especializada, a fim de exercer<br />

a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais<br />

homogêneos.<br />

arqUivo fórUm JUrídico vedações surgiram em decorrência lógica da<br />

16 Fórum jurídico<br />

Profissão<br />

ProCUrador e Promotor<br />

Os direitos difusos são aqueles que ultrapassam<br />

a esfera de um único indivíduo, referindo-se<br />

a pessoas indeterminadas; quando<br />

respeitados, atingem uma coletividade. Os direitos<br />

coletivos, por sua vez, são aqueles de natureza<br />

indivisível e se referem a um grupo de<br />

pessoas conectadas por uma relação jurídica<br />

entre si ou com a parte contrária, sendo os sujeitos<br />

indeterminados, porém determináveis.<br />

Por fim, os direitos individuais homogêneos<br />

dizem respeito a pessoas que, embora indeterminadas<br />

a priori, poderão ser determinadas<br />

posteriormente (e cujos direitos são ligados<br />

por um evento de origem comum), em consequência<br />

de um direito de origem comum.<br />

A fim de dar maior especificidade ao trabalho<br />

e de maneira a promover uma melhor<br />

administração, o Ministério Público foi divido<br />

em dois: o Ministério Público Estadual (MPE)<br />

e o Ministério Público da União (MPU). Este<br />

último é, por sua vez, subdividido nas seguintes<br />

áreas: Federal (MPF), do Trabalho (MPT),<br />

Militar, e do Distrito Federal e dos Territórios.<br />

Há, ainda, o Ministério Público de Contas, que<br />

exerce suas funções junto ao Tribunal de Contas<br />

da União.<br />

‘<br />

Como essência, o MP<br />

é a instituição em defesa<br />

da sociedade contra o<br />

arbítrio do próprio Estado.<br />

Pedro Henrique demercian<br />

Pedro Henrique Demercian é mestre e doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1997), onde<br />

atualmente ministra aulas no curso de graduação e pós-graduação lato sensu (COGEAE). Demercian é também Procurador de<br />

Justiça Criminal no Ministério Público do Estado de São Paulo, e assessor da Procuradoria-geral de Justiça de São Paulo no<br />

Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais.


Os membros do MPE são divididos,<br />

de acordo com o respectivo grau de<br />

jurisdição, em promotor de justiça,<br />

procurador de justiça e procurador-geral<br />

de justiça, como chefe do MP.<br />

O MPU tem como chefe o Procurador-Geral<br />

da República, que é nomeado pelo Presidente<br />

da República escolhido entre os membros da<br />

carreira para um mandato de dois anos. Para alcançar<br />

tal cargo, o candidato deve ter mais de<br />

35 anos completos e ser aprovado por maioria<br />

absoluta no Senado Federal.<br />

O Ministério Público Estadual e o do Distrito<br />

e Territórios, por sua vez, têm como chefe a figura<br />

do Procurador-Geral da Justiça, o qual é nomeado<br />

pelo Chefe do Poder Executivo local, que o<br />

escolhe com base numa lista tríplice elaborada pelos<br />

próprios membros das respectivas instituições.<br />

O Ministério Público do Trabalho integra o<br />

Ministério Público da União, por força do art.<br />

128 da Constituição Federal de 88, atuando especificamente<br />

perante a Justiça do Trabalho, visando<br />

à defesa dos interesses sociais e individuais<br />

indisponíveis.<br />

As funções do Ministério Público só podem<br />

ser exercidas por integrantes da carreira do MP,<br />

com residência na Comarca da respectiva lotação,<br />

salvo autorização do Chefe da Instituição, o Procurador-Geral<br />

de Justiça ou da República.<br />

O ingresso na mencionada carreira far-se-á<br />

mediante concurso público de provas e títulos,<br />

assegurada a participação da Ordem dos Advogados<br />

do Brasil em sua realização, exigindo-se<br />

do bacharel em direito três anos de atividade jurídica<br />

e observando-se, nas nomeações, a ordem<br />

da classificação.<br />

o reQuiSiTo<br />

Você sabia?<br />

trabalhar no ministério Público,<br />

instituição fundamental a<br />

manutenção do Estado democrático<br />

de direito, da sociedade e da justiça,<br />

é um grande atrativo<br />

As atividades jurídicas consideradas como<br />

experiência são computadas a partir da obtenção<br />

do diploma em Direito e incluem o<br />

exercício da advocacia, inclusive voluntário,<br />

com a participação anual mínima em cinco<br />

atos privativos de advogado; exercício do cargo,<br />

emprego ou função (incluindo magistério<br />

superior) em que se utilizem preponderantemente<br />

conhecimentos jurídicos; exercício da<br />

Fórum jurídico<br />

17


Você sabia?<br />

função de conciliador em tribunais judiciais,<br />

juizados especiais, varas especiais, anexos de<br />

juizados especiais ou de varas judiciais, de<br />

mediador ou árbitro em litígios, pelo período<br />

mínimo de 16 horas mensais e durante um<br />

ano; estágio após a conclusão do curso; cursos<br />

de pós-graduação concluídos, com um<br />

ano de duração e carga horária de 360 horas-<br />

-aula; atividade jurídica em cargos, empregos<br />

ou funções não privativas de advogado mediante<br />

certidão circunstanciada.<br />

A título de curiosidade, conforme o edital 2<br />

do último concurso do Ministério Público do<br />

Estado de São Paulo, o salário inicial para os<br />

ingressantes nesta carreira era de R$ 19.643,80<br />

(dezenove mil, seiscentos e quarenta e três reais<br />

e oitenta centavos).<br />

Destaca-se que os membros do MP podem<br />

vir a se tornar Desembargadores ou Ministros<br />

2 http://concursosde2011.com/concurso-ministerio-publico-<br />

-sp-2011.html<br />

18 Fórum jurídico<br />

Profissão ProCUrador e Promotor<br />

Os membros do MPU são divididos,<br />

de acordo com o respectivo grau de<br />

jurisdição, em procurador da República,<br />

procurador regional da República<br />

e procurador-geral da República, que é<br />

chefe do MP da União.<br />

do Supremo Tribunal Federal e do Superior<br />

Tribunal de Justiça. Isso por conta do chamado<br />

“quinto constitucional”, previsto no art. 94<br />

da Constituição Federal, que é assim denominado,<br />

pois prevê que um quinto dos membros<br />

dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais<br />

de Justiça deverá ser composto por membros<br />

do Ministério Público. Para tanto, o candidato<br />

deverá ter mais de dez anos de carreira e ser indicado<br />

para esses tribunais numa lista com seis<br />

outros membros.<br />

Diante do exposto, podemos concluir que<br />

a instituição do Ministério Público é fundamental<br />

tanto para a manutenção da sociedade<br />

quanto da Tripartição dos Poderes e, finalmente,<br />

do Estado Democrático de Direito.<br />

No mais, além das diversas possibilidades de<br />

formas de atuação, o Ministério Público acaba<br />

por ser uma ótima opção para os bacharéis em<br />

direito que desejam seguir carreira pública,<br />

pelas garantias e pela remuneração propiciadas<br />

aos seus membros. n


20 Fórum jurídico<br />

escritório<br />

Pinheiro neto advogados<br />

advocacia de<br />

no ano em que completará seu 70o tradição<br />

aniversário, o escritório Pinheiro neto advogados<br />

mantém-se como uma das bancas mais<br />

admiradas e respeitadas da América Latina<br />

Ao lado, chapéu e<br />

maleta que pertenciam<br />

a J. m. Pinheiro neto<br />

raqUEL soUFEN<br />

Pinheiro Neto Advogados<br />

teve sua origem na moderna<br />

concepção de escritório de advocacia<br />

que existia nas firmas<br />

britânicas. Seu fundador, José<br />

Martins Pinheiro Neto, que<br />

foi correspondente jornalístico<br />

da BBC em Londres durante a<br />

Segunda Guerra Mundial, ao<br />

retornar ao país, utilizou como<br />

base o modelo das firmas na<br />

Inglaterra para criar no Brasil o<br />

conceito full-service para o setor.<br />

Fundado em 1942, Pinheiro<br />

Neto Advogados é reconhecido<br />

como um dos maiores e mais<br />

tradicionais escritórios de advocacia<br />

da América Latina, tendo<br />

crescido de maneira orgânica,<br />

sem fusão ou associação, diferente<br />

da maioria dos escritórios<br />

de advocacia brasileiros.<br />

Com o passar dos anos, o escritório<br />

passou a adotar algumas<br />

das ideologias de seu fundador,<br />

que incorporou ao modelo princípios<br />

básicos, tais como o aprimoramento<br />

constante dos profissionais,<br />

o escritório estar acima<br />

de qualquer sócio, o dinheiro<br />

não ser o objetivo e o lucro ser só<br />

uma consequência. Apesar de ter<br />

se afastado do escritório em meados<br />

dos anos 2000, os princípios<br />

que ele trouxe ainda fazem parte<br />

do escritório.<br />

eQuipe e renovaçÃo<br />

O escritório conta hoje com<br />

uma equipe formada por 78 sócios,<br />

10 consultores, 265 advogados,<br />

103 estagiários e 56 paralegais.<br />

Apesar de seu tamanho,<br />

não perde a qualidade, seus profissionais<br />

estão entre os mais bem<br />

qualificados do mercado e são<br />

presenças constantes em publica-


fotos: arqUivo Pinheiro neto advogados<br />

Fórum jurídico<br />

21


22<br />

Fórum jurídico<br />

escritório<br />

o grande diferencial do<br />

Pinheiro neto é que o<br />

nosso crescimento é<br />

baseado totalmente na<br />

capacidade de crescer<br />

organicamente. um<br />

estagiário aqui é visto<br />

como um futuro sócio<br />

Pinheiro neto advogados<br />

réplica da sala do fundador, localizada no museu do escritório<br />

ções jurídicas como Chambers &<br />

Partners e Who’s Who Legal.<br />

Na opinião do advogado Alexandre<br />

Bertoldi - sócio gestor<br />

do Pinheiro Neto - existe uma<br />

pressão interna para que os advogados<br />

constem em publicações<br />

desse tipo, pois elas fazem<br />

com que haja uma percepção<br />

mais realista do profissional. “O<br />

importante dessas publicações é<br />

que, via de regra, o próprio mercado,<br />

isto é, uma percepção externa<br />

- e não interna - faz com<br />

que você seja ou deixe de ser citado”,<br />

opina Bertoldi.<br />

Um motivo de orgulho para<br />

o escritório é o fato de que não<br />

só os sócios são mencionados,<br />

mas a cada ano mais associados<br />

são citados em publicações assim.<br />

O Pinheiro Neto entende<br />

que o fato dos associados constarem<br />

nessas publicações é um<br />

reconhecimento de que está<br />

no caminho certo. “Um escritório<br />

que não se renova e que<br />

fica sempre fossilizado, girando<br />

em torno das mesmas pessoas,<br />

pode ir muito bem no presente,<br />

mas, no longo e médio prazo,<br />

ele tende a decair. O fato de ter<br />

sempre essa renovação mostra<br />

que nós estamos criando o Pinheiro<br />

Neto do futuro.”<br />

plano De carreira<br />

O plano de carreira do Pinheiro<br />

Neto é muito bem de


finido e tem por base a meritocracia.<br />

Bertoldi relata que “a<br />

partir do momento em que a<br />

pessoa se torna estagiário aqui,<br />

literalmente só dependerá dela,<br />

porque nós temos um plano de<br />

carreira que é completamente<br />

previsível. A pessoa pode ter<br />

mais sorte ou mais azar, pode<br />

acontecer algo que torne o<br />

caminho mais difícil, como a<br />

quebra da bolsa de Nova Iorque,<br />

mas normalmente o caminho<br />

já está traçado”.<br />

O escritório possui uma política<br />

de não contratar profissionais<br />

formados no mercado. “Na<br />

verdade, o Pinheiro Neto busca<br />

formar o indivíduo.” Esse ideal<br />

de investir em seus estagiários é<br />

antigo, motivo pelo qual, hoje<br />

em dia, 95% dos atuais advogados<br />

e sócios do escritório foram<br />

estagiários da firma. “O grande<br />

diferencial do Pinheiro Neto<br />

é que o nosso crescimento é<br />

totalmente baseado na capacidade<br />

de crescer organicamente,<br />

um estagiário aqui é visto<br />

como um futuro sócio.”<br />

É justamente pelo fato de<br />

prezar pela formação do indivíduo<br />

que o Pinheiro Neto, no<br />

momento da seleção de estagiários,<br />

não escolhe apenas os indi-<br />

Plano de Carreira<br />

conSulToreS SócioS<br />

caTegoriaS De<br />

aSSociaDoS SenioreS<br />

caTegoriaS De<br />

aSSociaDoS plenoS<br />

caTegoriaS De<br />

aSSociaDoS JunioreS<br />

aSSiSTenTeS JurÍDicoS<br />

eSTagiárioS<br />

víduos que tenham o currículo<br />

recheado de experiências, ou<br />

que tenham profundo conhecimento<br />

na área em que atuarão.<br />

O aprimoramento do estagiário<br />

dentro do escritório é o<br />

ponto mais importante para o<br />

crescimento dele com base nos<br />

padrões desejados.<br />

Entretanto, o sócio gestor<br />

do escritório destaca que se<br />

leva em consideração o interesse,<br />

curiosidade e dedicação<br />

da pessoa: “Serão dois anos<br />

auxiliareS JurÍDicoS<br />

Fórum jurídico<br />

23


24 Fórum jurídico<br />

escritório<br />

A qualidade dos<br />

profissionais é<br />

sem dúvida um dos<br />

maiores atrativos<br />

do escritório,<br />

motivo pelo qual ele<br />

está rotineiramente<br />

presente nas<br />

grandes negociações<br />

Pinheiro neto advogados<br />

bem interessantes, já que o<br />

estagiário terá contato direto<br />

com a prática, vai conviver<br />

com pessoas que têm bastante<br />

experiência, vai trabalhar em<br />

casos interessantíssimos e vai<br />

ficar eufórico quando aquela<br />

operação em que ele está trabalhando<br />

aparecer na primeira<br />

página da Folha ou do Estado<br />

de São Paulo. Basicamente, tem<br />

que ser uma pessoa curiosa, que<br />

queira e esteja interessada”.<br />

A efetivação dos estagiários<br />

acontece no início do quinto<br />

ano da faculdade, como forma<br />

de aliviar os alunos da pressão<br />

do final do curso, cumulada<br />

com os estudos para a prova da<br />

OAB e a luta por uma vaga no<br />

local de trabalho.<br />

O investimento em formação<br />

profissional que a firma<br />

tem como política começa<br />

sede em sP<br />

dentro do próprio escritório:<br />

o Pinheiro Neto oferece inúmeros<br />

cursos, e para cada promoção<br />

existe um número de<br />

créditos que deverão ser cumpridos.<br />

Além disso, o escritório<br />

oferece bolsas de estudo para<br />

pós-graduação no Brasil ou<br />

até mesmo LL.M. em universidades<br />

do exterior, tais como<br />

Harvard, Stanford e Columbia.<br />

aprimoramenTo proFiSSional<br />

O LL.M. é muito incentivado<br />

pelo escritório: os advogados<br />

costumam ficar dois anos<br />

fora do país, no primeiro ano<br />

cursando o LL.M. e no segundo<br />

trabalhando em um escritório<br />

estrangeiro. Com essa experiência,<br />

além de se aprimorar<br />

profissionalmente, o advogado<br />

também agrega valores no as-


pecto pessoal e passa a saber<br />

como lidar com situações com<br />

as quais não está acostumado.<br />

A qualidade dos profissionais<br />

é, sem dúvida, um dos maiores<br />

atrativos do escritório, motivo<br />

pelo qual ele está rotineiramente<br />

presente nas grandes negociações.<br />

Algumas das recentes<br />

operações foram as fusões das<br />

algunS prÊmioS Do eScriTório<br />

Who’s Who legal chambers & partners análise advocacia prêmio Dci<br />

•“Firm of the Year”<br />

(2006-2010)<br />

•Único escritório<br />

brasileiro a figurar na<br />

lista dos 70 principais<br />

escritórios de<br />

advocacia do mundo<br />

• “brazilian Firm of the<br />

Year” (2009-2011)<br />

•“Latin american<br />

Firm of the Year”<br />

(2009-2010)<br />

Deck do escritório no rJ<br />

empresas de varejo Casas Bahia<br />

e Pão de Açúcar e das empresas<br />

aéreas LAN e TAM.<br />

reSponSaBiliDaDe Social<br />

Além dos inúmeros casos e<br />

da rotina de trabalho o escritório<br />

nunca deixou de ajudar a<br />

comunidade a que pertence. O<br />

•“o mais admirado<br />

escritório de<br />

advocacia do brasil”<br />

(2006-2011)<br />

escritório sempre teve, ainda na<br />

época do fundador, José Martins<br />

Pinheiro Neto, instituições<br />

que ajudava, quando ainda nem<br />

era comumente empregada a<br />

denominação ONG.<br />

O Pinheiro Neto investe<br />

em causas sociais com foco<br />

em educação, saúde, cultura,<br />

meio ambiente, entre outras,<br />

pois acredita que em um país<br />

como o Brasil é impossível fugir<br />

da responsabilidade social.<br />

Dessa forma, foram criados<br />

projetos de incentivo socioambiental,<br />

entre os quais se<br />

destacam a limpeza do rio Pinheiros,<br />

com o projeto Pomar,<br />

e a revitalização do centro de<br />

São Paulo. Hoje o Pinheiro<br />

Neto possui uma Comissão<br />

de Reponsabilidade Social<br />

que lidera tais iniciativas, com<br />

• sete vezes<br />

seguidas eleito<br />

o escritório<br />

de advocacia<br />

mais admirado<br />

do Brasil<br />

Fórum jurídico<br />

25


26<br />

Fórum jurídico<br />

escritório<br />

apoio a diversos projetos, entre<br />

os quais podemos citar a<br />

entidade Alfabetização Solidária,<br />

a TUCCA – Associação<br />

para Crianças e Adolescentes<br />

com Câncer e a Associação<br />

Águas Claras do Rio Pinheiros.<br />

Para eles não se trata apenas<br />

de doar, mas de conseguir<br />

o envolvimento das pessoas.<br />

Para conhecer um pouco<br />

e entender melhor o funcionamento<br />

do Pinheiro Neto,<br />

acompanhe nossa entrevista<br />

com Alexandre Bertoldi:<br />

1) O Pinheiro Neto ocupa<br />

posição de destaque entre os<br />

grandes escritórios do Brasil<br />

há muitos anos. Geração<br />

após geração não se pode<br />

dizer que tenha havido desgaste.<br />

Qual o segredo para se<br />

manter no topo?<br />

Pinheiro neto advogados<br />

Biblioteca localizada<br />

no escritório de sP<br />

É mais difícil se manter no<br />

topo do que chegar ao topo.<br />

Para chegar, se você tem algumas<br />

ideias, tem um norte,<br />

uma estratégia e coerência na<br />

execução da sua estratégia, eu<br />

acho que você tem grandes<br />

chances de alcançar o topo.<br />

Mas manter-se no topo é<br />

mais difícil, porque você passar<br />

a ser o alvo. Eu acho que<br />

o segredo do escritório é ser<br />

uma verdadeira sociedade entre<br />

iguais. O sócio que entrou<br />

ontem e o sócio mais antigo,<br />

numa assembleia de sócios, a<br />

voz e o voto deles têm o mesmo<br />

peso. Eu acho que isso é<br />

o que ajuda o escritório a se<br />

manter no topo e, ao contrário<br />

de outros escritórios,<br />

houve poucas cisões. A partir<br />

dessa união dos sócios, e também<br />

pela filosofia de que o es-<br />

critório é mais importante do<br />

que cada um dos sócios, conquistamos<br />

coisas que não são<br />

o interesse individual de cada<br />

um, mas que são do interesse<br />

da sociedade, e que acabam<br />

por manter o escritório em<br />

posição de destaque. Eu acho<br />

que é a união entre os sócios<br />

que faz disso uma verdadeira<br />

sociedade. É tudo questão de<br />

fazer bem-feito, e o dinheiro<br />

é consequência disso.<br />

2) O Pinheiro Neto atua em<br />

praticamente todas as áreas<br />

do Direito. Quais são as áreas<br />

que, na opinião do escritório,<br />

devem evoluir?<br />

Essa é a pergunta de um milhão<br />

de dólares para qualquer<br />

escritório que quer se projetar<br />

nos próximos anos. O<br />

Brasil não é um bom país<br />

para fazer exercício de futurologia.<br />

É nítido que algumas<br />

áreas atingiram uma maturidade.<br />

Outras áreas, até pelo<br />

momento do país, que devem<br />

crescer muito, são as áreas de<br />

infraestrutura e financiamento<br />

de projetos, Project Finance,<br />

nas quais há muita coisa<br />

a ser feita. Até hoje o Brasil<br />

seguiu o padrão de que ou<br />

é o capital privado que faz<br />

o investimento direto, ou é<br />

o BNDES que faz os gran


des financiamentos. Eu creio<br />

que na próxima fase muitos<br />

desses projetos só serão criados<br />

com o financiamento do<br />

mercado financeiro. Por isso,<br />

calculo que a área de financiamento<br />

de projetos tende a<br />

crescer muito nos próximos<br />

anos. Acho que outra área que<br />

tende a crescer muito, até pelas<br />

vicissitudes do judiciário, é<br />

a área de arbitragem, porque<br />

você não tem necessariamente<br />

um processo mais barato, mas<br />

você tem um processo mais<br />

célere e existe a percepção de<br />

que haverá uma decisão mais<br />

bem informada, principalmente<br />

no que diz respeito a<br />

questões mais sofisticadas.<br />

3) O modelo workaholic das<br />

grandes firmas não está na<br />

contramão da atual discus-<br />

allex ferreira<br />

o advogado Alexandre<br />

Bertoldi, sócio gestor do<br />

Pinheiro neto<br />

são sobre equilíbrio entre<br />

qualidade de vida e vida<br />

profissional?<br />

Creio que de uma certa maneira<br />

está sim. Esse modelo<br />

clássico, adotado não só pelos<br />

grandes escritórios daqui, mas<br />

também pelos de fora, de Nova<br />

Iorque, de Londres, é um modelo<br />

que precisa ser repensado.<br />

Acho que muitas pessoas já não<br />

se interessam pela possibilidade<br />

de se tornarem sócias, que era<br />

o grande atrativo. Muitas pessoas<br />

hoje em dia param e pensam<br />

“Não sei se quero a vida da<br />

minha chefe”, que é uma vida<br />

com muito pouco controle<br />

sobre o seu horário, sobre sua<br />

vida em geral. Por isso, creio<br />

que devemos reinventar esse<br />

modelo, pensar em alguma forma<br />

de fazer a pessoa trabalhar<br />

aqui sem ter que se dedicar excessivamente<br />

ao escritório. Por<br />

outro lado, se você está numa<br />

grande operação nesses escritórios<br />

empresariais, não existe<br />

a possibilidade de você olhar<br />

no relógio e dizer “olha, são<br />

18 horas e combinei de ir ao<br />

cinema com a minha mulher,<br />

vamos parar por aqui, amanhã<br />

retomamos”, não é assim. Se<br />

você está discutindo centenas<br />

de milhões, às vezes bilhões de<br />

dólares, o ritmo é intenso mesmo.<br />

Talvez tenhamos que criar<br />

um modelo em que aqueles<br />

que querem e estão dispostos a<br />

trabalhar muito possam ter essa<br />

vida, e aqueles que não querem<br />

e desejam ter uma vida mais<br />

previsível também consigam<br />

um lugar no escritório, não<br />

necessariamente atingindo o<br />

mesmo resultado final.<br />

4) Qual conselho o senhor<br />

daria para os atuais estudantes<br />

de direito e estagiários?<br />

É difícil dar conselho, porque<br />

cada um é cada um. Mas meu<br />

conselho genérico é: sejam<br />

curiosos e sejam coerentes na<br />

busca do que vocês querem.<br />

Um grande erro que uma<br />

pessoa faz é dizer que quer<br />

uma coisa, mas as atitudes e<br />

a maneira como ela se comporta<br />

não refletem isso. Então,<br />

se você quer ser advogado de<br />

um escritório grande, você<br />

tem que saber o que o escritório<br />

espera de você. Não é<br />

pelo dinheiro, você tem que<br />

estar realmente convencido<br />

do que quer. Da mesma forma,<br />

se a pessoa quiser ser um<br />

promotor ou um juiz, ela tem<br />

que saber que precisará estudar<br />

muitas horas. Em resumo,<br />

não basta declarar uma intenção,<br />

é preciso fazer as escolhas<br />

e tomar as atitudes para atingir<br />

o seu objetivo. n<br />

Fórum jurídico<br />

27


28 Fórum jurídico<br />

Perfil<br />

josé edUardo Cardozo


José Eduardo Cardozo:<br />

da PUC ao<br />

Ministério<br />

LUis gUstaVo dias E aNa CaroLiNa di giaCoMo / Fotos: aLLEX FErrEira<br />

o ministro da<br />

justiça, josé<br />

Eduardo cardozo<br />

Fórum jurídico<br />

29


30<br />

Fórum jurídico<br />

Perfil<br />

josé edUardo Cardozo<br />

Temos desde a Secretaria de<br />

Direito Econômico até a<br />

Secretaria Nacional de Segurança Pública<br />

SoBre o miniSTro<br />

o ministro da Justiça, José<br />

Eduardo cardozo, é formado<br />

em direito pela Pontifícia universidade<br />

Católica de são Paulo,<br />

onde é professor de direito<br />

Administrativo. Foi também na<br />

Pontifícia que ele iniciou sua<br />

carreira política e onde concluiu<br />

o mestrado. de 2003 a<br />

2011 foi deputado federal pelo<br />

estado de são Paulo. desde 1º<br />

de janeiro de 2011, ocupa o<br />

cargo de ministro da Justiça.<br />

munDo polÍTico<br />

Como é sua rotina de Ministro<br />

da Justiça?<br />

Minha rotina é não ter rotina.<br />

Tenho saído muito tarde do<br />

Ministério. Houve dia em que<br />

saímos às duas e meia da manhã,<br />

onze horas, meia-noite. E<br />

é normal que seja assim, porque<br />

tratamos de muitos assuntos<br />

diferentes.<br />

O Ministério da Justiça é um<br />

dos ministérios mais curiosos.<br />

É o primeiro ministério,<br />

e, portanto, possui atribuições<br />

residuais, o que nos leva a tratar<br />

de muitos assuntos diferentes<br />

em um mesmo dia. Participamos<br />

em todas as relações<br />

como o Poder Judiciário, do<br />

ponto de vista da nomeação de<br />

magistrados, do ponto de vista<br />

de política judicial, inovações<br />

legislativas etc. Temos “da Toga<br />

à Tanga”. A toga dos magistrados<br />

e a tanga na Funai.<br />

E isso é altamente complexo,<br />

temos assuntos cotidianos muito<br />

pesados. E tudo isso exige da<br />

parte do Ministro ou do Gabinete<br />

do Ministério uma atuação<br />

dedicada. Quase não se tem<br />

rotina, tanto que, pela primeira<br />

vez desde que comecei a dar<br />

aula na PUC (iniciei em 1982),<br />

tive que tirar licença. Permaneço<br />

dando aulas no curso de<br />

especialização na Escola Paulista<br />

de Direito (EPD) ou coordenando.<br />

Isso porque, além da<br />

questão financeira, gosto de dar<br />

aulas e minha profissão é essa.<br />

Por que não concorrer à reeleição<br />

para o terceiro mandato<br />

como Deputado Federal?<br />

Fiz uma carta para todos os<br />

meus eleitores dizendo que<br />

não disputaria eleição naquele<br />

ano. Inclusive disse na carta<br />

que enalteço e aplaudo aqueles<br />

que, pensando como eu,<br />

partindo dos mesmos princípios,<br />

resolveram permanecer<br />

disputando eleições. Depois de<br />

dezesseis anos de parlamento e<br />

cinco eleições, eu não me sentia<br />

mais à vontade para disputar<br />

um mandato proporcional


em um sistema como o nosso,<br />

em que o financiamento de<br />

campanhas é caríssimo.<br />

A obtenção de recursos em<br />

uma campanha para quem<br />

se pauta pela ética é cada vez<br />

mais constrangedora. Penso:<br />

“não é justo; estou me comportando<br />

eticamente, com<br />

decência, faço uma campanha<br />

espartana dentro daquilo<br />

que existe” e sou tido muitas<br />

vezes como culpado até que<br />

provem o contrário?<br />

Uma vez minha filha me perguntou<br />

se o nosso dinheiro<br />

era roubado. “Como roubado?”<br />

eu questionei. E ela me<br />

respondeu: “Não, papai, é que<br />

na escola estão dizendo que<br />

você é ladrão”. Na hora eu<br />

respondi: “Filha, você vê que<br />

eu trabalho, e que a sua mãe<br />

trabalha”. Eu sempre fui parlamentar<br />

e sempre dei muitas<br />

aulas, muitas. Porque gosto e<br />

porque ganhava bem fazendo<br />

isso. Aí, de repente, você chega<br />

em uma fase da vida e fala<br />

“e ainda vão me chamar de<br />

ladrão?” É complicado.<br />

É o que eu digo, se o nosso<br />

sistema político não passar por<br />

uma reforma, ele não deixará<br />

de ser expulsório de pessoas<br />

que têm uma preocupação ética.<br />

Por isso respeito, admiro e<br />

aplaudo as pessoas que permanecem<br />

na política pensando<br />

como eu penso.<br />

Um dos maiores enfoques da<br />

sua política é o combate ao<br />

tráfico de drogas. Por quê?<br />

Umas das preocupações que temos<br />

no Ministério da Justiça é<br />

a questão da segurança pública,<br />

que foi definida pela Presidente<br />

Dilma como o objetivo prioritário<br />

do Governo no combate<br />

à violência, e ao tráfico de<br />

drogas. Esse é o eixo central em<br />

que temos que intervir.<br />

Sem sombra de dúvidas, o<br />

tráfico de drogas, além de ser<br />

uma mal em si, é um elemento<br />

gerador de violência. Por isso,<br />

temos de atacá-lo firmemente,<br />

e para isso é necessário que se<br />

desenvolvam políticas.<br />

Então, colocamos tudo isso<br />

como uma prioridade e já temos<br />

desenvolvido algumas políticas<br />

importantes: o plano de fronteiras,<br />

que realizamos em paralelo<br />

ao Ministério da Defesa; o plano<br />

de modernização do sistema<br />

prisional brasileiro; e o plano nacional<br />

de enfrentamento a drogas,<br />

que estamos fazendo junto<br />

com o Ministério da Saúde.<br />

Serão quatro bilhões investidos<br />

até 2014, que envolvem segurança<br />

pública e saúde pública.<br />

Temos também a campanha do<br />

desarmamento, que representa<br />

um ponto forte da nossa política<br />

de combate à violência,<br />

tendo sido feita esse ano com a<br />

arrecadação de mais de 35 mil<br />

armas, muitas das quais são de<br />

‘<br />

É o que eu digo, se o<br />

nosso sistema político<br />

não passar por uma<br />

reforma, ele não deixará<br />

de ser expulsório de<br />

pessoas que têm uma<br />

preocupação ética.<br />

Fórum jurídico<br />

31


32<br />

Fórum jurídico<br />

Perfil<br />

‘<br />

Acredito que todo<br />

órgão deva ser<br />

fiscalizado. Porque<br />

isso é uma premissa<br />

da convivência do<br />

Estado moderno.<br />

josé edUardo Cardozo<br />

grosso calibre. Tudo isso, nessa<br />

perspectiva, de combate ao tráfico<br />

de drogas.<br />

Qual sua opinião sobre a polêmica<br />

do CNJ?<br />

Sou e sempre fui favorável a<br />

que todas as atividades funcionais,<br />

principalmente as atividades<br />

públicas, fossem fiscalizadas.<br />

Essa é uma premissa básica do<br />

Estado de Direito. É necessário<br />

que o Poder tenha limites.<br />

A ideia do limite ao poder<br />

não é fácil de ser estabelecida.<br />

E a fiscalização em relação aos<br />

atos de arbítrio, o abuso de<br />

poder, a essência desses limites<br />

também não é fácil de ser<br />

estabelecida. Por isso acredito<br />

que todo órgão deva ser fiscalizado.<br />

As pessoas do mundo<br />

público não podem temer<br />

serem fiscalizadas, porque isso<br />

é uma premissa da convivência<br />

do Estado moderno. Essa é<br />

minha premissa.<br />

Porque eu não tenho falado<br />

dessa questão do CNJ? Pois,<br />

como Ministro da Justiça,<br />

qualquer referência que faça,<br />

neste momento, implicaria<br />

uma intromissão de um agente<br />

do Poder Executivo no Poder<br />

Judiciário.<br />

Então, por essa razão, para que<br />

não se qualifique nenhuma<br />

situação de intromissão do<br />

Poder Executivo em assuntos<br />

do Poder Judiciário, é que eu<br />

não tenho falado, nem posso<br />

falar sobre o caso concreto,<br />

sobre essa tensão que existe<br />

na relação entre o CNJ com<br />

entidade de classe da Magistratura<br />

ou com outros órgãos<br />

jurisdicionais.<br />

O senhor é favorável à união<br />

estável homoafetiva?<br />

Sou absolutamente favorável<br />

ao reconhecimento da união<br />

estável homoafetiva. Temos<br />

que perceber que essas são


elações sociais que existem,<br />

e são totalmente normais. Os<br />

indivíduos não podem fechar<br />

os olhos para elas e fingir<br />

que não existem por conta<br />

de preconceitos e discriminações.<br />

O reconhecimento<br />

jurídico dessas uniões é de<br />

suma relevância. Acredito ser<br />

de grande importância para a<br />

vida social moderna.<br />

Uma das coisas que mais me<br />

atinge como ser humano é o<br />

preconceito, não há sentimento<br />

nem postura pior do que<br />

ele. A palavra preconceito é<br />

muito rica. Ela fala em pré-<br />

-conceito, conceito prévio,<br />

conceito que vem antes da<br />

constatação da realidade. E,<br />

por meio desse conceito prévio,<br />

pessoas não são tratadas<br />

como seres humanos, não são<br />

respeitadas em seus direitos,<br />

são violentadas em situações<br />

mínimas de convivência.<br />

Esse tipo de preconceito deve<br />

ser superado e uma forma de<br />

fazê-lo é justamente perceber<br />

que essas relações existem e<br />

que devem ter sua eficácia jurídica<br />

reconhecida, ou seja, isso,<br />

além de correto em si mesmo,<br />

tem um elemento pedagógico-social<br />

muito importante.<br />

Uma vez que induz as pessoas<br />

a perceberem que as relações<br />

humanas devem ser baseadas,<br />

no que diz respeito à liberdade<br />

individual, naquilo que,<br />

Uma das coisas que mais me<br />

atinge como ser humano é o<br />

preconceito, não<br />

há sentimento nem postura<br />

pior do que ele<br />

obviamente, o indivíduo buscou<br />

como sua orientação.<br />

Como vai ser a questão financeira<br />

e de infraestrutura<br />

para a Copa?<br />

No Ministério da Justiça temos<br />

a Secretaria da Copa e<br />

também criamos a Secretaria<br />

Especial de Segurança para<br />

Grandes Eventos. Normalmente,<br />

a política de segurança<br />

pública é feita pela Secretaria<br />

Nacional de Segurança Pública,<br />

mas os grandes eventos<br />

(Copa do Mundo, Olimpíadas,<br />

Rio mais 20, Copa das<br />

Confederações e a vinda do<br />

Papa) têm exigido uma especial<br />

atenção.Especialmente<br />

a Copa do Mundo em 2014,<br />

porque exige muita infraestrutura,<br />

aeroportos e uma série<br />

de questões que estão sendo<br />

desenvolvidas pelas áreas<br />

específicas. Mas, da nossa parte,<br />

há de ser garantida a segurança<br />

nos grandes eventos. Por<br />

isso, temos um plano já fechado<br />

sobre a segurança nesses<br />

casos. O objetivo é dar uma<br />

excelente segurança na Copa<br />

de 2014, mas também deixar<br />

um legado, ou seja, deixar um<br />

ganho de segurança pública<br />

para a política comum.<br />

Por que não foi feito isso<br />

no Pan?<br />

Esse é um dos grandes problemas.<br />

Acho que na questão<br />

do Pan faltou uma amarração<br />

mais forte com o legado, embora<br />

muita coisa tenha ficado.<br />

Por exemplo, o centro de<br />

Comando e Controle do Rio<br />

de Janeiro, que será um dos<br />

grandes centros de comando e<br />

controle que teremos na Copa<br />

do Mundo, já está montado,<br />

porque foi feito no Pan.<br />

Agora, a Copa do Mundo tem<br />

outra característica, são doze<br />

cidades-sede, com características<br />

bastante diferenciadas.<br />

Fórum jurídico<br />

33


34<br />

Fórum jurídico<br />

Perfil<br />

Nós aprendemos com os erros<br />

e acertos do Pan, e vamos<br />

projetar a política para que,<br />

além de uma boa segurança,<br />

deixemos um legado para a<br />

segurança pública.<br />

Falou-se na possível suspensão<br />

do CDC como exigência<br />

da FIFA. Qual a sua opinião<br />

sobre o assunto?<br />

Há uma série de exigências<br />

que acredito que devam ser<br />

analisadas com bastante cuidado<br />

pelo Congresso Nacional.<br />

Existem diversas exigências,<br />

desde a criação de regras<br />

processuais próprias até admitir<br />

a venda de bebidas nos<br />

estádios, que nossa legislação<br />

não permite. Há uma série<br />

de questões que estão sendo<br />

discutidas hoje no Congresso<br />

Nacional. E algumas delas<br />

podemos aceitar. Mas também<br />

não podemos mudar toda<br />

nossa sistemática por causa de<br />

um evento, quando a sistemática<br />

dá conta do recado.<br />

josé edUardo Cardozo<br />

Governar significa enfrentar<br />

muitos problemas ao mesmo<br />

tempo e conseguir dar conta do<br />

recado de todos<br />

O dinheiro dos “grandes<br />

eventos” poderia ser investido<br />

de outra maneira?<br />

O ganho é descomunal do<br />

ponto de vista turístico e de<br />

uma série de questões. Ou<br />

seja, a Copa do Mundo é um<br />

encontro esportivo com data<br />

marcada, que vai obrigar a fazer<br />

muitas obras que são necessárias<br />

não só para a Copa do Mundo,<br />

mas também para a vida da<br />

sociedade. A questão da mobilidade<br />

urbana, a questão da segurança<br />

e uma série de outras<br />

questões serão promovidas com<br />

data marcada, obrigando União,<br />

Estados e Municípios a agirem<br />

juntos, o que acho extremamente<br />

positivo.<br />

Além de ser um evento esportivo<br />

que divulga o país,<br />

que traz turismo, ele implica<br />

gastos que geram construções<br />

que ativam o mercado, mas,<br />

além disso, deixa um legado<br />

fantástico. Serão doze cidades-sede<br />

que terão os centros<br />

de comando e controle. Isso<br />

nos forçará, e já estamos pensando<br />

nisso, a colocar pequenos<br />

centros de controle em<br />

outras cidades.<br />

Portanto, a Copa do Mundo<br />

é um evento com data marcada,<br />

que nos obriga a seguir um<br />

cronograma que pode mudar<br />

hábitos, que pode mudar rotinas,<br />

que pode trazer um resultado<br />

não apenas bom para os<br />

eventos, mas bom para o país.<br />

Acredito que esses eventos esportivos<br />

são muito bem-vindos.<br />

E, com isso, acabamos deixando<br />

um pouquinho as disputas políticas<br />

para as horas das eleições,<br />

porque senão ninguém sobrevive<br />

do ponto de vista dos planos<br />

que devem ser feitos.<br />

Então, hoje você vê os governadores<br />

preocupados com as<br />

obras; questões dos transportes<br />

sendo enfrentadas em conjunto,<br />

coisas que não seriam<br />

feitas se não tivéssemos hora<br />

marcada para realizá-las.<br />

Temos um problema seríssimo<br />

nos aeroportos e o que


está mobilizando toda a energia<br />

pra resolver é a Copa do<br />

Mundo. Claro que iríamos<br />

resolver o problema, mas sempre<br />

com aquelas desarticulações<br />

características.<br />

Agora, temos que ter aeroporto<br />

até 2014. Tem que estar resolvido,<br />

não tem meio termo.<br />

Então, isso é extremamente<br />

interessante do ponto de vista<br />

do desenvolvimento de políticas<br />

públicas.<br />

Não seria melhor investir<br />

em educação?<br />

Temos que enfrentar a situação<br />

da educação. Uma coisa não<br />

desobriga a outra. Quando se<br />

gera emprego, renda, ativa-se<br />

a roda da economia do país e<br />

isso reflete também em impostos<br />

e em uma série de situações<br />

que vamos desenvolver.<br />

Educação é fundamental, mas<br />

não se pode perder de vista outros<br />

lados, outras políticas que<br />

também devem ser desenvolvidas.<br />

Deve-se enfrentar todas:<br />

saúde, segurança pública, entre<br />

outras. Por exemplo, nesses<br />

eventos internacionais, o Brasil<br />

vai ter um despertar político<br />

impressionante, que nunca teve.<br />

Veja o Rio de Janeiro. Ele foi,<br />

em certa medida, transformado<br />

pelo Pan. Será transformado<br />

pela Copa do Mundo. No<br />

que se refere ao investimento<br />

em turismo, temos um inves-<br />

timento irrisório perto do<br />

que países europeus realizam.<br />

E podemos oferecer um turismo<br />

maravilhoso.<br />

Com os grandes eventos somos<br />

obrigados a investir em<br />

infraestrutura hoteleira, infraestrutura<br />

turística, em aprendizado<br />

de línguas. Há uma série<br />

de questões que são motivadas.<br />

Governar significa enfrentar<br />

muitos problemas ao mesmo<br />

tempo e conseguir dar conta<br />

do recado de todos. Essa é a<br />

grande questão.<br />

O Brasil está em uma era de<br />

grande expansão econômica.<br />

O Judiciário tem acompanhado<br />

o crescimento do país?<br />

Nossa estrutura judicial - isso<br />

não é culpa dos juízes, é culpa<br />

de todo mundo – está muito<br />

aquém das nossas necessidades.<br />

O Judiciário ainda é moroso,<br />

ainda é lento, e há uma<br />

série de questões que precisam<br />

ser enfrentadas. Ainda temos<br />

processos que são costurados<br />

com a mesma linha ou<br />

algo muito próximo com que<br />

Pero Vaz de Caminha amarrou<br />

a Carta e mandou para o<br />

rei em Portugal.<br />

É inacreditável que, enquanto<br />

você faz saques bancários<br />

pela internet, o cliente tem<br />

que ir lá pegar autos todos<br />

amarrados com uma linha<br />

e pegar um carrinho de su-<br />

‘<br />

A Copa do Mundo<br />

é um encontro<br />

esportivo com<br />

data marcada, que<br />

vai obrigar a fazer<br />

muitas obras que<br />

são necessárias não<br />

só para a Copa<br />

do Mundo, mas<br />

também para a vida<br />

da sociedade.<br />

Fórum jurídico<br />

35


‘<br />

A PUC fez e faz a<br />

minha vida. Entrei<br />

na PUC em 1977,<br />

ano em que foi<br />

invadida pelas<br />

forças militares.<br />

36<br />

Fórum jurídico<br />

Perfil josé edUardo Cardozo<br />

permercado para transportar<br />

os processos. Quer dizer,<br />

são coisas inacreditáveis que<br />

ainda existem. Estamos muito<br />

atrasados. Falta muito. A<br />

reforma do judiciário é uma<br />

reforma que está muito atrasada,<br />

embora tenha andado<br />

muito nos últimos tempos.<br />

munDo puc<br />

Resuma a PUC em uma frase:<br />

“A PUC fez e faz a minha<br />

vida.”<br />

Entrei na PUC em 1977, ano<br />

em que foi invadida pelas forças<br />

militares. Havia um ato na<br />

porta do TUCA – de que eu<br />

não participei, porque eu tinha<br />

uma prova um dia depois,<br />

e também pelo receio. No dia<br />

seguinte, quando cheguei à<br />

faculdade para fazer a prova,<br />

a PUC estava totalmente cercada<br />

por carros blindados e<br />

tropas e as aulas tinham sido<br />

suspensas. Quando finalmente<br />

entrei na Universidade, vários<br />

amigos meus tinham sido presos,<br />

o presidente do CA tinha<br />

sido enquadrado na Lei de Segurança<br />

Nacional, e as salas de<br />

aulas, a biblioteca e o CA haviam<br />

sido destruídos.<br />

Todo mundo na vida, por mais<br />

medo que tenha das coisas,<br />

chega num ponto em que não<br />

pode ficar quieto. O episódio<br />

da ditadura me conduziu ao<br />

movimento estudantil. E isso,<br />

de certa forma, fez a minha<br />

vida e ainda faz. Eu tenho um<br />

lado acadêmico, sou professor,<br />

gosto de dar aulas, gosto de escrever,<br />

de estudar, de fazer pareceres,<br />

de produzir textos jurídicos.<br />

Isso faz parte da minha<br />

essência, mas se soma ao lado<br />

da política. Então, aquilo me<br />

fez ir para a atividade política.<br />

Me tornei vereador, depois deputado.<br />

Hoje ministro.<br />

Na realidade, a minha vida tem<br />

dois lados: o lado acadêmico<br />

e o lado político, e foi isso o<br />

que a PUC me proporcionou.<br />

Seguramente eu não seria a<br />

mesma pessoa se não tivesse<br />

entrado na PUC, minha vida<br />

certamente teria tomado um<br />

rumo diferente. Mas, ainda,<br />

a PUC me trouxe um outro<br />

diferencial que, em geral, os<br />

outros cursos não fornecem: o<br />

pensamento crítico.<br />

Especialmente para quem faz<br />

direito, nós estamos muito<br />

habituados a pensá-lo como<br />

lei, como dogma, é algo muito<br />

prevalecente em nossa<br />

formação. A PUC me trouxe<br />

a ideia da análise crítica<br />

do pensamento jurídico, isto<br />

é, pensar nos valores e princípios<br />

que estão além da lei.<br />

Debater a ideia de justiça, de<br />

ética, de transformação.<br />

O curso que tive na PUC não<br />

foi convencional e restrito, e


Mas, ainda, a PUC me trouxe um<br />

outro diferencial que,<br />

em geral, os outros cursos não<br />

fornecem: o pensamento crítico<br />

sim amplo e com preocupação<br />

crítica. Embora eu tenha estudado<br />

e compreendido a dogmática<br />

jurídica, sem sombra de<br />

dúvida, a preocupação crítica<br />

foi mais importante até do que<br />

se eu tivesse só estudado ou só<br />

aprendido a refletir o direito<br />

sobre o mundo da dogmática.<br />

A PUC me fez o que eu sou.<br />

Se eu tivesse que refazer situa-<br />

ções da minha vida, muitas<br />

eu refaria, mas ter entrado na<br />

PUC, não. Eu não mudaria<br />

um milímetro da oportunidade<br />

que a vida me deu ao cursar<br />

essa universidade.<br />

Os alunos da PUC são mais<br />

politizados?<br />

Todo mundo se adapta um<br />

pouco ao meio em que está.<br />

Às vezes você pode encontrar<br />

pessoas muito críticas<br />

que quando entram em uma<br />

universidade são totalmente<br />

castradas em sua perspectiva,<br />

seja porque têm relações<br />

autoritárias com professores,<br />

seja porque a metodologia<br />

transforma o aluno em objeto<br />

e o professor em sujeito.<br />

Por outro lado, existem pessoas<br />

que são muito reprimidas<br />

e quando entram em ambientes<br />

que lhes permitem<br />

desenvolver a dimensão crítica<br />

de seu ser se desenvolvem,<br />

desabrocham em uma perspectiva<br />

do pensamento não<br />

paralisado, do pensamento<br />

não “ensimesmado”.<br />

As pessoas, por oportunidade<br />

de vida, chegam à universidade<br />

das formas mais diferentes<br />

possíveis, mas a PUC proporciona<br />

o espaço de relação e<br />

reflexão livres. É evidente que<br />

há professores que são mais<br />

autoritários e outros menos,<br />

mas o espírito da PUC é de<br />

grande liberdade. A distância<br />

entre professor e aluno não é<br />

um abismo, como ocorre em<br />

outras instituições de ensino;<br />

o professor vive um clima bastante<br />

diferenciado. No fundo,<br />

ninguém ensina ninguém.<br />

O fato é que os professores já<br />

percorreram um caminho de<br />

conhecimento prévio e são<br />

orientadores e semeadores<br />

daqueles que vêm depois. A<br />

relação entre professor e aluno<br />

não pode ser uma relação,<br />

como meu querido professor<br />

e amigo, o saudoso Paulo Freire,<br />

dizia: da “educação bancária”.<br />

Esse modo de educar faz<br />

com que o professor entre na<br />

sala de aula, deposite o conhecimento<br />

no aluno e, no final<br />

do bimestre, faça o saque por<br />

meio de uma prova. Às vezes<br />

vem sem fundos. Essa relação<br />

da educação bancária pressupõe<br />

um sujeito e um objeto,<br />

que é a pior das formas de relacionamento<br />

pedagógico.<br />

O aluno é um sujeito tanto<br />

quanto o professor. Eles têm<br />

de se inteirar em pé de igualdade,<br />

com respeito mútuo,<br />

cada um no seu papel. E a<br />

PUC permite muito a construção<br />

dessa relação pedagógica<br />

livre e crítica.<br />

Fórum jurídico<br />

37


38<br />

Fórum jurídico<br />

Perfil josé edUardo Cardozo<br />

O conselho que eu dou<br />

e de que não me arrependo é:<br />

viva a PUC<br />

Existe um momento ideal<br />

para estagiar?<br />

Depende de cada um. Eu comecei<br />

no primeiro ano na periferia<br />

de São Paulo e fiquei os<br />

cinco anos nessa atividade. Comecei<br />

a fazer estágio em um<br />

escritório de advocacia no meu<br />

segundo ano, mas fiquei apenas<br />

alguns meses, porque me elegi<br />

presidente do CA 22 de Agosto,<br />

e tive que sair, já que os horários<br />

eram incompatíveis. Mais<br />

tarde, no meu quarto ano, fui<br />

estagiário da Prefeitura de São<br />

Paulo, o que me levou a fazer<br />

concurso da Procuradoria do<br />

Município, onde entrei logo<br />

após ter me formado.<br />

Acredito que o estágio é muito<br />

importante, mas sem privar<br />

dos estudos da faculdade, caso<br />

contrário, estagiar no primeiro<br />

ano torna-se irrelevante.<br />

Contudo, se você conseguir<br />

combinar a perspectiva de crescer<br />

profissionalmente e aprender,<br />

então torna-se conveniente.<br />

Isso depende muito de cada<br />

um, mas, evidentemente, no<br />

quarto ano você tem que estagiar.<br />

Se o aluno começar antes,<br />

vai depender muito dele.<br />

Como seu trabalho social<br />

na universidade influiu no<br />

seu cargo?<br />

Muito. Não seria a mesma<br />

pessoa se não tivesse vivido<br />

essa experiência. Isso influiu<br />

diretamente na minha condição<br />

de Ministro, e de deputado,<br />

de vereador.<br />

É engraçado, quando vamos na<br />

periferia, achamos que vamos<br />

ensinar alguma coisa. Mas não,<br />

acabamos sempre aprendendo.<br />

Recebi verdadeiras lições de<br />

vida na periferia de São Paulo.<br />

E algumas delas não saem mais<br />

da minha mente. Você vê pessoas<br />

com simplicidade, sem ter<br />

o mesmo meio de instrução<br />

formal que você tem, te dando<br />

verdadeiras aulas de vida.<br />

Isso não se perde. Aulas de vida<br />

são aquelas que você não esquece,<br />

porque você é testado<br />

pelas provas da vida diariamente.<br />

E eu digo: não seria a mesma


pessoa se não estivesse lá. Não<br />

desenvolveria minhas atividades<br />

ao longo do tempo, seja de professor,<br />

seja de advogado, seja a<br />

de estudioso de Direito, seja de<br />

parlamentar, seja de Ministro.<br />

Nenhuma delas eu desenvolveria<br />

da mesma forma se eu não<br />

tivesse tido essa experiência.<br />

Com base na sua experiência,<br />

qual a sua recomendação<br />

para um aluno da PUC-SP?<br />

Viva intensamente a sua universidade.<br />

Eu não me arrependo<br />

disso, eu vivi intensamente<br />

a PUC. No fundo, fiz um excelente<br />

curso, estudava muito,<br />

fui o melhor aluno da minha<br />

turma em notas. Ganhei o<br />

prêmio Faculdade Paulista de<br />

Direito na época. E, ao mesmo<br />

tempo, vivia intensamente<br />

a vida política da universidade.<br />

Durante muitos anos na PUC<br />

eu dei aula de Filosofia do Direito.<br />

Essa experiência me fez<br />

pensar, foi muito rica. Então<br />

o conselho que eu dou e de<br />

que não me arrependo é: viva<br />

a PUC. Eu vivi intensamente<br />

a universidade, praticamente<br />

morei nela. E isso foi extremamente<br />

enriquecedor. Se há<br />

uma coisa de que eu sinto saudade<br />

é desse tempo. n<br />

‘ Recebi verdadeiras<br />

lições de vida na<br />

periferia de São<br />

Paulo. E algumas delas<br />

não saem mais da<br />

minha mente.<br />

reunião extraordinária<br />

do Conselho nacional de<br />

segurança Pública<br />

Fórum jurídico<br />

isaac amorim<br />

39


40<br />

Fórum jurídico<br />

entrevista<br />

<strong>Fábio</strong> <strong>Ulhoa</strong> <strong>Coelho</strong><br />

Um <strong>novo</strong> direito<br />

Comercial<br />

reconhecido como um dos grandes nomes da área, ulhoa busca<br />

consertar as imperfeições da legislação empresarial brasileira<br />

FiLiPE FaCChiNi E otáVio brEssaN / Fotos: aLEX FErrEira<br />

Atualmente, não há como se pensar em direito comercial<br />

brasileiro sem nos lembrarmos de <strong>Fábio</strong> <strong>Ulhoa</strong> <strong>Coelho</strong>. Professor<br />

Titular de Direito Comercial da Pontifícia Universidade<br />

Católica de São Paulo (PUC-SP), livre-docente, advogado<br />

e parecerista. Com apenas um de seus livros, o Manual de Direito<br />

Comercial, editado pela Saraiva, alcançou, no final de 2011,<br />

o volume total de vendas de 314.559 unidades. Formado na<br />

PUC-SP em 1981, iniciou a sua trajetória em 1982, como<br />

assistente nas disciplinas de Direito Comercial e Filosofia<br />

do Direito na própria Pontifícia. Feita a opção de se dedicar<br />

ao Direito Comercial, concluiu o seu mestrado, doutorado<br />

e livre-docência na mesma faculdade. No cenário atual do<br />

Direito Comercial Brasileiro, tem a honra de ter a sua minuta<br />

do <strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial utilizada como anteprojeto para<br />

a lei. <strong>Ulhoa</strong> <strong>Coelho</strong> ocupa lugar de destaque, sendo recorrentemente<br />

procurado para esclarecer as controvérsias e demais<br />

questões atuais que se relacionam ao cotidiano jurídico de<br />

uma empresa. Tido hoje como referência, esse ilustre ícone<br />

da PUC-SP, com a didática que lhe é particular, respondeu a<br />

algumas perguntas, que vêm a seguir, sobre sua carreira bem<br />

como sobre as mais atuais e controversas questões do Direito<br />

Comercial. Suas palavras são uma verdadeira aula.


<strong>Fábio</strong> ulhoa coelho:<br />

professor titular de direito<br />

comercial da PuC-sP<br />

Fórum jurídico<br />

41


O que levou o senhor a tornar-se<br />

doutrinador?<br />

Eu sempre tive um lado ligado<br />

a comunicações e, por isso, sempre<br />

pensei em me dedicar à carreira<br />

acadêmica, em me tornar<br />

professor. Eu não consigo ver a<br />

atividade docente separada da<br />

atividade de pesquisa e, sendo<br />

professor universitário, tenho<br />

que pesquisar constantemente<br />

e as pesquisas naturalmente<br />

levam à produção de textos, livros<br />

e artigos, que servem para<br />

divulgar o que o pesquisador<br />

está refletindo e descobrindo.<br />

São coisas indissociáveis e desde<br />

sempre eu pensei que era isso<br />

que eu gostaria de fazer.<br />

Uma de suas obras – O Futuro<br />

do Direito Comercial – é<br />

utilizada como minuta para<br />

o projeto do <strong>novo</strong> <strong>Código</strong><br />

Comercial. Como o senhor<br />

se sente a respeito?<br />

Eu estou bastante animado<br />

com tudo o que está acontecendo.<br />

No final de 2010, publiquei<br />

esse livro como uma<br />

minuta de como eu entendia<br />

que seria o melhor código comercial<br />

para o Brasil, mas não<br />

tinha ideia de que ele seria capaz<br />

de desencadear o processo<br />

que desencadeou. Imaginei<br />

que seria uma contribuição<br />

42 Fórum jurídico<br />

entrevista<br />

<strong>Fábio</strong> <strong>Ulhoa</strong> <strong>Coelho</strong><br />

acadêmica a mais e que, um dia<br />

ou outro, quando alguém fosse,<br />

eventualmente, estudar certo<br />

assunto, poderia ilustrar com a<br />

informação que um autor, em<br />

um determinado momento,<br />

sugeriu certa solução legislativa<br />

para aquele problema. Eu<br />

imaginei que a contribuição<br />

que o livro daria seria apenas<br />

essa: uma contribuição acadêmica.<br />

Não é o que está acontecendo:<br />

a minuta aperfeiçoada<br />

se transformou em projeto<br />

de lei e o debate nacional se<br />

instalou sobre se é o caso de<br />

termos, ou não, um <strong>novo</strong> <strong>Código</strong><br />

Comercial e qual código<br />

comercial seria esse. Foi, portanto,<br />

muito além das minhas<br />

expectativas o que ocorreu em<br />

decorrência do livro. Algo que<br />

escrevi para uma função me-<br />

capa do livro O Futuro<br />

do Direito Comercial<br />

(ed. saraiva, 2011)<br />

divUlgação<br />

ramente acadêmica e desencadeia<br />

um debate nacional muito<br />

profícuo é algo que me deixa<br />

muito feliz.<br />

Por que o senhor acha, para<br />

a realidade brasileira, que a<br />

criação de um <strong>novo</strong> <strong>Código</strong><br />

Comercial é importante?<br />

Nós precisamos de uma lei<br />

que valorize a empresa. Nós<br />

temos leis que valorizam o<br />

consumidor, o trabalhador,<br />

entre outros agentes econômicos,<br />

mas a empresa não tem<br />

uma lei de valorização. A ordem<br />

jurídica precisa valorizar<br />

a empresa por diversas razões.<br />

A primeira razão é para que<br />

ela possa cumprir sua função<br />

social, ou seja, gerar empregos,<br />

tributos, atender as necessidades<br />

dos consumidores, apoiar<br />

a comunidade em que ela está<br />

instalada com iniciativas culturais<br />

e sociais. Só uma empresa<br />

forte e lucrativa pode cumprir<br />

sua função social. Se estiver<br />

faltando dinheiro para a empresa<br />

fazer seus investimentos,<br />

se ela não estiver conseguindo<br />

realizar satisfatoriamente nem<br />

mesmo sua função econômica<br />

– que é produzir e vender bens<br />

e serviços –, ela não terá como<br />

cumprir sua função social.<br />

Mas não é só isso, precisamos


valorizar a empresa no Brasil<br />

para atrair <strong>novo</strong>s investimentos.<br />

Com a globalização, o investidor<br />

e o empresário têm<br />

o mundo todo para investir,<br />

ou seja, os países competem<br />

pelo investidor. O Brasil pode<br />

competir melhor pelo investidor<br />

se tivermos uma ordem<br />

jurídica que crie um ambiente<br />

favorável aos negócios. A ordem<br />

jurídica que temos hoje<br />

não tem sido um bom instrumento<br />

nessa competição pelos<br />

investimentos.<br />

Uma terceira razão, bem ligada<br />

a essa segunda, é para reter o<br />

investimento. O brasileiro hoje,<br />

se não tiver segurança jurídica<br />

para fazer o seu investimento<br />

aqui, facilmente vai investir<br />

em outro lugar. Quem acaba<br />

tendo problemas com a deficiência<br />

na atração e retenção de<br />

investimentos é quem depende<br />

da economia funcionando bem<br />

para trabalhar e viver.<br />

E a quarta razão pela qual a<br />

gente precisa de um <strong>novo</strong> <strong>Código</strong><br />

Comercial está relacionada<br />

aos preços dos produtos e<br />

serviços que consumimos aqui<br />

no Brasil. Muitos colocam a<br />

culpa na carga tributária, mas<br />

diversas reportagens mostraram<br />

que o mesmo veículo vendido<br />

no exterior e no Brasil, des-<br />

‘<br />

Nós precisamos<br />

de uma lei<br />

que valorize a<br />

empresa. Nós<br />

temos leis que<br />

valorizam o<br />

consumidor,<br />

o trabalhador,<br />

entre outros<br />

agentes<br />

econômicos,<br />

mas a empresa<br />

não tem<br />

uma lei de<br />

valorização.<br />

considerando os impostos, aqui<br />

continua mais caro. Fala-se que<br />

seria o “Custo Brasil”, isto é, as<br />

dificuldades de nossa infraestrutura,<br />

que contribui para esse<br />

encarecimento, mas não é toda<br />

a explicação. Muitas vezes temos<br />

o mesmo serviço, utilizando<br />

a mesma estrutura e, se você<br />

compra o serviço aqui, você<br />

paga mais caro do que pagaria<br />

se comprasse no exterior. Passagens<br />

de transportes aéreos, por<br />

exemplo. Utilizando o mesmo<br />

avião, o mesmo voo, dois passageiros<br />

sentados um ao lado do<br />

outro. Aquele que comprou a<br />

passagem no Brasil pagou 25%<br />

mais caro do que aquele que<br />

comprou a passagem lá fora,<br />

mas é a mesma infraestrutura.<br />

Alguns dizem que o que explica<br />

essa diferença de preço é<br />

o “Lucro Brasil”, que nós estaríamos<br />

sustentando as crises<br />

dos países centrais, ou seja, é<br />

caro aqui para gerar lucro para<br />

as matrizes que estão falidas<br />

nos Estados Unidos e Europa.<br />

Essa explicação também não<br />

convence. Primeiro porque os<br />

preços são mais caros no Brasil<br />

desde antes da crise de 2008,<br />

segundo que, se fosse para ajudar,<br />

o mais lógico seria reduzir<br />

os preços, aumentar as vendas e<br />

gerar mais lucros.<br />

Fórum jurídico<br />

43


44 Fórum jurídico<br />

entrevista<br />

Então, na verdade, por que os<br />

produtos ou serviços são mais<br />

caros no Brasil do que exterior?<br />

É uma questão muito fácil de<br />

entender, todo empresário pensa<br />

da seguinte forma: “O meu<br />

retorno tem que ser proporcional<br />

ao meu risco”, ou seja,<br />

quanto maior o risco, maior<br />

o retorno. Então se eu, como<br />

empresário, estou fazendo negócio<br />

em um país que possui<br />

risco jurídico, eu tenho que ter<br />

um retorno maior do meu investimento<br />

para que o meu lucro<br />

não seja comprometido por<br />

decisões que se afastam da letra<br />

da lei. É esse risco jurídico que<br />

o <strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial vai<br />

ajudar a reduzir e que, portanto,<br />

possibilitará que os empresários<br />

invistam aqui no Brasil atrás de<br />

retornos menores e praticando<br />

preços mais baixos pelos produtos<br />

ou serviços.<br />

O projeto tem como uma de<br />

suas bases a formalização dos<br />

princípios gerais do Direito<br />

Comercial. Isso não poderia<br />

gerar um engessamento do<br />

Direito Comercial?<br />

Não. Essa é uma crítica que<br />

também foi feita: que o Direito<br />

Comercial, sendo um ramo tão<br />

dinâmico, não poderia hoje ser<br />

codificado. A codificação po-<br />

<strong>Fábio</strong> <strong>Ulhoa</strong> <strong>Coelho</strong><br />

‘<br />

Um <strong>Código</strong><br />

Comercial<br />

autônomo<br />

ajuda a<br />

fomentar a<br />

lógica própria<br />

da relação<br />

empresarial,<br />

para que,<br />

quando o juiz<br />

julgar essas<br />

questões, esteja<br />

ciente de suas<br />

características e<br />

peculiaridades.<br />

deria gerar um engessamento.<br />

Essa crítica é infundada, porque<br />

o processo legislativo, para mudar<br />

qualquer norma legal, é rigorosamente<br />

o mesmo, estando<br />

a norma em um código ou em<br />

uma lei ordinária. Estando em<br />

um ou outro e sendo necessário<br />

mudar porque a dinâmica<br />

dos negócios está exigindo que<br />

mude, o processo legislativo será<br />

igual; não haverá mais dificuldade<br />

de ajustar a norma à realidade<br />

porque ela está em um código e<br />

não em uma lei não codificada.<br />

O senhor acredita que a elaboração<br />

do <strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial<br />

pode ajudar o contínuo<br />

crescimento do Brasil?<br />

Sem dúvida nenhuma. Eu tenho<br />

uma reflexão marxista sobre<br />

como funciona a sociedade.<br />

Eu acho que, com ou sem<br />

o <strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial, o<br />

Direito Comercial brasileiro<br />

vai mudar por força da realidade<br />

econômica diferente que<br />

nós estamos vivendo. Com o<br />

<strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial essa<br />

mudança será mais rápida e<br />

benéfica para todos nós, será<br />

uma mudança sob controle,<br />

uma mudança administrada.<br />

Sem o <strong>Código</strong> Comercial<br />

essa mudança ocorrerá em<br />

um prazo maior, a um custo


maior, com mais incertezas.<br />

O Brasil está inegavelmente<br />

reposicionado na economia<br />

global e isso demanda um<br />

<strong>novo</strong> Direito Comercial, de<br />

modo que o <strong>novo</strong> <strong>Código</strong><br />

Comercial ajude a atender as<br />

exigências da economia.<br />

Nós falamos sobre o crescimento<br />

econômico do Brasil.<br />

O senhor entende que<br />

o Judiciário também está<br />

acompanhando esse desenvolvimento?<br />

Sem dúvida. Coisas importantíssimas<br />

estão acontecendo no<br />

âmbito do Poder Judiciário.<br />

Em primeiro lugar, eu citaria a<br />

criação das Câmaras de Direito<br />

Empresarial aqui no Tribunal de<br />

Justiça de São Paulo, ou seja, uma<br />

especialização no plano do Tribunal<br />

de Justiça sobre a matéria<br />

de Direito Comercial. A criação<br />

das Câmaras foi um passo extremamente<br />

importante dado<br />

pelo Tribunal de Justiça de São<br />

Paulo, capaz de gerar um modelo<br />

que pode, eventualmente, ser<br />

transposto para outros tribunais.<br />

Mas não é só isso. No ano de<br />

2011 o STJ realizou o primeiro<br />

curso voltado exclusivamente<br />

ao Direito Comercial para magistrados.<br />

O juiz está buscando<br />

informações porque ele precisa<br />

conhecer essa realidade específica<br />

da relação entre as empresas;<br />

saber que essa relação não obedece<br />

à mesma lógica da relação<br />

do consumidor, com a qual ele<br />

está habituado, familiarizado;<br />

até por ser um consumidor.<br />

Haverá também outras novidades<br />

animadoras em 2012 em<br />

relação ao Direito Comercial.<br />

Aguardem, pois haverá iniciativas<br />

interessantes em torno da<br />

revitalização do Direito Comercial,<br />

neste ano.<br />

Alguns críticos do <strong>Código</strong><br />

alegam que bastaria uma<br />

adequação das leis existentes.<br />

Por que o senhor entende ser<br />

melhor um <strong>novo</strong> código?<br />

O Direito Comercial está sujeito<br />

a princípios próprios, que<br />

não são os princípios do Direito<br />

Civil. E uma das dificuldades<br />

para o Direito Comercial brasileiro<br />

cumprir sua função de<br />

criar um ambiente favorável aos<br />

negócios está exatamente nessa<br />

unificação legislativa. Ela não é<br />

uma solução universal, porque<br />

não são todos os países que adotam<br />

o critério de organização<br />

do direito privado positivo. Isso<br />

porque ele impede a adequada<br />

sistematização da disciplina, daquelas<br />

regras que são específicas<br />

da relação entre os empresários.<br />

O <strong>Código</strong> Comercial não vai<br />

mudar nenhuma disposição do<br />

<strong>Código</strong> de Defesa do Consumidor;<br />

ele não vai revogar nenhum<br />

direito trabalhista, assim<br />

como não vai reduzir a responsabilidade<br />

dos empresários pela<br />

preservação do meio ambiente,<br />

nem os deveres deles quanto às<br />

matérias de competência do<br />

CADE – infrações da ordem<br />

econômica – ou mesmo às<br />

obrigações tributárias.<br />

O <strong>Código</strong> Comercial vai tratar<br />

exclusivamente da relação entre<br />

duas empresas. Seus temas são os<br />

contratos empresariais, os contratos<br />

de fornecimento de insumos,<br />

de distribuição de mercadorias,<br />

os títulos de crédito, a<br />

formação da sociedade, a crise<br />

da empresa, as obrigações entre<br />

os empresários. A relação entre<br />

empresas é uma relação muito<br />

particular. Hoje vemos alguns<br />

juízes julgando relações entre<br />

empresários a partir da lógica do<br />

<strong>Código</strong> de Defesa do Consumidor.<br />

Há exceções, mas normalmente<br />

a maioria dos magistrados<br />

tem como única experiência na<br />

economia a experiência pessoal<br />

como consumidor. Um <strong>Código</strong><br />

Comercial autônomo ajuda<br />

a fomentar a lógica própria da<br />

relação empresarial, para que,<br />

quando o juiz julgar essas ques-<br />

Fórum jurídico<br />

45


46 Fórum jurídico<br />

entrevista<br />

tões relativas a essa matéria, esteja<br />

ciente de suas características,<br />

suas peculiaridades.<br />

Em muitos aspectos a atual<br />

legislação está defasada e é<br />

burocrática; por exemplo, a<br />

legislação sobre títulos de<br />

crédito e sociedades limitadas.<br />

O <strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial<br />

busca alterar algumas<br />

das disposições existentes?<br />

Sem dúvida. Falemos primeiro<br />

dos títulos de crédito; o Brasil<br />

é hoje o único país no mundo<br />

em que temos dois regimes<br />

cambiários diferentes: o regime<br />

da Lei Uniforme de Genebra,<br />

<strong>Fábio</strong> <strong>Ulhoa</strong> <strong>Coelho</strong><br />

aplicável a todos os títulos até<br />

2003, e o do <strong>Código</strong> Civil, que<br />

se aplica aos títulos criados por<br />

lei depois de sua entrada em<br />

vigor. Os dois regimes têm diferenças<br />

substanciais: por exemplo,<br />

a questão da responsabilidade<br />

do endossante - pela Lei<br />

Uniforme de Genebra a solução<br />

é uma, pelo <strong>Código</strong> Civil<br />

a solução é outra. Para que essa<br />

complexidade? Por que temos<br />

dois regimes diferentes para os<br />

títulos de crédito? Não faz sentido,<br />

só torna mais difícil a aplicação<br />

do direito.<br />

A sociedade limitada no <strong>Código</strong><br />

Civil se tornou uma so-<br />

ciedade muito complexa e burocrática,<br />

desnecessariamente<br />

burocrática. Ela é normalmente<br />

a sociedade utilizada pela pequena<br />

empresa, pela média empresa;<br />

não tem por que a sociedade<br />

limitada estar sujeita a um<br />

regime tão complexo como<br />

está hoje. No <strong>novo</strong> <strong>Código</strong><br />

Comercial a sociedade limitada<br />

volta a ter um regime bastante<br />

simples, que era basicamente<br />

a disciplina que havia antes de<br />

2003, antes do <strong>Código</strong> Civil<br />

passar a burocratizar, indevidamente,<br />

esse tipo societário.<br />

Um outro receio que alguns<br />

juristas possuem em relação<br />

ao <strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial<br />

é a possível alteração da Lei<br />

6.404, que regula as sociedades<br />

por ações. Como o <strong>novo</strong><br />

<strong>Código</strong> vai tratar o instituto<br />

das S.A.?<br />

Na minha minuta, estava prevista<br />

a atribuição de um poder<br />

muito maior para a Comissão<br />

de Valores Mobiliários disciplinar<br />

a Sociedade Anônima de<br />

capital aberto. No meu modo<br />

de ver, a Lei deveria tratar da<br />

Sociedade Anônima fechada e<br />

a CVM, por meio de instruções<br />

e orientações dinâmicas,<br />

trataria da Sociedade Anônima<br />

aberta. Essa proposta, contu-


do, não foi bem recebida pelos<br />

profissionais que atuam no<br />

mercado de capitais. Achavam<br />

que a CVM não estaria preparada<br />

para esse <strong>novo</strong> papel. Ademais,<br />

eles tinham o receio de<br />

que estaríamos mexendo indevidamente<br />

em algo que funciona<br />

bem – e isso é verdade, o<br />

nosso mercado de capitais está<br />

funcionando muito bem. Do<br />

debate que se instaurou depois<br />

do lançamento da ideia do<br />

<strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial, podemos<br />

dizer, hoje, que temos já<br />

um consenso: o <strong>novo</strong> <strong>Código</strong><br />

Comercial não pode, em hipótese<br />

alguma, atrapalhar o mercado<br />

de Valores Mobiliários.<br />

Dessa forma, em vista do consenso<br />

construído, o projeto de<br />

<strong>Código</strong> Comercial não incorporou<br />

a minha sugestão de ampliação<br />

do poder da CVM, mas<br />

trouxe alguns dispositivos sobre<br />

Sociedade Anônima, que, no<br />

meu modo de ver, não mudam<br />

a disciplina dessas sociedades,<br />

porque tratam de aspectos não<br />

regulados na Lei das S.A. Mesmo<br />

esses poucos dispositivos,<br />

porém, têm despertado preocupação<br />

entre os profissionais<br />

da área – se poderiam interferir<br />

negativamente, ou não, no mercado<br />

de capitais. A minha posição<br />

sobre isso é muito clara: já<br />

‘<br />

No <strong>novo</strong><br />

<strong>Código</strong><br />

Comercial<br />

a sociedade<br />

limitada<br />

volta a ter<br />

um regime<br />

bastante<br />

simples,<br />

que era<br />

basicamente a<br />

disciplina que<br />

havia antes<br />

de 2003.<br />

há consenso de que o <strong>Código</strong><br />

Comercial não pode atrapalhar<br />

esse setor da economia; assim,<br />

se há qualquer coisa no projeto<br />

do <strong>Código</strong> Comercial que,<br />

eventualmente, pode pôr em<br />

risco o setor econômico que<br />

está funcionando bem, vamos<br />

tirar. O projeto está em tramitação<br />

exatamente para que seja<br />

aperfeiçoado, retirando o que<br />

deve ser retirado e acrescentando<br />

o que deve ser acrescido.<br />

Se realmente até mesmo esses<br />

poucos dispositivos do <strong>Código</strong><br />

Comercial que falam da<br />

S.A. oferecem algum risco de<br />

tumultuar o mercado de capitais,<br />

vamos eliminá-los; é uma<br />

discussão a fazer no âmbito do<br />

Congresso Nacional.<br />

O Senhor comentou anteriormente<br />

que alguns países não<br />

adotam um código comercial.<br />

Por que o senhor acredita que<br />

eles não optaram pela unificação<br />

do Direito Comercial?<br />

Cada país tem a sua história<br />

e sua própria necessidade.<br />

Nós aqui no Brasil gostamos<br />

de copiar os outros, enquanto<br />

os outros países gostam de<br />

encontrar seus próprios caminhos.<br />

O Brasil não tem que<br />

ficar copiando a experiência<br />

dos outros. O Brasil, como está<br />

Fórum jurídico<br />

47


vivendo um <strong>novo</strong> momento<br />

econômico riquíssimo, deixa<br />

de ser só um importador de<br />

teorias jurídicas, e passa a ser<br />

um formulador e exportador<br />

de teorias jurídicas. É um aspecto<br />

desse reposicionamento<br />

na economia. Um exemplo é<br />

o conceito de título de crédito<br />

que o <strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial<br />

traz. O conceito de título de<br />

crédito atual – de Vivante –<br />

não se aplica à realidade hoje,<br />

porque os títulos são todos<br />

eletrônicos; não existe mais<br />

título de crédito em papel. Se<br />

nós formos pensar no conceito<br />

vivanteano, ele menciona um<br />

“documento necessário para<br />

o exercício do direito”; mas<br />

como falar de um documento<br />

necessário quando estamos<br />

tratando de arquivos eletrônicos?<br />

Precisamos de uma nova<br />

teoria dos títulos de crédito.<br />

Não que a teoria de Vivante<br />

esteja errada; ela foi apropriada<br />

durante muito tempo; mas<br />

agora temos outra realidade<br />

a disciplinar e precisamos de<br />

outra teoria. Por isso, uma<br />

das propostas do <strong>novo</strong> <strong>Código</strong><br />

Comercial é trazer <strong>novo</strong><br />

conceito para os títulos de<br />

crédito, que não existe ainda<br />

em nenhum lugar do mundo;<br />

depois, poderemos exportá-lo.<br />

48 Fórum jurídico<br />

entrevista<br />

<strong>Fábio</strong> <strong>Ulhoa</strong> <strong>Coelho</strong><br />

‘ A eireli é<br />

o resultado<br />

de uma<br />

solução de<br />

compromisso.<br />

O ideal teria<br />

sido uma clara<br />

referência<br />

na lei da<br />

sociedade<br />

unipessoal,<br />

ou seja, uma<br />

sociedade<br />

constituída<br />

por uma<br />

única pessoa.<br />

Em janeiro deste ano começou<br />

a viger a Lei nº 12.441,<br />

que instituiu a Empresa Individual<br />

de Responsabilidade<br />

Limitada. Qual a opinião<br />

do senhor a respeito desse<br />

instituto?<br />

Veja, a eireli é o resultado<br />

de uma solução de compromisso.<br />

O ideal teria sido uma<br />

clara referência na lei da sociedade<br />

unipessoal, ou seja,<br />

uma sociedade constituída<br />

por uma única pessoa; mas<br />

essa clara referência esbarrava<br />

em dois problemas. Primeiro,<br />

algo que eu chamaria<br />

de preconceito em relação à<br />

sociedade unipessoal. É possível,<br />

quando se trata de um<br />

contrato de sociedade, haver<br />

apenas um único contratante;<br />

isso está mais do que assente<br />

em todos os direitos. No Brasil<br />

havia essa resistência à figura<br />

da sociedade unipessoal.<br />

O segundo problema era certa<br />

resistência por parte do<br />

fisco – essa resistência ficou<br />

atenuada nos últimos anos,<br />

mas durante muito tempo era<br />

o fator político que impedia a<br />

adoção da chamada “solução<br />

societária”, para a limitação<br />

da responsabilidade do empresário.<br />

O fisco temia que a<br />

sociedade unipessoal pudesse,


de alguma forma, prejudicar<br />

a arrecadação. Então, o passo<br />

da eireli foi importante, mas<br />

teve que ser um passo cuidadoso,<br />

que, sem dúvida, abre as<br />

portas para a solução tecnicamente<br />

mais adequada, que é a<br />

da sociedade unipessoal.<br />

No <strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial<br />

há a previsão de que a Sociedade<br />

Limitada pode ser constituída<br />

por um ou mais sócios.<br />

Na sua opinião, o fato de<br />

estar estipulado capital social<br />

mínimo integralizado<br />

para a constituição da<br />

eireli não vai acabar afastando<br />

algumas pessoas do<br />

benefício de constituir uma<br />

eireli?<br />

Sim. Esse valor mínimo não<br />

dá para entender. Corre, inclusive,<br />

uma Ação Direta de<br />

Inconstitucionalidade relativamente<br />

a essa parte do art.<br />

980-A do <strong>Código</strong> Civil, perante<br />

o Supremo Tribunal<br />

Federal. Creio que não há<br />

justificativa e me parece de<br />

constitucionalidade duvidosa<br />

essa limitação. Realmente, o<br />

resultado é esse, impede que<br />

pessoas que poderiam estar se<br />

beneficiando da eireli se beneficiem<br />

devido ao valor mínimo<br />

do capital.<br />

A PUC possuía a fama de<br />

ser muito voltada para as<br />

áreas de direito público, sem<br />

dar prioridade para as áreas<br />

de direito privado. Como o<br />

senhor vê essa situação hoje?<br />

Quando eu era estudante, na<br />

década de 1970, a PUC tinha<br />

fama de ser boa apenas<br />

no Direito Público: Direito<br />

Constitucional, Tributário e<br />

Administrativo. De fato, grandes<br />

nomes da PUC nessa área<br />

se destacavam naquele tempo:<br />

Geraldo Ataliba, Celso Bastos,<br />

Oswaldo Aranha Bandeira de<br />

Mello, Celso Antonio Bandeira<br />

de Mello, Michel Temer<br />

e outros. O Direito Privado<br />

não possuía, no tempo em<br />

que eu era estudante, a mesma<br />

fama. Havia clara injustiça<br />

nesse ponto, porque nosso<br />

corpo docente era integrado<br />

também por grandes nomes<br />

do Direito Privado, como<br />

Maria Helena Diniz, Carlos<br />

Alberto Bittar, Carlos Alberto<br />

Ferriani, Ronaldo Porto<br />

Macedo e outros. Mas, sabe<br />

como é, a fama nem sempre<br />

é justa. Na minha opinião, ao<br />

longo dos anos isso se alterou<br />

de modo significativo. Hoje, a<br />

PUC é reconhecida também<br />

como centro de referência<br />

no campo do Direito Priva-<br />

do e, especialmente, no Direito<br />

Comercial. Temos dado<br />

uma contribuição bastante<br />

relevante, própria e singular<br />

para o desenvolvimento desse<br />

ramo jurídico. Podemos<br />

dizer que, no processo atual<br />

de revitalização do Direito<br />

Comercial no Brasil, a PUC é<br />

uma das instituições que está<br />

à frente.<br />

Qual o senhor entende que<br />

é o conceito que os alunos<br />

do Direito PUC têm no<br />

mercado hoje?<br />

Eu acho que é muito bom. Os<br />

escritórios de advocacia privilegiam,<br />

entre as faculdades que<br />

se destacam como melhores, a<br />

da PUC. A diferença do tempo<br />

em que eu era estudante<br />

diz respeito à competição, bem<br />

menos acirrada. Naquele tempo,<br />

os escritórios de advocacia<br />

davam preferência a alunos de<br />

duas instituições; com o passar<br />

dos anos, outras instituições de<br />

qualidade apareceram e, hoje<br />

em dia, os escritórios preferem<br />

estagiários de quatro ou cinco<br />

instituições. Aumentou a concorrência,<br />

mas a PUC continua<br />

sendo uma das escolas que<br />

os escritórios de advocacia em<br />

geral destacam, na hora de selecionar<br />

seus estagiários. n<br />

Fórum jurídico<br />

49


arqUivo fórUm JUrídico<br />

50 Fórum jurídico<br />

áreas do direito<br />

merCado FinanCeiro e de CaPitais


Fachada da<br />

Bovespa, no<br />

centro de são Paulo<br />

mercado em expansão<br />

A economia aquecida, em ampla expansão, traz<br />

formas mais sofisticadas de investimentos, gerando<br />

a extrema necessidade de um advogado conhecedor<br />

das áreas de mercado financeiro e de capitais<br />

otáVio brEssaN E raqUEL soUFEN<br />

Há tempos, na cultura nacional, o advogado deixou de ser apenas<br />

o profissional buscado nos momentos de conflito. Com o crescimento<br />

da economia brasileira as empresas buscam novas formas de capitalização,<br />

que, devido às suas formas sofisticadas, exigem a presença<br />

de um profissional do direito qualificado para prestar consultoria.<br />

A captação de recursos para uma empresa não se limita mais<br />

a empréstimos e financiamentos contratados com o gerente de<br />

uma instituição financeira. Agora, a emissão de debêntures, a securitização<br />

de recebíveis e outros mecanismos fazem parte do<br />

cotidiano de empresas de grande e médio porte.<br />

Fórum jurídico<br />

51


52 Fórum jurídico<br />

áreas do direito<br />

A maior parte dessas operações<br />

dependem da figura de<br />

um advogado experiente, que<br />

não conheça somente a regulamentação<br />

específica, mas que<br />

também esteja ciente das condições<br />

e práticas do mercado.<br />

Esses profissionais atuam, principalmente,<br />

em duas frentes: o<br />

direito do mercado financeiro<br />

e o do mercado de capitais, que<br />

se tocam em diversos pontos,<br />

mas que por diversos aspectos<br />

são únicos.<br />

mercaDo Financeiro<br />

Do ponto de vista jurídico,<br />

o mercado financeiro,<br />

grosso modo,<br />

A captação dos recursos<br />

é intensamente<br />

regulada pelos órgãos<br />

competentes, e é um dos<br />

papéis do profissional do<br />

direito atuar e auxiliar<br />

o cumprimento de<br />

tal regulamentação<br />

merCado FinanCeiro e de CaPitais<br />

se baseia em operações nas<br />

quais participam o detentor de<br />

um recurso, um beneficiário e<br />

um intermediário que desenvolve<br />

os meios para que o beneficiário<br />

receba tais recursos<br />

em troca de uma remuneração.<br />

A captação dos recursos é<br />

intensamente regulada pelos<br />

órgãos competentes, e é um<br />

dos papéis do profissional do<br />

direito atuar e auxiliar o cumprimento<br />

de tal regulamentação.<br />

Essa fase se opera, basicamente,<br />

por documentos como<br />

CDBs e Letras Financeiras,<br />

que trazem o recurso ao emissor<br />

em troca do pagamento de<br />

um valor estabelecido determinado<br />

ou determinável, tudo<br />

isso devidamente formalizado<br />

por um instrumento jurídico.<br />

Na outra ponta, temos a realização<br />

do negócio com o<br />

tomador final, isto é, o<br />

cliente, que recebe o<br />

recurso conforme as<br />

regras definidas em<br />

um contrato específico<br />

para cada<br />

situação.<br />

Em todos os<br />

casos, há que ser<br />

feito um desenvolvimentocriterioso<br />

e específico<br />

do instrumento<br />

jurídico adequado<br />

para a operação, tendo em vista<br />

cumprir as normas aplicáveis e<br />

tornar o negócio seguro tanto<br />

para o agente financeiro, quanto<br />

para o tomador final do produto<br />

financeiro. Como exemplos<br />

mais clássicos, citaríamos<br />

os financiamentos e empréstimos,<br />

nos quais o cliente recebe<br />

um montante em dinheiro de<br />

um agente financeiro, que será<br />

remunerado no futuro com o<br />

pagamento pelo cliente à instituição<br />

financeira do valor tomado<br />

acrescido de juros.<br />

Nesse momento, é importantíssima<br />

a participação de<br />

um profissional do direito<br />

capacitado a atender as demandas.<br />

Destaque-se que tais<br />

recursos podem se destinar<br />

aos mais variados fins, como<br />

o financiamento para a compra<br />

de um automóvel por uma<br />

pessoa comum, ou ainda, para<br />

a construção de uma relevante<br />

hidrelétrica com incentivos do<br />

governo, a qual gerará riquezas<br />

para o país como um todo.<br />

Como inicialmente proposto,<br />

faremos agora a distinção<br />

entre mercado financeiro e<br />

mercado de capitais.<br />

O mercado de capitais visa<br />

ao financiamento das atividades<br />

econômicas de maneira segura,<br />

evitando riscos de liquidez,<br />

operacionais e de mercado,


arqUivo fórUm JUrídico<br />

e prejuízos que as variáveis<br />

econômicas podem acarretar.<br />

No entanto, diferentemente<br />

do mercado financeiro, a relação<br />

entre investidor e beneficiário<br />

do investimento ocorre<br />

de maneira direta. Isto é, o detentor<br />

do recurso o transfere<br />

ao beneficiário na forma de<br />

investimento direto, por meio<br />

da emissão de obrigações primárias,<br />

como, por exemplo, a<br />

emissão de ações e títulos de<br />

dívida, como as debêntures.<br />

inTermeDiário neceSSário<br />

Mesmo ocorrendo de maneira<br />

direta, na transferência do<br />

recurso, na maior parte das vezes,<br />

se faz necessária a presença<br />

de um intermediário, como<br />

um banco de investimento<br />

que atue nos procedimentos e<br />

trâmites necessários para a realização<br />

do negócio. Essa atuação<br />

ocorre nas atividades de<br />

escrituração e custódia dos títulos<br />

emitidos, na sua emissão<br />

(garantindo a idoneidade e o<br />

respeito às normas), no financiamento<br />

e na estruturação das<br />

operações. Do ponto de vista<br />

jurídico, há a necessidade da<br />

organização contratual para<br />

tais procedimentos que devem<br />

englobar desde a prestação dos<br />

serviços pertinentes até o cumprimento<br />

da regulamentação.<br />

É clássico e atual o exemplo<br />

do IPO, do inglês Initial<br />

Public Offering, que, em nossos<br />

termos, significa a emissão<br />

primária das ações de uma so-<br />

Bancada e painel<br />

no interior do<br />

prédio da Bovespa<br />

Fórum jurídico<br />

53


ciedade anônima<br />

no mercado aberto. Nesse<br />

processo estão englobados<br />

desde os intensos movimentos<br />

societários até os procedimentos<br />

de distribuição regulados,<br />

basicamente, pela Lei nº<br />

6.404 e pelos atos normativos<br />

da Comissão de Valores Mobiliários<br />

(CVM). Nesses processos,<br />

cada vez mais frequentes<br />

entre as grandes companhias<br />

do país, participam advogados<br />

de escritórios e instituições<br />

financeiras e os procuradores<br />

dos órgãos públicos, todos<br />

alinhados e tendo como<br />

objetivo o cumprimento da<br />

54 Fórum jurídico<br />

áreas do direito<br />

o mercado de capitais<br />

se destina a tornar as<br />

estruturas econômicas<br />

e produtivas mais<br />

aperfeiçoadas e a<br />

atender aos anseios de<br />

toda a sociedade<br />

merCado FinanCeiro e de CaPitais<br />

regulamentação e a<br />

garantia de segurança<br />

da operação para<br />

todas as partes.<br />

De acordo com<br />

a regulamentação<br />

e com a doutrina,<br />

esse processo<br />

deve ser pautado<br />

pelos princípios<br />

da boa fé e da função<br />

social. Além<br />

disso, há que se observar<br />

o impacto econômico<br />

da operação e o<br />

respeito à livre e leal concorrência.<br />

Nesse sentido, as<br />

operações do mercado de capitais<br />

não são destinadas a formar<br />

o controle do mercado, mas se<br />

destinam a tornar as estruturas<br />

econômicas e produtivas mais<br />

aperfeiçoadas e a atender aos<br />

anseios de toda a sociedade.<br />

SiSTema Financeiro nacional<br />

Sobre os aspectos de nosso<br />

mercado financeiro, a Constituição<br />

Federal, em seu art. 192,<br />

chega a falar da regulamentação<br />

do “sistema financeiro nacional,<br />

estruturado de forma a<br />

promover o desenvolvimento<br />

equilibrado do País e a servir<br />

aos interesses da coletividade”.<br />

É claro, portanto, o conceito e<br />

o reconhecimento da impor-<br />

tância social do mercado financeiro<br />

para uma sociedade que<br />

visa ao desenvolvimento, como<br />

é o caso do Brasil.<br />

De acordo com a Lei Federal<br />

nº 4.595/64, o Sistema Financeiro<br />

Nacional é formado pelo<br />

Conselho Monetário Nacional,<br />

pelo Banco Central do Brasil,<br />

Banco do Brasil, Banco Nacional<br />

do Desenvolvimento Econômico<br />

e Social e pelas demais<br />

instituições financeiras privadas<br />

ou públicas. A cada um desses<br />

entes são reservadas funções e<br />

poderes para mover a economia<br />

nacional diante do contexto<br />

internacional, com base nos<br />

princípios constitucionais e de<br />

direito, visando ao desenvolvimento<br />

econômico e social.<br />

O Conselho Monetário Nacional<br />

(CMN) é um órgão extremamente<br />

técnico que, diante<br />

da análise do mercado nacional<br />

e internacional, traça diretrizes<br />

para a economia e emite pareceres<br />

e normas com o objetivo de,<br />

por exemplo, zelar pela liquidez e<br />

solidez das instituições financeiras,<br />

manter íntegra a economia<br />

nacional diante das oscilações<br />

internas e internacionais, controlar<br />

a emissão e circulação da<br />

moeda nacional e das internacionais.<br />

Enfim, esse instrumento<br />

fica responsável pela definição<br />

da política econômica nacional.


BancoS no cmn<br />

O Banco Central do Brasil,<br />

ainda de acordo com a Lei nº<br />

4.595, possui personalidade jurídica<br />

e patrimônios próprios e<br />

tem por incumbência cumprir<br />

o que lhe determina a legislação<br />

vigente e os instrumentos<br />

normativos e legais apropriados<br />

emitidos pelo Conselho Monetário<br />

Nacional. Tem a capacidade<br />

de emitir moeda e outros títulos,<br />

controlar e supervisionar<br />

o fluxo de recursos nacionais e<br />

estrangeiros no país, receber e<br />

custodiar depósitos compulsórios<br />

(por força de normas competentes)<br />

efetuados pelas instituições<br />

financeiras.<br />

O Banco do Brasil e o Banco<br />

Nacional de Desenvolvimento<br />

Econômico e Social (BNDES)<br />

são instituições financeiras de<br />

caráter público, com participação<br />

do Governo Federal, e<br />

têm por função fomentar e estimular<br />

a economia por meio<br />

de produtos bancários corriqueiros,<br />

como empréstimos e<br />

financiamentos ao público em<br />

geral. Tais produtos são oferecidos<br />

com incentivos subsidiados<br />

pelo Governo, que se traduzem<br />

em custos e juros menores ao<br />

tomador. Toda essa estrutura<br />

se fundamenta em legislação e<br />

outras normas que devem es-<br />

estrUtUra do sistema FinanCeiro naCional<br />

Banco Do BraSil<br />

SiSTema<br />

Financeiro Da<br />

haBiTaçÃo<br />

aSSociaçÃo<br />

De poupança<br />

e emprÉSTimo<br />

SocieDaDe<br />

De crÉDiTo<br />

imoBiliário<br />

conSelho<br />

moneTário<br />

nacional<br />

Banco cenTral<br />

Do BraSil<br />

inSTiTuiçõeS<br />

FinanceiraS<br />

Banco nacional De<br />

DeSenvolvimenTo<br />

econômico<br />

e Social<br />

BancoS<br />

múlTiploS<br />

BancoS De<br />

DeSenvolvimenTo<br />

BancoS<br />

comerciaiS<br />

SocieDaDeS<br />

De crÉDiTo,<br />

FinanceiraS e<br />

De inveSTimenTo<br />

BancoS De<br />

inveSTimenTo<br />

SocieDaDeS De<br />

DiSTriBuiçÃo<br />

comiSSÃo<br />

De valoreS<br />

moBiliárioS<br />

BolSa De<br />

valoreS<br />

SocieDaDeS<br />

correToraS<br />

Fórum jurídico<br />

55


56 Fórum jurídico<br />

áreas do direito<br />

Símbolo na<br />

fachada da bm&F<br />

merCado FinanCeiro e de CaPitais<br />

tar sob a atenção do jurista, que<br />

deve observar o cumprimento<br />

das metas e o respeito às limitações<br />

dos poderes de cada órgão,<br />

e garantir o acesso da população<br />

aos benefícios, seja de maneira<br />

direta, pela contratação dos produtos<br />

incentivados, ou de maneira<br />

coletiva, pela manutenção<br />

de uma economia saudável por<br />

meio dos instrumentos legais.<br />

Frisa-se que inúmeros são<br />

os pontos de encontro entre o<br />

mercado financeiro e de capitais;<br />

ambos compartilham desafios<br />

e exigências do jurista que<br />

atua nessas áreas, que deve estar<br />

atento ao que ocorre no mundo<br />

todo e no ambiente regulatório<br />

e econômico em que atua.<br />

Todos os dias nos deparamos<br />

com um mercado diferente<br />

e com novas estruturas<br />

arqUivo fórUm JUrídico<br />

de investimento, que permitem<br />

maior rentabilidade, segurança<br />

ao investir e a confecção<br />

de uma trama que concatena<br />

recursos internacionais e nacionais.<br />

Além das novidades há<br />

o constante aperfeiçoamento<br />

da estrutura já existente, decorrente<br />

da prática e exposição<br />

a <strong>novo</strong>s riscos.<br />

A regulamentação, por sua<br />

vez, é importante instrumento,<br />

que é constantemente atualizada<br />

e aperfeiçoada, tendo em vista,<br />

segurança, e, consequentemente,<br />

viabilidade para os investimentos<br />

e operações diversas.<br />

o impreScinDÍvel JuriSTa<br />

É papel do jurista que atua<br />

nessa área ponderar as especificidades<br />

do caso, o conhecimento<br />

e a capacidade de arcar<br />

com as obrigações de cada parte,<br />

a composição de garantias<br />

eficazes para agregar ao negócio<br />

a segurança esperada.<br />

É grande a ligação entre<br />

mercado financeiro e mercado<br />

de capitais. Visto que, muitas<br />

vezes, instrumentos de um se<br />

tornam necessários ao outro.<br />

É o caso da captação no mercado<br />

financeiro internacional<br />

para investimento em capitais<br />

de empresas nacionais. Ou as<br />

operações financeiras lastrea


das em instrumentos típicos do<br />

mercado de capitais.<br />

O profissional dessa área<br />

pode atuar na área pública, em<br />

instituições financeiras custeadas<br />

com recursos públicos,<br />

com uma rotina muito parecida<br />

com a de uma instituição<br />

particular, mas aplicando ao seu<br />

trabalho os conceitos inerentes<br />

aos princípios da administração<br />

pública, ou ainda em instituições<br />

como a Receita Federal, a<br />

CVM ou o Banco Central.<br />

Na área privada, o jurista<br />

pode atuar em instituições financeiras<br />

como corretoras de<br />

valores, bancos, entre outras,<br />

em escritórios atendendo uma<br />

vasta gama de clientes e até<br />

mesmo em empresas que, por<br />

operarem frequentemente nesses<br />

mercados, decidem manter<br />

em seu staff um advogado dedicado<br />

a essas matérias. A atuação<br />

do profissional se atenta ao<br />

desenvolvimento de estruturas<br />

jurídicas para investimentos,<br />

proteção contra riscos e variações<br />

de mercado, manutenção<br />

das operações consolidadas em<br />

conformidade com a regulamentação<br />

e diversas outras.<br />

A consolidação e o crescimento<br />

da economia de nosso<br />

país demandará a existência<br />

de profissionais do direito que<br />

possam lidar com os instru-<br />

mentos do mercado financeiro<br />

e de capitais. Não se concebe,<br />

na atualidade, desenvolvimento<br />

econômico sólido sem a atuação<br />

responsável desses agentes<br />

e, como recorrentemente<br />

exposto, é um dos papéis do<br />

advogado atuar encontrando<br />

a forma adequada e segura de<br />

desenvolver a operação.<br />

a Força BraSileira<br />

Conforme dados recentes,<br />

atualmente o Brasil representa<br />

a maior economia da América<br />

do Sul e ocupa a sexta posição<br />

entre as maiores economias do<br />

mundo. O Ministro da Fazenda,<br />

Guido Mantega, afirmou<br />

recentemente em entrevista<br />

que as projeções indicam<br />

que poderemos ocupar o<br />

posto de quinta maior<br />

economia do mundo<br />

até o ano de 2015;<br />

afirmou, ainda, que<br />

o nosso ritmo de<br />

crescimento é o<br />

dobro das economias<br />

europeias.<br />

Essas análises<br />

acompanham a opinião<br />

mundial que<br />

enxerga o Brasil como<br />

um dos mais promissores<br />

locais para se investir.<br />

O nosso mercado interno<br />

está aquecido e temos ótimas<br />

relações com os países para os<br />

quais exportamos.<br />

Conjuntamente ao crescimento<br />

da economia brasileira,<br />

a evolução dos instrumentos<br />

típicos do mercado financeiro<br />

e de capitais é extremamente<br />

necessária, visto que deles podemos<br />

obter financiamentos,<br />

custeio e captação de recursos,<br />

planejamento do fluxo de<br />

recursos dentro das empresas<br />

e alongamento de prazos para<br />

cumprimento de obrigações,<br />

que ocorreu, inclusive, com a<br />

É grande a ligação<br />

entre mercado<br />

financeiro e mercado<br />

de capitais. Visto<br />

que, muitas vezes,<br />

instrumentos de<br />

um se tornam<br />

necessários ao outro<br />

Fórum jurídico<br />

57


58 Fórum jurídico<br />

áreas do direito<br />

o profissional do<br />

direito deverá atuar<br />

cobrando, tanto<br />

das autoridades<br />

competentes, quanto<br />

da sociedade, a<br />

seriedade e a atenção<br />

no tratamento<br />

desses assuntos<br />

merCado FinanCeiro e de CaPitais<br />

possibilidade da entrada e saída<br />

dos recursos da fronteira,<br />

isto é, com a possibilidade<br />

do capital estrangeiro<br />

ser investido no<br />

país e do brasileiro<br />

no exterior.<br />

Nesse sentido,<br />

todo esse crescimento<br />

deverá estar<br />

acompanhado<br />

da atualização e do<br />

desenvolvimento<br />

de instrumentos<br />

jurídicos mais eficazes<br />

e refinados, bem<br />

como de uma regulamentação<br />

que aponte<br />

nesse mesmo sentido,<br />

criando possibilidades reais<br />

de investimento, e coloque os<br />

participantes nacionais em pé<br />

de igualdade para concorrer<br />

com os demais.<br />

para alcançar oBJeTivoS<br />

Note-se que o ambiente<br />

regulatório de um país é importante<br />

fator para os investimentos<br />

de players nacionais e<br />

internacionais. Nesta análise,<br />

leva-se em conta a solidez e a<br />

eficácia do governo, da integridade<br />

do Judiciário, dos meios<br />

de recuperação de créditos, dos<br />

instrumentos jurídicos de circulação<br />

de riquezas, do sistema<br />

tributário e de muitos outros<br />

fatores intimamente ligados ao<br />

universo jurídico.<br />

É neste ponto que deverá<br />

ocorrer o desenvolvimento<br />

e a consolidação da estrutura<br />

jurídica posta à disposição<br />

dessas operações. Frisa-se que<br />

o profissional brasileiro deverá<br />

conhecer as estruturas jurídicas<br />

de investimentos internacionais,<br />

as regras específicas dos<br />

países com os quais se deseja<br />

operar, além de adequar a nossa<br />

estrutura às naturais demandas<br />

dessas ocasiões.<br />

Para tanto, o profissional do<br />

direito deverá atuar cobrando,<br />

tanto das autoridades competentes,<br />

quanto da sociedade, a<br />

seriedade e a atenção no tratamento<br />

desses assuntos. A constante<br />

observação, o estudo das<br />

condições fáticas e a discussão<br />

entre os diversos participantes<br />

dos mercados financeiro e de<br />

capitais, aliados a uma relação<br />

saudável com os órgãos públicos<br />

e de classe, parecem ser o<br />

caminho para que se alcancem<br />

os objetivos traçados. Dessa<br />

forma, o interesse de investidores<br />

estrangeiros se voltará naturalmente<br />

ao mercado brasileiro<br />

e os recursos locais serão cada<br />

vez mais bem empregados,<br />

tanto em nossas terras, quanto<br />

além das fronteiras. n


caderno de ideias<br />

artigos<br />

empresa individual de responsabilidade limitada – eireli manoel de Queiroz Pereira Calças<br />

Moots: ferramentas de desenvolvimento profissional e acadêmico Cláudio Finkelstein | julia schulz<br />

os 10 anos do código civil sob a óptica civil constitucional renan lotufo | andré guimarães avillés<br />

o supremo tribunal federal e o plebiscito para desmembramento de estado-membro Felipe Penteado balera<br />

crimes de trânsito com motoristas embriagados: culpa consciente ou dolo eventual? Christiano jorge santos<br />

reflexão sobre a questão urbana brasileira juliana somekh<br />

Um direito penal do inimigo envolto em controvérsias natália Pincelli<br />

Fórum jurídico<br />

59


empreSa inDiviDual<br />

De reSponSaBiliDaDe<br />

limiTaDa – eireli<br />

Manoel de Queiroz Pereira Calças é desembargador<br />

da Câmara Reservada à Falência e Recuperação e da<br />

Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal<br />

de Justiça do Estado de São Paulo; e Professor de Direito<br />

Comercial na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade<br />

Católica de São Paulo.<br />

60 Fórum jurídico<br />

artigo manoel de QUeiroz Pereira Calças<br />

inTroDuçÃo<br />

O <strong>Código</strong> Civil de 2002, ao revogar a parte<br />

primeira do <strong>Código</strong> Comercial de 1850, promoveu<br />

importantes alterações na disciplina do<br />

direito comercial, que, até então, inspirava-se no<br />

sistema francês, que tinha como conceito fundamental<br />

o ato de comércio, preceituando que<br />

“ninguém é reputado comerciante para efeito<br />

de gozar da proteção que este <strong>Código</strong> liberaliza<br />

em favor do comércio, sem que se tenha matriculado<br />

em algum dos Tribunais do Comércio do<br />

Império, e faça da mercancia profissão habitual”<br />

(art. 4º). Adota o <strong>Código</strong> Civil o sistema italiano,<br />

centrado na teoria da empresa, conceituando<br />

o empresário como a pessoa que exerce profissionalmente<br />

atividade econômica organizada<br />

para a produção ou a circulação de bens ou de<br />

serviços (art. 966). Este empresário, que substitui<br />

o antigo comerciante, é a pessoa natural que<br />

exerce em nome próprio a atividade empresarial,<br />

fazendo-o sob firma constituída por seu<br />

nome, completo ou abreviado, com a faculdade<br />

de adicionar designação mais precisa de sua<br />

pessoa ou do gênero de atividade (art. 1.156).<br />

Tal empresário, apesar de equiparado para fins<br />

de imposto de renda à pessoa jurídica (art. 150<br />

do Decreto nº 3.000/99), continua a ostentar o<br />

status de pessoa natural, podendo possuir patrimônio<br />

constituído por todos os seus bens, nele<br />

incluídos aqueles aplicados no exercício da atividade<br />

empresarial e que, por isso, a teor do art.<br />

391 do <strong>Código</strong> Civil, respondem por todas as<br />

suas obrigações, civis ou empresariais.<br />

Constata-se assim que o legislador não cindiu<br />

o patrimônio do empresário em “patrimônio<br />

civil” e “patrimônio empresarial”, mesmo<br />

considerando-se a tutela especial outorgada<br />

ao incapaz continuador de empresa individual,<br />

cujos bens por ele possuídos antes da sucessão<br />

ou da interdição, desde que estranhos ao acer-


vo da empresa, não respondem pelas dívidas<br />

decorrentes da atividade empresarial judicialmente<br />

autorizada (art. 974 e § 2º, CC), bem<br />

como a previsão de dispensa da outorga conjugal<br />

ao empresário casado para alienar ou onerar<br />

imóveis que integrem o patrimônio da empresa<br />

(art. 978, CC). Não se instituiu, portanto, um<br />

patrimônio separado, distinto, nem tampouco<br />

patrimônio de afetação para o empresário responder<br />

pelas obrigações contraídas em razão da<br />

atividade empresarial, exclusivamente com os<br />

bens móveis, imóveis, materiais ou imateriais<br />

vinculados ao seu exercício profissional. Em razão<br />

de tal disciplina legal, na hipótese de execução<br />

singular do empresário, poderá a penhora<br />

recair sobre qualquer bem componente de seu<br />

patrimônio, independentemente de a dívida ter<br />

origem em negócios da órbita civil ou empresarial.<br />

Da mesma forma, sendo decretada a falência<br />

do empresário, todos os seus bens, com<br />

exceção dos absolutamente impenhoráveis, deverão<br />

ser arrecadados, a teor do art. 108 da Lei<br />

nº 11.101/2005. Por outro lado, mesmo não se<br />

repetindo no diploma falimentar atual o que<br />

dispunha o art. 23 do Decreto-lei nº 7.661/45<br />

– “ao juízo da falência devem concorrer todos<br />

os credores do devedor comum, comerciais ou<br />

civis, alegando e provando os seus direitos” –,<br />

não há dúvida de que, na falência do empresário,<br />

dever-se-ão habilitar todos os seus credores,<br />

consoante estabelece o art. 9º, da Lei nº<br />

11.101/2005, que deverão indicar a origem do<br />

crédito, vale dizer, civil ou comercial.<br />

não se instituiu um<br />

patrimônio separado, nem<br />

tampouco patrimônio de<br />

afetação para o empresário<br />

Em suma, o <strong>Código</strong> Civil, em sua redação<br />

original, não previu a possibilidade de o empresário<br />

constituir um patrimônio separado ou afetado<br />

para o exercício da atividade empresarial,<br />

mantendo-o como titular de um patrimônio<br />

único, o qual responde de forma ilimitada pelo<br />

adimplemento de todas as suas obrigações, independentemente<br />

de serem elas decorrentes de<br />

seus negócios civis ou empresariais.<br />

a inovaçÃo: empreSa inDiviDual<br />

De reSponSaBiliDaDe limiTaDa<br />

Debate-se, há muitos anos, notadamente entre<br />

aqueles que se dedicam aos estudos do direito<br />

comercial, sobre a pertinência de se instituir<br />

sociedade unipessoal, visto que, tanto o <strong>Código</strong><br />

Civil anterior, como o <strong>Código</strong> Comercial,<br />

só regularam as sociedades civis ou sociedades<br />

comerciais constituídas, no mínimo, por dois<br />

sócios. O art. 1.363 do <strong>Código</strong> Civil anterior<br />

preceituava que celebram contrato de sociedade<br />

as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar<br />

seus esforços ou recursos para lograr fins<br />

comuns. Os artigos 287, 289, 302, incisos 1 e 3,<br />

todos do <strong>Código</strong> Comercial, ao disciplinarem as<br />

sociedades comerciais faziam expressa menção<br />

à necessidade de “sócios”, no plural, indicando<br />

que a pluralidade de sócios era um requisito para<br />

a constituição das sociedades. Posteriormente,<br />

com a edição da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro<br />

de 1976 – Lei das Sociedades Anônimas –,<br />

é instituída no art. 251 a subsidiária integral,<br />

companhia que pode ser constituída, mediante<br />

escritura pública, tendo como único acionista<br />

sociedade brasileira. Salvo essa exceção, persistia<br />

como requisito essencial a necessidade de dois<br />

acionistas, no mínimo, como se verifica pelo art.<br />

80, inciso I, da Lei nº 6.404/76, que exige para<br />

a constituição da companhia o atendimento do<br />

requisito preliminar consistente na subscrição,<br />

Fórum jurídico<br />

61


62 Fórum jurídico<br />

artigo<br />

pelo menos por duas pessoas, de todas as ações<br />

em que se divide o capital social fixado no estatuto.<br />

A reforçar a indispensabilidade da pluralidade<br />

de acionistas, o art. 206, inciso I, alínea d,<br />

da Lei das S/A, prevê como causa de dissolução<br />

da companhia a existência de um único acionista,<br />

verificada em assembleia geral ordinária, se o<br />

mínimo de dois não for reconstituído até a do<br />

ano seguinte.<br />

não é ela (eireli) considerada<br />

sociedade unipessoal, a<br />

qual (...) continua não prevista<br />

na legislação brasileira<br />

O <strong>Código</strong> Civil, editado em 2002, ou seja,<br />

após a existência no direito comparado de diversos<br />

diplomas legais prevendo a sociedade unipessoal<br />

com responsabilidade limitada como, por<br />

exemplo, na Alemanha em 1980, na França em<br />

1985, e na XII Diretiva do Conselho, 89/667/<br />

CEE, de 21/12/90, não adotou a sociedade unipessoal<br />

de responsabilidade limitada (art. 982,<br />

997, I, 1033, IV, CC) exigindo dois sócios, no<br />

mínimo, para a constituição de sociedade, simples<br />

ou empresária, admitida apenas a unipessoalidade<br />

incidental ou episódica pelo prazo<br />

máximo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena<br />

de extinção da sociedade.<br />

Inobstante tal situação legislativa, desde o<br />

final dos anos setenta do século passado, havia<br />

intenso debate sobre a omissão de nosso ordenamento<br />

legal no que concerne à instituição de<br />

uma forma de exercício individual da atividade<br />

empresarial com a possibilidade de limitação<br />

da responsabilidade do empresário em face das<br />

obrigações daí decorrentes.<br />

manoel de QUeiroz Pereira Calças<br />

Em 11 de julho de 2011, foi editada em nosso<br />

País a Lei nº 12.441, com 180 dias de vacatio legis,<br />

que altera o <strong>Código</strong> Civil (Lei nº 10.406, de 10<br />

de janeiro de 2002), para permitir a constituição<br />

de empresa individual de responsabilidade limitada,<br />

ou “eireli”, na estranha abreviação albergada<br />

pela nova lei.<br />

Constata-se, assim, que a opção do legislador<br />

brasileiro para limitar a responsabilidade do empresário<br />

individual não perfilhou o modelo de<br />

sociedade unipessoal, pioneiramente adotado<br />

pela Alemanha e França, nem seguiu o sistema<br />

de Portugal que, em 1986, instituiu o estabelecimento<br />

mercantil individual de responsabilidade<br />

limitada (Decreto-lei nº 248, de 25/8/1986).<br />

A Lei nº 12.441/2011 altera a redação do art.<br />

44 do <strong>Código</strong> de 2002, inserindo o inciso VI, para<br />

ficar expresso que “são pessoas jurídicas de direito<br />

privado: I – as associações; II – as sociedades; III<br />

– as fundações; IV – as organizações religiosas;<br />

V – os partidos políticos; VI – as empresas individuais<br />

de responsabilidade limitada.” (grifei)<br />

Em face de tal modificação, o <strong>Código</strong> Civil<br />

passa a albergar duas espécies de empresários individuais:<br />

1) o empresário de responsabilidade ilimitada,<br />

que responde com todo o seu patrimônio,<br />

exceto os bens impenhoráveis, por suas dívidas de<br />

natureza civil e empresarial; 2) o empresário individual<br />

de responsabilidade limitada, que titularizará<br />

dois patrimônios distintos: a) o patrimônio<br />

comum ou civil; b) o patrimônio da empresa, autônomo,<br />

constituído por seu acervo e que, a teor<br />

do art. 391 do <strong>Código</strong> Civil, responderá, em tese,<br />

exclusivamente, pelas obrigações decorrentes do<br />

exercício da atividade da empresa individual. Este<br />

configura autêntico patrimônio de afetação ou<br />

separado, destinado a limitar a responsabilidade<br />

do empresário pelas dívidas contraídas em decorrência<br />

da atividade empresarial.<br />

De acordo com o art. 980-A, “a empresa individual<br />

de responsabilidade limitada será cons


tituída por uma única pessoa titular da totalidade<br />

do capital social, devidamente integralizado,<br />

que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior<br />

salário-mínimo vigente no País”. Da exegese do<br />

referido dispositivo legal, que não prima pela<br />

precisão terminológica, em conjunto com o inciso<br />

VI do art. 44, constata-se que, ao contrário<br />

do empresário de responsabilidade ilimitada, que<br />

continua a ser classificado como “pessoa natural”,<br />

a empresa individual de responsabilidade<br />

limitada é arrolada como pessoa jurídica e, por<br />

isso, obrigatoriamente, inscrever-se-á no Cadastro<br />

Nacional da Pessoa Jurídica como tal, e não<br />

por força da equiparação prevista no Decreto-lei<br />

nº 3.000/99.<br />

Por outro lado, apesar de a empresa individual<br />

de responsabilidade limitada ser classificada<br />

como pessoa jurídica, não é ela [eireli] considerada<br />

sociedade unipessoal, a qual, salvo a exceção<br />

da subsidiária integral, continua não prevista na<br />

legislação brasileira.<br />

Cumpre ressaltar o equívoco de terminologia<br />

detectado no art. 980-A do <strong>Código</strong> Civil que<br />

faz referência a “capital social”, que, na dicção<br />

do art. 997, incisos III e IV, significa a expressão<br />

monetária (em moeda corrente nacional)<br />

da soma das contribuições em dinheiro ou bens<br />

suscetíveis de avaliação pecuniária, que os sócios<br />

transmitem à sociedade, a fim de que esta possa<br />

atingir o seu objeto social. Por isso, usar a expressão<br />

“capital social” para indicar o valor do<br />

numerário ou bens transferidos para constituir o<br />

patrimônio separado da empresa individual não<br />

se mostra tecnicamente correto.<br />

O capital da empresa individual de responsabilidade<br />

limitada não poderá ser inferior a 100<br />

(cem) vezes o maior salário mínimo vigente no<br />

País. Apesar de alguma crítica ter sido formulada<br />

por considerar elevado o valor do capital mínimo<br />

exigido, não compartilho tal posicionamento.<br />

Entendo que tal exigência deveria ser estendida<br />

para as sociedades limitadas, como ocorre<br />

em diversas legislações estrangeiras. Ademais,<br />

alvitro que se confira ao Registro Público de<br />

Empresas Mercantis e ao Registro Civil de Pessoas<br />

Jurídicas poderes para exigir, no momento<br />

Fórum jurídico<br />

63


64 Fórum jurídico<br />

artigo<br />

do registro, a prova da efetiva integralização do<br />

capital, ou, sendo proposta integralização a prazo,<br />

que, uma vez realizado o capital, seja apresentada<br />

prova do cumprimento de tal obrigação.<br />

A prova da integralização do capital em pecúnia<br />

deveria ser realizada mediante a apresentação<br />

de depósito, em conta-corrente, feito em instituição<br />

financeira. Outrossim, na hipótese de<br />

integralização do capital mediante conferência<br />

de bens, dever-se-ia exigir a apresentação<br />

de laudo de avaliação feito por profissional ou<br />

empresa especializada. Só assim se dará efetivo<br />

cumprimento ao princípio da integridade do<br />

capital social, outorgando-se aos registradores<br />

públicos – civil ou mercantil –, poderes para o<br />

exame formal da documentação comprobatória<br />

da integralização do capital social. Além disso,<br />

manoel de QUeiroz Pereira Calças<br />

tratando-se de empresa individual de responsabilidade<br />

limitada, não se pode admitir que o<br />

capital seja integralizado mediante prestação de<br />

serviços, exigindo-se sempre sua formação em<br />

dinheiro ou bens que permitam avaliação.<br />

A empresa individual de responsabilidade<br />

limitada pode ser constituída para o exercício<br />

de atividade econômica de natureza intelectual<br />

(científica, literária ou artística), e, neste<br />

caso, deverá inscrever-se no Registro Civil de<br />

Pessoas Jurídicas. Se, porém, a atividade econômica<br />

organizada da empresa individual de responsabilidade<br />

limitada consistir na produção<br />

ou circulação de bens ou serviços não intelectuais,<br />

ela deverá se inscrever no Registro Público<br />

de Empresas Mercantis (art. 967 e 1.150,<br />

CC). A personalidade jurídica da empresa individual<br />

de responsabilidade limitada decorre<br />

da inscrição do ato constitutivo no respectivo<br />

registro (art. 45, CC).<br />

Apenas a pessoa natural poderá ser titular da<br />

eireli, exigindo-se a maioridade civil (18 anos)<br />

ou a emancipação por uma das formas do art. 5º,<br />

parágrafo único, do <strong>Código</strong> Civil, cumulativamente<br />

com a inexistência de impedimentos<br />

constitucionais ou legais. Por exemplo: o magistrado,<br />

o membro do Ministério Público, o funcionário<br />

público, o militar da ativa, o falido, não<br />

pode ser titular da eireli. Outrossim, salvo as restrições<br />

constitucionais, o estrangeiro legalmente<br />

no país poderá constituir empresa individual de<br />

responsabilidade limitada.<br />

O parágrafo único do art. 980-A cria um<br />

impedimento limitativo especial, ao preconizar<br />

que a pessoa natural que constituir eireli somente<br />

poderá figurar em uma única empresa<br />

dessa modalidade.<br />

Ressalte-se que os profissionais da advocacia<br />

não poderão exercer sua atividade mediante a<br />

instituição de empresa individual de responsabilidade<br />

limitada, haja vista a interpretação


do art. 16 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia<br />

e a Ordem dos Advogados do Brasil),<br />

que, apesar de fazer expressa referência à sociedade<br />

de advogados para proibir a adoção<br />

de qualquer forma ou característica mercantil,<br />

inegavelmente, a exegese teleológica da norma<br />

indica o objetivo de se vedar a limitação da responsabilidade<br />

dos advogados no exercício do<br />

múnus de sua nobre profissão. Por isso mesmo,<br />

os advogados, pessoas naturais ou as sociedades<br />

– simples – de advogados, devem registrar-se<br />

no Conselho Seccional da OAB em cuja base<br />

territorial forem sediados. Nesta linha entendo<br />

que as sociedades de advogados, mesmo organizadas<br />

como empresas sob o prisma da economia,<br />

não estão sujeitas à falência, nem têm<br />

direito de pleitear recuperação judicial.<br />

A pessoa que exerce atividade rural (agricultura,<br />

pecuária, etc.), a teor do art. 971 do<br />

<strong>Código</strong> Civil, poderá adotar a forma de empresa<br />

individual de responsabilidade limitada e<br />

inscrever-se no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.<br />

Terá ainda a faculdade de optar pela inscrição<br />

no Registro Público de Empresas Mercantis,<br />

hipótese em que será equiparada, para<br />

todos os efeitos, ao empresário sujeito ao registro<br />

obrigatório, mercê do que deverá cumprir<br />

todas as obrigações empresariais, sujeitando-se<br />

à falência, podendo requerer a recuperação judicial<br />

ou a homologação judicial da recuperação<br />

extrajudicial, desde que cumpridas as demais<br />

exigências da Lei nº 11.101/2005.<br />

A administração da eireli poderá ser exercida<br />

pelo próprio titular ou por terceiro, desde que<br />

observados os impedimentos do art.1.011 do<br />

<strong>Código</strong> Civil, sendo evidente que pessoa jurídica<br />

não pode ser nomeada para administrar a<br />

empresa individual de responsabilidade limitada<br />

(art. 997, VI, CC).<br />

No que diz respeito ao nome empresarial,<br />

mais uma imperfeição terminológica é pratica-<br />

A administração da eireli<br />

poderá ser exercida pelo<br />

próprio titular ou por terceiro<br />

da no § 1º do art. 980-A: “O nome empresarial<br />

deverá ser formado pela inclusão da expressão<br />

“eireli” após a firma ou a denominação social<br />

da empresa individual de responsabilidade limitada”.<br />

Obviamente não se trata de firma social,<br />

nem de denominação social. A firma só pode<br />

ser a individual que é disciplinada pelo art.<br />

1.156 do <strong>Código</strong> Civil, e deverá ser constituída<br />

com o nome da pessoa natural titular da eireli.<br />

A denominação, que deverá indicar o objeto da<br />

empresa individual, poderá ser constituída com<br />

o nome do empresário individual ou expressões<br />

de fantasia. Em ambas as hipóteses – firma<br />

individual ou denominação –, deverá aditar-<br />

-se, ao final, a expressão “eireli”. A omissão da<br />

palavra “eireli” determina a responsabilidade<br />

ilimitada do titular da empresa individual de<br />

responsabilidade limitada, visto que a ela se<br />

aplica, no que couber, as regras previstas para as<br />

sociedades limitadas, ou seja, o art. 1.158, § 3º,<br />

do <strong>Código</strong> Civil.<br />

A eireli também poderá resultar da concentração<br />

das quotas de outra modalidade societária<br />

num único sócio, independentemente das<br />

razões que motivaram tal concentração, como,<br />

por exemplo, a exclusão, a retirada ou o falecimento<br />

de sócios. Em tal caso, não será aplicada<br />

a dissolução derivada da unipessoalidade prevista<br />

no art. 1.033, inciso IV, do <strong>Código</strong> Civil.<br />

O sócio remanescente poderá requerer a transformação<br />

do registro da sociedade para empresa<br />

individual de responsabilidade limitada,<br />

observando-se, no que couber, os artigos 1.113<br />

a 1.115 do <strong>Código</strong> Civil.<br />

Fórum jurídico<br />

65


66 Fórum jurídico<br />

artigo<br />

a falência da empresa<br />

individual de responsabilidade<br />

limitada não acarreta a<br />

falência do titular da eireli<br />

Faculta o § 5º do art. 980-A, seja atribuída<br />

à empresa individual de responsabilidade limitada<br />

que for constituída para a prestação de<br />

serviços de qualquer natureza a remuneração<br />

decorrente da cessão de direitos patrimoniais<br />

de autor ou de imagem, nome, marca ou voz<br />

de qualquer detentor titular da pessoa jurídica,<br />

vinculados à atividade profissional. Em rigor,<br />

inexiste qualquer inovação, haja vista que,<br />

constituída a empresa individual de responsabilidade<br />

limitada, surge nova pessoa jurídica<br />

dotada de autonomia, mercê do que, poderá<br />

ela ser cessionária dos direitos titularizados por<br />

outra pessoa jurídica.<br />

a DeSconSiDeraçÃo Da perSonaliDaDe<br />

JurÍDica Da eireli<br />

O § 4º do art. 980-A, do Projeto de Lei nº<br />

18, de 2011, do Senado Federal (nº 4.605/09<br />

na Câmara dos Deputados), que deu origem à<br />

Lei nº 12.441/2011, tinha a seguinte redação:<br />

“Somente o patrimônio social da empresa<br />

responderá pelas dívidas da empresa individual<br />

de responsabilidade limitada, não se confundindo<br />

em qualquer situação com o patrimônio<br />

da pessoa natural que a constitui, conforme<br />

descrito em sua declaração anual de bens entregue<br />

ao órgão competente”.<br />

Esse dispositivo foi vetado pela Presidência da<br />

República, mediante as razões a seguir aduzidas:<br />

“Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo<br />

traz a expressão ‘em qualquer situa-<br />

manoel de QUeiroz Pereira Calças<br />

ção’, que pode gerar divergências quanto à aplicação<br />

das hipóteses gerais de desconsideração<br />

da personalidade jurídica, previstas no art. 50<br />

do <strong>Código</strong> Civil. Assim, e por força do § 6º do<br />

projeto de lei, aplicar-se-á à eireli as regras da<br />

sociedade limitada, inclusive quanto à separação<br />

do patrimônio”.<br />

Com o devido respeito, o veto não se justifica,<br />

haja vista que o dispositivo excluído tinha<br />

o evidente escopo de ressaltar – já que se trata<br />

de importante inovação de nosso ordenamento<br />

jurídico – a cisão patrimonial da pessoa natural,<br />

permitida apenas por uma vez, alteração legal<br />

reclamada há muito tempo, permitida em boa<br />

hora para conceder ao empresário a garantia de<br />

que poderá organizar e exercer empresa individual,<br />

sem colocar em risco, com tal atividade,<br />

a integralidade de seu patrimônio pessoal. Obviamente,<br />

ao permitir a limitação da responsabilidade<br />

da empresa individual, o legislador o<br />

fez sob a presunção de que a eireli seja exercida<br />

sob o império dos princípios jurídicos e<br />

das regras legais. Por isso, na dicção do art. 50<br />

do <strong>Código</strong> Civil, em caso de abuso da personalidade<br />

jurídica, caracterizado pelo desvio de<br />

finalidade ou pela confusão patrimonial, pode<br />

o juiz decidir, a requerimento da parte ou do<br />

Ministério Público, que os efeitos de certas e<br />

determinadas relações de obrigações sejam estendidos<br />

ao patrimônio particular do titular ou<br />

do administrador da empresa individual de responsabilidade<br />

limitada.<br />

A aplicação da disregard doctrine poderá ocorrer<br />

incidentalmente em processo de execução<br />

ou de falência promovido contra a empresa<br />

individual de responsabilidade limitada, desde<br />

que sejam observados os princípios constitucionais<br />

da ampla defesa, do contraditório<br />

e do devido processo legal. Na mesma linha,<br />

cabível, inclusive, a desconsideração inversa da<br />

personalidade jurídica da eireli para que o pa


trimônio autônomo dela responda por obrigações<br />

particulares de seu titular, observando-se,<br />

da mesma forma, os princípios constitucionais<br />

acima declinados.<br />

Por fim, cumpre deixar anotado que a falência<br />

da empresa individual de responsabilidade<br />

limitada não acarreta a falência do titular<br />

da eireli, visto que se deverá aplicar, analogicamente,<br />

o art. 81 da Lei nº 11.101/2005.<br />

Decretada a quebra da eireli, o administrador<br />

judicial deverá promover a arrecadação dos<br />

bens que integram o patrimônio autônomo<br />

da empresa falida. Caso a arrecadação atinja<br />

bens integrantes do patrimônio pessoal do titular<br />

da empresa falida, este poderá valer-se do<br />

pedido de restituição ou dos embargos de terceiro<br />

para a liberação dos bens indevidamente<br />

arrecadados. Outrossim, a responsabilidade<br />

pessoal do titular ou dos administradores da<br />

empresa individual de responsabilidade limitada<br />

falida será apurada no próprio juízo da<br />

falência, independentemente da realização do<br />

ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir<br />

o passivo, observado o procedimento ordinário<br />

previsto no <strong>Código</strong> de Processo Civil<br />

(art. 82 da LFR).<br />

concluSÃo<br />

Após esta perfunctória análise da disciplina<br />

da empresa individual de responsabilidade limitada,<br />

cumpre afirmar que, malgrado algumas<br />

imperfeições de natureza terminológica e jurídica,<br />

o que é próprio de toda obra humana, não<br />

se pode negar que a inovação legislativa deve<br />

ser aplaudida por representar inegável avanço,<br />

visto que supre uma lacuna de nosso ordenamento<br />

jurídico, permitindo, a partir de sua vigência,<br />

que os empresários individuais possam<br />

exercer sua importante atividade com a segurança<br />

decorrente da limitação legal dos riscos a<br />

ela inerentes. n<br />

Fórum jurídico<br />

67


Moots: FerramenTaS<br />

De DeSenvolvimenTo<br />

proFiSSional<br />

e acaDÊmico<br />

Cláudio Finkelstein é Livre-Docente em Direito Internacional<br />

(2011), Professor de Direito Internacional na<br />

PUC-SP, Coordenador do Núcleo de Direito Arbitral<br />

Internacional e Coordenador do Curso de Pós-Graduação<br />

da PUC-SP. Atua como advogado no escritório<br />

Hasson Sayeg, Finkelstein, D’Avila, Santiago Guerra e<br />

Nelson Pinto Advogados.<br />

Julia schulz é aluna do 7º semestre do Curso de Direito<br />

da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.<br />

Recebeu menção honrosa como oradora na Competição<br />

Brasileira de Arbitragem, em 2011. Estagiária de<br />

Direito no escritório Demarest & Almeida Advogados<br />

na área contencioso cível.<br />

68 Fórum jurídico<br />

artigo CláUdio Finkelstein<br />

jUlia sChUlz<br />

A Primeira Edição do “Willem C. Vis International<br />

Commercial Arbitration Moot”, a mais<br />

famosa competição acadêmica jurídica envolvendo<br />

arbitragem como forma de solução de<br />

controvérsias, ocorreu em 1994, reunindo apenas<br />

onze universidades de nove diferentes países.<br />

Proposta inicialmente em 1992, no Congresso<br />

Internacional de Direito Comercial promovido<br />

pela Comissão das Nações Unidas especializada<br />

nesse ramo (Uncitral), a Competição tinha<br />

como propósito atrair estudantes de Direito a<br />

trabalharem com a Comissão, especificamente<br />

com a CISG (Convenção de Viena sobre Contratos<br />

de Compra e Venda Internacional de Mercadorias)<br />

e com arbitragem internacional.<br />

Dois secretários da Uncitral, William Vis e<br />

Eric Bergsten, levaram a ideia ao Instituto de<br />

Direito Comercial da Universidade Pace, em<br />

Nova Iorque, a qual adotou a sugestão e formulou<br />

o moot “processo simulado” nos moldes em<br />

que se desenvolve atualmente.<br />

Para mensurar a dimensão do sucesso obtido<br />

pelo “Willem C. Vis International Commercial<br />

Arbitration Moot”, sua última edição, realizada em<br />

2010/2011, chegou a reunir estudantes de 254 universidades<br />

de um total de 63 países participantes .<br />

A partir desse exemplo, inúmeras competições<br />

do mesmo gênero surgiram ao redor do<br />

mundo, desde a China até o Brasil.<br />

Atendo-nos aos moots (como tais competições<br />

são chamadas) dos quais a PUC-SP participa,<br />

pode-se elencar, além do “Willem C. Vis<br />

International Commercial Arbitration Moot”,<br />

que ocorre em Viena, o “ELSA Moot Court<br />

Competition”, o “Concours d’Arbitrage International<br />

de Paris” e a Competição Brasileira de<br />

Arbitragem, também denominada Competição<br />

Petrônio Muniz.<br />

O “ELSA Moot Court Competition”, atualmente<br />

em sua 10ª Edição, é organizado pela<br />

Associação Europeia de Estudantes de Direito


(ELSA) e direciona-se a disputas atinentes à Organização<br />

Mundial de Comércio.<br />

Já o “Concours d’Arbitrage International de<br />

Paris” e a Competição Brasileira de Arbitragem,<br />

como se depreende dos próprios nomes, envolvem<br />

especificamente a arbitragem como método<br />

de resolução de conflitos.<br />

O primeiro, criado em 2005, é organizado pela<br />

Faculdade de Direito da “Sciences Po” e realiza-se<br />

em Paris, enquanto a Competição Brasileira de Arbitragem,<br />

criada em 2010, resultou de uma iniciativa<br />

da Camarb (Câmara de Arbitragem Empresarial -<br />

Brasil) e realiza-se em Belo Horizonte - MG, reunindo<br />

estudantes de diversos estados brasileiros.<br />

Todas essas competições mantêm a estrutura<br />

desenhada pela Universidade Pace, contemplando<br />

uma fase escrita e outra oral. O “ELSA Moot<br />

Court Competition” tem uma fase de qualificação<br />

regional, enquanto o “Willem C. Vis International<br />

Arbitration Moot” recebe todas as equipes em Viena<br />

para a fase oral, sem qualquer pré-requisito.<br />

Inicialmente, com a entrega do caso às equipes,<br />

estas devem elaborar um memorial em<br />

nome de cada parte do conflito, requerente e requerido.<br />

Neste momento, as equipes se reúnem<br />

para discutir o problema, seus anexos e traçar a<br />

estratégia a ser esboçada em cada memorial. Para<br />

tanto, exige-se intensa pesquisa e foco, uma vez<br />

que alcançar um texto satisfatório e coeso em<br />

equipe é sempre um desafio.<br />

Com a conclusão dos memoriais, inicia-se a<br />

preparação para a fase oral. Nesta etapa há uma<br />

efetiva simulação de um tribunal arbitral, de<br />

modo que duas equipes se enfrentam, expondo<br />

oralmente seus argumentos e se sujeitando a perguntas<br />

de profissionais que atuam como árbitros<br />

no painel. No “Willem C. Vis International Arbitration<br />

Moot” atuam como árbitros notáveis<br />

professores, assim como os principais árbitros profissionais<br />

em atividade na atualidade. No “ELSA<br />

Moot Court Competition”, os painéis são presi-<br />

didos por árbitros da própria OMC, funcionários<br />

desta ou das universidades participantes, isto é,<br />

sempre por profissionais especializados na área de<br />

contencioso econômico internacional.<br />

É neste modelo que reside o diferencial dessas<br />

competições. Por terem de elaborar memoriais para<br />

as duas partes envolvidas no conflito, as equipes têm<br />

a possibilidade de analisar os pontos frágeis dos dois<br />

lados e trabalhar com maior profundidade tanto<br />

para fortalecê-los, como para identificar as fraquezas<br />

do discurso da equipe concorrente. Arguir o<br />

caso de ambas as partes é um exercício que normalmente<br />

o aluno de direito não exercita durante seus<br />

estudos acadêmicos e auxilia no desenvolvimento<br />

de uma lógica e de um raciocínio que se mostram<br />

valiosos na vida profissional do advogado.<br />

todas essas competições mantêm<br />

a estrutura desenhada pela<br />

universidade Pace, contemplando<br />

uma fase escrita e outra oral<br />

Como se não bastasse, há ainda a oportunidade<br />

de desenvolver o debate oral, que é muito pouco<br />

estimulado nas universidades. O debate é interessante,<br />

pois além de envolver equipes que dominam<br />

profundamente o caso e suas minúcias, conta com<br />

a presença de profissionais atuantes na área, que por<br />

conhecerem a fundo as matérias abordadas, podem<br />

avaliar com extremo rigor a atuação das equipes.<br />

Sem prejuízo dos aspectos mencionados, outro<br />

ponto importante é a assessoria dada por advogados<br />

formados, normalmente atuantes no ramo de arbitragem,<br />

defesa comercial ou comércio exterior, que<br />

atuam como coordenadores das equipes. Estes profissionais<br />

se propõem a analisar o problema com os<br />

estudantes, debater os pontos e auxiliar com material<br />

para pesquisa e com o preparo para a competição.<br />

Fórum jurídico<br />

69


Apesar de ser um ramo em notável<br />

crescimento no Brasil, a maioria dos<br />

estudantes ainda não tem acesso à<br />

arbitragem em sua grade curricular<br />

ou início de vida profissional<br />

Eu, Julia Schulz, coautora do presente artigo<br />

e aluna do 7º semestre da PUC-SP, tive a oportunidade<br />

de participar da Competição Brasileira<br />

de Arbitragem, em 2011. A competição é recente,<br />

mas os organizadores já atribuem a ela a importante<br />

missão de difundir a Lei Brasileira de<br />

Arbitragem (Lei 9.307/1996).<br />

Por tal razão, conquanto seja sempre de suma<br />

importância pesquisar e conhecer as legislações<br />

pioneiras sobre o assunto, a competição vem exigindo<br />

um aprofundamento maior na legislação<br />

pátria e em obras de doutrinadores locais que estudem<br />

a arbitragem sob a ótica do ordenamento<br />

jurídico brasileiro e de suas particularidades.<br />

Apesar de ser um ramo em notável crescimento<br />

no Brasil, a maioria dos estudantes ainda não<br />

tem acesso à arbitragem em sua grade curricular<br />

ou início de vida profissional. Nesse sentido, os<br />

moots propiciam a aproximação do estudante de<br />

Direito a esta realidade, conforme observa Ilan Jadoul,<br />

aluno da PUC-SP, atualmente em intercâmbio<br />

no King’s College de Londres, que participou<br />

em 2010 do “Willem C. Vis International Arbitration<br />

Moot” e do “Concours d’Arbitrage International<br />

de Paris”: “Considerava a arbitragem um<br />

ramo bastante distante e restrito, do qual apenas<br />

advogados com anos de profissão podiam fazer<br />

parte. Não via essa disciplina como uma disciplina<br />

acadêmica. Isso mudou totalmente com a experiência<br />

de mooting, ao ver alunos de até 2º ano de<br />

Direito debatendo questões de grande complexidade<br />

jurídica de maneira altamente profissional.”<br />

70 Fórum jurídico<br />

artigo CláUdio Finkelstein<br />

jUlia sChUlz<br />

Com efeito, como bem apontado por Eric<br />

E. Bergsten em artigo de sua autoria, o ensino<br />

jurídico infelizmente não acompanhou o desenvolvimento<br />

do Direito Comercial Internacional,<br />

incluindo a arbitragem. O atraso se mostra<br />

compreensível, uma vez que os programas das<br />

universidades já estão extremamente sobrecarregados<br />

com as matérias do direito nacional.<br />

É essa, inclusive, a percepção de diversos alunos<br />

do Curso de Direito, como Daniel Shil Szriber, cursando<br />

o 9º semestre de Direito na PUC-SP, que participou<br />

do “Willem C. Vis International Commercial<br />

International Arbitration Moot” em 2009/2010<br />

e 2010/2011: “Quando comecei a frequentar as<br />

reuniões da equipe da PUC-SP, não fazia a menor<br />

ideia do que era arbitragem, já que nunca havia<br />

ouvido falar sobre este instituto antes. No começo,<br />

achava que não havia muitas diferenças entre a resolução<br />

de conflitos por meio de arbitragem e da<br />

jurisdição estatal. Contudo, ao me aprofundar nos<br />

estudos durante a preparação para a competição, comecei<br />

a descobrir que existem inúmeras discussões e<br />

especificidades sobre a arbitragem, tão ou mais complexas<br />

que aquelas que circundam o processo civil.”<br />

Da mesma forma, ao decidir participar da Competição<br />

Brasileira de Arbitragem, deparei-me com<br />

um instituto completamente <strong>novo</strong>. Apesar de ter<br />

sido mencionada superficialmente em aulas de Direito<br />

Civil e Direito Constitucional, a arbitragem<br />

não fazia parte de minha realidade ou de qualquer<br />

perspectiva para o meu futuro.<br />

Neste aspecto reside o primeiro de muitos desafios<br />

enfrentados nos moots. Inúmeros estudantes,<br />

ao menos brasileiros, somente têm a oportunidade<br />

de estudar o instituto da arbitragem, ainda que em<br />

termos gerais, ao entrarem na competição. Logicamente,<br />

isso afeta o estudo dos casos apresentados,<br />

que, por abordarem questões extremamente técnicas,<br />

pressupõem o conhecimento básico do tema.<br />

Vale ressaltar que, entre as matérias opcionais<br />

oferecidas pela própria PUC-SP, há um curso


de arbitragem e também uma matéria de arbitragem<br />

internacional, ministrada em língua inglesa.<br />

Destaca-se, contudo, que para participar das<br />

competições ora descritas não é necessário cursar<br />

quaisquer dessas matérias.<br />

Ademais, os moots demandam extrema dedicação<br />

dos competidores. Os problemas são complexos<br />

e bem elaborados. Exigem, portanto, um nível<br />

de pesquisa que a maioria dos estudantes não está<br />

habituada a realizar, rigorosa e disciplinada, abrangendo<br />

tanto doutrina como jurisprudência.<br />

A dedicação também é necessária no que tange<br />

ao tempo despendido. São meses de muito<br />

esforço, sacrifício, estudo profundo e discussões<br />

em grupo. Isto tudo, é claro, para que se mantenha<br />

o nível altamente profissional das equipes,<br />

como já foi evidenciado.<br />

Outro desafio é o de trabalhar com a pressão,<br />

principalmente durante a fase oral, na qual é preciso<br />

manter postura e calma perante a equipe contrária<br />

e os árbitros. Para tanto, é essencial dominar o<br />

caso e as matérias por ele abordadas, bem como se<br />

familiarizar com os termos técnicos, muitas vezes<br />

em outros idiomas, como em competições em que<br />

o idioma oficial é o inglês ou francês.<br />

O percurso é árduo, mas permite a vivência<br />

de uma das mais ricas experiências que a vida<br />

acadêmica pode oferecer.<br />

De acordo com Marina Amaral Egydio de<br />

Carvalho, professora de Direito Internacional na<br />

PUC-SP, que desde 2009 coordena a equipe do<br />

“ELSA Moot Court Competition”: “A participação<br />

no moot foi fundamental em termos pessoais<br />

e profissionais. Pessoalmente, porque a competição<br />

revela e sedimenta capacidades e habilidades que<br />

muitas vezes você desconhece sobre si mesmo. Profissionalmente,<br />

há o desenvolvimento de técnicas<br />

argumentativas colocadas oralmente e por escrito.”<br />

Não obstante, ao final, muitos descobrem a<br />

área com a qual se identificam profissionalmente,<br />

podendo vivenciar, ainda que de maneira um<br />

pouco ilusória, o dia a dia dos que nela atuam.<br />

Os moots também propiciam a convivência<br />

com a diversidade, na medida em que permitem<br />

a interação com algumas das melhores universidades<br />

do Brasil e do mundo. Assim, como<br />

em poucas oportunidades, nos moots é possível<br />

debater questões altamente controversas com<br />

acadêmicos de Direito que tenham estratégias e<br />

opiniões completamente diversas.<br />

A ideia que inicialmente somente pretendia<br />

atrair estudantes de Direito para trabalhar na<br />

Uncitral, acabou por se tornar uma ferramenta<br />

diferenciada de desenvolvimento e preparo dos<br />

estudantes que procuram trabalhar no ramo do<br />

Direito Comercial Internacional e Arbitragem.<br />

Além disso, ainda que não optem por trabalhar<br />

nessas áreas ou em setores correlatos, não há<br />

dúvidas de que o engajamento em uma proposta<br />

deste gênero, por si só, auxilia o aluno a aprimorar-se<br />

tanto sob um aspecto acadêmico, como<br />

em variadas atividades profissionais. n<br />

Bibliografia<br />

BERGSTEN, Eric. Teaching about International Commercial Law and Arbitration: the Eighth Annual Willem C. Vis International<br />

Commercial Arbitration Moot, 18º Journal of International Arbitration (August 2001), p. 481-486.<br />

FRADERA, Vera; NEVES, Flavia Bittar; PESSÔA, Fernando José Breda, e outros. Participação das Faculdades Brasileiras na 16ª Edição<br />

da Willem C. Vis Arbitration Moot. Revista Brasileira de Arbitragem, nº 22, Abr/Jun 2009, p. 211-228.<br />

http://www.cisg.law.pace.edu/vis.html<br />

http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/bergsten1.html<br />

http://www.law.northwestern.edu/academics/mootcourt/vis.html<br />

http://www.elsamootcourt.org/<br />

http://master.sciences-po.fr/droit/fr/contenu/concours-darbitrage-international-de-paris<br />

http://competicao.camarb.com.br<br />

Fórum jurídico<br />

71


oS 10 anoS Do cóDigo<br />

civil SoB a ópTica<br />

civil conSTiTucional<br />

renan Lotufo é advogado e Consultor Jurídico. Professor<br />

da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-<br />

-SP) regendo Direito Civil no Mestrado e Doutorado;<br />

Professor do Centro de Extensão Universitária (CEU).<br />

Coordenador e Professor de Cursos de Pós-Graduação<br />

lato sensu da Escola Paulista da Magistratura. Membro do<br />

IASP. Presidente do Instituto de Direito Privado (IDP)<br />

até a data de 29 de março de 2010. Ex-presidente da Câmara<br />

de Mediação e Arbitragem do CIESP. Coordenador<br />

da coleção Agostinho Alvim, com vinte obras já publicadas,<br />

Cadernos de Teoria Geral do Direito, Cadernos de<br />

Direito Civil Constitucional.<br />

André guimarães Avillés é aluno do 9º semestre do<br />

curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de<br />

São Paulo. Participa do projeto de iniciação científica<br />

pela PIBIC CEPE nas áreas de Arbitragem e Direito Societário,<br />

com a tese “A Extensão dos Efeitos da Cláusula<br />

Arbitral Estatutária nas Sociedades Anônimas”, sob a<br />

orientação do Professor Doutor Giovanni Ettore Nanni.<br />

Estagiário das áreas contenciosa e consultiva cível do escritório<br />

Renan Lotufo Advogados Associados.<br />

72 Fórum jurídico<br />

artigo renan lotUFo<br />

andré gUimarães avillés<br />

inTroDuçÃo<br />

A sociedade vive em mudança constante,<br />

fruto do dinamismo que se impõe nas relações<br />

políticas, econômicas e sociais. Foi neste compasso<br />

que, sob a coordenação do professor Miguel<br />

Reale, grandes nomes do direito, entre os<br />

quais o mestre da PUC Agostinho Alvim, já no<br />

último quarto do século que passou, redigiram<br />

e edificaram os pilares do que viria a ser a Lei nº<br />

10.406/2002, revogando o <strong>Código</strong> de 1916 e<br />

dando azo a um <strong>novo</strong> Diploma Civil, moderno<br />

e harmônico com a época atual.<br />

A principal premissa do anteprojeto foi, em síntese,<br />

atualizar o <strong>Código</strong> então vigente, não só para<br />

superar os pressupostos individualistas que condicionaram<br />

a sua elaboração, mas também para dotá-<br />

-lo de <strong>novo</strong>s institutos, reclamados pela sociedade<br />

atual, buscando configurar os modelos jurídicos à<br />

luz do princípio de realizabilidade, em função das<br />

forças sociais operantes, para atuarem como instrumentos<br />

de paz social e de desenvolvimento. 1<br />

Passados dez anos desde sua promulgação, as<br />

relações civis passaram a ter um aspecto mais paritário,<br />

uma vez que o <strong>Código</strong> de 2002 exprime,<br />

genericamente, os impulsos vitais, formados na<br />

era contemporânea, tendo por parâmetro os valores<br />

constitucionais da justiça, solidariedade social<br />

e o respeito da dignidade da pessoa humana. 2<br />

o DireiTo civil conSTiTucional<br />

O fato de se tratar de uma legislação cuja entrada<br />

em vigor se deu após a promulgação da<br />

Constituição Federal de 1988 facilitou o entrosamento<br />

com as novas perspectivas e valores trazidos<br />

pelo <strong>Código</strong>. Houve uma concatenação da<br />

1 Exposição de Motivos do Anteprojeto do <strong>Código</strong> Civil,<br />

Mensagem 160.<br />

2 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Vol.<br />

I, 26ª ed. Saraiva, São Paulo, 2011. p. 97.


legislação civil com os <strong>novo</strong>s preceitos constitucionais,<br />

campo que o <strong>Código</strong> de 1916 não podia<br />

almejar, dado o caráter restrito à organização do<br />

Estado da Constituição da época da promulgação<br />

da ordenação civil.<br />

A essa época os códigos civis eram o centro<br />

do direito positivo, em grande parte por influência<br />

do <strong>Código</strong> Civil Francês.<br />

O direito civil, portanto, deixou de ter apenas<br />

como figura central o <strong>Código</strong> Civil, que passou a<br />

não mais ser o único texto ordenador das relações<br />

privadas, as quais receberam o enfoque da Constituição,<br />

de modo unificado e sistemático, desempenhando<br />

o papel de ligação do sistema jurídico. 3<br />

Desse modo, um dos grandes méritos do <strong>Código</strong><br />

Civil, após uma década de sua promulgação,<br />

é o fortalecimento e a sedimentação do direito<br />

Civil Constitucional na doutrina e na jurisprudência<br />

brasileira.<br />

Nesse sentido, conforme afirma Paulo Lobo:<br />

“A Constitucionalização do Direito Civil<br />

não é episódica ou circunstancial. É consequência<br />

inevitável da natureza do Estado social, que<br />

é a etapa que a humanidade vive contemporaneamente<br />

do Estado moderno, apesar de<br />

suas crises, das frustrações de suas promessas e<br />

dos prenúncios de retorno ao modelo liberal,<br />

apregoados pelo neoliberalismo, que pretende<br />

afastar qualquer intervenção estatal ou consideração<br />

de interesse social das relações privadas.<br />

A Constituição Brasileira de 1988 consagra o<br />

Estado social, que tem como objetivos fundamentais<br />

(art. 3º) ‘constituir uma sociedade livre,<br />

justa e solidária’, com redução das desigualdades<br />

sociais. A ordem jurídica infraconstitucional<br />

deve concretizar a organização social e<br />

a economia eleita pela Constituição, não podendo<br />

os juristas desconsiderá-la, como se os<br />

3 NANNI, Giovanni Ettore in LOTUFO, Renan, Caderno<br />

de Direito Civil Constitucional, Vol. 2, 1ª Ed, Editora Juruá, São<br />

Paulo, 2001. p. 164.<br />

fundamentos do direito civil permanecessem<br />

ancorados no modelo liberal do século XIX”. 4<br />

É nítido que o <strong>Código</strong> Civil de 2002 abarcou<br />

os princípios do Estado Social. Pode-se perceber,<br />

por exemplo, a alta carga principiológica contida<br />

no direito contratual, uma vez que o reconhecimento<br />

à liberdade e autonomia das pessoas sofre<br />

maior resistência dos interesses sociais. Tido por<br />

autores como o dispositivo mais importante do<br />

<strong>Código</strong>, o art. 421, ao imprimir ao contrato função<br />

social – e não apenas um meio de autorregulação<br />

entre as partes –, deixou de ter centro na<br />

autonomia da vontade, passando a adotar a autonomia<br />

privada, conformada pelo ordenamento,<br />

e a justiça social, que constitucionalmente deve<br />

estar presente em todas as relações econômicas. 5<br />

Entretanto, mais do que olhar para trás e nos<br />

deleitarmos com o sucesso e a evolução que o<br />

<strong>Código</strong> de 2002 trouxe para o ordenamento<br />

jurídico pátrio, é preciso que nos debrucemos<br />

sobre as perspectivas futuras e sobre os perigos<br />

que uma equivocada interpretação pode trazer.<br />

novaS perSpecTivaS<br />

A boa técnica civil constitucionalista arrazoa<br />

que cada norma infraconstitucional há de ser<br />

aplicada conjuntamente com os princípios constitucionais.<br />

A Constituição deve incidir como um<br />

foco de iluminação do todo do sistema.<br />

Pietro Perlingieri alerta sobre o “perigo de<br />

se conceber um sistema jurídico mediante modelos<br />

binários, considerando-se o ordenamento<br />

jurídico como um conjunto de normas jurídicas<br />

apartadas da realidade e de sua aplicação jurisdicional,<br />

idealizando-se, dessa forma, dois sistemas<br />

distintos: aquele concebido pelo legislador e ou-<br />

4 LOBO, PAULO in TEPEDINO, Gustavo (coord.), Direito<br />

Civil Contemporâneo – Novos Problemas à Luz da Legalidade<br />

Constitucional, Editora Atlas, São Paulo, 2008. p. 20.<br />

5 Idem. p. 25.<br />

Fórum jurídico<br />

73


74 Fórum jurídico<br />

artigo<br />

tro resultante dos fatos, nos quais incidirão em<br />

concreto as normas jurídicas”. 6<br />

Nessa linha, Gustavo Tepedino afirma que,<br />

“este modelo binário de interpretação espraia-<br />

-se em classificações falaciosas, ora segundo os<br />

destinatários das normas jurídicas – legislador<br />

e sujeitos de direito; ora segundo a produção<br />

normativa – legislativa e jurisdicional; ora de<br />

acordo com os campos de conhecimento – direito<br />

público e direito privado; ora conforme<br />

os diversos setores de produção normativa – os<br />

microssistemas; e assim por diante. Apoiado em<br />

Pietro Perlingieri, que se insurge contra essa<br />

concepção, demonstrando que somente se afigura<br />

possível falar em ordenamento jurídico se<br />

este for concebido em sua unidade: ou bem o<br />

ordenamento é uno ou não é ordenamento”. 7<br />

Aqui é importante observar que parte da<br />

doutrina fala em “civilização do Direito Cons-<br />

6 Ibidem. p. 361.<br />

7 Ibidem. p. 361.<br />

renan lotUFo<br />

andré gUimarães avillés<br />

titucional”, pretendendo manter o <strong>Código</strong><br />

Civil como centro. As normas constitucionais<br />

não são interpretáveis a partir das infraconstitucionais.<br />

A interpretação normativa deve ser<br />

axiológica, com os preceitos constitucionais<br />

consolidados na jurisprudência, na doutrina e<br />

em todos os dispositivos legais. Do contrário,<br />

teríamos uma técnica hermenêutica de interpretação<br />

às avessas, invertendo-se a casta dos<br />

valores no ordenamento jurídico.<br />

Com vistas a evitar esta aberração hermenêutica,<br />

é cogente que se tenha a pessoa humana<br />

no núcleo do ordenamento jurídico. Há a necessidade<br />

de uma harmonização dos valores no<br />

ordenamento como um todo, levando-se em<br />

conta mais do que aspectos formais da norma,<br />

mas também superando a interpretação exclusiva<br />

com o método de subsunção.<br />

A interpretação deve, deste modo, fundamentar-se<br />

na hierarquia das fontes do direito e dos<br />

seus preceitos, de modo a criar uma dimensão<br />

necessariamente sistemática e valorativa.<br />

Nesta esteira, em busca de maior segurança jurídica<br />

na aplicação normativa, deve o intérprete<br />

assumir um compromisso metodológico de aplicação<br />

das normas civis constitucionais no qual<br />

haja coerência durante o processo de interpretação,<br />

bem como procurar a unicidade de critérios<br />

interpretativos, de modo claro e objetivo, a fim de<br />

limitar as possibilidades interpretativas de caráter<br />

personalíssimo, devendo manter a uniformização<br />

de valores dentro do ordenamento.<br />

Cada aplicação normativa, cada decisão judicial<br />

proferida deve levar em conta o ordenamento<br />

jurídico como sistema.<br />

Pietro Perlingieri salienta que “a solução<br />

para cada simples controvérsia não pode mais<br />

ser encontrada levando em conta simplesmente<br />

o artigo de lei que parece contê-la e resolvê-la,<br />

mas, antes, à luz do inteiro ordenamento<br />

jurídico e, em particular, de seus princípios


fundamentais, considerados como opções de<br />

base que o caracterizam”. 8<br />

concluSõeS<br />

A vigência por quase uma década do <strong>Código</strong><br />

Civil de 2002 deixou claro que o referido diploma<br />

foi amplamente acolhido pela doutrina e<br />

pela jurisprudência.<br />

Trata-se de um diploma legal que não teve<br />

a pretensão de ser o centro das relações jurídicas,<br />

mas sim parte de um corpo normativo com<br />

cláusulas abertas para servir e viabilizar a atuação<br />

do Direito Privado como um todo.<br />

Neste sentido:<br />

“Este <strong>Código</strong>, pelas suas próprias raízes metodológicas<br />

e filosóficas (eticidade-sociabilidade-<br />

-praticidade), não tem a aspiração de ser um <strong>Código</strong><br />

fechado. É um <strong>Código</strong> que está permeado por<br />

valores que vão de encontro ao puro liberalismo e<br />

ao individualismo exacerbado. É um <strong>Código</strong> que<br />

está imbuído do que o Prof. Reale chamou de<br />

princípio da sociabilidade, ou seja, todos os valores<br />

do <strong>Código</strong> encontram um balanço entre<br />

o valor do indivíduo e o valor da sociedade não<br />

exacerba o social e, ao mesmo tempo, procura em<br />

todas as regras não exacerbar o individualismo”. 9<br />

Disto extrai-se que o <strong>Código</strong> busca que o sujeito<br />

de direito tenha uma posição ativa para a<br />

8 Ibidem. p. 370.<br />

9 LOTUFO, Renan in NANNI, Giovanni Ettore e LOTUFO,<br />

Renan (coords.), Teoria Geral do Direto Civil, 1ª ed. Atlas, São<br />

Paulo, 2008. p. 99<br />

A interpretação normativa deve ser<br />

axiológica, com os preceitos<br />

constitucionais consolidados na<br />

jurisprudência, na doutrina e em<br />

todos os dispositivos legais<br />

preservação dos seus direitos, de modo a repugnar<br />

a inércia e o comodismo que antes impregnavam<br />

o <strong>Código</strong> Civil de 1916.<br />

Há uma procura constante em favor do equilíbrio<br />

individual com o interesse social, sempre<br />

mirando a condição de manutenção da dignidade<br />

da pessoa humana nas relações privadas.<br />

Contudo, esta condição deve ser preservada<br />

independentemente da atuação estatal.<br />

Conforme bem vislumbrado por Gustavo<br />

Tepedino, subsistem ainda três preocupações<br />

no âmbito do direito civil, quais sejam (i) a<br />

compreensão atual da metodologia do direito<br />

civil constitucional; (ii) a construção de uma<br />

nova dogmática do direito privado, com coerência<br />

axiológica em torno da unidade do ordenamento;<br />

(iii) a fidelidade ao compromisso<br />

metodológico. 10<br />

Superadas tais barreiras, estaremos diante de<br />

um ordenamento jurídico unitário, o qual preza<br />

pela paz social em busca de um direito mais humano<br />

e justo. n<br />

10 TEPEDINO, Gustavo (coord.), ob. cit. p. 371.<br />

Bibliografia<br />

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Vol. I, 26ª ed. Saraiva, São Paulo, 2011.<br />

Fontes Bibliográficas<br />

LOBO, PAULO in TEPEDINO, Gustavo (coord.), Direito Civil Contemporâneo – Novos Problemas à Luz da Legalidade<br />

Constitucional, Editora Atlas, São Paulo, 2008.<br />

LOTUFO, Renan in NANNI, Giovanni Ettore e LOTUFO, Renan (coords.), Teoria Geral do Direto Civil, 1ª ed. Atlas, São Paulo, 2008.<br />

NANNI, Giovanni Ettore in LOTUFO, Renan, Caderno de Direito Civil Constitucional, Vol. 2, 1ª ed. Juruá, São Paulo, 2001.<br />

TEPEDINO, Gustavo (coord.), Direito Civil Contemporâneo – Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional, Editora Atlas,<br />

São Paulo, 2008.<br />

Fórum jurídico<br />

75


o Supremo TriBunal<br />

FeDeral e o pleBiSciTo<br />

para DeSmemBramenTo<br />

De eSTaDo-memBro<br />

Felipe Penteado Balera é mestrando pela Pontifícia<br />

Universidade Católica de São Paulo, com a tese “Federalismo<br />

e as possíveis alterações no território dos Estados<br />

Federados”. Graduado pela mesma instituição. Autor<br />

do artigo acadêmico “Medida Provisória: o controle dos<br />

requisitos constitucionais de relevância e urgência pelo<br />

Congresso Nacional e pelo STF”, publicada na Revista<br />

Brasileira de Direito Constitucional (v. 14, p. 25-52, 2009).<br />

76 Fórum jurídico<br />

artigo FeliPe Penteado balera<br />

apreSenTaçÃo Do Tema<br />

O tema da consulta popular obrigatória,<br />

nas propostas de desmembramento de Estados<br />

ou de Municípios, voltou a ser discutido com<br />

grande ênfase no ano de 2011, em virtude<br />

dos decretos legislativos 136 e 137 aprovados<br />

pelo Congresso Nacional. Tais decretos convocaram<br />

plebiscito para a população paraense<br />

opinar sobre a criação de dois <strong>novo</strong>s Estados<br />

– Tapajós e Carajás – por desmembramento do<br />

Estado do Pará.<br />

Uma questão de relevância jurídica sobre a<br />

consulta popular para o desmembramento de<br />

um Estado-membro, que ficou em evidência por<br />

conta do plebiscito no Estado do Pará e chegou<br />

a ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal<br />

(STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade<br />

(ADI) 2650/GO, diz respeito a quem deve votar<br />

em tais pleitos indispensáveis às alterações nos<br />

territórios dos Estados e dos Municípios.<br />

A questão ganha contornos suscetíveis de<br />

divergência porque a Constituição Federal de<br />

1988, ao incluir o plebiscito como requisito essencial<br />

para as alterações territoriais nos Estados,<br />

não definiu com clareza qual população deve<br />

votar em tais casos, utilizando apenas a expressão<br />

“população diretamente interessada”. 1 Desta<br />

forma, podem surgir diversas interpretações<br />

acerca da expressão.<br />

Este artigo procurará identificar as interpretações<br />

para a referida expressão conferidas pelo<br />

legislador e pela jurisprudência do STF, desde<br />

a promulgação da Constituição Federal, verificando<br />

se o sentido atualmente compreendido<br />

atende ao propósito do constituinte.<br />

1 Art. 18, § 3º – Os Estados podem incorporar-se entre si,<br />

subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou<br />

formarem <strong>novo</strong>s Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação<br />

da população diretamente interessada, através de plebiscito,<br />

e do Congresso Nacional, por lei complementar.


A definição da população que será consultada<br />

é de fundamental importância, pois é evidente<br />

que o resultado pode ser diverso de acordo com<br />

os detentores do direito de votar. A título de<br />

exemplificação, alcançar-se-ia resultado oposto<br />

no plebiscito do Pará, caso fosse aplicada outra<br />

interpretação à expressão, conforme se nota a<br />

seguir. A consulta realizada em 11 de dezembro<br />

de 2011 contou com a participação de toda a<br />

população do Estado do Pará e a maioria (cerca<br />

de 66% 2 ) da população paraense rejeitou a<br />

criação das duas novas unidades federativas.<br />

Certamente, alcançar-se-ia resultado oposto<br />

no referido plebiscito, caso fosse aplicada outra<br />

interpretação à expressão, ou seja, se a consulta<br />

popular se restringisse à população da área que<br />

se pretende desmembrar, o resultado seria outro.<br />

Isso porque tanto a população da região do<br />

Tapajós quanto a do Carajás votaram em sua<br />

grande maioria a favor da cisão, 3 conforme dados<br />

do Tribunal Eleitoral do Pará.<br />

Quem É populaçÃo DireTamenTe<br />

inTereSSaDa para o legiSlaDor<br />

A Constituição Federal exige plebiscito tanto<br />

para o caso de desmembramento de Estados<br />

Federados, quanto de Municípios, em que pese<br />

o procedimento para que ocorram tais divisões<br />

seja diverso, sendo no primeiro caso exigível<br />

2 Conforme dados do Tribunal Regional Eleitoral do Pará,<br />

disponíveis em http://www.tre-pa.jus.br/eleicoes/plebiscito-2011/relatorios-da-votacao-dos-plebiscitos-2011,<br />

acesso em 9<br />

de janeiro de 2012.<br />

3 Na região que seria desmembrada para a criação do <strong>novo</strong> Estado<br />

do Carajás, a população de todos os municípios foi favorável<br />

ao desmembramento (em 34 dos 39 municípios da região, o voto<br />

favorável superou o percentual de 90%). Na região que seria<br />

desmembrada para a criação do <strong>novo</strong> Estado do Tapajós, o voto a<br />

favor do desmembramento também ganhou com larga vantagem.<br />

O voto a favor só perdeu em 4 dos 25 municípios do pretenso<br />

Estado, sendo que no Município mais populoso da região, Santarém,<br />

a votação a favor do desmembramento superou 98% dos<br />

votos (Conforme dados do Tribunal Regional Eleitoral do Pará).<br />

lei complementar federal, enquanto que no<br />

segundo lei estadual. Ao delimitar o alcance<br />

destas manifestações populares, a Magna Carta<br />

utilizava expressões bastante similares: “população<br />

diretamente interessada” para as consultas<br />

sobre alterações nos territórios dos Estados e<br />

“populações diretamente interessadas” para as<br />

consultas acerca das alterações nos territórios<br />

dos Municípios.<br />

Até 1998, não existia lei federal definindo o<br />

objeto da expressão “população diretamente interessada”.<br />

Por outro lado, leis estaduais procuravam<br />

delimitar o alcance do plebiscito exigível<br />

para que houvesse desmembramento de Município,<br />

estendendo a consulta tão somente à população<br />

da área que pretendia se desmembrar e<br />

não à do Município inteiro. 4<br />

Naquele ano, porém, foi editada a Lei Federal<br />

nº 9.709/98, que dava sentido diverso à sobredita<br />

expressão. Assim, na forma do art. 7º 5 da<br />

referida lei, no plebiscito para eventual desmembramento<br />

de Estado ou Município, deveriam<br />

opinar tanto a população do território a ser desmembrado,<br />

quanto da área sobejada.<br />

No caso dos Municípios, o próprio texto<br />

constitucional já havia sido alterado, pela<br />

Emenda Constitucional nº 15 de 1996. Esta<br />

alterou a expressão “populações diretamente<br />

interessadas” por “populações dos municípios<br />

envolvidos”, o que acarretou a incompatibi-<br />

4 Neste sentido, foram expressas as seguintes leis complementares<br />

estaduais, entre outras: Lei Complementar do Estado do<br />

Rio Grande do Sul nº 9070/90, Lei Complementar do Estado<br />

do Paraná nº 56/91, Lei Complementar do Estado de São<br />

Paulo nº 651/90 e Lei Complementar do Estado de Pernambuco<br />

nº 01/90.<br />

5 Art. 7 o – Nas consultas plebiscitárias previstas nos arts. 4º e<br />

5 o entende-se por população diretamente interessada tanto a<br />

do território que se pretende desmembrar, quanto a do que<br />

sofrerá desmembramento; em caso de fusão ou anexação, tanto a<br />

população da área que se quer anexar quanto a da que receberá o<br />

acréscimo; e a vontade popular se aferirá pelo percentual que se<br />

manifestar em relação ao total da população consultada.<br />

Fórum jurídico<br />

77


78 Fórum jurídico<br />

artigo<br />

lidade das leis estaduais com a Constituição<br />

Federal no que tange à população participante<br />

do plebiscito. Todavia, quanto às alterações<br />

territoriais nos Estados, a redação permaneceu,<br />

e permanece até hoje, inalterada, mantendo<br />

a expressão “população diretamente interessada”,<br />

suscetível a diversas interpretações,<br />

o que faz com que a posição adotada pela Lei<br />

nº 9.709/98 possa ter sua constitucionalidade<br />

questionada por aqueles que entendem ser<br />

diversa a intenção do Constituinte. Consequentemente,<br />

cabe à mais alta Corte de Justiça<br />

analisar se a Lei em tela, ao definir quem<br />

é população diretamente interessada, atendeu<br />

ao propósito da Constituição Federal.<br />

Quem É populaçÃo DireTamenTe inTereSSaDa<br />

para o Supremo TriBunal FeDeral<br />

O Supremo Tribunal Federal, como guardião<br />

da Constituição, tem a competência para controlar<br />

a constitucionalidade das leis e atos normativos<br />

federais ou estaduais que a violem. Assim,<br />

se a lei ou o ato normativo não estiverem de<br />

acordo com a Carta Magna brasileira, caberá ao<br />

órgão máximo da Justiça, quando provocado por<br />

ação direta de inconstitucionalidade, declarar<br />

sua incompatibilidade com texto constitucional,<br />

tornando a lei inaplicável.<br />

No exercício desta competência, o STF exerce<br />

papel interpretativo, ou seja, antes de decidir<br />

se a lei ou o ato normativo são contrários à<br />

Magna Carta, deve interpretar o sentido de seu<br />

texto, estabelecendo a conotação adequada a vocábulos<br />

passíveis de vários significados. É o caso<br />

do termo ora discutido, que delimita o campo<br />

de abrangência do plebiscito necessário ao desmembramento<br />

de um Estado.<br />

O Supremo Tribunal Federal já julgou ações<br />

diretas de inconstitucionalidade contra leis<br />

complementares estaduais que procuravam de-<br />

FeliPe Penteado balera<br />

finir o campo de abrangência dos plebiscitos<br />

para o desmembramento de Municípios. Recentemente,<br />

julgou a ADI nº 2.650, proposta<br />

pela Assembleia Legislativa do Estado de Goiás,<br />

na qual se questionava a interpretação da Lei<br />

nº 9.709/98 para a expressão “população diretamente<br />

interessada” com relação ao desmembramento<br />

do Estado.<br />

As leis complementares estaduais, que regulamentavam<br />

o tema do desmembramento e a<br />

criação de <strong>novo</strong>s municípios antes da edição da<br />

Emenda Constitucional nº 15 de 1996, indicavam<br />

que a consulta deveria ser realizada apenas<br />

com a população da área a ser desmembrada.<br />

Assim, as ADIs pretendiam declarar a inconstitucionalidade<br />

de tais normas, sob o fundamento<br />

de que no plebiscito deveria opinar toda a população<br />

do Município objeto do desmembramento.<br />

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar<br />

tais ações – como a ADI 733/MG, entre outras<br />

–, considerou constitucionais as leis complementares<br />

estaduais. Logo, delimitou a abrangência<br />

da expressão “populações diretamente<br />

interessadas” como sendo apenas a população<br />

da área a ser desmembrada.<br />

No entanto, como anteriormente mencionado,<br />

após a EC nº 15/96, passou-se a exigir o<br />

plebiscito com a população de todo o Município<br />

como requisito para que haja seu desmembramento.<br />

Com relação aos Estados-Membros<br />

permaneceu no texto constitucional a expressão<br />

“população diretamente interessada”. Nesse<br />

sentido, foi promulgada a Lei Federal nº 9.709<br />

em 1998, que estendeu a interpretação da expressão<br />

referente aos Municípios ao caso dos<br />

Estados, isto é, devendo toda a população do Estado<br />

votar em tais pleitos.<br />

A ADI 2.650/GO, julgada em 2011, questionou<br />

essa interpretação da Lei Federal nº<br />

9.709/98, alegando que população diretamente<br />

interessada deveria ser apenas a da área que seria


desmembrada. Portanto, se o STF mantivesse o<br />

seu antigo entendimento, qual seja, a de que a<br />

população diretamente interessada no caso de<br />

desmembramento é a da área desmembrada, deveria<br />

julgar procedente a ação.<br />

Contudo, modificou seu entendimento, julgando<br />

improcedente a ação. Desta forma, permanece<br />

válida a interpretação legal, que define<br />

população diretamente interessada no caso do<br />

Estado como a população tanto da área a ser desmembrada<br />

quanto da remanescente.<br />

Decidiu-se por unanimidade pela improcedência<br />

da ADI 2650/GO. Entretanto, o Ministro<br />

Marco Aurélio fez uma ressalva quanto ao<br />

sentido da expressão “população diretamente<br />

interessada”, sustentando que em tais plebiscitos<br />

deveria ser consultada toda a população nacional.<br />

Esta tese, à qual se filiam outros ilustres<br />

juristas, 6 tem como fundamento os seguintes<br />

argumentos: a criação de <strong>novo</strong> Estado por desmembramento<br />

traria custos adicionais à União<br />

e diminuição das receitas dos Estados no Fundo<br />

de Participação dos Estados e Distrito Federal<br />

e, portanto, toda a população nacional arcaria<br />

com tais despesas, o que demonstraria o interesse<br />

nacional na questão; e a criação de <strong>novo</strong><br />

criação de <strong>novo</strong> Estado<br />

diminuiria a representação<br />

proporcional dos outros<br />

Estados no Senado<br />

6 Além do Ministro Marco Aurélio, por ocasião do plebiscito<br />

realizado no Estado do Pará em 12 de dezembro de 2011, outros<br />

ilustres juristas, como Dalmo de Abreu Dallari, sustentaram<br />

que o plebiscito deveria reunir todos os eleitores do Brasil e<br />

não apenas a população do Pará. Dalmo Dallari inclusive entrou<br />

com requerimento administrativo pedindo que o Tribunal<br />

Superior Eleitoral ampliasse a consulta para todo o país.<br />

Estado diminuiria a representação proporcional<br />

dos outros Estados no Senado, uma vez que o<br />

<strong>novo</strong> Estado elegeria mais três Senadores. Assim,<br />

com o aumento do número de Senadores<br />

para a mesma quantidade de eleitores, os direitos<br />

políticos dos cidadãos de outros Estados<br />

seriam afetados.<br />

Quem Deve Ser conSiDeraDa como populaçÃo<br />

DireTamenTe inTereSSaDa no pleBiSciTo para<br />

o DeSmemBramenTo De eSTaDo<br />

Como visto, prevalece atualmente o entendimento<br />

de que a população diretamente interessada<br />

no plebiscito para desmembramento de Estado<br />

é toda a sua população, englobando a população<br />

da área desmembrada e a da remanescente.<br />

Todavia, existem duas posições divergentes.<br />

A primeira entende que se deva consultar<br />

apenas e tão somente a população da área desmembrada<br />

– esta posição é a que prevalecia no<br />

Supremo Tribunal Federal até o julgamento da<br />

ADI 2.650/GO. Já a segunda, manifestada no<br />

voto do Ministro Marco Aurélio neste controle<br />

concentrado, entende que se deva considerar<br />

“população diretamente interessada” toda a população<br />

nacional.<br />

Parece que a posição expressa na Lei nº<br />

9.709/98, prevalecente na mais alta Corte após<br />

o julgamento da referida ADI, é a que melhor<br />

interpreta a expressão.<br />

Por um lado, a restrição do plebiscito para<br />

abranger apenas a população da área a ser desmembrada<br />

não atenderia ao mandamento<br />

constitucional, pois a população da área remanescente<br />

do Estado tem evidente interesse na<br />

manutenção da integridade territorial do ente<br />

federativo do qual faz parte. Por outro lado,<br />

não há interesse direto que torne plausível a<br />

intervenção eleitoral da população de Estados<br />

alheios àquele que sofrerá desmembramento. n<br />

Fórum jurídico<br />

79


crimeS De TrÂnSiTo<br />

com moToriSTaS<br />

emBriagaDoS:<br />

culpa conScienTe ou<br />

Dolo evenTual?<br />

Christiano Jorge santos é professor de Direito Penal na<br />

Faculdade de Direito da PUC-SP, Mestre e Doutor pela<br />

mesma instituição de ensino (Direito das Relações Sociais<br />

– Direito Penal). Leciona Direito Penal e Direito Processual<br />

Penal em vários cursos de pós-graduação lato sensu. É<br />

Promotor de Justiça em São Paulo/SP e autor dos livros<br />

Crimes de Preconceito e de Discriminação (2ª edição – editora<br />

Saraiva); Direito Penal: Parte Geral e Prescrição Penal e Imprescritibilidade<br />

(estes últimos pela editora Campus/Elsevier),<br />

além de autor e coautor de diversos artigos jurídicos.<br />

80 Fórum jurídico<br />

artigo Christiano jorge santos<br />

inTroDuçÃo<br />

Discute-se, há muito, a diferença entre culpa<br />

consciente e dolo eventual no âmbito acadêmico<br />

e doutrinário, no Direito Penal.<br />

O tema, que conta com divergências entre<br />

os especialistas, portanto complexo em termos<br />

dogmáticos, ressurgiu com força recentemente,<br />

ante a impunidade promovida pela branda legislação<br />

criminal brasileira e diante das consequências<br />

gravíssimas advindas dos acidentes de<br />

trânsito (especialmente aqueles que resultam em<br />

mortes e ferimentos graves das vítimas). Soma-<br />

-se a tudo, para justificar o maior clamor social, a<br />

atenta cobertura pela imprensa de trágicos atropelamentos<br />

e colisões verificados em todo o país,<br />

inclusive por motoristas embriagados.<br />

De todos os fatores acima expostos, advêm<br />

diversas consequências: a população (aqui falando<br />

da parcela leiga em direito penal) passa a clamar<br />

por Justiça e os agentes públicos, seja com<br />

a sincera intenção de evitar a impunidade, seja<br />

por influência ou não da vox populi, às vezes de<br />

maneira precipitada, passam a classificar como<br />

“assassinos” (autores de homicídios dolosos –<br />

por dolo eventual) motoristas que agem com<br />

culpa stricto sensu.<br />

Como resultado da rigorosa interpretação<br />

(indevida, se for possível verificar prontamente<br />

os indícios), autua-se o motorista em flagrante<br />

e não se possibilita, num primeiro momento, a<br />

concessão da liberdade provisória. Encaminha-<br />

-se o caso ao Tribunal do Júri e não a uma das<br />

Varas Criminais comuns. Daí, se denunciado<br />

pelo Ministério Público e pronunciado pelo<br />

juiz da Vara do Júri for, por fim, deixa-se o destino<br />

do responsável pelo acidente nas mãos de<br />

sete jurados leigos. Em suma, sete cidadãos que<br />

não conhecem o direito penal (via de regra,<br />

nem o direito) decidirão se o agente agiu com<br />

dolo eventual ou com culpa consciente.


Parênteses: não se pretende aqui discutir a<br />

validade ou não do Tribunal do Júri (de cuja<br />

existência, aliás, sou defensor), mas ressaltar um<br />

dado inequívoco: não será o critério técnico-<br />

-penal o principal norteador da decisão no<br />

plenário do júri (o que não significa que não<br />

se faça “justiça”, ali, por tal critério nem que<br />

o juiz togado não possa promover “injustiças”),<br />

ou seja, o que se pretende acentuar é a possibilidade<br />

efetiva de ser praticamente irrelevante<br />

o que diz ou deixa de dizer a doutrina sobre o<br />

dolo eventual ou sobre a culpa consciente para<br />

aqueles que se comovem pelas lágrimas (justas e<br />

sinceras, no mais das vezes) da viúva sentada na<br />

assistência da sessão de julgamento ou àqueles<br />

que se revoltam porque o motorista da Ferrari<br />

que se encontrava bêbado no momento do acidente<br />

não se mostrava comovido nem arrependido,<br />

nas imagens da TV.<br />

Mas, se assim é, qual a relevância de tal distinção<br />

(culpa consciente de dolo eventual), na prática?<br />

Apenas a definição de quem julgará o acusado?<br />

Evidentemente que não.<br />

o TraTo legal Da QueSTÃo e a “impuniDaDe”<br />

O causador de um acidente de trânsito que<br />

venha a ser condenado pela prática de homicídio<br />

culposo na condução de veículo automotor<br />

(art. 302 da Lei nº 9503/97, o <strong>Código</strong> de Trânsito<br />

Brasileiro) sujeita-se a penas de 2 a 4 anos<br />

de detenção e mais a suspensão ou proibição<br />

do direito de dirigir. Gera espanto que o causador<br />

de acidente semelhante, julgado como autor<br />

de homicídio por dolo eventual, poderá, se for<br />

considerado culpado, cumprir de 6 a 20 anos de<br />

reclusão (homicídio simples – art. 121, caput, do<br />

<strong>Código</strong> Penal) ou poderá mesmo se sujeitar a<br />

arcar com 12 a 30 anos de reclusão se o homicídio<br />

for tido como qualificado (art. 121, § 2º,<br />

do mesmo <strong>Código</strong> – normalmente incorre na<br />

qualificadora do motivo fútil, crime hediondo,<br />

este último, aliás).<br />

Acresça-se que o condenado por crime culposo,<br />

se for primário e tiver bons antecedentes,<br />

“cumprirá” sua pena no regime aberto (o que<br />

hoje significa dizer, em termos práticos, que deverá<br />

ficar recolhido em sua própria casa, durante<br />

parte do dia – normalmente – sem fiscalização<br />

alguma). Como se não bastasse, caberá a substi-<br />

Sou contra a impunidade hoje<br />

resultante da aplicação legal,<br />

mas não defendo que se altere<br />

o conceito de dolo eventual para<br />

“obter Justiça”<br />

tuição da pena detentiva por penas restritivas de<br />

direitos, que poderão ser prestação de serviços à<br />

comunidade (por exemplo, em creches, hospitais<br />

ou órgãos públicos, durante algumas horas na semana)<br />

ou até mesmo uma quase simbólica limitação<br />

de final de semana (art. 43 e 44 do <strong>Código</strong><br />

Penal). Não obstante, prevê o art. 301 do <strong>Código</strong><br />

de Trânsito Brasileiro que o motorista não será<br />

preso nem precisará recolher fiança se prestar<br />

pronto e integral socorro à vítima.<br />

A esta altura deve o leitor estar a se questionar:<br />

o autor do texto é a favor ou contra a utilização<br />

da aplicação do dolo eventual aos causadores<br />

de acidentes automobilísticos fatais? É<br />

favorável ou contrário à impunidade?<br />

A resposta é muito simples. Sou contra a impunidade<br />

hoje resultante da aplicação legal, mas<br />

não defendo que se altere o conceito de dolo<br />

eventual para “obter Justiça”.<br />

Ou seja, não pode decorrer da falha legislativa<br />

e da consequente impunidade a equipara-<br />

Fórum jurídico<br />

81


Faz-se necessário, portanto,<br />

um aperfeiçoamento<br />

legislativo voltado à correção<br />

da situação hoje imperante<br />

ção de uma conduta culposa a outra dolosa (por<br />

dolo eventual), para efeito de punição.<br />

Faz-se necessário, portanto, um aperfeiçoamento<br />

legislativo voltado à correção da situação<br />

hoje imperante, sem que se distorçam os conceitos<br />

doutrinários e sem que sejam situações<br />

semelhantes julgadas de formas distintas. Vale<br />

dizer, sem que alguns motoristas sejam condenados<br />

a cumprir 12 anos de reclusão em regime<br />

inicial fechado (efetivamente presos) e outros a<br />

“cumprir” dois anos de detenção, em regime<br />

aberto, substituída a sanção por “limitação de<br />

final de semana”, a talante dos intérpretes da lei<br />

(sejam o Delegado de Polícia, o Promotor de<br />

Justiça, o Juiz de Direito ou os jurados).<br />

Da DiFerença TÉcnica enTre Dolo evenTual<br />

e culpa conScienTe<br />

Feitas as considerações acima, incumbe distinguir<br />

dolo eventual de culpa consciente.<br />

Como é sabido, o comportamento doloso é<br />

aquele intencional. Dolo equipara-se a intenção,<br />

vontade de produzir o resultado.<br />

Todavia, o <strong>Código</strong> Penal brasileiro, em seu<br />

art. 18, inciso I, estabelece ser doloso o crime<br />

“(...) quando o agente quis o resultado ou assumiu<br />

o risco de produzi-lo”.<br />

A primeira parte da norma (“quando o<br />

agente quis o resultado”) corresponde ao dolo<br />

direto. Como exemplo, pode-se referir o motorista<br />

de uma caminhonete que vê um inimigo,<br />

distraidamente atravessando a rua à sua frente e<br />

82 Fórum jurídico<br />

artigo Christiano jorge santos<br />

resolve matá-lo. Acelera e o atropela. Sobrevindo<br />

o óbito do pedestre, responderá por homicídio<br />

doloso (art. 121, caput, do <strong>Código</strong> Penal ou,<br />

se considerada alguma qualificadora do delito,<br />

art. 121, § 2º do mesmo código).<br />

Com o dolo eventual não é tão simples assim<br />

a questão.<br />

Isto porque, “assumir o risco de produzir o<br />

resultado” não corresponde apenas a antever o<br />

resultado e, mesmo assim, agir, como alguns, indevidamente,<br />

propagam.<br />

Na lição de Nelson Hungria, Assumir o risco é<br />

alguma coisa mais que ter consciência de correr o risco:<br />

é consentir previamente no resultado, caso venha este,<br />

realmente a ocorrer. 1<br />

Para Bitencourt, nosso <strong>Código</strong> adotou a teoria<br />

da vontade, em relação ao dolo direto, e a teoria<br />

do consentimento, em relação ao dolo eventual. Esta<br />

última, para o autor, prevê ser também dolo a<br />

vontade que, embora não dirigida diretamente ao resultado<br />

previsto como provável ou possível, consente<br />

na sua ocorrência ou, o que dá no mesmo, assume o<br />

risco de produzi-lo. 2<br />

Não cabendo quanto ao dolo, nos estreitos<br />

limites deste trabalho, tecer distinções entre as<br />

teorias da vontade, da representação, do consentimento<br />

ou do risco, reproduzo, em parte, o conceito<br />

antes já exposto: Verifica-se o dolo eventual<br />

quando o agente assume o risco de produzir o resultado.<br />

Ele não quer sua produção (pois se o desejasse estaríamos<br />

frente ao dolo direto), mas o antevê e mesmo assim<br />

age, assumindo o risco de sua produção, ou seja, ele<br />

aceita a produção do resultado, mesmo não o querendo<br />

realizado, necessariamente, como um inconsequente que<br />

atira uma pesada pedra para o alto em local onde passam<br />

pedestres e diz ‘na cabeça de quem cair, caiu’. Entre<br />

desistir da conduta e correr o risco de produzir o dano,<br />

1 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao <strong>Código</strong> Penal, v. I, tomo<br />

II, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 122.<br />

2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. v. 1,<br />

16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 316/317.


ele prossegue na conduta e assume o risco. Exemplo:<br />

‘A’, fugindo da polícia em um veículo roubado, em alta<br />

velocidade, percebe que logo à frente há um policial a pé<br />

dando sinal de parada. Ao invés de diminuir a velocidade<br />

do veículo, mantém-na e, mesmo não desejando<br />

atropelar o agente público (pois atropelar pode significar<br />

a perda do controle do carro, o atraso de sua marcha e,<br />

consequentemente sua prisão), pensa em passar a seu<br />

lado numa pequena brecha do bloqueio, como o raciocínio<br />

do tipo: ‘se matar, azar dele’. Acaba por atropelá-lo<br />

vindo o policial a falecer. 3<br />

Em outras palavras, quem age com dolo<br />

eventual pratica a “teoria do ‘dane-se’ ”. Ou seja,<br />

“não quero matar, mas se alguém morrer em<br />

razão do meu comportamento, dane-se, azar o<br />

dele, ou pouco me importa”.<br />

Já a culpa em sentido estrito significa a produção<br />

de um resultado previsto na lei como crime,<br />

mas praticado pelo autor sem intenção (sem<br />

dolo direto nem dolo eventual). Ou seja, decorre<br />

o resultado de imperícia, negligência ou imprudência.<br />

É, no mais das vezes, o descomedimento,<br />

o comportamento do inconsequente.<br />

A culpa pode ser dividida em culpa inconsciente<br />

(quando o agente do delito não antevê a<br />

possibilidade do resultado) e em culpa consciente<br />

(hipótese em que o autor do crime antevê a possibilidade<br />

de produzir o resultado, mas sinceramente<br />

não deseja produzi-lo de modo algum).<br />

Tratando especificamente desta última, cabe<br />

lembrar que o indivíduo embriagado que deixa<br />

o bar despedindo-se dos amigos que insistem<br />

em levá-lo para casa e o alertam que pode ele,<br />

naquele estado, provocar um acidente fatal, será<br />

ou não autor de um crime doloso (por dolo<br />

eventual) ou culposo (por culpa consciente), a<br />

depender da situação verificada instantes antes<br />

do acidente, a partir de um critério puramente<br />

subjetivo, ou seja, a diferenciação se dará pelo<br />

3 SANTOS, Christiano Jorge. Direito Penal – Parte Geral. Rio<br />

de Janeiro: Campus Elsevier. p. 61-62.<br />

que passa na mente do sujeito (a assunção da<br />

“teoria do dane-se” ou não).<br />

Nada mais equivocado, em termos dogmáticos,<br />

por conseguinte, que afirmar ter o motorista,<br />

“ao dirigir em alta velocidade, embriagado,<br />

assumido o risco de produzir o resultado morte”.<br />

Não é possível afirmar-se isso pelo resultado<br />

objetivamente verificado.<br />

Pode-se imaginar um recém-casado apaixonado<br />

pela esposa que se embriaga para comemorar<br />

sua gravidez. Ao levar a mulher e seu<br />

futuro filho, inadvertida e imprudentemente, do<br />

restaurante para casa, acelera o veículo mais do<br />

que o devido, sobe na calçada, atropela um pedestre<br />

mortalmente, choca-se contra um muro<br />

e mata esposa e feto. Dolo eventual? Passou por<br />

sua mente a ideia de “se morrer alguém, dane-<br />

-se?”. Evidentemente que não. O caso é de culpa<br />

Fórum jurídico<br />

83


(consciente, se antevira – como é provável - o risco<br />

de dirigir sob o efeito de etílicos) e não de<br />

dolo eventual.<br />

Como se vê, embora não seja tarefa tão simples,<br />

em termos teóricos, é possível distinguir-<br />

-se o dolo eventual da culpa consciente. Árdua<br />

pode ser a tarefa, entretanto, de se estabelecer a<br />

distinção em termos práticos, ou seja, difícil é a<br />

produção da prova (e falar de prova envolve o<br />

Direito Processual Penal e não o Direito Penal)<br />

do dolo eventual ou da culpa consciente.<br />

Nada obstante, esta distinção deve se dar com<br />

base nos preceitos teóricos e sempre alicerçada no<br />

bom senso, aliado à coleta das circunstâncias todas<br />

que envolvem o evento danoso, tais como ter o<br />

motorista freado bruscamente antes do embate, ter<br />

acionado por diversas vezes o farol alto, acionado a<br />

buzina, entre tantos outros elementos.<br />

Nesta toada, parece muito difícil que um motorista,<br />

embriagado ou não, que cause mortes<br />

no trânsito, aja com dolo eventual. Até mesmo<br />

por egoístico e deplorável interesse material, a<br />

84 Fórum jurídico<br />

artigo Christiano jorge santos<br />

lógica “não quero colidir meu carro esportivo<br />

importado porque ele custa caro”, não veria<br />

como resultado “aceitável” a produção de uma<br />

colisão ou um atropelamento.<br />

Nunca é demais repetir: mesmo a culpa consciente<br />

ou a mais intensa culpa não se equiparam<br />

ao dolo eventual. O dolo eventual não guarda<br />

relação com graus de culpa, tampouco corresponde<br />

à irresponsabilidade extremada. Trata-se<br />

de questão subjetiva, de aferição da intenção ou<br />

da ausência de intenção do agente.<br />

concluSõeS<br />

Como não se confunde dolo eventual com a<br />

culpa consciente e, comumente, nos casos de acidentes<br />

automobilísticos (envolvendo motoristas<br />

embriagados ou não), não há elementos indiciários<br />

claros de ter o agente agido com dolo eventual, não<br />

podem os agentes públicos agir com rigor excessivo,<br />

seja a pretexto de “fazer justiça”, seja porque<br />

estão sob a pressão da opinião pública.


É certo caber à Justiça dar uma resposta à<br />

sociedade, sua destinatária, mas também igualmente<br />

correto que aos juízes “não é dado fugir<br />

à responsabilidade de um julgamento, atirando-a<br />

aos jurados, lavando suas mãos na pia do conflito<br />

emocional”, como bem dito por Pierangeli. 4<br />

Se assim é, cabe ao motorista embriagado<br />

que provoca mortes no trânsito (evidentemente<br />

excetuadas as hipóteses de dolo direto), ser<br />

indiciado, no inquérito policial, como incurso<br />

no <strong>Código</strong> de Trânsito Brasileiro, quando não<br />

houver indícios claros de que tenha agido com<br />

dolo eventual. 5 Transformá-lo em réu perante<br />

o júri e não a justiça comum, pese o princípio<br />

in dubio pro societate inerente à vestibular fase do<br />

processo e à pronúncia, ante os mesmos indícios<br />

acima descritos, não corresponde ao mais abalizado<br />

dogmatismo penal nem à medida socialmente<br />

mais adequada. Igualmente, ao final, se<br />

não houver prova clara do dolo eventual, com<br />

base na aplicação do princípio in dubio pro reo,<br />

deverá o autor ser responsabilizado pela prática<br />

de homicídio culposo, devendo o juiz de direito<br />

atentar para as circunstâncias do art. 59 do<br />

<strong>Código</strong> Penal para elevar as penas, se caso for.<br />

Ademais, de lege ferenda, cabe ao Poder Legislativo,<br />

ante o clamor popular e o aumento<br />

da violência no trânsito, debruçar-se sobre a<br />

questão, com urgência, mas sem precipitação,<br />

para que se altere o quadro atual, na busca de<br />

uma solução de não se equiparar a um frio<br />

assassino o motorista embriagado que mata.<br />

Mas, ao mesmo tempo, candente a necessidade<br />

de se encontrar uma fórmula legal para que<br />

aquele que age com tamanha irresponsabi-<br />

4 PIERANGELI, José Henrique. Morte no Trânsito: culpa<br />

consciente ou dolo eventual? São Paulo: Revista Justitia, 2007 –<br />

volume 197. p. 47-63.<br />

5 Remeta-se ao item 2: o causador de acidentes de trânsito<br />

condenado pela prática de homicídio culposo, na condição de<br />

veículo automotor, incorre no art. 302 do <strong>Código</strong> de Trânsito<br />

Brasileiro.<br />

Por fim, nunca é demais recordar<br />

não ser o direito penal o único modo<br />

de enfrentamento da questão<br />

lidade também não se sinta impune e, assim,<br />

incentivado a comportar-se indevidamente<br />

na condução de veículos automotores. Talvez<br />

a criação de uma nova causa de aumento de<br />

pena, a proibição de determinadas penas alternativas<br />

(como fez a Lei “Maria da Penha”, Lei<br />

nº 11.340/2006) ou então a obrigatoriedade<br />

de cumprimento de determinadas sanções<br />

possam fazer frente às necessidades sociais.<br />

Também convém não olvidar a necessidade de<br />

aperfeiçoamento do tipo penal do crime de<br />

perigo de dirigir sob efeito de substâncias embriagantes<br />

(e sua punição efetiva) e a revisão<br />

do entendimento jurisprudencial e doutrinário<br />

sobre o “direito” de não ser colhida prova<br />

da embriaguez ante a recusa do motorista a<br />

soprar o etilômetro (apelidado “bafômetro”)<br />

ou a fornecer sangue, como importantes fatores<br />

preventivos.<br />

Por fim, nunca é demais recordar não ser o<br />

direito penal o único modo de enfrentamento<br />

da questão. Neste caso específico, o aumento<br />

da fiscalização administrativa e, acima de tudo,<br />

a educação, surtirão efeitos benéficos a todos e,<br />

quiçá, com a somatória de todas as providências,<br />

deixe o Brasil de figurar como um dos países<br />

com trânsito mais violentos do mundo, 6 evitando-se<br />

tantas internações, aposentadorias precoces,<br />

gastos de toda ordem e, principalmente<br />

poupando-se milhares de vidas. n<br />

6 Informe sobre la situación mundial de la seguridad vial: es hora de<br />

pasar a la acción. Organização Mundial de Saúde, 2009. p. 12 e<br />

240-247.<br />

Fórum jurídico<br />

85


86 Fórum jurídico<br />

reFlexÃo SoBre<br />

a QueSTÃo urBana<br />

BraSileira<br />

Juliana Somekh 1 é estudante do 7º semestre do curso de<br />

Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;<br />

participou, em 2010, do curso de Regularização Fundiária<br />

de Assentamentos Informais, no Instituto Pólis; atual<br />

pesquisadora do PIBIC-CEPE com a tese “Direito à propriedade<br />

e as políticas urbanas brasileiras: limites e possibilidades”,<br />

sob orientação da Professora Doutora Silvia<br />

Carlos da Silva Pimentel.<br />

1 “Art. 1º, Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei,<br />

denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de<br />

ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade<br />

urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do<br />

bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.<br />

Art. 2 o . A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno<br />

desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade<br />

urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I –<br />

garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o<br />

direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental,<br />

à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos,<br />

ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.”<br />

Lei nº 10.257 de 2001(Estatuto da Cidade).<br />

artigo jUliana somekh<br />

Os instrumentos de políticas urbanas existentes<br />

no ordenamento jurídico brasileiro são consequência<br />

de uma longa luta da população, iniciada na<br />

década de 1960, devido ao surgimento dos problemas<br />

urbanos no Brasil. Aproximadamente quarenta<br />

anos depois, foi promulgada a Lei nº 10.257/2001,<br />

conhecida como Estatuto da Cidade, fruto de muita<br />

negociação e pressão sobre o Congresso Nacional<br />

e o Governo Federal. Esse diploma, regulamentando<br />

o disposto no art. 182 1 da nossa Constituição,<br />

traça diretrizes jurídicas visando consolidar o direito<br />

urbanístico; obter uma gestão democrática das<br />

cidades; instrumentalizar a regularização fundiária<br />

dos assentamentos informais em áreas urbanas municipais;<br />

e estabelecer uma ordem urbana mais justa<br />

e inclusiva nas cidades brasileiras.<br />

Concebe-se, sob a perspectiva filosófica rousseauniana,<br />

2 que a propriedade privada, assim<br />

como as próprias leis, surge em um momento histórico<br />

no qual o homem se vê obrigado a inventar<br />

mecanismos para sobreviver em comunidade, rompendo<br />

com a igualdade e liberdade natural, inerente<br />

a todos os indivíduos. Em tal momento, a autonomia<br />

em relação aos seus semelhantes se desfaz e o homem<br />

passa a evoluir em situação de dependência em<br />

relação a outro homem. Isto é, ao produzir em um<br />

pedaço de terra, que na teoria seria um espaço pertencente<br />

à sociedade, o homem começa a adquirir<br />

frutos e, na intenção de preservar a sua produção dos<br />

demais indivíduos, toma para si aquele espaço físico.<br />

Dessa forma, nasce a necessidade de limitar o que<br />

seria de um e o que seria do outro, não cabendo mais<br />

a possibilidade de existir espaços sociais de produção,<br />

uma vez que o trabalho individual traz o sen-<br />

1 A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público<br />

municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo<br />

ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir<br />

o bem-estar de seus habitantes. Art. 182, Constituição Federal de 1988.<br />

2 Perspectiva extraída, entre outras obras, de: ROUSSEAU,<br />

Jean-Jacques. O Contrato Social. Trad. Pietro Nasseti. Revisado<br />

por Antonio Carlos Marquês. 20ª ed. São Paulo: Martin Claret,<br />

2001. p. 128.


timento de posse. Para viabilizar esta limitação em<br />

uma sociedade que objetiva o estado de paz, e não<br />

de guerra, criam-se leis e estrutura-se um governo.<br />

Em virtude disso, a relação do homem e da<br />

propriedade se concretiza pela produção para<br />

provisão e pela habitação, enquanto o Direito,<br />

ante sua função de organizador da sociedade por<br />

meio de leis, legitima a propriedade privada e respalda<br />

as desigualdades existentes.<br />

No mesmo sentido da concepção de Rousseau, 3<br />

historicamente entende-se que o surgimento da<br />

propriedade urbana precisou ser regulado pelo direito<br />

para que se estabelecesse a organização social.<br />

O desenvolvimento das cidades, na Europa e no<br />

mundo, se deu pela industrialização, uma vez que a<br />

comercialização ocorria de forma mais eficaz nos<br />

polos urbanos. A propriedade urbana aparece, neste<br />

momento, como um ambiente fabril, em que<br />

se objetiva apenas a produção. Os trabalhadores da<br />

época originalmente moravam no campo e se deslocavam<br />

para a cidade somente para trabalhar. No<br />

entanto, a distância de um local para o outro se tornou<br />

inviável enquanto percurso diário, obrigando<br />

os trabalhadores, com suas famílias, a se mudarem<br />

para os polos urbanos. Foi então que as propriedades<br />

urbanas, além de servirem para produção,<br />

passaram a convir também para o fim habitacional.<br />

No Brasil, a questão da propriedade seguiu lógica<br />

semelhante. No período colonial, a divisão das<br />

sesmarias possibilitou a criação de grandes latifúndios.<br />

Contudo, a não demarcação de tais terrenos<br />

obrigou a Coroa Portuguesa a criar uma legislação<br />

que estabelecesse e delimitasse os territórios e seus<br />

respectivos proprietários. Como resultado, surgiu<br />

a Lei de Terras, em 1850, a primeira lei a disciplinar<br />

a questão da propriedade em nosso país, a qual<br />

inaugurou a relação entre Direito e propriedade,<br />

até então inexistente na região.<br />

3 ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos<br />

da desigualdade entre os homens.<br />

Em 1930, inicia-se um período de industrialização<br />

e desenvolvimento dos polos urbanos<br />

nacionais e, consequentemente, a necessidade de<br />

uma legislação que regulasse o domínio das propriedades<br />

urbanas . Durante os 30 anos que se seguiram,<br />

o Estado foi omisso, não afetando, porém,<br />

o ritmo do desenvolvimento industrial, de modo<br />

que o fluxo de trabalhadores para as cidades continuava,<br />

como forma de aproximação dos locais<br />

de trabalho, lazer, estudo e saúde.<br />

No início da década de 1960, setores sociais<br />

passaram a se mobilizar na tentativa de mudar a<br />

realidade das cidades brasileiras. Em 1963, o Instituto<br />

dos Arquitetos do Brasil propôs ao Congresso<br />

Nacional uma reforma urbana, que, no<br />

entanto, foi temporariamente inviabilizada, devido<br />

ao golpe militar em 1964.<br />

(...) Enquanto o direito, ante<br />

sua função de organizador da<br />

sociedade por meio de leis, legitima<br />

a propriedade privada e respalda as<br />

desigualdades existentes<br />

Em virtude do desenvolvimento econômico,<br />

houve exponencial crescimento populacional<br />

nas cidades, o que acarretou o surgimento de<br />

favelas, assentamentos urbanos, cortiços, conjuntos<br />

habitacionais e loteamentos periféricos,<br />

degradando o meio ambiente e deteriorando a<br />

qualidade de vida nas cidades.<br />

Na década de 1980, diante da abertura política<br />

lenta e gradual, os temas da reforma urbana<br />

ressurgiram, com o intuito de modificar o perfil<br />

excludente que se configurava nas cidades brasileiras,<br />

clarividente pela precariedade na habitação,<br />

no transporte, na ocupação do solo urbano e<br />

Fórum jurídico<br />

87


saneamento básico, consequência clara da omissão<br />

do Poder Público.<br />

O Poder Constituinte Originário de 1988,<br />

tomando por base, enfim, a noção da função social<br />

da propriedade, cria o capítulo “Da Política<br />

Urbana”, da Constituição Federal, visando assegurar<br />

a valorização imobiliária; proteger, recuperar<br />

e preservar o meio ambiente; dar acesso à<br />

moradia para todos; distribuir de forma justa os<br />

ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização;<br />

e promover a regularização fundiária<br />

e a urbanização das áreas ocupadas por população<br />

de baixa renda.<br />

muitos não entendem a dimensão<br />

dos problemas urbanos ou mesmo as<br />

possibilidades que o direito oferece<br />

para a resolução deste ponto<br />

O art. 182, desse capítulo, reza a necessidade<br />

de diretrizes fixadas em lei para a execução da<br />

política de desenvolvimento urbano, tendo por<br />

escopo “ordenar o pleno desenvolvimento das<br />

funções sociais da cidade e garantir o bem-estar<br />

de seus habitantes”. 4<br />

Assim, sob a vigência da Constituição Cidadã,<br />

organizou-se o Fórum Nacional da Reforma<br />

Urbana, visando dar continuidade ao debate<br />

com o Congresso Nacional e regulamentar o<br />

capítulo das políticas urbanas mediante legislação<br />

competente.<br />

Doze anos depois, em 2001, a Lei nº 10.257<br />

é promulgada, mais conhecida como Estatuto<br />

da Cidade. Trata-se da lei que regula o capítulo<br />

referente às políticas urbanas da Carta Suprema,<br />

4 Art. 182, CF/88.<br />

88 Fórum jurídico<br />

artigo jUliana somekh<br />

determinando as diretrizes para o seu desenvolvimento<br />

no que tange à União, aos Estados<br />

e aos Municípios, objetivando, com isso, a garantia<br />

da função social da propriedade urbana<br />

e da cidade. Além disso, disciplina o desenvolvimento<br />

de gestões democráticas nas cidades e<br />

o direito a cidades sustentáveis, com o fito de<br />

assegurar o bem-estar dos cidadãos, a segurança<br />

e o bem coletivo. 5<br />

5 Art. 2º da Lei 10.257 de 2001. Estatuto da Cidade: “Art. 2 o A política<br />

urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da<br />

cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia<br />

do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana,<br />

à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e<br />

aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;<br />

II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações<br />

representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e<br />

acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;<br />

III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores<br />

da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;<br />

IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da<br />

população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área<br />

de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano<br />

e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; V – oferta de equipamentos<br />

urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e<br />

necessidades da população e às características locais; VI – ordenação e controle do<br />

uso do solo, de forma a evitar (...); VII – integração e complementaridade entre<br />

as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico<br />

do Município e do território sob sua área de influência; VIII – adoção<br />

de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana<br />

compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica<br />

do Município e do território sob sua área de influência; IX – justa distribuição<br />

dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; X – adequação<br />

dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos<br />

públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os<br />

investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes<br />

segmentos sociais; XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que<br />

tenha resultado a valorização de imóveis urbanos; XII – proteção, preservação<br />

e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural,<br />

histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; XIII – audiência do Poder<br />

Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de<br />

empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o<br />

meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população;<br />

XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população<br />

de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização,<br />

uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da<br />

população e as normas ambientais; XV – simplificação da legislação de parcelamento,<br />

uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir<br />

a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;<br />

XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção<br />

de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido<br />

o interesse social.”


Desde a promulgação do Estatuto da Cidade, em<br />

2001, tem-se priorizado a popularização das políticas<br />

urbanas, buscando concretizar o que se encontra<br />

previsto na legislação, de modo a inserir a população<br />

no processo de efetivação.<br />

O problema é que as questões urbanas, sociais<br />

e ambientais, que afetam a vida da maioria<br />

dos brasileiros que vivem em cidades, não foram<br />

supridas com o surgimento normativo de instrumentos<br />

e políticas urbanas em nossa Constituição,<br />

ou mesmo com a criação do Estatuto<br />

da Cidade e programas do Poder Executivo, tais<br />

como o “Minha Casa, Minha Vida”.<br />

Segundo publicação de estatística do IBGE,<br />

6% (seis por cento) da população brasileira vive<br />

em ocupações irregulares, sendo as cidades brasileiras<br />

da região Sul e Sudeste as que mais concentram<br />

domicílios nesta condição. Assim, tem-<br />

-se que as metrópoles brasileiras, em sua maioria,<br />

permanecem cercadas por habitações irregulares,<br />

que degradam o meio ambiente e, ainda,<br />

colocam a vida de pessoas em perigo por serem<br />

construídas em áreas de risco. 6 O Poder Público<br />

não tem apenas o dever de regulamentar as normas<br />

de relevância social, como deve, também,<br />

atuar de forma a cumprir o que essas normas<br />

propõem, tendo em vista que a política urbana<br />

perde sua razão de ser se não é adimplida.<br />

Os fenômenos contemporâneos da globalização,<br />

do crescimento populacional e do desenvolvimento<br />

urbano mundial nos levam à inevitável<br />

reflexão acerca da necessidade de uma reforma<br />

urbana no Brasil. É realmente importante entender<br />

o Estatuto da Cidade e as políticas urbanas<br />

brasileiras para que o Direito Urbanístico se desenvolva<br />

e promova o bem-estar social.<br />

Ainda que tenha ganhado espaço no ordenamento<br />

jurídico brasileiro, a questão urbana precisa<br />

6 Site consultado: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/<br />

noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=2057&id_pagina=1<br />

Acesso em 12 de fevereiro de 2012.<br />

ser ainda muito estudada e trabalhada, para que a<br />

parcela da população em condições habitacionais<br />

subumanas, em áreas de proteção ambiental e de<br />

risco social, seja amparada por nossa legislação e tenha<br />

garantido seu direito fundamental.<br />

Uma das formas de se trabalhar esta questão seria<br />

com a inclusão de tal disciplina na grade obrigatória<br />

das faculdades de Direito do nosso país, já que<br />

muitos não entendem a dimensão dos problemas<br />

urbanos ou mesmo as possibilidades que o Direito<br />

oferece para a resolução deste ponto.<br />

As dificuldades existentes não impedem que<br />

profissionais das mais diversas áreas atuem de forma<br />

a concretizar a legislação vigente para assegurar os<br />

direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros, conferindo<br />

sentido sociológico ao Direito Urbanístico. 7<br />

A luta para que o Poder Público deixe de ser<br />

omisso não cessou e muito menos as ações sociais. A<br />

esperança de mudanças e inclusão social continuará,<br />

bem como a de mobilização da coletividade.<br />

“Mas ele diz: ‘Livre-se desses pensamentos sombrios’,<br />

E se livra desses pensamentos sombrios.<br />

E o que poderia dizer,<br />

E o que poderia fazer<br />

De melhor?”<br />

Robert Desnos. n<br />

7 Ferdinand LASSALLE. O que é uma Constituição?<br />

Fórum jurídico<br />

89


90 Fórum jurídico<br />

um DireiTo penal<br />

Do inimigo envolTo<br />

em conTrovÉrSiaS<br />

Natália Pincelli é estudante do 5º semestre do Curso de<br />

Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.<br />

Monitora em Direito Penal do Professor Doutor Gustavo<br />

Octaviano Diniz Junqueira<br />

artigo natália PinCelli<br />

Entre as inúmeras ramificações proporcionadas<br />

pelo ordenamento jurídico, o Direito Penal é<br />

aquela que interfere de maneira mais agressiva na<br />

regulação da vida em sociedade – nas palavras de<br />

Rogério Greco, “com o direito penal, objetiva-<br />

-se tutelar os bens que, por serem extremamente<br />

valiosos, não do ponto de vista econômico, mas<br />

sim político, não podem ser suficientemente protegidos<br />

pelos demais ramos do Direito”. 1 Assim,<br />

o conceito moderno de direito penal representa,<br />

acima de tudo, um escudo de direitos do indivíduo<br />

contra o Estado. Pode-se exemplificar a<br />

relevância desse escudo protetivo através do<br />

<strong>Código</strong> Penal Brasileiro, que, logo em seu art.<br />

1º, não traz o conceito de crime, mas limita o<br />

poder do Estado ao determinar que “Não há<br />

crime sem lei anterior que o defina. Não há<br />

pena sem prévia cominação legal”. A Constituição<br />

Federal do Brasil de 1988 faz esta mesma<br />

previsão no art. 5°, XXXIX.<br />

Duas das principais correntes na evolução<br />

do Direito Penal são as escolas Clássica e Positiva.<br />

Se, por um lado, a escola Clássica possui<br />

inspiração iluminista (o que abrange, inclusive,<br />

a existência de um contrato social) e analisa a<br />

pena enquanto uma resposta da ordem jurídica<br />

ao ato do criminoso, por outro lado, a escola<br />

Positiva faz do Direito uma ciência, interpreta<br />

a pena como um instrumento de defesa social,<br />

além de ser responsável pelo desenvolvimento<br />

da criminologia, disciplina que estuda, a partir<br />

de um enfoque no criminoso, o crime, o delinquente,<br />

a vítima e o controle social dos delitos<br />

– conforme define Zaffaroni, a “criminologia<br />

é a disciplina que estuda a questão criminal do<br />

ponto de vista biopsicossocial”. 2 Da tensão en-<br />

1 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 13ª<br />

ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011. p. 2.<br />

2 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique.<br />

Manual de Direito Penal Brasileiro, Volume 1 – Parte Geral.<br />

9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p.144.


tre essas duas escolas, surgiram diversos movimentos<br />

da política criminal, entre eles o Direito<br />

Penal do Inimigo.<br />

A origem do Direito Penal do Inimigo é incerta.<br />

Contudo, Thomas Hobbes pode ser considerado<br />

como um dos principais precursores deste<br />

movimento. Em sua obra consagrada, Leviatã,<br />

Hobbes traçou o perfil do inimigo como sendo<br />

aquele que desrespeita o soberano. 3 Dessa forma,<br />

quem atenta contra o governante coloca-se fora<br />

do pacto social firmado e, em decorrência disso,<br />

não se fala em penas, mas em uma completa submissão<br />

dos considerados inimigos.<br />

Além da definição elaborada por Hobbes, outros<br />

autores propuseram-se, ao longo da história,<br />

a demarcar com clareza o conceito de inimigo<br />

– citam-se Immanuel Kant 4 e Carl Schmitt. 5 Todavia,<br />

destaca-se, entre eles, Günther Jakobs, 6 a<br />

quem se pode atribuir a principal tese sobre o<br />

conceito de Direito Penal do Inimigo.<br />

Para desenvolver sua teoria, Jakobs parte da diferenciação<br />

entre cidadão e inimigo. 7 Trata-se de<br />

duas esferas distintas dentro de uma mesma realidade<br />

penal, as quais dificilmente se manifestam<br />

em seu estado puro. Em linhas gerais, cidadão é<br />

o indivíduo considerado como parte integrante<br />

de um contrato social firmado. O inimigo, por<br />

sua vez, é aquele que se coloca às margens do Di-<br />

3 HOBBES, Thomas. Leviatã ou a Matéria, forma e poder de<br />

um estado eclesiástico e civil. 1ª ed. São Paulo: Editora Martins<br />

Fontes, 2003. p. 260.<br />

4 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal.<br />

2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007. p. 128. Vide, também,<br />

o capítulo Alguns esboços jusfilosóficos do livro Direito Penal do<br />

Inimigo – Noções e críticas.<br />

5 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal.<br />

2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007. p. 136 e 137.<br />

6 Ao longo da obra Direito Penal do Inimigo – Noções e críticas,<br />

Jakobs discorre, juntamente com Meliá, sobre os pormenores<br />

da teoria do Direito Penal do Inimigo.<br />

7 Desde o início de sua obra Direito Penal do Inimigo – Noções<br />

e críticas, Jakobs atenta para a diferenciação, inclusive terminológica,<br />

entre cidadãos e inimigos, explicitando, entre outras<br />

coisas, a existência de dois Direitos Penais distintos voltados para<br />

cada um deles.<br />

reito e não oferece garantias de que obedecerá<br />

às normas do contrato. Para Jakobs, são inimigos,<br />

por exemplo, os terroristas, os autores de crimes<br />

sexuais e os delinquentes organizados.<br />

Por se encontrar fora da esfera dos cidadãos,<br />

o inimigo não é juridicamente tratado enquanto<br />

pessoa, mas sim como fonte de perigo – “Ele só<br />

é considerado sob o aspecto de ente perigoso ou<br />

daninho”. 8 A justificativa para tal premissa é o<br />

fato de que o inimigo não oferece qualquer segurança<br />

de que conduzirá seus comportamentos<br />

pessoais em coerência com o Direito e, consequentemente,<br />

“não só não pode esperar ser tratado<br />

ainda como pessoa, mas o Estado não deve<br />

tratá-lo como pessoa, já que do contrário vulneraria<br />

o direito à segurança das demais pessoas”. 9<br />

o inimigo não é juridicamente<br />

tratado enquanto pessoa, mas<br />

sim como fonte de perigo<br />

Três grandes características podem ser apontadas<br />

no tocante ao Direito Penal do inimigo. Em<br />

primeiro lugar, cita-se a possibilidade de adiantamento<br />

da punibilidade, o que é incomum, tendo<br />

em vista que, geralmente, o Direito Penal recai<br />

sobre ato já provocado pelo sujeito. Em segundo<br />

lugar, tem-se a desproporcionalidade das penas.<br />

Finalmente, o terceiro viés do movimento é a<br />

relativização e, até mesmo, a supressão de garantias<br />

processuais. Desse modo, o Direito Penal do<br />

Inimigo constitui-se de elevadas penas e mínimas<br />

garantias individuais.<br />

8 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal.<br />

2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007. p. 18.<br />

9 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal<br />

do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do<br />

Advogado Editora, 2010. p. 40.<br />

Fórum jurídico<br />

91


92 Fórum jurídico<br />

artigo<br />

Ao contrário do que ocorre com o Direito<br />

Penal destinado ao cidadão, o qual deve ser<br />

respeitado e a quem devem ser disponibilizadas<br />

todas as garantias processuais, o Direito Penal<br />

do Inimigo é destinado apenas aos que atentam<br />

permanentemente contra o Estado e que, por<br />

isso, serão expostos à coação física.<br />

Justamente por pregar uma forte intervenção<br />

penal em favor do cidadão, que faz parte do con-<br />

o direito Penal de periculosidade<br />

sustenta que o homem não é<br />

livre para realizar suas escolhas:<br />

ele é determinado<br />

trato social, o Direito Penal do Inimigo enseja<br />

inúmeras controvérsias, a começar pela própria<br />

denominação do movimento, a qual, segundo<br />

as palavras de Luis Gracia Martín, “suscita ya en<br />

cuanto se pronuncia determinados prejuicios<br />

motivados por la indudable carga ideológica y<br />

emocional del término enemigo”. 10 11 Jakobs categoricamente<br />

afirma logo no início de Direito<br />

Penal do Inimigo – Noções e críticas que a denominação<br />

utilizada não pretende, sempre que citada,<br />

soar pejorativa; 12 entretanto, o termo inimigo<br />

por si só já conduz a uma rejeição emocional<br />

por parte da sociedade no tocante aos excluídos<br />

da esfera cidadã.<br />

10 MARTÍN, Luis Gracia. Consideraciones Críticas Sobre el<br />

Actualmente Denominado “Derecho Penal del Enemigo”. Revista<br />

Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, 2005. p. 3.<br />

11 Tradução livre: “Suscita já quando se pronuncia determinados<br />

preconceitos motivados pela indubitável carga ideológica e<br />

emocional do termo inimigo”.<br />

12 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal<br />

do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do<br />

Advogado Editora, 2010. p. 21.<br />

natália PinCelli<br />

Faz-se notório ressaltar que o verdadeiro Direito<br />

Penal encontra-se vinculado à Constituição<br />

Democrática de cada Estado, 13 uma vez que<br />

se propõe a proteger os bens jurídicos de maior<br />

relevância para a convivência em sociedade. Assim<br />

sendo, as críticas relativas ao Direito Penal<br />

do Inimigo somente podem ser observadas em<br />

Estados que admitam, no texto constitucional, a<br />

associação entre Direito Penal e defesa de garantias<br />

individuais.<br />

Isso porque, nos governos ditos totalitários,<br />

a legislação como um todo já é articulada com<br />

base na guerra contra os inimigos – meramente<br />

são reconhecidos possíveis dispositivos de<br />

coação. Os regimes democráticos, por sua vez,<br />

são formados, também, por direitos e garantias<br />

fundamentais, de modo que a denominação<br />

“Direito Penal do Cidadão” torna-se um pleonasmo.<br />

No contexto de um Estado Democrático,<br />

o Direito Penal do Inimigo pode, então, ser<br />

visto como contraditório, porque representa<br />

um “não direito”, contrapondo-se, portanto, às<br />

garantias fundamentais existentes em um regime<br />

não totalitário. 14<br />

Em relação às características principais do Direito<br />

Penal do Inimigo, podem-se atribuir críticas<br />

severas, quando analisadas sob o prisma da<br />

proteção de direitos individuais e da proporcionalidade<br />

entre pena e delito.<br />

O Direito Penal do Inimigo não rejeita a ideia<br />

de penas desproporcionais. Ao inimigo, identificado<br />

“mediante a atribuição de perversidade, me-<br />

13 GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo (ou Inimigos do<br />

Direito Penal). Revista Jurídica Unicoc, Ano II, nº 2, 2005. p. 3.<br />

14 Ao contrário do que ocorre em regimes totalitários, nos<br />

Estados Democráticos de Direito, caracterizados, também, por<br />

serem regulados por uma Constituição, os cidadãos são titulares de<br />

direitos individuais, inclusive políticos, oponíveis ao próprio Estado<br />

(SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4ª ed.,<br />

10ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 49-54). Assim<br />

sendo, o Direito Penal do Inimigo, enquanto movimento que<br />

relativiza certos direitos individuais, só fará sentido dentro de um<br />

Estado que não só preveja como, também, resguarde tais direitos.


diante sua demonização”, 15 aplica-se uma pena<br />

cujo significado não resulta apenas de uma contradição<br />

fática, mas, também, de guerra a fim de<br />

garantir a segurança diante dos inimigos.<br />

Nesse sentido, é estabelecida uma polêmica<br />

entre o Direito Penal do Inimigo e o Direito<br />

Penal do Estado de Direito. Enquanto este prega<br />

a proporção entre a aplicação da pena e o delito<br />

praticado, aquele se caracteriza pela defesa<br />

de penas desproporcionais, com base no perigo<br />

apresentado pelo indivíduo.<br />

O Direito Penal do Estado de Direito, corretamente,<br />

propõe seja feita uma ponderação entre<br />

o bem lesionado e o bem de que alguém possa<br />

ser privado a fim de que o delito cometido tenha,<br />

efetivamente, uma relação valorativa com a pena.<br />

Deve-se, portanto, buscar a proporcionalidade, o<br />

que não é almejado pelo Direito Penal do Inimigo.<br />

No âmbito da defesa de direitos fundamentais<br />

ao indivíduo, ressalta-se que ao inimigo não<br />

se reconhecem garantias penais e processuais<br />

– principalmente o direito ao devido processo<br />

legal. Trata-se o inimigo com inferioridade e<br />

desvaloriza-se a dignidade da pessoa humana.<br />

“Pessoa humana”, a princípio, pode soar como<br />

uma expressão pleonástica, porém, acaba por expressar<br />

com clareza o fato de cada ser humano<br />

carregar consigo a dignidade da humanidade inteira.<br />

Nega-se, ao inimigo, a condição de pessoa,<br />

negando-lhe, por conseguinte, sua dignidade.<br />

O Direito Penal do Inimigo é posto sob questionamento,<br />

ademais, pelo fato de que, nele, as penas<br />

surgem como solução/remédio para aniquilar<br />

o inimigo. A imputação do cidadão será feita com<br />

base no princípio acusatório a partir de todas as<br />

garantias processuais, enquanto a imputação do<br />

inimigo será feita com base no princípio inquisi-<br />

15 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal<br />

do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do<br />

Advogado Editora, 2010. p. 97.<br />

tório. 16 Nesse sentido: “O duplo sistema de imputação<br />

de Jakobs 17 suprime seculares garantias<br />

constitucionais do Estado Democrático de Direito,<br />

como expressamente propõe: o processo contra<br />

o inimigo não precisa ter forma de justiça”. 18<br />

Cabe, neste momento, tecer algumas considerações<br />

sobre a distinção entre Direito Penal do<br />

autor e Direito Penal de ato, devido à sua notória<br />

relevância para a compreensão do Direito Penal<br />

do Inimigo. Para isso, convém aprofundar a distinção<br />

entre o Direito Penal de culpabilidade e o<br />

Direito Penal de periculosidade.<br />

A culpabilidade representa a reprovabilidade<br />

de uma conduta. Trata-se de um conceito graduável<br />

segundo o qual a pena é uma espécie de<br />

pagamento. De acordo com essa concepção de<br />

Direito Penal, o sujeito tem liberdade de escolha<br />

e, portanto, o limite da pena é o grau da culpabilidade<br />

– “O direito penal de culpabilidade é<br />

aquele que concebe o homem como pessoa”. 19<br />

O Direito Penal de periculosidade, por sua vez,<br />

sustenta que o homem não é livre para realizar<br />

suas escolhas: ele é determinado e, nessa hipótese,<br />

não se fala em culpabilidade. Para a determinação<br />

16 O princípio inquisitório é aquele marcado pela presença de<br />

variadas formas de coação. Assim sendo, com base nesse princípio “o<br />

Estado elimina direitos de modo juridicamente ordenado” (JAKOBS,<br />

Günther; MELIÁ, Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas.<br />

4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 38).<br />

17 O duplo sistema de imputação descrito por Jakobs se caracteriza<br />

por uma polarização no Direito Processual Penal. Tem-se,<br />

de um lado, uma espécie de imputado, comumente referido como<br />

sujeito processual, permeado por todas as garantias processuais. Em<br />

contrapartida, há outro tipo de imputado, o qual estará sujeito à<br />

coação e a quem serão relativizadas e, até mesmo, derrogadas certas<br />

garantias processuais – cita-se, como exemplo, a supressão do direito<br />

de um preso contatar seu defensor (JAKOBS, Günther; MELIÁ,<br />

Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas. 4ª ed. Porto<br />

Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 38).<br />

18 DOS SANTOS, Juarez Cirino. O Direito Penal do Inimigo<br />

– ou O Discurso do Direito Penal Desigual, pesquisado no site<br />

www.cirino.com.br, acesso em 30 de dezembro de 2011. p. 11.<br />

19 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique.<br />

Manual de Direito Penal Brasileiro, Volume 1 – Parte Geral. 9ª ed.<br />

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 108.<br />

Fórum jurídico<br />

93


94 Fórum jurídico<br />

artigo<br />

da pena, que, nesse caso, significa ressocialização, 20<br />

considerar-se-á, apenas, o grau de determinação<br />

do sujeito na prática do delito ou, em outras palavras,<br />

o grau de periculosidade.<br />

Embora não haja uma definição incontestável,<br />

pode-se dizer que o Direito Penal do autor, em<br />

oposição ao Direito Penal de ato, o qual pune o<br />

autor por aquilo que ele faz, “é uma corrupção<br />

do direito penal, em que não se proíbe o ato em<br />

si, mas o ato como manifestação de uma ‘forma<br />

de ser’ do autor, esta sim considerada verdadeiramente<br />

delitiva”. 21 Conforme previu a escola<br />

Positiva, o autor é um ser inferior e seu delito,<br />

apenas fruto de sua má condução de vida.<br />

A punição dos inimigos por antecipação, de<br />

acordo com sua periculosidade, retoma a ideia de<br />

criminalização com base na análise do perigo que<br />

o inimigo pode representar. Tem-se uma “aplicação<br />

antecipada de pena como segurança para<br />

impedir fatos futuros”. 22 Argumenta-se que esse<br />

Direito Penal prospectivo, em substituição ao retrospectivo,<br />

fere o princípio da culpabilidade.<br />

Tal princípio apresenta, ao menos, três significados.<br />

O primeiro deles diz respeito à análise<br />

da possibilidade de censura quanto ao fato praticado;<br />

o segundo refere-se à medição da sanção<br />

penal; finalmente, o terceiro representa uma<br />

imposição da subjetividade da responsabilidade<br />

penal, ou seja, não há conduta sem que haja dolo<br />

ou culpa por parte do agente.<br />

Ao se optar pela aplicação antecipada da pena,<br />

não há como analisar a possibilidade de censura<br />

20 Conforme explica Zaffaroni, no Direito Penal de periculosidade<br />

“a pena ressocializa neutralizando a periculosidade” (ZAFFARONI,<br />

Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito<br />

Penal Brasileiro, Volume 1 – Parte Geral. 9ª ed. São Paulo: Editora<br />

Revista dos Tribunais, 2011. p. 108 (tabela comparativa).<br />

21 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique.<br />

Manual de Direito Penal Brasileiro, Volume 1 – Parte Geral. 9ª ed.<br />

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 110.<br />

22 DOS SANTOS, Juarez Cirino. O Direito Penal do Inimigo<br />

– ou O Discurso do Direito Penal Desigual, pesquisado no site<br />

www.cirino.com.br, acesso em 30 de dezembro de 2011. p. 8.<br />

natália PinCelli<br />

do ato praticado, visto que este ato sequer foi<br />

consumado. Dessa forma, tanto a medição da<br />

sanção quanto a imposição da subjetividade da<br />

responsabilidade se tornam impossibilitadas. Em<br />

decorrência de não se punir a culpabilidade do<br />

agente, pena e medida de segurança deixam de<br />

ser realidades distintas e passam a se confundir.<br />

O Direito Penal do Inimigo é, portanto, um Direito<br />

Penal de periculosidade e, consequentemente,<br />

manifestação do direito penal do autor. Daí, o<br />

questionamento da legitimidade desse movimento<br />

da política criminal atual. A partir da punição com<br />

base na personalidade do agente, permite-se uma<br />

nova demonização, reproduzindo Manuel Cancio<br />

Meliá, 23 de determinados grupos de delinquentes.<br />

Condena-se, primeiramente, a atitude interna<br />

corrompida do agente, sendo o delito apenas um<br />

espelho, um reflexo da pessoa do infrator.<br />

Há, dessa forma, a possibilidade de criminalização<br />

de determinado modo de vida sem<br />

a necessidade de ocorrência de um delito. Ao<br />

substituir o grau de culpabilidade pelo grau de<br />

periculosidade, esse movimento, difundido por<br />

Jakobs, não só afronta o princípio da legalidade<br />

(ao permitir a punição de atos anteriores alheios<br />

ao delito) como, também, contamina o princípio<br />

da dignidade da pessoa humana, já que é negada<br />

ao inimigo a própria condição de pessoa.<br />

O Direito Penal do Inimigo, sem dúvida, admite<br />

a possibilidade de condutas arbitrárias e imprevisíveis<br />

por parte dos Poderes Executivo e Judiciário,<br />

visto que apenas o modo de condução de vida de<br />

um sujeito pode levar a punições sem a necessidade<br />

de que haja ocorrido, de fato, um delito que<br />

ensejasse a condenação do agente. Vale dizer, condutas<br />

de natureza arbitrária e imprevisível podem<br />

ser consideradas, também, irracionais, no sentido<br />

de que deve prevalecer a definição tripartida de<br />

23 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal<br />

do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do<br />

Advogado Editora, 2010. p. 97.


crime, segundo a qual apenas é crime o fato típico,<br />

antijurídico e culpável. 24 Assim, a punição com<br />

a ausência de delito é capaz de acarretar uma incriminação<br />

vaga e indeterminada, colocando em<br />

risco o Estado Democrático de Direito, de forma a<br />

regredirmos ao Estado-Polícia.<br />

Das acentuadas controvérsias sobre o Direito<br />

Penal do Inimigo aqui expostas, conclui-se que<br />

as polêmicas acerca do tema ainda não se finalizaram.<br />

Jakobs sustenta a institucionalização desse<br />

movimento, resguardando a divisão entre cidadãos<br />

e inimigos a fim de que estes últimos possam<br />

ser impedidos, mediante coação, de destruir o ordenamento<br />

jurídico. 25 Em contrapartida, muitas<br />

são as alegações no sentido de que “nesse modelo<br />

processual penal inexiste atividade cognitiva de<br />

um julgador imparcial, consubstanciada na verificação<br />

empírica de fatos concretos”, 26 de modo<br />

que se determinadas garantias ao devido processo<br />

legal são limitadas e, até mesmo, suprimidas para o<br />

24 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral.<br />

13ª ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011. p. 141.<br />

25 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal<br />

do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do<br />

Advogado Editora, 2010. p. 40.<br />

26 MALAN, Diogo Rudge. Processo Penal do Inimigo. Revista<br />

Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 59, 2006. p. 26.<br />

cabe aos magistrados o papel de<br />

controlar a seletividade arbitrária<br />

do processo penal para que<br />

o direito Penal do autor não se<br />

manifeste em sua plenitude<br />

inimigo, “então o Estado Democrático de Direito<br />

está sendo deslocado pelo estado policial”. 27<br />

Cabe, então, aos magistrados o papel de controlar<br />

a seletividade arbitrária do processo penal<br />

para que o Direito Penal do autor não se manifeste<br />

em sua plenitude. Sabe-se que, na prática,<br />

o Direito Penal de ato também não se realiza de<br />

maneira completa em nenhum lugar. Espera-se,<br />

porém, que os operadores do direito tenham discernimento<br />

para limitar ao máximo, mediante<br />

aplicação da racionalidade, a punição baseada no<br />

modo de ser do agente a fim de que não se enxovalhe<br />

o valor da dignidade humana. n<br />

27 DOS SANTOS, Juarez Cirino. O Direito Penal do Inimigo<br />

– ou O Discurso do Direito Penal Desigual, pesquisado no site<br />

www.cirino.com.br, acesso em 30 de dezembro de 2011. p. 20.<br />

Referências bibliográficas<br />

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed., 1ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 1994.<br />

BRUNO, Aníbal. Direito Penal – Parte Geral. 2ª ed., Tomo 1º. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1959.<br />

DOS SANTOS, Juarez Cirino. O Direito Penal do Inimigo – ou O Discurso do Direito Penal Desigual, pesquisado no site www.<br />

cirino.com.br, acesso em 30 de dezembro de 2011.<br />

GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo (ou Inimigos do Direito Penal). Revista Jurídica Unicoc, Ano II, nº 2, 2005.<br />

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 13ª ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011.<br />

HOBBES, Thomas. Leviatã ou a Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 1ª ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003.<br />

JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado<br />

Editora, 2010.<br />

MALAN, Diogo Rudge. Processo Penal do Inimigo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 59, 2006.<br />

MARTÍN, Luis Gracia. Consideraciones Críticas Sobre el Actualmente Denominado “Derecho Penal del Enemigo”. Revista<br />

Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, 2005.<br />

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4ª ed., 10ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.<br />

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007.<br />

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, Volume 1 – Parte Geral. 9ª ed. São<br />

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.<br />

Fórum jurídico<br />

95


96 Fórum jurídico<br />

alUnos<br />

beatriz bUlla<br />

o direito enquanto veículo:<br />

a trajetória de uma<br />

A questão multidisciplinar<br />

da Faculdade de direito<br />

revela a dispensabilidade<br />

do bacharel estar adstrito<br />

a togas e gravatas<br />

jornalista<br />

isabELa oLiVa Cassará E CLara ProCE PiNto sErVa<br />

É notório que grandes juristas<br />

são objeto de admiração<br />

dos estudantes de Direito.<br />

Contudo, essa não é a trilha<br />

de todos os futuros bacharéis,<br />

uma vez que o curso abre um<br />

leque de possibilidades. Estudante<br />

do 7º semestre de Direito<br />

da PUC-SP, Beatriz Bulla é<br />

uma das poucas de sua sala que<br />

não têm o Exame de Ordem<br />

da OAB como grande meta. A<br />

jornalista recém-formada pela<br />

Faculdade Cásper Líbero vê<br />

relação entre os princípios básicos<br />

do Direito e o mundo do<br />

jornalismo. Mais do que profissionalmente,<br />

pretende usar<br />

seus conhecimentos jurídicos<br />

como cidadã.<br />

Esta seção pretende mostrar<br />

a atuação de alunos da<br />

gradua ção na formação de<br />

suas carreiras, relatando seus<br />

caminhos e motivações ao se<br />

iniciar profissionalmente.<br />

Beatriz, personagem desta<br />

primeira edição, esbarrou no<br />

Direito no meio de sua carrei-<br />

ra como jornalista. A jovem de<br />

21 anos estagiou por um ano<br />

no site jurídico Última Instância<br />

e, com mais três colegas do<br />

portal, escreveu o livro Justiça<br />

no Trabalho – 70 anos de direitos,<br />

obra publicada pela Alameda<br />

Casa Editorial em dezembro<br />

de 2011. No mesmo mês, ela<br />

terminou a faculdade de Jornalismo,<br />

o 6º semestre de Direito<br />

e o Curso Intensivo de<br />

Jornalismo Aplicado do jornal<br />

O Estado de São Paulo – um<br />

misto de extensão universitária<br />

e treinamento profissional.<br />

o Dia a Dia<br />

A rotina, como é de se supor,<br />

não era das mais tranquilas.<br />

“Acho que só fui capaz de<br />

continuar porque eu sentia<br />

prazer em tudo o que fazia”,<br />

relata. Relembrando o cansaço,<br />

conta que conciliar o<br />

treinamento no Estadão com<br />

as duas faculdades e o trabalho<br />

de conclusão do curso de


Jornalismo – um documentário<br />

de 50 minutos – foi “quase<br />

um atestado de insanidade”.<br />

“Prometi para mim mesma<br />

nunca mais assumir tanta coisa<br />

em pouco tempo. Mas sei que<br />

isso dura só até o próximo desafio”,<br />

confessa.<br />

DoiS munDoS<br />

Beatriz Bulla iniciou a faculdade<br />

de Direito quando<br />

entrava no segundo ano de<br />

Jornalismo. “Comecei a cursar<br />

Jornalismo com 17 anos e<br />

me encontrei. E me encantei.<br />

Sabia que aquela era a minha<br />

profissão, mas achava que a<br />

faculdade de Jornalismo seria<br />

muito genérica”. Unindo<br />

a vontade de se aprofundar<br />

em algum assunto com o interesse<br />

por política, decidiu<br />

estudar Direito. “Continuei<br />

com as duas faculdades porque<br />

entendo a relação dos ensinamentos<br />

de Direito com a<br />

política e passei a ver nos jornais<br />

matérias que, de alguma<br />

forma, passavam pelo Direito<br />

Administrativo, Penal, Constitucional”,<br />

diz. O Direito<br />

não só supriu seu anseio por<br />

aprofundamento, como também<br />

ampliou suas opções de<br />

trabalho. Bia, como gosta de<br />

ser chamada, acredita que a<br />

segunda faculdade ajudaria na<br />

construção de sua carreira em<br />

qualquer área, enriquecendo<br />

sua formação como cidadã.<br />

“O Direito ajuda a relativizar<br />

e refletir as questões humanas,<br />

equilibrando pontos de<br />

vista”, afirma.<br />

Ela relata que as duas áreas<br />

se assemelham no que se refere<br />

ao instrumento de trabalho<br />

(o “poder da palavra”, como<br />

gosta de chamar) e na relação<br />

com pessoas. Destaca ainda<br />

a necessidade em ambos de<br />

sempre haver contraditório.<br />

Contudo, mesmo com as relações<br />

existentes, Bia enfrenta<br />

a conciliação de dois univer-<br />

arqUivo fórUm JUrídico<br />

Beatriz Bulla:<br />

estudante do<br />

7º semestre de<br />

direito da PuC-sP<br />

‘ O Direito ajuda<br />

a relativizar<br />

e refletir as<br />

questões humanas,<br />

equilibrando<br />

pontos de vista.<br />

Fórum jurídico<br />

97


o livro Justiça no<br />

Trabalho – 70 anos de<br />

direitos, obra publicada<br />

com mais três colegas,<br />

em dezembro de 2011<br />

98 Fórum jurídico<br />

alUnos<br />

beatriz bUlla<br />

sos distintos. “Às vezes brinco<br />

que são mundos diferentes”, e<br />

explica: “O volume de trabalho<br />

no Jornalismo é grande, a<br />

exigência também, mas o ambiente<br />

é mais leve. As pessoas<br />

não usam terno e gravata, o<br />

vocabulário é menos formal.<br />

Todos podem (e devem, muitas<br />

vezes) trabalhar com páginas<br />

de redes sociais abertas.<br />

Precisam estar antenados com<br />

o que acontece na internet, na<br />

música, na cidade. Tudo pode<br />

virar uma pauta. Em troca,<br />

passam finais de semana de<br />

plantão e podem perder uma<br />

festa porque algo aconteceu<br />

na última hora e precisa sair<br />

no jornal do dia seguinte. No<br />

Direito, as coisas, comparativamente,<br />

são mais planejadas,<br />

às vezes mais burocráticas, mas<br />

os salários são maiores”.<br />

‘ O curso de Direito servirá<br />

a cada um de acordo com<br />

suas ambições.<br />

Sobre as diferenças acadêmicas,<br />

expõe: “A relação dos<br />

alunos com a faculdade também<br />

é diferente. As aulas de<br />

Jornalismo exigem, sim, técnica<br />

e conteúdo, mas pedem<br />

muito repertório pessoal. Se<br />

você deixar de ler o texto<br />

de um teórico da comunicação<br />

para tirar o atraso da sua<br />

coleção de Piauís ou de New<br />

Yorkers, você pode não ir tão<br />

bem na prova, mas isso não<br />

será uma grande falha na sua<br />

vida profissional. Pelo contrário.<br />

No Direito não é bem<br />

assim. Se você não estudar o<br />

livro de Direito Processual Civil<br />

vai ter problemas”. Para a<br />

estudante, o desafio em lidar<br />

com as diferenças e conviver<br />

nesses dois ambientes é um<br />

exercício enriquecedor.<br />

DireiTo, JornaliSmo<br />

e TraBalho<br />

Especada em sua dupla formação,<br />

Beatriz estagiou no site<br />

Última Instância, importante<br />

difusor de notícias jurídicas.<br />

Neste cenário, reconhece que<br />

o curso da PUC-SP a auxilia<br />

em seu discernimento quanto


às informações que transmite,<br />

de modo a identificar conceitos,<br />

entender a linguagem dos<br />

juristas e interpretar acórdãos<br />

e decisões judiciais. Outro<br />

aspecto facilitador é a acessibilidade<br />

no meio acadêmico<br />

dos professores de Direito,<br />

facilitando o agendamento de<br />

entrevistas.<br />

Diferentemente do que<br />

seria de se imaginar, Beatriz<br />

explica que, apesar da faculdade<br />

lhe servir de amparo, até<br />

os seus colegas com formação<br />

exclusiva em Jornalismo têm<br />

elevado conhecimento jurídico.<br />

“Eles são quase bacharéis<br />

em Direito, de tanto que pesquisam<br />

e lidam com o tema.<br />

E são jornalistas competentes<br />

o suficiente para ligar para um<br />

advogado e tirar alguma dúvida<br />

quando é preciso.”<br />

Há um dito popular que diz<br />

que, para ter uma existência<br />

completa, uma pessoa deve escrever<br />

um livro, ter um filho<br />

e plantar uma árvore. Beatriz,<br />

mesmo com apenas 21 anos,<br />

já quitou o primeiro requisito.<br />

Inicialmente o projeto consistia<br />

em produzir um especial<br />

comemorativo dos 70 anos de<br />

‘<br />

O livro Justiça do Trabalho é um<br />

exemplo concreto de como o Direito<br />

pode me ajudar no envolvimento<br />

com projetos interessantes.<br />

criação da Justiça do Trabalho<br />

para o Última Instância, cujo<br />

lançamento veio a ocorrer em<br />

1º de maio de 2011. “Tudo foi<br />

feito com antecedência, com<br />

muito trabalho e em equipe”,<br />

diz. Ela chegou a viajar<br />

para o Rio de Janeiro a fim<br />

de realizar uma entrevista com<br />

Arnaldo Sussekind, único jurista<br />

ainda vivo entre os que<br />

participaram da elaboração da<br />

CLT (Consolidação das Leis<br />

do Trabalho).<br />

a oBra<br />

“O resultado de todo o<br />

especial ficou tão legal que<br />

se pensou em fazer um livro<br />

partindo daquele material”,<br />

explica. As matérias já existentes<br />

serviram de pontapé para a<br />

realização de novas entrevistas<br />

e apurações maiores. Beatriz<br />

foi incumbida de reeditar algumas<br />

entrevistas e realizar<br />

novas, tendo como entrevistadas<br />

pessoas relevantes na construção<br />

da Justiça do Trabalho<br />

no país ou representativas do<br />

desenvolvimento desse setor,<br />

além de elaborar a descrição<br />

do perfil de cada entrevistado.<br />

Beatriz enfatiza que o trabalho<br />

foi coletivo e que “houve<br />

muita orientação, muita conversa,<br />

todas as dúvidas eram<br />

discutidas. Tudo na equipe do<br />

Última Instância funcionava<br />

assim, e na Alameda, editora<br />

responsável pela publicação,<br />

também”. Assinam a obra<br />

Bea triz Bulla, Fabiana Barreto<br />

Nunes, Mariana Ghirello<br />

e William Maia, com reportagens<br />

também de Daniella<br />

Dolme e Thassio Borges. “O<br />

livro Justiça do Trabalho é um<br />

exemplo concreto de como<br />

o Direito pode me ajudar no<br />

envolvimento com projetos<br />

interessantes”, observa.<br />

A história da jovem jornalista<br />

ilustra a efetiva possibilidade<br />

de um aluno da graduação<br />

buscar uma formação<br />

completa, adequando suas atividades<br />

às suas metas de médio<br />

a longo prazo. A estudante<br />

mostra que o curso de Direito<br />

servirá a cada um de acordo<br />

com suas ambições, não se restringindo<br />

a togas e leis. E mais:<br />

com determinação, é possível<br />

fugir da mediocridade e ganhar<br />

destaque na área de atuação<br />

que se ambiciona. n<br />

Fórum jurídico<br />

99


100 Fórum jurídico<br />

livros<br />

em destaQUe<br />

estante Fórum jurídico<br />

um livro é um mundo mágico cheio de pequenos símbolos que podem<br />

ressuscitar os mortos e dar vida eterna aos vivos. Leia. Pense. discuta *<br />

Justiça<br />

o que é fazer<br />

a coisa certa<br />

MiChaEL J. saNdEL<br />

tradução: Heloísa matias e<br />

maria alice máximo<br />

349 páginas / Editora:<br />

civilização Brasileira<br />

Com base nas aulas ministradas na Universidade<br />

de Harvard, Michael J. Sandel, em seu livro<br />

Justiça – O que é fazer a coisa certa busca, em uma<br />

linguagem simples e atual, analisar os dilemas<br />

enfrentados por nossa sociedade a partir da aplicação<br />

prática do pensamento filosófico clássico.<br />

“Aristóteles, Immanuel Kant, John Stuart Mill e<br />

John Rawls figuram, todos eles, nestas páginas.”<br />

Muito mais que simplesmente ensinar a importância<br />

do Mito da Caverna, de Platão, ou do<br />

Utilitarismo, de Jeremy Bentham, Michel Sandel<br />

procura demonstrar ao leitor que a filosofia clássica<br />

continua presente em nossos pensamentos<br />

e influencia tanto governos como as pessoas em<br />

suas mais diversas atitudes.<br />

Assim, os diversos temas abordados pelo livro vão<br />

desde a crise financeira nos Estados Unidos, o pagamento<br />

de benefícios aos executivos com dinheiro<br />

público, a influência do Estado na economia, a escolha<br />

de quem deve viver ou morrer em determinadas<br />

situações, até o preço da felicidade. Todos esses<br />

tópicos vêm tratados sob a perspectiva da justiça.<br />

LUis gUstaVo dias E raqUEL soUFEN<br />

Este livro não é<br />

uma história das<br />

ideias, e sim uma<br />

jornada de reflexão<br />

moral e política *fonte<br />

É por essa abrangência e conteúdo reflexivo<br />

que o livro Justiça deve fazer parte da leitura obrigatória<br />

de quem quer compreender melhor o<br />

que é justiça e, consequentemente, a vida. Porque,<br />

nas palavras de Michel, “É profunda a convicção<br />

de que justiça envolve virtude e escolha: meditar<br />

sobre justiça parece levar-nos inevitavelmente a<br />

meditar sobre a melhor maneira de viver”.<br />

Quem quiser conhecer mais sobre o autor,<br />

seu curso em Harvard e sobre o livro pode<br />

acessar o site www.justiceharvard.org/about/<br />

michael-sandel/. No site é possível ler sobre o<br />

autor, conhecer seu curso e, o mais interessante,<br />

assistir a doze aulas (em inglês) em que o<br />

autor trata dos mais diversos temas atuais, com<br />

essa visão filosófica e crítica, que são suas principais<br />

características.<br />

michael J. sandel, influente filósofo, professor de Filosofia<br />

Política na universidade de Harvard, desde 1980, onde<br />

leciona o concorrido curso “Justiça”, que já foi visto por<br />

mais de 15 mil alunos.<br />

da citação: a BiBlioteca mágica de BiBBi Broken - hagerUP, klaUs; gaarder, Jostein; ed. cia. das letras


código da vida<br />

saULo raMos<br />

467 páginas<br />

editora: Planeta<br />

O livro <strong>Código</strong> da Vida tem como história principal<br />

um caso verídico em que o jurista advogou<br />

com maestria. No caso, Saulo Ramos defende<br />

um homem que foi acusado pela ex-mulher de<br />

ter abusado sexualmente dos próprios filhos. Tido<br />

pela consciência popular como “culpado” antes<br />

do julgamento, o homem entra no escritório do<br />

jurista implorando por sua defesa. A partir deste<br />

momento, a história gravita entre questões sobre<br />

a possibilidade de defesa de qualquer indivíduo e<br />

a dúvida acerca da inocência.<br />

Além do suspense trazido pelo caso, o leitor<br />

se prende às curiosíssimas experiências de vida<br />

de Saulo Ramos, as quais ele conta no decorrer<br />

do livro. Sua infância no interior de São Paulo,<br />

o seu papel no governo de Jânio Quadros, os<br />

cargos de Ministro da Justiça e Consultor-Geral<br />

da República no governo Sarney, e sua atuação<br />

na promulgação da atual Constituição Federal,<br />

são exemplos dos fatos narrados na obra.<br />

Elaborado como um livro de memórias e polêmico<br />

pela exteriorização de alguns pensamentos<br />

do jurista, <strong>Código</strong> da Vida leva o leitor para<br />

o mundo do direito vivido por este influente<br />

advogado brasileiro. Envolvente e cheio de suspense,<br />

a obra certamente irá prender o leitor até<br />

a última página.<br />

Saulo ramos é advogado, foi oficial de Gabinete do governo de jânio<br />

Quadros e ministro da Justiça de 1989 a 1990, no governo de José sarney.<br />

grandes<br />

advogados<br />

PiErrE MorEaU<br />

(organização)<br />

351 páginas<br />

Editora: casa do Saber<br />

No presente livro, o advogado Pierre Monreau<br />

busca, por meio de uma série de entrevistas, aproximar<br />

o leitor da história dos mais influentes advogados<br />

do Brasil, como Márcio Thomaz Bastos,<br />

Priscila Corrêa da Fonseca, Modesto Carvalhosa,<br />

Miguel Reale Júnior, Eros Grau, Ary Oswaldo<br />

Mattos Filho, Alexandre Bertoldi e Antonio<br />

Meyer, todos respondendo a perguntas sobre a<br />

descoberta da apaixonante arte do Direito, de<br />

acordo com os sonhos e conquistas de cada um.<br />

Lições de quem ensina e aprende<br />

em exercício permanente<br />

A série de entrevistas cativa o leitor mostrando<br />

que acima do estudo, do poder de convencimento,<br />

e da habilidade com a palavra, está a<br />

paixão pela ciência do Direito, a qual, em alguns<br />

casos, demora para aflorar no indivíduo.<br />

Este é, sem dúvida, um livro que todos os<br />

profissionais ligados à área do Direito devem<br />

ler. Não só aqueles que almejam a carreira de<br />

advocacia, mas sim todos aqueles que desejam<br />

se inspirar nas grandes figuras que se destacam<br />

hoje na história do Direito.<br />

Pierre moreau, ilustre advogado, formado pela PuC-sP em 1991, mestre<br />

e doutor pela mesma instituição, membro do Conselho do insper – sP,<br />

é sócio-fundador da Casa do saber – sP e presidente do ideabank.<br />

Fórum jurídico 101


102 Fórum jurídico<br />

associação Sapientia<br />

A Associação Sapientia de Alunos e Ex-Alunos<br />

da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade<br />

Católica de São Paulo é uma associação civil, sem<br />

fins lucrativos, criada com o objetivo de (i) promover<br />

e estimular a integração entre alunos, ex-alunos<br />

e professores da Graduação e Pós-Graduação do<br />

curso de Direito da PUC-SP, (ii) colaborar com a<br />

comunidade puquiana na busca de uma faculdade<br />

mais completa por meio da promoção de atividades<br />

culturais, tais como palestras, cursos, simpósios,<br />

bolsas de estudo e aquisição de livros.<br />

Além disso, queremos reacender as chamas de<br />

orgulho, união, perseverança e justiça social, que<br />

sempre foram características de nossos alunos,<br />

para tornar nossa “Gloriosa” e nossa sociedade<br />

um lugar melhor.<br />

Dessa forma, devemos elevar nossa faculdade de<br />

Direito a um patamar que ela realmente merece,<br />

colocando-a à frente de qualquer outro ideal. Não<br />

basta ser 5 estrelas no MEC, tem que ser completa<br />

para os alunos, com oportunidades de desenvolvimento<br />

intelectual, social e profissional.<br />

Nesse sentido, recém-nascida, nossa Associação<br />

já lançou a revista Fórum Jurídico, inovadora, de<br />

conteúdo abrangente, com matérias e artigos visando<br />

incentivar os <strong>novo</strong>s alunos a se apaixonarem pela<br />

história da PUC-SP e atrair os antigos alunos para<br />

mais perto de nossa faculdade. E não vai parar aqui!<br />

Temos grandes planos para nossa “Gloriosa”.<br />

Entre os projetos da Associação, destacamos<br />

os seguintes:<br />

• revista Fórum Jurídico – revista discente da Faculdade<br />

de direito da PuC-sP. Com o corpo editorial formado<br />

apenas por alunos da graduação, a revista Fórum Jurídico<br />

busca incentivar o desenvolvimento profissional<br />

alUnos e ex-alUnos | direito PUC-sP<br />

PUC além das salas de aula<br />

Atividades culturais, palestras e bolsa de estudos são algumas das<br />

metas da Associação, que promove a integração entre aluno e professor<br />

e pessoal dos discentes, com a possibilidade de publicação<br />

de artigos jurídicos, aprendizado com o conteúdo<br />

e contato direto com grandes ex-alunos do direito PuC.<br />

• palestras e cursos – A Associação Sapientia realizará<br />

palestras e cursos para os alunos, buscando diversificar<br />

os temas de interesse e trazer profissionais das mais diversas<br />

áreas para que os estudantes possam ter contato<br />

direto e tirar dúvidas com especialistas formados pela PuC.<br />

• Doação de livros – Efetuaremos doações de livros<br />

à faculdade para que os estudantes tenham acesso a<br />

acervos mais <strong>novo</strong>s e atualizados.<br />

• Banco de currículos – Para os alunos que estiverem<br />

procurando estágio, a Associação formará um banco de<br />

currículos em que os alunos poderão incluir seus dados,<br />

experiências e a área onde desejam estagiar. esse banco<br />

de currículos ficará à disposição e em contato direto com<br />

escritórios, empresas e órgãos públicos para que estes<br />

possam procurar estagiários que combinem com o perfil<br />

do local de trabalho.<br />

Além dos mencionados, temos diversos outros<br />

projetos, mas, para isso, precisaremos de todo<br />

o apoio dos puquianos. Assim, convidamos você<br />

a fazer parte da nossa Associação. Para isso, destaque<br />

e preencha o formulário que consta na<br />

página ao lado e entregue para um de nossos representantes,<br />

juntamente com o comprovante de<br />

pagamento do plano selecionado ou, se preferir,<br />

envie a documentação para associacao@associacaosapientia.org.br.<br />

Vamos, juntos, continuar a construir a história<br />

do ”Direito PUC”, história de resistência, de luta<br />

pela Democracia, de superação e de justiça, só que<br />

agora repleta de oportunidades para o desenvolvimento<br />

intelectual, social e profissional.<br />

Esperamos por você!


Dados pessoais<br />

nome do associado<br />

data de nascimento Sexo<br />

estado civil nacionalidade<br />

Documentos<br />

CPF nº oab<br />

rG Seção<br />

endereço para correspondência<br />

Endereço<br />

complemento<br />

bairro CeP<br />

cidade Estado<br />

Dados para contato<br />

Telefone 1<br />

telefone 2<br />

E-mail<br />

Fax<br />

Dados profissionais<br />

Local de trabalho<br />

Posição atual<br />

ano de graduação na PuC<br />

Local de pós-graduação<br />

FiCha de insCrição<br />

associação Sapientia de alUnos e ex-alUnos da facUldade de direito da PUc-sP<br />

plano de associação<br />

aluno da graduação Ex-aluno da graduação, aluno ou ex-aluno<br />

r$ 40,00 por ano pagos à vista do mestrado/doutorado<br />

r$ 60,00 por ano pagos à vista<br />

Dados para depósito bancário<br />

associação de alunos e ex-alunos da Faculdade de direito da Pontifícia universidade Católica de são Paulo<br />

banco santander (033) agência 3004 Conta 13-005685-9 CnPJ 14.671.140/0001-04


evista<br />

Patrocínio<br />

aPoio

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!