ENTREVISTA Fábio Ulhoa Coelho e o novo Código ComerCial ...
ENTREVISTA Fábio Ulhoa Coelho e o novo Código ComerCial ...
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distribuição gratuita edição 1 • ano 1 • março 2012<br />
josé edUardo Cardozo<br />
da PUC ao<br />
ministério<br />
entrevista <strong>Fábio</strong> <strong>Ulhoa</strong> <strong>Coelho</strong> e o <strong>novo</strong> <strong>Código</strong> <strong>ComerCial</strong><br />
escritório Pinheiro neto advogados<br />
Sapientia Faça Parte da assoCiação de alUnos e ex-alUnos<br />
artigos Crimes de trânsito Com motoristas embriagados<br />
dez anos do <strong>Código</strong> Civil<br />
e mais...
carta do editor<br />
PUc em PaUta<br />
retrosPectiva<br />
Profissão<br />
escritório<br />
Perfil<br />
entrevista<br />
áreas do direito<br />
caderno de ideias<br />
alUnos<br />
livros<br />
associação Sapientia<br />
edição 1 • ano 1 • março 2012<br />
sumário<br />
3 Carta aos puquianos<br />
5 PUC na sua totalidade<br />
9 Inovações jurídicas<br />
14 Ministério Público: essencial à justiça<br />
20 Pinheiro Neto Advogados<br />
28 José Eduardo Cardozo: da PUC ao Ministério<br />
40 <strong>Fábio</strong> <strong>Ulhoa</strong> <strong>Coelho</strong>: Um <strong>novo</strong> Direito Comercial<br />
50 Mercado financeiro e de capitais<br />
59 Artigos<br />
60 Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – eireli<br />
Manoel de Queiroz Pereira Calças<br />
68 Moots: ferramentas de desenvolvimento profissional e acadêmico<br />
Cláudio Finkelstein | Julia Schulz<br />
72 Os 10 anos do <strong>Código</strong> Civil sob a óptica civil constitucional<br />
Renan Lotufo | André Guimarães Avillés<br />
76 O Supremo Tribunal Federal e o plebiscito para<br />
desmembramento de Estado-membro<br />
Felipe Penteado Balera<br />
80 Crimes de trânsito com motoristas embriagados:<br />
culpa consciente ou dolo eventual?<br />
Christiano Jorge Santos<br />
86 Reflexão sobre a questão urbana brasileira<br />
Juliana Somekh<br />
90 Um direito penal do inimigo envolto em controvérsias<br />
Natália Pincelli<br />
96 O Direito enquanto veículo: a trajetória de uma jornalista<br />
100 Estante Fórum Jurídico<br />
102 PUC além das salas de aula
exPediente<br />
Editor-Chefe<br />
Filipe Facchini<br />
ffacchini@associacaosapientia.org.br<br />
2 Fórum jurídico<br />
EditorEs dE Matérias<br />
Ana carolina di Giacomo<br />
acdigiacomo@revistafj.org.br<br />
Luiz Guilherme rossi<br />
lrossi@revistafj.org.br<br />
Luis Gustavo dias<br />
ldias@associacaosapientia.org.br<br />
otávio Bressan<br />
obressan@revistafj.org.br<br />
Financeiro e Marketing<br />
Guilherme Garcia de oliveira<br />
gdeoliveira@associacaosapientia.org.br<br />
Colaboradores<br />
ana Carolina saad, bruno matos Ventura,<br />
Paula sandoval, sérgio Pinheiro marçal<br />
Projeto gráfico e direção de arte<br />
raquel matsushita<br />
Produção e diagramação<br />
juliana Freitas / Entrelinha design<br />
www.entrelinha.art.br<br />
rEaLizaÇÃo<br />
Coordenadora Editorial<br />
de Matérias<br />
raquel Arruda Soufen<br />
rsoufen@revistafj.org.br<br />
Nota aos leitores<br />
As opiniões expressas nos textos são de seus<br />
autores e não necessariamente da revista Fórum<br />
Jurídico ou da Associação Sapientia de Alunos e<br />
ex-alunos da Faculdade de direito da PuC-sP.<br />
tiragem: 4.000 exemplares<br />
Publicação semestral<br />
Coordenadora Editorial<br />
de artigos<br />
Clara Pacce Pinto serva<br />
cpserva@revistafj.org.br<br />
EditorEs dE artigos<br />
© Todos os direito reservados.<br />
André Avillés<br />
aavilles@revistafj.org.br<br />
julia Schulz<br />
jschulz@revistafj.org.br<br />
mylena Pesso de abreu<br />
mabreu@revistafj.org.br<br />
rodrigo Yves Favoretto dias<br />
rfavoretto@revistafj.org.br<br />
assoCiaÇÃo dE aLUNos E EX-aLUNos<br />
da FaCULdadE dE dirEito da PUC-sP<br />
diretor-Presidente<br />
Filipe Facchini<br />
ffacchini@associacaosapientia.org.br<br />
diretor Financeiro<br />
Guilherme Garcia de oliveira<br />
gdeoliveira@associacaosapientia.org.br<br />
diretor Executivo<br />
Luis Gustavo dias<br />
ldias@associacaosapientia.org.br<br />
assoCiE-sE<br />
associacao@associacaosapientia.org.br<br />
É proibida a reprodução ou transmissão de qualquer<br />
parte desta publicação em qualquer formato<br />
ou através de qualquer meio, seja eletrônico<br />
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Vice-Coordenadora Editorial<br />
de artigos<br />
isabela cassará<br />
icassara@revistafj.org.br<br />
foto da caPa<br />
adriano machado | ag. istoÉ
carta do editor FiliPe FaCChini<br />
Carta aos<br />
puquianos<br />
A criação de um<br />
vínculo entre<br />
alunos e ex-alunos<br />
Após 65 anos de história, é inegável a força<br />
que a nossa PUC-SP conquistou no mundo<br />
jurídico. Ela formou inúmeros juristas renomados<br />
e profissionais de destaque em todos<br />
os ramos do direito. Independentemente da<br />
área que os alunos escolham seguir, a PUC<br />
sempre forneceu o diferencial que os distingue<br />
dos demais.<br />
Confesso que já reclamei muito de algumas<br />
coisas aqui dentro, das mais diversas<br />
e, durante muito tempo, não percebi a<br />
marca que a PUC deixa em cada um dos<br />
seus alunos. Ao ingressar na Faculdade, em<br />
minha primeira aula de Processo Civil, o<br />
professor Roberto Armelin, antes mesmo<br />
de se apresentar, nos disse “Parabéns! Vocês<br />
estão na melhor Faculdade de Direito do<br />
país”. Aquilo me deixou pensativo. Certamente<br />
temos professores incríveis e uma<br />
excelente avaliação do mercado de trabalho,<br />
porém ainda não conseguia enxergar esse diferencial.<br />
Hoje, no 5º ano, percebi que essa<br />
diferença existe, sim, em todos nós. Alguns<br />
podem perceber mais rápido, outros sequer<br />
notam até que se formem, mas a verdade é<br />
que essa Faculdade nos transforma.<br />
Essa mudança, entretanto, acontece de<br />
forma distinta em cada um de nós. O grande<br />
número de situações a que somos expostos<br />
na PUC nos adapta de maneiras diferentes. A<br />
única coisa que posso garantir é que sempre<br />
será uma mudança para melhor, que nenhu-<br />
Fórum jurídico<br />
3
4<br />
Brasão da nossa recém-<br />
-fundada Associação<br />
Sapientia de alunos e<br />
ex-alunos da Faculdade de<br />
direito da PuC-sP<br />
Fórum jurídico<br />
carta do editor FiliPe FaCChini<br />
ma outra faculdade pode oferecer. Aos que<br />
ainda não conseguiram perceber, podem<br />
aguardar, esse diferencial sempre aparece e<br />
fará com que você crie um amor pela Pontifícia.<br />
A razão da minha certeza se deu quando<br />
- trabalhando para criar nossa recém-<br />
-fundada Associação Sapientia - fui recebido<br />
por todos os ex-alunos, com os quais tive o<br />
prazer de conversar, com os braços abertos<br />
e imensos sorrisos que diziam “Finalmente<br />
vou poder retribuir à Faculdade que tanto<br />
fez por mim”.<br />
A revista Fórum Jurídico, com corpo<br />
editorial formado apenas por alunos da graduação,<br />
é a primeira das inúmeras contribuições<br />
que a Associação Sapientia trará. Aqui,<br />
mostraremos à Nação Puquiana o porquê<br />
das palavras do professor Armelin: Essa é a<br />
melhor Faculdade de Direito do país!<br />
Boa leitura!<br />
Filipe Facchini<br />
Editor-ChEFE
Pátio da cruz, no centro do "prédio velho"<br />
PUc em PaUta<br />
PUC na sua totalidade<br />
Esta seção se presta a mostrar ao estudante de direito da<br />
PuC-sP como aproveitar os mais diversos aspectos da vida na<br />
faculdade. Festas, viagens, esportes, política e estudos<br />
aNa CaroLiNa di giaCoMo E CLara PaCCE PiNto sErVa<br />
Fundada em 10 de outubro de 1945, com a<br />
denominação de “Faculdade Paulista de Direito”,<br />
tem o dia 22 de agosto de 1946 como o<br />
marco de sua criação, pois somente nessa data,<br />
com a junção com as Faculdades de Filosofia,<br />
Ciências e Letras de São Bento, passou a ser considerada<br />
universidade pelo Governo Federal.<br />
A titulação “Pontifícia” foi concedida pelo<br />
Papa Pio XII somente em 1947, sendo incluída<br />
no nome da faculdade. Um ano depois, em<br />
1948, foi instalada a sede da universidade na Rua<br />
Monte Alegre, com a doação de um terreno e<br />
FaCUldade PaUlista de direito<br />
uma capela pelas Irmãs Carmelitas. A Pontifícia<br />
Universidade Católica de São Paulo tem o histórico<br />
de mais de 65 anos de luta pela democracia<br />
e pela justiça brasileira.<br />
Uma das características da formação profissional<br />
do Direito PUC-SP é o estímulo ao<br />
pensamento crítico, à curiosidade, ao debate e<br />
à luta por um ideal. Desde o início, o curso<br />
de Direito foi formador de grandes pensadores<br />
políticos, que se destacaram na história brasileira,<br />
principalmente durante o período da ditadura<br />
militar.<br />
Fórum jurídico<br />
arqUivo fórUm JUrídico<br />
5
6 Fórum jurídico<br />
PUc em PaUta<br />
Assim, mais do que profissionais qualificados,<br />
o nosso curso busca formar cidadãos que fazem e<br />
farão a diferença na sociedade brasileira. Para tanto,<br />
a Pontifícia busca incentivar pesquisas, monitorias,<br />
iniciações científicas e intercâmbios para os<br />
estudantes, e pós-graduação stricto sensu (mestrado<br />
e doutorado) e lato sensu (especialização).<br />
Há, ainda, espaços como a Atlética e o Centro<br />
Acadêmico, que permitem uma convivência<br />
mais intensa do aluno na faculdade.<br />
Nesta seção da revista Fórum Jurídico buscaremos<br />
informar aos alunos, em cada uma das<br />
próximas edições, os detalhes de cada um dos<br />
institutos que brevemente descrevemos aqui,<br />
com algumas de suas características.<br />
cenTro acaDÊmico<br />
Os estudantes de direito da PUC-SP têm como<br />
entidade representativa o Centro Acadêmico 22<br />
de Agosto, atuante desde agosto de 1947. Figurou,<br />
no período da Ditadura Militar, como grande<br />
defensor da democracia em nosso país, zelando<br />
pelos Direitos Fundamentais, hoje transcritos na<br />
Constituição Federal de 1988. Não obstante, teve<br />
papel relevante em movimentos como o Diretas<br />
Já e Fora Collor. No âmbito da PUC-SP, visa assegurar<br />
os direitos dos alunos, por meio do acesso<br />
pleno e igualitário à universidade. Promove, ainda,<br />
palestras e outros eventos.<br />
Além disso, o CA preza pela chamada Assistência<br />
Judiciária 22 de Agosto, que presta serviços<br />
gratuitos nas áreas cível e penal, proporcionando<br />
a assistência individual e apoiando a<br />
organização comunitária na defesa de direitos.<br />
Os mandatos do Centro Acadêmico duram<br />
um ano, ocorrendo eleições sempre ao final do<br />
segundo semestre. À frente da gestão atual está<br />
o Grupo Disparada, formado inicialmente para<br />
atuar nos Conselhos da Faculdade (leia mais nas<br />
próximas edições), mas cuja atuação se estendeu à<br />
política acadêmica.<br />
arqUivo fórUm JUrídico<br />
FaCUldade PaUlista de direito<br />
aTlÉTica<br />
A nossa Atlética, mais conhecida como AAA,<br />
traz uma forma mais descontraída de se envolver<br />
com a vida na universidade. Ela planeja<br />
algumas das festas mais conhecidas no meio<br />
universitário, como a Advogado do Diabo e a<br />
Alphorria, além dos tão esperados Jogos Jurídicos<br />
Estaduais.<br />
A Atlética também é responsável por organizar<br />
e viabilizar treinos de todas as modalidades<br />
esportivas, que ocorrem semanalmente no período<br />
da noite ou nos finais de semana.<br />
Para mais informações, entre no site www.<br />
aaa22deagosto.com.br ou procure um representante<br />
da Atlética.<br />
BaTeria 22<br />
Além da participação na Atlética, a vida na<br />
universidade pode se tornar ainda mais descontraída<br />
com o envolvimento na Bateria.<br />
Inicialmente com a famosa “Baronesa”, agora<br />
com inúmeras outras músicas cantadas por to
dos os alunos em festas e nos JJEs, a Bateria 22<br />
é a representante da musicalidade da faculdade.<br />
Para tanto, são programados ensaios toda semana,<br />
oficialmente aos sábados, às 14 horas, no Monumento<br />
às Bandeiras.<br />
Para fazer parte da Bateria 22, compareçam<br />
aos ensaios!<br />
inTercÂmBio<br />
O intercâmbio possibilita a troca cultural e<br />
acadêmica. Em um mundo cada vez mais globalizado<br />
e integrado, complementar um curso<br />
de graduação no exterior significa uma grande<br />
oportunidade para crescer pessoal e profissionalmente.<br />
Pensando nisso, a PUC-SP firmou convênios<br />
com algumas das melhores instituições de ensino<br />
superior (IES) ao redor do mundo, e criou<br />
a Divisão de Cooperação Internacional – ARII,<br />
que faz a intermediação entre as IES e o aluno.<br />
Assim, aquele que tiver interesse em participar<br />
de um intercâmbio, depois escolher a<br />
instituição que melhor corresponda às suas<br />
segundo andar, onde fica<br />
quase todo o curso de<br />
direito. na página ao lado,<br />
rampa que leva à saída da<br />
rua monte alegre<br />
mais do que profissionais<br />
qualificados, o nosso curso<br />
busca formar cidadãos que<br />
fazem e farão a diferença na<br />
sociedade brasileira<br />
expectativas, deverá se inscrever na pré-seleção<br />
da ARII, observados os requisitos específicos<br />
de cada edital. Uma vez aprovado o<br />
candidato, os critérios a serem analisados são:<br />
um segundo idioma (se a IES for de língua<br />
estrangeira), mediante avaliação; rendimento<br />
escolar; conclusão de, no mínimo, dois anos de<br />
curso; e, por fim, aprovação em uma entrevista.<br />
A oportunidade compreende a possibilidade<br />
de fazer cursos e estágios no exterior, realizando<br />
um estudo comparado e aprendendo outro<br />
método de ensino.<br />
Para mais informações, acesse o site www.<br />
pucsp.br/arii, da Divisão de Cooperação Internacional<br />
– ARII.<br />
Fórum jurídico<br />
7
iniciaçÃo cienTÍFica<br />
8 Fórum jurídico<br />
PUc em PaUta<br />
a monitoria é o primeiro<br />
passo para aqueles que<br />
desejam lecionar no futuro<br />
Para aqueles que se interessam e querem estudar<br />
um determinado assunto, a universidade<br />
possibilita fazer sua primeira monografia: a Iniciação<br />
Científica. O aluno escolhe um tema, não<br />
necessariamente de direito, conversa com um<br />
professor da PUC para que ele seja seu orientador<br />
e apresenta um projeto, que é um resumo<br />
da matéria e das diretrizes do que será estudado.<br />
arqUivo fórUm JUrídico<br />
FaCUldade PaUlista de direito<br />
Capela da PuC na<br />
rua monte alegre<br />
Depois de aprovado o projeto, deve haver a<br />
entrega de parte da pesquisa no prazo de seis<br />
meses e a iniciação pronta será entregue no prazo<br />
de um ano. Depois disso, haverá a apresentação<br />
do estudo no dia do Encontro de Iniciação<br />
Científica, momento em que ela será apresentada<br />
oralmente e por meio de cartazes, e passará<br />
pela análise de professores e alunos.<br />
Assim como a Monitoria, a Iniciação Científica<br />
pode ou não ser remunerada. Dentro da<br />
Pontifícia, existem as modalidades PIBIC-CE-<br />
PE, PIBIC-CNPq e PIBIC (sem fomento).<br />
Descubra mais no site da PUC: www.pucsp.br/<br />
iniciacaocientifica.<br />
moniToria<br />
A Monitoria é o primeiro passo para aqueles<br />
que desejam lecionar no futuro.<br />
É uma atividade técnico-didática, na qual o<br />
aluno auxilia um professor na correção e elaboração<br />
de seminários, além de instruir outros<br />
alunos em seus trabalhos e ajudar na resolução<br />
de questões práticas complexas propostas em<br />
sala de aula.<br />
A Monitoria pode ser realizada de maneira<br />
voluntária, apenas com o consentimento<br />
do professor, ou de maneira oficial, podendo,<br />
nessa modalidade, ser remunerada. Nesse caso<br />
é preciso fazer um requerimento ao final do<br />
semestre na Secretaria da Faculdade de Direito,<br />
o qual será deferido apenas se o aluno tiver<br />
completado os créditos da matéria, com média<br />
de, no mínimo, 8,0.<br />
Um monitor ganha experiência na sala de aula<br />
e na proximidade com o professor, acrescentando<br />
um diferencial em seu currículo. Por isto, esse<br />
pode ser um passo importante em sua carreira. n
etrosPectiva<br />
balanço semestral<br />
o direito, mais especificamente a lei posta, altera-se constantemente<br />
para acompanhar os avanços da sociedade. no último semestre de<br />
2011, muitos foram os fatos que modificaram a forma como tratamos<br />
o direito. Assim sendo, como um meio de fazer uma retrospectiva<br />
desses fatos, elencamos algumas leis, decisões e acontecimentos que<br />
ocorreram de julho até dezembro de 2011<br />
raqUEL soUFEN<br />
direito<br />
Comercial<br />
lei n o 12.441, De 11/7/2011.<br />
Alterou o código civil, possibilitando<br />
a constituição da<br />
chamada Empresa individual<br />
de responsabilidade Limitada<br />
(eireli). Presente em muitos<br />
ordenamentos estrangeiros, a<br />
eireli surgiu no Brasil para suprir<br />
uma lacuna no ordenamento<br />
jurídico nacional. Esse <strong>novo</strong><br />
instituto resume-se à possibilidade<br />
de constituição de<br />
pessoa jurídica com um único<br />
titular, que não poderá ser<br />
responsabilizado por dívidas<br />
da eireli. mesmo sem expressa<br />
proibição na legislação, a<br />
possibilidade de constituição<br />
de eireli por pessoa jurídica<br />
é controvertida e foi proibida<br />
pelo dnrC. Confira mais sobre<br />
a eireli na página 60.<br />
inovações jUrídiCas<br />
direito administrativo<br />
lei n o 12.462, de 4/8/2011. criada para suprir a necessidade de<br />
um procedimento licitatório diferenciado em virtude dos grandes<br />
eventos, como a Copa do mundo de 2014 e os Jogos olímpicos<br />
de 2016. Foi instituído e disciplinado o regime diferenciado<br />
de Contratações Públicas – rdC. entre outras inovações, esta lei<br />
permitiu a contratação de controladores de tráfego aéreo temporários,<br />
bem como alterou a organização da Presidência da república<br />
e dos ministérios, criando a secretaria de aviação Civil.<br />
direito Previdenciário<br />
lei n o 12.470, de 31/8/2011. esta Lei modificou o Plano de<br />
Custeio da Previdência social, de modo a instituir alíquota diferenciada<br />
de contribuição para o microempreendedor individual<br />
e para o segurado facultativo sem renda própria, desde<br />
que pertencente a família de baixa renda e com dedicação exclusiva<br />
ao trabalho doméstico na sua residência. Foi incluído<br />
no rol de dependentes o filho ou o irmão que tenha deficiência<br />
intelectual ou mental, e foram alteradas as regras do benefício<br />
de prestação continuada de tais indivíduos. Por fim, ficou<br />
determinado que o salário-maternidade da empregada do microempreendedor<br />
individual será pago pela Previdência social.<br />
Fórum jurídico<br />
9
direito Penal<br />
10 Fórum jurídico<br />
retrosPectiva<br />
05/09/2011 – na decisão do Habeas Corpus 149.250, a<br />
Quinta Turma do STJ considerou ilegais as investigações<br />
da operação satiagraha promovida pela Polícia Federal,<br />
por abuso de poder na obtenção de provas pela agência<br />
brasileira de inteligência (abin). Foram, portanto, anulados<br />
todos os procedimentos decorrentes dessa operação,<br />
inclusive a ação penal contra o banqueiro daniel<br />
dantas, do grupo opportunity, inicialmente condenado<br />
por corrupção ativa. Foi interposto recurso Extraordinário,<br />
que aguarda julgamento.<br />
direito do trabalho<br />
direito Civil e<br />
Constitucional<br />
25/10/2011 Data do julgamento – Decisão do resp<br />
1.183.378 , da Quarta Turma do STJ. Pela primeira vez, foi<br />
dado provimento a um recurso que habilitou duas mulheres<br />
ao casamento civil. o STj seguiu, portanto, o entendimento<br />
consolidado pelo stF no primeiro semestre de 2011sobre o<br />
reconhecimento da união estável homoafetiva.<br />
inovações jUrídiCas<br />
direito<br />
Comercial<br />
12/09/11 – publicado no DJe, a Segunda<br />
Seção do STJ, no julgamento<br />
do resp 1.197.929, decidiu que instituições<br />
financeiras têm responsabilidade<br />
objetiva em caso de fraudes<br />
cometidas por terceiros e devem, por<br />
conseguinte, indenizar as vítimas<br />
dos fatos fraudulentos, como no caso<br />
de abertura de contas ou obtenção<br />
de empréstimos mediante o uso de<br />
identificação falsa. o stJ considerou<br />
que as fraudes dessa espécie seriam<br />
riscos do empreendimento, e, portanto,<br />
fortuitos internos.<br />
lei n o 12.506, de 11/10/2011– Esta Lei dispôs sobre novas regras para a contagem do prazo de<br />
aviso prévio. Agora, os empregados que tiverem trabalhado por até um ano na mesma empresa terão<br />
direito ao aviso prévio de 30 dias, e aqueles que trabalharam por tempo maior do que esse período<br />
terão direito ao acréscimo de 3 dias por ano trabalhado, até o limite de 90 dias. Por exemplo, no caso<br />
de um empregado que está há 4 anos na mesma empresa, ele terá direito aos 30 dias referentes ao<br />
primeiro ano trabalhado, somado aos 9 dias referentes aos outros três anos de serviço prestado,<br />
resultando em um período de aviso prévio de 39 dias.<br />
direito Constitucional<br />
26/10/2011 – o Pleno do STF decidiu, por unanimidade,<br />
negar provimento ao recurso extraordinário<br />
nº. 603.583-rS, ao defender a constitucionalidade<br />
do exame da oab. assim, foi definido
direito Comercial<br />
04/11/11 – publicada no DJe. no julgamento do resp 884.346, o colegiado do STJ determinou<br />
que o terceiro de boa-fé que receber e apresentar antes da data combinada cheque<br />
pós-datado – conhecido popularmente como pré-datado – não terá a obrigação de indenizar<br />
o emitente por danos morais caso este sofra algum prejuízo. o STj se posicionou nesse sentido,<br />
pois entende que a pactuação extracartular da pós-datação tem validade apenas entre as partes<br />
da relação jurídica original, não vinculando terceiros estranhos ao pacto.<br />
direito tributário<br />
28/10/2011 – DJe – o plenário do STF deferiu<br />
o pedido de medida liminar em ação<br />
Direta de inconstitucionalidade (aDi 4661<br />
mc/DF), para suspender o art. 16 do decreto<br />
7.567/2011, que conferia vigência imediata<br />
às alterações da tabela de incidência do<br />
imposto sobre Produtos industrializados<br />
(tiPi). as mais impactantes alterações se<br />
resumem na majoração das alíquotas do<br />
imposto sobre Produtos industrializados<br />
(iPi) sobre operações envolvendo veículos<br />
automotores importados e a diminuição das<br />
alíquotas do imposto incidente sobre automóveis<br />
fabricados no Brasil. o STF decidiu,<br />
portanto, que deve ser aplicado o princípio<br />
da anterioridade nonagesimal ao imposto<br />
sobre Produtos industrializados (iPi).<br />
que o exame não é limite ao exercício da profissão, e sim um<br />
atestado de conhecimentos jurídicos. afirmou-se, ainda, que<br />
o exame da oAB não viola o princípio da isonomia, e que, apesar<br />
de outras profissões não possuírem tal obrigatoriedade, a<br />
constituição não comporta qualquer vedação à aplicação de<br />
exames dessa espécie.<br />
direito<br />
Constitucional<br />
lei n o 12.527, de 18/11/2011.<br />
regulou os procedimentos<br />
específicos a serem observados<br />
pela administração Pública<br />
sobre o direito básico de<br />
acesso à informação previsto<br />
no inciso XXXiii do art. 5º, no<br />
inciso ii do § 3º do art. 37 e<br />
no § 2º do art. 216 da Constituição<br />
Federal, respeitando o<br />
princípio da publicidade, mas<br />
excetuando o sigilo. Por meio<br />
de tais mudanças, qualquer<br />
cidadão tem o direito de solicitar<br />
informações de interesse<br />
público, sem necessidade de<br />
prova de interesse específico.<br />
Sob pena de responsabilidade,<br />
o agente público não poderá<br />
ser omisso ou se recusar a<br />
prestar as informações.<br />
Fórum jurídico<br />
11
direito Comercial<br />
12 Fórum jurídico<br />
retrosPectiva<br />
inovações jUrídiCas<br />
lei n o 12.529, de 30/11/2011. essa lei alterou a estrutura do sistema brasileiro de defesa da Concorrência –<br />
sbdC, especificamente no que se refere à prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica e a<br />
economia sadia. tal norma ainda reorganizou as competências dos órgãos que integram o sbdC, como, por exemplo,<br />
o Conselho administrativo de defesa econômica – Cade. das várias modificações introduzidas por essa lei, a<br />
mais relevante delas é a exigência da análise prévia das fusões e aquisições entre empresas pelo cAdE, que, até<br />
então, era feita somente após a consumação da fusão.<br />
direito Comercial<br />
lei n o 12.543, de 08/12/2011. o Conselho monetário nacional,<br />
por meio desta lei ordinária, ficou autorizado a estabelecer<br />
condições específicas para negociações com contratos derivativos<br />
– contratos nos quais são estabelecidos pagamentos<br />
futuros através de um valor-base referente à uma variável –<br />
com objetivo de administrar a política monetária e cambial.<br />
outra novidade trazida pela Lei 12.543 foi a necessidade de registro<br />
desses contratos pelo banco Central ou pela CVm, como<br />
meio de dar maior publicidade à negociação. Por fim, tal lei ainda<br />
definiu a incidência do ioF sobre os contratos derivativos.<br />
direito tributário<br />
lei 12.546, de 14/12/2011. como uma forma de fomentar<br />
a exportação, o fisco fornece às empresas exportadoras a<br />
possibilidade de obterem créditos tributários pelo pagamento<br />
de certos tributos, que poderão ser utilizados na compensação<br />
com outros tributos devidos. contudo, atualmente<br />
esse procedimento sofre limitações legais e depende de<br />
grande burocracia. Para tentar solucionar esse problema e<br />
incentivar as exportações, foi sancionada a Lei n o 12.546,<br />
de 2011, que criou o regime especial de reintegração de Valores<br />
tributários (reintegra), com o objetivo de permitir a<br />
devolução de créditos tributários às empresas exportadoras<br />
de produtos manufaturados no país.<br />
direito Constitucional<br />
DJe 02/12/2011 – o STF, ao julgar procedente<br />
a aDi 4274/DF proposta pelo Procurador-geral<br />
da república, interpretou o § 2º do art. 33 da<br />
Lei n o 11.343/2006 de maneira a restringir o<br />
entendimento e excluir os debates públicos<br />
e as manifestações que visem à descriminalização<br />
do uso de drogas, como a “marcha da<br />
maconha”, das sanções impostas pela lei. tal<br />
posicionamento foi tomado com base nos<br />
direitos constitucionais de reunião e livre expressão<br />
do pensamento.<br />
mundo jurídico<br />
19/12/2011 posse da nova ministra do<br />
STF, rosa maria Weber. ela ocupará a cadeira<br />
deixada pela ex-ministra Ellen Gracie,<br />
que se aposentou em agosto. rosa<br />
maria Weber era ministra do Tribunal<br />
Superior do Trabalho, onde ingressou em<br />
2005, por indicação do ex-presidente<br />
Luiz inácio Lula da Silva. n
arqUivo fórUm JUrídico<br />
14 Fórum jurídico<br />
Profissão<br />
ProCUrador e Promotor<br />
ministério Público: essencial<br />
à justiça<br />
o ministério Público – órgão<br />
fundamental à manutenção<br />
do Estado democrático<br />
de direito e da Justiça –<br />
apresenta-se como uma das<br />
mais brilhantes e instigantes<br />
carreiras do direito<br />
Fachada do prédio do ministério<br />
Público Federal, em são Paulo<br />
isabELa Cassará E aNa CaroLiNa di giaCoMo<br />
Segundo Vidal Serrano Júnior e Luiz Alberto<br />
David de Araujo, 1 a denominação “Ministério”<br />
teria vindo da palavra manus, que era figura representativa<br />
da “mão” do rei. Ministério Público<br />
(MP) seria, então, por definição, figura relacionada<br />
com um apêndice do Estado, que exerceria o<br />
poder de representá-lo. Dessa forma, no período<br />
colonial, orientado pelo direito português, o Brasil<br />
ainda não tinha o Ministério Público como<br />
instituição. Assim, em 1521, as Ordenações Manuelinas,<br />
que fiscalizavam o cumprimento e a<br />
execução da lei juntamente com os Procuradores<br />
dos Feitos do Rei, citaram o papel do promotor<br />
de justiça, que deveria ser alguém letrado<br />
e bem entendido para saber espertar e alegar as<br />
causas e razões para lume e clareza da justiça e<br />
inteira conservação dela.<br />
Assim, após cinco séculos, no período da<br />
República, a Constituição Federal de 1988 faz<br />
referência expressa ao Ministério Público no<br />
capítulo “Das funções essenciais à Justiça”, conceituando-o<br />
e definindo as funções institucionais,<br />
as garantias e, finalmente, as vedações de<br />
seus membros.<br />
A Carta Magna, ao conceituar em seu artigo<br />
127 o parquet como instituição permanente e<br />
essencial à função jurisdicional do Estado, sendo<br />
responsável pela defesa da ordem jurídica,<br />
do regime democrático e dos interesses sociais<br />
e individuais indisponíveis, acabou por ampliar<br />
a evidência do referido órgão na sociedade,<br />
transformando a instituição em um braço da<br />
população brasileira.<br />
1 ARAUJO, Luiz Alberto David; e NUNES JÚNIOR. Vidal Serrano<br />
– Curso de Direito Constitucional, 12 ed., Saraiva. p. 407.
a inSTiTuiçÃo auTônoma<br />
Dessa forma, a Carta de 88, considerando<br />
o Ministério Público como indispensável ao<br />
Estado Democrático de Direito, estabeleceu<br />
como suas funções institucionais o dever de<br />
promover ação penal pública; exercer o controle<br />
externo da atividade policial; requisitar<br />
diligências investigatórias e a instauração de inquérito<br />
policial. Além dessas, com a Constituição,<br />
na área cível, o Ministério Público adquiriu<br />
novas funções, destacando a sua atuação na<br />
tutela dos interesses difusos e coletivos, como<br />
meio ambiente, consumidor, patrimônio histórico;<br />
pessoa portadora de deficiência; criança<br />
e adolescente; comunidades indígenas e minorias<br />
étnico-sociais, atribuições que ampliaram a<br />
evidência do parquet na sociedade.<br />
Os artigos 127 a 130 da Constituição estabelecem<br />
o rol de garantias tanto da instituição<br />
como um todo, quanto dos membros do parquet.<br />
Por meio delas, o Ministério Público passou a<br />
gozar de autonomia funcional, administrativa,<br />
financeira e iniciativa legislativa. Assim, o órgão<br />
passou a ter autonomia para exercer suas funções<br />
sem precisar se reportar a qualquer órgão<br />
mp DoS<br />
eSTaDoS<br />
miniSTÉrio<br />
púBlico<br />
mp<br />
FeDeral<br />
mp Da<br />
uniÃo<br />
mp Do<br />
TraBalho<br />
de qualquer um dos três poderes. No mais, possui<br />
a garantia de exclusividade na propositura<br />
de ação penal pública.<br />
Quantos aos membros do parquet, eles possuem<br />
a garantia tríplice, como é conhecida. Em<br />
outras palavras: os membros possuem as garantias<br />
de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade<br />
de vencimentos.<br />
Além dessas, possuem também a garantia de<br />
serem organizados com exclusividade por carreira,<br />
sendo sua promoção voluntária, seja ela<br />
por antiguidade ou merecimento.<br />
Pela vitaliciedade entende-se que, após os<br />
dois anos de estágio probatório, os membros do<br />
MP só perderão o cargo por força de sentença<br />
judicial transitada em julgado. A inamovibilidade<br />
reflete que um integrante do órgão não<br />
pode ser movido contra a sua vontade, salvo<br />
por virtude de expressa autorização da maioria<br />
absoluta do Conselho Superior do Ministério<br />
Público. Por fim, a irredutibilidade de subsídios<br />
beneficia os membros do MP com a impossibilidade<br />
de redução salarial.<br />
A CF de 88 também elenca restrições à carreira:<br />
fica proibido o exercício da política partidária,<br />
da advocacia e do comércio. Todas essas<br />
mp<br />
miliTar<br />
mp Do DF e<br />
TerriTórioS<br />
Fórum jurídico<br />
15
necessidade de manter a imparcialidade do MP.<br />
O art. 127 do mesmo Diploma elencou três<br />
princípios institucionais que regem o Ministério<br />
Público, quais sejam: a Unidade, a Indivisibilidade<br />
e a Independência Funcional. O primeiro determina<br />
que os membros do MP integrem esse<br />
órgão como um todo, agindo individualmente,<br />
sob a direção de um Procurador-Geral. O princípio<br />
da indivisibilidade, por sua vez, esclarece<br />
que não há vínculo entre seus membros e os<br />
processos em que atuam, admitindo, pois, a substituição<br />
de um Procurador por outro. Por fim, o<br />
princípio da Independência Funcional esclarece<br />
que não há hierarquia funcional entre os membros<br />
do Ministério Público, sendo ele um órgão<br />
independente no exercício de suas funções.<br />
Os artigos 127 e 129 da Carta Magna de 88<br />
indicam as duas formas de atuação do Ministério<br />
Público: na condição de órgão agente (parte)<br />
ou como interveniente (como custus legis).<br />
Atuar como parte significa agir na qualidade<br />
de autor da ação, o que representa um grande<br />
avanço na Justiça Especializada, a fim de exercer<br />
a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais<br />
homogêneos.<br />
arqUivo fórUm JUrídico vedações surgiram em decorrência lógica da<br />
16 Fórum jurídico<br />
Profissão<br />
ProCUrador e Promotor<br />
Os direitos difusos são aqueles que ultrapassam<br />
a esfera de um único indivíduo, referindo-se<br />
a pessoas indeterminadas; quando<br />
respeitados, atingem uma coletividade. Os direitos<br />
coletivos, por sua vez, são aqueles de natureza<br />
indivisível e se referem a um grupo de<br />
pessoas conectadas por uma relação jurídica<br />
entre si ou com a parte contrária, sendo os sujeitos<br />
indeterminados, porém determináveis.<br />
Por fim, os direitos individuais homogêneos<br />
dizem respeito a pessoas que, embora indeterminadas<br />
a priori, poderão ser determinadas<br />
posteriormente (e cujos direitos são ligados<br />
por um evento de origem comum), em consequência<br />
de um direito de origem comum.<br />
A fim de dar maior especificidade ao trabalho<br />
e de maneira a promover uma melhor<br />
administração, o Ministério Público foi divido<br />
em dois: o Ministério Público Estadual (MPE)<br />
e o Ministério Público da União (MPU). Este<br />
último é, por sua vez, subdividido nas seguintes<br />
áreas: Federal (MPF), do Trabalho (MPT),<br />
Militar, e do Distrito Federal e dos Territórios.<br />
Há, ainda, o Ministério Público de Contas, que<br />
exerce suas funções junto ao Tribunal de Contas<br />
da União.<br />
‘<br />
Como essência, o MP<br />
é a instituição em defesa<br />
da sociedade contra o<br />
arbítrio do próprio Estado.<br />
Pedro Henrique demercian<br />
Pedro Henrique Demercian é mestre e doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1997), onde<br />
atualmente ministra aulas no curso de graduação e pós-graduação lato sensu (COGEAE). Demercian é também Procurador de<br />
Justiça Criminal no Ministério Público do Estado de São Paulo, e assessor da Procuradoria-geral de Justiça de São Paulo no<br />
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais.
Os membros do MPE são divididos,<br />
de acordo com o respectivo grau de<br />
jurisdição, em promotor de justiça,<br />
procurador de justiça e procurador-geral<br />
de justiça, como chefe do MP.<br />
O MPU tem como chefe o Procurador-Geral<br />
da República, que é nomeado pelo Presidente<br />
da República escolhido entre os membros da<br />
carreira para um mandato de dois anos. Para alcançar<br />
tal cargo, o candidato deve ter mais de<br />
35 anos completos e ser aprovado por maioria<br />
absoluta no Senado Federal.<br />
O Ministério Público Estadual e o do Distrito<br />
e Territórios, por sua vez, têm como chefe a figura<br />
do Procurador-Geral da Justiça, o qual é nomeado<br />
pelo Chefe do Poder Executivo local, que o<br />
escolhe com base numa lista tríplice elaborada pelos<br />
próprios membros das respectivas instituições.<br />
O Ministério Público do Trabalho integra o<br />
Ministério Público da União, por força do art.<br />
128 da Constituição Federal de 88, atuando especificamente<br />
perante a Justiça do Trabalho, visando<br />
à defesa dos interesses sociais e individuais<br />
indisponíveis.<br />
As funções do Ministério Público só podem<br />
ser exercidas por integrantes da carreira do MP,<br />
com residência na Comarca da respectiva lotação,<br />
salvo autorização do Chefe da Instituição, o Procurador-Geral<br />
de Justiça ou da República.<br />
O ingresso na mencionada carreira far-se-á<br />
mediante concurso público de provas e títulos,<br />
assegurada a participação da Ordem dos Advogados<br />
do Brasil em sua realização, exigindo-se<br />
do bacharel em direito três anos de atividade jurídica<br />
e observando-se, nas nomeações, a ordem<br />
da classificação.<br />
o reQuiSiTo<br />
Você sabia?<br />
trabalhar no ministério Público,<br />
instituição fundamental a<br />
manutenção do Estado democrático<br />
de direito, da sociedade e da justiça,<br />
é um grande atrativo<br />
As atividades jurídicas consideradas como<br />
experiência são computadas a partir da obtenção<br />
do diploma em Direito e incluem o<br />
exercício da advocacia, inclusive voluntário,<br />
com a participação anual mínima em cinco<br />
atos privativos de advogado; exercício do cargo,<br />
emprego ou função (incluindo magistério<br />
superior) em que se utilizem preponderantemente<br />
conhecimentos jurídicos; exercício da<br />
Fórum jurídico<br />
17
Você sabia?<br />
função de conciliador em tribunais judiciais,<br />
juizados especiais, varas especiais, anexos de<br />
juizados especiais ou de varas judiciais, de<br />
mediador ou árbitro em litígios, pelo período<br />
mínimo de 16 horas mensais e durante um<br />
ano; estágio após a conclusão do curso; cursos<br />
de pós-graduação concluídos, com um<br />
ano de duração e carga horária de 360 horas-<br />
-aula; atividade jurídica em cargos, empregos<br />
ou funções não privativas de advogado mediante<br />
certidão circunstanciada.<br />
A título de curiosidade, conforme o edital 2<br />
do último concurso do Ministério Público do<br />
Estado de São Paulo, o salário inicial para os<br />
ingressantes nesta carreira era de R$ 19.643,80<br />
(dezenove mil, seiscentos e quarenta e três reais<br />
e oitenta centavos).<br />
Destaca-se que os membros do MP podem<br />
vir a se tornar Desembargadores ou Ministros<br />
2 http://concursosde2011.com/concurso-ministerio-publico-<br />
-sp-2011.html<br />
18 Fórum jurídico<br />
Profissão ProCUrador e Promotor<br />
Os membros do MPU são divididos,<br />
de acordo com o respectivo grau de<br />
jurisdição, em procurador da República,<br />
procurador regional da República<br />
e procurador-geral da República, que é<br />
chefe do MP da União.<br />
do Supremo Tribunal Federal e do Superior<br />
Tribunal de Justiça. Isso por conta do chamado<br />
“quinto constitucional”, previsto no art. 94<br />
da Constituição Federal, que é assim denominado,<br />
pois prevê que um quinto dos membros<br />
dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais<br />
de Justiça deverá ser composto por membros<br />
do Ministério Público. Para tanto, o candidato<br />
deverá ter mais de dez anos de carreira e ser indicado<br />
para esses tribunais numa lista com seis<br />
outros membros.<br />
Diante do exposto, podemos concluir que<br />
a instituição do Ministério Público é fundamental<br />
tanto para a manutenção da sociedade<br />
quanto da Tripartição dos Poderes e, finalmente,<br />
do Estado Democrático de Direito.<br />
No mais, além das diversas possibilidades de<br />
formas de atuação, o Ministério Público acaba<br />
por ser uma ótima opção para os bacharéis em<br />
direito que desejam seguir carreira pública,<br />
pelas garantias e pela remuneração propiciadas<br />
aos seus membros. n
20 Fórum jurídico<br />
escritório<br />
Pinheiro neto advogados<br />
advocacia de<br />
no ano em que completará seu 70o tradição<br />
aniversário, o escritório Pinheiro neto advogados<br />
mantém-se como uma das bancas mais<br />
admiradas e respeitadas da América Latina<br />
Ao lado, chapéu e<br />
maleta que pertenciam<br />
a J. m. Pinheiro neto<br />
raqUEL soUFEN<br />
Pinheiro Neto Advogados<br />
teve sua origem na moderna<br />
concepção de escritório de advocacia<br />
que existia nas firmas<br />
britânicas. Seu fundador, José<br />
Martins Pinheiro Neto, que<br />
foi correspondente jornalístico<br />
da BBC em Londres durante a<br />
Segunda Guerra Mundial, ao<br />
retornar ao país, utilizou como<br />
base o modelo das firmas na<br />
Inglaterra para criar no Brasil o<br />
conceito full-service para o setor.<br />
Fundado em 1942, Pinheiro<br />
Neto Advogados é reconhecido<br />
como um dos maiores e mais<br />
tradicionais escritórios de advocacia<br />
da América Latina, tendo<br />
crescido de maneira orgânica,<br />
sem fusão ou associação, diferente<br />
da maioria dos escritórios<br />
de advocacia brasileiros.<br />
Com o passar dos anos, o escritório<br />
passou a adotar algumas<br />
das ideologias de seu fundador,<br />
que incorporou ao modelo princípios<br />
básicos, tais como o aprimoramento<br />
constante dos profissionais,<br />
o escritório estar acima<br />
de qualquer sócio, o dinheiro<br />
não ser o objetivo e o lucro ser só<br />
uma consequência. Apesar de ter<br />
se afastado do escritório em meados<br />
dos anos 2000, os princípios<br />
que ele trouxe ainda fazem parte<br />
do escritório.<br />
eQuipe e renovaçÃo<br />
O escritório conta hoje com<br />
uma equipe formada por 78 sócios,<br />
10 consultores, 265 advogados,<br />
103 estagiários e 56 paralegais.<br />
Apesar de seu tamanho,<br />
não perde a qualidade, seus profissionais<br />
estão entre os mais bem<br />
qualificados do mercado e são<br />
presenças constantes em publica-
fotos: arqUivo Pinheiro neto advogados<br />
Fórum jurídico<br />
21
22<br />
Fórum jurídico<br />
escritório<br />
o grande diferencial do<br />
Pinheiro neto é que o<br />
nosso crescimento é<br />
baseado totalmente na<br />
capacidade de crescer<br />
organicamente. um<br />
estagiário aqui é visto<br />
como um futuro sócio<br />
Pinheiro neto advogados<br />
réplica da sala do fundador, localizada no museu do escritório<br />
ções jurídicas como Chambers &<br />
Partners e Who’s Who Legal.<br />
Na opinião do advogado Alexandre<br />
Bertoldi - sócio gestor<br />
do Pinheiro Neto - existe uma<br />
pressão interna para que os advogados<br />
constem em publicações<br />
desse tipo, pois elas fazem<br />
com que haja uma percepção<br />
mais realista do profissional. “O<br />
importante dessas publicações é<br />
que, via de regra, o próprio mercado,<br />
isto é, uma percepção externa<br />
- e não interna - faz com<br />
que você seja ou deixe de ser citado”,<br />
opina Bertoldi.<br />
Um motivo de orgulho para<br />
o escritório é o fato de que não<br />
só os sócios são mencionados,<br />
mas a cada ano mais associados<br />
são citados em publicações assim.<br />
O Pinheiro Neto entende<br />
que o fato dos associados constarem<br />
nessas publicações é um<br />
reconhecimento de que está<br />
no caminho certo. “Um escritório<br />
que não se renova e que<br />
fica sempre fossilizado, girando<br />
em torno das mesmas pessoas,<br />
pode ir muito bem no presente,<br />
mas, no longo e médio prazo,<br />
ele tende a decair. O fato de ter<br />
sempre essa renovação mostra<br />
que nós estamos criando o Pinheiro<br />
Neto do futuro.”<br />
plano De carreira<br />
O plano de carreira do Pinheiro<br />
Neto é muito bem de
finido e tem por base a meritocracia.<br />
Bertoldi relata que “a<br />
partir do momento em que a<br />
pessoa se torna estagiário aqui,<br />
literalmente só dependerá dela,<br />
porque nós temos um plano de<br />
carreira que é completamente<br />
previsível. A pessoa pode ter<br />
mais sorte ou mais azar, pode<br />
acontecer algo que torne o<br />
caminho mais difícil, como a<br />
quebra da bolsa de Nova Iorque,<br />
mas normalmente o caminho<br />
já está traçado”.<br />
O escritório possui uma política<br />
de não contratar profissionais<br />
formados no mercado. “Na<br />
verdade, o Pinheiro Neto busca<br />
formar o indivíduo.” Esse ideal<br />
de investir em seus estagiários é<br />
antigo, motivo pelo qual, hoje<br />
em dia, 95% dos atuais advogados<br />
e sócios do escritório foram<br />
estagiários da firma. “O grande<br />
diferencial do Pinheiro Neto<br />
é que o nosso crescimento é<br />
totalmente baseado na capacidade<br />
de crescer organicamente,<br />
um estagiário aqui é visto<br />
como um futuro sócio.”<br />
É justamente pelo fato de<br />
prezar pela formação do indivíduo<br />
que o Pinheiro Neto, no<br />
momento da seleção de estagiários,<br />
não escolhe apenas os indi-<br />
Plano de Carreira<br />
conSulToreS SócioS<br />
caTegoriaS De<br />
aSSociaDoS SenioreS<br />
caTegoriaS De<br />
aSSociaDoS plenoS<br />
caTegoriaS De<br />
aSSociaDoS JunioreS<br />
aSSiSTenTeS JurÍDicoS<br />
eSTagiárioS<br />
víduos que tenham o currículo<br />
recheado de experiências, ou<br />
que tenham profundo conhecimento<br />
na área em que atuarão.<br />
O aprimoramento do estagiário<br />
dentro do escritório é o<br />
ponto mais importante para o<br />
crescimento dele com base nos<br />
padrões desejados.<br />
Entretanto, o sócio gestor<br />
do escritório destaca que se<br />
leva em consideração o interesse,<br />
curiosidade e dedicação<br />
da pessoa: “Serão dois anos<br />
auxiliareS JurÍDicoS<br />
Fórum jurídico<br />
23
24 Fórum jurídico<br />
escritório<br />
A qualidade dos<br />
profissionais é<br />
sem dúvida um dos<br />
maiores atrativos<br />
do escritório,<br />
motivo pelo qual ele<br />
está rotineiramente<br />
presente nas<br />
grandes negociações<br />
Pinheiro neto advogados<br />
bem interessantes, já que o<br />
estagiário terá contato direto<br />
com a prática, vai conviver<br />
com pessoas que têm bastante<br />
experiência, vai trabalhar em<br />
casos interessantíssimos e vai<br />
ficar eufórico quando aquela<br />
operação em que ele está trabalhando<br />
aparecer na primeira<br />
página da Folha ou do Estado<br />
de São Paulo. Basicamente, tem<br />
que ser uma pessoa curiosa, que<br />
queira e esteja interessada”.<br />
A efetivação dos estagiários<br />
acontece no início do quinto<br />
ano da faculdade, como forma<br />
de aliviar os alunos da pressão<br />
do final do curso, cumulada<br />
com os estudos para a prova da<br />
OAB e a luta por uma vaga no<br />
local de trabalho.<br />
O investimento em formação<br />
profissional que a firma<br />
tem como política começa<br />
sede em sP<br />
dentro do próprio escritório:<br />
o Pinheiro Neto oferece inúmeros<br />
cursos, e para cada promoção<br />
existe um número de<br />
créditos que deverão ser cumpridos.<br />
Além disso, o escritório<br />
oferece bolsas de estudo para<br />
pós-graduação no Brasil ou<br />
até mesmo LL.M. em universidades<br />
do exterior, tais como<br />
Harvard, Stanford e Columbia.<br />
aprimoramenTo proFiSSional<br />
O LL.M. é muito incentivado<br />
pelo escritório: os advogados<br />
costumam ficar dois anos<br />
fora do país, no primeiro ano<br />
cursando o LL.M. e no segundo<br />
trabalhando em um escritório<br />
estrangeiro. Com essa experiência,<br />
além de se aprimorar<br />
profissionalmente, o advogado<br />
também agrega valores no as-
pecto pessoal e passa a saber<br />
como lidar com situações com<br />
as quais não está acostumado.<br />
A qualidade dos profissionais<br />
é, sem dúvida, um dos maiores<br />
atrativos do escritório, motivo<br />
pelo qual ele está rotineiramente<br />
presente nas grandes negociações.<br />
Algumas das recentes<br />
operações foram as fusões das<br />
algunS prÊmioS Do eScriTório<br />
Who’s Who legal chambers & partners análise advocacia prêmio Dci<br />
•“Firm of the Year”<br />
(2006-2010)<br />
•Único escritório<br />
brasileiro a figurar na<br />
lista dos 70 principais<br />
escritórios de<br />
advocacia do mundo<br />
• “brazilian Firm of the<br />
Year” (2009-2011)<br />
•“Latin american<br />
Firm of the Year”<br />
(2009-2010)<br />
Deck do escritório no rJ<br />
empresas de varejo Casas Bahia<br />
e Pão de Açúcar e das empresas<br />
aéreas LAN e TAM.<br />
reSponSaBiliDaDe Social<br />
Além dos inúmeros casos e<br />
da rotina de trabalho o escritório<br />
nunca deixou de ajudar a<br />
comunidade a que pertence. O<br />
•“o mais admirado<br />
escritório de<br />
advocacia do brasil”<br />
(2006-2011)<br />
escritório sempre teve, ainda na<br />
época do fundador, José Martins<br />
Pinheiro Neto, instituições<br />
que ajudava, quando ainda nem<br />
era comumente empregada a<br />
denominação ONG.<br />
O Pinheiro Neto investe<br />
em causas sociais com foco<br />
em educação, saúde, cultura,<br />
meio ambiente, entre outras,<br />
pois acredita que em um país<br />
como o Brasil é impossível fugir<br />
da responsabilidade social.<br />
Dessa forma, foram criados<br />
projetos de incentivo socioambiental,<br />
entre os quais se<br />
destacam a limpeza do rio Pinheiros,<br />
com o projeto Pomar,<br />
e a revitalização do centro de<br />
São Paulo. Hoje o Pinheiro<br />
Neto possui uma Comissão<br />
de Reponsabilidade Social<br />
que lidera tais iniciativas, com<br />
• sete vezes<br />
seguidas eleito<br />
o escritório<br />
de advocacia<br />
mais admirado<br />
do Brasil<br />
Fórum jurídico<br />
25
26<br />
Fórum jurídico<br />
escritório<br />
apoio a diversos projetos, entre<br />
os quais podemos citar a<br />
entidade Alfabetização Solidária,<br />
a TUCCA – Associação<br />
para Crianças e Adolescentes<br />
com Câncer e a Associação<br />
Águas Claras do Rio Pinheiros.<br />
Para eles não se trata apenas<br />
de doar, mas de conseguir<br />
o envolvimento das pessoas.<br />
Para conhecer um pouco<br />
e entender melhor o funcionamento<br />
do Pinheiro Neto,<br />
acompanhe nossa entrevista<br />
com Alexandre Bertoldi:<br />
1) O Pinheiro Neto ocupa<br />
posição de destaque entre os<br />
grandes escritórios do Brasil<br />
há muitos anos. Geração<br />
após geração não se pode<br />
dizer que tenha havido desgaste.<br />
Qual o segredo para se<br />
manter no topo?<br />
Pinheiro neto advogados<br />
Biblioteca localizada<br />
no escritório de sP<br />
É mais difícil se manter no<br />
topo do que chegar ao topo.<br />
Para chegar, se você tem algumas<br />
ideias, tem um norte,<br />
uma estratégia e coerência na<br />
execução da sua estratégia, eu<br />
acho que você tem grandes<br />
chances de alcançar o topo.<br />
Mas manter-se no topo é<br />
mais difícil, porque você passar<br />
a ser o alvo. Eu acho que<br />
o segredo do escritório é ser<br />
uma verdadeira sociedade entre<br />
iguais. O sócio que entrou<br />
ontem e o sócio mais antigo,<br />
numa assembleia de sócios, a<br />
voz e o voto deles têm o mesmo<br />
peso. Eu acho que isso é<br />
o que ajuda o escritório a se<br />
manter no topo e, ao contrário<br />
de outros escritórios,<br />
houve poucas cisões. A partir<br />
dessa união dos sócios, e também<br />
pela filosofia de que o es-<br />
critório é mais importante do<br />
que cada um dos sócios, conquistamos<br />
coisas que não são<br />
o interesse individual de cada<br />
um, mas que são do interesse<br />
da sociedade, e que acabam<br />
por manter o escritório em<br />
posição de destaque. Eu acho<br />
que é a união entre os sócios<br />
que faz disso uma verdadeira<br />
sociedade. É tudo questão de<br />
fazer bem-feito, e o dinheiro<br />
é consequência disso.<br />
2) O Pinheiro Neto atua em<br />
praticamente todas as áreas<br />
do Direito. Quais são as áreas<br />
que, na opinião do escritório,<br />
devem evoluir?<br />
Essa é a pergunta de um milhão<br />
de dólares para qualquer<br />
escritório que quer se projetar<br />
nos próximos anos. O<br />
Brasil não é um bom país<br />
para fazer exercício de futurologia.<br />
É nítido que algumas<br />
áreas atingiram uma maturidade.<br />
Outras áreas, até pelo<br />
momento do país, que devem<br />
crescer muito, são as áreas de<br />
infraestrutura e financiamento<br />
de projetos, Project Finance,<br />
nas quais há muita coisa<br />
a ser feita. Até hoje o Brasil<br />
seguiu o padrão de que ou<br />
é o capital privado que faz<br />
o investimento direto, ou é<br />
o BNDES que faz os gran
des financiamentos. Eu creio<br />
que na próxima fase muitos<br />
desses projetos só serão criados<br />
com o financiamento do<br />
mercado financeiro. Por isso,<br />
calculo que a área de financiamento<br />
de projetos tende a<br />
crescer muito nos próximos<br />
anos. Acho que outra área que<br />
tende a crescer muito, até pelas<br />
vicissitudes do judiciário, é<br />
a área de arbitragem, porque<br />
você não tem necessariamente<br />
um processo mais barato, mas<br />
você tem um processo mais<br />
célere e existe a percepção de<br />
que haverá uma decisão mais<br />
bem informada, principalmente<br />
no que diz respeito a<br />
questões mais sofisticadas.<br />
3) O modelo workaholic das<br />
grandes firmas não está na<br />
contramão da atual discus-<br />
allex ferreira<br />
o advogado Alexandre<br />
Bertoldi, sócio gestor do<br />
Pinheiro neto<br />
são sobre equilíbrio entre<br />
qualidade de vida e vida<br />
profissional?<br />
Creio que de uma certa maneira<br />
está sim. Esse modelo<br />
clássico, adotado não só pelos<br />
grandes escritórios daqui, mas<br />
também pelos de fora, de Nova<br />
Iorque, de Londres, é um modelo<br />
que precisa ser repensado.<br />
Acho que muitas pessoas já não<br />
se interessam pela possibilidade<br />
de se tornarem sócias, que era<br />
o grande atrativo. Muitas pessoas<br />
hoje em dia param e pensam<br />
“Não sei se quero a vida da<br />
minha chefe”, que é uma vida<br />
com muito pouco controle<br />
sobre o seu horário, sobre sua<br />
vida em geral. Por isso, creio<br />
que devemos reinventar esse<br />
modelo, pensar em alguma forma<br />
de fazer a pessoa trabalhar<br />
aqui sem ter que se dedicar excessivamente<br />
ao escritório. Por<br />
outro lado, se você está numa<br />
grande operação nesses escritórios<br />
empresariais, não existe<br />
a possibilidade de você olhar<br />
no relógio e dizer “olha, são<br />
18 horas e combinei de ir ao<br />
cinema com a minha mulher,<br />
vamos parar por aqui, amanhã<br />
retomamos”, não é assim. Se<br />
você está discutindo centenas<br />
de milhões, às vezes bilhões de<br />
dólares, o ritmo é intenso mesmo.<br />
Talvez tenhamos que criar<br />
um modelo em que aqueles<br />
que querem e estão dispostos a<br />
trabalhar muito possam ter essa<br />
vida, e aqueles que não querem<br />
e desejam ter uma vida mais<br />
previsível também consigam<br />
um lugar no escritório, não<br />
necessariamente atingindo o<br />
mesmo resultado final.<br />
4) Qual conselho o senhor<br />
daria para os atuais estudantes<br />
de direito e estagiários?<br />
É difícil dar conselho, porque<br />
cada um é cada um. Mas meu<br />
conselho genérico é: sejam<br />
curiosos e sejam coerentes na<br />
busca do que vocês querem.<br />
Um grande erro que uma<br />
pessoa faz é dizer que quer<br />
uma coisa, mas as atitudes e<br />
a maneira como ela se comporta<br />
não refletem isso. Então,<br />
se você quer ser advogado de<br />
um escritório grande, você<br />
tem que saber o que o escritório<br />
espera de você. Não é<br />
pelo dinheiro, você tem que<br />
estar realmente convencido<br />
do que quer. Da mesma forma,<br />
se a pessoa quiser ser um<br />
promotor ou um juiz, ela tem<br />
que saber que precisará estudar<br />
muitas horas. Em resumo,<br />
não basta declarar uma intenção,<br />
é preciso fazer as escolhas<br />
e tomar as atitudes para atingir<br />
o seu objetivo. n<br />
Fórum jurídico<br />
27
28 Fórum jurídico<br />
Perfil<br />
josé edUardo Cardozo
José Eduardo Cardozo:<br />
da PUC ao<br />
Ministério<br />
LUis gUstaVo dias E aNa CaroLiNa di giaCoMo / Fotos: aLLEX FErrEira<br />
o ministro da<br />
justiça, josé<br />
Eduardo cardozo<br />
Fórum jurídico<br />
29
30<br />
Fórum jurídico<br />
Perfil<br />
josé edUardo Cardozo<br />
Temos desde a Secretaria de<br />
Direito Econômico até a<br />
Secretaria Nacional de Segurança Pública<br />
SoBre o miniSTro<br />
o ministro da Justiça, José<br />
Eduardo cardozo, é formado<br />
em direito pela Pontifícia universidade<br />
Católica de são Paulo,<br />
onde é professor de direito<br />
Administrativo. Foi também na<br />
Pontifícia que ele iniciou sua<br />
carreira política e onde concluiu<br />
o mestrado. de 2003 a<br />
2011 foi deputado federal pelo<br />
estado de são Paulo. desde 1º<br />
de janeiro de 2011, ocupa o<br />
cargo de ministro da Justiça.<br />
munDo polÍTico<br />
Como é sua rotina de Ministro<br />
da Justiça?<br />
Minha rotina é não ter rotina.<br />
Tenho saído muito tarde do<br />
Ministério. Houve dia em que<br />
saímos às duas e meia da manhã,<br />
onze horas, meia-noite. E<br />
é normal que seja assim, porque<br />
tratamos de muitos assuntos<br />
diferentes.<br />
O Ministério da Justiça é um<br />
dos ministérios mais curiosos.<br />
É o primeiro ministério,<br />
e, portanto, possui atribuições<br />
residuais, o que nos leva a tratar<br />
de muitos assuntos diferentes<br />
em um mesmo dia. Participamos<br />
em todas as relações<br />
como o Poder Judiciário, do<br />
ponto de vista da nomeação de<br />
magistrados, do ponto de vista<br />
de política judicial, inovações<br />
legislativas etc. Temos “da Toga<br />
à Tanga”. A toga dos magistrados<br />
e a tanga na Funai.<br />
E isso é altamente complexo,<br />
temos assuntos cotidianos muito<br />
pesados. E tudo isso exige da<br />
parte do Ministro ou do Gabinete<br />
do Ministério uma atuação<br />
dedicada. Quase não se tem<br />
rotina, tanto que, pela primeira<br />
vez desde que comecei a dar<br />
aula na PUC (iniciei em 1982),<br />
tive que tirar licença. Permaneço<br />
dando aulas no curso de<br />
especialização na Escola Paulista<br />
de Direito (EPD) ou coordenando.<br />
Isso porque, além da<br />
questão financeira, gosto de dar<br />
aulas e minha profissão é essa.<br />
Por que não concorrer à reeleição<br />
para o terceiro mandato<br />
como Deputado Federal?<br />
Fiz uma carta para todos os<br />
meus eleitores dizendo que<br />
não disputaria eleição naquele<br />
ano. Inclusive disse na carta<br />
que enalteço e aplaudo aqueles<br />
que, pensando como eu,<br />
partindo dos mesmos princípios,<br />
resolveram permanecer<br />
disputando eleições. Depois de<br />
dezesseis anos de parlamento e<br />
cinco eleições, eu não me sentia<br />
mais à vontade para disputar<br />
um mandato proporcional
em um sistema como o nosso,<br />
em que o financiamento de<br />
campanhas é caríssimo.<br />
A obtenção de recursos em<br />
uma campanha para quem<br />
se pauta pela ética é cada vez<br />
mais constrangedora. Penso:<br />
“não é justo; estou me comportando<br />
eticamente, com<br />
decência, faço uma campanha<br />
espartana dentro daquilo<br />
que existe” e sou tido muitas<br />
vezes como culpado até que<br />
provem o contrário?<br />
Uma vez minha filha me perguntou<br />
se o nosso dinheiro<br />
era roubado. “Como roubado?”<br />
eu questionei. E ela me<br />
respondeu: “Não, papai, é que<br />
na escola estão dizendo que<br />
você é ladrão”. Na hora eu<br />
respondi: “Filha, você vê que<br />
eu trabalho, e que a sua mãe<br />
trabalha”. Eu sempre fui parlamentar<br />
e sempre dei muitas<br />
aulas, muitas. Porque gosto e<br />
porque ganhava bem fazendo<br />
isso. Aí, de repente, você chega<br />
em uma fase da vida e fala<br />
“e ainda vão me chamar de<br />
ladrão?” É complicado.<br />
É o que eu digo, se o nosso<br />
sistema político não passar por<br />
uma reforma, ele não deixará<br />
de ser expulsório de pessoas<br />
que têm uma preocupação ética.<br />
Por isso respeito, admiro e<br />
aplaudo as pessoas que permanecem<br />
na política pensando<br />
como eu penso.<br />
Um dos maiores enfoques da<br />
sua política é o combate ao<br />
tráfico de drogas. Por quê?<br />
Umas das preocupações que temos<br />
no Ministério da Justiça é<br />
a questão da segurança pública,<br />
que foi definida pela Presidente<br />
Dilma como o objetivo prioritário<br />
do Governo no combate<br />
à violência, e ao tráfico de<br />
drogas. Esse é o eixo central em<br />
que temos que intervir.<br />
Sem sombra de dúvidas, o<br />
tráfico de drogas, além de ser<br />
uma mal em si, é um elemento<br />
gerador de violência. Por isso,<br />
temos de atacá-lo firmemente,<br />
e para isso é necessário que se<br />
desenvolvam políticas.<br />
Então, colocamos tudo isso<br />
como uma prioridade e já temos<br />
desenvolvido algumas políticas<br />
importantes: o plano de fronteiras,<br />
que realizamos em paralelo<br />
ao Ministério da Defesa; o plano<br />
de modernização do sistema<br />
prisional brasileiro; e o plano nacional<br />
de enfrentamento a drogas,<br />
que estamos fazendo junto<br />
com o Ministério da Saúde.<br />
Serão quatro bilhões investidos<br />
até 2014, que envolvem segurança<br />
pública e saúde pública.<br />
Temos também a campanha do<br />
desarmamento, que representa<br />
um ponto forte da nossa política<br />
de combate à violência,<br />
tendo sido feita esse ano com a<br />
arrecadação de mais de 35 mil<br />
armas, muitas das quais são de<br />
‘<br />
É o que eu digo, se o<br />
nosso sistema político<br />
não passar por uma<br />
reforma, ele não deixará<br />
de ser expulsório de<br />
pessoas que têm uma<br />
preocupação ética.<br />
Fórum jurídico<br />
31
32<br />
Fórum jurídico<br />
Perfil<br />
‘<br />
Acredito que todo<br />
órgão deva ser<br />
fiscalizado. Porque<br />
isso é uma premissa<br />
da convivência do<br />
Estado moderno.<br />
josé edUardo Cardozo<br />
grosso calibre. Tudo isso, nessa<br />
perspectiva, de combate ao tráfico<br />
de drogas.<br />
Qual sua opinião sobre a polêmica<br />
do CNJ?<br />
Sou e sempre fui favorável a<br />
que todas as atividades funcionais,<br />
principalmente as atividades<br />
públicas, fossem fiscalizadas.<br />
Essa é uma premissa básica do<br />
Estado de Direito. É necessário<br />
que o Poder tenha limites.<br />
A ideia do limite ao poder<br />
não é fácil de ser estabelecida.<br />
E a fiscalização em relação aos<br />
atos de arbítrio, o abuso de<br />
poder, a essência desses limites<br />
também não é fácil de ser<br />
estabelecida. Por isso acredito<br />
que todo órgão deva ser fiscalizado.<br />
As pessoas do mundo<br />
público não podem temer<br />
serem fiscalizadas, porque isso<br />
é uma premissa da convivência<br />
do Estado moderno. Essa é<br />
minha premissa.<br />
Porque eu não tenho falado<br />
dessa questão do CNJ? Pois,<br />
como Ministro da Justiça,<br />
qualquer referência que faça,<br />
neste momento, implicaria<br />
uma intromissão de um agente<br />
do Poder Executivo no Poder<br />
Judiciário.<br />
Então, por essa razão, para que<br />
não se qualifique nenhuma<br />
situação de intromissão do<br />
Poder Executivo em assuntos<br />
do Poder Judiciário, é que eu<br />
não tenho falado, nem posso<br />
falar sobre o caso concreto,<br />
sobre essa tensão que existe<br />
na relação entre o CNJ com<br />
entidade de classe da Magistratura<br />
ou com outros órgãos<br />
jurisdicionais.<br />
O senhor é favorável à união<br />
estável homoafetiva?<br />
Sou absolutamente favorável<br />
ao reconhecimento da união<br />
estável homoafetiva. Temos<br />
que perceber que essas são
elações sociais que existem,<br />
e são totalmente normais. Os<br />
indivíduos não podem fechar<br />
os olhos para elas e fingir<br />
que não existem por conta<br />
de preconceitos e discriminações.<br />
O reconhecimento<br />
jurídico dessas uniões é de<br />
suma relevância. Acredito ser<br />
de grande importância para a<br />
vida social moderna.<br />
Uma das coisas que mais me<br />
atinge como ser humano é o<br />
preconceito, não há sentimento<br />
nem postura pior do que<br />
ele. A palavra preconceito é<br />
muito rica. Ela fala em pré-<br />
-conceito, conceito prévio,<br />
conceito que vem antes da<br />
constatação da realidade. E,<br />
por meio desse conceito prévio,<br />
pessoas não são tratadas<br />
como seres humanos, não são<br />
respeitadas em seus direitos,<br />
são violentadas em situações<br />
mínimas de convivência.<br />
Esse tipo de preconceito deve<br />
ser superado e uma forma de<br />
fazê-lo é justamente perceber<br />
que essas relações existem e<br />
que devem ter sua eficácia jurídica<br />
reconhecida, ou seja, isso,<br />
além de correto em si mesmo,<br />
tem um elemento pedagógico-social<br />
muito importante.<br />
Uma vez que induz as pessoas<br />
a perceberem que as relações<br />
humanas devem ser baseadas,<br />
no que diz respeito à liberdade<br />
individual, naquilo que,<br />
Uma das coisas que mais me<br />
atinge como ser humano é o<br />
preconceito, não<br />
há sentimento nem postura<br />
pior do que ele<br />
obviamente, o indivíduo buscou<br />
como sua orientação.<br />
Como vai ser a questão financeira<br />
e de infraestrutura<br />
para a Copa?<br />
No Ministério da Justiça temos<br />
a Secretaria da Copa e<br />
também criamos a Secretaria<br />
Especial de Segurança para<br />
Grandes Eventos. Normalmente,<br />
a política de segurança<br />
pública é feita pela Secretaria<br />
Nacional de Segurança Pública,<br />
mas os grandes eventos<br />
(Copa do Mundo, Olimpíadas,<br />
Rio mais 20, Copa das<br />
Confederações e a vinda do<br />
Papa) têm exigido uma especial<br />
atenção.Especialmente<br />
a Copa do Mundo em 2014,<br />
porque exige muita infraestrutura,<br />
aeroportos e uma série<br />
de questões que estão sendo<br />
desenvolvidas pelas áreas<br />
específicas. Mas, da nossa parte,<br />
há de ser garantida a segurança<br />
nos grandes eventos. Por<br />
isso, temos um plano já fechado<br />
sobre a segurança nesses<br />
casos. O objetivo é dar uma<br />
excelente segurança na Copa<br />
de 2014, mas também deixar<br />
um legado, ou seja, deixar um<br />
ganho de segurança pública<br />
para a política comum.<br />
Por que não foi feito isso<br />
no Pan?<br />
Esse é um dos grandes problemas.<br />
Acho que na questão<br />
do Pan faltou uma amarração<br />
mais forte com o legado, embora<br />
muita coisa tenha ficado.<br />
Por exemplo, o centro de<br />
Comando e Controle do Rio<br />
de Janeiro, que será um dos<br />
grandes centros de comando e<br />
controle que teremos na Copa<br />
do Mundo, já está montado,<br />
porque foi feito no Pan.<br />
Agora, a Copa do Mundo tem<br />
outra característica, são doze<br />
cidades-sede, com características<br />
bastante diferenciadas.<br />
Fórum jurídico<br />
33
34<br />
Fórum jurídico<br />
Perfil<br />
Nós aprendemos com os erros<br />
e acertos do Pan, e vamos<br />
projetar a política para que,<br />
além de uma boa segurança,<br />
deixemos um legado para a<br />
segurança pública.<br />
Falou-se na possível suspensão<br />
do CDC como exigência<br />
da FIFA. Qual a sua opinião<br />
sobre o assunto?<br />
Há uma série de exigências<br />
que acredito que devam ser<br />
analisadas com bastante cuidado<br />
pelo Congresso Nacional.<br />
Existem diversas exigências,<br />
desde a criação de regras<br />
processuais próprias até admitir<br />
a venda de bebidas nos<br />
estádios, que nossa legislação<br />
não permite. Há uma série<br />
de questões que estão sendo<br />
discutidas hoje no Congresso<br />
Nacional. E algumas delas<br />
podemos aceitar. Mas também<br />
não podemos mudar toda<br />
nossa sistemática por causa de<br />
um evento, quando a sistemática<br />
dá conta do recado.<br />
josé edUardo Cardozo<br />
Governar significa enfrentar<br />
muitos problemas ao mesmo<br />
tempo e conseguir dar conta do<br />
recado de todos<br />
O dinheiro dos “grandes<br />
eventos” poderia ser investido<br />
de outra maneira?<br />
O ganho é descomunal do<br />
ponto de vista turístico e de<br />
uma série de questões. Ou<br />
seja, a Copa do Mundo é um<br />
encontro esportivo com data<br />
marcada, que vai obrigar a fazer<br />
muitas obras que são necessárias<br />
não só para a Copa do Mundo,<br />
mas também para a vida da<br />
sociedade. A questão da mobilidade<br />
urbana, a questão da segurança<br />
e uma série de outras<br />
questões serão promovidas com<br />
data marcada, obrigando União,<br />
Estados e Municípios a agirem<br />
juntos, o que acho extremamente<br />
positivo.<br />
Além de ser um evento esportivo<br />
que divulga o país,<br />
que traz turismo, ele implica<br />
gastos que geram construções<br />
que ativam o mercado, mas,<br />
além disso, deixa um legado<br />
fantástico. Serão doze cidades-sede<br />
que terão os centros<br />
de comando e controle. Isso<br />
nos forçará, e já estamos pensando<br />
nisso, a colocar pequenos<br />
centros de controle em<br />
outras cidades.<br />
Portanto, a Copa do Mundo<br />
é um evento com data marcada,<br />
que nos obriga a seguir um<br />
cronograma que pode mudar<br />
hábitos, que pode mudar rotinas,<br />
que pode trazer um resultado<br />
não apenas bom para os<br />
eventos, mas bom para o país.<br />
Acredito que esses eventos esportivos<br />
são muito bem-vindos.<br />
E, com isso, acabamos deixando<br />
um pouquinho as disputas políticas<br />
para as horas das eleições,<br />
porque senão ninguém sobrevive<br />
do ponto de vista dos planos<br />
que devem ser feitos.<br />
Então, hoje você vê os governadores<br />
preocupados com as<br />
obras; questões dos transportes<br />
sendo enfrentadas em conjunto,<br />
coisas que não seriam<br />
feitas se não tivéssemos hora<br />
marcada para realizá-las.<br />
Temos um problema seríssimo<br />
nos aeroportos e o que
está mobilizando toda a energia<br />
pra resolver é a Copa do<br />
Mundo. Claro que iríamos<br />
resolver o problema, mas sempre<br />
com aquelas desarticulações<br />
características.<br />
Agora, temos que ter aeroporto<br />
até 2014. Tem que estar resolvido,<br />
não tem meio termo.<br />
Então, isso é extremamente<br />
interessante do ponto de vista<br />
do desenvolvimento de políticas<br />
públicas.<br />
Não seria melhor investir<br />
em educação?<br />
Temos que enfrentar a situação<br />
da educação. Uma coisa não<br />
desobriga a outra. Quando se<br />
gera emprego, renda, ativa-se<br />
a roda da economia do país e<br />
isso reflete também em impostos<br />
e em uma série de situações<br />
que vamos desenvolver.<br />
Educação é fundamental, mas<br />
não se pode perder de vista outros<br />
lados, outras políticas que<br />
também devem ser desenvolvidas.<br />
Deve-se enfrentar todas:<br />
saúde, segurança pública, entre<br />
outras. Por exemplo, nesses<br />
eventos internacionais, o Brasil<br />
vai ter um despertar político<br />
impressionante, que nunca teve.<br />
Veja o Rio de Janeiro. Ele foi,<br />
em certa medida, transformado<br />
pelo Pan. Será transformado<br />
pela Copa do Mundo. No<br />
que se refere ao investimento<br />
em turismo, temos um inves-<br />
timento irrisório perto do<br />
que países europeus realizam.<br />
E podemos oferecer um turismo<br />
maravilhoso.<br />
Com os grandes eventos somos<br />
obrigados a investir em<br />
infraestrutura hoteleira, infraestrutura<br />
turística, em aprendizado<br />
de línguas. Há uma série<br />
de questões que são motivadas.<br />
Governar significa enfrentar<br />
muitos problemas ao mesmo<br />
tempo e conseguir dar conta<br />
do recado de todos. Essa é a<br />
grande questão.<br />
O Brasil está em uma era de<br />
grande expansão econômica.<br />
O Judiciário tem acompanhado<br />
o crescimento do país?<br />
Nossa estrutura judicial - isso<br />
não é culpa dos juízes, é culpa<br />
de todo mundo – está muito<br />
aquém das nossas necessidades.<br />
O Judiciário ainda é moroso,<br />
ainda é lento, e há uma<br />
série de questões que precisam<br />
ser enfrentadas. Ainda temos<br />
processos que são costurados<br />
com a mesma linha ou<br />
algo muito próximo com que<br />
Pero Vaz de Caminha amarrou<br />
a Carta e mandou para o<br />
rei em Portugal.<br />
É inacreditável que, enquanto<br />
você faz saques bancários<br />
pela internet, o cliente tem<br />
que ir lá pegar autos todos<br />
amarrados com uma linha<br />
e pegar um carrinho de su-<br />
‘<br />
A Copa do Mundo<br />
é um encontro<br />
esportivo com<br />
data marcada, que<br />
vai obrigar a fazer<br />
muitas obras que<br />
são necessárias não<br />
só para a Copa<br />
do Mundo, mas<br />
também para a vida<br />
da sociedade.<br />
Fórum jurídico<br />
35
‘<br />
A PUC fez e faz a<br />
minha vida. Entrei<br />
na PUC em 1977,<br />
ano em que foi<br />
invadida pelas<br />
forças militares.<br />
36<br />
Fórum jurídico<br />
Perfil josé edUardo Cardozo<br />
permercado para transportar<br />
os processos. Quer dizer,<br />
são coisas inacreditáveis que<br />
ainda existem. Estamos muito<br />
atrasados. Falta muito. A<br />
reforma do judiciário é uma<br />
reforma que está muito atrasada,<br />
embora tenha andado<br />
muito nos últimos tempos.<br />
munDo puc<br />
Resuma a PUC em uma frase:<br />
“A PUC fez e faz a minha<br />
vida.”<br />
Entrei na PUC em 1977, ano<br />
em que foi invadida pelas forças<br />
militares. Havia um ato na<br />
porta do TUCA – de que eu<br />
não participei, porque eu tinha<br />
uma prova um dia depois,<br />
e também pelo receio. No dia<br />
seguinte, quando cheguei à<br />
faculdade para fazer a prova,<br />
a PUC estava totalmente cercada<br />
por carros blindados e<br />
tropas e as aulas tinham sido<br />
suspensas. Quando finalmente<br />
entrei na Universidade, vários<br />
amigos meus tinham sido presos,<br />
o presidente do CA tinha<br />
sido enquadrado na Lei de Segurança<br />
Nacional, e as salas de<br />
aulas, a biblioteca e o CA haviam<br />
sido destruídos.<br />
Todo mundo na vida, por mais<br />
medo que tenha das coisas,<br />
chega num ponto em que não<br />
pode ficar quieto. O episódio<br />
da ditadura me conduziu ao<br />
movimento estudantil. E isso,<br />
de certa forma, fez a minha<br />
vida e ainda faz. Eu tenho um<br />
lado acadêmico, sou professor,<br />
gosto de dar aulas, gosto de escrever,<br />
de estudar, de fazer pareceres,<br />
de produzir textos jurídicos.<br />
Isso faz parte da minha<br />
essência, mas se soma ao lado<br />
da política. Então, aquilo me<br />
fez ir para a atividade política.<br />
Me tornei vereador, depois deputado.<br />
Hoje ministro.<br />
Na realidade, a minha vida tem<br />
dois lados: o lado acadêmico<br />
e o lado político, e foi isso o<br />
que a PUC me proporcionou.<br />
Seguramente eu não seria a<br />
mesma pessoa se não tivesse<br />
entrado na PUC, minha vida<br />
certamente teria tomado um<br />
rumo diferente. Mas, ainda,<br />
a PUC me trouxe um outro<br />
diferencial que, em geral, os<br />
outros cursos não fornecem: o<br />
pensamento crítico.<br />
Especialmente para quem faz<br />
direito, nós estamos muito<br />
habituados a pensá-lo como<br />
lei, como dogma, é algo muito<br />
prevalecente em nossa<br />
formação. A PUC me trouxe<br />
a ideia da análise crítica<br />
do pensamento jurídico, isto<br />
é, pensar nos valores e princípios<br />
que estão além da lei.<br />
Debater a ideia de justiça, de<br />
ética, de transformação.<br />
O curso que tive na PUC não<br />
foi convencional e restrito, e
Mas, ainda, a PUC me trouxe um<br />
outro diferencial que,<br />
em geral, os outros cursos não<br />
fornecem: o pensamento crítico<br />
sim amplo e com preocupação<br />
crítica. Embora eu tenha estudado<br />
e compreendido a dogmática<br />
jurídica, sem sombra de<br />
dúvida, a preocupação crítica<br />
foi mais importante até do que<br />
se eu tivesse só estudado ou só<br />
aprendido a refletir o direito<br />
sobre o mundo da dogmática.<br />
A PUC me fez o que eu sou.<br />
Se eu tivesse que refazer situa-<br />
ções da minha vida, muitas<br />
eu refaria, mas ter entrado na<br />
PUC, não. Eu não mudaria<br />
um milímetro da oportunidade<br />
que a vida me deu ao cursar<br />
essa universidade.<br />
Os alunos da PUC são mais<br />
politizados?<br />
Todo mundo se adapta um<br />
pouco ao meio em que está.<br />
Às vezes você pode encontrar<br />
pessoas muito críticas<br />
que quando entram em uma<br />
universidade são totalmente<br />
castradas em sua perspectiva,<br />
seja porque têm relações<br />
autoritárias com professores,<br />
seja porque a metodologia<br />
transforma o aluno em objeto<br />
e o professor em sujeito.<br />
Por outro lado, existem pessoas<br />
que são muito reprimidas<br />
e quando entram em ambientes<br />
que lhes permitem<br />
desenvolver a dimensão crítica<br />
de seu ser se desenvolvem,<br />
desabrocham em uma perspectiva<br />
do pensamento não<br />
paralisado, do pensamento<br />
não “ensimesmado”.<br />
As pessoas, por oportunidade<br />
de vida, chegam à universidade<br />
das formas mais diferentes<br />
possíveis, mas a PUC proporciona<br />
o espaço de relação e<br />
reflexão livres. É evidente que<br />
há professores que são mais<br />
autoritários e outros menos,<br />
mas o espírito da PUC é de<br />
grande liberdade. A distância<br />
entre professor e aluno não é<br />
um abismo, como ocorre em<br />
outras instituições de ensino;<br />
o professor vive um clima bastante<br />
diferenciado. No fundo,<br />
ninguém ensina ninguém.<br />
O fato é que os professores já<br />
percorreram um caminho de<br />
conhecimento prévio e são<br />
orientadores e semeadores<br />
daqueles que vêm depois. A<br />
relação entre professor e aluno<br />
não pode ser uma relação,<br />
como meu querido professor<br />
e amigo, o saudoso Paulo Freire,<br />
dizia: da “educação bancária”.<br />
Esse modo de educar faz<br />
com que o professor entre na<br />
sala de aula, deposite o conhecimento<br />
no aluno e, no final<br />
do bimestre, faça o saque por<br />
meio de uma prova. Às vezes<br />
vem sem fundos. Essa relação<br />
da educação bancária pressupõe<br />
um sujeito e um objeto,<br />
que é a pior das formas de relacionamento<br />
pedagógico.<br />
O aluno é um sujeito tanto<br />
quanto o professor. Eles têm<br />
de se inteirar em pé de igualdade,<br />
com respeito mútuo,<br />
cada um no seu papel. E a<br />
PUC permite muito a construção<br />
dessa relação pedagógica<br />
livre e crítica.<br />
Fórum jurídico<br />
37
38<br />
Fórum jurídico<br />
Perfil josé edUardo Cardozo<br />
O conselho que eu dou<br />
e de que não me arrependo é:<br />
viva a PUC<br />
Existe um momento ideal<br />
para estagiar?<br />
Depende de cada um. Eu comecei<br />
no primeiro ano na periferia<br />
de São Paulo e fiquei os<br />
cinco anos nessa atividade. Comecei<br />
a fazer estágio em um<br />
escritório de advocacia no meu<br />
segundo ano, mas fiquei apenas<br />
alguns meses, porque me elegi<br />
presidente do CA 22 de Agosto,<br />
e tive que sair, já que os horários<br />
eram incompatíveis. Mais<br />
tarde, no meu quarto ano, fui<br />
estagiário da Prefeitura de São<br />
Paulo, o que me levou a fazer<br />
concurso da Procuradoria do<br />
Município, onde entrei logo<br />
após ter me formado.<br />
Acredito que o estágio é muito<br />
importante, mas sem privar<br />
dos estudos da faculdade, caso<br />
contrário, estagiar no primeiro<br />
ano torna-se irrelevante.<br />
Contudo, se você conseguir<br />
combinar a perspectiva de crescer<br />
profissionalmente e aprender,<br />
então torna-se conveniente.<br />
Isso depende muito de cada<br />
um, mas, evidentemente, no<br />
quarto ano você tem que estagiar.<br />
Se o aluno começar antes,<br />
vai depender muito dele.<br />
Como seu trabalho social<br />
na universidade influiu no<br />
seu cargo?<br />
Muito. Não seria a mesma<br />
pessoa se não tivesse vivido<br />
essa experiência. Isso influiu<br />
diretamente na minha condição<br />
de Ministro, e de deputado,<br />
de vereador.<br />
É engraçado, quando vamos na<br />
periferia, achamos que vamos<br />
ensinar alguma coisa. Mas não,<br />
acabamos sempre aprendendo.<br />
Recebi verdadeiras lições de<br />
vida na periferia de São Paulo.<br />
E algumas delas não saem mais<br />
da minha mente. Você vê pessoas<br />
com simplicidade, sem ter<br />
o mesmo meio de instrução<br />
formal que você tem, te dando<br />
verdadeiras aulas de vida.<br />
Isso não se perde. Aulas de vida<br />
são aquelas que você não esquece,<br />
porque você é testado<br />
pelas provas da vida diariamente.<br />
E eu digo: não seria a mesma
pessoa se não estivesse lá. Não<br />
desenvolveria minhas atividades<br />
ao longo do tempo, seja de professor,<br />
seja de advogado, seja a<br />
de estudioso de Direito, seja de<br />
parlamentar, seja de Ministro.<br />
Nenhuma delas eu desenvolveria<br />
da mesma forma se eu não<br />
tivesse tido essa experiência.<br />
Com base na sua experiência,<br />
qual a sua recomendação<br />
para um aluno da PUC-SP?<br />
Viva intensamente a sua universidade.<br />
Eu não me arrependo<br />
disso, eu vivi intensamente<br />
a PUC. No fundo, fiz um excelente<br />
curso, estudava muito,<br />
fui o melhor aluno da minha<br />
turma em notas. Ganhei o<br />
prêmio Faculdade Paulista de<br />
Direito na época. E, ao mesmo<br />
tempo, vivia intensamente<br />
a vida política da universidade.<br />
Durante muitos anos na PUC<br />
eu dei aula de Filosofia do Direito.<br />
Essa experiência me fez<br />
pensar, foi muito rica. Então<br />
o conselho que eu dou e de<br />
que não me arrependo é: viva<br />
a PUC. Eu vivi intensamente<br />
a universidade, praticamente<br />
morei nela. E isso foi extremamente<br />
enriquecedor. Se há<br />
uma coisa de que eu sinto saudade<br />
é desse tempo. n<br />
‘ Recebi verdadeiras<br />
lições de vida na<br />
periferia de São<br />
Paulo. E algumas delas<br />
não saem mais da<br />
minha mente.<br />
reunião extraordinária<br />
do Conselho nacional de<br />
segurança Pública<br />
Fórum jurídico<br />
isaac amorim<br />
39
40<br />
Fórum jurídico<br />
entrevista<br />
<strong>Fábio</strong> <strong>Ulhoa</strong> <strong>Coelho</strong><br />
Um <strong>novo</strong> direito<br />
Comercial<br />
reconhecido como um dos grandes nomes da área, ulhoa busca<br />
consertar as imperfeições da legislação empresarial brasileira<br />
FiLiPE FaCChiNi E otáVio brEssaN / Fotos: aLEX FErrEira<br />
Atualmente, não há como se pensar em direito comercial<br />
brasileiro sem nos lembrarmos de <strong>Fábio</strong> <strong>Ulhoa</strong> <strong>Coelho</strong>. Professor<br />
Titular de Direito Comercial da Pontifícia Universidade<br />
Católica de São Paulo (PUC-SP), livre-docente, advogado<br />
e parecerista. Com apenas um de seus livros, o Manual de Direito<br />
Comercial, editado pela Saraiva, alcançou, no final de 2011,<br />
o volume total de vendas de 314.559 unidades. Formado na<br />
PUC-SP em 1981, iniciou a sua trajetória em 1982, como<br />
assistente nas disciplinas de Direito Comercial e Filosofia<br />
do Direito na própria Pontifícia. Feita a opção de se dedicar<br />
ao Direito Comercial, concluiu o seu mestrado, doutorado<br />
e livre-docência na mesma faculdade. No cenário atual do<br />
Direito Comercial Brasileiro, tem a honra de ter a sua minuta<br />
do <strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial utilizada como anteprojeto para<br />
a lei. <strong>Ulhoa</strong> <strong>Coelho</strong> ocupa lugar de destaque, sendo recorrentemente<br />
procurado para esclarecer as controvérsias e demais<br />
questões atuais que se relacionam ao cotidiano jurídico de<br />
uma empresa. Tido hoje como referência, esse ilustre ícone<br />
da PUC-SP, com a didática que lhe é particular, respondeu a<br />
algumas perguntas, que vêm a seguir, sobre sua carreira bem<br />
como sobre as mais atuais e controversas questões do Direito<br />
Comercial. Suas palavras são uma verdadeira aula.
<strong>Fábio</strong> ulhoa coelho:<br />
professor titular de direito<br />
comercial da PuC-sP<br />
Fórum jurídico<br />
41
O que levou o senhor a tornar-se<br />
doutrinador?<br />
Eu sempre tive um lado ligado<br />
a comunicações e, por isso, sempre<br />
pensei em me dedicar à carreira<br />
acadêmica, em me tornar<br />
professor. Eu não consigo ver a<br />
atividade docente separada da<br />
atividade de pesquisa e, sendo<br />
professor universitário, tenho<br />
que pesquisar constantemente<br />
e as pesquisas naturalmente<br />
levam à produção de textos, livros<br />
e artigos, que servem para<br />
divulgar o que o pesquisador<br />
está refletindo e descobrindo.<br />
São coisas indissociáveis e desde<br />
sempre eu pensei que era isso<br />
que eu gostaria de fazer.<br />
Uma de suas obras – O Futuro<br />
do Direito Comercial – é<br />
utilizada como minuta para<br />
o projeto do <strong>novo</strong> <strong>Código</strong><br />
Comercial. Como o senhor<br />
se sente a respeito?<br />
Eu estou bastante animado<br />
com tudo o que está acontecendo.<br />
No final de 2010, publiquei<br />
esse livro como uma<br />
minuta de como eu entendia<br />
que seria o melhor código comercial<br />
para o Brasil, mas não<br />
tinha ideia de que ele seria capaz<br />
de desencadear o processo<br />
que desencadeou. Imaginei<br />
que seria uma contribuição<br />
42 Fórum jurídico<br />
entrevista<br />
<strong>Fábio</strong> <strong>Ulhoa</strong> <strong>Coelho</strong><br />
acadêmica a mais e que, um dia<br />
ou outro, quando alguém fosse,<br />
eventualmente, estudar certo<br />
assunto, poderia ilustrar com a<br />
informação que um autor, em<br />
um determinado momento,<br />
sugeriu certa solução legislativa<br />
para aquele problema. Eu<br />
imaginei que a contribuição<br />
que o livro daria seria apenas<br />
essa: uma contribuição acadêmica.<br />
Não é o que está acontecendo:<br />
a minuta aperfeiçoada<br />
se transformou em projeto<br />
de lei e o debate nacional se<br />
instalou sobre se é o caso de<br />
termos, ou não, um <strong>novo</strong> <strong>Código</strong><br />
Comercial e qual código<br />
comercial seria esse. Foi, portanto,<br />
muito além das minhas<br />
expectativas o que ocorreu em<br />
decorrência do livro. Algo que<br />
escrevi para uma função me-<br />
capa do livro O Futuro<br />
do Direito Comercial<br />
(ed. saraiva, 2011)<br />
divUlgação<br />
ramente acadêmica e desencadeia<br />
um debate nacional muito<br />
profícuo é algo que me deixa<br />
muito feliz.<br />
Por que o senhor acha, para<br />
a realidade brasileira, que a<br />
criação de um <strong>novo</strong> <strong>Código</strong><br />
Comercial é importante?<br />
Nós precisamos de uma lei<br />
que valorize a empresa. Nós<br />
temos leis que valorizam o<br />
consumidor, o trabalhador,<br />
entre outros agentes econômicos,<br />
mas a empresa não tem<br />
uma lei de valorização. A ordem<br />
jurídica precisa valorizar<br />
a empresa por diversas razões.<br />
A primeira razão é para que<br />
ela possa cumprir sua função<br />
social, ou seja, gerar empregos,<br />
tributos, atender as necessidades<br />
dos consumidores, apoiar<br />
a comunidade em que ela está<br />
instalada com iniciativas culturais<br />
e sociais. Só uma empresa<br />
forte e lucrativa pode cumprir<br />
sua função social. Se estiver<br />
faltando dinheiro para a empresa<br />
fazer seus investimentos,<br />
se ela não estiver conseguindo<br />
realizar satisfatoriamente nem<br />
mesmo sua função econômica<br />
– que é produzir e vender bens<br />
e serviços –, ela não terá como<br />
cumprir sua função social.<br />
Mas não é só isso, precisamos
valorizar a empresa no Brasil<br />
para atrair <strong>novo</strong>s investimentos.<br />
Com a globalização, o investidor<br />
e o empresário têm<br />
o mundo todo para investir,<br />
ou seja, os países competem<br />
pelo investidor. O Brasil pode<br />
competir melhor pelo investidor<br />
se tivermos uma ordem<br />
jurídica que crie um ambiente<br />
favorável aos negócios. A ordem<br />
jurídica que temos hoje<br />
não tem sido um bom instrumento<br />
nessa competição pelos<br />
investimentos.<br />
Uma terceira razão, bem ligada<br />
a essa segunda, é para reter o<br />
investimento. O brasileiro hoje,<br />
se não tiver segurança jurídica<br />
para fazer o seu investimento<br />
aqui, facilmente vai investir<br />
em outro lugar. Quem acaba<br />
tendo problemas com a deficiência<br />
na atração e retenção de<br />
investimentos é quem depende<br />
da economia funcionando bem<br />
para trabalhar e viver.<br />
E a quarta razão pela qual a<br />
gente precisa de um <strong>novo</strong> <strong>Código</strong><br />
Comercial está relacionada<br />
aos preços dos produtos e<br />
serviços que consumimos aqui<br />
no Brasil. Muitos colocam a<br />
culpa na carga tributária, mas<br />
diversas reportagens mostraram<br />
que o mesmo veículo vendido<br />
no exterior e no Brasil, des-<br />
‘<br />
Nós precisamos<br />
de uma lei<br />
que valorize a<br />
empresa. Nós<br />
temos leis que<br />
valorizam o<br />
consumidor,<br />
o trabalhador,<br />
entre outros<br />
agentes<br />
econômicos,<br />
mas a empresa<br />
não tem<br />
uma lei de<br />
valorização.<br />
considerando os impostos, aqui<br />
continua mais caro. Fala-se que<br />
seria o “Custo Brasil”, isto é, as<br />
dificuldades de nossa infraestrutura,<br />
que contribui para esse<br />
encarecimento, mas não é toda<br />
a explicação. Muitas vezes temos<br />
o mesmo serviço, utilizando<br />
a mesma estrutura e, se você<br />
compra o serviço aqui, você<br />
paga mais caro do que pagaria<br />
se comprasse no exterior. Passagens<br />
de transportes aéreos, por<br />
exemplo. Utilizando o mesmo<br />
avião, o mesmo voo, dois passageiros<br />
sentados um ao lado do<br />
outro. Aquele que comprou a<br />
passagem no Brasil pagou 25%<br />
mais caro do que aquele que<br />
comprou a passagem lá fora,<br />
mas é a mesma infraestrutura.<br />
Alguns dizem que o que explica<br />
essa diferença de preço é<br />
o “Lucro Brasil”, que nós estaríamos<br />
sustentando as crises<br />
dos países centrais, ou seja, é<br />
caro aqui para gerar lucro para<br />
as matrizes que estão falidas<br />
nos Estados Unidos e Europa.<br />
Essa explicação também não<br />
convence. Primeiro porque os<br />
preços são mais caros no Brasil<br />
desde antes da crise de 2008,<br />
segundo que, se fosse para ajudar,<br />
o mais lógico seria reduzir<br />
os preços, aumentar as vendas e<br />
gerar mais lucros.<br />
Fórum jurídico<br />
43
44 Fórum jurídico<br />
entrevista<br />
Então, na verdade, por que os<br />
produtos ou serviços são mais<br />
caros no Brasil do que exterior?<br />
É uma questão muito fácil de<br />
entender, todo empresário pensa<br />
da seguinte forma: “O meu<br />
retorno tem que ser proporcional<br />
ao meu risco”, ou seja,<br />
quanto maior o risco, maior<br />
o retorno. Então se eu, como<br />
empresário, estou fazendo negócio<br />
em um país que possui<br />
risco jurídico, eu tenho que ter<br />
um retorno maior do meu investimento<br />
para que o meu lucro<br />
não seja comprometido por<br />
decisões que se afastam da letra<br />
da lei. É esse risco jurídico que<br />
o <strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial vai<br />
ajudar a reduzir e que, portanto,<br />
possibilitará que os empresários<br />
invistam aqui no Brasil atrás de<br />
retornos menores e praticando<br />
preços mais baixos pelos produtos<br />
ou serviços.<br />
O projeto tem como uma de<br />
suas bases a formalização dos<br />
princípios gerais do Direito<br />
Comercial. Isso não poderia<br />
gerar um engessamento do<br />
Direito Comercial?<br />
Não. Essa é uma crítica que<br />
também foi feita: que o Direito<br />
Comercial, sendo um ramo tão<br />
dinâmico, não poderia hoje ser<br />
codificado. A codificação po-<br />
<strong>Fábio</strong> <strong>Ulhoa</strong> <strong>Coelho</strong><br />
‘<br />
Um <strong>Código</strong><br />
Comercial<br />
autônomo<br />
ajuda a<br />
fomentar a<br />
lógica própria<br />
da relação<br />
empresarial,<br />
para que,<br />
quando o juiz<br />
julgar essas<br />
questões, esteja<br />
ciente de suas<br />
características e<br />
peculiaridades.<br />
deria gerar um engessamento.<br />
Essa crítica é infundada, porque<br />
o processo legislativo, para mudar<br />
qualquer norma legal, é rigorosamente<br />
o mesmo, estando<br />
a norma em um código ou em<br />
uma lei ordinária. Estando em<br />
um ou outro e sendo necessário<br />
mudar porque a dinâmica<br />
dos negócios está exigindo que<br />
mude, o processo legislativo será<br />
igual; não haverá mais dificuldade<br />
de ajustar a norma à realidade<br />
porque ela está em um código e<br />
não em uma lei não codificada.<br />
O senhor acredita que a elaboração<br />
do <strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial<br />
pode ajudar o contínuo<br />
crescimento do Brasil?<br />
Sem dúvida nenhuma. Eu tenho<br />
uma reflexão marxista sobre<br />
como funciona a sociedade.<br />
Eu acho que, com ou sem<br />
o <strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial, o<br />
Direito Comercial brasileiro<br />
vai mudar por força da realidade<br />
econômica diferente que<br />
nós estamos vivendo. Com o<br />
<strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial essa<br />
mudança será mais rápida e<br />
benéfica para todos nós, será<br />
uma mudança sob controle,<br />
uma mudança administrada.<br />
Sem o <strong>Código</strong> Comercial<br />
essa mudança ocorrerá em<br />
um prazo maior, a um custo
maior, com mais incertezas.<br />
O Brasil está inegavelmente<br />
reposicionado na economia<br />
global e isso demanda um<br />
<strong>novo</strong> Direito Comercial, de<br />
modo que o <strong>novo</strong> <strong>Código</strong><br />
Comercial ajude a atender as<br />
exigências da economia.<br />
Nós falamos sobre o crescimento<br />
econômico do Brasil.<br />
O senhor entende que<br />
o Judiciário também está<br />
acompanhando esse desenvolvimento?<br />
Sem dúvida. Coisas importantíssimas<br />
estão acontecendo no<br />
âmbito do Poder Judiciário.<br />
Em primeiro lugar, eu citaria a<br />
criação das Câmaras de Direito<br />
Empresarial aqui no Tribunal de<br />
Justiça de São Paulo, ou seja, uma<br />
especialização no plano do Tribunal<br />
de Justiça sobre a matéria<br />
de Direito Comercial. A criação<br />
das Câmaras foi um passo extremamente<br />
importante dado<br />
pelo Tribunal de Justiça de São<br />
Paulo, capaz de gerar um modelo<br />
que pode, eventualmente, ser<br />
transposto para outros tribunais.<br />
Mas não é só isso. No ano de<br />
2011 o STJ realizou o primeiro<br />
curso voltado exclusivamente<br />
ao Direito Comercial para magistrados.<br />
O juiz está buscando<br />
informações porque ele precisa<br />
conhecer essa realidade específica<br />
da relação entre as empresas;<br />
saber que essa relação não obedece<br />
à mesma lógica da relação<br />
do consumidor, com a qual ele<br />
está habituado, familiarizado;<br />
até por ser um consumidor.<br />
Haverá também outras novidades<br />
animadoras em 2012 em<br />
relação ao Direito Comercial.<br />
Aguardem, pois haverá iniciativas<br />
interessantes em torno da<br />
revitalização do Direito Comercial,<br />
neste ano.<br />
Alguns críticos do <strong>Código</strong><br />
alegam que bastaria uma<br />
adequação das leis existentes.<br />
Por que o senhor entende ser<br />
melhor um <strong>novo</strong> código?<br />
O Direito Comercial está sujeito<br />
a princípios próprios, que<br />
não são os princípios do Direito<br />
Civil. E uma das dificuldades<br />
para o Direito Comercial brasileiro<br />
cumprir sua função de<br />
criar um ambiente favorável aos<br />
negócios está exatamente nessa<br />
unificação legislativa. Ela não é<br />
uma solução universal, porque<br />
não são todos os países que adotam<br />
o critério de organização<br />
do direito privado positivo. Isso<br />
porque ele impede a adequada<br />
sistematização da disciplina, daquelas<br />
regras que são específicas<br />
da relação entre os empresários.<br />
O <strong>Código</strong> Comercial não vai<br />
mudar nenhuma disposição do<br />
<strong>Código</strong> de Defesa do Consumidor;<br />
ele não vai revogar nenhum<br />
direito trabalhista, assim<br />
como não vai reduzir a responsabilidade<br />
dos empresários pela<br />
preservação do meio ambiente,<br />
nem os deveres deles quanto às<br />
matérias de competência do<br />
CADE – infrações da ordem<br />
econômica – ou mesmo às<br />
obrigações tributárias.<br />
O <strong>Código</strong> Comercial vai tratar<br />
exclusivamente da relação entre<br />
duas empresas. Seus temas são os<br />
contratos empresariais, os contratos<br />
de fornecimento de insumos,<br />
de distribuição de mercadorias,<br />
os títulos de crédito, a<br />
formação da sociedade, a crise<br />
da empresa, as obrigações entre<br />
os empresários. A relação entre<br />
empresas é uma relação muito<br />
particular. Hoje vemos alguns<br />
juízes julgando relações entre<br />
empresários a partir da lógica do<br />
<strong>Código</strong> de Defesa do Consumidor.<br />
Há exceções, mas normalmente<br />
a maioria dos magistrados<br />
tem como única experiência na<br />
economia a experiência pessoal<br />
como consumidor. Um <strong>Código</strong><br />
Comercial autônomo ajuda<br />
a fomentar a lógica própria da<br />
relação empresarial, para que,<br />
quando o juiz julgar essas ques-<br />
Fórum jurídico<br />
45
46 Fórum jurídico<br />
entrevista<br />
tões relativas a essa matéria, esteja<br />
ciente de suas características,<br />
suas peculiaridades.<br />
Em muitos aspectos a atual<br />
legislação está defasada e é<br />
burocrática; por exemplo, a<br />
legislação sobre títulos de<br />
crédito e sociedades limitadas.<br />
O <strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial<br />
busca alterar algumas<br />
das disposições existentes?<br />
Sem dúvida. Falemos primeiro<br />
dos títulos de crédito; o Brasil<br />
é hoje o único país no mundo<br />
em que temos dois regimes<br />
cambiários diferentes: o regime<br />
da Lei Uniforme de Genebra,<br />
<strong>Fábio</strong> <strong>Ulhoa</strong> <strong>Coelho</strong><br />
aplicável a todos os títulos até<br />
2003, e o do <strong>Código</strong> Civil, que<br />
se aplica aos títulos criados por<br />
lei depois de sua entrada em<br />
vigor. Os dois regimes têm diferenças<br />
substanciais: por exemplo,<br />
a questão da responsabilidade<br />
do endossante - pela Lei<br />
Uniforme de Genebra a solução<br />
é uma, pelo <strong>Código</strong> Civil<br />
a solução é outra. Para que essa<br />
complexidade? Por que temos<br />
dois regimes diferentes para os<br />
títulos de crédito? Não faz sentido,<br />
só torna mais difícil a aplicação<br />
do direito.<br />
A sociedade limitada no <strong>Código</strong><br />
Civil se tornou uma so-<br />
ciedade muito complexa e burocrática,<br />
desnecessariamente<br />
burocrática. Ela é normalmente<br />
a sociedade utilizada pela pequena<br />
empresa, pela média empresa;<br />
não tem por que a sociedade<br />
limitada estar sujeita a um<br />
regime tão complexo como<br />
está hoje. No <strong>novo</strong> <strong>Código</strong><br />
Comercial a sociedade limitada<br />
volta a ter um regime bastante<br />
simples, que era basicamente<br />
a disciplina que havia antes de<br />
2003, antes do <strong>Código</strong> Civil<br />
passar a burocratizar, indevidamente,<br />
esse tipo societário.<br />
Um outro receio que alguns<br />
juristas possuem em relação<br />
ao <strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial<br />
é a possível alteração da Lei<br />
6.404, que regula as sociedades<br />
por ações. Como o <strong>novo</strong><br />
<strong>Código</strong> vai tratar o instituto<br />
das S.A.?<br />
Na minha minuta, estava prevista<br />
a atribuição de um poder<br />
muito maior para a Comissão<br />
de Valores Mobiliários disciplinar<br />
a Sociedade Anônima de<br />
capital aberto. No meu modo<br />
de ver, a Lei deveria tratar da<br />
Sociedade Anônima fechada e<br />
a CVM, por meio de instruções<br />
e orientações dinâmicas,<br />
trataria da Sociedade Anônima<br />
aberta. Essa proposta, contu-
do, não foi bem recebida pelos<br />
profissionais que atuam no<br />
mercado de capitais. Achavam<br />
que a CVM não estaria preparada<br />
para esse <strong>novo</strong> papel. Ademais,<br />
eles tinham o receio de<br />
que estaríamos mexendo indevidamente<br />
em algo que funciona<br />
bem – e isso é verdade, o<br />
nosso mercado de capitais está<br />
funcionando muito bem. Do<br />
debate que se instaurou depois<br />
do lançamento da ideia do<br />
<strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial, podemos<br />
dizer, hoje, que temos já<br />
um consenso: o <strong>novo</strong> <strong>Código</strong><br />
Comercial não pode, em hipótese<br />
alguma, atrapalhar o mercado<br />
de Valores Mobiliários.<br />
Dessa forma, em vista do consenso<br />
construído, o projeto de<br />
<strong>Código</strong> Comercial não incorporou<br />
a minha sugestão de ampliação<br />
do poder da CVM, mas<br />
trouxe alguns dispositivos sobre<br />
Sociedade Anônima, que, no<br />
meu modo de ver, não mudam<br />
a disciplina dessas sociedades,<br />
porque tratam de aspectos não<br />
regulados na Lei das S.A. Mesmo<br />
esses poucos dispositivos,<br />
porém, têm despertado preocupação<br />
entre os profissionais<br />
da área – se poderiam interferir<br />
negativamente, ou não, no mercado<br />
de capitais. A minha posição<br />
sobre isso é muito clara: já<br />
‘<br />
No <strong>novo</strong><br />
<strong>Código</strong><br />
Comercial<br />
a sociedade<br />
limitada<br />
volta a ter<br />
um regime<br />
bastante<br />
simples,<br />
que era<br />
basicamente a<br />
disciplina que<br />
havia antes<br />
de 2003.<br />
há consenso de que o <strong>Código</strong><br />
Comercial não pode atrapalhar<br />
esse setor da economia; assim,<br />
se há qualquer coisa no projeto<br />
do <strong>Código</strong> Comercial que,<br />
eventualmente, pode pôr em<br />
risco o setor econômico que<br />
está funcionando bem, vamos<br />
tirar. O projeto está em tramitação<br />
exatamente para que seja<br />
aperfeiçoado, retirando o que<br />
deve ser retirado e acrescentando<br />
o que deve ser acrescido.<br />
Se realmente até mesmo esses<br />
poucos dispositivos do <strong>Código</strong><br />
Comercial que falam da<br />
S.A. oferecem algum risco de<br />
tumultuar o mercado de capitais,<br />
vamos eliminá-los; é uma<br />
discussão a fazer no âmbito do<br />
Congresso Nacional.<br />
O Senhor comentou anteriormente<br />
que alguns países não<br />
adotam um código comercial.<br />
Por que o senhor acredita que<br />
eles não optaram pela unificação<br />
do Direito Comercial?<br />
Cada país tem a sua história<br />
e sua própria necessidade.<br />
Nós aqui no Brasil gostamos<br />
de copiar os outros, enquanto<br />
os outros países gostam de<br />
encontrar seus próprios caminhos.<br />
O Brasil não tem que<br />
ficar copiando a experiência<br />
dos outros. O Brasil, como está<br />
Fórum jurídico<br />
47
vivendo um <strong>novo</strong> momento<br />
econômico riquíssimo, deixa<br />
de ser só um importador de<br />
teorias jurídicas, e passa a ser<br />
um formulador e exportador<br />
de teorias jurídicas. É um aspecto<br />
desse reposicionamento<br />
na economia. Um exemplo é<br />
o conceito de título de crédito<br />
que o <strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial<br />
traz. O conceito de título de<br />
crédito atual – de Vivante –<br />
não se aplica à realidade hoje,<br />
porque os títulos são todos<br />
eletrônicos; não existe mais<br />
título de crédito em papel. Se<br />
nós formos pensar no conceito<br />
vivanteano, ele menciona um<br />
“documento necessário para<br />
o exercício do direito”; mas<br />
como falar de um documento<br />
necessário quando estamos<br />
tratando de arquivos eletrônicos?<br />
Precisamos de uma nova<br />
teoria dos títulos de crédito.<br />
Não que a teoria de Vivante<br />
esteja errada; ela foi apropriada<br />
durante muito tempo; mas<br />
agora temos outra realidade<br />
a disciplinar e precisamos de<br />
outra teoria. Por isso, uma<br />
das propostas do <strong>novo</strong> <strong>Código</strong><br />
Comercial é trazer <strong>novo</strong><br />
conceito para os títulos de<br />
crédito, que não existe ainda<br />
em nenhum lugar do mundo;<br />
depois, poderemos exportá-lo.<br />
48 Fórum jurídico<br />
entrevista<br />
<strong>Fábio</strong> <strong>Ulhoa</strong> <strong>Coelho</strong><br />
‘ A eireli é<br />
o resultado<br />
de uma<br />
solução de<br />
compromisso.<br />
O ideal teria<br />
sido uma clara<br />
referência<br />
na lei da<br />
sociedade<br />
unipessoal,<br />
ou seja, uma<br />
sociedade<br />
constituída<br />
por uma<br />
única pessoa.<br />
Em janeiro deste ano começou<br />
a viger a Lei nº 12.441,<br />
que instituiu a Empresa Individual<br />
de Responsabilidade<br />
Limitada. Qual a opinião<br />
do senhor a respeito desse<br />
instituto?<br />
Veja, a eireli é o resultado<br />
de uma solução de compromisso.<br />
O ideal teria sido uma<br />
clara referência na lei da sociedade<br />
unipessoal, ou seja,<br />
uma sociedade constituída<br />
por uma única pessoa; mas<br />
essa clara referência esbarrava<br />
em dois problemas. Primeiro,<br />
algo que eu chamaria<br />
de preconceito em relação à<br />
sociedade unipessoal. É possível,<br />
quando se trata de um<br />
contrato de sociedade, haver<br />
apenas um único contratante;<br />
isso está mais do que assente<br />
em todos os direitos. No Brasil<br />
havia essa resistência à figura<br />
da sociedade unipessoal.<br />
O segundo problema era certa<br />
resistência por parte do<br />
fisco – essa resistência ficou<br />
atenuada nos últimos anos,<br />
mas durante muito tempo era<br />
o fator político que impedia a<br />
adoção da chamada “solução<br />
societária”, para a limitação<br />
da responsabilidade do empresário.<br />
O fisco temia que a<br />
sociedade unipessoal pudesse,
de alguma forma, prejudicar<br />
a arrecadação. Então, o passo<br />
da eireli foi importante, mas<br />
teve que ser um passo cuidadoso,<br />
que, sem dúvida, abre as<br />
portas para a solução tecnicamente<br />
mais adequada, que é a<br />
da sociedade unipessoal.<br />
No <strong>novo</strong> <strong>Código</strong> Comercial<br />
há a previsão de que a Sociedade<br />
Limitada pode ser constituída<br />
por um ou mais sócios.<br />
Na sua opinião, o fato de<br />
estar estipulado capital social<br />
mínimo integralizado<br />
para a constituição da<br />
eireli não vai acabar afastando<br />
algumas pessoas do<br />
benefício de constituir uma<br />
eireli?<br />
Sim. Esse valor mínimo não<br />
dá para entender. Corre, inclusive,<br />
uma Ação Direta de<br />
Inconstitucionalidade relativamente<br />
a essa parte do art.<br />
980-A do <strong>Código</strong> Civil, perante<br />
o Supremo Tribunal<br />
Federal. Creio que não há<br />
justificativa e me parece de<br />
constitucionalidade duvidosa<br />
essa limitação. Realmente, o<br />
resultado é esse, impede que<br />
pessoas que poderiam estar se<br />
beneficiando da eireli se beneficiem<br />
devido ao valor mínimo<br />
do capital.<br />
A PUC possuía a fama de<br />
ser muito voltada para as<br />
áreas de direito público, sem<br />
dar prioridade para as áreas<br />
de direito privado. Como o<br />
senhor vê essa situação hoje?<br />
Quando eu era estudante, na<br />
década de 1970, a PUC tinha<br />
fama de ser boa apenas<br />
no Direito Público: Direito<br />
Constitucional, Tributário e<br />
Administrativo. De fato, grandes<br />
nomes da PUC nessa área<br />
se destacavam naquele tempo:<br />
Geraldo Ataliba, Celso Bastos,<br />
Oswaldo Aranha Bandeira de<br />
Mello, Celso Antonio Bandeira<br />
de Mello, Michel Temer<br />
e outros. O Direito Privado<br />
não possuía, no tempo em<br />
que eu era estudante, a mesma<br />
fama. Havia clara injustiça<br />
nesse ponto, porque nosso<br />
corpo docente era integrado<br />
também por grandes nomes<br />
do Direito Privado, como<br />
Maria Helena Diniz, Carlos<br />
Alberto Bittar, Carlos Alberto<br />
Ferriani, Ronaldo Porto<br />
Macedo e outros. Mas, sabe<br />
como é, a fama nem sempre<br />
é justa. Na minha opinião, ao<br />
longo dos anos isso se alterou<br />
de modo significativo. Hoje, a<br />
PUC é reconhecida também<br />
como centro de referência<br />
no campo do Direito Priva-<br />
do e, especialmente, no Direito<br />
Comercial. Temos dado<br />
uma contribuição bastante<br />
relevante, própria e singular<br />
para o desenvolvimento desse<br />
ramo jurídico. Podemos<br />
dizer que, no processo atual<br />
de revitalização do Direito<br />
Comercial no Brasil, a PUC é<br />
uma das instituições que está<br />
à frente.<br />
Qual o senhor entende que<br />
é o conceito que os alunos<br />
do Direito PUC têm no<br />
mercado hoje?<br />
Eu acho que é muito bom. Os<br />
escritórios de advocacia privilegiam,<br />
entre as faculdades que<br />
se destacam como melhores, a<br />
da PUC. A diferença do tempo<br />
em que eu era estudante<br />
diz respeito à competição, bem<br />
menos acirrada. Naquele tempo,<br />
os escritórios de advocacia<br />
davam preferência a alunos de<br />
duas instituições; com o passar<br />
dos anos, outras instituições de<br />
qualidade apareceram e, hoje<br />
em dia, os escritórios preferem<br />
estagiários de quatro ou cinco<br />
instituições. Aumentou a concorrência,<br />
mas a PUC continua<br />
sendo uma das escolas que<br />
os escritórios de advocacia em<br />
geral destacam, na hora de selecionar<br />
seus estagiários. n<br />
Fórum jurídico<br />
49
arqUivo fórUm JUrídico<br />
50 Fórum jurídico<br />
áreas do direito<br />
merCado FinanCeiro e de CaPitais
Fachada da<br />
Bovespa, no<br />
centro de são Paulo<br />
mercado em expansão<br />
A economia aquecida, em ampla expansão, traz<br />
formas mais sofisticadas de investimentos, gerando<br />
a extrema necessidade de um advogado conhecedor<br />
das áreas de mercado financeiro e de capitais<br />
otáVio brEssaN E raqUEL soUFEN<br />
Há tempos, na cultura nacional, o advogado deixou de ser apenas<br />
o profissional buscado nos momentos de conflito. Com o crescimento<br />
da economia brasileira as empresas buscam novas formas de capitalização,<br />
que, devido às suas formas sofisticadas, exigem a presença<br />
de um profissional do direito qualificado para prestar consultoria.<br />
A captação de recursos para uma empresa não se limita mais<br />
a empréstimos e financiamentos contratados com o gerente de<br />
uma instituição financeira. Agora, a emissão de debêntures, a securitização<br />
de recebíveis e outros mecanismos fazem parte do<br />
cotidiano de empresas de grande e médio porte.<br />
Fórum jurídico<br />
51
52 Fórum jurídico<br />
áreas do direito<br />
A maior parte dessas operações<br />
dependem da figura de<br />
um advogado experiente, que<br />
não conheça somente a regulamentação<br />
específica, mas que<br />
também esteja ciente das condições<br />
e práticas do mercado.<br />
Esses profissionais atuam, principalmente,<br />
em duas frentes: o<br />
direito do mercado financeiro<br />
e o do mercado de capitais, que<br />
se tocam em diversos pontos,<br />
mas que por diversos aspectos<br />
são únicos.<br />
mercaDo Financeiro<br />
Do ponto de vista jurídico,<br />
o mercado financeiro,<br />
grosso modo,<br />
A captação dos recursos<br />
é intensamente<br />
regulada pelos órgãos<br />
competentes, e é um dos<br />
papéis do profissional do<br />
direito atuar e auxiliar<br />
o cumprimento de<br />
tal regulamentação<br />
merCado FinanCeiro e de CaPitais<br />
se baseia em operações nas<br />
quais participam o detentor de<br />
um recurso, um beneficiário e<br />
um intermediário que desenvolve<br />
os meios para que o beneficiário<br />
receba tais recursos<br />
em troca de uma remuneração.<br />
A captação dos recursos é<br />
intensamente regulada pelos<br />
órgãos competentes, e é um<br />
dos papéis do profissional do<br />
direito atuar e auxiliar o cumprimento<br />
de tal regulamentação.<br />
Essa fase se opera, basicamente,<br />
por documentos como<br />
CDBs e Letras Financeiras,<br />
que trazem o recurso ao emissor<br />
em troca do pagamento de<br />
um valor estabelecido determinado<br />
ou determinável, tudo<br />
isso devidamente formalizado<br />
por um instrumento jurídico.<br />
Na outra ponta, temos a realização<br />
do negócio com o<br />
tomador final, isto é, o<br />
cliente, que recebe o<br />
recurso conforme as<br />
regras definidas em<br />
um contrato específico<br />
para cada<br />
situação.<br />
Em todos os<br />
casos, há que ser<br />
feito um desenvolvimentocriterioso<br />
e específico<br />
do instrumento<br />
jurídico adequado<br />
para a operação, tendo em vista<br />
cumprir as normas aplicáveis e<br />
tornar o negócio seguro tanto<br />
para o agente financeiro, quanto<br />
para o tomador final do produto<br />
financeiro. Como exemplos<br />
mais clássicos, citaríamos<br />
os financiamentos e empréstimos,<br />
nos quais o cliente recebe<br />
um montante em dinheiro de<br />
um agente financeiro, que será<br />
remunerado no futuro com o<br />
pagamento pelo cliente à instituição<br />
financeira do valor tomado<br />
acrescido de juros.<br />
Nesse momento, é importantíssima<br />
a participação de<br />
um profissional do direito<br />
capacitado a atender as demandas.<br />
Destaque-se que tais<br />
recursos podem se destinar<br />
aos mais variados fins, como<br />
o financiamento para a compra<br />
de um automóvel por uma<br />
pessoa comum, ou ainda, para<br />
a construção de uma relevante<br />
hidrelétrica com incentivos do<br />
governo, a qual gerará riquezas<br />
para o país como um todo.<br />
Como inicialmente proposto,<br />
faremos agora a distinção<br />
entre mercado financeiro e<br />
mercado de capitais.<br />
O mercado de capitais visa<br />
ao financiamento das atividades<br />
econômicas de maneira segura,<br />
evitando riscos de liquidez,<br />
operacionais e de mercado,
arqUivo fórUm JUrídico<br />
e prejuízos que as variáveis<br />
econômicas podem acarretar.<br />
No entanto, diferentemente<br />
do mercado financeiro, a relação<br />
entre investidor e beneficiário<br />
do investimento ocorre<br />
de maneira direta. Isto é, o detentor<br />
do recurso o transfere<br />
ao beneficiário na forma de<br />
investimento direto, por meio<br />
da emissão de obrigações primárias,<br />
como, por exemplo, a<br />
emissão de ações e títulos de<br />
dívida, como as debêntures.<br />
inTermeDiário neceSSário<br />
Mesmo ocorrendo de maneira<br />
direta, na transferência do<br />
recurso, na maior parte das vezes,<br />
se faz necessária a presença<br />
de um intermediário, como<br />
um banco de investimento<br />
que atue nos procedimentos e<br />
trâmites necessários para a realização<br />
do negócio. Essa atuação<br />
ocorre nas atividades de<br />
escrituração e custódia dos títulos<br />
emitidos, na sua emissão<br />
(garantindo a idoneidade e o<br />
respeito às normas), no financiamento<br />
e na estruturação das<br />
operações. Do ponto de vista<br />
jurídico, há a necessidade da<br />
organização contratual para<br />
tais procedimentos que devem<br />
englobar desde a prestação dos<br />
serviços pertinentes até o cumprimento<br />
da regulamentação.<br />
É clássico e atual o exemplo<br />
do IPO, do inglês Initial<br />
Public Offering, que, em nossos<br />
termos, significa a emissão<br />
primária das ações de uma so-<br />
Bancada e painel<br />
no interior do<br />
prédio da Bovespa<br />
Fórum jurídico<br />
53
ciedade anônima<br />
no mercado aberto. Nesse<br />
processo estão englobados<br />
desde os intensos movimentos<br />
societários até os procedimentos<br />
de distribuição regulados,<br />
basicamente, pela Lei nº<br />
6.404 e pelos atos normativos<br />
da Comissão de Valores Mobiliários<br />
(CVM). Nesses processos,<br />
cada vez mais frequentes<br />
entre as grandes companhias<br />
do país, participam advogados<br />
de escritórios e instituições<br />
financeiras e os procuradores<br />
dos órgãos públicos, todos<br />
alinhados e tendo como<br />
objetivo o cumprimento da<br />
54 Fórum jurídico<br />
áreas do direito<br />
o mercado de capitais<br />
se destina a tornar as<br />
estruturas econômicas<br />
e produtivas mais<br />
aperfeiçoadas e a<br />
atender aos anseios de<br />
toda a sociedade<br />
merCado FinanCeiro e de CaPitais<br />
regulamentação e a<br />
garantia de segurança<br />
da operação para<br />
todas as partes.<br />
De acordo com<br />
a regulamentação<br />
e com a doutrina,<br />
esse processo<br />
deve ser pautado<br />
pelos princípios<br />
da boa fé e da função<br />
social. Além<br />
disso, há que se observar<br />
o impacto econômico<br />
da operação e o<br />
respeito à livre e leal concorrência.<br />
Nesse sentido, as<br />
operações do mercado de capitais<br />
não são destinadas a formar<br />
o controle do mercado, mas se<br />
destinam a tornar as estruturas<br />
econômicas e produtivas mais<br />
aperfeiçoadas e a atender aos<br />
anseios de toda a sociedade.<br />
SiSTema Financeiro nacional<br />
Sobre os aspectos de nosso<br />
mercado financeiro, a Constituição<br />
Federal, em seu art. 192,<br />
chega a falar da regulamentação<br />
do “sistema financeiro nacional,<br />
estruturado de forma a<br />
promover o desenvolvimento<br />
equilibrado do País e a servir<br />
aos interesses da coletividade”.<br />
É claro, portanto, o conceito e<br />
o reconhecimento da impor-<br />
tância social do mercado financeiro<br />
para uma sociedade que<br />
visa ao desenvolvimento, como<br />
é o caso do Brasil.<br />
De acordo com a Lei Federal<br />
nº 4.595/64, o Sistema Financeiro<br />
Nacional é formado pelo<br />
Conselho Monetário Nacional,<br />
pelo Banco Central do Brasil,<br />
Banco do Brasil, Banco Nacional<br />
do Desenvolvimento Econômico<br />
e Social e pelas demais<br />
instituições financeiras privadas<br />
ou públicas. A cada um desses<br />
entes são reservadas funções e<br />
poderes para mover a economia<br />
nacional diante do contexto<br />
internacional, com base nos<br />
princípios constitucionais e de<br />
direito, visando ao desenvolvimento<br />
econômico e social.<br />
O Conselho Monetário Nacional<br />
(CMN) é um órgão extremamente<br />
técnico que, diante<br />
da análise do mercado nacional<br />
e internacional, traça diretrizes<br />
para a economia e emite pareceres<br />
e normas com o objetivo de,<br />
por exemplo, zelar pela liquidez e<br />
solidez das instituições financeiras,<br />
manter íntegra a economia<br />
nacional diante das oscilações<br />
internas e internacionais, controlar<br />
a emissão e circulação da<br />
moeda nacional e das internacionais.<br />
Enfim, esse instrumento<br />
fica responsável pela definição<br />
da política econômica nacional.
BancoS no cmn<br />
O Banco Central do Brasil,<br />
ainda de acordo com a Lei nº<br />
4.595, possui personalidade jurídica<br />
e patrimônios próprios e<br />
tem por incumbência cumprir<br />
o que lhe determina a legislação<br />
vigente e os instrumentos<br />
normativos e legais apropriados<br />
emitidos pelo Conselho Monetário<br />
Nacional. Tem a capacidade<br />
de emitir moeda e outros títulos,<br />
controlar e supervisionar<br />
o fluxo de recursos nacionais e<br />
estrangeiros no país, receber e<br />
custodiar depósitos compulsórios<br />
(por força de normas competentes)<br />
efetuados pelas instituições<br />
financeiras.<br />
O Banco do Brasil e o Banco<br />
Nacional de Desenvolvimento<br />
Econômico e Social (BNDES)<br />
são instituições financeiras de<br />
caráter público, com participação<br />
do Governo Federal, e<br />
têm por função fomentar e estimular<br />
a economia por meio<br />
de produtos bancários corriqueiros,<br />
como empréstimos e<br />
financiamentos ao público em<br />
geral. Tais produtos são oferecidos<br />
com incentivos subsidiados<br />
pelo Governo, que se traduzem<br />
em custos e juros menores ao<br />
tomador. Toda essa estrutura<br />
se fundamenta em legislação e<br />
outras normas que devem es-<br />
estrUtUra do sistema FinanCeiro naCional<br />
Banco Do BraSil<br />
SiSTema<br />
Financeiro Da<br />
haBiTaçÃo<br />
aSSociaçÃo<br />
De poupança<br />
e emprÉSTimo<br />
SocieDaDe<br />
De crÉDiTo<br />
imoBiliário<br />
conSelho<br />
moneTário<br />
nacional<br />
Banco cenTral<br />
Do BraSil<br />
inSTiTuiçõeS<br />
FinanceiraS<br />
Banco nacional De<br />
DeSenvolvimenTo<br />
econômico<br />
e Social<br />
BancoS<br />
múlTiploS<br />
BancoS De<br />
DeSenvolvimenTo<br />
BancoS<br />
comerciaiS<br />
SocieDaDeS<br />
De crÉDiTo,<br />
FinanceiraS e<br />
De inveSTimenTo<br />
BancoS De<br />
inveSTimenTo<br />
SocieDaDeS De<br />
DiSTriBuiçÃo<br />
comiSSÃo<br />
De valoreS<br />
moBiliárioS<br />
BolSa De<br />
valoreS<br />
SocieDaDeS<br />
correToraS<br />
Fórum jurídico<br />
55
56 Fórum jurídico<br />
áreas do direito<br />
Símbolo na<br />
fachada da bm&F<br />
merCado FinanCeiro e de CaPitais<br />
tar sob a atenção do jurista, que<br />
deve observar o cumprimento<br />
das metas e o respeito às limitações<br />
dos poderes de cada órgão,<br />
e garantir o acesso da população<br />
aos benefícios, seja de maneira<br />
direta, pela contratação dos produtos<br />
incentivados, ou de maneira<br />
coletiva, pela manutenção<br />
de uma economia saudável por<br />
meio dos instrumentos legais.<br />
Frisa-se que inúmeros são<br />
os pontos de encontro entre o<br />
mercado financeiro e de capitais;<br />
ambos compartilham desafios<br />
e exigências do jurista que<br />
atua nessas áreas, que deve estar<br />
atento ao que ocorre no mundo<br />
todo e no ambiente regulatório<br />
e econômico em que atua.<br />
Todos os dias nos deparamos<br />
com um mercado diferente<br />
e com novas estruturas<br />
arqUivo fórUm JUrídico<br />
de investimento, que permitem<br />
maior rentabilidade, segurança<br />
ao investir e a confecção<br />
de uma trama que concatena<br />
recursos internacionais e nacionais.<br />
Além das novidades há<br />
o constante aperfeiçoamento<br />
da estrutura já existente, decorrente<br />
da prática e exposição<br />
a <strong>novo</strong>s riscos.<br />
A regulamentação, por sua<br />
vez, é importante instrumento,<br />
que é constantemente atualizada<br />
e aperfeiçoada, tendo em vista,<br />
segurança, e, consequentemente,<br />
viabilidade para os investimentos<br />
e operações diversas.<br />
o impreScinDÍvel JuriSTa<br />
É papel do jurista que atua<br />
nessa área ponderar as especificidades<br />
do caso, o conhecimento<br />
e a capacidade de arcar<br />
com as obrigações de cada parte,<br />
a composição de garantias<br />
eficazes para agregar ao negócio<br />
a segurança esperada.<br />
É grande a ligação entre<br />
mercado financeiro e mercado<br />
de capitais. Visto que, muitas<br />
vezes, instrumentos de um se<br />
tornam necessários ao outro.<br />
É o caso da captação no mercado<br />
financeiro internacional<br />
para investimento em capitais<br />
de empresas nacionais. Ou as<br />
operações financeiras lastrea
das em instrumentos típicos do<br />
mercado de capitais.<br />
O profissional dessa área<br />
pode atuar na área pública, em<br />
instituições financeiras custeadas<br />
com recursos públicos,<br />
com uma rotina muito parecida<br />
com a de uma instituição<br />
particular, mas aplicando ao seu<br />
trabalho os conceitos inerentes<br />
aos princípios da administração<br />
pública, ou ainda em instituições<br />
como a Receita Federal, a<br />
CVM ou o Banco Central.<br />
Na área privada, o jurista<br />
pode atuar em instituições financeiras<br />
como corretoras de<br />
valores, bancos, entre outras,<br />
em escritórios atendendo uma<br />
vasta gama de clientes e até<br />
mesmo em empresas que, por<br />
operarem frequentemente nesses<br />
mercados, decidem manter<br />
em seu staff um advogado dedicado<br />
a essas matérias. A atuação<br />
do profissional se atenta ao<br />
desenvolvimento de estruturas<br />
jurídicas para investimentos,<br />
proteção contra riscos e variações<br />
de mercado, manutenção<br />
das operações consolidadas em<br />
conformidade com a regulamentação<br />
e diversas outras.<br />
A consolidação e o crescimento<br />
da economia de nosso<br />
país demandará a existência<br />
de profissionais do direito que<br />
possam lidar com os instru-<br />
mentos do mercado financeiro<br />
e de capitais. Não se concebe,<br />
na atualidade, desenvolvimento<br />
econômico sólido sem a atuação<br />
responsável desses agentes<br />
e, como recorrentemente<br />
exposto, é um dos papéis do<br />
advogado atuar encontrando<br />
a forma adequada e segura de<br />
desenvolver a operação.<br />
a Força BraSileira<br />
Conforme dados recentes,<br />
atualmente o Brasil representa<br />
a maior economia da América<br />
do Sul e ocupa a sexta posição<br />
entre as maiores economias do<br />
mundo. O Ministro da Fazenda,<br />
Guido Mantega, afirmou<br />
recentemente em entrevista<br />
que as projeções indicam<br />
que poderemos ocupar o<br />
posto de quinta maior<br />
economia do mundo<br />
até o ano de 2015;<br />
afirmou, ainda, que<br />
o nosso ritmo de<br />
crescimento é o<br />
dobro das economias<br />
europeias.<br />
Essas análises<br />
acompanham a opinião<br />
mundial que<br />
enxerga o Brasil como<br />
um dos mais promissores<br />
locais para se investir.<br />
O nosso mercado interno<br />
está aquecido e temos ótimas<br />
relações com os países para os<br />
quais exportamos.<br />
Conjuntamente ao crescimento<br />
da economia brasileira,<br />
a evolução dos instrumentos<br />
típicos do mercado financeiro<br />
e de capitais é extremamente<br />
necessária, visto que deles podemos<br />
obter financiamentos,<br />
custeio e captação de recursos,<br />
planejamento do fluxo de<br />
recursos dentro das empresas<br />
e alongamento de prazos para<br />
cumprimento de obrigações,<br />
que ocorreu, inclusive, com a<br />
É grande a ligação<br />
entre mercado<br />
financeiro e mercado<br />
de capitais. Visto<br />
que, muitas vezes,<br />
instrumentos de<br />
um se tornam<br />
necessários ao outro<br />
Fórum jurídico<br />
57
58 Fórum jurídico<br />
áreas do direito<br />
o profissional do<br />
direito deverá atuar<br />
cobrando, tanto<br />
das autoridades<br />
competentes, quanto<br />
da sociedade, a<br />
seriedade e a atenção<br />
no tratamento<br />
desses assuntos<br />
merCado FinanCeiro e de CaPitais<br />
possibilidade da entrada e saída<br />
dos recursos da fronteira,<br />
isto é, com a possibilidade<br />
do capital estrangeiro<br />
ser investido no<br />
país e do brasileiro<br />
no exterior.<br />
Nesse sentido,<br />
todo esse crescimento<br />
deverá estar<br />
acompanhado<br />
da atualização e do<br />
desenvolvimento<br />
de instrumentos<br />
jurídicos mais eficazes<br />
e refinados, bem<br />
como de uma regulamentação<br />
que aponte<br />
nesse mesmo sentido,<br />
criando possibilidades reais<br />
de investimento, e coloque os<br />
participantes nacionais em pé<br />
de igualdade para concorrer<br />
com os demais.<br />
para alcançar oBJeTivoS<br />
Note-se que o ambiente<br />
regulatório de um país é importante<br />
fator para os investimentos<br />
de players nacionais e<br />
internacionais. Nesta análise,<br />
leva-se em conta a solidez e a<br />
eficácia do governo, da integridade<br />
do Judiciário, dos meios<br />
de recuperação de créditos, dos<br />
instrumentos jurídicos de circulação<br />
de riquezas, do sistema<br />
tributário e de muitos outros<br />
fatores intimamente ligados ao<br />
universo jurídico.<br />
É neste ponto que deverá<br />
ocorrer o desenvolvimento<br />
e a consolidação da estrutura<br />
jurídica posta à disposição<br />
dessas operações. Frisa-se que<br />
o profissional brasileiro deverá<br />
conhecer as estruturas jurídicas<br />
de investimentos internacionais,<br />
as regras específicas dos<br />
países com os quais se deseja<br />
operar, além de adequar a nossa<br />
estrutura às naturais demandas<br />
dessas ocasiões.<br />
Para tanto, o profissional do<br />
direito deverá atuar cobrando,<br />
tanto das autoridades competentes,<br />
quanto da sociedade, a<br />
seriedade e a atenção no tratamento<br />
desses assuntos. A constante<br />
observação, o estudo das<br />
condições fáticas e a discussão<br />
entre os diversos participantes<br />
dos mercados financeiro e de<br />
capitais, aliados a uma relação<br />
saudável com os órgãos públicos<br />
e de classe, parecem ser o<br />
caminho para que se alcancem<br />
os objetivos traçados. Dessa<br />
forma, o interesse de investidores<br />
estrangeiros se voltará naturalmente<br />
ao mercado brasileiro<br />
e os recursos locais serão cada<br />
vez mais bem empregados,<br />
tanto em nossas terras, quanto<br />
além das fronteiras. n
caderno de ideias<br />
artigos<br />
empresa individual de responsabilidade limitada – eireli manoel de Queiroz Pereira Calças<br />
Moots: ferramentas de desenvolvimento profissional e acadêmico Cláudio Finkelstein | julia schulz<br />
os 10 anos do código civil sob a óptica civil constitucional renan lotufo | andré guimarães avillés<br />
o supremo tribunal federal e o plebiscito para desmembramento de estado-membro Felipe Penteado balera<br />
crimes de trânsito com motoristas embriagados: culpa consciente ou dolo eventual? Christiano jorge santos<br />
reflexão sobre a questão urbana brasileira juliana somekh<br />
Um direito penal do inimigo envolto em controvérsias natália Pincelli<br />
Fórum jurídico<br />
59
empreSa inDiviDual<br />
De reSponSaBiliDaDe<br />
limiTaDa – eireli<br />
Manoel de Queiroz Pereira Calças é desembargador<br />
da Câmara Reservada à Falência e Recuperação e da<br />
Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal<br />
de Justiça do Estado de São Paulo; e Professor de Direito<br />
Comercial na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade<br />
Católica de São Paulo.<br />
60 Fórum jurídico<br />
artigo manoel de QUeiroz Pereira Calças<br />
inTroDuçÃo<br />
O <strong>Código</strong> Civil de 2002, ao revogar a parte<br />
primeira do <strong>Código</strong> Comercial de 1850, promoveu<br />
importantes alterações na disciplina do<br />
direito comercial, que, até então, inspirava-se no<br />
sistema francês, que tinha como conceito fundamental<br />
o ato de comércio, preceituando que<br />
“ninguém é reputado comerciante para efeito<br />
de gozar da proteção que este <strong>Código</strong> liberaliza<br />
em favor do comércio, sem que se tenha matriculado<br />
em algum dos Tribunais do Comércio do<br />
Império, e faça da mercancia profissão habitual”<br />
(art. 4º). Adota o <strong>Código</strong> Civil o sistema italiano,<br />
centrado na teoria da empresa, conceituando<br />
o empresário como a pessoa que exerce profissionalmente<br />
atividade econômica organizada<br />
para a produção ou a circulação de bens ou de<br />
serviços (art. 966). Este empresário, que substitui<br />
o antigo comerciante, é a pessoa natural que<br />
exerce em nome próprio a atividade empresarial,<br />
fazendo-o sob firma constituída por seu<br />
nome, completo ou abreviado, com a faculdade<br />
de adicionar designação mais precisa de sua<br />
pessoa ou do gênero de atividade (art. 1.156).<br />
Tal empresário, apesar de equiparado para fins<br />
de imposto de renda à pessoa jurídica (art. 150<br />
do Decreto nº 3.000/99), continua a ostentar o<br />
status de pessoa natural, podendo possuir patrimônio<br />
constituído por todos os seus bens, nele<br />
incluídos aqueles aplicados no exercício da atividade<br />
empresarial e que, por isso, a teor do art.<br />
391 do <strong>Código</strong> Civil, respondem por todas as<br />
suas obrigações, civis ou empresariais.<br />
Constata-se assim que o legislador não cindiu<br />
o patrimônio do empresário em “patrimônio<br />
civil” e “patrimônio empresarial”, mesmo<br />
considerando-se a tutela especial outorgada<br />
ao incapaz continuador de empresa individual,<br />
cujos bens por ele possuídos antes da sucessão<br />
ou da interdição, desde que estranhos ao acer-
vo da empresa, não respondem pelas dívidas<br />
decorrentes da atividade empresarial judicialmente<br />
autorizada (art. 974 e § 2º, CC), bem<br />
como a previsão de dispensa da outorga conjugal<br />
ao empresário casado para alienar ou onerar<br />
imóveis que integrem o patrimônio da empresa<br />
(art. 978, CC). Não se instituiu, portanto, um<br />
patrimônio separado, distinto, nem tampouco<br />
patrimônio de afetação para o empresário responder<br />
pelas obrigações contraídas em razão da<br />
atividade empresarial, exclusivamente com os<br />
bens móveis, imóveis, materiais ou imateriais<br />
vinculados ao seu exercício profissional. Em razão<br />
de tal disciplina legal, na hipótese de execução<br />
singular do empresário, poderá a penhora<br />
recair sobre qualquer bem componente de seu<br />
patrimônio, independentemente de a dívida ter<br />
origem em negócios da órbita civil ou empresarial.<br />
Da mesma forma, sendo decretada a falência<br />
do empresário, todos os seus bens, com<br />
exceção dos absolutamente impenhoráveis, deverão<br />
ser arrecadados, a teor do art. 108 da Lei<br />
nº 11.101/2005. Por outro lado, mesmo não se<br />
repetindo no diploma falimentar atual o que<br />
dispunha o art. 23 do Decreto-lei nº 7.661/45<br />
– “ao juízo da falência devem concorrer todos<br />
os credores do devedor comum, comerciais ou<br />
civis, alegando e provando os seus direitos” –,<br />
não há dúvida de que, na falência do empresário,<br />
dever-se-ão habilitar todos os seus credores,<br />
consoante estabelece o art. 9º, da Lei nº<br />
11.101/2005, que deverão indicar a origem do<br />
crédito, vale dizer, civil ou comercial.<br />
não se instituiu um<br />
patrimônio separado, nem<br />
tampouco patrimônio de<br />
afetação para o empresário<br />
Em suma, o <strong>Código</strong> Civil, em sua redação<br />
original, não previu a possibilidade de o empresário<br />
constituir um patrimônio separado ou afetado<br />
para o exercício da atividade empresarial,<br />
mantendo-o como titular de um patrimônio<br />
único, o qual responde de forma ilimitada pelo<br />
adimplemento de todas as suas obrigações, independentemente<br />
de serem elas decorrentes de<br />
seus negócios civis ou empresariais.<br />
a inovaçÃo: empreSa inDiviDual<br />
De reSponSaBiliDaDe limiTaDa<br />
Debate-se, há muitos anos, notadamente entre<br />
aqueles que se dedicam aos estudos do direito<br />
comercial, sobre a pertinência de se instituir<br />
sociedade unipessoal, visto que, tanto o <strong>Código</strong><br />
Civil anterior, como o <strong>Código</strong> Comercial,<br />
só regularam as sociedades civis ou sociedades<br />
comerciais constituídas, no mínimo, por dois<br />
sócios. O art. 1.363 do <strong>Código</strong> Civil anterior<br />
preceituava que celebram contrato de sociedade<br />
as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar<br />
seus esforços ou recursos para lograr fins<br />
comuns. Os artigos 287, 289, 302, incisos 1 e 3,<br />
todos do <strong>Código</strong> Comercial, ao disciplinarem as<br />
sociedades comerciais faziam expressa menção<br />
à necessidade de “sócios”, no plural, indicando<br />
que a pluralidade de sócios era um requisito para<br />
a constituição das sociedades. Posteriormente,<br />
com a edição da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro<br />
de 1976 – Lei das Sociedades Anônimas –,<br />
é instituída no art. 251 a subsidiária integral,<br />
companhia que pode ser constituída, mediante<br />
escritura pública, tendo como único acionista<br />
sociedade brasileira. Salvo essa exceção, persistia<br />
como requisito essencial a necessidade de dois<br />
acionistas, no mínimo, como se verifica pelo art.<br />
80, inciso I, da Lei nº 6.404/76, que exige para<br />
a constituição da companhia o atendimento do<br />
requisito preliminar consistente na subscrição,<br />
Fórum jurídico<br />
61
62 Fórum jurídico<br />
artigo<br />
pelo menos por duas pessoas, de todas as ações<br />
em que se divide o capital social fixado no estatuto.<br />
A reforçar a indispensabilidade da pluralidade<br />
de acionistas, o art. 206, inciso I, alínea d,<br />
da Lei das S/A, prevê como causa de dissolução<br />
da companhia a existência de um único acionista,<br />
verificada em assembleia geral ordinária, se o<br />
mínimo de dois não for reconstituído até a do<br />
ano seguinte.<br />
não é ela (eireli) considerada<br />
sociedade unipessoal, a<br />
qual (...) continua não prevista<br />
na legislação brasileira<br />
O <strong>Código</strong> Civil, editado em 2002, ou seja,<br />
após a existência no direito comparado de diversos<br />
diplomas legais prevendo a sociedade unipessoal<br />
com responsabilidade limitada como, por<br />
exemplo, na Alemanha em 1980, na França em<br />
1985, e na XII Diretiva do Conselho, 89/667/<br />
CEE, de 21/12/90, não adotou a sociedade unipessoal<br />
de responsabilidade limitada (art. 982,<br />
997, I, 1033, IV, CC) exigindo dois sócios, no<br />
mínimo, para a constituição de sociedade, simples<br />
ou empresária, admitida apenas a unipessoalidade<br />
incidental ou episódica pelo prazo<br />
máximo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena<br />
de extinção da sociedade.<br />
Inobstante tal situação legislativa, desde o<br />
final dos anos setenta do século passado, havia<br />
intenso debate sobre a omissão de nosso ordenamento<br />
legal no que concerne à instituição de<br />
uma forma de exercício individual da atividade<br />
empresarial com a possibilidade de limitação<br />
da responsabilidade do empresário em face das<br />
obrigações daí decorrentes.<br />
manoel de QUeiroz Pereira Calças<br />
Em 11 de julho de 2011, foi editada em nosso<br />
País a Lei nº 12.441, com 180 dias de vacatio legis,<br />
que altera o <strong>Código</strong> Civil (Lei nº 10.406, de 10<br />
de janeiro de 2002), para permitir a constituição<br />
de empresa individual de responsabilidade limitada,<br />
ou “eireli”, na estranha abreviação albergada<br />
pela nova lei.<br />
Constata-se, assim, que a opção do legislador<br />
brasileiro para limitar a responsabilidade do empresário<br />
individual não perfilhou o modelo de<br />
sociedade unipessoal, pioneiramente adotado<br />
pela Alemanha e França, nem seguiu o sistema<br />
de Portugal que, em 1986, instituiu o estabelecimento<br />
mercantil individual de responsabilidade<br />
limitada (Decreto-lei nº 248, de 25/8/1986).<br />
A Lei nº 12.441/2011 altera a redação do art.<br />
44 do <strong>Código</strong> de 2002, inserindo o inciso VI, para<br />
ficar expresso que “são pessoas jurídicas de direito<br />
privado: I – as associações; II – as sociedades; III<br />
– as fundações; IV – as organizações religiosas;<br />
V – os partidos políticos; VI – as empresas individuais<br />
de responsabilidade limitada.” (grifei)<br />
Em face de tal modificação, o <strong>Código</strong> Civil<br />
passa a albergar duas espécies de empresários individuais:<br />
1) o empresário de responsabilidade ilimitada,<br />
que responde com todo o seu patrimônio,<br />
exceto os bens impenhoráveis, por suas dívidas de<br />
natureza civil e empresarial; 2) o empresário individual<br />
de responsabilidade limitada, que titularizará<br />
dois patrimônios distintos: a) o patrimônio<br />
comum ou civil; b) o patrimônio da empresa, autônomo,<br />
constituído por seu acervo e que, a teor<br />
do art. 391 do <strong>Código</strong> Civil, responderá, em tese,<br />
exclusivamente, pelas obrigações decorrentes do<br />
exercício da atividade da empresa individual. Este<br />
configura autêntico patrimônio de afetação ou<br />
separado, destinado a limitar a responsabilidade<br />
do empresário pelas dívidas contraídas em decorrência<br />
da atividade empresarial.<br />
De acordo com o art. 980-A, “a empresa individual<br />
de responsabilidade limitada será cons
tituída por uma única pessoa titular da totalidade<br />
do capital social, devidamente integralizado,<br />
que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior<br />
salário-mínimo vigente no País”. Da exegese do<br />
referido dispositivo legal, que não prima pela<br />
precisão terminológica, em conjunto com o inciso<br />
VI do art. 44, constata-se que, ao contrário<br />
do empresário de responsabilidade ilimitada, que<br />
continua a ser classificado como “pessoa natural”,<br />
a empresa individual de responsabilidade<br />
limitada é arrolada como pessoa jurídica e, por<br />
isso, obrigatoriamente, inscrever-se-á no Cadastro<br />
Nacional da Pessoa Jurídica como tal, e não<br />
por força da equiparação prevista no Decreto-lei<br />
nº 3.000/99.<br />
Por outro lado, apesar de a empresa individual<br />
de responsabilidade limitada ser classificada<br />
como pessoa jurídica, não é ela [eireli] considerada<br />
sociedade unipessoal, a qual, salvo a exceção<br />
da subsidiária integral, continua não prevista na<br />
legislação brasileira.<br />
Cumpre ressaltar o equívoco de terminologia<br />
detectado no art. 980-A do <strong>Código</strong> Civil que<br />
faz referência a “capital social”, que, na dicção<br />
do art. 997, incisos III e IV, significa a expressão<br />
monetária (em moeda corrente nacional)<br />
da soma das contribuições em dinheiro ou bens<br />
suscetíveis de avaliação pecuniária, que os sócios<br />
transmitem à sociedade, a fim de que esta possa<br />
atingir o seu objeto social. Por isso, usar a expressão<br />
“capital social” para indicar o valor do<br />
numerário ou bens transferidos para constituir o<br />
patrimônio separado da empresa individual não<br />
se mostra tecnicamente correto.<br />
O capital da empresa individual de responsabilidade<br />
limitada não poderá ser inferior a 100<br />
(cem) vezes o maior salário mínimo vigente no<br />
País. Apesar de alguma crítica ter sido formulada<br />
por considerar elevado o valor do capital mínimo<br />
exigido, não compartilho tal posicionamento.<br />
Entendo que tal exigência deveria ser estendida<br />
para as sociedades limitadas, como ocorre<br />
em diversas legislações estrangeiras. Ademais,<br />
alvitro que se confira ao Registro Público de<br />
Empresas Mercantis e ao Registro Civil de Pessoas<br />
Jurídicas poderes para exigir, no momento<br />
Fórum jurídico<br />
63
64 Fórum jurídico<br />
artigo<br />
do registro, a prova da efetiva integralização do<br />
capital, ou, sendo proposta integralização a prazo,<br />
que, uma vez realizado o capital, seja apresentada<br />
prova do cumprimento de tal obrigação.<br />
A prova da integralização do capital em pecúnia<br />
deveria ser realizada mediante a apresentação<br />
de depósito, em conta-corrente, feito em instituição<br />
financeira. Outrossim, na hipótese de<br />
integralização do capital mediante conferência<br />
de bens, dever-se-ia exigir a apresentação<br />
de laudo de avaliação feito por profissional ou<br />
empresa especializada. Só assim se dará efetivo<br />
cumprimento ao princípio da integridade do<br />
capital social, outorgando-se aos registradores<br />
públicos – civil ou mercantil –, poderes para o<br />
exame formal da documentação comprobatória<br />
da integralização do capital social. Além disso,<br />
manoel de QUeiroz Pereira Calças<br />
tratando-se de empresa individual de responsabilidade<br />
limitada, não se pode admitir que o<br />
capital seja integralizado mediante prestação de<br />
serviços, exigindo-se sempre sua formação em<br />
dinheiro ou bens que permitam avaliação.<br />
A empresa individual de responsabilidade<br />
limitada pode ser constituída para o exercício<br />
de atividade econômica de natureza intelectual<br />
(científica, literária ou artística), e, neste<br />
caso, deverá inscrever-se no Registro Civil de<br />
Pessoas Jurídicas. Se, porém, a atividade econômica<br />
organizada da empresa individual de responsabilidade<br />
limitada consistir na produção<br />
ou circulação de bens ou serviços não intelectuais,<br />
ela deverá se inscrever no Registro Público<br />
de Empresas Mercantis (art. 967 e 1.150,<br />
CC). A personalidade jurídica da empresa individual<br />
de responsabilidade limitada decorre<br />
da inscrição do ato constitutivo no respectivo<br />
registro (art. 45, CC).<br />
Apenas a pessoa natural poderá ser titular da<br />
eireli, exigindo-se a maioridade civil (18 anos)<br />
ou a emancipação por uma das formas do art. 5º,<br />
parágrafo único, do <strong>Código</strong> Civil, cumulativamente<br />
com a inexistência de impedimentos<br />
constitucionais ou legais. Por exemplo: o magistrado,<br />
o membro do Ministério Público, o funcionário<br />
público, o militar da ativa, o falido, não<br />
pode ser titular da eireli. Outrossim, salvo as restrições<br />
constitucionais, o estrangeiro legalmente<br />
no país poderá constituir empresa individual de<br />
responsabilidade limitada.<br />
O parágrafo único do art. 980-A cria um<br />
impedimento limitativo especial, ao preconizar<br />
que a pessoa natural que constituir eireli somente<br />
poderá figurar em uma única empresa<br />
dessa modalidade.<br />
Ressalte-se que os profissionais da advocacia<br />
não poderão exercer sua atividade mediante a<br />
instituição de empresa individual de responsabilidade<br />
limitada, haja vista a interpretação
do art. 16 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia<br />
e a Ordem dos Advogados do Brasil),<br />
que, apesar de fazer expressa referência à sociedade<br />
de advogados para proibir a adoção<br />
de qualquer forma ou característica mercantil,<br />
inegavelmente, a exegese teleológica da norma<br />
indica o objetivo de se vedar a limitação da responsabilidade<br />
dos advogados no exercício do<br />
múnus de sua nobre profissão. Por isso mesmo,<br />
os advogados, pessoas naturais ou as sociedades<br />
– simples – de advogados, devem registrar-se<br />
no Conselho Seccional da OAB em cuja base<br />
territorial forem sediados. Nesta linha entendo<br />
que as sociedades de advogados, mesmo organizadas<br />
como empresas sob o prisma da economia,<br />
não estão sujeitas à falência, nem têm<br />
direito de pleitear recuperação judicial.<br />
A pessoa que exerce atividade rural (agricultura,<br />
pecuária, etc.), a teor do art. 971 do<br />
<strong>Código</strong> Civil, poderá adotar a forma de empresa<br />
individual de responsabilidade limitada e<br />
inscrever-se no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.<br />
Terá ainda a faculdade de optar pela inscrição<br />
no Registro Público de Empresas Mercantis,<br />
hipótese em que será equiparada, para<br />
todos os efeitos, ao empresário sujeito ao registro<br />
obrigatório, mercê do que deverá cumprir<br />
todas as obrigações empresariais, sujeitando-se<br />
à falência, podendo requerer a recuperação judicial<br />
ou a homologação judicial da recuperação<br />
extrajudicial, desde que cumpridas as demais<br />
exigências da Lei nº 11.101/2005.<br />
A administração da eireli poderá ser exercida<br />
pelo próprio titular ou por terceiro, desde que<br />
observados os impedimentos do art.1.011 do<br />
<strong>Código</strong> Civil, sendo evidente que pessoa jurídica<br />
não pode ser nomeada para administrar a<br />
empresa individual de responsabilidade limitada<br />
(art. 997, VI, CC).<br />
No que diz respeito ao nome empresarial,<br />
mais uma imperfeição terminológica é pratica-<br />
A administração da eireli<br />
poderá ser exercida pelo<br />
próprio titular ou por terceiro<br />
da no § 1º do art. 980-A: “O nome empresarial<br />
deverá ser formado pela inclusão da expressão<br />
“eireli” após a firma ou a denominação social<br />
da empresa individual de responsabilidade limitada”.<br />
Obviamente não se trata de firma social,<br />
nem de denominação social. A firma só pode<br />
ser a individual que é disciplinada pelo art.<br />
1.156 do <strong>Código</strong> Civil, e deverá ser constituída<br />
com o nome da pessoa natural titular da eireli.<br />
A denominação, que deverá indicar o objeto da<br />
empresa individual, poderá ser constituída com<br />
o nome do empresário individual ou expressões<br />
de fantasia. Em ambas as hipóteses – firma<br />
individual ou denominação –, deverá aditar-<br />
-se, ao final, a expressão “eireli”. A omissão da<br />
palavra “eireli” determina a responsabilidade<br />
ilimitada do titular da empresa individual de<br />
responsabilidade limitada, visto que a ela se<br />
aplica, no que couber, as regras previstas para as<br />
sociedades limitadas, ou seja, o art. 1.158, § 3º,<br />
do <strong>Código</strong> Civil.<br />
A eireli também poderá resultar da concentração<br />
das quotas de outra modalidade societária<br />
num único sócio, independentemente das<br />
razões que motivaram tal concentração, como,<br />
por exemplo, a exclusão, a retirada ou o falecimento<br />
de sócios. Em tal caso, não será aplicada<br />
a dissolução derivada da unipessoalidade prevista<br />
no art. 1.033, inciso IV, do <strong>Código</strong> Civil.<br />
O sócio remanescente poderá requerer a transformação<br />
do registro da sociedade para empresa<br />
individual de responsabilidade limitada,<br />
observando-se, no que couber, os artigos 1.113<br />
a 1.115 do <strong>Código</strong> Civil.<br />
Fórum jurídico<br />
65
66 Fórum jurídico<br />
artigo<br />
a falência da empresa<br />
individual de responsabilidade<br />
limitada não acarreta a<br />
falência do titular da eireli<br />
Faculta o § 5º do art. 980-A, seja atribuída<br />
à empresa individual de responsabilidade limitada<br />
que for constituída para a prestação de<br />
serviços de qualquer natureza a remuneração<br />
decorrente da cessão de direitos patrimoniais<br />
de autor ou de imagem, nome, marca ou voz<br />
de qualquer detentor titular da pessoa jurídica,<br />
vinculados à atividade profissional. Em rigor,<br />
inexiste qualquer inovação, haja vista que,<br />
constituída a empresa individual de responsabilidade<br />
limitada, surge nova pessoa jurídica<br />
dotada de autonomia, mercê do que, poderá<br />
ela ser cessionária dos direitos titularizados por<br />
outra pessoa jurídica.<br />
a DeSconSiDeraçÃo Da perSonaliDaDe<br />
JurÍDica Da eireli<br />
O § 4º do art. 980-A, do Projeto de Lei nº<br />
18, de 2011, do Senado Federal (nº 4.605/09<br />
na Câmara dos Deputados), que deu origem à<br />
Lei nº 12.441/2011, tinha a seguinte redação:<br />
“Somente o patrimônio social da empresa<br />
responderá pelas dívidas da empresa individual<br />
de responsabilidade limitada, não se confundindo<br />
em qualquer situação com o patrimônio<br />
da pessoa natural que a constitui, conforme<br />
descrito em sua declaração anual de bens entregue<br />
ao órgão competente”.<br />
Esse dispositivo foi vetado pela Presidência da<br />
República, mediante as razões a seguir aduzidas:<br />
“Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo<br />
traz a expressão ‘em qualquer situa-<br />
manoel de QUeiroz Pereira Calças<br />
ção’, que pode gerar divergências quanto à aplicação<br />
das hipóteses gerais de desconsideração<br />
da personalidade jurídica, previstas no art. 50<br />
do <strong>Código</strong> Civil. Assim, e por força do § 6º do<br />
projeto de lei, aplicar-se-á à eireli as regras da<br />
sociedade limitada, inclusive quanto à separação<br />
do patrimônio”.<br />
Com o devido respeito, o veto não se justifica,<br />
haja vista que o dispositivo excluído tinha<br />
o evidente escopo de ressaltar – já que se trata<br />
de importante inovação de nosso ordenamento<br />
jurídico – a cisão patrimonial da pessoa natural,<br />
permitida apenas por uma vez, alteração legal<br />
reclamada há muito tempo, permitida em boa<br />
hora para conceder ao empresário a garantia de<br />
que poderá organizar e exercer empresa individual,<br />
sem colocar em risco, com tal atividade,<br />
a integralidade de seu patrimônio pessoal. Obviamente,<br />
ao permitir a limitação da responsabilidade<br />
da empresa individual, o legislador o<br />
fez sob a presunção de que a eireli seja exercida<br />
sob o império dos princípios jurídicos e<br />
das regras legais. Por isso, na dicção do art. 50<br />
do <strong>Código</strong> Civil, em caso de abuso da personalidade<br />
jurídica, caracterizado pelo desvio de<br />
finalidade ou pela confusão patrimonial, pode<br />
o juiz decidir, a requerimento da parte ou do<br />
Ministério Público, que os efeitos de certas e<br />
determinadas relações de obrigações sejam estendidos<br />
ao patrimônio particular do titular ou<br />
do administrador da empresa individual de responsabilidade<br />
limitada.<br />
A aplicação da disregard doctrine poderá ocorrer<br />
incidentalmente em processo de execução<br />
ou de falência promovido contra a empresa<br />
individual de responsabilidade limitada, desde<br />
que sejam observados os princípios constitucionais<br />
da ampla defesa, do contraditório<br />
e do devido processo legal. Na mesma linha,<br />
cabível, inclusive, a desconsideração inversa da<br />
personalidade jurídica da eireli para que o pa
trimônio autônomo dela responda por obrigações<br />
particulares de seu titular, observando-se,<br />
da mesma forma, os princípios constitucionais<br />
acima declinados.<br />
Por fim, cumpre deixar anotado que a falência<br />
da empresa individual de responsabilidade<br />
limitada não acarreta a falência do titular<br />
da eireli, visto que se deverá aplicar, analogicamente,<br />
o art. 81 da Lei nº 11.101/2005.<br />
Decretada a quebra da eireli, o administrador<br />
judicial deverá promover a arrecadação dos<br />
bens que integram o patrimônio autônomo<br />
da empresa falida. Caso a arrecadação atinja<br />
bens integrantes do patrimônio pessoal do titular<br />
da empresa falida, este poderá valer-se do<br />
pedido de restituição ou dos embargos de terceiro<br />
para a liberação dos bens indevidamente<br />
arrecadados. Outrossim, a responsabilidade<br />
pessoal do titular ou dos administradores da<br />
empresa individual de responsabilidade limitada<br />
falida será apurada no próprio juízo da<br />
falência, independentemente da realização do<br />
ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir<br />
o passivo, observado o procedimento ordinário<br />
previsto no <strong>Código</strong> de Processo Civil<br />
(art. 82 da LFR).<br />
concluSÃo<br />
Após esta perfunctória análise da disciplina<br />
da empresa individual de responsabilidade limitada,<br />
cumpre afirmar que, malgrado algumas<br />
imperfeições de natureza terminológica e jurídica,<br />
o que é próprio de toda obra humana, não<br />
se pode negar que a inovação legislativa deve<br />
ser aplaudida por representar inegável avanço,<br />
visto que supre uma lacuna de nosso ordenamento<br />
jurídico, permitindo, a partir de sua vigência,<br />
que os empresários individuais possam<br />
exercer sua importante atividade com a segurança<br />
decorrente da limitação legal dos riscos a<br />
ela inerentes. n<br />
Fórum jurídico<br />
67
Moots: FerramenTaS<br />
De DeSenvolvimenTo<br />
proFiSSional<br />
e acaDÊmico<br />
Cláudio Finkelstein é Livre-Docente em Direito Internacional<br />
(2011), Professor de Direito Internacional na<br />
PUC-SP, Coordenador do Núcleo de Direito Arbitral<br />
Internacional e Coordenador do Curso de Pós-Graduação<br />
da PUC-SP. Atua como advogado no escritório<br />
Hasson Sayeg, Finkelstein, D’Avila, Santiago Guerra e<br />
Nelson Pinto Advogados.<br />
Julia schulz é aluna do 7º semestre do Curso de Direito<br />
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.<br />
Recebeu menção honrosa como oradora na Competição<br />
Brasileira de Arbitragem, em 2011. Estagiária de<br />
Direito no escritório Demarest & Almeida Advogados<br />
na área contencioso cível.<br />
68 Fórum jurídico<br />
artigo CláUdio Finkelstein<br />
jUlia sChUlz<br />
A Primeira Edição do “Willem C. Vis International<br />
Commercial Arbitration Moot”, a mais<br />
famosa competição acadêmica jurídica envolvendo<br />
arbitragem como forma de solução de<br />
controvérsias, ocorreu em 1994, reunindo apenas<br />
onze universidades de nove diferentes países.<br />
Proposta inicialmente em 1992, no Congresso<br />
Internacional de Direito Comercial promovido<br />
pela Comissão das Nações Unidas especializada<br />
nesse ramo (Uncitral), a Competição tinha<br />
como propósito atrair estudantes de Direito a<br />
trabalharem com a Comissão, especificamente<br />
com a CISG (Convenção de Viena sobre Contratos<br />
de Compra e Venda Internacional de Mercadorias)<br />
e com arbitragem internacional.<br />
Dois secretários da Uncitral, William Vis e<br />
Eric Bergsten, levaram a ideia ao Instituto de<br />
Direito Comercial da Universidade Pace, em<br />
Nova Iorque, a qual adotou a sugestão e formulou<br />
o moot “processo simulado” nos moldes em<br />
que se desenvolve atualmente.<br />
Para mensurar a dimensão do sucesso obtido<br />
pelo “Willem C. Vis International Commercial<br />
Arbitration Moot”, sua última edição, realizada em<br />
2010/2011, chegou a reunir estudantes de 254 universidades<br />
de um total de 63 países participantes .<br />
A partir desse exemplo, inúmeras competições<br />
do mesmo gênero surgiram ao redor do<br />
mundo, desde a China até o Brasil.<br />
Atendo-nos aos moots (como tais competições<br />
são chamadas) dos quais a PUC-SP participa,<br />
pode-se elencar, além do “Willem C. Vis<br />
International Commercial Arbitration Moot”,<br />
que ocorre em Viena, o “ELSA Moot Court<br />
Competition”, o “Concours d’Arbitrage International<br />
de Paris” e a Competição Brasileira de<br />
Arbitragem, também denominada Competição<br />
Petrônio Muniz.<br />
O “ELSA Moot Court Competition”, atualmente<br />
em sua 10ª Edição, é organizado pela<br />
Associação Europeia de Estudantes de Direito
(ELSA) e direciona-se a disputas atinentes à Organização<br />
Mundial de Comércio.<br />
Já o “Concours d’Arbitrage International de<br />
Paris” e a Competição Brasileira de Arbitragem,<br />
como se depreende dos próprios nomes, envolvem<br />
especificamente a arbitragem como método<br />
de resolução de conflitos.<br />
O primeiro, criado em 2005, é organizado pela<br />
Faculdade de Direito da “Sciences Po” e realiza-se<br />
em Paris, enquanto a Competição Brasileira de Arbitragem,<br />
criada em 2010, resultou de uma iniciativa<br />
da Camarb (Câmara de Arbitragem Empresarial -<br />
Brasil) e realiza-se em Belo Horizonte - MG, reunindo<br />
estudantes de diversos estados brasileiros.<br />
Todas essas competições mantêm a estrutura<br />
desenhada pela Universidade Pace, contemplando<br />
uma fase escrita e outra oral. O “ELSA Moot<br />
Court Competition” tem uma fase de qualificação<br />
regional, enquanto o “Willem C. Vis International<br />
Arbitration Moot” recebe todas as equipes em Viena<br />
para a fase oral, sem qualquer pré-requisito.<br />
Inicialmente, com a entrega do caso às equipes,<br />
estas devem elaborar um memorial em<br />
nome de cada parte do conflito, requerente e requerido.<br />
Neste momento, as equipes se reúnem<br />
para discutir o problema, seus anexos e traçar a<br />
estratégia a ser esboçada em cada memorial. Para<br />
tanto, exige-se intensa pesquisa e foco, uma vez<br />
que alcançar um texto satisfatório e coeso em<br />
equipe é sempre um desafio.<br />
Com a conclusão dos memoriais, inicia-se a<br />
preparação para a fase oral. Nesta etapa há uma<br />
efetiva simulação de um tribunal arbitral, de<br />
modo que duas equipes se enfrentam, expondo<br />
oralmente seus argumentos e se sujeitando a perguntas<br />
de profissionais que atuam como árbitros<br />
no painel. No “Willem C. Vis International Arbitration<br />
Moot” atuam como árbitros notáveis<br />
professores, assim como os principais árbitros profissionais<br />
em atividade na atualidade. No “ELSA<br />
Moot Court Competition”, os painéis são presi-<br />
didos por árbitros da própria OMC, funcionários<br />
desta ou das universidades participantes, isto é,<br />
sempre por profissionais especializados na área de<br />
contencioso econômico internacional.<br />
É neste modelo que reside o diferencial dessas<br />
competições. Por terem de elaborar memoriais para<br />
as duas partes envolvidas no conflito, as equipes têm<br />
a possibilidade de analisar os pontos frágeis dos dois<br />
lados e trabalhar com maior profundidade tanto<br />
para fortalecê-los, como para identificar as fraquezas<br />
do discurso da equipe concorrente. Arguir o<br />
caso de ambas as partes é um exercício que normalmente<br />
o aluno de direito não exercita durante seus<br />
estudos acadêmicos e auxilia no desenvolvimento<br />
de uma lógica e de um raciocínio que se mostram<br />
valiosos na vida profissional do advogado.<br />
todas essas competições mantêm<br />
a estrutura desenhada pela<br />
universidade Pace, contemplando<br />
uma fase escrita e outra oral<br />
Como se não bastasse, há ainda a oportunidade<br />
de desenvolver o debate oral, que é muito pouco<br />
estimulado nas universidades. O debate é interessante,<br />
pois além de envolver equipes que dominam<br />
profundamente o caso e suas minúcias, conta com<br />
a presença de profissionais atuantes na área, que por<br />
conhecerem a fundo as matérias abordadas, podem<br />
avaliar com extremo rigor a atuação das equipes.<br />
Sem prejuízo dos aspectos mencionados, outro<br />
ponto importante é a assessoria dada por advogados<br />
formados, normalmente atuantes no ramo de arbitragem,<br />
defesa comercial ou comércio exterior, que<br />
atuam como coordenadores das equipes. Estes profissionais<br />
se propõem a analisar o problema com os<br />
estudantes, debater os pontos e auxiliar com material<br />
para pesquisa e com o preparo para a competição.<br />
Fórum jurídico<br />
69
Apesar de ser um ramo em notável<br />
crescimento no Brasil, a maioria dos<br />
estudantes ainda não tem acesso à<br />
arbitragem em sua grade curricular<br />
ou início de vida profissional<br />
Eu, Julia Schulz, coautora do presente artigo<br />
e aluna do 7º semestre da PUC-SP, tive a oportunidade<br />
de participar da Competição Brasileira<br />
de Arbitragem, em 2011. A competição é recente,<br />
mas os organizadores já atribuem a ela a importante<br />
missão de difundir a Lei Brasileira de<br />
Arbitragem (Lei 9.307/1996).<br />
Por tal razão, conquanto seja sempre de suma<br />
importância pesquisar e conhecer as legislações<br />
pioneiras sobre o assunto, a competição vem exigindo<br />
um aprofundamento maior na legislação<br />
pátria e em obras de doutrinadores locais que estudem<br />
a arbitragem sob a ótica do ordenamento<br />
jurídico brasileiro e de suas particularidades.<br />
Apesar de ser um ramo em notável crescimento<br />
no Brasil, a maioria dos estudantes ainda não<br />
tem acesso à arbitragem em sua grade curricular<br />
ou início de vida profissional. Nesse sentido, os<br />
moots propiciam a aproximação do estudante de<br />
Direito a esta realidade, conforme observa Ilan Jadoul,<br />
aluno da PUC-SP, atualmente em intercâmbio<br />
no King’s College de Londres, que participou<br />
em 2010 do “Willem C. Vis International Arbitration<br />
Moot” e do “Concours d’Arbitrage International<br />
de Paris”: “Considerava a arbitragem um<br />
ramo bastante distante e restrito, do qual apenas<br />
advogados com anos de profissão podiam fazer<br />
parte. Não via essa disciplina como uma disciplina<br />
acadêmica. Isso mudou totalmente com a experiência<br />
de mooting, ao ver alunos de até 2º ano de<br />
Direito debatendo questões de grande complexidade<br />
jurídica de maneira altamente profissional.”<br />
70 Fórum jurídico<br />
artigo CláUdio Finkelstein<br />
jUlia sChUlz<br />
Com efeito, como bem apontado por Eric<br />
E. Bergsten em artigo de sua autoria, o ensino<br />
jurídico infelizmente não acompanhou o desenvolvimento<br />
do Direito Comercial Internacional,<br />
incluindo a arbitragem. O atraso se mostra<br />
compreensível, uma vez que os programas das<br />
universidades já estão extremamente sobrecarregados<br />
com as matérias do direito nacional.<br />
É essa, inclusive, a percepção de diversos alunos<br />
do Curso de Direito, como Daniel Shil Szriber, cursando<br />
o 9º semestre de Direito na PUC-SP, que participou<br />
do “Willem C. Vis International Commercial<br />
International Arbitration Moot” em 2009/2010<br />
e 2010/2011: “Quando comecei a frequentar as<br />
reuniões da equipe da PUC-SP, não fazia a menor<br />
ideia do que era arbitragem, já que nunca havia<br />
ouvido falar sobre este instituto antes. No começo,<br />
achava que não havia muitas diferenças entre a resolução<br />
de conflitos por meio de arbitragem e da<br />
jurisdição estatal. Contudo, ao me aprofundar nos<br />
estudos durante a preparação para a competição, comecei<br />
a descobrir que existem inúmeras discussões e<br />
especificidades sobre a arbitragem, tão ou mais complexas<br />
que aquelas que circundam o processo civil.”<br />
Da mesma forma, ao decidir participar da Competição<br />
Brasileira de Arbitragem, deparei-me com<br />
um instituto completamente <strong>novo</strong>. Apesar de ter<br />
sido mencionada superficialmente em aulas de Direito<br />
Civil e Direito Constitucional, a arbitragem<br />
não fazia parte de minha realidade ou de qualquer<br />
perspectiva para o meu futuro.<br />
Neste aspecto reside o primeiro de muitos desafios<br />
enfrentados nos moots. Inúmeros estudantes,<br />
ao menos brasileiros, somente têm a oportunidade<br />
de estudar o instituto da arbitragem, ainda que em<br />
termos gerais, ao entrarem na competição. Logicamente,<br />
isso afeta o estudo dos casos apresentados,<br />
que, por abordarem questões extremamente técnicas,<br />
pressupõem o conhecimento básico do tema.<br />
Vale ressaltar que, entre as matérias opcionais<br />
oferecidas pela própria PUC-SP, há um curso
de arbitragem e também uma matéria de arbitragem<br />
internacional, ministrada em língua inglesa.<br />
Destaca-se, contudo, que para participar das<br />
competições ora descritas não é necessário cursar<br />
quaisquer dessas matérias.<br />
Ademais, os moots demandam extrema dedicação<br />
dos competidores. Os problemas são complexos<br />
e bem elaborados. Exigem, portanto, um nível<br />
de pesquisa que a maioria dos estudantes não está<br />
habituada a realizar, rigorosa e disciplinada, abrangendo<br />
tanto doutrina como jurisprudência.<br />
A dedicação também é necessária no que tange<br />
ao tempo despendido. São meses de muito<br />
esforço, sacrifício, estudo profundo e discussões<br />
em grupo. Isto tudo, é claro, para que se mantenha<br />
o nível altamente profissional das equipes,<br />
como já foi evidenciado.<br />
Outro desafio é o de trabalhar com a pressão,<br />
principalmente durante a fase oral, na qual é preciso<br />
manter postura e calma perante a equipe contrária<br />
e os árbitros. Para tanto, é essencial dominar o<br />
caso e as matérias por ele abordadas, bem como se<br />
familiarizar com os termos técnicos, muitas vezes<br />
em outros idiomas, como em competições em que<br />
o idioma oficial é o inglês ou francês.<br />
O percurso é árduo, mas permite a vivência<br />
de uma das mais ricas experiências que a vida<br />
acadêmica pode oferecer.<br />
De acordo com Marina Amaral Egydio de<br />
Carvalho, professora de Direito Internacional na<br />
PUC-SP, que desde 2009 coordena a equipe do<br />
“ELSA Moot Court Competition”: “A participação<br />
no moot foi fundamental em termos pessoais<br />
e profissionais. Pessoalmente, porque a competição<br />
revela e sedimenta capacidades e habilidades que<br />
muitas vezes você desconhece sobre si mesmo. Profissionalmente,<br />
há o desenvolvimento de técnicas<br />
argumentativas colocadas oralmente e por escrito.”<br />
Não obstante, ao final, muitos descobrem a<br />
área com a qual se identificam profissionalmente,<br />
podendo vivenciar, ainda que de maneira um<br />
pouco ilusória, o dia a dia dos que nela atuam.<br />
Os moots também propiciam a convivência<br />
com a diversidade, na medida em que permitem<br />
a interação com algumas das melhores universidades<br />
do Brasil e do mundo. Assim, como<br />
em poucas oportunidades, nos moots é possível<br />
debater questões altamente controversas com<br />
acadêmicos de Direito que tenham estratégias e<br />
opiniões completamente diversas.<br />
A ideia que inicialmente somente pretendia<br />
atrair estudantes de Direito para trabalhar na<br />
Uncitral, acabou por se tornar uma ferramenta<br />
diferenciada de desenvolvimento e preparo dos<br />
estudantes que procuram trabalhar no ramo do<br />
Direito Comercial Internacional e Arbitragem.<br />
Além disso, ainda que não optem por trabalhar<br />
nessas áreas ou em setores correlatos, não há<br />
dúvidas de que o engajamento em uma proposta<br />
deste gênero, por si só, auxilia o aluno a aprimorar-se<br />
tanto sob um aspecto acadêmico, como<br />
em variadas atividades profissionais. n<br />
Bibliografia<br />
BERGSTEN, Eric. Teaching about International Commercial Law and Arbitration: the Eighth Annual Willem C. Vis International<br />
Commercial Arbitration Moot, 18º Journal of International Arbitration (August 2001), p. 481-486.<br />
FRADERA, Vera; NEVES, Flavia Bittar; PESSÔA, Fernando José Breda, e outros. Participação das Faculdades Brasileiras na 16ª Edição<br />
da Willem C. Vis Arbitration Moot. Revista Brasileira de Arbitragem, nº 22, Abr/Jun 2009, p. 211-228.<br />
http://www.cisg.law.pace.edu/vis.html<br />
http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/bergsten1.html<br />
http://www.law.northwestern.edu/academics/mootcourt/vis.html<br />
http://www.elsamootcourt.org/<br />
http://master.sciences-po.fr/droit/fr/contenu/concours-darbitrage-international-de-paris<br />
http://competicao.camarb.com.br<br />
Fórum jurídico<br />
71
oS 10 anoS Do cóDigo<br />
civil SoB a ópTica<br />
civil conSTiTucional<br />
renan Lotufo é advogado e Consultor Jurídico. Professor<br />
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-<br />
-SP) regendo Direito Civil no Mestrado e Doutorado;<br />
Professor do Centro de Extensão Universitária (CEU).<br />
Coordenador e Professor de Cursos de Pós-Graduação<br />
lato sensu da Escola Paulista da Magistratura. Membro do<br />
IASP. Presidente do Instituto de Direito Privado (IDP)<br />
até a data de 29 de março de 2010. Ex-presidente da Câmara<br />
de Mediação e Arbitragem do CIESP. Coordenador<br />
da coleção Agostinho Alvim, com vinte obras já publicadas,<br />
Cadernos de Teoria Geral do Direito, Cadernos de<br />
Direito Civil Constitucional.<br />
André guimarães Avillés é aluno do 9º semestre do<br />
curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de<br />
São Paulo. Participa do projeto de iniciação científica<br />
pela PIBIC CEPE nas áreas de Arbitragem e Direito Societário,<br />
com a tese “A Extensão dos Efeitos da Cláusula<br />
Arbitral Estatutária nas Sociedades Anônimas”, sob a<br />
orientação do Professor Doutor Giovanni Ettore Nanni.<br />
Estagiário das áreas contenciosa e consultiva cível do escritório<br />
Renan Lotufo Advogados Associados.<br />
72 Fórum jurídico<br />
artigo renan lotUFo<br />
andré gUimarães avillés<br />
inTroDuçÃo<br />
A sociedade vive em mudança constante,<br />
fruto do dinamismo que se impõe nas relações<br />
políticas, econômicas e sociais. Foi neste compasso<br />
que, sob a coordenação do professor Miguel<br />
Reale, grandes nomes do direito, entre os<br />
quais o mestre da PUC Agostinho Alvim, já no<br />
último quarto do século que passou, redigiram<br />
e edificaram os pilares do que viria a ser a Lei nº<br />
10.406/2002, revogando o <strong>Código</strong> de 1916 e<br />
dando azo a um <strong>novo</strong> Diploma Civil, moderno<br />
e harmônico com a época atual.<br />
A principal premissa do anteprojeto foi, em síntese,<br />
atualizar o <strong>Código</strong> então vigente, não só para<br />
superar os pressupostos individualistas que condicionaram<br />
a sua elaboração, mas também para dotá-<br />
-lo de <strong>novo</strong>s institutos, reclamados pela sociedade<br />
atual, buscando configurar os modelos jurídicos à<br />
luz do princípio de realizabilidade, em função das<br />
forças sociais operantes, para atuarem como instrumentos<br />
de paz social e de desenvolvimento. 1<br />
Passados dez anos desde sua promulgação, as<br />
relações civis passaram a ter um aspecto mais paritário,<br />
uma vez que o <strong>Código</strong> de 2002 exprime,<br />
genericamente, os impulsos vitais, formados na<br />
era contemporânea, tendo por parâmetro os valores<br />
constitucionais da justiça, solidariedade social<br />
e o respeito da dignidade da pessoa humana. 2<br />
o DireiTo civil conSTiTucional<br />
O fato de se tratar de uma legislação cuja entrada<br />
em vigor se deu após a promulgação da<br />
Constituição Federal de 1988 facilitou o entrosamento<br />
com as novas perspectivas e valores trazidos<br />
pelo <strong>Código</strong>. Houve uma concatenação da<br />
1 Exposição de Motivos do Anteprojeto do <strong>Código</strong> Civil,<br />
Mensagem 160.<br />
2 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Vol.<br />
I, 26ª ed. Saraiva, São Paulo, 2011. p. 97.
legislação civil com os <strong>novo</strong>s preceitos constitucionais,<br />
campo que o <strong>Código</strong> de 1916 não podia<br />
almejar, dado o caráter restrito à organização do<br />
Estado da Constituição da época da promulgação<br />
da ordenação civil.<br />
A essa época os códigos civis eram o centro<br />
do direito positivo, em grande parte por influência<br />
do <strong>Código</strong> Civil Francês.<br />
O direito civil, portanto, deixou de ter apenas<br />
como figura central o <strong>Código</strong> Civil, que passou a<br />
não mais ser o único texto ordenador das relações<br />
privadas, as quais receberam o enfoque da Constituição,<br />
de modo unificado e sistemático, desempenhando<br />
o papel de ligação do sistema jurídico. 3<br />
Desse modo, um dos grandes méritos do <strong>Código</strong><br />
Civil, após uma década de sua promulgação,<br />
é o fortalecimento e a sedimentação do direito<br />
Civil Constitucional na doutrina e na jurisprudência<br />
brasileira.<br />
Nesse sentido, conforme afirma Paulo Lobo:<br />
“A Constitucionalização do Direito Civil<br />
não é episódica ou circunstancial. É consequência<br />
inevitável da natureza do Estado social, que<br />
é a etapa que a humanidade vive contemporaneamente<br />
do Estado moderno, apesar de<br />
suas crises, das frustrações de suas promessas e<br />
dos prenúncios de retorno ao modelo liberal,<br />
apregoados pelo neoliberalismo, que pretende<br />
afastar qualquer intervenção estatal ou consideração<br />
de interesse social das relações privadas.<br />
A Constituição Brasileira de 1988 consagra o<br />
Estado social, que tem como objetivos fundamentais<br />
(art. 3º) ‘constituir uma sociedade livre,<br />
justa e solidária’, com redução das desigualdades<br />
sociais. A ordem jurídica infraconstitucional<br />
deve concretizar a organização social e<br />
a economia eleita pela Constituição, não podendo<br />
os juristas desconsiderá-la, como se os<br />
3 NANNI, Giovanni Ettore in LOTUFO, Renan, Caderno<br />
de Direito Civil Constitucional, Vol. 2, 1ª Ed, Editora Juruá, São<br />
Paulo, 2001. p. 164.<br />
fundamentos do direito civil permanecessem<br />
ancorados no modelo liberal do século XIX”. 4<br />
É nítido que o <strong>Código</strong> Civil de 2002 abarcou<br />
os princípios do Estado Social. Pode-se perceber,<br />
por exemplo, a alta carga principiológica contida<br />
no direito contratual, uma vez que o reconhecimento<br />
à liberdade e autonomia das pessoas sofre<br />
maior resistência dos interesses sociais. Tido por<br />
autores como o dispositivo mais importante do<br />
<strong>Código</strong>, o art. 421, ao imprimir ao contrato função<br />
social – e não apenas um meio de autorregulação<br />
entre as partes –, deixou de ter centro na<br />
autonomia da vontade, passando a adotar a autonomia<br />
privada, conformada pelo ordenamento,<br />
e a justiça social, que constitucionalmente deve<br />
estar presente em todas as relações econômicas. 5<br />
Entretanto, mais do que olhar para trás e nos<br />
deleitarmos com o sucesso e a evolução que o<br />
<strong>Código</strong> de 2002 trouxe para o ordenamento<br />
jurídico pátrio, é preciso que nos debrucemos<br />
sobre as perspectivas futuras e sobre os perigos<br />
que uma equivocada interpretação pode trazer.<br />
novaS perSpecTivaS<br />
A boa técnica civil constitucionalista arrazoa<br />
que cada norma infraconstitucional há de ser<br />
aplicada conjuntamente com os princípios constitucionais.<br />
A Constituição deve incidir como um<br />
foco de iluminação do todo do sistema.<br />
Pietro Perlingieri alerta sobre o “perigo de<br />
se conceber um sistema jurídico mediante modelos<br />
binários, considerando-se o ordenamento<br />
jurídico como um conjunto de normas jurídicas<br />
apartadas da realidade e de sua aplicação jurisdicional,<br />
idealizando-se, dessa forma, dois sistemas<br />
distintos: aquele concebido pelo legislador e ou-<br />
4 LOBO, PAULO in TEPEDINO, Gustavo (coord.), Direito<br />
Civil Contemporâneo – Novos Problemas à Luz da Legalidade<br />
Constitucional, Editora Atlas, São Paulo, 2008. p. 20.<br />
5 Idem. p. 25.<br />
Fórum jurídico<br />
73
74 Fórum jurídico<br />
artigo<br />
tro resultante dos fatos, nos quais incidirão em<br />
concreto as normas jurídicas”. 6<br />
Nessa linha, Gustavo Tepedino afirma que,<br />
“este modelo binário de interpretação espraia-<br />
-se em classificações falaciosas, ora segundo os<br />
destinatários das normas jurídicas – legislador<br />
e sujeitos de direito; ora segundo a produção<br />
normativa – legislativa e jurisdicional; ora de<br />
acordo com os campos de conhecimento – direito<br />
público e direito privado; ora conforme<br />
os diversos setores de produção normativa – os<br />
microssistemas; e assim por diante. Apoiado em<br />
Pietro Perlingieri, que se insurge contra essa<br />
concepção, demonstrando que somente se afigura<br />
possível falar em ordenamento jurídico se<br />
este for concebido em sua unidade: ou bem o<br />
ordenamento é uno ou não é ordenamento”. 7<br />
Aqui é importante observar que parte da<br />
doutrina fala em “civilização do Direito Cons-<br />
6 Ibidem. p. 361.<br />
7 Ibidem. p. 361.<br />
renan lotUFo<br />
andré gUimarães avillés<br />
titucional”, pretendendo manter o <strong>Código</strong><br />
Civil como centro. As normas constitucionais<br />
não são interpretáveis a partir das infraconstitucionais.<br />
A interpretação normativa deve ser<br />
axiológica, com os preceitos constitucionais<br />
consolidados na jurisprudência, na doutrina e<br />
em todos os dispositivos legais. Do contrário,<br />
teríamos uma técnica hermenêutica de interpretação<br />
às avessas, invertendo-se a casta dos<br />
valores no ordenamento jurídico.<br />
Com vistas a evitar esta aberração hermenêutica,<br />
é cogente que se tenha a pessoa humana<br />
no núcleo do ordenamento jurídico. Há a necessidade<br />
de uma harmonização dos valores no<br />
ordenamento como um todo, levando-se em<br />
conta mais do que aspectos formais da norma,<br />
mas também superando a interpretação exclusiva<br />
com o método de subsunção.<br />
A interpretação deve, deste modo, fundamentar-se<br />
na hierarquia das fontes do direito e dos<br />
seus preceitos, de modo a criar uma dimensão<br />
necessariamente sistemática e valorativa.<br />
Nesta esteira, em busca de maior segurança jurídica<br />
na aplicação normativa, deve o intérprete<br />
assumir um compromisso metodológico de aplicação<br />
das normas civis constitucionais no qual<br />
haja coerência durante o processo de interpretação,<br />
bem como procurar a unicidade de critérios<br />
interpretativos, de modo claro e objetivo, a fim de<br />
limitar as possibilidades interpretativas de caráter<br />
personalíssimo, devendo manter a uniformização<br />
de valores dentro do ordenamento.<br />
Cada aplicação normativa, cada decisão judicial<br />
proferida deve levar em conta o ordenamento<br />
jurídico como sistema.<br />
Pietro Perlingieri salienta que “a solução<br />
para cada simples controvérsia não pode mais<br />
ser encontrada levando em conta simplesmente<br />
o artigo de lei que parece contê-la e resolvê-la,<br />
mas, antes, à luz do inteiro ordenamento<br />
jurídico e, em particular, de seus princípios
fundamentais, considerados como opções de<br />
base que o caracterizam”. 8<br />
concluSõeS<br />
A vigência por quase uma década do <strong>Código</strong><br />
Civil de 2002 deixou claro que o referido diploma<br />
foi amplamente acolhido pela doutrina e<br />
pela jurisprudência.<br />
Trata-se de um diploma legal que não teve<br />
a pretensão de ser o centro das relações jurídicas,<br />
mas sim parte de um corpo normativo com<br />
cláusulas abertas para servir e viabilizar a atuação<br />
do Direito Privado como um todo.<br />
Neste sentido:<br />
“Este <strong>Código</strong>, pelas suas próprias raízes metodológicas<br />
e filosóficas (eticidade-sociabilidade-<br />
-praticidade), não tem a aspiração de ser um <strong>Código</strong><br />
fechado. É um <strong>Código</strong> que está permeado por<br />
valores que vão de encontro ao puro liberalismo e<br />
ao individualismo exacerbado. É um <strong>Código</strong> que<br />
está imbuído do que o Prof. Reale chamou de<br />
princípio da sociabilidade, ou seja, todos os valores<br />
do <strong>Código</strong> encontram um balanço entre<br />
o valor do indivíduo e o valor da sociedade não<br />
exacerba o social e, ao mesmo tempo, procura em<br />
todas as regras não exacerbar o individualismo”. 9<br />
Disto extrai-se que o <strong>Código</strong> busca que o sujeito<br />
de direito tenha uma posição ativa para a<br />
8 Ibidem. p. 370.<br />
9 LOTUFO, Renan in NANNI, Giovanni Ettore e LOTUFO,<br />
Renan (coords.), Teoria Geral do Direto Civil, 1ª ed. Atlas, São<br />
Paulo, 2008. p. 99<br />
A interpretação normativa deve ser<br />
axiológica, com os preceitos<br />
constitucionais consolidados na<br />
jurisprudência, na doutrina e em<br />
todos os dispositivos legais<br />
preservação dos seus direitos, de modo a repugnar<br />
a inércia e o comodismo que antes impregnavam<br />
o <strong>Código</strong> Civil de 1916.<br />
Há uma procura constante em favor do equilíbrio<br />
individual com o interesse social, sempre<br />
mirando a condição de manutenção da dignidade<br />
da pessoa humana nas relações privadas.<br />
Contudo, esta condição deve ser preservada<br />
independentemente da atuação estatal.<br />
Conforme bem vislumbrado por Gustavo<br />
Tepedino, subsistem ainda três preocupações<br />
no âmbito do direito civil, quais sejam (i) a<br />
compreensão atual da metodologia do direito<br />
civil constitucional; (ii) a construção de uma<br />
nova dogmática do direito privado, com coerência<br />
axiológica em torno da unidade do ordenamento;<br />
(iii) a fidelidade ao compromisso<br />
metodológico. 10<br />
Superadas tais barreiras, estaremos diante de<br />
um ordenamento jurídico unitário, o qual preza<br />
pela paz social em busca de um direito mais humano<br />
e justo. n<br />
10 TEPEDINO, Gustavo (coord.), ob. cit. p. 371.<br />
Bibliografia<br />
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Vol. I, 26ª ed. Saraiva, São Paulo, 2011.<br />
Fontes Bibliográficas<br />
LOBO, PAULO in TEPEDINO, Gustavo (coord.), Direito Civil Contemporâneo – Novos Problemas à Luz da Legalidade<br />
Constitucional, Editora Atlas, São Paulo, 2008.<br />
LOTUFO, Renan in NANNI, Giovanni Ettore e LOTUFO, Renan (coords.), Teoria Geral do Direto Civil, 1ª ed. Atlas, São Paulo, 2008.<br />
NANNI, Giovanni Ettore in LOTUFO, Renan, Caderno de Direito Civil Constitucional, Vol. 2, 1ª ed. Juruá, São Paulo, 2001.<br />
TEPEDINO, Gustavo (coord.), Direito Civil Contemporâneo – Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional, Editora Atlas,<br />
São Paulo, 2008.<br />
Fórum jurídico<br />
75
o Supremo TriBunal<br />
FeDeral e o pleBiSciTo<br />
para DeSmemBramenTo<br />
De eSTaDo-memBro<br />
Felipe Penteado Balera é mestrando pela Pontifícia<br />
Universidade Católica de São Paulo, com a tese “Federalismo<br />
e as possíveis alterações no território dos Estados<br />
Federados”. Graduado pela mesma instituição. Autor<br />
do artigo acadêmico “Medida Provisória: o controle dos<br />
requisitos constitucionais de relevância e urgência pelo<br />
Congresso Nacional e pelo STF”, publicada na Revista<br />
Brasileira de Direito Constitucional (v. 14, p. 25-52, 2009).<br />
76 Fórum jurídico<br />
artigo FeliPe Penteado balera<br />
apreSenTaçÃo Do Tema<br />
O tema da consulta popular obrigatória,<br />
nas propostas de desmembramento de Estados<br />
ou de Municípios, voltou a ser discutido com<br />
grande ênfase no ano de 2011, em virtude<br />
dos decretos legislativos 136 e 137 aprovados<br />
pelo Congresso Nacional. Tais decretos convocaram<br />
plebiscito para a população paraense<br />
opinar sobre a criação de dois <strong>novo</strong>s Estados<br />
– Tapajós e Carajás – por desmembramento do<br />
Estado do Pará.<br />
Uma questão de relevância jurídica sobre a<br />
consulta popular para o desmembramento de<br />
um Estado-membro, que ficou em evidência por<br />
conta do plebiscito no Estado do Pará e chegou<br />
a ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal<br />
(STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade<br />
(ADI) 2650/GO, diz respeito a quem deve votar<br />
em tais pleitos indispensáveis às alterações nos<br />
territórios dos Estados e dos Municípios.<br />
A questão ganha contornos suscetíveis de<br />
divergência porque a Constituição Federal de<br />
1988, ao incluir o plebiscito como requisito essencial<br />
para as alterações territoriais nos Estados,<br />
não definiu com clareza qual população deve<br />
votar em tais casos, utilizando apenas a expressão<br />
“população diretamente interessada”. 1 Desta<br />
forma, podem surgir diversas interpretações<br />
acerca da expressão.<br />
Este artigo procurará identificar as interpretações<br />
para a referida expressão conferidas pelo<br />
legislador e pela jurisprudência do STF, desde<br />
a promulgação da Constituição Federal, verificando<br />
se o sentido atualmente compreendido<br />
atende ao propósito do constituinte.<br />
1 Art. 18, § 3º – Os Estados podem incorporar-se entre si,<br />
subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou<br />
formarem <strong>novo</strong>s Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação<br />
da população diretamente interessada, através de plebiscito,<br />
e do Congresso Nacional, por lei complementar.
A definição da população que será consultada<br />
é de fundamental importância, pois é evidente<br />
que o resultado pode ser diverso de acordo com<br />
os detentores do direito de votar. A título de<br />
exemplificação, alcançar-se-ia resultado oposto<br />
no plebiscito do Pará, caso fosse aplicada outra<br />
interpretação à expressão, conforme se nota a<br />
seguir. A consulta realizada em 11 de dezembro<br />
de 2011 contou com a participação de toda a<br />
população do Estado do Pará e a maioria (cerca<br />
de 66% 2 ) da população paraense rejeitou a<br />
criação das duas novas unidades federativas.<br />
Certamente, alcançar-se-ia resultado oposto<br />
no referido plebiscito, caso fosse aplicada outra<br />
interpretação à expressão, ou seja, se a consulta<br />
popular se restringisse à população da área que<br />
se pretende desmembrar, o resultado seria outro.<br />
Isso porque tanto a população da região do<br />
Tapajós quanto a do Carajás votaram em sua<br />
grande maioria a favor da cisão, 3 conforme dados<br />
do Tribunal Eleitoral do Pará.<br />
Quem É populaçÃo DireTamenTe<br />
inTereSSaDa para o legiSlaDor<br />
A Constituição Federal exige plebiscito tanto<br />
para o caso de desmembramento de Estados<br />
Federados, quanto de Municípios, em que pese<br />
o procedimento para que ocorram tais divisões<br />
seja diverso, sendo no primeiro caso exigível<br />
2 Conforme dados do Tribunal Regional Eleitoral do Pará,<br />
disponíveis em http://www.tre-pa.jus.br/eleicoes/plebiscito-2011/relatorios-da-votacao-dos-plebiscitos-2011,<br />
acesso em 9<br />
de janeiro de 2012.<br />
3 Na região que seria desmembrada para a criação do <strong>novo</strong> Estado<br />
do Carajás, a população de todos os municípios foi favorável<br />
ao desmembramento (em 34 dos 39 municípios da região, o voto<br />
favorável superou o percentual de 90%). Na região que seria<br />
desmembrada para a criação do <strong>novo</strong> Estado do Tapajós, o voto a<br />
favor do desmembramento também ganhou com larga vantagem.<br />
O voto a favor só perdeu em 4 dos 25 municípios do pretenso<br />
Estado, sendo que no Município mais populoso da região, Santarém,<br />
a votação a favor do desmembramento superou 98% dos<br />
votos (Conforme dados do Tribunal Regional Eleitoral do Pará).<br />
lei complementar federal, enquanto que no<br />
segundo lei estadual. Ao delimitar o alcance<br />
destas manifestações populares, a Magna Carta<br />
utilizava expressões bastante similares: “população<br />
diretamente interessada” para as consultas<br />
sobre alterações nos territórios dos Estados e<br />
“populações diretamente interessadas” para as<br />
consultas acerca das alterações nos territórios<br />
dos Municípios.<br />
Até 1998, não existia lei federal definindo o<br />
objeto da expressão “população diretamente interessada”.<br />
Por outro lado, leis estaduais procuravam<br />
delimitar o alcance do plebiscito exigível<br />
para que houvesse desmembramento de Município,<br />
estendendo a consulta tão somente à população<br />
da área que pretendia se desmembrar e<br />
não à do Município inteiro. 4<br />
Naquele ano, porém, foi editada a Lei Federal<br />
nº 9.709/98, que dava sentido diverso à sobredita<br />
expressão. Assim, na forma do art. 7º 5 da<br />
referida lei, no plebiscito para eventual desmembramento<br />
de Estado ou Município, deveriam<br />
opinar tanto a população do território a ser desmembrado,<br />
quanto da área sobejada.<br />
No caso dos Municípios, o próprio texto<br />
constitucional já havia sido alterado, pela<br />
Emenda Constitucional nº 15 de 1996. Esta<br />
alterou a expressão “populações diretamente<br />
interessadas” por “populações dos municípios<br />
envolvidos”, o que acarretou a incompatibi-<br />
4 Neste sentido, foram expressas as seguintes leis complementares<br />
estaduais, entre outras: Lei Complementar do Estado do<br />
Rio Grande do Sul nº 9070/90, Lei Complementar do Estado<br />
do Paraná nº 56/91, Lei Complementar do Estado de São<br />
Paulo nº 651/90 e Lei Complementar do Estado de Pernambuco<br />
nº 01/90.<br />
5 Art. 7 o – Nas consultas plebiscitárias previstas nos arts. 4º e<br />
5 o entende-se por população diretamente interessada tanto a<br />
do território que se pretende desmembrar, quanto a do que<br />
sofrerá desmembramento; em caso de fusão ou anexação, tanto a<br />
população da área que se quer anexar quanto a da que receberá o<br />
acréscimo; e a vontade popular se aferirá pelo percentual que se<br />
manifestar em relação ao total da população consultada.<br />
Fórum jurídico<br />
77
78 Fórum jurídico<br />
artigo<br />
lidade das leis estaduais com a Constituição<br />
Federal no que tange à população participante<br />
do plebiscito. Todavia, quanto às alterações<br />
territoriais nos Estados, a redação permaneceu,<br />
e permanece até hoje, inalterada, mantendo<br />
a expressão “população diretamente interessada”,<br />
suscetível a diversas interpretações,<br />
o que faz com que a posição adotada pela Lei<br />
nº 9.709/98 possa ter sua constitucionalidade<br />
questionada por aqueles que entendem ser<br />
diversa a intenção do Constituinte. Consequentemente,<br />
cabe à mais alta Corte de Justiça<br />
analisar se a Lei em tela, ao definir quem<br />
é população diretamente interessada, atendeu<br />
ao propósito da Constituição Federal.<br />
Quem É populaçÃo DireTamenTe inTereSSaDa<br />
para o Supremo TriBunal FeDeral<br />
O Supremo Tribunal Federal, como guardião<br />
da Constituição, tem a competência para controlar<br />
a constitucionalidade das leis e atos normativos<br />
federais ou estaduais que a violem. Assim,<br />
se a lei ou o ato normativo não estiverem de<br />
acordo com a Carta Magna brasileira, caberá ao<br />
órgão máximo da Justiça, quando provocado por<br />
ação direta de inconstitucionalidade, declarar<br />
sua incompatibilidade com texto constitucional,<br />
tornando a lei inaplicável.<br />
No exercício desta competência, o STF exerce<br />
papel interpretativo, ou seja, antes de decidir<br />
se a lei ou o ato normativo são contrários à<br />
Magna Carta, deve interpretar o sentido de seu<br />
texto, estabelecendo a conotação adequada a vocábulos<br />
passíveis de vários significados. É o caso<br />
do termo ora discutido, que delimita o campo<br />
de abrangência do plebiscito necessário ao desmembramento<br />
de um Estado.<br />
O Supremo Tribunal Federal já julgou ações<br />
diretas de inconstitucionalidade contra leis<br />
complementares estaduais que procuravam de-<br />
FeliPe Penteado balera<br />
finir o campo de abrangência dos plebiscitos<br />
para o desmembramento de Municípios. Recentemente,<br />
julgou a ADI nº 2.650, proposta<br />
pela Assembleia Legislativa do Estado de Goiás,<br />
na qual se questionava a interpretação da Lei<br />
nº 9.709/98 para a expressão “população diretamente<br />
interessada” com relação ao desmembramento<br />
do Estado.<br />
As leis complementares estaduais, que regulamentavam<br />
o tema do desmembramento e a<br />
criação de <strong>novo</strong>s municípios antes da edição da<br />
Emenda Constitucional nº 15 de 1996, indicavam<br />
que a consulta deveria ser realizada apenas<br />
com a população da área a ser desmembrada.<br />
Assim, as ADIs pretendiam declarar a inconstitucionalidade<br />
de tais normas, sob o fundamento<br />
de que no plebiscito deveria opinar toda a população<br />
do Município objeto do desmembramento.<br />
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar<br />
tais ações – como a ADI 733/MG, entre outras<br />
–, considerou constitucionais as leis complementares<br />
estaduais. Logo, delimitou a abrangência<br />
da expressão “populações diretamente<br />
interessadas” como sendo apenas a população<br />
da área a ser desmembrada.<br />
No entanto, como anteriormente mencionado,<br />
após a EC nº 15/96, passou-se a exigir o<br />
plebiscito com a população de todo o Município<br />
como requisito para que haja seu desmembramento.<br />
Com relação aos Estados-Membros<br />
permaneceu no texto constitucional a expressão<br />
“população diretamente interessada”. Nesse<br />
sentido, foi promulgada a Lei Federal nº 9.709<br />
em 1998, que estendeu a interpretação da expressão<br />
referente aos Municípios ao caso dos<br />
Estados, isto é, devendo toda a população do Estado<br />
votar em tais pleitos.<br />
A ADI 2.650/GO, julgada em 2011, questionou<br />
essa interpretação da Lei Federal nº<br />
9.709/98, alegando que população diretamente<br />
interessada deveria ser apenas a da área que seria
desmembrada. Portanto, se o STF mantivesse o<br />
seu antigo entendimento, qual seja, a de que a<br />
população diretamente interessada no caso de<br />
desmembramento é a da área desmembrada, deveria<br />
julgar procedente a ação.<br />
Contudo, modificou seu entendimento, julgando<br />
improcedente a ação. Desta forma, permanece<br />
válida a interpretação legal, que define<br />
população diretamente interessada no caso do<br />
Estado como a população tanto da área a ser desmembrada<br />
quanto da remanescente.<br />
Decidiu-se por unanimidade pela improcedência<br />
da ADI 2650/GO. Entretanto, o Ministro<br />
Marco Aurélio fez uma ressalva quanto ao<br />
sentido da expressão “população diretamente<br />
interessada”, sustentando que em tais plebiscitos<br />
deveria ser consultada toda a população nacional.<br />
Esta tese, à qual se filiam outros ilustres<br />
juristas, 6 tem como fundamento os seguintes<br />
argumentos: a criação de <strong>novo</strong> Estado por desmembramento<br />
traria custos adicionais à União<br />
e diminuição das receitas dos Estados no Fundo<br />
de Participação dos Estados e Distrito Federal<br />
e, portanto, toda a população nacional arcaria<br />
com tais despesas, o que demonstraria o interesse<br />
nacional na questão; e a criação de <strong>novo</strong><br />
criação de <strong>novo</strong> Estado<br />
diminuiria a representação<br />
proporcional dos outros<br />
Estados no Senado<br />
6 Além do Ministro Marco Aurélio, por ocasião do plebiscito<br />
realizado no Estado do Pará em 12 de dezembro de 2011, outros<br />
ilustres juristas, como Dalmo de Abreu Dallari, sustentaram<br />
que o plebiscito deveria reunir todos os eleitores do Brasil e<br />
não apenas a população do Pará. Dalmo Dallari inclusive entrou<br />
com requerimento administrativo pedindo que o Tribunal<br />
Superior Eleitoral ampliasse a consulta para todo o país.<br />
Estado diminuiria a representação proporcional<br />
dos outros Estados no Senado, uma vez que o<br />
<strong>novo</strong> Estado elegeria mais três Senadores. Assim,<br />
com o aumento do número de Senadores<br />
para a mesma quantidade de eleitores, os direitos<br />
políticos dos cidadãos de outros Estados<br />
seriam afetados.<br />
Quem Deve Ser conSiDeraDa como populaçÃo<br />
DireTamenTe inTereSSaDa no pleBiSciTo para<br />
o DeSmemBramenTo De eSTaDo<br />
Como visto, prevalece atualmente o entendimento<br />
de que a população diretamente interessada<br />
no plebiscito para desmembramento de Estado<br />
é toda a sua população, englobando a população<br />
da área desmembrada e a da remanescente.<br />
Todavia, existem duas posições divergentes.<br />
A primeira entende que se deva consultar<br />
apenas e tão somente a população da área desmembrada<br />
– esta posição é a que prevalecia no<br />
Supremo Tribunal Federal até o julgamento da<br />
ADI 2.650/GO. Já a segunda, manifestada no<br />
voto do Ministro Marco Aurélio neste controle<br />
concentrado, entende que se deva considerar<br />
“população diretamente interessada” toda a população<br />
nacional.<br />
Parece que a posição expressa na Lei nº<br />
9.709/98, prevalecente na mais alta Corte após<br />
o julgamento da referida ADI, é a que melhor<br />
interpreta a expressão.<br />
Por um lado, a restrição do plebiscito para<br />
abranger apenas a população da área a ser desmembrada<br />
não atenderia ao mandamento<br />
constitucional, pois a população da área remanescente<br />
do Estado tem evidente interesse na<br />
manutenção da integridade territorial do ente<br />
federativo do qual faz parte. Por outro lado,<br />
não há interesse direto que torne plausível a<br />
intervenção eleitoral da população de Estados<br />
alheios àquele que sofrerá desmembramento. n<br />
Fórum jurídico<br />
79
crimeS De TrÂnSiTo<br />
com moToriSTaS<br />
emBriagaDoS:<br />
culpa conScienTe ou<br />
Dolo evenTual?<br />
Christiano Jorge santos é professor de Direito Penal na<br />
Faculdade de Direito da PUC-SP, Mestre e Doutor pela<br />
mesma instituição de ensino (Direito das Relações Sociais<br />
– Direito Penal). Leciona Direito Penal e Direito Processual<br />
Penal em vários cursos de pós-graduação lato sensu. É<br />
Promotor de Justiça em São Paulo/SP e autor dos livros<br />
Crimes de Preconceito e de Discriminação (2ª edição – editora<br />
Saraiva); Direito Penal: Parte Geral e Prescrição Penal e Imprescritibilidade<br />
(estes últimos pela editora Campus/Elsevier),<br />
além de autor e coautor de diversos artigos jurídicos.<br />
80 Fórum jurídico<br />
artigo Christiano jorge santos<br />
inTroDuçÃo<br />
Discute-se, há muito, a diferença entre culpa<br />
consciente e dolo eventual no âmbito acadêmico<br />
e doutrinário, no Direito Penal.<br />
O tema, que conta com divergências entre<br />
os especialistas, portanto complexo em termos<br />
dogmáticos, ressurgiu com força recentemente,<br />
ante a impunidade promovida pela branda legislação<br />
criminal brasileira e diante das consequências<br />
gravíssimas advindas dos acidentes de<br />
trânsito (especialmente aqueles que resultam em<br />
mortes e ferimentos graves das vítimas). Soma-<br />
-se a tudo, para justificar o maior clamor social, a<br />
atenta cobertura pela imprensa de trágicos atropelamentos<br />
e colisões verificados em todo o país,<br />
inclusive por motoristas embriagados.<br />
De todos os fatores acima expostos, advêm<br />
diversas consequências: a população (aqui falando<br />
da parcela leiga em direito penal) passa a clamar<br />
por Justiça e os agentes públicos, seja com<br />
a sincera intenção de evitar a impunidade, seja<br />
por influência ou não da vox populi, às vezes de<br />
maneira precipitada, passam a classificar como<br />
“assassinos” (autores de homicídios dolosos –<br />
por dolo eventual) motoristas que agem com<br />
culpa stricto sensu.<br />
Como resultado da rigorosa interpretação<br />
(indevida, se for possível verificar prontamente<br />
os indícios), autua-se o motorista em flagrante<br />
e não se possibilita, num primeiro momento, a<br />
concessão da liberdade provisória. Encaminha-<br />
-se o caso ao Tribunal do Júri e não a uma das<br />
Varas Criminais comuns. Daí, se denunciado<br />
pelo Ministério Público e pronunciado pelo<br />
juiz da Vara do Júri for, por fim, deixa-se o destino<br />
do responsável pelo acidente nas mãos de<br />
sete jurados leigos. Em suma, sete cidadãos que<br />
não conhecem o direito penal (via de regra,<br />
nem o direito) decidirão se o agente agiu com<br />
dolo eventual ou com culpa consciente.
Parênteses: não se pretende aqui discutir a<br />
validade ou não do Tribunal do Júri (de cuja<br />
existência, aliás, sou defensor), mas ressaltar um<br />
dado inequívoco: não será o critério técnico-<br />
-penal o principal norteador da decisão no<br />
plenário do júri (o que não significa que não<br />
se faça “justiça”, ali, por tal critério nem que<br />
o juiz togado não possa promover “injustiças”),<br />
ou seja, o que se pretende acentuar é a possibilidade<br />
efetiva de ser praticamente irrelevante<br />
o que diz ou deixa de dizer a doutrina sobre o<br />
dolo eventual ou sobre a culpa consciente para<br />
aqueles que se comovem pelas lágrimas (justas e<br />
sinceras, no mais das vezes) da viúva sentada na<br />
assistência da sessão de julgamento ou àqueles<br />
que se revoltam porque o motorista da Ferrari<br />
que se encontrava bêbado no momento do acidente<br />
não se mostrava comovido nem arrependido,<br />
nas imagens da TV.<br />
Mas, se assim é, qual a relevância de tal distinção<br />
(culpa consciente de dolo eventual), na prática?<br />
Apenas a definição de quem julgará o acusado?<br />
Evidentemente que não.<br />
o TraTo legal Da QueSTÃo e a “impuniDaDe”<br />
O causador de um acidente de trânsito que<br />
venha a ser condenado pela prática de homicídio<br />
culposo na condução de veículo automotor<br />
(art. 302 da Lei nº 9503/97, o <strong>Código</strong> de Trânsito<br />
Brasileiro) sujeita-se a penas de 2 a 4 anos<br />
de detenção e mais a suspensão ou proibição<br />
do direito de dirigir. Gera espanto que o causador<br />
de acidente semelhante, julgado como autor<br />
de homicídio por dolo eventual, poderá, se for<br />
considerado culpado, cumprir de 6 a 20 anos de<br />
reclusão (homicídio simples – art. 121, caput, do<br />
<strong>Código</strong> Penal) ou poderá mesmo se sujeitar a<br />
arcar com 12 a 30 anos de reclusão se o homicídio<br />
for tido como qualificado (art. 121, § 2º,<br />
do mesmo <strong>Código</strong> – normalmente incorre na<br />
qualificadora do motivo fútil, crime hediondo,<br />
este último, aliás).<br />
Acresça-se que o condenado por crime culposo,<br />
se for primário e tiver bons antecedentes,<br />
“cumprirá” sua pena no regime aberto (o que<br />
hoje significa dizer, em termos práticos, que deverá<br />
ficar recolhido em sua própria casa, durante<br />
parte do dia – normalmente – sem fiscalização<br />
alguma). Como se não bastasse, caberá a substi-<br />
Sou contra a impunidade hoje<br />
resultante da aplicação legal,<br />
mas não defendo que se altere<br />
o conceito de dolo eventual para<br />
“obter Justiça”<br />
tuição da pena detentiva por penas restritivas de<br />
direitos, que poderão ser prestação de serviços à<br />
comunidade (por exemplo, em creches, hospitais<br />
ou órgãos públicos, durante algumas horas na semana)<br />
ou até mesmo uma quase simbólica limitação<br />
de final de semana (art. 43 e 44 do <strong>Código</strong><br />
Penal). Não obstante, prevê o art. 301 do <strong>Código</strong><br />
de Trânsito Brasileiro que o motorista não será<br />
preso nem precisará recolher fiança se prestar<br />
pronto e integral socorro à vítima.<br />
A esta altura deve o leitor estar a se questionar:<br />
o autor do texto é a favor ou contra a utilização<br />
da aplicação do dolo eventual aos causadores<br />
de acidentes automobilísticos fatais? É<br />
favorável ou contrário à impunidade?<br />
A resposta é muito simples. Sou contra a impunidade<br />
hoje resultante da aplicação legal, mas<br />
não defendo que se altere o conceito de dolo<br />
eventual para “obter Justiça”.<br />
Ou seja, não pode decorrer da falha legislativa<br />
e da consequente impunidade a equipara-<br />
Fórum jurídico<br />
81
Faz-se necessário, portanto,<br />
um aperfeiçoamento<br />
legislativo voltado à correção<br />
da situação hoje imperante<br />
ção de uma conduta culposa a outra dolosa (por<br />
dolo eventual), para efeito de punição.<br />
Faz-se necessário, portanto, um aperfeiçoamento<br />
legislativo voltado à correção da situação<br />
hoje imperante, sem que se distorçam os conceitos<br />
doutrinários e sem que sejam situações<br />
semelhantes julgadas de formas distintas. Vale<br />
dizer, sem que alguns motoristas sejam condenados<br />
a cumprir 12 anos de reclusão em regime<br />
inicial fechado (efetivamente presos) e outros a<br />
“cumprir” dois anos de detenção, em regime<br />
aberto, substituída a sanção por “limitação de<br />
final de semana”, a talante dos intérpretes da lei<br />
(sejam o Delegado de Polícia, o Promotor de<br />
Justiça, o Juiz de Direito ou os jurados).<br />
Da DiFerença TÉcnica enTre Dolo evenTual<br />
e culpa conScienTe<br />
Feitas as considerações acima, incumbe distinguir<br />
dolo eventual de culpa consciente.<br />
Como é sabido, o comportamento doloso é<br />
aquele intencional. Dolo equipara-se a intenção,<br />
vontade de produzir o resultado.<br />
Todavia, o <strong>Código</strong> Penal brasileiro, em seu<br />
art. 18, inciso I, estabelece ser doloso o crime<br />
“(...) quando o agente quis o resultado ou assumiu<br />
o risco de produzi-lo”.<br />
A primeira parte da norma (“quando o<br />
agente quis o resultado”) corresponde ao dolo<br />
direto. Como exemplo, pode-se referir o motorista<br />
de uma caminhonete que vê um inimigo,<br />
distraidamente atravessando a rua à sua frente e<br />
82 Fórum jurídico<br />
artigo Christiano jorge santos<br />
resolve matá-lo. Acelera e o atropela. Sobrevindo<br />
o óbito do pedestre, responderá por homicídio<br />
doloso (art. 121, caput, do <strong>Código</strong> Penal ou,<br />
se considerada alguma qualificadora do delito,<br />
art. 121, § 2º do mesmo código).<br />
Com o dolo eventual não é tão simples assim<br />
a questão.<br />
Isto porque, “assumir o risco de produzir o<br />
resultado” não corresponde apenas a antever o<br />
resultado e, mesmo assim, agir, como alguns, indevidamente,<br />
propagam.<br />
Na lição de Nelson Hungria, Assumir o risco é<br />
alguma coisa mais que ter consciência de correr o risco:<br />
é consentir previamente no resultado, caso venha este,<br />
realmente a ocorrer. 1<br />
Para Bitencourt, nosso <strong>Código</strong> adotou a teoria<br />
da vontade, em relação ao dolo direto, e a teoria<br />
do consentimento, em relação ao dolo eventual. Esta<br />
última, para o autor, prevê ser também dolo a<br />
vontade que, embora não dirigida diretamente ao resultado<br />
previsto como provável ou possível, consente<br />
na sua ocorrência ou, o que dá no mesmo, assume o<br />
risco de produzi-lo. 2<br />
Não cabendo quanto ao dolo, nos estreitos<br />
limites deste trabalho, tecer distinções entre as<br />
teorias da vontade, da representação, do consentimento<br />
ou do risco, reproduzo, em parte, o conceito<br />
antes já exposto: Verifica-se o dolo eventual<br />
quando o agente assume o risco de produzir o resultado.<br />
Ele não quer sua produção (pois se o desejasse estaríamos<br />
frente ao dolo direto), mas o antevê e mesmo assim<br />
age, assumindo o risco de sua produção, ou seja, ele<br />
aceita a produção do resultado, mesmo não o querendo<br />
realizado, necessariamente, como um inconsequente que<br />
atira uma pesada pedra para o alto em local onde passam<br />
pedestres e diz ‘na cabeça de quem cair, caiu’. Entre<br />
desistir da conduta e correr o risco de produzir o dano,<br />
1 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao <strong>Código</strong> Penal, v. I, tomo<br />
II, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 122.<br />
2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. v. 1,<br />
16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 316/317.
ele prossegue na conduta e assume o risco. Exemplo:<br />
‘A’, fugindo da polícia em um veículo roubado, em alta<br />
velocidade, percebe que logo à frente há um policial a pé<br />
dando sinal de parada. Ao invés de diminuir a velocidade<br />
do veículo, mantém-na e, mesmo não desejando<br />
atropelar o agente público (pois atropelar pode significar<br />
a perda do controle do carro, o atraso de sua marcha e,<br />
consequentemente sua prisão), pensa em passar a seu<br />
lado numa pequena brecha do bloqueio, como o raciocínio<br />
do tipo: ‘se matar, azar dele’. Acaba por atropelá-lo<br />
vindo o policial a falecer. 3<br />
Em outras palavras, quem age com dolo<br />
eventual pratica a “teoria do ‘dane-se’ ”. Ou seja,<br />
“não quero matar, mas se alguém morrer em<br />
razão do meu comportamento, dane-se, azar o<br />
dele, ou pouco me importa”.<br />
Já a culpa em sentido estrito significa a produção<br />
de um resultado previsto na lei como crime,<br />
mas praticado pelo autor sem intenção (sem<br />
dolo direto nem dolo eventual). Ou seja, decorre<br />
o resultado de imperícia, negligência ou imprudência.<br />
É, no mais das vezes, o descomedimento,<br />
o comportamento do inconsequente.<br />
A culpa pode ser dividida em culpa inconsciente<br />
(quando o agente do delito não antevê a<br />
possibilidade do resultado) e em culpa consciente<br />
(hipótese em que o autor do crime antevê a possibilidade<br />
de produzir o resultado, mas sinceramente<br />
não deseja produzi-lo de modo algum).<br />
Tratando especificamente desta última, cabe<br />
lembrar que o indivíduo embriagado que deixa<br />
o bar despedindo-se dos amigos que insistem<br />
em levá-lo para casa e o alertam que pode ele,<br />
naquele estado, provocar um acidente fatal, será<br />
ou não autor de um crime doloso (por dolo<br />
eventual) ou culposo (por culpa consciente), a<br />
depender da situação verificada instantes antes<br />
do acidente, a partir de um critério puramente<br />
subjetivo, ou seja, a diferenciação se dará pelo<br />
3 SANTOS, Christiano Jorge. Direito Penal – Parte Geral. Rio<br />
de Janeiro: Campus Elsevier. p. 61-62.<br />
que passa na mente do sujeito (a assunção da<br />
“teoria do dane-se” ou não).<br />
Nada mais equivocado, em termos dogmáticos,<br />
por conseguinte, que afirmar ter o motorista,<br />
“ao dirigir em alta velocidade, embriagado,<br />
assumido o risco de produzir o resultado morte”.<br />
Não é possível afirmar-se isso pelo resultado<br />
objetivamente verificado.<br />
Pode-se imaginar um recém-casado apaixonado<br />
pela esposa que se embriaga para comemorar<br />
sua gravidez. Ao levar a mulher e seu<br />
futuro filho, inadvertida e imprudentemente, do<br />
restaurante para casa, acelera o veículo mais do<br />
que o devido, sobe na calçada, atropela um pedestre<br />
mortalmente, choca-se contra um muro<br />
e mata esposa e feto. Dolo eventual? Passou por<br />
sua mente a ideia de “se morrer alguém, dane-<br />
-se?”. Evidentemente que não. O caso é de culpa<br />
Fórum jurídico<br />
83
(consciente, se antevira – como é provável - o risco<br />
de dirigir sob o efeito de etílicos) e não de<br />
dolo eventual.<br />
Como se vê, embora não seja tarefa tão simples,<br />
em termos teóricos, é possível distinguir-<br />
-se o dolo eventual da culpa consciente. Árdua<br />
pode ser a tarefa, entretanto, de se estabelecer a<br />
distinção em termos práticos, ou seja, difícil é a<br />
produção da prova (e falar de prova envolve o<br />
Direito Processual Penal e não o Direito Penal)<br />
do dolo eventual ou da culpa consciente.<br />
Nada obstante, esta distinção deve se dar com<br />
base nos preceitos teóricos e sempre alicerçada no<br />
bom senso, aliado à coleta das circunstâncias todas<br />
que envolvem o evento danoso, tais como ter o<br />
motorista freado bruscamente antes do embate, ter<br />
acionado por diversas vezes o farol alto, acionado a<br />
buzina, entre tantos outros elementos.<br />
Nesta toada, parece muito difícil que um motorista,<br />
embriagado ou não, que cause mortes<br />
no trânsito, aja com dolo eventual. Até mesmo<br />
por egoístico e deplorável interesse material, a<br />
84 Fórum jurídico<br />
artigo Christiano jorge santos<br />
lógica “não quero colidir meu carro esportivo<br />
importado porque ele custa caro”, não veria<br />
como resultado “aceitável” a produção de uma<br />
colisão ou um atropelamento.<br />
Nunca é demais repetir: mesmo a culpa consciente<br />
ou a mais intensa culpa não se equiparam<br />
ao dolo eventual. O dolo eventual não guarda<br />
relação com graus de culpa, tampouco corresponde<br />
à irresponsabilidade extremada. Trata-se<br />
de questão subjetiva, de aferição da intenção ou<br />
da ausência de intenção do agente.<br />
concluSõeS<br />
Como não se confunde dolo eventual com a<br />
culpa consciente e, comumente, nos casos de acidentes<br />
automobilísticos (envolvendo motoristas<br />
embriagados ou não), não há elementos indiciários<br />
claros de ter o agente agido com dolo eventual, não<br />
podem os agentes públicos agir com rigor excessivo,<br />
seja a pretexto de “fazer justiça”, seja porque<br />
estão sob a pressão da opinião pública.
É certo caber à Justiça dar uma resposta à<br />
sociedade, sua destinatária, mas também igualmente<br />
correto que aos juízes “não é dado fugir<br />
à responsabilidade de um julgamento, atirando-a<br />
aos jurados, lavando suas mãos na pia do conflito<br />
emocional”, como bem dito por Pierangeli. 4<br />
Se assim é, cabe ao motorista embriagado<br />
que provoca mortes no trânsito (evidentemente<br />
excetuadas as hipóteses de dolo direto), ser<br />
indiciado, no inquérito policial, como incurso<br />
no <strong>Código</strong> de Trânsito Brasileiro, quando não<br />
houver indícios claros de que tenha agido com<br />
dolo eventual. 5 Transformá-lo em réu perante<br />
o júri e não a justiça comum, pese o princípio<br />
in dubio pro societate inerente à vestibular fase do<br />
processo e à pronúncia, ante os mesmos indícios<br />
acima descritos, não corresponde ao mais abalizado<br />
dogmatismo penal nem à medida socialmente<br />
mais adequada. Igualmente, ao final, se<br />
não houver prova clara do dolo eventual, com<br />
base na aplicação do princípio in dubio pro reo,<br />
deverá o autor ser responsabilizado pela prática<br />
de homicídio culposo, devendo o juiz de direito<br />
atentar para as circunstâncias do art. 59 do<br />
<strong>Código</strong> Penal para elevar as penas, se caso for.<br />
Ademais, de lege ferenda, cabe ao Poder Legislativo,<br />
ante o clamor popular e o aumento<br />
da violência no trânsito, debruçar-se sobre a<br />
questão, com urgência, mas sem precipitação,<br />
para que se altere o quadro atual, na busca de<br />
uma solução de não se equiparar a um frio<br />
assassino o motorista embriagado que mata.<br />
Mas, ao mesmo tempo, candente a necessidade<br />
de se encontrar uma fórmula legal para que<br />
aquele que age com tamanha irresponsabi-<br />
4 PIERANGELI, José Henrique. Morte no Trânsito: culpa<br />
consciente ou dolo eventual? São Paulo: Revista Justitia, 2007 –<br />
volume 197. p. 47-63.<br />
5 Remeta-se ao item 2: o causador de acidentes de trânsito<br />
condenado pela prática de homicídio culposo, na condição de<br />
veículo automotor, incorre no art. 302 do <strong>Código</strong> de Trânsito<br />
Brasileiro.<br />
Por fim, nunca é demais recordar<br />
não ser o direito penal o único modo<br />
de enfrentamento da questão<br />
lidade também não se sinta impune e, assim,<br />
incentivado a comportar-se indevidamente<br />
na condução de veículos automotores. Talvez<br />
a criação de uma nova causa de aumento de<br />
pena, a proibição de determinadas penas alternativas<br />
(como fez a Lei “Maria da Penha”, Lei<br />
nº 11.340/2006) ou então a obrigatoriedade<br />
de cumprimento de determinadas sanções<br />
possam fazer frente às necessidades sociais.<br />
Também convém não olvidar a necessidade de<br />
aperfeiçoamento do tipo penal do crime de<br />
perigo de dirigir sob efeito de substâncias embriagantes<br />
(e sua punição efetiva) e a revisão<br />
do entendimento jurisprudencial e doutrinário<br />
sobre o “direito” de não ser colhida prova<br />
da embriaguez ante a recusa do motorista a<br />
soprar o etilômetro (apelidado “bafômetro”)<br />
ou a fornecer sangue, como importantes fatores<br />
preventivos.<br />
Por fim, nunca é demais recordar não ser o<br />
direito penal o único modo de enfrentamento<br />
da questão. Neste caso específico, o aumento<br />
da fiscalização administrativa e, acima de tudo,<br />
a educação, surtirão efeitos benéficos a todos e,<br />
quiçá, com a somatória de todas as providências,<br />
deixe o Brasil de figurar como um dos países<br />
com trânsito mais violentos do mundo, 6 evitando-se<br />
tantas internações, aposentadorias precoces,<br />
gastos de toda ordem e, principalmente<br />
poupando-se milhares de vidas. n<br />
6 Informe sobre la situación mundial de la seguridad vial: es hora de<br />
pasar a la acción. Organização Mundial de Saúde, 2009. p. 12 e<br />
240-247.<br />
Fórum jurídico<br />
85
86 Fórum jurídico<br />
reFlexÃo SoBre<br />
a QueSTÃo urBana<br />
BraSileira<br />
Juliana Somekh 1 é estudante do 7º semestre do curso de<br />
Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;<br />
participou, em 2010, do curso de Regularização Fundiária<br />
de Assentamentos Informais, no Instituto Pólis; atual<br />
pesquisadora do PIBIC-CEPE com a tese “Direito à propriedade<br />
e as políticas urbanas brasileiras: limites e possibilidades”,<br />
sob orientação da Professora Doutora Silvia<br />
Carlos da Silva Pimentel.<br />
1 “Art. 1º, Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei,<br />
denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de<br />
ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade<br />
urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do<br />
bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.<br />
Art. 2 o . A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno<br />
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade<br />
urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I –<br />
garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o<br />
direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental,<br />
à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos,<br />
ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.”<br />
Lei nº 10.257 de 2001(Estatuto da Cidade).<br />
artigo jUliana somekh<br />
Os instrumentos de políticas urbanas existentes<br />
no ordenamento jurídico brasileiro são consequência<br />
de uma longa luta da população, iniciada na<br />
década de 1960, devido ao surgimento dos problemas<br />
urbanos no Brasil. Aproximadamente quarenta<br />
anos depois, foi promulgada a Lei nº 10.257/2001,<br />
conhecida como Estatuto da Cidade, fruto de muita<br />
negociação e pressão sobre o Congresso Nacional<br />
e o Governo Federal. Esse diploma, regulamentando<br />
o disposto no art. 182 1 da nossa Constituição,<br />
traça diretrizes jurídicas visando consolidar o direito<br />
urbanístico; obter uma gestão democrática das<br />
cidades; instrumentalizar a regularização fundiária<br />
dos assentamentos informais em áreas urbanas municipais;<br />
e estabelecer uma ordem urbana mais justa<br />
e inclusiva nas cidades brasileiras.<br />
Concebe-se, sob a perspectiva filosófica rousseauniana,<br />
2 que a propriedade privada, assim<br />
como as próprias leis, surge em um momento histórico<br />
no qual o homem se vê obrigado a inventar<br />
mecanismos para sobreviver em comunidade, rompendo<br />
com a igualdade e liberdade natural, inerente<br />
a todos os indivíduos. Em tal momento, a autonomia<br />
em relação aos seus semelhantes se desfaz e o homem<br />
passa a evoluir em situação de dependência em<br />
relação a outro homem. Isto é, ao produzir em um<br />
pedaço de terra, que na teoria seria um espaço pertencente<br />
à sociedade, o homem começa a adquirir<br />
frutos e, na intenção de preservar a sua produção dos<br />
demais indivíduos, toma para si aquele espaço físico.<br />
Dessa forma, nasce a necessidade de limitar o que<br />
seria de um e o que seria do outro, não cabendo mais<br />
a possibilidade de existir espaços sociais de produção,<br />
uma vez que o trabalho individual traz o sen-<br />
1 A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público<br />
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo<br />
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir<br />
o bem-estar de seus habitantes. Art. 182, Constituição Federal de 1988.<br />
2 Perspectiva extraída, entre outras obras, de: ROUSSEAU,<br />
Jean-Jacques. O Contrato Social. Trad. Pietro Nasseti. Revisado<br />
por Antonio Carlos Marquês. 20ª ed. São Paulo: Martin Claret,<br />
2001. p. 128.
timento de posse. Para viabilizar esta limitação em<br />
uma sociedade que objetiva o estado de paz, e não<br />
de guerra, criam-se leis e estrutura-se um governo.<br />
Em virtude disso, a relação do homem e da<br />
propriedade se concretiza pela produção para<br />
provisão e pela habitação, enquanto o Direito,<br />
ante sua função de organizador da sociedade por<br />
meio de leis, legitima a propriedade privada e respalda<br />
as desigualdades existentes.<br />
No mesmo sentido da concepção de Rousseau, 3<br />
historicamente entende-se que o surgimento da<br />
propriedade urbana precisou ser regulado pelo direito<br />
para que se estabelecesse a organização social.<br />
O desenvolvimento das cidades, na Europa e no<br />
mundo, se deu pela industrialização, uma vez que a<br />
comercialização ocorria de forma mais eficaz nos<br />
polos urbanos. A propriedade urbana aparece, neste<br />
momento, como um ambiente fabril, em que<br />
se objetiva apenas a produção. Os trabalhadores da<br />
época originalmente moravam no campo e se deslocavam<br />
para a cidade somente para trabalhar. No<br />
entanto, a distância de um local para o outro se tornou<br />
inviável enquanto percurso diário, obrigando<br />
os trabalhadores, com suas famílias, a se mudarem<br />
para os polos urbanos. Foi então que as propriedades<br />
urbanas, além de servirem para produção,<br />
passaram a convir também para o fim habitacional.<br />
No Brasil, a questão da propriedade seguiu lógica<br />
semelhante. No período colonial, a divisão das<br />
sesmarias possibilitou a criação de grandes latifúndios.<br />
Contudo, a não demarcação de tais terrenos<br />
obrigou a Coroa Portuguesa a criar uma legislação<br />
que estabelecesse e delimitasse os territórios e seus<br />
respectivos proprietários. Como resultado, surgiu<br />
a Lei de Terras, em 1850, a primeira lei a disciplinar<br />
a questão da propriedade em nosso país, a qual<br />
inaugurou a relação entre Direito e propriedade,<br />
até então inexistente na região.<br />
3 ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos<br />
da desigualdade entre os homens.<br />
Em 1930, inicia-se um período de industrialização<br />
e desenvolvimento dos polos urbanos<br />
nacionais e, consequentemente, a necessidade de<br />
uma legislação que regulasse o domínio das propriedades<br />
urbanas . Durante os 30 anos que se seguiram,<br />
o Estado foi omisso, não afetando, porém,<br />
o ritmo do desenvolvimento industrial, de modo<br />
que o fluxo de trabalhadores para as cidades continuava,<br />
como forma de aproximação dos locais<br />
de trabalho, lazer, estudo e saúde.<br />
No início da década de 1960, setores sociais<br />
passaram a se mobilizar na tentativa de mudar a<br />
realidade das cidades brasileiras. Em 1963, o Instituto<br />
dos Arquitetos do Brasil propôs ao Congresso<br />
Nacional uma reforma urbana, que, no<br />
entanto, foi temporariamente inviabilizada, devido<br />
ao golpe militar em 1964.<br />
(...) Enquanto o direito, ante<br />
sua função de organizador da<br />
sociedade por meio de leis, legitima<br />
a propriedade privada e respalda as<br />
desigualdades existentes<br />
Em virtude do desenvolvimento econômico,<br />
houve exponencial crescimento populacional<br />
nas cidades, o que acarretou o surgimento de<br />
favelas, assentamentos urbanos, cortiços, conjuntos<br />
habitacionais e loteamentos periféricos,<br />
degradando o meio ambiente e deteriorando a<br />
qualidade de vida nas cidades.<br />
Na década de 1980, diante da abertura política<br />
lenta e gradual, os temas da reforma urbana<br />
ressurgiram, com o intuito de modificar o perfil<br />
excludente que se configurava nas cidades brasileiras,<br />
clarividente pela precariedade na habitação,<br />
no transporte, na ocupação do solo urbano e<br />
Fórum jurídico<br />
87
saneamento básico, consequência clara da omissão<br />
do Poder Público.<br />
O Poder Constituinte Originário de 1988,<br />
tomando por base, enfim, a noção da função social<br />
da propriedade, cria o capítulo “Da Política<br />
Urbana”, da Constituição Federal, visando assegurar<br />
a valorização imobiliária; proteger, recuperar<br />
e preservar o meio ambiente; dar acesso à<br />
moradia para todos; distribuir de forma justa os<br />
ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização;<br />
e promover a regularização fundiária<br />
e a urbanização das áreas ocupadas por população<br />
de baixa renda.<br />
muitos não entendem a dimensão<br />
dos problemas urbanos ou mesmo as<br />
possibilidades que o direito oferece<br />
para a resolução deste ponto<br />
O art. 182, desse capítulo, reza a necessidade<br />
de diretrizes fixadas em lei para a execução da<br />
política de desenvolvimento urbano, tendo por<br />
escopo “ordenar o pleno desenvolvimento das<br />
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar<br />
de seus habitantes”. 4<br />
Assim, sob a vigência da Constituição Cidadã,<br />
organizou-se o Fórum Nacional da Reforma<br />
Urbana, visando dar continuidade ao debate<br />
com o Congresso Nacional e regulamentar o<br />
capítulo das políticas urbanas mediante legislação<br />
competente.<br />
Doze anos depois, em 2001, a Lei nº 10.257<br />
é promulgada, mais conhecida como Estatuto<br />
da Cidade. Trata-se da lei que regula o capítulo<br />
referente às políticas urbanas da Carta Suprema,<br />
4 Art. 182, CF/88.<br />
88 Fórum jurídico<br />
artigo jUliana somekh<br />
determinando as diretrizes para o seu desenvolvimento<br />
no que tange à União, aos Estados<br />
e aos Municípios, objetivando, com isso, a garantia<br />
da função social da propriedade urbana<br />
e da cidade. Além disso, disciplina o desenvolvimento<br />
de gestões democráticas nas cidades e<br />
o direito a cidades sustentáveis, com o fito de<br />
assegurar o bem-estar dos cidadãos, a segurança<br />
e o bem coletivo. 5<br />
5 Art. 2º da Lei 10.257 de 2001. Estatuto da Cidade: “Art. 2 o A política<br />
urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da<br />
cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia<br />
do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana,<br />
à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e<br />
aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;<br />
II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações<br />
representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e<br />
acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;<br />
III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores<br />
da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;<br />
IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da<br />
população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área<br />
de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano<br />
e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; V – oferta de equipamentos<br />
urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e<br />
necessidades da população e às características locais; VI – ordenação e controle do<br />
uso do solo, de forma a evitar (...); VII – integração e complementaridade entre<br />
as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico<br />
do Município e do território sob sua área de influência; VIII – adoção<br />
de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana<br />
compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica<br />
do Município e do território sob sua área de influência; IX – justa distribuição<br />
dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; X – adequação<br />
dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos<br />
públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os<br />
investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes<br />
segmentos sociais; XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que<br />
tenha resultado a valorização de imóveis urbanos; XII – proteção, preservação<br />
e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural,<br />
histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; XIII – audiência do Poder<br />
Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de<br />
empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o<br />
meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população;<br />
XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população<br />
de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização,<br />
uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da<br />
população e as normas ambientais; XV – simplificação da legislação de parcelamento,<br />
uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir<br />
a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;<br />
XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção<br />
de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido<br />
o interesse social.”
Desde a promulgação do Estatuto da Cidade, em<br />
2001, tem-se priorizado a popularização das políticas<br />
urbanas, buscando concretizar o que se encontra<br />
previsto na legislação, de modo a inserir a população<br />
no processo de efetivação.<br />
O problema é que as questões urbanas, sociais<br />
e ambientais, que afetam a vida da maioria<br />
dos brasileiros que vivem em cidades, não foram<br />
supridas com o surgimento normativo de instrumentos<br />
e políticas urbanas em nossa Constituição,<br />
ou mesmo com a criação do Estatuto<br />
da Cidade e programas do Poder Executivo, tais<br />
como o “Minha Casa, Minha Vida”.<br />
Segundo publicação de estatística do IBGE,<br />
6% (seis por cento) da população brasileira vive<br />
em ocupações irregulares, sendo as cidades brasileiras<br />
da região Sul e Sudeste as que mais concentram<br />
domicílios nesta condição. Assim, tem-<br />
-se que as metrópoles brasileiras, em sua maioria,<br />
permanecem cercadas por habitações irregulares,<br />
que degradam o meio ambiente e, ainda,<br />
colocam a vida de pessoas em perigo por serem<br />
construídas em áreas de risco. 6 O Poder Público<br />
não tem apenas o dever de regulamentar as normas<br />
de relevância social, como deve, também,<br />
atuar de forma a cumprir o que essas normas<br />
propõem, tendo em vista que a política urbana<br />
perde sua razão de ser se não é adimplida.<br />
Os fenômenos contemporâneos da globalização,<br />
do crescimento populacional e do desenvolvimento<br />
urbano mundial nos levam à inevitável<br />
reflexão acerca da necessidade de uma reforma<br />
urbana no Brasil. É realmente importante entender<br />
o Estatuto da Cidade e as políticas urbanas<br />
brasileiras para que o Direito Urbanístico se desenvolva<br />
e promova o bem-estar social.<br />
Ainda que tenha ganhado espaço no ordenamento<br />
jurídico brasileiro, a questão urbana precisa<br />
6 Site consultado: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/<br />
noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=2057&id_pagina=1<br />
Acesso em 12 de fevereiro de 2012.<br />
ser ainda muito estudada e trabalhada, para que a<br />
parcela da população em condições habitacionais<br />
subumanas, em áreas de proteção ambiental e de<br />
risco social, seja amparada por nossa legislação e tenha<br />
garantido seu direito fundamental.<br />
Uma das formas de se trabalhar esta questão seria<br />
com a inclusão de tal disciplina na grade obrigatória<br />
das faculdades de Direito do nosso país, já que<br />
muitos não entendem a dimensão dos problemas<br />
urbanos ou mesmo as possibilidades que o Direito<br />
oferece para a resolução deste ponto.<br />
As dificuldades existentes não impedem que<br />
profissionais das mais diversas áreas atuem de forma<br />
a concretizar a legislação vigente para assegurar os<br />
direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros, conferindo<br />
sentido sociológico ao Direito Urbanístico. 7<br />
A luta para que o Poder Público deixe de ser<br />
omisso não cessou e muito menos as ações sociais. A<br />
esperança de mudanças e inclusão social continuará,<br />
bem como a de mobilização da coletividade.<br />
“Mas ele diz: ‘Livre-se desses pensamentos sombrios’,<br />
E se livra desses pensamentos sombrios.<br />
E o que poderia dizer,<br />
E o que poderia fazer<br />
De melhor?”<br />
Robert Desnos. n<br />
7 Ferdinand LASSALLE. O que é uma Constituição?<br />
Fórum jurídico<br />
89
90 Fórum jurídico<br />
um DireiTo penal<br />
Do inimigo envolTo<br />
em conTrovÉrSiaS<br />
Natália Pincelli é estudante do 5º semestre do Curso de<br />
Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.<br />
Monitora em Direito Penal do Professor Doutor Gustavo<br />
Octaviano Diniz Junqueira<br />
artigo natália PinCelli<br />
Entre as inúmeras ramificações proporcionadas<br />
pelo ordenamento jurídico, o Direito Penal é<br />
aquela que interfere de maneira mais agressiva na<br />
regulação da vida em sociedade – nas palavras de<br />
Rogério Greco, “com o direito penal, objetiva-<br />
-se tutelar os bens que, por serem extremamente<br />
valiosos, não do ponto de vista econômico, mas<br />
sim político, não podem ser suficientemente protegidos<br />
pelos demais ramos do Direito”. 1 Assim,<br />
o conceito moderno de direito penal representa,<br />
acima de tudo, um escudo de direitos do indivíduo<br />
contra o Estado. Pode-se exemplificar a<br />
relevância desse escudo protetivo através do<br />
<strong>Código</strong> Penal Brasileiro, que, logo em seu art.<br />
1º, não traz o conceito de crime, mas limita o<br />
poder do Estado ao determinar que “Não há<br />
crime sem lei anterior que o defina. Não há<br />
pena sem prévia cominação legal”. A Constituição<br />
Federal do Brasil de 1988 faz esta mesma<br />
previsão no art. 5°, XXXIX.<br />
Duas das principais correntes na evolução<br />
do Direito Penal são as escolas Clássica e Positiva.<br />
Se, por um lado, a escola Clássica possui<br />
inspiração iluminista (o que abrange, inclusive,<br />
a existência de um contrato social) e analisa a<br />
pena enquanto uma resposta da ordem jurídica<br />
ao ato do criminoso, por outro lado, a escola<br />
Positiva faz do Direito uma ciência, interpreta<br />
a pena como um instrumento de defesa social,<br />
além de ser responsável pelo desenvolvimento<br />
da criminologia, disciplina que estuda, a partir<br />
de um enfoque no criminoso, o crime, o delinquente,<br />
a vítima e o controle social dos delitos<br />
– conforme define Zaffaroni, a “criminologia<br />
é a disciplina que estuda a questão criminal do<br />
ponto de vista biopsicossocial”. 2 Da tensão en-<br />
1 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 13ª<br />
ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011. p. 2.<br />
2 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique.<br />
Manual de Direito Penal Brasileiro, Volume 1 – Parte Geral.<br />
9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p.144.
tre essas duas escolas, surgiram diversos movimentos<br />
da política criminal, entre eles o Direito<br />
Penal do Inimigo.<br />
A origem do Direito Penal do Inimigo é incerta.<br />
Contudo, Thomas Hobbes pode ser considerado<br />
como um dos principais precursores deste<br />
movimento. Em sua obra consagrada, Leviatã,<br />
Hobbes traçou o perfil do inimigo como sendo<br />
aquele que desrespeita o soberano. 3 Dessa forma,<br />
quem atenta contra o governante coloca-se fora<br />
do pacto social firmado e, em decorrência disso,<br />
não se fala em penas, mas em uma completa submissão<br />
dos considerados inimigos.<br />
Além da definição elaborada por Hobbes, outros<br />
autores propuseram-se, ao longo da história,<br />
a demarcar com clareza o conceito de inimigo<br />
– citam-se Immanuel Kant 4 e Carl Schmitt. 5 Todavia,<br />
destaca-se, entre eles, Günther Jakobs, 6 a<br />
quem se pode atribuir a principal tese sobre o<br />
conceito de Direito Penal do Inimigo.<br />
Para desenvolver sua teoria, Jakobs parte da diferenciação<br />
entre cidadão e inimigo. 7 Trata-se de<br />
duas esferas distintas dentro de uma mesma realidade<br />
penal, as quais dificilmente se manifestam<br />
em seu estado puro. Em linhas gerais, cidadão é<br />
o indivíduo considerado como parte integrante<br />
de um contrato social firmado. O inimigo, por<br />
sua vez, é aquele que se coloca às margens do Di-<br />
3 HOBBES, Thomas. Leviatã ou a Matéria, forma e poder de<br />
um estado eclesiástico e civil. 1ª ed. São Paulo: Editora Martins<br />
Fontes, 2003. p. 260.<br />
4 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal.<br />
2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007. p. 128. Vide, também,<br />
o capítulo Alguns esboços jusfilosóficos do livro Direito Penal do<br />
Inimigo – Noções e críticas.<br />
5 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal.<br />
2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007. p. 136 e 137.<br />
6 Ao longo da obra Direito Penal do Inimigo – Noções e críticas,<br />
Jakobs discorre, juntamente com Meliá, sobre os pormenores<br />
da teoria do Direito Penal do Inimigo.<br />
7 Desde o início de sua obra Direito Penal do Inimigo – Noções<br />
e críticas, Jakobs atenta para a diferenciação, inclusive terminológica,<br />
entre cidadãos e inimigos, explicitando, entre outras<br />
coisas, a existência de dois Direitos Penais distintos voltados para<br />
cada um deles.<br />
reito e não oferece garantias de que obedecerá<br />
às normas do contrato. Para Jakobs, são inimigos,<br />
por exemplo, os terroristas, os autores de crimes<br />
sexuais e os delinquentes organizados.<br />
Por se encontrar fora da esfera dos cidadãos,<br />
o inimigo não é juridicamente tratado enquanto<br />
pessoa, mas sim como fonte de perigo – “Ele só<br />
é considerado sob o aspecto de ente perigoso ou<br />
daninho”. 8 A justificativa para tal premissa é o<br />
fato de que o inimigo não oferece qualquer segurança<br />
de que conduzirá seus comportamentos<br />
pessoais em coerência com o Direito e, consequentemente,<br />
“não só não pode esperar ser tratado<br />
ainda como pessoa, mas o Estado não deve<br />
tratá-lo como pessoa, já que do contrário vulneraria<br />
o direito à segurança das demais pessoas”. 9<br />
o inimigo não é juridicamente<br />
tratado enquanto pessoa, mas<br />
sim como fonte de perigo<br />
Três grandes características podem ser apontadas<br />
no tocante ao Direito Penal do inimigo. Em<br />
primeiro lugar, cita-se a possibilidade de adiantamento<br />
da punibilidade, o que é incomum, tendo<br />
em vista que, geralmente, o Direito Penal recai<br />
sobre ato já provocado pelo sujeito. Em segundo<br />
lugar, tem-se a desproporcionalidade das penas.<br />
Finalmente, o terceiro viés do movimento é a<br />
relativização e, até mesmo, a supressão de garantias<br />
processuais. Desse modo, o Direito Penal do<br />
Inimigo constitui-se de elevadas penas e mínimas<br />
garantias individuais.<br />
8 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal.<br />
2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007. p. 18.<br />
9 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal<br />
do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do<br />
Advogado Editora, 2010. p. 40.<br />
Fórum jurídico<br />
91
92 Fórum jurídico<br />
artigo<br />
Ao contrário do que ocorre com o Direito<br />
Penal destinado ao cidadão, o qual deve ser<br />
respeitado e a quem devem ser disponibilizadas<br />
todas as garantias processuais, o Direito Penal<br />
do Inimigo é destinado apenas aos que atentam<br />
permanentemente contra o Estado e que, por<br />
isso, serão expostos à coação física.<br />
Justamente por pregar uma forte intervenção<br />
penal em favor do cidadão, que faz parte do con-<br />
o direito Penal de periculosidade<br />
sustenta que o homem não é<br />
livre para realizar suas escolhas:<br />
ele é determinado<br />
trato social, o Direito Penal do Inimigo enseja<br />
inúmeras controvérsias, a começar pela própria<br />
denominação do movimento, a qual, segundo<br />
as palavras de Luis Gracia Martín, “suscita ya en<br />
cuanto se pronuncia determinados prejuicios<br />
motivados por la indudable carga ideológica y<br />
emocional del término enemigo”. 10 11 Jakobs categoricamente<br />
afirma logo no início de Direito<br />
Penal do Inimigo – Noções e críticas que a denominação<br />
utilizada não pretende, sempre que citada,<br />
soar pejorativa; 12 entretanto, o termo inimigo<br />
por si só já conduz a uma rejeição emocional<br />
por parte da sociedade no tocante aos excluídos<br />
da esfera cidadã.<br />
10 MARTÍN, Luis Gracia. Consideraciones Críticas Sobre el<br />
Actualmente Denominado “Derecho Penal del Enemigo”. Revista<br />
Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, 2005. p. 3.<br />
11 Tradução livre: “Suscita já quando se pronuncia determinados<br />
preconceitos motivados pela indubitável carga ideológica e<br />
emocional do termo inimigo”.<br />
12 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal<br />
do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do<br />
Advogado Editora, 2010. p. 21.<br />
natália PinCelli<br />
Faz-se notório ressaltar que o verdadeiro Direito<br />
Penal encontra-se vinculado à Constituição<br />
Democrática de cada Estado, 13 uma vez que<br />
se propõe a proteger os bens jurídicos de maior<br />
relevância para a convivência em sociedade. Assim<br />
sendo, as críticas relativas ao Direito Penal<br />
do Inimigo somente podem ser observadas em<br />
Estados que admitam, no texto constitucional, a<br />
associação entre Direito Penal e defesa de garantias<br />
individuais.<br />
Isso porque, nos governos ditos totalitários,<br />
a legislação como um todo já é articulada com<br />
base na guerra contra os inimigos – meramente<br />
são reconhecidos possíveis dispositivos de<br />
coação. Os regimes democráticos, por sua vez,<br />
são formados, também, por direitos e garantias<br />
fundamentais, de modo que a denominação<br />
“Direito Penal do Cidadão” torna-se um pleonasmo.<br />
No contexto de um Estado Democrático,<br />
o Direito Penal do Inimigo pode, então, ser<br />
visto como contraditório, porque representa<br />
um “não direito”, contrapondo-se, portanto, às<br />
garantias fundamentais existentes em um regime<br />
não totalitário. 14<br />
Em relação às características principais do Direito<br />
Penal do Inimigo, podem-se atribuir críticas<br />
severas, quando analisadas sob o prisma da<br />
proteção de direitos individuais e da proporcionalidade<br />
entre pena e delito.<br />
O Direito Penal do Inimigo não rejeita a ideia<br />
de penas desproporcionais. Ao inimigo, identificado<br />
“mediante a atribuição de perversidade, me-<br />
13 GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo (ou Inimigos do<br />
Direito Penal). Revista Jurídica Unicoc, Ano II, nº 2, 2005. p. 3.<br />
14 Ao contrário do que ocorre em regimes totalitários, nos<br />
Estados Democráticos de Direito, caracterizados, também, por<br />
serem regulados por uma Constituição, os cidadãos são titulares de<br />
direitos individuais, inclusive políticos, oponíveis ao próprio Estado<br />
(SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4ª ed.,<br />
10ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 49-54). Assim<br />
sendo, o Direito Penal do Inimigo, enquanto movimento que<br />
relativiza certos direitos individuais, só fará sentido dentro de um<br />
Estado que não só preveja como, também, resguarde tais direitos.
diante sua demonização”, 15 aplica-se uma pena<br />
cujo significado não resulta apenas de uma contradição<br />
fática, mas, também, de guerra a fim de<br />
garantir a segurança diante dos inimigos.<br />
Nesse sentido, é estabelecida uma polêmica<br />
entre o Direito Penal do Inimigo e o Direito<br />
Penal do Estado de Direito. Enquanto este prega<br />
a proporção entre a aplicação da pena e o delito<br />
praticado, aquele se caracteriza pela defesa<br />
de penas desproporcionais, com base no perigo<br />
apresentado pelo indivíduo.<br />
O Direito Penal do Estado de Direito, corretamente,<br />
propõe seja feita uma ponderação entre<br />
o bem lesionado e o bem de que alguém possa<br />
ser privado a fim de que o delito cometido tenha,<br />
efetivamente, uma relação valorativa com a pena.<br />
Deve-se, portanto, buscar a proporcionalidade, o<br />
que não é almejado pelo Direito Penal do Inimigo.<br />
No âmbito da defesa de direitos fundamentais<br />
ao indivíduo, ressalta-se que ao inimigo não<br />
se reconhecem garantias penais e processuais<br />
– principalmente o direito ao devido processo<br />
legal. Trata-se o inimigo com inferioridade e<br />
desvaloriza-se a dignidade da pessoa humana.<br />
“Pessoa humana”, a princípio, pode soar como<br />
uma expressão pleonástica, porém, acaba por expressar<br />
com clareza o fato de cada ser humano<br />
carregar consigo a dignidade da humanidade inteira.<br />
Nega-se, ao inimigo, a condição de pessoa,<br />
negando-lhe, por conseguinte, sua dignidade.<br />
O Direito Penal do Inimigo é posto sob questionamento,<br />
ademais, pelo fato de que, nele, as penas<br />
surgem como solução/remédio para aniquilar<br />
o inimigo. A imputação do cidadão será feita com<br />
base no princípio acusatório a partir de todas as<br />
garantias processuais, enquanto a imputação do<br />
inimigo será feita com base no princípio inquisi-<br />
15 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal<br />
do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do<br />
Advogado Editora, 2010. p. 97.<br />
tório. 16 Nesse sentido: “O duplo sistema de imputação<br />
de Jakobs 17 suprime seculares garantias<br />
constitucionais do Estado Democrático de Direito,<br />
como expressamente propõe: o processo contra<br />
o inimigo não precisa ter forma de justiça”. 18<br />
Cabe, neste momento, tecer algumas considerações<br />
sobre a distinção entre Direito Penal do<br />
autor e Direito Penal de ato, devido à sua notória<br />
relevância para a compreensão do Direito Penal<br />
do Inimigo. Para isso, convém aprofundar a distinção<br />
entre o Direito Penal de culpabilidade e o<br />
Direito Penal de periculosidade.<br />
A culpabilidade representa a reprovabilidade<br />
de uma conduta. Trata-se de um conceito graduável<br />
segundo o qual a pena é uma espécie de<br />
pagamento. De acordo com essa concepção de<br />
Direito Penal, o sujeito tem liberdade de escolha<br />
e, portanto, o limite da pena é o grau da culpabilidade<br />
– “O direito penal de culpabilidade é<br />
aquele que concebe o homem como pessoa”. 19<br />
O Direito Penal de periculosidade, por sua vez,<br />
sustenta que o homem não é livre para realizar<br />
suas escolhas: ele é determinado e, nessa hipótese,<br />
não se fala em culpabilidade. Para a determinação<br />
16 O princípio inquisitório é aquele marcado pela presença de<br />
variadas formas de coação. Assim sendo, com base nesse princípio “o<br />
Estado elimina direitos de modo juridicamente ordenado” (JAKOBS,<br />
Günther; MELIÁ, Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas.<br />
4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 38).<br />
17 O duplo sistema de imputação descrito por Jakobs se caracteriza<br />
por uma polarização no Direito Processual Penal. Tem-se,<br />
de um lado, uma espécie de imputado, comumente referido como<br />
sujeito processual, permeado por todas as garantias processuais. Em<br />
contrapartida, há outro tipo de imputado, o qual estará sujeito à<br />
coação e a quem serão relativizadas e, até mesmo, derrogadas certas<br />
garantias processuais – cita-se, como exemplo, a supressão do direito<br />
de um preso contatar seu defensor (JAKOBS, Günther; MELIÁ,<br />
Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas. 4ª ed. Porto<br />
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 38).<br />
18 DOS SANTOS, Juarez Cirino. O Direito Penal do Inimigo<br />
– ou O Discurso do Direito Penal Desigual, pesquisado no site<br />
www.cirino.com.br, acesso em 30 de dezembro de 2011. p. 11.<br />
19 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique.<br />
Manual de Direito Penal Brasileiro, Volume 1 – Parte Geral. 9ª ed.<br />
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 108.<br />
Fórum jurídico<br />
93
94 Fórum jurídico<br />
artigo<br />
da pena, que, nesse caso, significa ressocialização, 20<br />
considerar-se-á, apenas, o grau de determinação<br />
do sujeito na prática do delito ou, em outras palavras,<br />
o grau de periculosidade.<br />
Embora não haja uma definição incontestável,<br />
pode-se dizer que o Direito Penal do autor, em<br />
oposição ao Direito Penal de ato, o qual pune o<br />
autor por aquilo que ele faz, “é uma corrupção<br />
do direito penal, em que não se proíbe o ato em<br />
si, mas o ato como manifestação de uma ‘forma<br />
de ser’ do autor, esta sim considerada verdadeiramente<br />
delitiva”. 21 Conforme previu a escola<br />
Positiva, o autor é um ser inferior e seu delito,<br />
apenas fruto de sua má condução de vida.<br />
A punição dos inimigos por antecipação, de<br />
acordo com sua periculosidade, retoma a ideia de<br />
criminalização com base na análise do perigo que<br />
o inimigo pode representar. Tem-se uma “aplicação<br />
antecipada de pena como segurança para<br />
impedir fatos futuros”. 22 Argumenta-se que esse<br />
Direito Penal prospectivo, em substituição ao retrospectivo,<br />
fere o princípio da culpabilidade.<br />
Tal princípio apresenta, ao menos, três significados.<br />
O primeiro deles diz respeito à análise<br />
da possibilidade de censura quanto ao fato praticado;<br />
o segundo refere-se à medição da sanção<br />
penal; finalmente, o terceiro representa uma<br />
imposição da subjetividade da responsabilidade<br />
penal, ou seja, não há conduta sem que haja dolo<br />
ou culpa por parte do agente.<br />
Ao se optar pela aplicação antecipada da pena,<br />
não há como analisar a possibilidade de censura<br />
20 Conforme explica Zaffaroni, no Direito Penal de periculosidade<br />
“a pena ressocializa neutralizando a periculosidade” (ZAFFARONI,<br />
Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito<br />
Penal Brasileiro, Volume 1 – Parte Geral. 9ª ed. São Paulo: Editora<br />
Revista dos Tribunais, 2011. p. 108 (tabela comparativa).<br />
21 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique.<br />
Manual de Direito Penal Brasileiro, Volume 1 – Parte Geral. 9ª ed.<br />
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 110.<br />
22 DOS SANTOS, Juarez Cirino. O Direito Penal do Inimigo<br />
– ou O Discurso do Direito Penal Desigual, pesquisado no site<br />
www.cirino.com.br, acesso em 30 de dezembro de 2011. p. 8.<br />
natália PinCelli<br />
do ato praticado, visto que este ato sequer foi<br />
consumado. Dessa forma, tanto a medição da<br />
sanção quanto a imposição da subjetividade da<br />
responsabilidade se tornam impossibilitadas. Em<br />
decorrência de não se punir a culpabilidade do<br />
agente, pena e medida de segurança deixam de<br />
ser realidades distintas e passam a se confundir.<br />
O Direito Penal do Inimigo é, portanto, um Direito<br />
Penal de periculosidade e, consequentemente,<br />
manifestação do direito penal do autor. Daí, o<br />
questionamento da legitimidade desse movimento<br />
da política criminal atual. A partir da punição com<br />
base na personalidade do agente, permite-se uma<br />
nova demonização, reproduzindo Manuel Cancio<br />
Meliá, 23 de determinados grupos de delinquentes.<br />
Condena-se, primeiramente, a atitude interna<br />
corrompida do agente, sendo o delito apenas um<br />
espelho, um reflexo da pessoa do infrator.<br />
Há, dessa forma, a possibilidade de criminalização<br />
de determinado modo de vida sem<br />
a necessidade de ocorrência de um delito. Ao<br />
substituir o grau de culpabilidade pelo grau de<br />
periculosidade, esse movimento, difundido por<br />
Jakobs, não só afronta o princípio da legalidade<br />
(ao permitir a punição de atos anteriores alheios<br />
ao delito) como, também, contamina o princípio<br />
da dignidade da pessoa humana, já que é negada<br />
ao inimigo a própria condição de pessoa.<br />
O Direito Penal do Inimigo, sem dúvida, admite<br />
a possibilidade de condutas arbitrárias e imprevisíveis<br />
por parte dos Poderes Executivo e Judiciário,<br />
visto que apenas o modo de condução de vida de<br />
um sujeito pode levar a punições sem a necessidade<br />
de que haja ocorrido, de fato, um delito que<br />
ensejasse a condenação do agente. Vale dizer, condutas<br />
de natureza arbitrária e imprevisível podem<br />
ser consideradas, também, irracionais, no sentido<br />
de que deve prevalecer a definição tripartida de<br />
23 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal<br />
do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do<br />
Advogado Editora, 2010. p. 97.
crime, segundo a qual apenas é crime o fato típico,<br />
antijurídico e culpável. 24 Assim, a punição com<br />
a ausência de delito é capaz de acarretar uma incriminação<br />
vaga e indeterminada, colocando em<br />
risco o Estado Democrático de Direito, de forma a<br />
regredirmos ao Estado-Polícia.<br />
Das acentuadas controvérsias sobre o Direito<br />
Penal do Inimigo aqui expostas, conclui-se que<br />
as polêmicas acerca do tema ainda não se finalizaram.<br />
Jakobs sustenta a institucionalização desse<br />
movimento, resguardando a divisão entre cidadãos<br />
e inimigos a fim de que estes últimos possam<br />
ser impedidos, mediante coação, de destruir o ordenamento<br />
jurídico. 25 Em contrapartida, muitas<br />
são as alegações no sentido de que “nesse modelo<br />
processual penal inexiste atividade cognitiva de<br />
um julgador imparcial, consubstanciada na verificação<br />
empírica de fatos concretos”, 26 de modo<br />
que se determinadas garantias ao devido processo<br />
legal são limitadas e, até mesmo, suprimidas para o<br />
24 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral.<br />
13ª ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011. p. 141.<br />
25 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal<br />
do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do<br />
Advogado Editora, 2010. p. 40.<br />
26 MALAN, Diogo Rudge. Processo Penal do Inimigo. Revista<br />
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 59, 2006. p. 26.<br />
cabe aos magistrados o papel de<br />
controlar a seletividade arbitrária<br />
do processo penal para que<br />
o direito Penal do autor não se<br />
manifeste em sua plenitude<br />
inimigo, “então o Estado Democrático de Direito<br />
está sendo deslocado pelo estado policial”. 27<br />
Cabe, então, aos magistrados o papel de controlar<br />
a seletividade arbitrária do processo penal<br />
para que o Direito Penal do autor não se manifeste<br />
em sua plenitude. Sabe-se que, na prática,<br />
o Direito Penal de ato também não se realiza de<br />
maneira completa em nenhum lugar. Espera-se,<br />
porém, que os operadores do direito tenham discernimento<br />
para limitar ao máximo, mediante<br />
aplicação da racionalidade, a punição baseada no<br />
modo de ser do agente a fim de que não se enxovalhe<br />
o valor da dignidade humana. n<br />
27 DOS SANTOS, Juarez Cirino. O Direito Penal do Inimigo<br />
– ou O Discurso do Direito Penal Desigual, pesquisado no site<br />
www.cirino.com.br, acesso em 30 de dezembro de 2011. p. 20.<br />
Referências bibliográficas<br />
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed., 1ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 1994.<br />
BRUNO, Aníbal. Direito Penal – Parte Geral. 2ª ed., Tomo 1º. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1959.<br />
DOS SANTOS, Juarez Cirino. O Direito Penal do Inimigo – ou O Discurso do Direito Penal Desigual, pesquisado no site www.<br />
cirino.com.br, acesso em 30 de dezembro de 2011.<br />
GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo (ou Inimigos do Direito Penal). Revista Jurídica Unicoc, Ano II, nº 2, 2005.<br />
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 13ª ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011.<br />
HOBBES, Thomas. Leviatã ou a Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 1ª ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003.<br />
JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado<br />
Editora, 2010.<br />
MALAN, Diogo Rudge. Processo Penal do Inimigo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 59, 2006.<br />
MARTÍN, Luis Gracia. Consideraciones Críticas Sobre el Actualmente Denominado “Derecho Penal del Enemigo”. Revista<br />
Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, 2005.<br />
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4ª ed., 10ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.<br />
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007.<br />
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, Volume 1 – Parte Geral. 9ª ed. São<br />
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.<br />
Fórum jurídico<br />
95
96 Fórum jurídico<br />
alUnos<br />
beatriz bUlla<br />
o direito enquanto veículo:<br />
a trajetória de uma<br />
A questão multidisciplinar<br />
da Faculdade de direito<br />
revela a dispensabilidade<br />
do bacharel estar adstrito<br />
a togas e gravatas<br />
jornalista<br />
isabELa oLiVa Cassará E CLara ProCE PiNto sErVa<br />
É notório que grandes juristas<br />
são objeto de admiração<br />
dos estudantes de Direito.<br />
Contudo, essa não é a trilha<br />
de todos os futuros bacharéis,<br />
uma vez que o curso abre um<br />
leque de possibilidades. Estudante<br />
do 7º semestre de Direito<br />
da PUC-SP, Beatriz Bulla é<br />
uma das poucas de sua sala que<br />
não têm o Exame de Ordem<br />
da OAB como grande meta. A<br />
jornalista recém-formada pela<br />
Faculdade Cásper Líbero vê<br />
relação entre os princípios básicos<br />
do Direito e o mundo do<br />
jornalismo. Mais do que profissionalmente,<br />
pretende usar<br />
seus conhecimentos jurídicos<br />
como cidadã.<br />
Esta seção pretende mostrar<br />
a atuação de alunos da<br />
gradua ção na formação de<br />
suas carreiras, relatando seus<br />
caminhos e motivações ao se<br />
iniciar profissionalmente.<br />
Beatriz, personagem desta<br />
primeira edição, esbarrou no<br />
Direito no meio de sua carrei-<br />
ra como jornalista. A jovem de<br />
21 anos estagiou por um ano<br />
no site jurídico Última Instância<br />
e, com mais três colegas do<br />
portal, escreveu o livro Justiça<br />
no Trabalho – 70 anos de direitos,<br />
obra publicada pela Alameda<br />
Casa Editorial em dezembro<br />
de 2011. No mesmo mês, ela<br />
terminou a faculdade de Jornalismo,<br />
o 6º semestre de Direito<br />
e o Curso Intensivo de<br />
Jornalismo Aplicado do jornal<br />
O Estado de São Paulo – um<br />
misto de extensão universitária<br />
e treinamento profissional.<br />
o Dia a Dia<br />
A rotina, como é de se supor,<br />
não era das mais tranquilas.<br />
“Acho que só fui capaz de<br />
continuar porque eu sentia<br />
prazer em tudo o que fazia”,<br />
relata. Relembrando o cansaço,<br />
conta que conciliar o<br />
treinamento no Estadão com<br />
as duas faculdades e o trabalho<br />
de conclusão do curso de
Jornalismo – um documentário<br />
de 50 minutos – foi “quase<br />
um atestado de insanidade”.<br />
“Prometi para mim mesma<br />
nunca mais assumir tanta coisa<br />
em pouco tempo. Mas sei que<br />
isso dura só até o próximo desafio”,<br />
confessa.<br />
DoiS munDoS<br />
Beatriz Bulla iniciou a faculdade<br />
de Direito quando<br />
entrava no segundo ano de<br />
Jornalismo. “Comecei a cursar<br />
Jornalismo com 17 anos e<br />
me encontrei. E me encantei.<br />
Sabia que aquela era a minha<br />
profissão, mas achava que a<br />
faculdade de Jornalismo seria<br />
muito genérica”. Unindo<br />
a vontade de se aprofundar<br />
em algum assunto com o interesse<br />
por política, decidiu<br />
estudar Direito. “Continuei<br />
com as duas faculdades porque<br />
entendo a relação dos ensinamentos<br />
de Direito com a<br />
política e passei a ver nos jornais<br />
matérias que, de alguma<br />
forma, passavam pelo Direito<br />
Administrativo, Penal, Constitucional”,<br />
diz. O Direito<br />
não só supriu seu anseio por<br />
aprofundamento, como também<br />
ampliou suas opções de<br />
trabalho. Bia, como gosta de<br />
ser chamada, acredita que a<br />
segunda faculdade ajudaria na<br />
construção de sua carreira em<br />
qualquer área, enriquecendo<br />
sua formação como cidadã.<br />
“O Direito ajuda a relativizar<br />
e refletir as questões humanas,<br />
equilibrando pontos de<br />
vista”, afirma.<br />
Ela relata que as duas áreas<br />
se assemelham no que se refere<br />
ao instrumento de trabalho<br />
(o “poder da palavra”, como<br />
gosta de chamar) e na relação<br />
com pessoas. Destaca ainda<br />
a necessidade em ambos de<br />
sempre haver contraditório.<br />
Contudo, mesmo com as relações<br />
existentes, Bia enfrenta<br />
a conciliação de dois univer-<br />
arqUivo fórUm JUrídico<br />
Beatriz Bulla:<br />
estudante do<br />
7º semestre de<br />
direito da PuC-sP<br />
‘ O Direito ajuda<br />
a relativizar<br />
e refletir as<br />
questões humanas,<br />
equilibrando<br />
pontos de vista.<br />
Fórum jurídico<br />
97
o livro Justiça no<br />
Trabalho – 70 anos de<br />
direitos, obra publicada<br />
com mais três colegas,<br />
em dezembro de 2011<br />
98 Fórum jurídico<br />
alUnos<br />
beatriz bUlla<br />
sos distintos. “Às vezes brinco<br />
que são mundos diferentes”, e<br />
explica: “O volume de trabalho<br />
no Jornalismo é grande, a<br />
exigência também, mas o ambiente<br />
é mais leve. As pessoas<br />
não usam terno e gravata, o<br />
vocabulário é menos formal.<br />
Todos podem (e devem, muitas<br />
vezes) trabalhar com páginas<br />
de redes sociais abertas.<br />
Precisam estar antenados com<br />
o que acontece na internet, na<br />
música, na cidade. Tudo pode<br />
virar uma pauta. Em troca,<br />
passam finais de semana de<br />
plantão e podem perder uma<br />
festa porque algo aconteceu<br />
na última hora e precisa sair<br />
no jornal do dia seguinte. No<br />
Direito, as coisas, comparativamente,<br />
são mais planejadas,<br />
às vezes mais burocráticas, mas<br />
os salários são maiores”.<br />
‘ O curso de Direito servirá<br />
a cada um de acordo com<br />
suas ambições.<br />
Sobre as diferenças acadêmicas,<br />
expõe: “A relação dos<br />
alunos com a faculdade também<br />
é diferente. As aulas de<br />
Jornalismo exigem, sim, técnica<br />
e conteúdo, mas pedem<br />
muito repertório pessoal. Se<br />
você deixar de ler o texto<br />
de um teórico da comunicação<br />
para tirar o atraso da sua<br />
coleção de Piauís ou de New<br />
Yorkers, você pode não ir tão<br />
bem na prova, mas isso não<br />
será uma grande falha na sua<br />
vida profissional. Pelo contrário.<br />
No Direito não é bem<br />
assim. Se você não estudar o<br />
livro de Direito Processual Civil<br />
vai ter problemas”. Para a<br />
estudante, o desafio em lidar<br />
com as diferenças e conviver<br />
nesses dois ambientes é um<br />
exercício enriquecedor.<br />
DireiTo, JornaliSmo<br />
e TraBalho<br />
Especada em sua dupla formação,<br />
Beatriz estagiou no site<br />
Última Instância, importante<br />
difusor de notícias jurídicas.<br />
Neste cenário, reconhece que<br />
o curso da PUC-SP a auxilia<br />
em seu discernimento quanto
às informações que transmite,<br />
de modo a identificar conceitos,<br />
entender a linguagem dos<br />
juristas e interpretar acórdãos<br />
e decisões judiciais. Outro<br />
aspecto facilitador é a acessibilidade<br />
no meio acadêmico<br />
dos professores de Direito,<br />
facilitando o agendamento de<br />
entrevistas.<br />
Diferentemente do que<br />
seria de se imaginar, Beatriz<br />
explica que, apesar da faculdade<br />
lhe servir de amparo, até<br />
os seus colegas com formação<br />
exclusiva em Jornalismo têm<br />
elevado conhecimento jurídico.<br />
“Eles são quase bacharéis<br />
em Direito, de tanto que pesquisam<br />
e lidam com o tema.<br />
E são jornalistas competentes<br />
o suficiente para ligar para um<br />
advogado e tirar alguma dúvida<br />
quando é preciso.”<br />
Há um dito popular que diz<br />
que, para ter uma existência<br />
completa, uma pessoa deve escrever<br />
um livro, ter um filho<br />
e plantar uma árvore. Beatriz,<br />
mesmo com apenas 21 anos,<br />
já quitou o primeiro requisito.<br />
Inicialmente o projeto consistia<br />
em produzir um especial<br />
comemorativo dos 70 anos de<br />
‘<br />
O livro Justiça do Trabalho é um<br />
exemplo concreto de como o Direito<br />
pode me ajudar no envolvimento<br />
com projetos interessantes.<br />
criação da Justiça do Trabalho<br />
para o Última Instância, cujo<br />
lançamento veio a ocorrer em<br />
1º de maio de 2011. “Tudo foi<br />
feito com antecedência, com<br />
muito trabalho e em equipe”,<br />
diz. Ela chegou a viajar<br />
para o Rio de Janeiro a fim<br />
de realizar uma entrevista com<br />
Arnaldo Sussekind, único jurista<br />
ainda vivo entre os que<br />
participaram da elaboração da<br />
CLT (Consolidação das Leis<br />
do Trabalho).<br />
a oBra<br />
“O resultado de todo o<br />
especial ficou tão legal que<br />
se pensou em fazer um livro<br />
partindo daquele material”,<br />
explica. As matérias já existentes<br />
serviram de pontapé para a<br />
realização de novas entrevistas<br />
e apurações maiores. Beatriz<br />
foi incumbida de reeditar algumas<br />
entrevistas e realizar<br />
novas, tendo como entrevistadas<br />
pessoas relevantes na construção<br />
da Justiça do Trabalho<br />
no país ou representativas do<br />
desenvolvimento desse setor,<br />
além de elaborar a descrição<br />
do perfil de cada entrevistado.<br />
Beatriz enfatiza que o trabalho<br />
foi coletivo e que “houve<br />
muita orientação, muita conversa,<br />
todas as dúvidas eram<br />
discutidas. Tudo na equipe do<br />
Última Instância funcionava<br />
assim, e na Alameda, editora<br />
responsável pela publicação,<br />
também”. Assinam a obra<br />
Bea triz Bulla, Fabiana Barreto<br />
Nunes, Mariana Ghirello<br />
e William Maia, com reportagens<br />
também de Daniella<br />
Dolme e Thassio Borges. “O<br />
livro Justiça do Trabalho é um<br />
exemplo concreto de como<br />
o Direito pode me ajudar no<br />
envolvimento com projetos<br />
interessantes”, observa.<br />
A história da jovem jornalista<br />
ilustra a efetiva possibilidade<br />
de um aluno da graduação<br />
buscar uma formação<br />
completa, adequando suas atividades<br />
às suas metas de médio<br />
a longo prazo. A estudante<br />
mostra que o curso de Direito<br />
servirá a cada um de acordo<br />
com suas ambições, não se restringindo<br />
a togas e leis. E mais:<br />
com determinação, é possível<br />
fugir da mediocridade e ganhar<br />
destaque na área de atuação<br />
que se ambiciona. n<br />
Fórum jurídico<br />
99
100 Fórum jurídico<br />
livros<br />
em destaQUe<br />
estante Fórum jurídico<br />
um livro é um mundo mágico cheio de pequenos símbolos que podem<br />
ressuscitar os mortos e dar vida eterna aos vivos. Leia. Pense. discuta *<br />
Justiça<br />
o que é fazer<br />
a coisa certa<br />
MiChaEL J. saNdEL<br />
tradução: Heloísa matias e<br />
maria alice máximo<br />
349 páginas / Editora:<br />
civilização Brasileira<br />
Com base nas aulas ministradas na Universidade<br />
de Harvard, Michael J. Sandel, em seu livro<br />
Justiça – O que é fazer a coisa certa busca, em uma<br />
linguagem simples e atual, analisar os dilemas<br />
enfrentados por nossa sociedade a partir da aplicação<br />
prática do pensamento filosófico clássico.<br />
“Aristóteles, Immanuel Kant, John Stuart Mill e<br />
John Rawls figuram, todos eles, nestas páginas.”<br />
Muito mais que simplesmente ensinar a importância<br />
do Mito da Caverna, de Platão, ou do<br />
Utilitarismo, de Jeremy Bentham, Michel Sandel<br />
procura demonstrar ao leitor que a filosofia clássica<br />
continua presente em nossos pensamentos<br />
e influencia tanto governos como as pessoas em<br />
suas mais diversas atitudes.<br />
Assim, os diversos temas abordados pelo livro vão<br />
desde a crise financeira nos Estados Unidos, o pagamento<br />
de benefícios aos executivos com dinheiro<br />
público, a influência do Estado na economia, a escolha<br />
de quem deve viver ou morrer em determinadas<br />
situações, até o preço da felicidade. Todos esses<br />
tópicos vêm tratados sob a perspectiva da justiça.<br />
LUis gUstaVo dias E raqUEL soUFEN<br />
Este livro não é<br />
uma história das<br />
ideias, e sim uma<br />
jornada de reflexão<br />
moral e política *fonte<br />
É por essa abrangência e conteúdo reflexivo<br />
que o livro Justiça deve fazer parte da leitura obrigatória<br />
de quem quer compreender melhor o<br />
que é justiça e, consequentemente, a vida. Porque,<br />
nas palavras de Michel, “É profunda a convicção<br />
de que justiça envolve virtude e escolha: meditar<br />
sobre justiça parece levar-nos inevitavelmente a<br />
meditar sobre a melhor maneira de viver”.<br />
Quem quiser conhecer mais sobre o autor,<br />
seu curso em Harvard e sobre o livro pode<br />
acessar o site www.justiceharvard.org/about/<br />
michael-sandel/. No site é possível ler sobre o<br />
autor, conhecer seu curso e, o mais interessante,<br />
assistir a doze aulas (em inglês) em que o<br />
autor trata dos mais diversos temas atuais, com<br />
essa visão filosófica e crítica, que são suas principais<br />
características.<br />
michael J. sandel, influente filósofo, professor de Filosofia<br />
Política na universidade de Harvard, desde 1980, onde<br />
leciona o concorrido curso “Justiça”, que já foi visto por<br />
mais de 15 mil alunos.<br />
da citação: a BiBlioteca mágica de BiBBi Broken - hagerUP, klaUs; gaarder, Jostein; ed. cia. das letras
código da vida<br />
saULo raMos<br />
467 páginas<br />
editora: Planeta<br />
O livro <strong>Código</strong> da Vida tem como história principal<br />
um caso verídico em que o jurista advogou<br />
com maestria. No caso, Saulo Ramos defende<br />
um homem que foi acusado pela ex-mulher de<br />
ter abusado sexualmente dos próprios filhos. Tido<br />
pela consciência popular como “culpado” antes<br />
do julgamento, o homem entra no escritório do<br />
jurista implorando por sua defesa. A partir deste<br />
momento, a história gravita entre questões sobre<br />
a possibilidade de defesa de qualquer indivíduo e<br />
a dúvida acerca da inocência.<br />
Além do suspense trazido pelo caso, o leitor<br />
se prende às curiosíssimas experiências de vida<br />
de Saulo Ramos, as quais ele conta no decorrer<br />
do livro. Sua infância no interior de São Paulo,<br />
o seu papel no governo de Jânio Quadros, os<br />
cargos de Ministro da Justiça e Consultor-Geral<br />
da República no governo Sarney, e sua atuação<br />
na promulgação da atual Constituição Federal,<br />
são exemplos dos fatos narrados na obra.<br />
Elaborado como um livro de memórias e polêmico<br />
pela exteriorização de alguns pensamentos<br />
do jurista, <strong>Código</strong> da Vida leva o leitor para<br />
o mundo do direito vivido por este influente<br />
advogado brasileiro. Envolvente e cheio de suspense,<br />
a obra certamente irá prender o leitor até<br />
a última página.<br />
Saulo ramos é advogado, foi oficial de Gabinete do governo de jânio<br />
Quadros e ministro da Justiça de 1989 a 1990, no governo de José sarney.<br />
grandes<br />
advogados<br />
PiErrE MorEaU<br />
(organização)<br />
351 páginas<br />
Editora: casa do Saber<br />
No presente livro, o advogado Pierre Monreau<br />
busca, por meio de uma série de entrevistas, aproximar<br />
o leitor da história dos mais influentes advogados<br />
do Brasil, como Márcio Thomaz Bastos,<br />
Priscila Corrêa da Fonseca, Modesto Carvalhosa,<br />
Miguel Reale Júnior, Eros Grau, Ary Oswaldo<br />
Mattos Filho, Alexandre Bertoldi e Antonio<br />
Meyer, todos respondendo a perguntas sobre a<br />
descoberta da apaixonante arte do Direito, de<br />
acordo com os sonhos e conquistas de cada um.<br />
Lições de quem ensina e aprende<br />
em exercício permanente<br />
A série de entrevistas cativa o leitor mostrando<br />
que acima do estudo, do poder de convencimento,<br />
e da habilidade com a palavra, está a<br />
paixão pela ciência do Direito, a qual, em alguns<br />
casos, demora para aflorar no indivíduo.<br />
Este é, sem dúvida, um livro que todos os<br />
profissionais ligados à área do Direito devem<br />
ler. Não só aqueles que almejam a carreira de<br />
advocacia, mas sim todos aqueles que desejam<br />
se inspirar nas grandes figuras que se destacam<br />
hoje na história do Direito.<br />
Pierre moreau, ilustre advogado, formado pela PuC-sP em 1991, mestre<br />
e doutor pela mesma instituição, membro do Conselho do insper – sP,<br />
é sócio-fundador da Casa do saber – sP e presidente do ideabank.<br />
Fórum jurídico 101
102 Fórum jurídico<br />
associação Sapientia<br />
A Associação Sapientia de Alunos e Ex-Alunos<br />
da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade<br />
Católica de São Paulo é uma associação civil, sem<br />
fins lucrativos, criada com o objetivo de (i) promover<br />
e estimular a integração entre alunos, ex-alunos<br />
e professores da Graduação e Pós-Graduação do<br />
curso de Direito da PUC-SP, (ii) colaborar com a<br />
comunidade puquiana na busca de uma faculdade<br />
mais completa por meio da promoção de atividades<br />
culturais, tais como palestras, cursos, simpósios,<br />
bolsas de estudo e aquisição de livros.<br />
Além disso, queremos reacender as chamas de<br />
orgulho, união, perseverança e justiça social, que<br />
sempre foram características de nossos alunos,<br />
para tornar nossa “Gloriosa” e nossa sociedade<br />
um lugar melhor.<br />
Dessa forma, devemos elevar nossa faculdade de<br />
Direito a um patamar que ela realmente merece,<br />
colocando-a à frente de qualquer outro ideal. Não<br />
basta ser 5 estrelas no MEC, tem que ser completa<br />
para os alunos, com oportunidades de desenvolvimento<br />
intelectual, social e profissional.<br />
Nesse sentido, recém-nascida, nossa Associação<br />
já lançou a revista Fórum Jurídico, inovadora, de<br />
conteúdo abrangente, com matérias e artigos visando<br />
incentivar os <strong>novo</strong>s alunos a se apaixonarem pela<br />
história da PUC-SP e atrair os antigos alunos para<br />
mais perto de nossa faculdade. E não vai parar aqui!<br />
Temos grandes planos para nossa “Gloriosa”.<br />
Entre os projetos da Associação, destacamos<br />
os seguintes:<br />
• revista Fórum Jurídico – revista discente da Faculdade<br />
de direito da PuC-sP. Com o corpo editorial formado<br />
apenas por alunos da graduação, a revista Fórum Jurídico<br />
busca incentivar o desenvolvimento profissional<br />
alUnos e ex-alUnos | direito PUC-sP<br />
PUC além das salas de aula<br />
Atividades culturais, palestras e bolsa de estudos são algumas das<br />
metas da Associação, que promove a integração entre aluno e professor<br />
e pessoal dos discentes, com a possibilidade de publicação<br />
de artigos jurídicos, aprendizado com o conteúdo<br />
e contato direto com grandes ex-alunos do direito PuC.<br />
• palestras e cursos – A Associação Sapientia realizará<br />
palestras e cursos para os alunos, buscando diversificar<br />
os temas de interesse e trazer profissionais das mais diversas<br />
áreas para que os estudantes possam ter contato<br />
direto e tirar dúvidas com especialistas formados pela PuC.<br />
• Doação de livros – Efetuaremos doações de livros<br />
à faculdade para que os estudantes tenham acesso a<br />
acervos mais <strong>novo</strong>s e atualizados.<br />
• Banco de currículos – Para os alunos que estiverem<br />
procurando estágio, a Associação formará um banco de<br />
currículos em que os alunos poderão incluir seus dados,<br />
experiências e a área onde desejam estagiar. esse banco<br />
de currículos ficará à disposição e em contato direto com<br />
escritórios, empresas e órgãos públicos para que estes<br />
possam procurar estagiários que combinem com o perfil<br />
do local de trabalho.<br />
Além dos mencionados, temos diversos outros<br />
projetos, mas, para isso, precisaremos de todo<br />
o apoio dos puquianos. Assim, convidamos você<br />
a fazer parte da nossa Associação. Para isso, destaque<br />
e preencha o formulário que consta na<br />
página ao lado e entregue para um de nossos representantes,<br />
juntamente com o comprovante de<br />
pagamento do plano selecionado ou, se preferir,<br />
envie a documentação para associacao@associacaosapientia.org.br.<br />
Vamos, juntos, continuar a construir a história<br />
do ”Direito PUC”, história de resistência, de luta<br />
pela Democracia, de superação e de justiça, só que<br />
agora repleta de oportunidades para o desenvolvimento<br />
intelectual, social e profissional.<br />
Esperamos por você!
Dados pessoais<br />
nome do associado<br />
data de nascimento Sexo<br />
estado civil nacionalidade<br />
Documentos<br />
CPF nº oab<br />
rG Seção<br />
endereço para correspondência<br />
Endereço<br />
complemento<br />
bairro CeP<br />
cidade Estado<br />
Dados para contato<br />
Telefone 1<br />
telefone 2<br />
E-mail<br />
Fax<br />
Dados profissionais<br />
Local de trabalho<br />
Posição atual<br />
ano de graduação na PuC<br />
Local de pós-graduação<br />
FiCha de insCrição<br />
associação Sapientia de alUnos e ex-alUnos da facUldade de direito da PUc-sP<br />
plano de associação<br />
aluno da graduação Ex-aluno da graduação, aluno ou ex-aluno<br />
r$ 40,00 por ano pagos à vista do mestrado/doutorado<br />
r$ 60,00 por ano pagos à vista<br />
Dados para depósito bancário<br />
associação de alunos e ex-alunos da Faculdade de direito da Pontifícia universidade Católica de são Paulo<br />
banco santander (033) agência 3004 Conta 13-005685-9 CnPJ 14.671.140/0001-04
evista<br />
Patrocínio<br />
aPoio